APOSTILA DE DIREITO DO CONSUMIDOR
Aplicação: Oitavo Período do Curso de Direito da UGB/FERP Bibliografia: GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do Anteprojeto, 8ª ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. CAVALIERI FILHO, Sérgio, Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008. UNIDADE I: O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR: -
Aspectos históricos Dispositivos constitucionais. Origem e finalidade. Princípios que norteiam as relações consumeristas. A Política Nacional das Relações de Consumo. Conceitos: consumidor, fornecedor, produtos e serviços. O consumidor perante a Teoria Finalista, Maximalista e Finalista Atenuada. Para o Mestre João Batista de Almeida, hodiernamente, o consumo é parte indissociável do cotidiano do ser humano. É verdadeira a afirmação de que todos nós somos consumidores. Independente da classe social e da faixa de renda, consumimos desde o nascimento e em todos os períodos de nossa existência.
I - ASPECTOS HISTÓRICOS Devemos, inicialmente, entender quais fatos sociais que contribuíram para o surgimento do Código de Defesa do Consumidor, Lei n.° 8.078 de 11 de setembro de 1990, além de afastar a influência dos conceitos de base privatista, por serem absolutamente inadequados a sociedade capitalista contemporânea, para então, compreendermos a sua extensão e aplicação. 1
Cediço que o CDC foi editado em 11/09/1990. Antes mesmo de sua criação já existiam relações de consumo que eram protegidas, inadequadamente, pelas regras do direito civil. Nesse sentido, aplicamos durante quase um século às relações de consumo a lei civil e tal aplicação, naturalmente, influenciou na nossa formação jurídica, fato este que dificultou a compreensão da nova era jurídica, iniciada com sobredita lei que regula as relações jurídicas de consumo. Assim, entender o CDC pressupõe compreender a sociedade em que vivemos, conhecida como sociedade de massa, que começou a se formar a partir da Revolução Industrial. Não obstante, cediço que o ser humano realiza atos de consumo desde sempre, há, inclusive, menção no Código de Hamurabi. Contudo, o enfoque histórico será dado a partir da história mais recente da humanidade, especialmente à época que surgiu a sociedade em consumo em massa. Nesse momento histórico, iniciou-se crescimento demográfico nos grandes centros urbanos, proveniente do êxodo rural, gerando, com isso, um aumento da demanda e, consequentemente, o aumento da oferta. Diante dessa nova realidade, as indústrias se viram impelidas a produzirem cada vez mais. Passou-se então a pensar num modelo de produção capaz de entregar, para um maior número de pessoas mais produtos e serviços. Para isso, criou-se a chamada produção em série, a “standartização” da produção, ou seja, a homogeneização da produção. A aludida produção homogeneizada levou a redução dos custos e ao aumento da oferta e deu tão certo que passou a alcançar um número cada vez maior de consumidor, tornando essa relação indireta e impessoal. Assim, ela rompeu com a conhecida produção artesanal, onde o consumidor conhecia pessoalmente o fornecedor e isso lhe permitia, de certa forma, controlar a produção e distribuição do produto pretendido, já que nessa ocasião a relação era direta e pessoal. Com a segunda grande guerra o novo modelo ganhou um plus com o uso da tecnologia tornando-se o modelo padrão de produção adotado mundialmente, criando, assim, os grandes empreendedores comerciais e industriais que se tornaram a parte mais forte na relação jurídica de consumo.
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Dentre as diversas características do aludido modelo, existem duas que interessam de perto para o estudo do direito do consumidor. A primeira caracteriza-se pela produção unilateral do fabricante, que tem como escopo ofertar um grande número de produtos ou serviços para serem adquiridos por um número cada vez maior de pessoas. Para tanto, ele cria um modelo e depois o reproduz milhares de vezes. A segunda resta evidenciada pelo gritante desequilíbrio da relação contratual que se formou, onde a parte mais fraca da relação, o consumidor, fica subordinada as regras impostas pela mais forte, o fornecedor. Com escopo de vender os milhares de exemplares produzidos tornou-se preciso contratar em massa. Diante disso, os contratos passaram a obedecer a mesma regra da linha de produção do bem ou serviço, qual seja, cria-se, unilateralmente, um único contrato e o reproduz milhares de vezes, fazendo, com isso, surgir os contratos de adesão, assim denominado, pois não permitem a discussão das cláusulas nele contidas, impedindo o pleno exercício do elemento volitivo do contratante-consumidor. Tomemos como exemplo uma montadora que produz mil carros e os vende a uma concessionária. Não teria sentido se a referida concessionária fizesse mil contratos diferentes para mil compradores ou no exemplo das instituições financeiras, milhões de contratos diferentes. Conforme leciona Rizzatto Nunes, quem planeja a oferta de um serviço ou um produto qualquer, por exemplo, financeiro, bancário, para ser reproduzido milhões de vezes, também planeja um único contrato e o imprime e distribui milhões de vezes. Para realmente compreendermos a missão do CDC, devemos, portanto, romper com a memória privatista, pois caso contrário, nesse caso do contrato nos reportaríamos, entre outros, ao aforismo pacta sunt servanda, (o contrato faz lei entre as partes ou os pactos devem ser respeitados), já que no direito civil essa é uma forte característica contratual que fundamenta-se na autonomia da vontade, pois presume-se que o que ali está contido é fruto da deliberação conjunta das partes envolvidas, que se apresentam em igualdades de condição e não da imposição de uma sobre a outra. Como vimos essa não é uma realidade nas relações de consumo, pois o consumidor não discute qualquer cláusula, apenas faz a sua 3
adesão, experimentando uma completa diminuição do seu poder de deliberar que evidencia uma das vertentes de sua vulnerabilidade diante do fornecedor. Como se sabe, o direito é, e realmente deve ser, uma ciência dinâmica, cambiante no tempo. Atento a isso e percebendo os fenômenos sociais que estavam ocorrendo, o legislador começou a pensar em uma forma de compensar o desequilíbrio que estava se formando nas novas relações jurídicas, principalmente, com relação a vulnerabilidade (econômica, técnica, fática, jurídica, etc.)do consumidor. Assim, os velhos dogmas começaram a ser repensados e, aos poucos, o contrato foi perdendo a sua aparência individualista para adquirir uma função social dentro da sociedade moderna. O discurso realizado pelo presidente John Kennedy ao Congresso Nacional Americano em 15 de março de 1962 representa, para muitos, um marco da proteção ao consumidor. Nesta ocasião, ele proclamou: “consumer by definition, include us all” salientando que todo consumidor tem direito, essencialmente, de ser ouvido, mas também à segurança, à informação e à escolha. O referido pronunciamento provocou debates em vários países e estudos sobre a matéria e passou a ser considerado um marco na defesa dos direitos dos consumidores. Outrossim, verificou-se que o consumidor seria o elo mais fraco da corrente econômica capitalista, e nenhuma corrente é mais forte que o seu elo mais fraco ou nas palavras de Henry Ford "O consumidor é o elo mais fraco da economia. E nenhuma economia pode ser mais forte do que seu elo mais fraco". Esta proclamação inspirou posteriormente legislações de proteção do consumidor em diversos países, tornando o referido dia, 15 de março, como o Dia Mundial de Proteção ao Consumidor. A partir desse pronunciamento, ocorreu uma crescente inserção da proteção ao consumidor nas constituições sendo este mais um importante passo para a fundação deste ramo jurídico. Entre os anos 1974 e 1990, cerca de 30 (trinta) países passaram por uma transição rumo à democracia. Mauro Cappelletti afirma que este processo incluiu a feitura de novos textos constitucionais que passam a conter a proteção ao consumidor e a tutela dos interesses difusos. 4
No Brasil, este rol de direitos básicos do consumidor foi acolhido pelo Código de Defesa do Consumidor e ampliado por seu art. 6º, bem como o dia 15 de março foi proclamado como o Dia Nacional do Consumidor pela Lei 10.504 de 08 de julho de 2002. Com a nossa Constituição Cidadã não foi diferente. Assim, o Brasil incluiu o consumidor como destinatário da proteção jurídica constitucional com a Constituição de 1988. O reconhecimento da defesa do consumidor representou um avanço aos direitos fundamentais. Da concepção individual, restrita a direitos civis e políticos, ele passa ao conceito coletivo ou grupal (criança e adolescente, consumidores idosos, torcedores), abarcando direitos sociais e difusos. A Carta Magna brasileira reconhece a proteção do consumidor como direito fundamental, no art. 5º, XXXII, in verbis: Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; Diante de tal regra, o constituinte originário institui um direito subjetivo público geral a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país. Efeitos do status de direito fundamental. A doutrina aponta três consequências da consagração do Direito do Consumidor como um fundamental. Quais sejam: I – Proteção como parte do núcleo imodificável da CF. Trata-se, portanto, de cláusula pétrea (artigo 60, §4º da CF)
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II – Eficácia Horizontal (direta ou indireta) do direito fundamental – o Estado deverá garantir que os fornecedores respeitem o direito do consumidor. Será direta, quando utilizar o texto constitucional para proteção dos direitos dos consumidores; será indireta, quando se utilizar norma infraconstitucional para proteção, por exemplo, as normas do CDC dentre outras. Além da eficácia vertical dos direitos fundamentais, entendida como a vinculação dos Poderes estatais aos direitos fundamentais, podendo os particulares exigi-los diretamente do Estado, surgiu na Alemanha, com expansão na Europa e, atualmente, no Brasil, a teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. A eficácia horizontal dos direitos fundamentais, também chamada de eficácia dos direitos fundamentais entre terceiros ou de eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, decorre do reconhecimento de que as desigualdades não se situam apenas na relação Estado/particular, como também entre os próprios particulares, nas relações privadas. DANIEL SARMENTO[7], em monografia sobre o tema diz que: “O Estado e o Direito assuem novas funções promocionais e se consolida o entendimento de que os direitos fundamentais não devem limitar o seu raio de ação às relações políticas, entre governantes e governados, incidindo também em outros campos, como o mercado, as relações de trabalho e a família.”
Trazemos a lume algumas teorias explicativas sobre a relação entre particulares e os direitos fundamentais, com destaque as Teoria da INEFICÁCIA HORIZONTAL dos direitos fundamentais, Teoria da EFICÁCIA HORIZONTAL INDIRETA dos direitos fundamentais, e por fim, mas não menos importante, a Teoria da EFICÁCIA HORIZONTAL DIRETA dos direitos fundamentais. TEORIA fundamentais
da
INEFICÁCIA
HORIZONTAL
dos
direitos
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Segundo essa teoria, se há uma ineficácia horizontal, significa que os direitos fundamentais não podem ser aplicados às relações entre particulares. É a teoria adotada nos Estados Unidos, onde se entende (doutrina e jurisprudência) que os direitos fundamentais têm apenas a eficácia clássica, vertical. Aplicam-se às relações entre Estado e particular, mas não seria aplicado às relações entre particulares. Essa teoria só vigora nos EUA devido ao fato de a Constituição norte americana, que é de 1787 (vigente até os dias atuais) e à época de sua promulgação só haviam direitos de defesa do indivíduo em face do Estado. Seu texto traz vários dispositivos que consagram direitos fundamentais, fazendo referência ao Estado, ao Poder Público como destinatário desses deveres. Só que mesmo nos EUA, criou-se uma teoria para contornar essa situação. Há muita divergência doutrinária sobre essa teoria da ineficácia horizontal dos Direitos Fundamentais, ou Doutrina da State Action (Doutrina da Ação Estatal). Para Daniel Sarmento, referida teoria simplesmente nega aplicação da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, ou seja, os direitos fundamentais não se aplicariam nas relações entre particulares. Já para Virgílio Afonso da Silva, a teoria da State Action não nega aplicação dos direitos fundamentais entre particulares, mas tenta, de alguma forma, contornar a falta de regulamentação, sendo a finalidade da doutrina definir em que caso se poderia fazer a aplicação, mesmo que os direitos fundamentais, em regra, não se apliquem às relações entre particulares. O detalhe, segundo o doutrinador, é que não estamos nos referindo a uma doutrina que estabelece de forma sistemática as situações. Nas palavras do constitucionalista Virgilio Afonso da Silva: “Tentar afastar a impossibilidade de aplicação definindo, ainda que de forma casuística e assistemática em que situações essa aplicação poderia ocorrer.”, essa a finalidade da Teoria da State Action.
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Ainda nas palavras do autor: “A equiparação de determinados atos privados a atos estatais.”, é o artifício utilizado para aplicação da eficácia horizontal em determinados atos privados. Temos ainda duas teorias que buscam explicar a eficácia horizontal dos direitos fundamentais: a teoria da eficácia indireta ou mediata e a teoria da eficácia direta ou imediata. TEORIA DA EFICÁCIA HORIZONTAL INDIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Para a teoria da eficácia indireta ou mediata, os direitos fundamentais são analisados do ponto de vista de duas dimensões: a) dimensão negativa ou proibitiva, que veda ao legislador editar lei que viole direitos fundamentais; b) dimensão positiva, impondo um dever para o legislador implementar direitos fundamentais, ponderando, porém, quais deles devam se aplicar às relações privadas. Essa a teoria prevalente na Alemanha. Para essa teoria, não há que se falar em imposição de direitos fundamentais numa relação entre particulares que estão em nível de igualdade. Não negam - os seguidores de referida teoria - que os direitos fundamentais possam ser aplicados a essas relações, mas dizem que para isso acontecer, é necessário uma intermediação através da lei. A lei, o direito privado, teria que regulamentar, que incorporar aqueles direitos fundamentais ao direito privado, para que a aplicação fosse relativizada, ou, tecnicamente falando, os direitos fundamentais irradiam os seus efeitos nas relações entre particulares por meio de mediação legislativa. Então, segundo a doutrina alemã, essa porta de entrada dos direitos fundamentais nas relações entre particulares seriam as cláusulas gerais do direito privado, os pontos de infiltração. Portanto, para a teoria da eficácia indireta dos direitos fundamentais, ao se interpretar uma cláusula geral, deve-se fazê-lo com base nos direitos fundamentais que a Constituição consagra. TEORIA DA EFICÁCIA HORIZONTAL DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
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Esta teoria curiosamente surgiu na Alemanha, na década de 50, por meio de um magistrado do Tribunal Federal do Trabalho, chamado Hans Carl Nipperdey. A curiosidade reside no fato de que, apesar de ter surgido na Alemanha, não prevalece naquele país. Nos termos da proposta da teoria da eficácia direta ou imediata, como o próprio nome sugere, alguns direitos fundamentais podem ser aplicados diretamente às relações privadas, ou seja, sem a necessidade da intervenção legislativa.
III – Garantia constitucional deste novo ramo do direito, tendo em vista a força normativa da Constituição. Significa que nenhuma lei poderá desrespeitar a normatividade do CDC, pois está lastreado na força normativa da Constituição, o que garante a eficácia de suas normas. Para alguns doutrinadores, aplica-se também a Teoria da Proibição do Retrocesso, segundo a qual, qualquer norma que tente diminuir ou suprimir direitos dos consumidores deve ser considerada inconstitucional. Outrossim, a CF/88 elenca a defesa do consumidor, adotando-o como princípio da ordem econômica, conforme se depreende do art. 170, inciso V, a seguir: Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) V – defesa do consumidor. Vislumbra-se então, que a defesa do consumidor é princípio que deve ser seguido pelo Estado e pela sociedade para atingir a finalidade de existência digna e justiça social, imbricado com o princípio da dignidade da pessoa humana. Para a doutrina, este princípio possui um caráter conformador, pois autoriza a intervenção do Estado na economia - decorrência do Estado 9
Social de Direito, bem como conforma a atuação do fornecedor, garantindo a sua livre iniciativa, mas garantindo a proteção do consumidor. É uma forma de harmonizar o sistema, evitando desequilíbrio na relação consumerista. Assim, como nosso país adota o modelo de economia capitalista de produção onde a livre iniciativa é um princípio basilar da economia de mercado, mesmo assim, a CF/88 confere proteção ao consumidor contra os eventuais abusos ocorridos no mercado de consumo, abrindo uma brecha para a intervenção do Estado na ordem econômica. Além disso, a Constituição confere concreção ao princípio de defesa do consumidor através de regras referentes à competência para legislação sobre a responsabilidade por danos ao consumidor (art. 24, VIII); ao esclarecimento sobre impostos incidentes sobre mercadoria e serviço (art. 150, § 5º); à necessidade de lei sobre a concessão de serviços públicos e o direito dos usuários (art. 175, parágrafo único, II); ao esclarecimento em propaganda dos malefícios causados pelo fumo, bebida, agrotóxico, medicamentos e terapias (art. 220, § 4º), etc. Por fim, a Constituição determinou a elaboração de uma lei para a defesa do consumidor, dando origem constitucional ao CDC, bem diferente de como ocorre com as demais leis ordinárias em geral, conforme se depreende do art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: Art. 48 - O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor. Assim, por expressa determinação da Carta Política de 1988, atribuindo, portanto, origem constitucional, surge o CDC para fazer frente a nova realidade fática e, consequentemente, jurídica da expansão mundial do consumerismo e regular o princípio constitucional da defesa do consumidor. INFLUÊNCIA O Código de defesa do consumidor foi inspirado em vários modelos legislativos estrangeiros, mas foi o Código de Consumo Francês nossa 10
principal influência. Salienta-se que o CDC foi uma norma extremamente revolucionária, servindo, hoje, como modelo para outros países da América Latina. O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR => Lei Ordinária n.° 8.078 de 11 de setembro de 1990. CONCEITO Conjunto de regras e princípios que regula a tutela de um sujeito especial de direitos, a saber, o consumidor, como agente privado vulnerável, nas suas relações frente a fornecedores. CARACTERÍSTICAS DA LEI OBJETO e FINALIDADE O direito consumerista é concebido como conjunto de princípios e regras destinadas à proteção do consumidor, logo se verifica que não é o consumo o objeto central da tutela instituída (como ocorre na França), e sim o próprio consumidor. TERMINOLOGIA Esta terminologia também se revela por ser mais adequada do ponto de vista constitucional e legal, pois como vimos a defesa do consumidor é preocupação expressa no art. 5º, XXXII da CF/88. NORMA COGENTE Verifica-se da simples leitura do artigo 1º do CDC que se trata de norma cogente, cuja observância de seus preceitos se torna obrigatória, pois não tolera renúncia de direito. Nesse sentido o STJ: “As normas de proteção e defesa do consumidor têm índole de ordem pública e interesse social. São, portanto, indisponíveis e inafastáveis, pois resguardam valores básicos e fundamentais da ordem jurídica do Estado Social, daí a impossibilidade de o consumidor delas abrir mão ‘ex ante’ e no atacado” (Resp 586.316/MG). Não bastasse, é considerada um norma de ordem pública e de interesse social, o que permite a intervenção do juiz de oficio, a fim de 11
que seja preservado o interesse do consumidor e o interesse social. Assim, o juiz pode inverter o ônus da prova de oficio, declarar nulidade de cláusula abusivas etc. Assim sendo, fica claro que representa uma total afronta ao princípio do protecionismo do consumidor o teor da Súmula 381 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual, nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer de ofício das abusividades das cláusulas contratuais. Outra consequência da norma de ordem públlica, seria a de que cabe sempre a intervenção do Ministério Público em questões envolvendo problemas de consumo. A Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985) reconhece a legitimidade do Ministério Público para as demandas coletivas envolvendo danos materiais e morais aos consumidores (art. 1º). O interesse social permite que se combata os abusos não só das partes, mas de toda a coletividade, pois as relações jurídicas de consumos são disseminadas. Ressaltando ainda mais a importância da proteção do consumidor, destaque-se, do ano de 2013, a emergência do Decreto 7.963, que institui o Plano Nacional de Consumo e Cidadania e cria a Câmara Nacional das Relações de Consumo. Nos termos do seu art. 1º, tal Plano tem como finalidade promover a proteção e defesa do consumidor em todo o território nacional, por meio da integração e articulação de políticas, programas e ações. O Plano Nacional de Consumo e Cidadania será executado pela União em colaboração com Estados, Distrito Federal, Municípios e com a sociedade. São suas diretivas fundamentais: a) educação para o consumo; b) adequada e eficaz prestação dos serviços públicos; c) garantia do acesso do consumidor à justiça; d) garantia de produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho; e) fortalecimento da participação social na defesa dos consumidores; f) prevenção e repressão de condutas que violem direitos do consumidor; e g) autodeterminação, privacidade, confidencialidade e segurança das informações e dados pessoais prestados ou coletados, inclusive por meio eletrônico (art. 2º). MICROSSISTEMA JURIDICO O CDC ao lado de outras leis como a das Locações (Lei 8.245/91), do Seguro (Dec. Lei 73/66), dos Condomínios e Incorporações (n°. 4.591/64) entre outras, criam o que se chama de microssistema jurídico ou subsistema autônomo, instituindo uma tutela especial 12
protetiva, muito similar da legislação trabalhista, da criança e do adolescente, do idoso e outras leis ou estatutos tendentes a criar uma esfera particular de normatização. Outrossim, é importante ressaltar que o CDC, diante de uma relação jurídica de consumo e na qualidade de subsistema e norma especial, prevalece sobre as demais regras exceto claro, com relação a Constituição, como de resto qualquer norma de hierarquia inferior, sendo ainda, aplicado às outras normas de forma supletiva e complementar. Dessa forma, verifica-se que o CDC possui posição de destaque dentro do ordenamento jurídico, sendo uma norma supra legal com uma malha principiológica própria, certo que eventual conflito aparente de normas será resolvido com a aplicação da norma mais benéfica ainda que está não seja o CDC, conforme dispõe o artigo 7º, a seguir transcrito: Art. 7º - Os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade. STJ – O microssistema jurídico criado pela legislação consumerista busca dotar o consumidor de instrumentos que permitam um real exercício dos direitos a ele assegurados e, entre os direitos básicos do consumidor, previstos no art. 6.º, VIII, está a facilitação da defesa dos direitos privados.
Ademais, para Rizzatto Nunes, o CDC é uma lei principiológica, modelo até então inexistente no Sistema Jurídico Nacional. Como lei principiológica entende-se aquela que ingressa no sistema jurídico de forma horizontal, atingindo toda e qualquer relação jurídica que possa ser caracterizada de consumo e que também seja regrado por outra norma jurídica infraconstitucional, levando a sua aplicação a todas as áreas do direito, seja público, privado, contratual, extracontratual, 13
material, formal, mas que, frisa-se, se caracterize uma relação jurídica de consumo. Nesse sentido, ensina Nelson Nery Júnior quando discorre sobre a proteção contratual no CDC, comentado pelos autores do anteprojeto da editora Forense Universitária – página 444, 7ª edição, “Optou-se por aprovar lei que contivesse preceitos gerais, que fixasse os princípios fundamentais das relações de consumo. É isto que significa ser uma lei principiológica. Todas as demais que se destinarem, de forma específica, a regular determinado setor das relações de consumo deverão submeterse aos preceitos gerais da lei principiológica, que é o Código de Defesa do Consumidor”. O Mestre Sérgio Cavalieri Filho bem ensina quando afirma, que hoje, tudo ou quase tudo é relação de consumo: saúde, habitação, segurança, transportes, alimentação, medicamentos, e assim, por diante: Somos mais de 180 milhoes de consumidores no Brasil, sem contar as pessoas jurídicas, gerando diariamente outros tantos milhões de relações de consumo. Seria uma temeridade, e até uma impossibilidade, se o legislador pretendesse retirar dos múltiplos diplomas legais tudo aquilo que se relaciona com os direitos ou interesses do consumidor, para concentrar tudo isso em um minissistema jurídico. Isso seria impraticável. Por isso, sem retirar as relações de consumo do campo do Direito onde por natureza se situam, sem afastá-las de seu natural habitat, o Código do Consumidor irradia sobre elas a sua disciplina, colorindo-as com as suas tintas. Vale dizer, a disciplina do Código de Defesa do Consumidor alcança as relações de consumo onde quer que venham a ocorrer. Tomemos como exemplo da sua inserção horizontal um contrato de seguro de automóvel, pois continua sendo regrado pelo Código Civil e pelas demais normas editadas pelos órgãos que regulamentam o setor (SUSEP, instituto de Resseguros, etc.), entretanto, também está submetido a todos os princípios e regras da Lei 8.078/90, ressaltando que esta ultima prevalece sobre aquelas. Igualmente ocorre com os serviços públicos, pois continuam regidos pelas leis e princípios de Direito Público, mas o que for pertinente as relações de consumo fica também sujeitos a disciplina do CDC.
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Diante disso, não é mendaz afirmar por força constitucional surgiu um novo direito que figura na relação de consumo e como tal, tem campo de aplicação próprio, objeto próprio e princípios próprios. Sua aplicação não retroage a sua vigência, exceto nos casos de prestações sucessivas, em que o contrato é por prazo indeterminado, a exemplo dos planos de saúde. POLÍTICA NACIONAL DE RELAÇÕES DE CONSUMO Adotar uma Política Nacional significa adotar uma orientação global para disciplinar as relações de consumo. A Política Nacional de Relações de Consumo está contemplada pelo artigo 4° do CDC e deve fundamentar-se em diversos princípios que permeiam todo o CDC, sendo inclusive utilizados como direitos básicos do consumidor. Ressalta-se, que os objetivos da Política Nacional de Defesa do Consumidor, previstos no artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor, consistem no atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde, segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos determinados princípios. Tais princípios consubstanciam no estabelecimento de alguns pressupostos básicos previstos pela lei, a serem observados pela sociedade (também o Poder Público), que servem de diretrizes para todo o sistema de proteção e defesa do consumidor. Para efetivação destes princípios, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 5º, dispôs sobre os instrumentos que devem ser utilizados, como a assistência jurídica, integral e gratuita para o consumidor carente; criação de Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor, no âmbito do Ministério Público; criação de delegacias de polícia especializadas no atendimento de consumidores vítimas de infrações penais de consumo; criação de Juizados Especiais de Pequenas Causas e Varas Especializadas. Conforme se depreende da simples leitura do artigo 4º da Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990), vários são os princípios gerais da defesa do consumidor que visam proporcionar o atendimento das necessidades dos consumidores, levando-se em consideração sua 15
dignidade, saúde e segurança, bem como a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, transparência e harmonia nas relações entre eles e seus fornecedores de produtos ou serviços. Vejamos então, os incisos e princípios mais importantes e não somente aqueles adotados pela Política Nacional de Relações de Consumo: PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR O princípio em baila é, na verdade, a primeira medida da isonomia, garantida pela Constituição Federal. Significa dizer que o consumidor é a parte mais fraca da relação jurídica de consumo. Essa fraqueza é real, concreta e decorre de vários aspectos entre os quais temos o aspecto econômico, o técnico e o aspecto fático. O aludido princípio está contemplado expressamente no CDC, em seu artigo 4°, I, a seguir transcrito: Art. 4° (…) I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo. As suas vertentes serão estudadas quando da análise do conceito de consumidor, haja vista ser este o sujeito que ostenta esse título por não possuir qualquer controle sobre o processo produtivo (produção, distribuição e comercialização), pois apenas participa em sua última etapa (consumo). Como bem ensina o mestre Antônio Hermam Benjamim, vulnerabilidade não se confunde com hipossuficiência, para ele, a vulnerabilidade é um traço universal de todos os consumidores, ricos ou pobres, educados ou ignorantes, crédulos ou espertos. Já a hipossuficiência e a marca pessoal, limitadade de alguns – até mesmo de uma coletividade – mas nunca de todos os consumidores (....) A vulnerabilidade do consumidor por si, justifica a existência do Código. PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA
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O principio da transparência consta em diversos artigos do CDC de forma implícita e explicita como é o caso do caput do artigo 4.°do CDC, conforme segue: Art.4° A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios. (grifei) Nas relações de consumo, o que se quer é uma conduta transparente de ambas as partes. As partes não podem contratar de maneira ambígua, com reserva mental, elas devem expor uma á outra as suas pretensões, as suas expectativas. Foi-se o tempo dos contratos redigidos em linguagem hermética, impenetrável, técnica, que o contratante não podia decifrar e, por isso, somente depois percebia que tinha sido enganado. Tamanha é a necessidade de transparência que o próprio CDC determinou expressamente que haja transparência nas relações de consumo. Igualmente ocorreu com outras leis que lhes seguiram, inclusive para alterá-lo, pois reafirmaram a necessidade de transparência nas relações de consumo, come ocorreu com a Lei 11.785/2008 que determinou que a fonte n.° 12 deverá ser utilizada nos contratos de adesão, igualmente, a Lei 11.989/2009 acrescentou o parágrafo único no art. 31 do CDC, dispondo que as informações, nos produtos refrigerados devem ser gravados de forma indelével, ou seja, não podem delir, desvanecer, apagar, a exemplo do queijo, iorgute, margarina, pizza, etc. O que se busca com a transparência é permitir que os contratos, uma vez lidos, por pessoas comuns, sejam por elas compreendidos. O princípio da transparência decorre do dever de informar do fornecedor e do direito a informação do consumidor, que torna defeso a criação de barreiras à informção a fim de ocultar desvantagens ao consumidor ou a enganosa valorização das vantagens que o contrato lhe trará. PRINCÍPIO DA INFORMAÇÃO 17
Visa suprir a deficiência técnica do consumidor, ou seja, a vulnerabilidade técnica do consumidor diante do produto e serviço colocado a disposição no mercado de consumo. O fornecedor deve informar o consumidor tudo que ele precisa saber sobre aquele produto/serviço, em especial, no que tange a sua segurança, qualidade, características, funcionamento, preço, etc. Assim, ainda que o consumidor adquira um produto importado, o manual deve estar em português a fim de que o mesmo possa ser compreendido. Acabou-se o tempo que consumidor comprava um determinado produto importado, inclusive no supermercado, e ficava sem saber quais eram os seus componentes ou como era o seu funcionamento. O aludido princípio está contemplado expressamente no inciso II do artigo 6°, entre outros artigos, senão vejamos: Art. 6º - São direitos básicos do consumidor: (…) III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
O direito a informação trata-se de um dever exigido mesmo antes do início de qualquer relação. A informação passou a ser um componente do produto ou serviço que não podem ser ofertados no mercado sem ela. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA O princípio da segurança garante a proteção à vida e a saúde dos consumidores determinando que os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não poderão acarretar riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis. Neste último caso o fornecedor tem o dever de informar ao consumidor os riscos que o produto pode causar as medidas para mitigálos, como nos casos os produtos de limpeza, os defensivos agrícolas, remédios, entre outros. 18
O princípio de segurança resta contemplado no caput do artigo 4°, e inciso I do 6°, bem como na estrutura do sistema de responsabilidade civil. Por isso mesmo é que vamos encontrá-lo no parágrafo dos artigos 12 e 14 do CDC. Art. 4º - A Política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: Art. 6º - São direitos básicos do consumidor: I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;
PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE
O parágrafo único do art. 7° estabeleceu o princípio da solidariedade legal para a responsabilidade pela reparação dos danos causados ao consumidor, conforme segue:
Art. 7º ( ... ) Parágrafo único - Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo. Outrossim, a norma estipulou de forma implícita a responsabilidade solidária quando atribui a responsabilidade aos fornecedores, ou seja,
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deixando firmado a obrigação de todos os partícipes da cadeia de produção, conforme se extrai da leitura dos artigos 12 a 20. Isso significa que o consumidor pode escolher a quem acionar: um ou todos. Como a solidariedade obriga a todos os responsáveis, simultaneamente, todos respondem pelo total do dano causado. Do ponto de vista processual a escolha do consumidor em mover a ação contra mais de um responsável está garantido na forma de litisconsórcio facultativo, descrito no artigo 113 do CPC. O principio da solidariedade aparece novamente nos artigos 12 e 18, caput, nos parágrafos 1° e 2° do artigo 25, no parágrafo 2° do art. 28 e no art. 34, entre outros. Dessa forma, tanto a responsabilidade por vício ou defeito será solidária. PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA O presente artigo está contemplado no inciso II do art. 6° do CDC que garante a ampla proteção de acesso aos órgãos administrativos e judiciais para proteção e garantia de seus direitos enquanto consumidores, o que implica abono e isenção de taxas e custas, nomeação de procuradores para defendê-los, atendimento preferencial, entre outros. Outro ponto que merece destaque é o fato de que acesso a justiça difere de acesso ao judiciário. Sendo este último estendido a todas as pessoas por força da própria Constituição Federal. O acesso a justiça aqui tratado é o direito que o consumidor tem de receber uma resposta do Estado rápida e efetiva, conferindo utilidade ao provimento jurisdicional. Para tanto, o CDC criou regras que tornam o acesso e a resposta ao judiciário mais eficiente, como, por exemplo, a inversão do ônus da prova, a responsabilidade solidária, a proibição, como regra, de intervenção de terceiros. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ O princípio da Boa fé vem da necessidade de criar uma harmonia nas relações de consumo entre os seus partícipes. Essa harmonização nasce fundada na boa-fé que resta estampada no inciso III do artigo 4° 20
do CDC, como cláusula geral de uma relação jurídica de consumo, o que importa dizer que ela estará inserida em toda relação assim considerada. A boa-fé aqui tratada é a objetiva, ou seja, decorre da própria relação de consumo que seria uma regra de conduta que deve ser obrigatoriamente observada pelos dois pólos da relação de consumo, isto é, tanto o consumidor quanto o fornecedor devem agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade a fim de se estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo. Assim, boa-fé objetiva, conforme Cláudia Lima Marques, “significa atuação refletiva, uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou devantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações”. Com base nesse princípio, torna-se lícito ao juiz, modificar as cláusulas de um contrato se verificar que é abusiva ou, da mesma forma que poderá modificar ou rever de alguma cláusula, a pedido do consumidor, quando demonstrar que, por motivo superveniente, o mesmo tenha se tornado excessivamente oneroso. Enfim, boa-fé objetiva é a ética negocial, ou seja, o comportamento ético, padrão de conduta, tomando como paradigma o homem honrado, leal e honesto. RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO O Código de defesa do Consumidor não conceitua relação jurídica de consumo, mas para que ele seja aplicado é preciso que o caso concreto se caracterize como uma relação jurídica de consumo. Assim, para justificar a incidência do Código de Defesa do Consumidor, é preciso estudar a estrutura da relação jurídica de consumo, na perspectiva de seus elementos subjetivos e objetivos, ou seja, das partes relacionadas e o seu conteúdo. Nelson Nery Júnior define relação jurídica de consumo como sendo a relação jurídica existente entre fornecedor e consumidor, tendo por objeto a aquisição de produtos ou a utilização de serviços pelo consumidor. 21
Com o conceito acima noticiado, podemos identificar os elementos da relação jurídica de consumo em subjetivos e objetivos. No primeiro encontram-se os sujeitos da relação, consumidores e fornecedores no segundo o objeto, a razão pela qual realizaram a relação, sendo este os produtos ou serviços. Nesse contexto, para que haja efetiva relação jurídica de consumo torna-se necessário identificar num dos pólos da relação o consumidor no outro, o fornecedor, que pode tomar forma de fornecedor real (fabricante, produtor construtor e prestador de serviços) fornecedor presumido (importador) e fornecedor aparente (comerciante) e devem estar transacionando produtos ou serviços. Assim, será efetiva a relação de consumo quando ocorrer direta transação entre o consumidor e fornecedor. Será, entretanto, presumida quando realizada por simples oferta ou publicidade inserida no mercado de consumo, bem como pela ocorrência de um acidente de consumo que cause dano a terceiro, ainda que este não tenha participado diretamente de uma relação de consumo. Temos, portanto, no art. 2°, caput, do CDC a definição do titular merecedor de uma proteção integral, denominado consumidor em sentido próprio. Além deste, há outros três consumidores denominado equiparados que restam dispostos, respectivamente, no parágrafo único do art. 2º; no art. 17 e 29. A técnica da equiparação permite que certos sujeitos que não figure, efetivamente, em uma relação jurídica de consumo, possam fazer uso restrito do Código. Inicialmente, nos preocuparemos com a definição de Consumidor sentido próprio, chamado pela doutrina de consumidor padrão, standard ou stricto sensu, cuja lei disponibiliza sua tutela integral e que é exatamente a que apresenta mais conflito em razão do uso do termo “destinatário final”. CONSUMIDOR STANDARD Assim, o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 2º, caput, define:
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Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parece fácil, mas é muito árduo o labor no sentido de se exarar a precisa definição de consumidor, pois temos que levar em conta a acirrada divergência conceitual em torno do significado do vocábulo “destinatário final”, desenvolvido nas teorias que veremos mais adiante. Antes, porém cabe tecer algumas elucidações iniciais. Vislumbrando-se o seu enquadramento inicial, previsto no texto da norma, o consumidor pode ser, uma pessoa natural ou jurídica, sem qualquer distinção. A respeito da pessoa jurídica consumidora, como bem aponta José Geraldo Brito Filomeno “Prevaleceu, entretanto, como de resto em algumas legislações alienígenas inspiradas na nossa, a inclusão das pessoas jurídicas igualmente como ‘consumidores’ de produtos e serviços, embora com a ressalva de que assim são entendidas aquelas como destinatárias finais dos produtos e serviços que adquirem, e não como insumos necessários ao desempenho de sua atividade lucrativa”. Na opinião deste autor, estando configurados os elementos da relação de consumo, não se cogita qualquer discussão a respeito de tal enquadramento, uma vez que, conforme outrora exposto, a vulnerabilidade é elemento posto da relação de consumo. Em outras palavras, é irrelevante ser a pessoa jurídica forte ou não economicamente, pois tal constatação acaba confundindo a hipossuficiência com a vulnerabilidade. De toda sorte, a jurisprudência do STJ já concluiu pela possibilidade de se mitigar a vulnerabilidade da pessoa jurídica, conforme adiante veremos com a análise das teorias. Por ora, registra-se que uma pessoa jurídica pode ser considerada consumidora. Assim, podendo uma pessoa jurídica ser consumidora destaca-se que tanto a pessoa de Direito Privado quanto a de Direito Público podem também o ser. Entre as primeiras, cite-se uma pessoa jurídica de direito privado que se constitui sobre a forma de sociedade que adquire um eletrodoméstico em uma loja de departamentos. Entre as últimas,
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consigne-se a hipótese de uma prefeitura como consumidora, conforme o entendimento jurisprudencial: “Administrativo. Serviço de telefonia. Falta de pagamento. Bloqueio parcial das linhas da Prefeitura. Município como consumidor. 1. A relação jurídica, na hipótese de serviço público prestado por concessionária, tem natureza de Direito Privado, pois o pagamento é feito sob a modalidade de tarifa, que não se classifica como taxa. 2. Nas condições indicadas, o pagamento é contraprestação, aplicável o CDC, e o serviço pode ser interrompido em caso de inadimplemento, desde que antecedido por aviso. 3. A continuidade do serviço, sem o efetivo pagamento, quebra o princípio da isonomia e ocasiona o enriquecimento sem causa de uma das partes, repudiado pelo Direito (interpretação conjunta dos arts. 42 e 71 do CDC). 4. Quando o consumidor é pessoa jurídica de direito público, a mesma regra deve lhe ser estendida, com a preservação apenas das unidades públicas cuja paralisação é inadmissível. 5. Recurso especial provido” (STJ – REsp 742.640/MG – Segunda Turma – Rel. Min. Eliana Calmon – j. 06.09.2007 – DJ 26.09.2007, p. 203).
Noutro giro, admite-se que o consumidor seja pessoa nacional ou estrangeira. Em relação ao último, imagine-se o caso de um turista, em férias no Brasil, que fica intoxicado com um alimento consumido na praia ou em um restaurante, podendo demandar os agentes causadores do dano com base na responsabilidade objetiva prevista pela Lei 8.078/1990. O consumidor pode ser ainda um ente despersonalizado, mesmo não constando expressamente menção a ele na Lei Consumerista. Incide a equivalência das posições jurídicas, uma vez que tais entes podem ser
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fornecedores, como antes exposto, cabendo, do mesmo modo, a sua qualificação como consumidores. A título de exemplo, cite-se julgado do Tribunal Paulista, que considerou o condomínio edilício – tratado como ente despersonalizado – consumidor de uma prestação de serviços: “Contrato. Prestação de serviços. Relação de consumo. Condomínio e prestadora de serviços de engenharia e manutenção. Código de Defesa do Consumidor. Aplicabilidade. Condomínio, ente despersonalizado, com capacidade processual, pode ser considerado consumidor final dos serviços prestados pela agravada. Recurso provido nesse aspecto” (TJSP – Agravo de Instrumento 1.009.34000/1, Santos – Trigésima Segunda Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Orlando Pistoresi – j. 26.01.2005). Apesar de a conclusão final da decisão ser perfeita, deve ser feita a ressalva na qual, para parte da doutrina, o condomínio edilício pode ser considerado pessoa jurídica, conforme consta do Enunciado n.º 90, do Conselho da Justiça Federal, da I Jornada de Direito Civil, que sintetiza o pensamento da melhor doutrina contemporânea. Vimos que tanto a pessoa física quanto a jurídica podem ser considerados consumidores, desde que sejam destinatários finais do produto ou serviço. Assim, “destinatário final é o elemento qualificador da figura do consumidor e que causa grande divergência doutrinária por sua amplitude. Surge ai o problema, a definição de destinatário final, em razão da sua ambigüidade. Diante do termo em baila surgiram algumas correntes, sendo as mais relevantes a que seguem: TEORIAS DESTINO FINAL Cumpre registrar desde inicio que destinação final deve ser compreendida sob o aspecto fático e econômico. Aonde a destinação fática seria aquela que retira o produto, por exemplo, da cadeia de 25
produção e o atribui destino pessoal ou familiar. Por sua vez, o destino final econômico é aquele que não admite revenda, uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção, cujo preço será incluído no preço final do profissional para adquiri-lo, já que nesse caso o destino seria intermediário. CORRENTE SUBJETIVA OU FINALISTA Essa teoria analisa o que é feito com o produto ou serviço sob os aspetos fático e econômico, por isso, subjetivista. Para a corrente finalista, o destinatário final seria a pessoa que retira o produto ou serviço não apenas da cadeia de produção, mas também da cadeia do mercado, assim caracterizado como sendo aquele que utiliza o produto para o seu benefício pessoal ou da sua família e que não usa como meio de produção de outro produto ou serviço ou, ainda para revendê-lo. Não se admite, portanto, que o consumo se faça com vistas à incrementar uma atividade profissional lucrativa, qualquer que seja a sua destinação. Nesse sentido, é necessário dar destinação final fática e econômica ao produto ou serviço, ou seja, é preciso retirar do mercado de consumo e esgotá-lo economicamente (não pode ser utilizada em novo ciclo de produção) Como exemplo, imagine que um advogado adquira um ar condicionado para colocar no seu escritório, incorporando em sua atividade laboral para dar maior conforto aos seus clientes, podendo, com isso, aumentar o preço da consulta ou mesmo captar novos clientes. Para essa corrente esse advogado não seria consumidor, pois não estaria utilizando o bem como destinatário final, mas estaria incorporando-o no seu labor para auferir renda. Diferente seria se ele utilizasse o mesmo aparelho em seu quarto dando-lhe uma destinação pessoal, pois nesse caso e, somente nessa hipótese, ele seria considerado consumidor. Assim, a corrente subjetiva entende ser imprescindível para a conceituação de consumidor que a destinação final seja entendida como fática e econômica, isto é, que a aquisição de um bem ou a utilização de um serviço satisfaça uma necessidade pessoal do adquirente, 26
seja ele pessoa física ou jurídica desde que esta não desenvolva atividade econômica organizada e ainda, não objetive o desenvolvimento de outra atividade negocial ainda que a sua utilização não esteja vinculada a atividade fim. Nesse contexto, a corrente sbjetivista, restringe o conceito de consumidor às pessoas fisicas ou jurídicas, não profissionais, que não desenvolvam atividade econômica organizada por caracterizar uso intermediário. Não se admite, portanto, que o consumo se faça com intuito de incrementar atividade profissional lucrativa e isto, ressalte o produto ou serviço à revenda ou a integração do processo de transformação, beneficiamento ou montagem de outros bens ou serviços, que simplesmente passe a compor o ativo fixo da atividade profissional desenvolvida pelo consumidor. Não há de se cogitar em consumo final, mas intermediário, quando um profissional adquire produto ou usufrui serviço com o fim de, direta ou indiretamente, dinamizar ou instrumentalizar seu negócio lucrativo. Adotando essas premissas, na I Jornada de Direito Comercial, promovida pelo Conselho da Justiça Federal em outubro de 2012, foi aprovado enunciado doutrinário no sentido de que não se aplica o Código de Defesa do Consumidor nos contratos entre empresários que tenham por objetivo o suprimento de insumos para as suas atividades de produção, comércio ou prestação de serviços (Enunciado n. 20). Todavia, a verdade é que existem outras teorias a respeito da caracterização do consumidor. Uma delas, como se verá, até se justifica, eis que a aplicação cega e literal da teoria finalista pode gerar situações de injustiça. Como destacado pela própria Claudia Lima Marques no trecho transcrito, vários julgados do Superior Tribunal de Justiça adotam esse posicionamento categórico. A ilustrar, por todos: “Conflito de competência. Sociedade empresária. Consumidor. Destinatário final econômico. Não ocorrência. Foro de eleição. Validade. Relação de consumo e hipossuficiência. Não caracterização. 1. A jurisprudência desta Corte sedimenta-se no sentido da adoção da teoria finalista ou subjetiva para fins de 27
caracterização da pessoa jurídica como consumidora em eventual relação de consumo, devendo, portanto, ser destinatária final econômica do bem ou serviço adquirido (REsp 541.867/BA). 2. Para que o consumidor seja considerado destinatário econômico final, o produto ou serviço adquirido ou utilizado não pode guardar qualquer conexão, direta ou indireta, com a atividade econômica por ele desenvolvida; o produto ou serviço deve ser utilizado para o atendimento de uma necessidade própria, pessoal do consumidor. 2. No caso em tela, não se verifica tal circunstância, porquanto o serviço de crédito tomado pela pessoa jurídica junto à instituição financeira decerto foi utilizado para o fomento da atividade empresarial, no desenvolvimento da atividade lucrativa, de forma que a sua circulação econômica não se encerra nas mãos da pessoa jurídica, sociedade empresária, motivo pelo qual não resta caracterizada, in casu, relação de consumo entre as partes. 3. Cláusula de eleição de foro legal e válida, devendo, portanto, ser respeitada, pois não há qualquer circunstância que evidencie situação de hipossuficiência da autora da demanda que possa dificultar a propositura da ação no foro eleito. 4. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 12ª Vara da Seção Judiciária do Estado de São Paulo” (STJ – CC 92.519/SP – Segunda Seção – Rel. Min. Fernando Gonçalves – j. 16.02.2009 – DJe 04.03.2009). “Competência. Relação de consumo. Utilização de equipamento e de serviços de crédito prestado por empresa administradora de cartão de crédito. Destinação final inexistente. A aquisição de bens ou a utilização de serviços, por pessoa natural ou jurídica, com o escopo de implementar ou incrementar a sua atividade negocial, não se reputa como relação de consumo e, sim, como uma atividade de consumo intermediária. Recurso especial conhecido e provido para reconhecer a incompetência absoluta da Vara 28
Especializada de Defesa do Consumidor, para decretar a nulidade dos atos praticados e, por conseguinte, para determinar a remessa do feito a uma das Varas Cíveis da Comarca” (STJ – REsp 541.867/BA – Segunda Seção – Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro – Rel. p/Acórdão Min. Barros Monteiro – j. 10.11.2004 – DJ 16.05.2005, p. 227). CORRENTE MAXIMALISTA OU OBJETIVA Essa teoria amplia sobremaneira o conceito de consumidor e daí a própria relação jurídica de consumo, na medida em que para ela pouco importa com o que é feito com o produto ou serviço, tendo, pois conceito jurídico, exceto no caso de revenda. A corrente maximalista ou objetiva tenta ampliar as hipóteses de incidência do CDC, sustentando, em síntese que o destinatário final é aquele que retira o produto do mercado, ainda que para usá-lo como meio de produção. Assim, defende que a expressão “destinatário final” deve ser interpretada de forma ampla, bastando que o consumidor seja o destinatário fático de bem ou serviço, isto é, que retire do mercado, encerrando objetivamente a cadeia produtiva em que foi inserido o fornecimento do bem ou da prestação do serviço, não podendo apenas, ser objeto de revenda. Como bem apresenta Claudia Lima Marques, “os maximalistas viam nas normas do CDC o novo regulamento do mercado de consumo brasileiro, e não normas orientadas para proteger somente o consumidor não profissional. O CDC seria um código geral sobre o consumo, um código para a sociedade de consumo, que institui normas e princípios para todos os agentes do mercado, os quais podem assumir os papéis ora de fornecedores, ora de consumidores. A definição do art. 2º deve ser interpretada o mais extensivamente possível, segundo esta corrente, para que as normas do CDC possam ser aplicadas a um número cada vez maior de relações de consumo”. No exemplo citado acima, o advogado que comprou o arcondicionado para o seu escritório seria destinatário final, portanto. 29
Igualmente ocorreria no caso de hipotético de uma grande pessoal jurídica ao adquirir um computador como instrumento de trabalho de um de seus funcionários de um pequeno fonercedor, ou seja, a única exigência é que se dê ao bem ou serviço uma destinação final fática, pouco importanto se há ou não desequilíbrio na relação decorrente da vulnerabilidade deste adquirente. Adeptos da corrente maximalista defendem que para a definição legal de consumidor, ex vi o art. 2º do CDC, basta que o consumidor seja o destinatário final de produtos e serviços, incluindo aquilo que é utilizado, adquirido para empenho de atividade ou profissão, bastando, para tanto, que não haja a finalidade de revenda. Não há razão plausível para se distinguir o uso privado do uso profissional, o importante é a ausência de intermediação ou revenda. Os maximalistas defendem em última análise que o CDC seria um Código geral de consumo, para toda a sociedade de consumo, devendo aplicar uma interpretação extensiva para que as suas normas possam servir cada vez mais às relações de mercado. Assim, a doutrina maximalista prega a interpretação mais extensa possível e considera a definição do art. 2º puramente objetiva, não importando se tem ou não objetivo de lucro quando adquirido o produto ou serviço. Destinatário final seria, portanto, o destinatário fático, ou seja, aquele que retira do mercado o produto ou serviço e utiliza ou consome. O uso privado ou econômico-profissional não infere na definição de consumidor desde que o produto ou serviço não integre diretamente o seu processo de produção, transformação, montagem, beneficiamento ou revenda da atividade fim do adquirente. Assim, a aquisição de um computador ou software, para o exercício profissional da advocacia pouco importa se por um advogado principiante ou por grande banca de advocacia, a presente corrente qualifica ambos como consumidor, pois não se apoia na vulnerabilidade do adquirente que no caso da banca poderá não exsitir. Da mesma forma, a aquisição de gasolina por um 30
taxista ou por uma empresa de ônibus, colocaria ambos sob a êgide do CDC. Portando, sendo o taxista ou a grande empresa destinatários finais, podem ser perfeitamente considerados consumidores.
TEORIA FINALISTA ATENUADA Cláudia Lima Marques partiu do viés da vulnerabilidade para melhor definir a figura do consumidor. Essa teoria é fruto do trabalho de criação de Claudia Lima Marques, a maior doutrinadora brasileira sobre o tema Direito do Consumidor. Nesse ínterim, cumpre colacionar seus ensinamentos: “Realmente, depois da entrada em vigor do CC/2002 a visão maximalista diminuiu em força, tendo sido muito importante para isto a atuação do STJ. Desde a entrada em vigor do CC/2002, pareceme crescer uma tendência nova da jurisprudência, concentrada na noção de consumidor final imediato (Endverbraucher), e de vulnerabilidade (art. 4º, I), que poderíamos denominar aqui de finalismo aprofundado. POSIÇÃO DO STJ Essa teoria busca conferir uma interpretação finalista mais aprofundada e madura, que deve ser saudada. Em casos difíceis envolvendo pequenas empresas que utilizam insumos para a sua produção, mas não em sua área de expertise ou com uma utilização mista, principalmente na área de serviços, provada a vulnerabilidade, conclui-se pela destinação final de consumo prevalente. A linha de precedentes adotada pelo STJ inclinava-se pela teoria maximalista ou objetiva, posto que vinha considerando consumidor o destinatário final fático do bem ou serviço, ainda que utilizado no exercício de sua profissão ou empresa. Neste sentido: vide Resp 208.793/MT, Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, 31
unânime, DJ 01/08/2000; Resp 329.587/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito. Terceira Turma, unânime, DJ 24/06/2002, Resp 286.441/RS, Min. Rel. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 03/02/2003. Resp 286.441/RS, DJ 03/03/2003, Resp 488.274/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJU 23/06/2003, Resp 468.148/SP, DJU 23/06/2003, Resp 445.854/MS, Rel. Castro Filho, 3a. T. DJU 28/10/2003. Depois de 10.11.2004, especificamente, com o julgamento do REsp n.° 541.867/BA, na segunda Seção do STJ, Rel. Min. Barros Monteiro, a corrente subjetivista prevaleceu: “não há falar em relação de consumo quando a aquisição de bens ou utilização de serviços, por pessoa natural ou jurídica, tem como escopo incrementar a sua atividade comercial.” O recurso acima julgou o caso de uma pequena farmácia que se filiou ao sistema de cartões de crédito, mas que por erro da administradora do cartão que teria efetuado o pagamento a terceiro que não a farmácia, pela compra realizada no seu estabelecimento. Após delonga discussão sobre a configuração ou não da relação jurídica de consumo o STJ, por maioria, decidiu pela inexistência. Por fim, hodiernamente, após o REsp n.° 476.428/SC - 2005, verifica-se que o STJ passou a adotar a teoria finalista atenuada/mitigada/abrandada/aprofundada que suaviza os conceitos trazidos pelo CDC, reconhecendo como consumidor a pessoa física ou jurídica que adquire o produto ou utiliza o serviço, mesmo em razão de sua atividade econômica tendo em vista a necessidade de se equilibrar as relações entre fornecedores e consumidores, quando verificada a vulnerabilidade destes com relação aqueles. Seguindo nas concretizações dessa tese, vejamos decisão publicada em 2010 no Informativo n. 441 do Superior Tribunal de Justiça, a respeito da aquisição da aquisição de máquina de bordar para pequena produção de subsistência:
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“A jurisprudência do STJ adota o conceito subjetivo ou finalista de consumidor, restrito à pessoa física ou jurídica que adquire o produto no mercado a fim de consumi-lo. Contudo, a teoria finalista pode ser abrandada a ponto de autorizar a aplicação das regras do CDC para resguardar, como consumidores (art. 2º daquele Código), determinados profissionais (microempresas e empresários individuais) que adquirem o bem para usá-lo no exercício de sua profissão. Para tanto, há que demonstrar sua vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica (hipossuficiência). No caso, cuida-se do contrato para a aquisição de uma máquina de bordar entabulado entre a empresa fabricante e a pessoa física que utiliza o bem para sua sobrevivência e de sua família, o que demonstra sua vulnerabilidade econômica. Destarte, correta a aplicação das regras de proteção do consumidor, a impor a nulidade da cláusula de eleição de foro que dificulta o livre acesso do hipossuficiente ao Judiciário. Precedentes citados: REsp 541.867-BA, DJ 16.05.2005; REsp 1.080.719-MG, DJe 17.08.2009; REsp 660.026RJ, DJ 27.06.2005; REsp 684.613-SP, DJ 1º.07.2005; REsp 669.990-CE, DJ 11.09.2006, e CC 48.647-RS, DJ 05.12.2005” (STJ – REsp 1.010.834-GO – Rel. Min. Nancy Andrighi – j. 03.08.2010). Assim, a corrente subjetivista sofreu certo abrandamento, a fim de admitir a aplicação do CDC quando a aquisição do produto ou serviço, ainda que feita para incremento de atividade profissional, mas que entre os sujetios da relação esteja presente a vulnerabilidade do adquirente em relação ao fornecedor. A exemplo, podemos citar o caso da 3º Turma do STJ que demonstra a ampliação do conceito de consumidor a uma pessoa que utilize determinado produto para fins de trabalho e não apenas para consumo direto. Nesse sentido, a 3ª turma negou provimento a recurso 33
especial interposto pela Marbor Máquinas Ltda., de Goiás, que pretendia mudar decisão de primeira instância. A decisão beneficiou uma compradora que alegou ter assinado, com a empresa, contrato que possuía cláusulas abusivas. A consumidora-costureira, Sheila de Souza Lima, ajuizou ação judicial pedindo a nulidade de determinadas cláusulas existentes em contrato de compra e venda firmado com a Marbor para aquisição da determinada máquina de costura, mediante pagamento em vinte prestações mensais. O acórdão de primeira instância aceitou a revisão do contrato da compradora, de acordo com a aplicabilidade do CDC. Mas, ao recorrer ao STJ, a Marbor alegou que não se configura como relação de consumo um caso em que o destinatário final adquire determinado bem para utilizar no exercício da profissão, conforme estabelece o CDC. Argumentou, ainda, que de acordo com o CPC, a ação deve ser julgada no foro eleito pelas partes - uma vez que, no contrato firmado, foi eleito o foro da comarca de São Paulo/SP - para dirimir eventuais controvérsias da referida relação contratual, e não a comarca de Goiânia/GO - onde correu a ação. RECURSO ESPECIAL Nº 1.010.834 – GO (2007/0283503-8) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : MARBOR MÁQUINAS LTDA ADVOGADO : JOSE ROBERTO CAMASMIE ASSAD E OUTRO(S) RECORRIDO : SHEILA DE SOUZA LIMA ADVOGADO : VALÉRIA DE BESSA CASTANHEIRA LEÃO E OUTRO(S) EMENTA PROCESSO CIVIL E CONSUMIDOR. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE MÁQUINA DE BORDAR. FABRICANTE. ADQUIRENTE. VULNERABILIDADE. RELAÇÃO DE CONSUMO. NULIDADE DE CLÁUSULA ELETIVA DE FORO. Ao proferir seu voto, a Ministra Relatora do recurso no âmbito do STJ, Nancy Andrighi, considerou que embora o Tribunal tenha restringido anteriormente o conceito de consumidor à pessoa que adquire determinado produto com o objetivo específico de consumo, outros julgamentos realizados depois, voltaram a aplicar a tendência 34
maximalista. Dessa forma, agregaram novos argumentos a favor do conceito de consumo, de modo a tornar tal conceito "mais amplo e justo", conforme destacou. A ministra enfatizou, ainda, que "no processo em exame, o que se verifica é o conflito entre uma empresa fabricante de máquinas e fornecedora de softwares, suprimentos, peças e acessórios para a atividade confeccionista e uma pessoa física que adquire uma máquina de bordar em prol da sua sobrevivência e de sua família, ficando evidenciada sua vulnerabilidade econômica". Por conta disso, a relatora entendeu que, no caso em questão, pode sim ser admitida a aplicação das normas do CDC a determinados consumidores profissionais, "desde que seja demonstrada a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica" da pessoa. Os ministros que compõem a 3ª turma acompanharam o voto da relatora e, em votação unânime, negaram provimento ao recurso da empresa Marbor. Voltemos ao exemplo de um advogado que adquire livros ou computadores para usá-los profissionalmente. Para os maximalistas, quer se cuide de um profissional iniciante ou de um grande e conceituado escritório de advocacia o CDC iria incidir sobre a transação. Entretanto, para os finalistas, ambas relações (advogado iniciante ou grande banca) estariam excluídas da incidência do CDC, por não restar caracterizada a figura do consumidor no adquirente, seja ele o profissional liberal ou grande escritório. Entretanto, como vimos o STJ passou a adotar a corrente subjetivista atenuada e isso quer dizer que a figura do consumidor se caracteriza pela posição do vulnerável em relação ao fornecedor, pouco importando tratar-se de pessoa fisíca ou jurídica, ainda que o consumo seja para incremento de atividade profissional, ou seja, teoricamente, o CDC iria proteger a figura do pequeno advogado, mas o mesmo não ocorreira com a grande banca, conforme segue:
REsp 476428 / SC RECURSO ESPECIAL 19/04/2005 2002/0145624-5 Direito do Consumidor. Recurso especial. Conceito de consumidor. Critério subjetivo ou finalista. Mitigação. Pessoa Jurídica. Excepcionalidade. Vulnerabilidade. 35
Constatação na hipótese dos autos. (...) - A relação jurídica qualificada por ser "de consumo" não se caracteriza pela presença de pessoa física ou jurídica em seus pólos, mas pela presença de uma parte vulnerável de um lado (consumidor), e de um fornecedor, de outro. - Mesmo nas relações entre pessoas jurídicas, se da análise da hipótese concreta decorrer inegável vulnerabilidade entre a pessoa-jurídica consumidora e a fornecedora, deve-se aplicar o CDC na busca do equilíbrio entre as partes. Ao consagrar o critério finalista para interpretação do conceito de consumidor, a jurisprudência deste STJ também reconhece a necessidade de, em situações específicas, abrandar o rigor do critério subjetivo do conceito de consumidor, para admitir a aplicabilidade do CDC nas relações entre fornecedores e consumidores(...). (grifei) Deve ficar claro que, para o Superior Tribunal de Justiça, a hipossuficiência ou vulnerabilidade (a última, conforme as decisões) deve ser devidamente demonstrada para que se mitigue a teoria finalista. Nesse sentido, decisão extraída do seu Informativo n. 236: “Em ação de indenização por danos morais e materiais, a empresa alega a suspensão indevida do fornecimento de energia elétrica pela concessionária. Por outro lado, a ré sustentou preliminares de ilegitimidade ativa, incompetência da vara de defesa do consumidor por não existir relação de consumo e inépcia da inicial. O Tribunal a quo manteve a decisão agravada que rejeitou as preliminares. Daí o REsp da concessionária ré. A Turma, em princípio, examinou a questão relativa à admissibilidade e processamento desse REsp e reconheceu que, como a discussão versa sobre competência, poderia influenciar todo o curso 36
processual, justificando, pela excepcionalidade, o julgamento do REsp, sem que ele permanecesse retido, conforme tem admitido a jurisprudência. A Turma também reconheceu a legitimidade ativa da recorrida, pois cabe à locatária, no caso a empresa, o pagamento das despesas de luz (art. 23 da Lei do Inquilinato). Mas proveu o recurso quanto à inexistência de consumo e a consequente incompetência da vara especializada em Direito do Consumidor. Argumentou-se que a pessoa jurídica com fins lucrativos caracteriza-se, na hipótese, como consumidora intermediária e a uniformização infraconstitucional da Segunda Seção deste Superior Tribunal perfilhou-se à orientação doutrinária finalista ou subjetiva, na qual o consumidor requer a proteção da lei. O Min. Relator ressaltou que existe um certo abrandamento na interpretação finalista a determinados consumidores profissionais, como pequenas empresas e profissionais liberais, tendo em vista a hipossuficiência. Entretanto, no caso concreto, a questão da hipossuficiência da empresa recorrida em momento algum restou reconhecida nas instâncias ordinárias. Isso posto, a Turma reconheceu a nulidade dos atos processuais praticados e determinou a distribuição do processo a um dos juízos cíveis da comarca. Precedente citado: REsp 541.867BA” (STJ – REsp 661.145/ES – Rel. Min. Jorge Scartezzini – j. 22.02.2005). Nessa linha, não reconhecendo a vulnerabilidade do da pessoa que adquira ou utilize o produto ou serviço, consumidor será reconhecido nos moldes da teoria subjetivista, conforme segue: DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. CLÍNICA DE ONCOLOGIA. COMPRA DE MÁQUINA RECONDICIONADA, DE VENDEDOR ESTRANGEIRO, MEDIANTE 37
CONTATO FEITO COM REPRESENTANTE COMERCIAL, NO BRASIL. PAGAMENTO DE PARTE DO PREÇO MEDIANTE REMESSA AO EXTERIOR, E DE PARTE MEDIANTE DEPÓSITO AO REPRESENTANTE COMERCIAL. POSTERIOR FALÊNCIA DA EMPRESA ESTRANGEIRA. CONSEQUÊNCIAS. APLICAÇÃO DO CDC. IMPOSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DO PREÇO TOTAL PELO REPRESENTANTE COMERCIAL. IMPOSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DA PARCELA DO PREÇO NÃO TRANSFERIDA AO EXTERIOR. POSSIBILIDADE. APURAÇÃO. LIQUIDAÇÃO. 1. A relação jurídica entre clínica de oncologia que compra equipamento para prestar serviços de tratamento ao câncer, e representante comercial que vende esses mesmos equipamentos, não é de consumo, dada a adoção da teoria finalista acerca da definição das relações de consumo, no julgamento do REsp 541.867/BA (Rel. Min. Barros Monteiro, Segunda Seção, DJ de 16/5/2005). 2. Há precedentes nesta Corte mitigando a teoria finalista nas hipóteses em que haja elementos que indiquem a presença de situações de clara vulnerabilidade de uma das partes, o que não ocorre na situação concreta. 3. Pela legislação de regência, o representante comercial age por conta e risco do representando, não figurando, pessoalmente, como vendedor nos negócios que intermedia. Tendo isso em vista, não se pode imputar a ele a responsabilidade pela não conclusão da venda decorrente da falência da sociedade estrangeira a quem ele representa. 4. Não tendo sido possível concluir a entrega da mercadoria, contudo, por força de evento externo pelo qual nenhuma das partes responde, é lícito que seja resolvida a avença, com a 38
devolução, pelo representante, de todos os valores por ele recebidos diretamente, salvo os que tiverem sido repassados à sociedade estrangeira, por regulares operações contabilmente demonstradas. 5. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (Recurso Especial Nº 1.173.060, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Nancy Andrighi, Julgado em 16/10/2012) A vulnerabilidade, portanto, e aqui se inclui a técnica, fática ou econômica, jurídica e informacional, é o ponto de partida fundamental para verificação da aplicabilidade ou não das normas do CDC, nos termos do STJ REsp 1195642/RJ. Hodiernamente, o conceito de consumidor e o seu alcance, portanto, passa necessariamente pela análise in concreto da noção de vulnerabilidade, independente do adquirente ser profissional ou não, pessoa física ou jurídica. O princípio, vulnerabilidade do consumidor é tido como o princípio maior que rege as relações de consumo. Com seu reconhecimento no mercado de consumo, trazido explicitamente no CDC, em seu art. 4.º, I, o legislador consumerista demonstrou a fragilidade do consumidor na relação perante o fornecedor. Assim considera-se que todos os princípios, direitos e garantias relacionadas ao direito consumerista advém do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor. Seguindo essa concepção, um taxista que adquire o veiculo para seu trabalho pode ser considerado consumidor (REsp 611.872RJ, 2012, INFO 505) ou da empresa administradora de imóveis que adquire um avião para servir de meio de transporte de seus sócios e funcionários, havendo relação de consumo entre ela e o vendedora de aviões (REsp 1321083-PR, 2014, INFO 548), ainda da concessionária de veículos que firma contrato de seguro de responsabilidade para proteção do seu patrimônio (REsp 1352419SP, 2014, INFO 548). 39
Como vimos, a vulnerabilidade do consumidor decorre dos fenômenos de massificação da produção e da contratação em massa e pode, em sintese, ser verificada em algumas situações distintas, quais sejam: econômica, técnica, jurídica, fática e informacional, não obstante a doutrina abarque outras searas da vulnerabilidade, como a científica, entre outras. VULNERABILIDADE ECONÔMICA A regra, é que o consumidor é sempre o mais fraco na relação sob o enfoque econômico que, como vimos, é resultado do sistema capitalista estruturado na chamada produção em série, a Standartização da produção, ou seja, a homogeneização da produção. Assim, a vulnerabilidade econômica resulta das disparidades de força entre os agentes econômicos e os consumidores, fazendo com que os fornecedores possam blindar seu negócio. Os fornecedores detêm condições objetivas de impor sua vontade seja, pela ignorância do consumidor, sua dispersão, pela pressão das necessidaddes, ou por muitos outros mecanismos. O próprio contrato de adesão é um exemplo desses mecanismos. VULNERABILIDADE JURÍDICA Essa espécie de vulnerabilidade se manifesta pela falta de conhecimentos jurídico, contábil e econômico do consumidor, o que o fragiliza diante do poderio do fornecedor que, sob a alegação de legalidade de suas práticas, fragiliza e anula uma possível discussão sobre o tema, fazendo com que o consumidor simplesmente acate as exigências do fornecedor e acabe por pagar tarifas indevidas, aceitar obrigações que não são licitas, condicionar a aquisição de um produto ou serviço a outro, entre outras práticas abusivas. VULNERABILIDADE TÉCNICA Mesmo na sociedade de massa em que vivemos é possível, ainda que mesmo remotamente, o consumidor não seja o mais fraco da relação sob o aspecto econômico, poderá ser quanto ao conhecimento técnico, pois, inegavelmente, é o fornecedor que possui conhecimentos sobre o processo produtivo, pois a ela cabe o monopólio da cadeia produtiva.
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A vulnerabilidade técnica é decorrente do fato de o consumidor não possuir conhecimentos específicos sobre produtos ou serviços por ele adquiridos, ficando sujeito a vontade dos fornecedores e tendo como única garantia a confiança na boa-fé da outra parte, no proceder honesto, leal do fornecedor, fato que lhe deixa sensivelmente exposto. Esta vulnerabilidade concretiza-se pelo fenômeno da complexidade do mundo moderno, que impossibilita o consumidor de conhecer propriedades, malefícios e benefícios dos produtos e serviços adquiridos no mercado de consumo. Dessa forma, o consumidor se vê totalmente desamparado, já que dificilmente há possibilidade de saber quando determinado produto ou serviço apresenta defeito ou vício, colocando em perigo a sua incolumidade física e patrimonial. Como exemplo, suponha que uma pessoa não entenda nada de computadores, mas influenciada pelo vendedor, acaba comprando um equipamento que está além das suas necessidades e, portanto, mais caro do que o que lhe atenderia. A vulnerabilidade técnica se caracteriza, portanto, pela falta de conhecimentos específicos sobre o produto ou serviço. É presumida no caso de consumidor não-profissional. Eventualmente, nos casos que o produto ou serviço adquirido não tiver relação com a formação, competência ou área de atuação do consumidor. VULNERABILIDADE FÁTICA Ocorre quando, em determinados mercados, somente existem um ou poucos fornecedores e o consumidor na impossibilidade de ter seu direito de escolha respeitado fica sujeito a estes fornecedores. Pode decorrer até da essencialidade do produto ou serviço no mercado, como no caso de saúde, educação, fornecimento de energia, disponibilidade de crédito etc. Desta forma o consumidor fica sujeito às condições impostas pelo fornecedor, pois não tem como escolher outro fornecedor. De acordo com o atual posicionamento do STJ, o CDC tem como escopo equilibrar as partes das relações jurídicas que se formaram sob esse novo mercado de produção em massa. Nesse sentido, a relação jurídica de consumo não se caracteriza pela presença de pessoa física ou jurídica em seus pólos, mas pela presença de uma parte vulnerável de um lado (consumidor), e de um 41
fornecedor, de outro, o que permite seu reconhecimento mesmo nas relações entre pessoas jurídicas, desde que da análise do caso concreto verificar inegável vulnerabilidade entre a pessoa-jurídica consumidora e a fornecedora. VULNERABILIDADE INFORMACIONAL Advém da ausência, insuficiência ou complexidade da informação prestada que não permite a compreensão do consumidor. O consumidor tem direito a informação o que leva ao fornecedor o direito de informar, nos termos do artigo 6º, III do CDC. Portanto, está ligada ao consumidor consciente, por isso o fornecedor deve . O STJ negou provimento ao fornecedor que, sem informar claramente o consumidor, reduziu o volume do refrigerante de garrafa PET de 600 ml para 500, prática que é considerada “maquiagem de produto” ou “aumento disfarçado de preço”. Aqui o consumidor não detém informações suficientes para realizar o processo de aquisição ou não do produto. DOS CONSUMIDORES EQUIPARADOS bystandard O Código de Defesa do Consumidor estabeleceu consumidores por equiparação, ampliando a sua aplicação a terceiros que não se encaixam no conceito padrão de consumidor (destinatário final), mas que a estes se equiparam para efeitos da tutela legal, conforme estabelece dos artigos 2º, parágrafo único, 17, e 29. Tais dispositivos funcionam como normas de extensão na medida em que colocam sob o manto protetivo do CDC, as figuras ali encontradas. Conforme já afirmado, o conceito jurídico previsto no art. 2º caput, é denominado pela doutrina como conceito padrão ou standard, entretanto, a lei consumerista reconhece outras pessoas (a coletividade de pessoas, vitimas do fato do produto ou serviço e todas as pessoas expostas as práticas comerciais e à dsiciplina contratual) como consumidoras denominando-as de consumidores por equiparação ou bystandard. DA COLETIVIDADE DE PESSOAS Art. 2º (...) 42
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. A regra do parágrafo único do artigo 2º amplia a definição de consumidor, dada pelo caput, equiparando a ele a coletividade de pessoas, mesmo que não possam ser identificadas, desde que, tenham de alguma maneira participado da relação de consumo, (terceiros intervenientes) absorvendo bens ou serviços ou se apresenantando para tais absorções. A aludida regra, segundo Rizzatto Nunes, tem como escopo garantir e proteger uma particular coletividade de pessoas, como o condomínio e, por analogia, a massa falida, o espólio (mesmo que, tecnicamente, não se trate de uma coletividade de pessoa e o artigo não contemple os entes com personalidade anômala) que possam ser, de alguma maneira, afetadas pela relação de consumo. Assim, o aludido artigo amplia o caput do art. 2º e permite, por exemplo, que a massa falida ao adquirir produtos possa estar resguardada pelas regras do CDC. Assim, tratando do condomínio edilício, recente decisão do Superior Tribunal de Justiça considerou-o legitimado a defender os interesses dos seus componentes perante a incorporadora imobiliária, em tratamento regido pelo CDC. Nos termos da ementa: “polêmica em torno da possibilidade de inversão do ônus da prova para se atribuir a incorporadora demandada a demonstração da destinação integral do produto de financiamento garantido pela alienação fiduciária de unidades imobiliárias na incorporação em questão (patrimônio de afetação). Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao condomínio de adquirentes de edifício em construção, nas hipóteses em que atua na defesa dos interesses dos seus condôminos frente a construtora/incorporadora. O 43
condomínio equipara-se ao consumidor, enquanto coletividade que haja intervindo na relação de consumo. Aplicação do disposto no parágrafo único do art. 2º do CDC. Imposição de ônus probatório excessivamente complexo para o condomínio demandante, tendo a empresa demandada pleno acesso às provas necessárias à demonstração do fato controvertido” (STJ – REsp 1.560.728/MG – Terceira Turma – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – j. 18.10.2016 – DJe 28.10.2016). Ainda no tocante aos entes despersonalizados, vejamos decisão do Tribunal Fluminense que tratou o espólio como consumidor, em caso envolvendo a prestação de serviços de telefonia: “Cessão do direito ao uso de linha telefônica. Morte do titular. Art. 1.572. Código Civil de 1916. Obrigação de fazer. Ação de obrigação de fazer. Uso de linha telefônica. Indevida rescisão do contrato. Com o falecimento do titular do direito de uso de linha telefônica, este se transmite aos herdeiros, na forma do art. 1.572 do Código Civil, integrando o acervo hereditário. Desta forma, é possível o espólio pleitear em ação de obrigação de fazer a instalação de linha telefônica, desde que esteja em dia com pagamentos. Os serviços interrompidos, com afronta ao disposto na Lei 9.472/1997 e no Código de Defesa do Consumidor, merecem ser restabelecidos. Afasta-se a possibilidade de indenização por dano moral, uma vez que o espólio é ente despersonalizado, sendo-lhe conferida apenas capacidade processual, como parte formal. Recurso provido em parte” (TJRJ – Acórdão 14.509/2002, Rio de Janeiro – Décima Quarta Câmara Cível – Rel. Des. Walter D’ Agostino – j. 17.12.2002).
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O mestre Sérgio Cavalieri Filho interpreta de forma diversa o referido artigo quando diz que a regra afirma o caráter difuso do direito do consumidor, ou seja, explica que a norma visa tratar da classe dos consumidores de forma difusa ou coletiva, permitindo com isso que esteja amparado pela tutela jurisdicional coletiva. Por isso, teria no CDC previsão tanto da tutela individual, quanto da coletiva, conforme artigos 81 e 91 do CDC. Assim, para o renomado Mestre, entra em cena, portanto, a defesa dos interesses individuais homogêneos, coletivos e difusos, que podem ser objeto de ações coletivas, inclusive intentadas por associações voltadas à proteção dos direitos do consumidor, Ministério Público etc. VITIMAS DO ACIDENTE DE CONSUMO Art. 17 Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento. Já o artigo 17 equiparou a vítima do acidente do consumo (pessoa que foi atingida pelo fato do produto/serviço – terceiros-vítimas) como consumidor para os fins de responsabilizar o fornecedor do produto/serviço defeituoso de forma objetiva. Quanto aos objetivos protecionistas buscados pelo legislador consumerista, Zelmo Denari cita as considerações feitas pela jurista espanhola Parra Lucan, de seguinte teor: "trata-se de impor, de alguma forma, ao fornecedor a obrigação de fabricar produtos seguros, que satisfaçam os requisitos de segurança a que tem direito o grande público”. Cabe aqui destacar que, a regra contida no art. 17 do CDC agasalha a proteção ao terceiro que não faz parte da relação direta de consumo, logo de se concluir que, se do acidente de consumo restou prejuízo para qualquer pessoa, mesmo aquelas que não estariam enquadradas no conceito de consumidor padrão, o dever de indenizar estará presente, bem como a aplicação do diploma consumerista. Neste aspecto, Jaime Marins nos fornece um exemplo bem ilustrativo do que seja o chamado ‘bystander’ ao relatar o caso de um comerciante de defensivos agrícolas que se vê seriamente intoxicado pelo simples ato de estocagem em decorrência de defeito no acondicionamento do produto (defeito de
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produção). Neste caso, embora o comerciante não seja consumidor stricto sensu, poderá se socorrer da proteção consumerista. Imagine um pedestre que atropelado em decorrência deste defeito de fabricação de um veículo adquirido por um consumidor ou de uma empresa de transporte coletivo, que após brusca colisão com uma escola, causa lesão aos seus passageiros e fere diversas crianças que ali estudavam. Na realidade o fato do acidente que causou a lesão aos passageiros foi o mesmo fato que causou a lesão nas crianças. Ora, não restam dúvidas que os passageiros são considerados consumidores, logo poderão valer-se do CDC (e também do Código Civil por ser mais benéfico ao consumidor por regular o contrato de transporte), buscando responsabilizar o fornecedor (empresa de transporte coletivo), pelos danos causados, utilizando inclusive a responsabilidade objetiva. E as crianças? Diante do artigo em comento o CDC chama estas pessoas (crianças) de vítimas do evento, pois foram vítimas de um acidente de consumo, vale dizer: foram vítimas de um serviço defeituoso, que expôs a vida humana em risco, daí, em razão do critério ex vi legis, tais pessoas são equiparadas aos consumidores garantindo-lhes os instrumentos do CDC. Assim, as crianças também estarão amparadas pelo CDC. A compreensão dessa modalidade permite, inclusive que um fornecedor se torne consumidor equiparado quando se tornar vitima do produto que comercializa, como foi o caso do REsp 1288008 - MG, 2013, no qual o comerciante foi atingido em seu olho esquerdo pelo estilhaço de uma garrafa de cerveja que estourou em suas mãos quando colocava em um freezer, causando graves lesões. O comerciante foi vitima de uma acidente de consumo.
Nesse sentido, Zelmo Denari afiança que o CDC demonstra a preocupação com "terceiros" nas relações de consumo, protegendo os denominados bystanders, vale dizer, aquelas pessoas estranhas à relação de consumo, mas que sofreram prejuízo em razão dos defeitos intrínsecos ou extrínsecos do produto ou serviço. 46
EXPOSTOS ÀS PRÁTICAS ABUSIVAS Art. 29 Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas
Consigna-se ainda, que o produto ou serviço defeituoso atinge o consumidor (terceiros-expostos) não só em sua incolumidade física, mas também psíquica, e para tanto, tem-se a regra do artigo 29 do CDC. Leciona Maria Zanardo que o consumidor equiparado é também a pessoa que foi exposta a uma prática comercial. Maria Zanardo expõe que práticas comerciais são técnicas, meios de que o fornecedor se utiliza para comercializar, vender, oferecer o seu produto ao consumidor potencial, atingindo a quem se pretende transformar em destinatário final: o consumidor/adquirente. Pela sistemática adotada pelo CDC, a expressão “Práticas Comerciais” abrange desde a oferta do produto até as cobranças de dívidas. Estende-se, pois, da pré-venda a pós-venda. Conforme ensinamentos de Hélio Zaghetto Gama, equiparam-se ao consumidor na forma do art. 29 do CDC, as pessoas expostas à oferta, à publicidade, às práticas comerciais abusivas, às cobranças de dívidas e aos bancos de dados e cadastros. Com isso, todas as ilegalidades que os fornecedores praticarem sob esse enfoque, as vitimas serão equiparadas a consumidor. Assim, o artigo 29, assim como o 17, apresenta-se como regra excepcionadora da abrangência original do CDC, pois amplia a incidência da legislação consumerista para além dos restritos limites da relação de consumo, originada pela relação do consumidor e fornecedor descritos no caput dos artigos 2° e 3°, respectivamente. Assim, basta que o consumidor esteja exposto áquelas práticas, prescindindo, portanto, da efetiva participação da pessoa na relação juridica de consumo (art. 2°) ou que seja atingida pelo evento danoso (art. 17).
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Conclui-se, que na sistemática adotada pelo Código de Defesa do Consumidor a definição de consumidor se alarga, indo além da figura do cosumidor strito sensu do produto e/ou serviço descrita no caput do art. 2º, para contemplar toda a coletividade de consumidores, de acordo com parágrafo único do art. 2°, além das vítimas do acidente decorrente do fato de produto e/ou serviço, na forma do art. 17, bem como aqueles que estejam expostos às práticas consideradas abusivas, conforme reza o art. 29. FORNECEDOR Art. 3º - Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. O art. 3º do CDC conceitua fornecedor como sendo toda pessoa física ou jurídica nacional ou estrangeira de direito público ou privado, que atua na cadeia produtiva, exercendo atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. Conforme vimos anteriormentes, temos como elementos subjetivos da relação jurídica de consumo, a figura do consumidor e do fornecedor, onde este último pode tomar forma de fornecedor real (fabricante, produtor, contrutor e prestador de serviços) fornecedor presumido (importador) e fornecedor aparente (comerciante) e devem estar transacionando produtos ou serviços. Assim, temos que a expressão fornecedor foi utilizada pelo CDC para designar o gênero, do qual fabricante, produtor, construtor, prestador de serviços, importador e comerciante são espécies. CONCEITO Diferente do que ocorre com o consumidor, o conceito de fornecedor não ganhou grande discussão doutrinária em razão da amplitude do artigo 3° do CDC, pois conceitua como fornecedor todas as pessoas, 48
naturais ou jurídicas, bem como os entes despersonalizados e os considerados como entes de personalidade anômala, que mediante suas atividades de caráter profissional ofereçam no mercado, produtos ou serviços. Deste modo, não apenas o fabricante ou produtor originário, mas também todos os intermediários (intervenientes, transformadores, distribuidores) e, ainda, o comerciante, desde que façam disso suas atividades principais ou profissões, serão tratados pela lei, como fornecedores. Frisa-se que o rol do artigo 3º é um rol meramente exemplificativo, mas que pratica com habitualidade e mediante remuneração. A determinação precisa de fornecedor tem grande relevância para caracterizar a relação jurídica de consumo, pois mesmo que haja na relação o consumidor como destinatário final do produto ou serviço não será relação de consumo se a figura do fornecedor não for encontrada. Como exemplo, suponha que uma pessoa queira vender seu carro usado para adquirir um novo e assim o faz. Diante do conceito de consumidor, anteriormente estudado, verificamos que o comprador será um consumidor se adquirir o veiculo como destinatário final e não para revendê-lo. Entretanto, a relação jurídica celebrada não estará sob a égide do CDC, pois o vendedor não será considerado fornecedor já que a venda não tem caráter atividade profissional. A atividade tem que ser de caráter profissional habitual, seja cíclica ou continua, como no caso do estudante que, apesar de ser funcionário de uma empresa, vende roupas para ajudar a pagar a mensalidade. Nesse caso, sua atividade de venda é exercida com características de atividade profissional, pois faz dela uma atividade regular ainda que seja realizada de forma cíclica, já que só vende seus produtos em determinados períodos. Igual ocorre com os vendedores ambulantes das praias brasileiras, que trabalham somente alguns meses do ano. Assim, o requisito fundamental para a caracterização da figura do fornecedor é a atividade profissional habitual remunerada, que pode ser cíclica ou continua, no exercício contínuo de determinado serviço ou fornecimento de produto. DA PESSOA JURÍDICA 49
Com relação as pessoas jurídicas não há qualquer exclusão, pois o Código declarou que todas as espécies de pessoa jurídica, personalizadas ou não, podem ser fornecedores, ou seja, qualquer pessoa jurídica de direito público, interno ou externo, privado, nacional ou estrangeira, poderá figurar na relação jurídica de consumo na qualidade de fornecedora. A respeito da finalidade lucrativa ou não da pessoa jurídica fornecedora, é interessante reproduzir o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que “Para o fim de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, o reconhecimento de uma pessoa física ou jurídica ou de um entre despersonalizado como fornecedor de serviços atende aos critérios puramente objetivos, sendo irrelevantes a sua natureza jurídica, a espécie dos serviços que prestam e até mesmo o fato de se tratar de uma sociedade civil, sem fins lucrativos, de caráter beneficente e filantrópico, bastando que desempenhem determinada atividade no mercado de consumo mediante remuneração” (STJ – REsp 519.310/SP – Terceira Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – j. 20.04.2004). Desse modo, entidades beneficentes podem perfeitamente ser enquadradas como fornecedoras ou prestadoras, sem qualquer entrave material. Com relação a pessoa jurídica estrangeira o artigo em baila se refere àquela admitida em nosso território e que, nessa qualidade, presta serviços ou venda produtos, como no caso da companhia aérea que aqui faz escalas, ou da companhia teatral estrangeira que vem ao país para realizar apresentações. ENTES ANÔMALA
DESPERSONALIZADOS
E
DE
PERSONALIDADE
A proteção do CDC subsiste, ainda que o fornecedor seja um ente despersonalizado, ou seja, entidades despedidas de personalidade jurídica ou, por analogia, considerado de personalidade anômala, como nos casos do espólio e da massa falida. Por exemplo, a quebra de um fabricante de televisores não tem o condão de eliminar a garantia do funcionamento dos aparelhos, bem
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como afastar a aplicação do CDC, igualmente ocorreria com a morte de um prestador de serviço. DA PESSOA FÍSICA No que tange a pessoa física, seja ela empresário individual ou autônomo poderá ser considerado fornecedor. Assim, o eletricista, encanador, pedreiro, o vendedor, camelô, vendedor ambulante, etc, desde que coloquem no mercado, com habitualidade e profissionalmente, produtos e serviços são considerados fornecedores. Para facilitar a compreensão retornemos ao exemplo acima que considera fornecedor o estudante que vende roupas para ajudar a pagar a mensalidade escolar ou do ambulante que vende coco na praia. Certo, porém que o CDC, no caso dos “profissionais liberais” prestadores de serviços, o CDC fez uma ressalva com relação as suas responsabilidades, pois para eles, em regra necessita da análise da culpa. Por derradeiro, o CDC utiliza-se de critério puramente objetivos para definir a figura do fornecedor, sendo irrelevante a sua natureza jurídica, assim, mesmo as pessoas que não exploram fins econômicos, como as associações e fundações, também denominadas de entidades filantrópricas ou beneficentes, podem ser consideradas fornecedor. Esse é o entendimento dos nossos trinbunais, conforme REsp n.° 519.310/SP, em parte transcrito:
“Processo Civil. Recurso Especial. Sociedade Civil, sem fins lucrativos de carárter beneficente e filantrópico. Prestação de serviços médicos, hospitalares, odontológicos e jurídicos aos seus associados. Relação de consumo caracterizada. Possibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor.” O estatuto de torcedor equipara a fornecedor os organizadores do evento ou aquele que possui o mando de campo, por outro lado, o
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torcedor é considerado consumidor. Segundo o STJ, o STJD não é equiparado a fornecedor. Na verdade, o que interessa mesmo na caracterização do fornecedor ou prestador é o fato de ele desenvolver uma atividade, que vem a ser a soma de atos coordenados para uma finalidade específica, como bem pontua Antonio Junqueira de Azevedo: “‘Atividade’, noção pouco trabalhada pela doutrina, não é ato, e sim conjunto de atos. ‘Atividade’ foi definida por Túlio Ascarelli como a ‘série de atos coordenáveis entre si, em relação a uma finalidade comum’ (Corso di diritto commerciale. 3. ed. Milano: Giuffrè, 1962. p. 147). Para que haja atividade, há necessidade: (i) de uma pluralidade de atos; (ii) de uma finalidade comum que dirige e coordena os atos; (iii) de uma dimensão temporal, já que a atividade necessariamente se prolonga no tempo. A atividade, ao contrário do ato, não possui destinatário específico, mas se dirige ad incertam personam (ao mercado ou à coletividade, por exemplo), e sua apreciação é autônoma em relação aos atos que a compõem”. A par dessa construção, se alguém atuar de forma isolada, em um ato único, não poderá se enquadrar como fornecedor ou prestador, como na hipótese de quem vende bens pela primeira vez, ou esporadicamente, com ou sem o intuito concreto de lucro. Como bem observa José Fernando Simão, há, na relação de consumo, o requisito da habitualidade, retirado do conceito de atividade, sendo interessante a ilustração do jurista: “O sujeito que, após anos de uso do carro, resolve vendê-lo, certamente não será fornecedor nos termos do Código de Defesa do Consumidor. Entretanto, se o mesmo sujeito tiver dezenas de carros em seu nome e habitualmente os vender ao público, estaremos diante de uma relação de consumo e ele será considerado fornecedor”. 52
Pelo mesmo raciocínio, não pode ser tido como fornecedor aquele que vende esporadicamente uma casa, a fim de comprar outra, para a mudança de seu endereço. Do mesmo modo, alguém que vende coisas usadas, de forma isolada, visando apenas desfazer-se delas. Ainda, para a visualização da atividade do fornecedor, pode servir como amparo o art. 966 do Código Civil, que aponta os requisitos para a caracterização do empresário, in verbis: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.” Na doutrina empresarial, merecem atenção os comentários no sentido de que não se pode falar em atividade quando há o ato ocasional de alguém, mas, sim, em relação àquele que atua “de modo sazonal ou mesmo periódico, porquanto, neste caso, a regularidade dos intervalos temporais permite que se entreveja configurada a habitualidade”.7 A mesma conclusão serve para a relação de consumo, visando a caracterizar o fornecedor de produtos ou prestador de serviços, em um mais um diálogo de complementaridade entre o CDC e o CC/2002. Ato contínuo de estudo, a atividade desenvolvida deve ser tipicamente profissional, com intuito de lucro direto ou vantagens indiretas.8 A norma descreve algumas dessas atividades, em rol meramente exemplificativo (numerus apertus), eis que a Lei Consumerista adotou um modelo aberto como regra dos seus preceitos. Vejamos, com as devidas exemplificações: Atividade de produção – caso dos fabricantes de gêneros alimentícios industrializados. Atividade de montagem – hipótese das montadoras de automóveis nacionais ou estrangeiras.
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Atividade de criação – situação de um autor de obra intelectual que coloca produtos no mercado. Atividade de construção – caso de uma construtora e incorporadora imobiliária. Atividade de transformação – comum na panificação das padarias, supermercados e afins. Atividade de importação – como no caso das empresas que trazem veículos fabricados em outros países para vender no Brasil. Atividade de exportação – caso de uma empresa nacional que fabrica calçados e vende seus produtos no exterior. Atividades de distribuição e comercialização – de produtos e serviços de terceiros ou próprios, desenvolvidas, por exemplo, pelas empresas de telefonia e pelas grandes lojas de eletrodomésticos. Por fim, em um sentido de ampliação ainda maior, a doutrina construiu a ideia do fornecedor equiparado. A partir da tese de Leonardo Bessa, tal figura seria um intermediário na relação de consumo, com posição de auxílio ao lado do fornecedor de produtos ou prestador de serviços, caso das empresas que mantêm e administram bancos de dados dos consumidores. A categoria conta com o apoio da nossa melhor doutrina, caso de Claudia Lima Marques, que cita o seu exemplo do estipulante profissional ou empregador dos seguros de vida em grupo e leciona: “A figura do fornecedor equiparado, aquele que não é fornecedor do contrato principal de consumo, mas é intermediário, antigo terceiro, ou estipulante, hoje é o ‘dono’ da relação conexa (e principal) de consumo, por deter uma posição de poder na relação outra com o consumidor. É realmente uma interessante teoria, que será muito usada no futuro, ampliando – e com justiça – o campo de aplicação do CDC”. A construção, do mesmo modo, conta com a adesão deste autor, sendo certo que há decisão do Tribunal Mineiro que equiparou o órgão que mantém o cadastro à instituição financeira em relação de consumo:
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“Indenização. Fornecedor. Contratação de empréstimo e financiamento. Fraude. Negligência. Injusta negativação. Dano moral. Montante indenizatório. Razoabilidade e proporcionalidade. Prequestionamento. Age negligentemente o fornecedor, equiparado à instituição financeira, que não prova ter tomado todos os cuidados necessários, a fim de evitar as possíveis fraudes cometidas por terceiro na contratação de empréstimos e financiamentos. (…)” (TJMG – Apelação cível 1.0024.08.9583710/0021, Belo Horizonte – Nona Câmara Cível – Rel. Des. José Antônio Braga – j. 03.11.2009 – DJEMG 23.11.2009). Mais recentemente, na mesma linha, o Tribunal do Paraná aplicou o conceito de fornecedor equiparado para o agente financeiro, responsável pelo empréstimo visando à aquisição do bem de consumo. Do negócio decorreu a inscrição indevida do consumidor no cadastro de inadimplentes, o que gerou a responsabilização solidária dos dois envolvidos na contratação. Nos termos da ementa: “Aplicação do CDC. Fornecedor equiparado. Inversão do ônus da prova. Fatos aduzidos na inicial não refutados pela ré. Apelação (2). Agente financeiro. Integrante da cadeia de fornecedores do produto. Mútuo coligado à compra e venda. Responsabilização solidária pelos danos decorrentes da relação jurídica comerciante consumidor. Inscrição indevida nos órgãos de restrição ao crédito. Dano moral in re ipsa. Prescindibilidade da comprovação do dano. Cobrança abusiva. Inversão do ônus da prova. Fatos adesivo. Autora. Majoração dos danos morais. Pedido não acolhido. Responsabilização autônoma da terceira ré que aumenta o valor a ser recebido pela autora. Termo inicial dos juros de mora. Responsabilidade contratual. Juros contados da citação. Devolução do sofá. 55
Impossibilidade. Vedação ao enriquecimento sem causa. Parcelas quitadas não foram objeto do pedido inicial. Apelação Cível 1 e Recurso adesivo conhecidos e parcialmente providos. Apelação Cível 2 conhecida e não provida” (TJPR – Apelação Cível 1284659-8, Londrina – Oitava Câmara Cível – Rel. Des. Guilherme Freire de Barros Teixeira – DJPR 24.02.2015, p. 335).
Do Tribunal Gaúcho, igualmente com conteúdo interessante e na mesma linha do último aresto, foram considerados fornecedores equiparados os dois entes relacionados com o contrato de empréstimo de dinheiro para funcionários públicos. Vejamos a sua ementa, com destaque especial: “Recurso inominado. IPERGS. Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul. FUSEPE. Fundação dos Servidores Públicos do Estado do Rio Grande do Sul. Pretensão de cancelamento de desconto de contribuição associativa e devolução em dobro de valores indevidamente descontados. Litisconsórcio passivo necessário. Inocorrência. Prazo para expedição de RPV. Lei Estadual nº 13.756/2011. Sentença reformada em parte. No tocante à preliminar de litisconsórcio passivo necessário, para a formação do qual a Lei exige seja ele unitário ou expressamente previsto, vislumbra-se evidente que a relação jurídica discutida não se enquadra em nenhuma dessas hipóteses, na medida em que a parte demandante sofria descontos de valores que eram repassados pelo IPERGS à FUSEPE, a título de contribuição para a manutenção da qualidade de associado, condição necessária para a fruição do empréstimo bancário que a referida fundação intermediava para os seus associados. Relação, portanto, diversa da que estava constituída entre 56
a parte demandante e o banco privado. Caso concreto em que a parte autora encaminhou, na via administrativa, de forma expressa, o pedido de cancelamento da cobrança de contribuição à FUSEPE, após o total adimplemento do contrato de empréstimo intermediado, razão pela qual, diante do direito de não ser compelida a manterse filiada – Art. 8º, V, CF/88 – Têm-se por indevidas as cobranças realizadas a partir do protocolo do pedido de desligamento. Pela aplicação do conceito de fornecedor equiparado, tendo os demandados participado de alguma forma da execução do contrato de mútuo bancário que configura relação de consumo, cabível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor para obrigar a parte demandada à devolução em dobro dos valores indevidamente descontados, a teor do artigo 42, parágrafo único, do CDC, na medida em que à conduta lesiva não se pode conferir a qualidade de erro justificável. (…)” (TJRS – Recurso Cível 0058556-77.2015.8.21.9000, Caxias do Sul – Segunda Turma Recursal da Fazenda Pública – Rel. Des. Mauro Caum Gonçalves – j. 26.08.2016 – DJERS 27.09.2016). Com tal interessante conceito, que deve ser incrementado nos próximos anos, encerra-se o estudo do fornecedor como elemento subjetivo da relação de consumo. MERCADO DE CONSUMO Além do que foi dito acima, a atividade profissional deve ser desenvolvida no mercado de consumo, espaço de negócio não institucional no qual se desenvolvem atividades econômicas próprias de ciclo de produção e comercialização dos produtos ou de serviços. Com esse entendimento, o STJ já afastou a aplicação do CDC para os seguintes casos: 57
- Serviços advocatícios - Contratos de crédito educativo - Relação condominial - Locação predial urbana - Previdência privada complementar fechada (Súmula 563) Súmula 563-STJ: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às entidades abertas de previdência complementar, não incidindo nos com tratos previdenciários celebrados com entidades fechadas. OBJETO DA RELAÇÃO DE CONSUMO: PRODUTO E SERVIÇOS
PRODUTO
O objeto de uma relação jurídica é o elemento em razão do qual a relação se constitui e sobre a qual recai tanto a exigência do credor, como a obrigação do devedor, podendo ser tanto uma coisa quanto uma prestação. Na relação de consumo, esse objeto, é determinado na atividade humana de dar um produto ou de realizar um serviço por parte do fornecedor. Destarte, uma relação jurídica de consumo será caracterizada pela presença em um de seus pólos do consumidor padrão, assim definido pelo caput do artigo 2°, no outro polo, o fornecedor, assim definido pelo caput do artigo 3° e, finalmente, pela existência de um vínculo jurídico de direito material decorrente da celebração de contrato de fornecimento de produto (art. 3° § 1°) ou prestação de serviço. (art. 3° § 2°). Conceito de produto O § 1º do art. 3º do CDC define: “produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.” Assim, produto corresponde ao elemento objetivo da relação de consumo, isto é, o objeto sobre o qual recai a relação jurídica. 58
O CDC conceitua produto como sendo qualquer bem, novo ou usado, seja ele móvel, imóvel, material ou imaterial (ambiente virtual, softwares), suscetível de apropriação e que seja destinado a satisfazer uma necessidade do consumidor, isto é, aquilo que resulta do processo de produção ou fabricação. Diante do dialogo das fontes, como o CDC não traz o que é bem móvel ou imóvel, utilizam-se os artigos 79 a 84 do CC. Bens, portanto, podem ser definidos como coisa que, diante da sua utilidade e raridade, passam a ter valor econômico e tornam-se suscetíveis de apropriação pelo homem. VALOR ECONÔMICO Produto necessariamente deve possuir valor econômico, sendo o bem jurídico objeto de direito subjetivo, que goza de tutela jurídica e que possui natureza patrimonial, portanto devem ser raros e uteis. Assim estão excluídos como objeto os bens sem apreciação econômica, indisponíveis ou fora de comércio, tais como o nome, a vida, os órgãos e tecidos do corpo humano os quais estão fora do âmbito de aplicação do CDC. Repisa-se que a exigência é que o produto tenha valor econômico, isto não quer dizer que o consumidor tenha que, necessariamente, pagar por ele, como exemplo das promoções leve dois e pague um. AMOSTRA GRÁTIS A única referência à amostra grátis que o CDC faz é aquela do parágrafo único do artigo 39, que serve apenas para liberar o consumidor de qualquer pagamento. Não obstante, analogicamente, deve ressaltar que a amostra grátis também está submetida as exigências legais de qualidade, garantia, durabilidade, proteção contra vício, defeitos, etc., pois apesar de ter sido pago pelo consumidor, possui valor econômico. MATERIAL OU IMATERIAL
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A segunda característica do produto é diz respeito sua materialidade ou imaterialidade. O diploma consumerista não restringe os produtos quanto à materialidade. Esta divisão era originária do direito romano - res corporales - em que as coisas corpóreas eram as que podiam ser tocadas pelas mãos, sendo a tangibilidade sua característica fundamental. Nosso direito moderno, conservou a referida denominação, que aqui equivale a material. Insta salientar, quase sempre os produtos imateriais estarão ligados a serviços, como por exemplo, pacote de turismo, mútuo bancário, energia elétrica, gás natural, pacotes de telefonia, etc.. Cediço, aliás, que não se vende um produto, seja ele material ou imaterial, sem serviço. Os gases, o fundo de comércio com os bens que compõem, etc. Entretanto os programas de computador ou softwares se encaixam nessa concepção de bem imaterial. Assim, atente-se ao fato de que os produtos digitais também podem ser englobados pela Lei Protetiva do consumidor, caso de programas de computador ou softwares. Para concretizar, vejamos decisão do Tribunal de Minas Gerais, em que se discutiu a aplicação do CDC para a aquisição de programas de computador por escritório de advocacia, prevalecendo, ao final, a teoria finalista aprofundada ou maximalista: “Direito do consumidor. Programa de computador. Software. Consumidor. Relação entre sociedade de advogados e empresa de software. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Teoria finalista mitigada. Da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço. Inadimplemento total da obrigação. Prescrição quinquenal. Voto vencido. O consumidor intermediário, por adquirir produto ou usufruir de serviço com o fim de, direta ou indiretamente, dinamizar ou instrumentalizar seu próprio negócio lucrativo, não se
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MÓVEL OU IMÓVEL De acordo com a definição tradicional, imóveis são as coisas que não podem ser transportadas sem destruição, de um lugar para outro. Móveis, em oposição, são bens que, sem deterioração na substância ou na forma, podem ser transportados de um lugar a outro, por força própria ou estranha. Assim os bens móveis abrangem os semoventes, (animais) e os móveis propriamente ditos (moedas, produtos, ou mercadorias). Por isso, conclui-se que os produtos, quer de natureza material ou imaterial, quer móveis ou imóveis, serão objeto da relação de consumo, bastando para isso que possuam existência própria e sejam dotados de valor econômico. DURÁVEL E NÃO DURÁVEL Os conceitos de produto durável e não durável aparecem na seção que trata da decadência e prescrição, especificamente no artigo 26, I e II, pois os prazos decadenciais serão menores para os não duráveis e maiores para os duráveis. Portanto, serão tratados na oportunidade em que analisarmos tais temas. Entretanto, segue um breve conceito dos mesmos, a iniciar pelo durável. Como o próprio nome sugere, produto durável é aquele que não se extingue com o uso, ou seja, ele dura e leva tempo para se desgastar, mas não é eterno. Assim, seriam duráveis os livros, roupas, automóveis, equipamentos eletrônicos, etc. Até mesmo um imóvel construído desgasta com o tempo. Para alguns doutrinadores apenas o terreno seria um produto que não sofreria desgaste com o tempo. Por esse razão, o desgaste natural não poderia ser considerado um vício do produto e, por esse motivo, não há proteção legal para o desgaste natural, salvo se o fabricante tenha assumido certo prazo de funcionamento, quando a proteção passa a ser contratual. Por sua vez, produto não durável, é aquele que acaba com o uso, ou seja, não possui qualquer durabilidade, pois quando usado, ele se extingue ou, ao menos, vai se extinguindo. A extinção poderá ser imediata, como os produtos alimentícios in natura, como a pesca, grão, vegetais, ou enlatados, engarrafados, os remédios, cosméticos etc., ou, paulatina, como sabonete, caneta, etc. 61
Assim, o que diferencia um produto durável do não durável é a maneira de extinção enquanto é utilizado, pois enquanto aquele (durável) permanece tal como era após ser utilizado, o não durável perde totalmente ou parcialmente a sua existência com o uso ou vai. A sua distinção interessa de perto ao estudo da decadencia, pois o CDC estabelece prazos distintos para reclamação por vício do produto ou serviço, sendo mais curtos para os não duráveis e mais longos para os duraveis. SERVIÇO CDC Art. 3º (...) § 2º - Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. Assim, percebe-se que o objeto da relação jurídica de consumo não está restrito apenas as coisas, mas abrange também as atividades ou ações humanas desde que alguém deva fazer ou não fazer ou obrigue-se a dar alguma coisa. À essa atividade – física ou intelectual – praticada pelo homem, através do seu trabalho, mediante remuneração direta ou indireta, denomina-se serviço. Inicialmente, vale esclarecer que o rol do artigo é meramente exemplificativo, mesmo porque o parágrafo em questão utiliza a expressão “qualquer”. Dessa forma, serviço é qualquer atividade prestada no mercado de consumo mediante remuneração. Os serviços objeto da relação de consumo podem ser de três tipos: • Materiais: reparação, hotelaria, transporte, etc. • Financeiros: seguro, crédito, etc. • Intelectual: médico, assessoria jurídica, etc. SERVIÇO DURÁVEL E NÃO DURÁVEL
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Apesar do conceito de serviço conduzir ao enquadramento de uma atividade não durável, o mercado acabou criando os chamados serviços duráveis, assim considerados àqueles que tiverem sido estabelecidos no contrato de prestação, como contínuo a exemplo dos educacionais, de saúde, fornecimento de energia, etc., ou os que deixarem como resultado um produto, como pintura, buffet, etc. Com isso, o CDC também regulou os serviços como duráveis e não duráveis, no mesmo artigo 26, I e II, que adiante será estudado. REMUNERAÇÃO A característica principal do serviço, para incidência do CDC, é a remuneração. Para efeitos de proteção do Código do Consumidor os serviços devem ser prestados de forma profissional e habitual, no mercado de consumo, mediante remuneração, excluindo-se os de caráter trabalhista e fiscal, conforme veremos a seguir. Afasta-se, pois, a incidência do CDC sobre os serviços de natureza trabalhista, remunerados por tributo, os tidos como sociais e os exercidos a título gratuito. Assim, a proteção do CDC não será estendida aos casos de serviços não remunerados. Nesse sentido, podemos afirmar que a característica marcante da definição de serviço, para fins de proteção do consumidor, é a que os mesmos devem ser prestados mediante remuneração, exceto, os de caráter trabalhista e fiscal. No entanto, a expressão mediante remuneração é interpretada de forma bastante ampla pela doutrina e pela jurisprudência, abrangendo a remuneração direita e indireta, conforme segue: • Remuneração direta: ou seja, quando o consumidor efetua o pagamento diretamente ao fornecedor. Assim, identifica-se a remuneração direta como a contraprestação pecuniária do consumidor diretamente ao fornecedor. Por exemplo, o consumidor vai ao fornecedor (loja) e adquire um sapato e paga o preço por tal produto. • Remuneração indireta: quando uma relação onerosa principal oferece vantagens aparentemente gratuitas, mas que ocorrem em decorrência de outra relação principal, onerosa. É o caso dos pontos derivados de cartão 63
fidelidade, dos estacionamentos em shoppingcenters, lojas e supermercados, do serviço gratuito de instalação de som no automóvel, manobristas, transportes gratuitos para estudante de escola pública, idoso e deficiente físico, atendimento em hospitais beneficentes etc. Sem dúvida, haverá nestes casos, a incidência das regras contidas no CDC apesar de ser a remuneração indireta, pois todos esses serviços não são considerados gratuitos já que, por serem facilidades utilizadas para atrair potenciais clientes, os custos estão embutidos no preço do que foi pago ou subsidiado por alguém, como nos exemplos, na anuidade do cartão, compras no Shopping, no som, do atendimento hospitalar em rede beneficente que recebe verba pública ou privada, etc. É o que foi decidido no seguinte caso: “Indenização por danos materiais. Furto em estacionamento. Legitimidade passiva do supermercado. Terceirização do estacionamento. Irrelevância. Exoneração de responsabilidades estabelecida entre o supermercado e a empresa terceirizada não pode ser oposta ao consumidor. Solidariedade decorrente de lei. Furto Comprovado. A disponibilização de estacionamento visa angariar a clientela, ensejando a configuração de depósito irregular e consequente dever de guarda e vigilância, pouco importando tratar-se de estacionamento gratuito. Lucros cessantes afastados. Dano material correspondente ao valor do veículo furtado. Sentença parcialmente procedente. Recurso não provido” (TJSP – Apelação 0097300-21.2007.8.26.0000 – Acórdão 4895504, São Paulo – Décima Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Antonio Manssur – j. 18.11.2010 – DJESP 24.02.2011). “Civil. Apelação. Ação de indenização. Furto de motocicleta em supermercado. Responsabilidade civil da empresa configurada. Dever de guarda e vigilância. Dano material. Arts. 14 e 29 do CDC. Aplicação. Indenização 64
cabível. Súmula 130 do STJ. Dever de indenizar. Responsabilidade civil do Estado. Não configuração. Recurso conhecido e não provido. O estabelecimento que permite, mesmo a título gratuito, o estacionamento de veículo em seu pátio, tem responsabilidade pela guarda e vigilância do bem, e responde por qualquer dano causado. Nos termos do art. 14 do CDC, o fornecedor de serviços ou de produtos responde para com o consumidor em caso de dano, independentemente de culpa. A teor do art. 29 do CDC, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas. O furto de veículo em estacionamento privativo de empresa gera a obrigação de indenizar conforme prevê a Súmula 130 do STJ. Não há como imputar ao Estado a responsabilidade por prejuízo sofrido pelo furto ocorrido em estacionamento privado de supermercado. Recurso conhecido e não provido” (TJMG – Apelação Cível 1.0702.06.285022-8/0011, Uberlândia – Décima Sétima Câmara Cível – Rel. Des. Márcia de Paoli Balbino – j. 24.04.2008 – DJEMG 09.05.2008). Furto de veículo em estacionamento de supermercado. Responsabilidade civil decorrente do dever de prestar segurança. Aplicação da Súmula 130 do STJ. Incidência do Código de Defesa do Consumidor. Dano Moral in re ipsa. Indenização por danos materiais arbitrada em R$15.855,42 e de R$5.000,00 por danos morais. Sentença mantida. (BRASIL. TJRJ. 4ª. CC. Des. Sidney Hartung. J. 08/04/2008 Ap. Civ. 2008.001.1112) Súmula 130 do STJ. “Direito civil. Responsabilidade civil. Furto em estacionamento. Shopping center. Veículo 65
pertencente a possível locador de unidade comercial. Existência de vigilância no local. Obrigação de guarda. Indenização devida. Precedentes. Recurso provido. I. Nos termos do enunciado n. 130/STJ, ‘a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento’. II. A jurisprudência deste Tribunal não faz distinção entre o consumidor que efetua compra e aquele que apenas vai ao local sem nada despender. Em ambos os casos, entende-se pelo cabimento da indenização em decorrência do furto de veículo. A responsabilidade pela indenização não decorre de contrato de depósito, mas da obrigação de zelar pela guarda e segurança dos veículos estacionados no local, presumivelmente seguro” (STJ – REsp 437.649/SP – Quarta Turma – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira – j. 06.02.2003 – DJ 24.02.2003, p. 242). Outro exemplo que envolve as vantagens indiretas ao prestador é o sistema de milhagens ou de pontuação em companhias áreas, que igualmente serve como um atrativo aos consumidores, ou até mesmo como uma publicidade. Nesse sentido: TJPE – Apelação 0188732-5, Recife – Sexta Câmara Cível – Rel. Des. Eduardo Augusto Paura Peres – j. 11.03.2010 – DJEPE 05.05.2010). Fornecendo amparo doutrinário a essa forma de pensar, na VI Jornada de Direito Civil, em 2013, foi aprovado o Enunciado n. 559 do CJF/STJ, segundo o qual “no transporte aéreo, nacional e internacional, a responsabilidade do transportador em relação aos passageiros gratuitos, que viajarem por cortesia, é objetiva, devendo atender à integral reparação de danos patrimoniais e 66
extrapatrimoniais”. A menção à reparação integral segue a linha exposta neste livro, de afastar qualquer tarifação da indenização nas relações de consumo. Tal fato se dá em razão de que tudo tem um custo e este custo acaba sendo repassado ao consumidor. Assim, se um restaurante não cobra o cafezinho, não é mendaz a firmar que o seu custo já está embutido no preço dos demais produtos. O STJ, no Resp 566.468/RJ, firmou entendimento de que é possível que haja remuneração indireta, vejamos um trecho do julgado: STJ: inexiste violação ao art. .3,§2º, do Código de Defesa do Consumidor, portanto, para a caracterização da relação de consumo, o serviço pode ser prestado pelo fornecedor mediante remuneração obtida de forma indireta.
Dessa forma, os serviços cujo pagamento ocorre indiretamente (aparentemente gratuitos), em nada se confundem com os puramente gratuitos, estes sim estão afastados da incidência do CDC, que seriam prestados no exclusivo interesse do beneficiario, sem nenhuma vantagem financeira do executor. PÚBLICO OU PRIVADO O CDC aplica-se ainda a certos serviços públicos, tradicionalmente regulados pelo Direito Administrativo, nos termos do artigos 4.º, VII, 6º, X e 22 do CDC. O artigo dispõe que os órgãos públicos, por sí ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de impreendimentos são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Porém não é qualquer serviço publico que será objeto da relação de consumo, mas apenas aquele que é possível identificar o usuário e quando for possível mensurar a prestação dos serviços público, a exemplo do serviço de agua, esgoto, telefonia, transporte, etc. Por outra banda, os serviços indivisíveis e imensuráveis, não são abrangidos pelo 67
CDC, a exemplo do serviço de iluminação pública. Igualmente, os serviços próprios do Estado (saúde, educação, segurança pública) não podem ser tutelados pelo CDC, diante da ausência da relação de consumo.
O regime jurídico do CDC será aplicável aos serviços públicos sempre que estes observem o requisito do recebimento de contraprestação (tarifa ou preço público) em dinheiro, destinada especificamente para a prestação recebida, denominados de serviços uti singuli, omo vimos acima. Significa, que os serviços públicos financiados através dos tributos em gerais para fomentar as atividades próprias do Estado, não são objeto de relação de consumo, bem como aqueles serviços uti univesi, ou seja difusos decorrentes das atividade precípua do Estado, visando ao bem comum, tal como ocorre com a Educação Pública, Saúde, saneamento básico, segurança, etc., quando serão aplicados o Art. 37 parágrafo 6º da CF de 1988. Nesse sentido, somente os serviços públicos impróprios remunerados com preços públicos ou tarifas especificas e proporcionais à prestação recebida que integram o conceito de serviço do CDC. Visto que estes pagamentos são opcionais, oriundos da relação contratual na qual impera a manifestação de vontade, podendo o particular interromper o contrato quando quiser. O contrário ocorre com os tributos, pois a própria lei (art. 3° CTN) afirma o seu caráter compulsório. Assim são serviços públicos sob a égide do CDC: luz, telefonia, correios, pedágio, alguns deles operados por empresas ou entidades governamentais, outros objetos de concessão a empresas privadas, mas remunerados por tarifas ou preços públicos. Tarifa é, portanto, a remuneração facultativa oriunda de relação contratual na qual impera a manifestação da vontade, podendo o particular interromper o contrato quando quiser. Assim, não se pode confundir taxa com tarifa ou preço público, aliás, o STF editou a Súmula n.° 545, nesse sentido, pois afirma que: Se o serviço Público é remunerado por taxa, não podem as partes cessar a prestação ou contraprestação por conta própria, característica só pertinente às relações contratuais, na esfera do direito civil.
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Conlui-se que é a partir do sistema da remuneração que se define a natureza da relação de serviço público prestado, fazendo com que o CDC incida apenas sobre as relações remuneradas por tarifa ou preço público, conforme decisão do STJ, proferida no Resp n;° 525.520/AL. Cabe ainda ressaltar que, aos serviços públicos impróprios, a lei consumerista consagra dois dispositivos, o art. 6, X, e o art. 22, abaixo transcritos: Art. 6º São direitos básicos do consumidor (...) X – a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral. Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. SERVIÇO NOTARIAL Atualmente, o STJ possui precedente afastando a aplicação do CDC aos serviços notarias, sob o argumento de que o STF entende que as custas e emolumentos possuem natureza administrativo-tributária e por isso não há como reconhecer a relação e consumo, pois no lugar de consumidor há contribuinte, bem como não há como considerar que os cartórios de notas e registros sejam fornecedores, eis que seus serviços não integram o mercado de consumo. CONTRATOS DE AUTOGESTÃO DE SERVIÇO DE SAÚDE Para o Superior Tribunal de Justiça, não são abrangidos pelo Código de Defesa do Consumidor os contratos de autogestão dos serviços de saúde. Conforme acórdão prolatado no ano de 2016, pela Segunda Seção da Corte, “a operadora de planos privados de assistência à saúde, na modalidade de autogestão, é pessoa jurídica de direito privado sem finalidades lucrativas que, vinculada ou não à entidade pública ou privada, opera plano de assistência à saúde com exclusividade para um público determinado de beneficiários. A constituição dos planos sob a modalidade de autogestão diferencia, 69
sensivelmente, essas pessoas jurídicas quanto à administração, forma de associação, obtenção e repartição de receitas, diverso doscontratos firmados com empresas que exploram essa atividade no mercado e visam ao lucro. Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor ao contrato de plano de saúde administrado por entidade de autogestão, por inexistência de relação de consumo” (STJ – REsp 1.285.483/PB – Segunda Seção – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – j. 22.06.2016 – DJe 16.08.2016). Nos termos do voto do Ministro Relator, “a inegável diferença estrutural existente entre os planos de saúde oferecidos pelas entidades constituídas sob aquele modelo, de acesso restrito a um grupo determinado, daqueles comercializados por operadoras que oferecem seus produtos ao mercado geral e objetivam o lucro, ensejam a retomada do tema e encorajam submeter a questão ao criterioso exame desta Seção”. Não se olvide que, pelo Novo CPC, tal decisão vincula os advogados (art. 332, inciso III) e os julgadores de primeira e segunda instâncias (art. 489, § 1º, inciso VI). Em suma, tal posição deve ser considerada majoritária e consolidada, para os devidos fins práticos. Conforme visto acima, apenas os serviços públicos divisíveis e mensuráveis serão objetos de uma relação de consumo protegida pelo CDC, desde que remunerados por tarifa ou preço público. O art. 22 do CDC impõe uma série de exigências aos fornecedores de serviços públicos, vejamos: Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados1, eficientes2, seguros3 e, quanto aos essenciais, contínuos4. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.
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ADEQUADOS: o dever de qualidade-adequação também é imposto ao serviço público, o qual deve ter um bom desempenho, sendo adequado ao fim a que se destina; EFICIENTES: bom desempenho a um baixo custo; SEGUROS: dever de qualidade-segurança, não podem colocar em risco o consumidor; CONTÍNUOS: refere-se aos serviços públicos considerados essenciais (art. 10 da Lei 7.783/1989), utiliza este artigo por analogia, eis que o CDC não prevê. Art. 10 - São considerados serviços ou atividades essenciais: I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; II - assistência médica e hospitalar; III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; IV funerários; V - transporte coletivo; VI captação e tratamento de esgoto e lixo; VII telecomunicações; VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; IX processamento de dados ligados a serviços essenciais; X - controle de tráfego aéreo; XI compensação bancária. INTERRUPÇÃO DO SERVIÇO PUBLICO ESSENCIAL É possível a interrupção de serviço público essencial em razão do inadimplemento do consumidor? Parte da doutrina entende que não é possível a interrupção, tendo em vista que o art. 22 do CDC exige que sejam prestados de forma continua. Posição diversa defende a possibilidade, pois o art. 22 do CDC refere-se a disponibilidade do serviço público para toda a coletividade, sendo possível a interrupção para o usuário inadimplente, até mesmo para que o serviço seja mantido aos demais.
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O STJ entende que é possível a interrupção, quando, após o aviso, o consumidor continua inadimplente. Administrativo. Energia elétrica. Corte. Falta de pagamento. É lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica, se, após aviso prévio, o consumidor de energia elétrica permanecer inadimplente no pagamento da respectiva conta (L. 8.987/95, art. 6.º, § 3.º, II). Destacam-se a seguir alguns entendimentos, do STJ, sobre serviço público:
• Interrupção do serviço público essencial em caso de inadimplência do consumidor. É possível? É possível o corte que: 1) seja precedido de aviso prévio; 2) não se trate de dívidas antigas;3) não se trate de dívida referente a suposta fraude em medidor contestada em juízo pelo consumidor; e 4) não haja riscos de lesões à integridade física do usuário, especialmente quando este se encontrar em estado de miserabilidade em respeito à dignidade da pessoa humana. • Interrupção do serviço público essencial em caso de inadimplência de pessoa jurídica de direito público consumidora. É possível o corte, desde que preservadas as unidades públicas provedoras de necessidades inadiáveis as comunidades* (hospitais, prontos-socorros, centros de saúde, escolas e creches). Como também ser feito mediante aviso prévio. Obs.: Necessidades inadiáveis da comunidade são aquelas que, se não atendidas, colocam em perigo iminente a sobrevivência, saúde ou segurança da população (art. 11, parágrafo único, da Lei 7.783/1989). Destarte, embora a parte final do artigo 22 estabeleça o dever de continuidade dos serviços públicos, as decisões jurisprudenciais consolidaram-se no sentido de permitir a sua interrupção, desde que haja comunicação prévia do inadimplemento, pois são públicos, por vezes contínuos, mas não são gratuitos.
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Ação declaratória de inexistência de dívida. Fornecimento de energia elétrica. Falta de pagamento. Corte do fornecimento. Aviso prévio efetuado. (BRASIL. TJRJ. 16ª CC. Ap. Civ 2007.001.66429 rel. Carlos José Martins Gomes. J. 15/04/2008) SERVIÇO BANCÁRIO É o que consta no segundo parágrafo do art. 3º do CDC. Preferiu o legislador esclarecer que as atividades bancárias, financeiras, crédito e securitárias estariam também inclusas no rol de serviços, para que não houvesse dúvida quanto à incidência do microssistema para estas atividades, sendo, pois, meramente exemplificativo. Externou a jurisprudência majoritária o entendimento de que o CDC aplica-se aos contratos bancários, vez que as instituições financeiras estão inseridas na definição de prestadoras de serviços, contempladas no art. 3º, e segundo parágrafo, do CDC. As discussões doutrinárias e jurisprudencial quanto o enquadramento da atividade bancária como relação jurídica cessaram com a edição da Súmula 297 do STJ que declarou que o CDC é aplicável as instituições financeiras. Por fim, destaca-se que o próprio STF já se manifestou sobre a constitucionalidade do §2º do artigo 3º do CDC, ADI 2591. CONCLUSÃO Por tudo que foi estudado podemos concluir que o CDC incidirá nas relações jurídicas de consumo, consubstanciada pela presença do consumidor em um dos pólos e noutro o fornecedor, transacionando um produto ou serviço. Poderá ainda ser aplicado se a prática comercial puder se tornar relação de consumo, pelo simples fato de expor e poder se impor a um consumidor em potencial ou lhe causar algum acidente de consumo.
UNIDADE II - A TUTELA JURISDICIONAL DIREITOS BÁSICOS DO CONSUMIDOR
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Os direitos básicos do consumidor estão elencados no artigo 6° do CDC e são considerados princípios fundamentais que nunca poderão ser afastados pela vontade do fornecedor, já que o CDC é considerado norma cogente. Qualquer cláusula inserida no contrato de consumo que pretender afastar ou mitigar esses direitos será nula de pleno direito, conforme se depreende do artigo 1° do CDC.
Art. 1º - O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos artigos 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal, e artigo 48 de suas disposições transitórias. Art. 6º - São direitos básicos do consumidor: Assim o rol descrito no artigo 6° do CDC não é um rol taxativo, pelo contrário, há nele apenas uma síntese dos institutos e direito material e formal do consumidor. Seria, na verdade, uma prévia do que será abordado nos títulos e capítulo seguintes.
Destarte, resume-se, esse momento, apenas para enunciá-los com a simples leitura do artigo. Assim, o Código de defesa do Consumidor de maneira simples e direta, em seu artigo 6°, contempla 9 (nove) direitos básicos do consumidor, muitos dos quais já foram vistos anteriormente: I - Proteção da vida, saúde e segurança; II - Educação para o consumo; III - Informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços; IV - Proteção contra publicidade enganosa e abusiva; V - Proteção a modificação das cláusulas contratuais; VI- Prevenção e reparação dos danos = Indenização; VII- Acesso a Justiça;
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VIII- Facilitação de defesa de seus direitos= inversão do ônus da prova; IX - Qualidade dos serviços públicos. A DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUIZO – TUTELA INDIVIDUAL Vimos acima que o acesso à justiça que foi tratado como princípio garantidor dos direitos básicos do consumidor que visa garantir uma resposta do Estado rápida e efetiva, a fim de conferir utilidade ao provimento jurisdicional. Para tanto, o CDC criou regras que tornam o acesso e a resposta ao judiciário mais eficiente. Nessa toada, o CDC trouxe inúmeros direitos e garantias aos consumidores. Visando a efetivação de tais direitos e garantias, trouxe os meios, igualmente, os meios de defesa do consumidor em juízo, tanto de forma coletiva quanto de forma individual, os quais iremos analisar a partir de agora. Destarte, passemos ao estudo de alguns instrumentos que o consumidor pode utilizar para viabilizar o efetivo cumprimento do princípio do acesso a justiça, entre os quais estão o foro privilegiado, adstrição da tutela especifica de obrigação de fazer e não fazer, a proibição da denunciação da lide, a inversão do ônus da prova e a desconsideração da pessoa jurídica do fornecedor. COMPETÊNCIA TERRITORIAL PELO DOMICÍLIO DO CONSUMIDOR O artigo 101, inciso I do CDC merece destaque no que tange ao ajuizamento da ação de responsabilidade civil em face do fornecedor de produtos e serviços, pois confere foro privilegiado ao consumidor. A aludida regra busca facilitar o acesso do consumidor à justiça, pois de acordo com a regra geral dos direitos pessoais, estabelecida pela lei processual, a competência deveria ser fixada pelo foro do domicílio do réu, conforme determina o artigo 46 do pergaminho Processual. Assim, se vigorasse a regra geral estabelecida pelo CPC o consumidor deveria acionar o fornecedor em seu domicílio que poderia ser em outro município ou estado, por exemplo, do consumidor domiciliado em Volta Redonda e o fornecedor em São Paulo. FORO DE ELEIÇÃO
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Insta salientar, que a competência territorial, está classificada como relativa, permitindo, portanto, a livre disposição das partes. Essa faculdade, aliás, vai mais longe que própria temática da prorrogação da competência. Com efeito, mesmo antes da existência do litígio, podem as partes estabelecer convenção de competência de foro, através de contrato escrito. A única exigência feita pela lei é a vinculação do ajuste a um negócio jurídico certo e determinado. Sendo tal foro de livre escolha das partes, dá-se o nome de foro de eleição. Nesse contexto, pontua Arruda Alvim: "O foro de eleição decorre do ajuste entre dois ou mais interessados, devendo constar de contrato escrito e se referir especificamente a um dado negócio jurídico (disponível), para que as demandas oriundas de tal negócio jurídico possam ser movidas em tal lugar" (Manual de direito processual civil, vol. I, p. 277).
No Código vigente, o foro de eleição encontra-se positivado no art. 63, segundo o qual "As partes podem modificar a competência em razão do valor e do território , elegendo o foro onde será proposta ação oriunda de dierito e obrigações”. Por sua vez, o artigo 62 diz que a competência determinada em razão da matéria, da pessoa ou da função é inderrogável por convenção das partes. Assim, as partes podem apenas modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde serão propostas as ações oriundas de direitos e obrigações. Por consequência, mitigou-se a máxima segundo a qual o juiz não pode declinar quando tratar-se de incompetência relativa. Entretanto, a jurisprudência, aos poucos, passou a firmar entendimento favorável ao consumidor. Nesse ponto, tratando-se de competência territorial estabelecida por força de contrato de adesão, o magistrado poderá declinar a competência, notadamente, quando se convencer do prejuízo trazido ao consumidor com o foro escolhido, em verdade, imposto. Enveredando-se por esse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça passou a emitir reiteradas decisões, permitindo a declaração ex 76
officio de incompetência territorial. Vale colacionar alguns arestos para ilustrar o tema:
STJ – 2ª Seção – CC nº 48097/RJ – Rel. Min. Fernando Gonçalves – j. 13.04.05 "Em se tratando de relação de consumo, tendo em vista o princípio da facilitação de defesa do consumidor, não prevalece o foro contratual de eleição, por ser considerada cláusula abusiva, devendo a ação ser proposta no domicílio do réu, podendo o juiz reconhecer a sua incompetência ex officio".
STJ – 4ª Turma – AgRgAI nº 495742/DF – Rel. Min. Barros Monteiro – j. 29.06.04 "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável aos contratos submetidos às regras do Sistema Financeiro de Habitação, e, dessa forma, o Juiz pode declinar, de ofício, a competência, visando à proteção do consumidor, quando a cláusula de eleição de foro vier a prejudicá-lo". “Conflito negativo de Competência. Ação Monitória. Mútuo Concedido por Entidade de Previdência Complementar. Foro de Eleição em Belo Horizonte”. RSTJ 129/212-215 “A regra do foro privilegiado do consumidor se aplica ainda nos contratos de consumo, quando estes, de alguma forma, dificulte o acesso à Justiça do consumidor, em especial, nos contratos de adesão, conforme se depreende do julgamento proferido pelo STJ, REsp 23.968-DF. Contrato Celebrado em Brasília. Local do Domicílio dos Réus. CDC. Serviço. Facilidade de Defesa.”
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Assim, ainda que a competência territorial possa ser prorrogada pela vontade das partes (foro de eleição), deve-se esclarecer que não irá prevalecer o foro contratual de eleição caso dificulte a defesa do consumidor, em face do ônus que terá para acompanhar o processo em local distante daquele em que reside e, também, onde foi celebrado o negócio ainda que tal indicação não constitua mera adesão a cláusula preestabelecida pelo fornecedor. FORO PRIVILEGIADO Assim, caracterizada a relação jurídica de consumo, decorrente ou não de um contrato de adesão, o consumidor tem foro privilegiado para o ajuizamento da ação, pouco importando se existe cláusula contratual estipulando de forma diversa. Ademais, por serem de ordem pública as normas do CDC, o juiz poderá de ofício, declarar a incompetência do foro, ou seja, mesmo que não tenha manifestação do consumidor nesse sentido, a fim de beneficiá-lo, mesmo diante da Súmula 33do STJ que diz que a incompetência de oficio não pode ser reconhecida de oficio. Assim, conclui-se que em regra, a incompetência relativa não pode ser conhecida de oficio nas ações que não versam sobre relação de consumo conforme a Sumula 33 do STJ (já que para as lides que tratam de relação de consumo é possível reconhecer de oficio). Excepcionalmente, o juiz pode declarar de oficio a cláusula de eleição de foro como abusiva, desde que seja declarada antes da citação.
TUTELA ESPECIFICA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER A tutela específica inovou o ordenamento jurídico brasileiro, eis que até então não havia tal previsão no CPC/73. O Código de Processo Civil de 2015, em seus artigos 497, 499, 500, 536 e 537, disciplina de forma semelhante a tutela específica prevista no art. 84 do CDC CDC 78
Art. 84 - Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o Juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente. Parágrafo único. Para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo. Art. 499. A obrigação somente será convertida em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente. Art. 500. A indenização por perdas e danos darse-á sem prejuízo da multa fixada periodicamente para compelir o réu ao cumprimento específico da obrigação. Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente. § 1o Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoase coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial. § 2o O mandado de busca e apreensão de pessoas e coisas será cumprido por 2 (dois) 79
oficiais de justiça, observando-se o disposto no art. 846, §§ 1o a 4o, se houver necessidade de arrombamento. § 3o O executado incidirá nas penas de litigância de má-fé quando injustificadamente descumprir a ordem judicial, sem prejuízo de sua responsabilização por crime de desobediência. § 4o No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, aplica-se o art. 525, no que couber. § 5o O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional. Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito. § 1o O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que: I - se tornou insuficiente ou excessiva; II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento. § 2o O valor da multa será devido ao exequente. § 3º A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte. (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016) (Vigência) § 4o A multa será devida desde o dia em que se configurar o descumprimento da decisão e incidirá enquanto não for cumprida a decisão que a tiver cominado. § 5o O disposto neste artigo aplicase, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional. 80
Ainda do ponto de vista processual, o CDC outorga poderes ao juiz para conferir ao processo de consumo praticidade e aderência às peculiaridades do caso concreto. Em se tratando de ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz, além de conceder a tutela específica da obrigação, poderá determinar providências que assegurem o resultado prático equivalente ao adimplemento.
§ 1º - A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente. A tutela específica, isto é, aquilo que efetivamente foi pleiteado pelo consumidor, deverá ser o resultado prático a ser alcançado, podendo e devendo o juiz determinar todas as providências necessárias e adequadas à efetivação desse objetivo. Assim, a conversão da obrigação específica em perdas e danos somente será permitida se o consumidor aceitar ou se for impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente. Vale dizer, que se a tutela específica não puder ser cumprida por impossibilidade do meio ou desaparecimento do bem pretendido, pode o juiz criar condições e condenar o fornecedor a entrega de outro bem que tenha o mesmo efeito real ao do adimplemento e, se este também não for possível, poderá ser convertida a tutela específica em perdas e danos. Assim, podemos concluir que a conversão da tutela específica em perdas e danos somente será realizada se o consumidor assim optar ou por impossibilidade de resultado efetivo, sendo que a primeira prefere as demais. § 2º - A indenização por perdas e danos se fará sem prejuízo da multa (artigo 287 do Código de Processo Civil). § 3º - Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao Juiz
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conceder a tutela liminarmente justificação prévia, citado o réu.
ou
após
Para compelir o réu ao cumprimento da obrigação específica de fazer ou não fazer, poderá o juiz impor-lhe multa diária, liminarmente ou na sentença, independente do pedido do autor, se esta for suficiente ou compatível com a obrigação sem prejudicar o direito do credor à realização da obrigação específica ou ao recebimento do equivalente monetário, e tampouco à postulação de eventuais perdas e danos. A multa, em suma, tem função puramente coercitiva. § 4º - O Juiz poderá, na hipótese do § 3º ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.
A respeito da multa (astreintes), cabe ainda lembrar que, diante do poder concedido ao juiz de impô-lo independente do pedido da parte, não haverá ofensa ao princípio da adstrição ou congruência do pedido e a sentença, seja liminarmente ou na própria sentença. Na verdade a multa é mais um instrumento que o juiz tem para dar eficácia a sua decisão, por isso, uma vez cumprida a decisão a mesma deve cessar, não obstante tenha aplicação até o cumprimento. O NCPC determinou que o beneficiário da multa será o próprio consumidor demandante, bem como que a multa poderá ser fixada na fase de conhecimento, em tutela provisória, na sentença ou na fase de execução (CPC, art. 537, caput). Além disso, disciplinou a possibilidade de execução provisória da multa, aplicando-se às relações de consumo. Por fim, o NCPC também autoriza o juiz a modificar o valor da multa APENAS das parcelas VINCENDAS, não poderá modificar das parcelas vencidas. Da mesma forma, os poderes do juiz para conceder a antecipação da tutela, desde que relevante o fundamento da demanda, ou seja, desde que haja verossimilhança das alegações do autor e justificado receio de ineficácia do provimento final.
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§ 5º - Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o Juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial. Pode ainda o Juiz tomar medidas que assegurem o resultado prático e equivalente da demanda em benefício do consumidor o que lhe permite fazer requisições para que, por exemplo, o banco apresente o contrato ou extrato bancário do autor, por exemplo, entre outras medidas que achar necessário. O NCPC disciplinou as tutelas de urgência da seguinte forma: • Tutela de urgência (em caráter antecedente ou incidental) - é aplicado ao consumidor em caráter complementar, ao direito do consumidor interessa a antecipação da tutela. • Tutela de evidência (CPC, arts. 311, I a IV) - ampliou-se os efeitos da tutela de evidência que também vão impactar no direito do consumidor
PROIBIÇÃO DE DENUNCIAÇÃO DA LIDE e CHAMAMENTO AO PROCESSO ESPECIAL O Código de processo civil, como regra, permite que o direito de regresso seja realizado nos próprios autos da ação e decidido pela mesma sentença, tal regra se denomina denunciação da lide. Por ser ação regressiva, a princípio, não poderá o autor legitimidade para executar diretamente o denunciado, ainda que a sentença tenha acolhido a denunciação, pois não existe relação jurídica entre o autor e o denunciado, mas somente deste com o réu. Entretanto, o CDC proíbe expressamente a denunciação da lide na ação indenizatória movida pelo consumidor em face do fornecedor, conforme parte final do seu artigo 88. CDC Art. 88 - Na hipótese do artigo 13, parágrafo único, deste Código, a ação de regresso poderá 83
ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide. Com efeito, embora esteja prevista a vedação da denunciação à lide apenas na hipótese do art. 13, parágrafo único do CDC, a interpretação lógico-sistemática da lei consumerista induz à conclusão de que não se admite a denunciação da lide nas ações que versem sobre relação de consumo, ou seja, quando a lide envolver relação jurídica de consumo a denunciação está vedada, apresar de alguns posicionamentos contrários. Assim, o fornecedor demandado não poderia denunciar a lide o fabricante, produtor, construtor, produtor, ou qualquer outro agente que componha a cadeia da relação de consumo, a ele somente restaria a propositura de demanda regressiva autônoma, ainda que apensa aos próprios autos. A vedação à denunciação da lide, refere-se tanto a responsabilidade pelo fato do produto e do serviço não se restringindo, portanto, a responsabilidade do comerciante (artigo 13) (STJ AgRg no REsp 694,980- MS, 2015) Salienta-se ainda que a proibição de denunciação à lide não poderá ser alegada pelo denunciado, pois essa norma é prevista em beneficio do consumidor, atuado em prol da brevidade do processo de ressarcimento de seus prejuízos, devendo, pois, ser arguida apenas pelo consumidor em seu beneficio. Assim, se o fornecedor faz a denunciação e o consumidor não se insurge a isso, haverá preclusão, sendo descabido ao denunciado invocar em seu beneficio.(STJ REsp 913.687SP, 2016, INFO 592) Cediço que a intervenção com base no contrato de seguro caracteriza-se como denunciação da lide, já estabelece uma relação de garantidor. É assim, porque a empresa seguradora não possui qualquer vinculo jurídico de direito material com o autor-consumidor, mas tão somente com o réu-fornecedor a fim de garantir os riscos da sua atividade, razão pela qual, a Súmula 529 do STJ deixa claro que “No seguro de responsabilidade civil facultativo, não cabe ajuizamento de ação pelo terceiro prejudicado direta e exclusivamente em face da seguradora do apontado causador do dano”. Segunda Seção, aprovada em 13/05/2015. Contudo o próprio STJ reconheceu a solidariedade da seguradora junto com o segurado, a Seguradora denunciada pode ser condenada direta e solidariamente com o segurado a pagar a 84
indenização devida à vitima, nos limites contratados, editando a Sumula 537 que segue: “Em ação de reparação de danos, a seguradora denunciada, se aceitar a denunciação ou contestar o pedido do autor, ´pode ser condenada, direta e solidariamente junto com o segurado, ao pagamento da indenização devida à vitima, nos limites contratados na apólice. Dje 15/06/2015 Dexcisão 10/06/2015”. Ocorre que o CDC trata a matéria de forma diferente, pois além de denominá-la de chamamento ao processo, cria regra própria quando o fornecedor tiver, para garantia de sua atividade, contratado um seguro. Na verdade, ele mesclou os efeitos da denunciação com os do chamamento com o único objetivo garantir ao consumidor uam efetiva prestação jurisdicional. Assim, a primeira vista poderia dizer que seria uma espécie de denunciação da lide, mas em razão dos seus efeitos estaria mais próxima do chamamento ao processo, visto que a execução poderá ser direcionada contra o garantidor. Nesse caso, o CDC criou uma nova figura do chamamento ao processo em caso de seguro atribuindo, na verdade, uma solidariedade legal entre o fornecedor-segurado e a seguradora, a fim de beneficiar o consumidor, conforme se depreende do artigo 101, II do CDC, a seguir: Art. 101 - Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste Título, serão observadas as seguintes normas: (…) II - o réu que houver contratado seguro de responsabilidade poderá chamar ao processo o segurador, vedada a integração do contraditório pelo Instituto de Resseguros do Brasil. Nesta hipótese, a sentença que julgar procedente o pedido condenará o réu nos termos do artigo 80 do Código de Processo Civil. Se o réu houver sido declarado falido, o síndico será intimado a informar a existência de seguro de responsabilidade facultando-se, em caso afirmativo, o ajuizamento de ação de 85
indenização diretamente contra o segurador, vedada a denunciação da lide ao Instituto de Resseguros do Brasil e dispensado o litisconsórcio obrigatório com este. Na verdade, o CDC adotou a concepção doutrinária que admitia a condenação direta, mesmo não havendo relação jurídica entre ele (consumidor) e o adversário jurídico (segurador), sob o fundamento de haver formado um litisconsórcio do denunciante que estabeleceu uma solidariedade legal. Diante da regra acima, o consumidor que vencer a demanda, poderá executar a sentença diretamente contra o segurador caso este tenha sido chamado ao processo, até o limite do contrato de seguro, em razão da solidariedade estabelecida pelo CDC. Assim, garante ao consumidor a efetiva prestação jurisdicional com a reparação do dano. O Mestre Arruda Alvim ao comentar o CDC diz que o artigo 101, inciso II do CDC, dispõe, na sua primeira parte, que o réu será condenado nos termos do art. 80 do CPC de 1973, atual 132 do CPC de 2015. Tal fato conduz a condenação do fornecedor e do segurador, pois o artigo 130 do CPC diz que o juiz declarará as responsabilidades dos obrigados que nesse caso é do fornecedor e segurador, ambos obrigados em face do consumidor. Com isso evidencia-se que o chamamento ao processo por ato do fornecedor, garante ao consumidor mais um responsável que o CDC coloca como solidariamente responsável. Entretanto, esta responsabildiade estará limitada aos termos e limites estabelecidos pelo contrato de seguro. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA Pode-se dizer que a produção das provas é o campo que gera maiores dificuldades para os autores das demandas em geral para que façam valer seus direitos em juízo. Para os consumidores tal fato se agravaria, pois é a parte mais vulnerável da relação, conforme reconhecido pelo próprio CDC no inciso I do art. 4°. Por isso, o CDC conferiu aos consumidores mais um instrumento que viabilizasse a efetiva prestação jurisdicional. Estamos falando da inversão do ônus da prova. O CPC reparte o ônus probante da seguinte forma:
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Art. 373 O ônus da prova incumbe: I - Ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II – Ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. A distribuição acima tem como base a igualdade das partes perante a formação do convencimento do juiz, fato este que não se faz presente nas relações de consumo. Assim, a prova do fato deve ser produzida por quem tem interesse no seu reconhecimento, sob pena do fato ser considerado inexistente, seja ela autora ou ré. Ocorre que, e, regra o dispositivo acima não se aplica nas relações de consumo, pois, como vimos, o CDC tem regra própria tratada no seu artigo 6°, VIII, 12, 14 e 36, cujo primeiro segue abaixo:
CDC Art. 6º - São direitos básicos do consumidor: (...) VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; Diante da vulnerabilidade do consumidor e das naturais dificuldades da produção da prova, o CDC inverte o ônus a seu favor, ou seja, verificando que seria mais uma barreira a efetiva proteção do consumidor atribuir-lhe o ônus da prova do fato constitutivo do seu direito o CDC determinou que o interesse na produção da prova é do fornecedor, pois os fatos articulados pelo consumidor presume-se verdadeiros, nos termos do artigo 374, IV do CPC. Assim, o fornecedor deverá provar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do consumidor, já que este é que detém todo conhecimento do processo de produção do bem ou serviço, como as fórmulas, cálculos, projetos, componentes, etc.
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Sérgio Cavalieri Filho afirma que a inversão do ônus da prova serviria para retirar dos ombros do consumidor a carga da prova referente aos fatos do seu interesse. Presumem-se, portanto, verdadeiros os fatos por ele alegados, cabendo ao fornecedor a prova em contrário. Nesse sentido segue o julgado: AGRAVO DE INSTRUMENTO N.° 9403/2001 2ª Câmara Cível do TJRJ. Rel. Des. Sérgio Cavalieri Filho. PROVA. Inversão do Ônus. Efeitos. A inversão do onus probandi, a critério do juiz é princípio do Código do Consumidor que tem por finalidade equilibrar a posição das partes no processo, atendendo aos critérios da verossimilhança, ou da hipossuficiência. Estabelecida a inversão pelo juiz, a prova a ser produzida passa a ser do interesse do fornecedor sob pena de não elidir a presunção que milita em favor do consumidor em face da plausibilidade da sua alegação. (grifei) EFEITOS DA INVERSÃO Ao deferir a inversão do ônus da prova o juiz não cria novo encargo probatório ao fornecedor ele simplesmente, dispensa o consumidor da prova do fato constitutivo do seu direito, conforme determina o inciso I do art. 373 E 374, IV do CPC, sem que lhe recaia o ônus da inexistência do fato pela não produção. Conforme leciona Sérgio Cavalieri Filho, não se trata de transferir ao fornecedor o encargo de provar a veracidade dos fatos alegados pelo autor, pois se assim fosse, teria que produzir provas contra si mesmo. Entretanto, deverá o fornecedor provar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do consumidor, conforme determina o inciso II do art. 373 do CPC. Conclui-se, que deferido a inversão do ônus da prova, os fatos do consumidor serão tidos, por presunção relativa, como verdadeiros, devendo, pois, o fornecedor provar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos daqueles que foram alegados pelo consumidor. 88
No que pertine ao custeio, da prova a inversão seria indireta, pois se for deferida a inversão do ônus da prova em favor do consumidor e, para esclarecer o fato necessite de uma prova pericial, o fornecedor não tem o dever de arcar com os custos, não obstante responda pela sua não realização, pois os fatos alegados pelo autor foram tidos por verdadeiro. Essa é a posição do STJ de acordo com os precedentes da 3ª Turma, uma vez que fala: “No entanto, o fornecedor assume as consequências processuais advindas da sua não produção”. ESPÉCIES DE INVERSÃO O CDC prevê que a inversão poderá operar em razão da lei ou do processo, ou seja, as teremos as denominadas inversão ope legis ou ope judicis, respectivamente. INVERSÃO OPE JUDICIS Assim, será ope judicis se o juiz determinar em razão de ter verificado os requisitos contidos no artigo 6°, inciso VIII, que como vimos, reza que o juiz poderá determinar a inversão do ônus se a alegação do consumidor for verossímil ou quando ele for hipossuficiente, segundo as suas regras ordinárias de experiência. Conclui-se que a verossimilhança das alegações e a hipossuficiência do consumidor são os pressupostos para a inversão do ônus da prova ope judicis. Resta saber se os dois requisitos devem estar presentes para que haja o deferimento da inversão do ônus da prova. Parte da doutrina afirma que apenas um basta, em razão da utilização da partícula alternativa “ou” descrita no inciso VIII, do artigo 6° do CDC. Entretanto, maior parte da doutrina, inclusive o Mestre Sérgio Cavalieri Filho, entende que no caso de haver verossimilhança nas alegações do autor não seria necessário a presença da hipossuficiência, mas o mesmo não ocorreria quando na situação oposta. Nesse sentido, caso o autor não demonstre a verossimilhança, ao contrário numa primeira análise parece inverossímil, ou seja, sem nenhuma possibilidade de ser verdadeiro, o juiz não deverá inverter o ônus da prova pelo simples fato de ser hipossuficiente.
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Resulta da interpretação acima que caberá ao juiz avaliar a situação concreta antes de deferir a inversão, devendo adotar o critério da verossimilhança em relação aos fatos afirmados pelo consumidor mesmos nos casos de hipossuficiência, mesmo porque não cabe ao fornecedor fazer prova de fato negativo. Fato ou ato verossímil é aquele que possui aparência de veracidade que resulta de uma situação fática com base naquilo que normalmente acontece, ou ainda, porque um fato é ordinariamente conseqüência de outro, permitindo concluir que existente deste admite a existência daquele, a menos que a outra parte demonstre o contrário. O CDC adotou o sentido amplo de hipossuficiência como critério de inversão do ônus, aproximando do conceito de vulnerabilidade, mas que com esse guarda diferença. Como vimos a vulnerabilidade conduz a fragilidade econômica, fática e técnica. Mas a hipossuficiência, para fins de inversão do ônus da prova, tem sentido de desconhecimento técnico e informativo do produto e do serviço, de suas propriedades, de seu funcionamento, de sua distribuição, dos modos especiais de controle, etc. Por isso, o reconhecimento da hipossuficiência do consumidor não pode ser visto como forma de proteção ao mais pobre, ou seja, não é por ele ser pobre que deve ser beneficiado com a inversão do ônus da prova, até porque a questão da produção da prova é processual e a condição econômica, material. Não podemos deixar de mencionar que para os pobres, na acepção jurídica do termo, existe a justiça gratuita, a qual permite ao beneficiário a isenção do pagamento das custas, o que não significa que ele está isento de provar o seu direito. O inverso ocorre com os consumidores que forem considerados hipossuficientes para efeitos da inversão do ônus, pois poderão ser economicamente poderosos, mas hipossuficientes tecnicamente ou de informação. Para esses a inversão deverá ser deferida. Destarte, nas relações de consumo, em regra, sempre se constata a hipossuficiência do consumidor em relação ao fornecedor, pois somente este detém o pleno conhecimento do projeto, da técnica e do processo de fabricação.
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Nesses casos, a prova torna-se ao consumidor, extremamente difícil, ao contrário do que acontece com o fornecedor, pois este detém os documentos técnicos, científicos e contábeis, como os registros, contratos, extratos bancários, banco de dados, etc.. Obs.: Hipossuficiência e vulnerabilidade não se confundem. A vulnerabilidade está relacionada à relação jurídica de direito material, em que uma das partes está em condição de inferioridade por questões técnicas, econômicas ou jurídicas, todo consumidor é vulnerável. Já a hipossuficiência relaciona-se à relação jurídico-processual, em que há dificuldade de produção de prova, por questões técnicas ou econômicas, nem todo consumidor é hipossuficiente. Obs2.: Hipossuficiente não se confunde com necessitado. Deve-se comentar, apesar da divergência do tema, o momento que ocorre a inversão no caso da inversão ope juicias. Atualmente (art. 373, §1º do NCPC) chegou-se a conclusão que a inversão do ônus da prova é regra de procedimento, portanto deve ser realizada antes do fim da instrução, de preferência até o despacho saneador. CPC, 373, § 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído Permito-me traçar apenas duas posições sendo a primeira defendida pelo Rizzatto Nunes e a segunda por Sérgio Cavalieri Filho. Para Rizzatto Nunes o juiz tem que pronunciar expressamente sobre a inversão do ônus mesmo porque ela não decorra da lei e como vimos depende da verossimilhança das alegações ou da hipossuficiência do consumidor, em especial por causa deste último a fim de garantir o contraditório e a ampla defesa. 91
Defendendo a necessidade de pronunciamento nos autos ela cita o seguinte exemplo: Pode muito bem o consumidor ser um engenheiro que tinha claras condições de conhecer o funcionamento do produto, de modo a elidir a sua presumida hipossuficiência. Pode ainda o mesmo engenheiro desconhecer o funcionamento do produto, caracterizando a sua hipossuficiência. Diante disso, torna-se necessário que o juiz se manifeste no processo invertendo ou não o ônus da prova. Contrariamente se manifesta o Mestre Sérgio Cavalieri Filho, pois entende desnecessária a manifestação do juiz sobre a inversão, pois a inversão não atribui ao fornecedor um novo onus probandi, mas apenas dispensa o consumidor do ônus da prova do fato constitutivo do seu direito, mas ainda assim, o réu-fornecedor terá que provar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. O comentado autor finaliza dizendo que nada impede – pelo contrário, é recomendado - que o juiz, no despacho saneador, na fase instrutória da causa ou em qualquer outro momento que se tornar possível, inverta o ônus da prova ou advirta as partes que isso poderá ser feito no momento do julgamento final, com o que afastará qualquer alegação de cerceamento de defesa. Por fim, deve-se entender a expressão “a critério do juiz” não como a faculdade, mas como o dever do juiz em inverter o ônus toda vez que restar constatado os requisitos que autorizam a sua inversão, mesmo que não haja pedido, nesse sentido, do autor. Tal fato ocorre, pois no processo civil o juiz não age com discricionariedade (que é medida pela conveniência e pela oportunidade da decisão), mas dever agir sempre dentro da legalidade, fundamentando suas decisões em base objetivas. Vale dizer, deverá o magistrado determinar a inversão quando as alegações do autor tiverem verossimilhança ou este for hipossuficiente. INVERSÃO OPE LEGIS Vimos que a inversão também poderá ocorrer pela vontade da lei, denominada de ope legis. Trata-se de inversão obrigatória, onde a lei diz os casos que esta se opera, sem que haja qualquer decisão do juiz ou pedido da parte. O CDC prevê nos artigos 12, §3° e 14 §3°, na responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto ou serviço e no art. 38, nos casos 92
de informação ou comunicação publicitária, sendo, portanto, taxativa as suas possibilidades. No primeiro caso (responsabilidade civil do fornecedor por acidentes de consumo), o CDC determinou expressamente que o fornecedor deverá arcar com o ônus da prova quanto as causas excludentes de sua responsabilidade, quando afirma em seu art. 12, §3°, III que “O fabricante, o construtor, o produtor e o importador só não serão responsabilizados quando provar que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste” ou para o art. 14 §3°, “ O fornecedor só não será responsabilizado quando provar que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste” Assim, basta que o consumidor demonstre o acidente de consumo (fato do produto ou serviço) e o respectivo dano para decorrer a inversão ope legis do ônus da prova. Assim, o que a lei inverte é a prova quanto ao defeito do produto ou serviço e não a prova da própria ocorrência do acidente de consumo, continuando este ônus do consumidor, mesmo se tratando de responsabilidade objetiva. O artigo 38, por sua vez, dispõe que o ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina. A regra decorre do dever inscrito no art. 36 no sentido de que, o fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, sem seu poder para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação a mensagem. Caberá, nessa hipótese, ao fornecedor provar que a sua informação ou publicidade é verdadeira e correta em face da afirmativa do consumidor da inveracidade ou incorreção da informação ou comunicação publicitária, independente de qualquer decisão do juiz, nesse sentido. Destarte, não há o que se discutir, pois em qualquer disputa na qual se ponha em dúvida ou se alegue enganosidade ou abusividade do anúncio, caberá ao anunciante o ônus de provar o inverso, sob pena de dar validade ao outro argumento. Tal fato permite concluir que a norma estabelece que não basta veicular a verdade, é necessário que a prova da verdade da informação veiculada seja mantida em arquivo para eventual averiguação e checagem, sob pena inclusive da responsabilização penal, conforme determina o artigo 69 do CDC 93
Assim, quando um fabricante de pneus disser que seu produto dura 50.000 Km, deverá manter consigo os testes de qualidade e durabilidade que comprovem a afirmação. DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA Por derradeiro, mas nem por isso de menor importância, temos a desconsideração da pessoa jurídica (disregard doctrine) que serve como instrumento, da mesma forma que os anteriores, para assegurar o pleno ressarcimento dos danos causados por fornecedores enquanto pessoa jurídica, aos consumidores. Fazendo uso da desconsideração da pessoa jurídica, busca o verdadeiro causador do dano como se a pessoa jurídica não existisse. NATUREZA JURÍDICA DA PESSOA JURÍDICA Há controvérsias no que diz respeito à caracterização da pessoa jurídica. No entanto, o direito sempre encarou estes grupos destacadamente de seus membros, o que significa que a ordem jurídica considera estas entidades como seres dotados de existência própria e autônoma, inconfundível com a vida das pessoas naturais que os criaram. Assim, o direito agasalhou o entendimento de que a vontade da pessoa jurídica é distinta da vontade individual dos membros componentes; seu patrimônio, constituído pela aferição de bens, ou pelos esforços dos criadores, é diverso do patrimônio de uns e de outros e sua capacidade, limitada à consecução de seus fins pelo fenômeno da especialização. Nesse sentido, pode-se afirmar que a principal característica da pessoa jurídica é a autonomia em relação às pessoas que a integram. As pessoas jurídicas não se confundem com as pessoas naturais que a integram, mesmo sendo seus administradores que agem diretamente em nome daquela. Quando a pessoa jurídica adquire bens por compra, é o administrador quem assina o contrato, mas é a manifestação de vontade da pessoa jurídica que é concretizada. É a pessoa jurídica quem adquire a propriedade. Tal fato decorre da ficção legal da pessoa jurídica que a separa rigidamente das pessoas que a compõem.
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Da mesma maneira, em quaisquer demandas judiciais, seja no pólo ativo ou passivo, quem figura é a pessoa jurídica e não a pessoa natural que a representa, seja este sócio, associado, administrador, etc. No entanto, ressalta-se a possibilidade da responsabilidade contraída pela pessoa jurídica recair sobre a pessoa do sócio ou administrador, quando isso acontecer, estaremos diante do fenômeno da desconsideração da personalidade jurídica, já que, como regra, é a pessoa jurídica que deve responder por suas obrigações e não as pessoas que a integram. Tal fato se deu em decorrência do uso nocivo da pessoa jurídica, pois as pessoas físicas ou naturais passaram a utilizá-la para acobertar, sob seu manto, as práticas abusivas e ilegais. Neste sentido, temos o art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, a seguir transcrito. CDC Art. 28 O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. Trata-se, portanto, da possibilidade de desconsiderar a pessoa jurídica para buscar o verdadeiro causador do dano, não se trata de considerá-la nula, mas torná-la ineficaz para determinados atos. A primeira parte do art. 28 do CDC, reproduz as hipóteses tradicionais de desconsideração da pessoa jurídica(abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social), aparentemente adotando a teoria maior da desconsideração da pessoa juridica, conforme segue: ABUSO DE DIREITO
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O abuso de direito decorre quando o titular de um direito, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, de acordo com o artigo 187 do CC, a seguir transcrito. Código Civil Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. O caso em baila fundamenta-se na idéia de que os direitos são concedidos aos seus titulares para serem exercidos de maneira justa, social, legítima e não para que faça uso deles de forma arbitraria. Impede, portanto, que o direito sirva de forma de coação, exploração, fraude. EXCESSO DE PODER - INFRAÇÃO A LEI – VIOLAÇÃO DO CONTRATO SOCIAL Nesses casos temos que ter em mente que o poder é exercido com excesso quando ocorrer abuso ou desvio do mandato, conforme se depreende do art. 50 do CC, a seguir: Código Civil Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. Tal como previsto do art. 50 do CC, existe a possibilidade de desconsiderar a pessoa jurídica do fornecedor quando o titular desvia ou vai além da finalidade das normas, estatutos ou do contrato social, extrapolando ou abusando do mandato que lhe foi conferido e cause um ato ilícito.
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No que tange a infração da lei ou prática de ato ilícito também será possível desconsiderar a pessoa jurídica e atingir o patrimônio do sócio se o ato por ele praticado em nome da sociedade for contrário a lei, violar um dever jurídico de qualquer ordem e causar dano. Como dito será praticado em nome da sociedade e nesse caso com nítida violação do estatuto ou contrato social, posto que esses não podem buscar o ilícito. Ocorre, que o CDC, no § 5° do artigo 28 (a seguir) permite ainda que a desconsideração da pessoa jurídica ocorra sempre que a manutenção da personalidade, como conseqüência, a autonomia das vontades e responsabilidades, crie um obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados ao consumidor, conduzindo às demais possibilidades a categoria de cláusulas exemplificativas. Resta esclarecer que este dispositivo comporta grande divergência doutrinária. § 5º - Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Rizzatto Nunes afirma que a intenção do legislador foi dar caráter meramente exemplificativo ao rol de possibilidades da desconsideração da pessoa jurídica, descrito no caput do artigo 28, por serem mais comuns. No entanto, apesar de comuns nada impede que outras espécies de fraude e abusos sejam praticadas, tendo a pessoa jurídica como escudo. Para evitar que, nesses casos, os sócios violadores passem impunes, o § 5° deixou o texto normativo aberto para que, em qualquer outra hipótese, seja possível desconsiderar a sua personalidade. Destarte, O parágrafo 5° faz uso da conhecida teoria menor, contrário, portanto, ao Código Civil que adota a teoria maior (Admite a desconsideração APENAS quando restar provado desvio de finalidade (teoria maior subjetiva) ou confusão patrimonial (teoria maior objetiva) mais prejuízo ao credor (art. 50 do CC)), conforme se depreende do seu artigo 50 e do próprio caput do artigo 28 do CDC, no qual está inserido o § 5° ora estudado. Para a teoria menor, não há necessidade da prova do desvio, confusão patrimonial ou abuso no uso da pessoa jurídica, basta apenas, 97
a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Ressalta-se que essa teoria foi adotada pelo CDC, de forma excepcional em seu §5° do artigo 28 (e na lei de crimes ambientais, Lei n.º 9605/98), pois a regra do nosso ordenamento (art. 50 CC) é a teoria maior que exige, além da prova de insolvência, a prova de que está ocorreu por desvio de finalidade, confusão patrimonial, entre outras. Nesse sentido, seu emprego tem sido tímido em nossos tribunais, mas aceito pelo STJ. Assim, esse entendimento prevaleceu, por maioria, no Superior Tribunal de Justiça no julgamento do rumoroso caso da explosão so Shopping Center de Osasco (REsp n.° 279273 – SP, 3° Turma, Rel. Min. Ari Pargendler, Rel, para o Acórdão, Min. Nancy Andrighi )
NCPC E DESCONSIDERAÇÃO O NCPC passou a prever, expressamente, a desconsideração da personalidade jurídica inversa (já era admitida pelo STJ), na qual se afasta o patrimônio do sócio para alcançar o patrimônio da pessoa jurídica. CPC, Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo. § 2o Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica. Ademais, o NCPC encampou a jurisprudência do STJ, afirmando que não há necessidade processo autônomo para que seja desconsiderada a personalidade jurídica, podendo ocorrer em qualquer fase processual. CPC, Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial. O CDC não trata da desconsideração da pessoa jurídica nos parágrafos 2°, 3° e 4° do artigo 28, mas da responsabilidades solidária e subsidiárias das sociedades coligadas. 98
Desta forma, dentre as espécies de sociedades coligadas temos os grupos societários, as sociedades controladoras e as sociedades consorciadas, sendo as suas responsabilidades subsidiária, para as duas primeiras (grupos societários e sociedades controladoras) e solidária para a última (consorciadas), não obstante, as suas responsabilidades dependem da prova da culpa, sendo, portanto, subjetiva, conforme segue: CDC Art. 28 (...) § 2º - As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código. § 3º - As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código. § 4º - As sociedades coligadas só responderão por culpa.
RESPONSABILIDADE CIVIL Vamos agora ao estudo da Responsabilidade Civil decorrente das relações de consumo, para tanto devemos tecer alguns breves comentários. DEVER JURÍDICO Dever jurídico é a conduta externa de uma pessoa imposta pelo Direito Positivo por exigência da convivência. Não se trata de simples conselho, advertência ou recomendação, mas de um comando que a todos se dirige e a todos vincula. Conforme afirmou San Tiago Dantas, o principal objetivo da ordem jurídica é proteger o lícito e reprimir o ilícito, ou seja, ao mesmo tempo em que ela se empenha em tutelar a atividade do homem que se comporta de acordo com o Direito, reprime a conduta daquele que o contaria.
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Entende-se por dever jurídico como a forma de conduta que o homem deve adotar em razão das regras impostas pelo Direito Positivo, por exigência da conivência social. DEVER JURÍDICO ORIGINÁRIO E DERIVADO. A violação de um dever jurídico que acarrete dano a outrem configura o ilícito e faz nascer um novo dever jurídico que é o de reparar o dano. Há assim, um dever jurídico originário ou primário, cuja violação gera um dever jurídico sucessivo ou secundário que é o de indenizar o prejuízo.
Justamente com a violação do dever jurídico originário é que aparece a noção de responsabilidade civil, que no seu sentido etimológico, passa a idéia de obrigação, encargo, contraprestação. Igualmente, ocorre com o seu sentido jurídico, pois designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um dever jurídico originário. Assim, a responsabilidade civil somente aparece, como regra, onde houver violação de um dever jurídico e dano. É assim, porque responsabilidade pressupõe um dever jurídico preexistente, uma obrigação descumprida e um dano ocasionado. CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL Conclui-se que responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o prejuízo decorrente da violação de um dever jurídico originário que gere dano. Para Maria Helena Diniz a responsabilidade civil seria “a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem responde, por alguma coisa a ela pertencente ou por simples imposição legal”. FUNÇÃO
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O anseio de obrigar o agente causador do dano a repará-lo, tem seu âmago no mais elementar sentimento de justiça. O dano causado pelo ilícito rompe o equilíbrio jurídico-econômico anteriormente existente entre o agente e a vitima. Há uma necessidade fundamental de se restabelecer esse equilíbrio, o que se procura fazer recolocando o prejudicado no statu quo ante. Isso se faz através de uma indenização fixada na proporção ao dano experimentado. ESPÉCIES Sabendo que a responsabilidade tem por elemento nuclear uma conduta violadora de um dever jurídico. Sob tal premissa, torna-se possível separá-la em diferentes espécies, levando em consideração a origem do dever e qual o seu elemento subjetivo. Assim, pode-se concluir que são espécies de responsabilidade: a contratual e extracontratual, a civil e penal e, por fim,a subjetiva e objetiva. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL Em síntese, sempre que um dever jurídico for violado haverá responsabilidade. Assim, se o dever jurídico tiver como fonte um negócio jurídico estaremos diante da responsabilidade contratual, por outro lado quando a ofensa for legal, teremos a responsabilidade extracontratual subjetiva ou aquiliana. Com base nessa divisão que a doutrina separa a responsabilidade civil em contratual e extracontratual, sendo a primeira também denominada de ilícito contratual ou relativo e a segunda de ilícito aquiliano ou absoluto, quando subjetiva. Por fim, conforme leciona Sérgio Cavalieri Filho, as responsabilidades contratual e extracontratual importam em violação de um dever jurídico preexistente. A diferença, portanto, está na origem desse dever. Haverá responsabilidade contratual quando o dever jurídico violado (inadimplemento ou ilícito contratual) estiver previsto no contrato ou negócio jurídico. Haverá por seu turno responsabilidade extracontratual se o dever jurídico violado não estiver previsto no contrato, mas sim na lei. 101
RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL Verificamos que a ilicitude ocorre quando da transgressão das normas concebidas em sociedade. Nesse sentido, pode ocorrer em qualquer ramo do Direito. Como vimos, quando a norma violada for penal, haverá um ato ilícito penal e, consequentemente, a responsabilidade será penal. Na mesma, linha teremos responsabilidade civil, quando a ofensa for perpetrada contra a respectiva norma de Direito Privado. Maria Helena Diniz ressalta que à responsabilidade penal pressupõe lesão aos deveres dos cidadãos para com a sociedade, acarretando um dano social determinado pela violação da norma penal, exigindo para restabelecer o equilíbrio a aplicação de uma pena ao lesante. Enquanto que para responsabilidade civil requer prejuízo a terceiro, particular ou Estado, de modo que a vítima poderá pedir reparação do dano traduzida na recomposição do statu quo ante ou numa importância em dinheiro. Ocorre que a separação entre as ilicitudes penais e civis tem cunho meramente didático, pois como vimos ambos importam na violação de um dever jurídico. Outrossim, a separação dos atos ilícitos permite que a ilicitude praticada pelo mesmo ato ou a pela mesma conduta constitua crime e ato ilícito civil, passível de indenização. Desse modo para o mesmo fato ou ato podem ocorrer, concomitantemente, à persecução criminal e a ação de ressarcimento, ou seja, um mesmo ato ilícito pode assumir duplo aspecto e ocasionar uma responsabilidade civil e outra penal. Tal fato ocorre, pois as normas de direito penal são de direito público e interessam mais diretamente a sociedade, enquanto as de direito civil, são de direito privado, interessando mais de perto ao ofendido. Quando a ofensa permeia por ambas, haverá duas persecuções, uma em favor da sociedade e outra em favor do ofendido. A exemplo do motorista de uma mepresa de ônibus, que dirigindo com imprudência atropela e mata um pedestre. Tal conduta produz o nascimento da responsabilidade penal do motorista, que ficará sujeito a sanção pelo crime de homicídio, teoricamente, culposo e, ainda, será 102
obrigado a reparar o dano aos descendentes da vítima, decorrente do ilícito civil. Em tal caso, como se vê, haverá dupla sanção: a penal, de natureza repressiva, consistente em uma pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, e a civil, de natureza reparatória, consubstanciada na indenização. Silvo de Salvo Venosa exemplifica utilizando dois círculos concêntricos, sendo esfera do processo criminal um círculo menor, de menor raio, porque a culpa criminal e aferida de forma mais restrita e rigorosa, tendo em vista a natureza da punição e ainda porque, para o crime, a pena não pode ir além do autor da conduta. A esfera da ação civil de indenização é mais ampla, porque a aferição de culpa é mais aberta, admitindo a culpa grave, leve e levíssima, mas todas acarretam, como regra, o dever de indenizar. Ainda, porque há terceiros que podem responder patrimonialmente pela conduta de outrem, bem pelo fato de que determinados atos podem não ter conseqüências criminais, mas irão acarretar o dever de indenizar, pois ingressam na categoria de ato ilícito lato sensu, cujo âmbito é estritamente de responsabilidade civil.
Responsabilidade
Responsabilidade Penal
Civil
RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E OBJETIVA Resumidamente, pode-se sintetizar que a responsabilidade civil subjetiva decorre do dano causado em função do ato doloso ou culposo, enquanto que para a responsabilidade civil objetiva o elemento 103
conduta humana (culposa ou dolosa) torna-se irrelevante, pois o que importa é a demonstração do elo de causalidade entre o dano e a conduta do agente quando desempenhada uma atividade de risco, para que surta o dever de indenizar. A responsabilidade civil objetiva surge em razão da evolução da responsabilidade subjetiva, pois sua clássica teoria da culpa não estava conseguindo satisfazer todas as necessidades da vida comum, deixando sem reparação um imenso número de casos concretos pela impossibilidade de comprovação da conduta culposa. Assim, mais recentemente, a jurisprudência começou a vislumbrar novas soluções com a ampliação do conceito de culpa e da sua prova, passando para conceito da culpa presumida, hipótese em que ainda será subjetiva, até chegar na responsabilidade objetiva que, em alguns casos, se fundamenta na teoria do risco integral. Podemos concluir que a responsabilidade civil decorrente das relações de consumo, como regra, seria a última etapa do processo de evolução da responsabilidade civil e que nasceu para fazer frente a nova realidade decorrente da evolução industrial e do desenvolvimento tecnológico e científico a fim de, principalmente, suprir a lacuna que existia na reparação do dano e na proteção do consumidor em razão da ineficácia da tradicional responsabilidade civil nesse novo cenário mercantil. Vejamos o exemplo abaixo: Um consumidor adquiriu de um mercado uma garrafa de refrigerante. Ao chegar em casa, colocou-a no refrigerador e após algumas horas resolveu abri-la, quando a garrafa produziu, literalmente, uma explosão e a tampa veio a acertar seu olho esquerdo, causando-lhe a perda da visão deste olho. Cabe, a seguinte indagação: De acordo com o critério tradicional responsabilidade civil (aquiliana), quem seria o causador do dano? Seria do vendedor? A defesa deste seria simples, pois bastaria alegar que não teve culpa do resultado, pois se limitou a vender ao consumidor o produto que recebeu do fabricante. 104
Seria então do fabricante? A sua alegação, que também afastaria a sua responsabilidade, seria que não existe qualquer relação jurídica estabelecida com o consumidor, pois nada vendeu a este, bem como que não poderia responder pelo fato da coisa, pois esta não estava sob sua guarda, comando ou direção. Restaria afirmar que, sob o fundamento da tradicional responsabilidade civil o consumidor seria o próprio causador do dano tendo que absorver o prejuízo experimentado ficando, portanto, desamparado. Destarte, até o advento do CDC, por não haver legislação eficiente para enfrentar os problemas decorrentes dos acidentes de consumo, o consumidor teria que provar a culpa ou o dolo do fornecedor (prova esta praticamente impossível ou mesmo inexistente), sob pena de assumir os riscos e danos decorrentes do consumo. Por incrível que pareça o risco do negócio era do consumidor. Era ele quem corria o risco de adquirir um produto ou serviço, pagar o seu preço e não poder dele usufruir adequadamente, ou pior, sofrer algum dano. O maior absurdo é que esse sistema foi aplicado até o dia 10 de março de 1991, pois somente depois desse dia o CDC entrou em vigor e inverteu a relação preexistente referente aos riscos do consumo, do consumidor para o fornecedor, além de estabelecer a responsabilidade, sem culpa (objetiva), para todos os casos de acidentes de consumo.
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