MELHORES
POEMAS
Fagundes Varela ~ CyberSebo
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Direção EDLA VAN STEEN
MELHORES
POEMAS
Fagundes Varela Seleção · ANTONIO CARLOS SECCHIN
São Paulo 2005
© Global Editora, 2005 Diretor Editorial L. ALVES
JEFFERSON
Gerente de Produção FLÁVIO SAMUEL
Assistente Editorial ANA CRISTINA TEIXEIRA
Revisão CLÁUDIA ELIANA AGUENA
Projeto de Capa VICTOR BURTON
Editoração Eletrônica ANTONIO SILVIO LOPES
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Varela, Fagundes, 1841-1875. Melhores poemas I Fagundes Varela ; seleção Antonio Carlos Secchin. - São Paulo : Global , 2005. (Coleção melhores poemas/ direção Edla van Steen)
Bibliografia. ISBN 85-260-1008-5 1. Poesia brasileira 1. Secchin, Antonio Carlos. li. Van Steen, Edla. Ili. Título. IV. Série. CDD-869.91
05-3705
Índice para catálogo sistemático: 1. Poesia : Literatura brasileira
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Direitos Reservados GLOBAL EDITORA E DIS1RIBUIDORA LIDA.
Rua Pirapitingüi, 111 - Liberdade CEP 01508-020 - São Pau lo - SP Tel.: 11 3277-7999 - Fax: 11 3277-8141 e-mail: global@globaleditora .com.br www .globaleditora .com. br Colabore com a produção científica e cultural. Proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem a autorização do editor. Nº DE CATÁLOGO:
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Antonio Carlos Secchin nasceu no Rio de Janeiro, em 1952. É doutor em Letras e professor titular de Literatura Brasileira da Universidade Federal do Rio de Janeiro, além de professor visitante de várias universidades estrangeiras - na França, em Portugal, na Itália e na Venezuela. Ensaísta, poeta e ficcionista, autor de nove livros. Suas publicações mais recentes são: Poesia e desordem (ensaios, 1996), João Cabral de Melo Neto: a poesia do menos (segunda edição, 1999), Todos os ventos (poemas reunidos, 2002) e Escritos sobre poesia & alguma ficção (2003). Seu livro sobre João Cabral ganhou o concurso nacional de ensaios do INL/Ministério da Educação e Cultura em 1985 e o Prêmio Sílvio Romero da Academia Brasileira de Letras em 1987, e foi considerado pelo próprio poeta pernambucano como o mais importante estudo consagrado à sua obra. Sobre a poesia e o ensaísmo de Antonio Carlos Secchin escreveram, entre outros, Benedito Nunes, José Guilherme Merquior, Eduardo Portella, Alfredo Bosi, Antônio Houaiss, Sergio Paulo Rouanet, José Paulo Paes, Ivo Barbieri, Ivan Junqueira e Fábio Lucas. Em 2004, foi eleito para a cadeira 19 da Academia Brasileira de Letras.
POEMAS DE OITO FACES
Dentre nossos maiores poetas românticos, Fagundes Varela (1841-1875), certamente, é o menos aquinhoado pelo julgamento positivo de críticos e historiadores. Chegou tarde demais em relação a Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo e a Casimiro de Abreu, e muito cedo frente a Castro Alves. Predominou, quase absoluto, na década de 1860, desdobrando temas e formas herdados do ultra-romantismo, e injetando em seus versos uma dimensão libertária e abolicionista que seria a tônica de alguns poetas que lhe sucederiam no momento de entoar o canto do cisne romântico. Apesar disso, não haveria exagero em perceber na sua poesia a mais complexa construção literária de nosso romantismo. Na ânsia de lançar-se em todas as direções, Varela, mesmo em seus equívocos, corporifica, em grau máximo, a tensão entre a vivência inexorável da precariedade e a sede inextinguível do absoluto. Da consciência repugnada de si mesmo à elevação quase beatífica da própria alma, é raro o sentimento humano que n ão tenha sido, visceral ou etereamente, experimentado e cantado pelo poeta. Daí termos optado, nesta antologia, pela compartimentação temática, apta a exibir a pluralidade de interesses que (des)norteava o espírito do poeta. 7
Preliminarmente, esclareçamos que a obra de Varela, obviamente, abarca número bem superior de temas; listamos, todavia, um total de oito, dentre os que nos pareceram mais expressivos e recorrentes. Por outro lado, a segmentação não elimina a eventual convivência ou diálogo de dois ou mais temas num único texto; assim, se um poema poderia estar elencado no eixo temático a ou b, nossa escolha deu-se por um critério de preponderância, não de exclusividade. Os que tentam minimizar o valor de Fagundes Varela insistem no fato de que sua obra seria excessivamente tributária da produção de seus antecessores imediatos no Brasil - como se a poesia desses antecessores não fosse, ela também, tributária de outros antecessores, dentro ou fora d e nossas fronteiras. Como pensar em Álvares e Casimiro sem evocar de pronto Byron e Musset? O ultra-romântico, inclusive, parecia cultivar um secreto prazer de afirmar que só conseguia se exprimir "a partir de" alguém. A enxurrada de epígrafes nos poemas do movimento remete à constituição de uma confraria de chorosos, em que um cita, retoma e expande a lágrima já vertida em outro texto. A diferença é que, até Álvares, essas lágrimas eram quase todas importadas; a partir dele cujos versos passaram a servir de epígrafe a inúmeros poetas - já pudemos chorar em vernáculo. Vigoravam, assim, alguns arquitextos - por exemplo: poeta, flébil, se lamuria frente à indiferença da virgem - cujas sucessivas atualizações só têm interesse nos casos em que, em meio ao coro do exército dos tristonhos de plantão p ela ginástica mecânica do estilo, nós conseguimos auscultar o timbre m ais personalizado d e uma voz. É evidente que esses instantes de 8
deslocamento perceptivo, de configuração do novo, podem ser intermitentes, algo disseminados ao longo de uma obra extensa como a de Varela. Mas existindo, como existem, são suficientes para que tais momentos se situem no nível do que de melhor se produziu nas letras brasileiras do século XIX. Os núcleos temáticos desta antologia são: 1) "A musa cívica"; 2) "Quem sou?"; 3) "Em busca de Cristo"; 4) "Em nome do amor"; 5) "Cidade versus campo"; 6) "Paisagens"; 7) ''A poesia no espelho"; 8) ''A morte e depois". Sumariamente embora, examinemos algumas das inflexões de cada um dos grupos. ''A musa cívica" de Varela, sua poesia ostensivamente política ou politizada, abrange três faixas de referência: ora é baseada em acontecimentos históricos específicos (a chamada "Questão Christie", que nos opôs aos britânicos em inícios da década de 1860; a campanha libertadora de Juarez, no México), ora se debruça sobre determinada questão social (em particular, o regime escravista brasileiro), ora se alça a considerações genéricas sobre o destino da humanidade. Como ponto comum, no que tange à fabulação metafórica de Varela, o apego a imagens de tormenta, de violência eólica, como estágio necessário à "purificação" do homem, e à construção de uma nova e justa ordem social. Lemos em "Versos soltos" (dedicados a Juarez): "Trarás contigo os raios da tormenta!/ Da tormenta serás o sopro ardente!". Em "O escravo", o poeta, lamurioso, indaga: "Por que/.. ./ não chamaste das terras Africanas/ O vento assolador?". E, em"Aurora", refere-se a uma "tormenta salutar e grande". Esse poema, de viés marcadamente apocalíptico, sugere que o destino do homem se subordina ao arbítrio divino, diversa9
mente do que ocorre em "Aspirações", onde, após queixar-se de certa letargia popular, cúmplice passiva da opressão, Varela (outra vez apoiando-se em imagens aéreas) lança o vigoroso brado: "Quero escutar
nas praças, ao vento das paixões,/ Erguer-se retumbante a voz das multidões!". Já no combate à escravidão, o poeta recorreu, em "O escravo", à estratégia da comiseração (de que também se valeriam, depois, Castro Alves e Bernardo Guimarães, n'A escrava Isaura). A morte como conquista da liberdade é o mote do poema - "Se a terra devorou sedenta/ De teu rosto o suor,/
Mãe compassiva agora te agasalha/ Com zelo e com amor" numa concepção similar à que, quase um século depois, João Cabral de Melo Neto desenvolveria no funeral de um lavrador, em Morte e vida severina. Também merece relevo "À Bahia", pela interessante contraposição entre uma realidade "turística", estampada, nas cinco primeiras estrofes do poema, no elogio à exuberância tropical da paisagem, e a existência do regime escravocrata, num registro cacofônico de sons que ironicamente se "casam": "E pelas noites tran-
qüilas,/ Aos ecos das serenatas, / Casam-se as vozes ingratas/ Da mais cruenta opressão!". "Quem sou", segunda seção da antologia, resume a matéria sobre a qual mais detidamente se debruçam os românticos: eles próprios. A tentativa de definir-se pela construção de uma subjetividade estável, e a consciência da impossibilidade de tal construção, é das tensões mais freqüentes da lírica ultra-romântica. Volátil por natureza, o ideal está sempre além. Como atingi-lo, se ele se desloca na mesma velocidade com que supomos dele nos aproximar? Daí, no "eu", um movimento simultaneamente lançado para o futuro 10
(lá, onde o ideal está, mas não cheguei ainda) e para o passado (cá, onde em algum momento o ideal esteve - mas cheguei tarde demais ... ). Daí o apelo à Natureza, cartilha primordial do mundo, onde, excluída a História, vivencia-se o mito de uma eternidade sempre idêntica a si mesma. Daí, também, que o aparente desejo da morte seja, fundamentalmente, um desejo de parar de morrer o tempo todo, em vida, para renascer-se num Céu de onde a morte esteja perpetuamente banida. Sou o que, fora de mim, aponta para o que nunca serei, e só me devolve imagens de minha própria fragmentação e incompletude: 'Minha casa é deserta; na frente/ Brotam plantas bravias do chão/. ../ Minha casa é deserta. O que é feito/ Desses templos benditos d' outrora?" ("O foragido");
''Amo nas plantas, que na tumba crescem,/ De errante brisa o funeral cicio" ("Tristeza"); "É este enojo perenal, contínuo,/ Que em toda a parte me acompanha os passos/. ../ Quem de si mesmo desterrar-se pode?" ("ChildeHarold"); "Nada a meu fado se prende,/ Nada enxergo junto a mim;/ Só o deserto se estende/ A meus pés, fiel mastim" ("Resignação"); "Brinco do fado, a dor é minha essência,/ O acaso minha lei! ... " (''Ao Rio de Janeiro"); 'Minh'alma é como um deserto/ Por onde o romeiro incerto/ Procura uma sombra em vão" ("Noturno"); "Eu amo a noite quando deixa os montes,/ Bela, mas bela de um horror sublime" ("Eu amo a noite"). É esse "horror sublime", vislumbrado no espaço noturno, que o poeta enxerga em seu próprio espírito. O estigma da anomalia, da excentricidade, é, ao mesmo tempo, um doloroso e glorioso brasão. Sua melhor imagem é a do ser em eterna errância, na formulação lapidar de "O exilado": "O exilado está só por toda a parte!". 11
De um Deus disseminado na Natureza, e cujas manifestações o poeta associa mais à esfera do sensorial do que à fé abstrata (como se verificará na seção "Paisagens"), Varela transita, no fim da vida, para a apologia cristã. O terceiro núcleo da antologia - "Em busca de Cristo" - apresenta fragmentos e poemas extraídos de três livros: Anchieta, Cantos religiosos e Diário de Lázaro. Curiosamente, todos póstumos. Sabe-se do empenho do poeta, já combalido, em preparar o que supunha ser seu maior legado: uma obra de teor edificante, que narrasse, mesclando fantasia e realidade, o esforço do apóstolo Anchieta, na missão de converter os índios à religião católica, por meio do relato dos Evangelhos (daí o subtítulo O evangelho nas selvas). Os mais de 8 mil decassílabos brancos revelam um escritor com grande domínio técnico, embora o imperativo de obediência à narrativa do Novo Testamento acabe freando maiores ímpetos de imaginação, reduzindo o nível do texto a uma mediania algo tediosa ao leitor não particularmente aficionado do assunto. Os Cantos religiosos foram publicados pela irmã de Fagundes, Ernestina, também autora de algumas das peças do volume. O poema de abertura, sem título, reproduz iconicamente uma cruz. Já o Diário é fragmento que, possivelmente, o poeta não logrou revisar, e vale sobretudo como ratificação do peso da vertente religiosa na produção tardia de Varela. Comparado ao divino, o amor humano, para o poeta, é sujeito a muito mais sobressaltos e inconstâncias. A maioria dos textos consagrados ao tema irá registrar sucessivos déficits na sua contabilidade amorosa, caracterizada por grandes investimentos afetivos e pequeno retorno. "Em nome do amor",
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algumas vezes o objeto se encontra fora de seu alcance - 'a mulher que minh'alma idolatra/ É princesa do império chinês", dirá em "Ideal", poema de lavor miniaturista que antecipa traços parnasianos; outras vezes, a mulher o abandonou ("Eu passava na vida errante e vago"), sem que ele aceite reconciliação ("Deixa-me"). Eventualmente, o afastamento se dá por iniciativa do poeta, como nos sóbrios versos de 'As letras", raros exemplos de eneassílabos numa obra em que predominam os heptassílabos e os decassílabos: "Na tênue casca de verde arbusto/ Gravei teu nome, depois parti". A morte da amada, após curto e intenso período de relacionamento, é dolorosamente evocada em "Elegia". "Visões da noite" define as amadas como "Pálidas sombras de ilusão perdida". "Ilusão" é poema narrativo em que o poeta supera um ambiente hostil e fantasmagórico, para, enfim, aproximar-se da mulher, sem que, todavia, haja afirmação de um contato efetivo entre ambos. O lirismo de Fagundes Varela, em geral, não escamoteia uma dimensão explicitamente erótica, e a contenção do desejo, tão evidente na produção de Álvares e de Casimiro, nele encontra escassa acolhida. Seus poemas são um canto de amor à mulher, e não à virgem. Mas, curiosamente, opera-se uma contenção erótica quando o canto do poeta se dirige à mulher que ama na temporalidade do presente: é como se a luxúria (de relações e de poemas passados) se transmudasse em sublimação. Leia-se "Estâncias", em que Varela afirma adorar "tu' alma/ Pura como o sorrir de uma criança", e investe contra "o amor terrestre"; leiam-se os belíssimos 'A flor do maracujá" e "Não te esqueças de mim". No primeiro, monorrimado em "a" nos 13
versos pares, a natureza brasileira compõe um delicado cenário para avalizar a declaração de amor
("Pelo jasmim, pelo goivo,/ Pelo agreste manacá,/ Pelas gotas de sereno/ Nas folhas do gravatá,/ Pela coroa de espinhos/ Da flor do maracujá!"). No segundo, o poeta, ainda sob o tépido agasalho do espaço tropical
("Quando a brisa estival roçar-te a fronte/ Não te esqueças de mim, que te amo tanto"), pede à amada que reconheça sua presença disseminada nos mais acolhedores signos da natureza, na vida e para além dela. Uma paisagem igualmente feita de aconchego, mas agora perpassada nostalgicamente pelo sopro do ubi sunt, desenha-se no primeiro dos dez poemas de "Juvem1ia": "Lembras-te, Iná, dessas noites/ Cheias de doce har-
monia,/ Quando a floresta gemia/ Do vento aos brandos açoites?li Oh! primavera sem termos!/ Brancos luares dos ermos!/ Auroras de amor sem fim!". "Juvenília" estampa uma espécie de caleidoscópio afetivo do poeta, com altos momentos líricos, mas algo desarticulado entre seus segmentos. Aparentemente dilui-se entre várias musas (das quais apenas Iná é nomeada), mesclando espaços e temporalidades distintas. As duas primeiras partes vinculam-se ao passado; da terceira à sétima, e na décima, predomina o presente; a oitava e a nona retornam ao passado. No poema 8 encontramse nítidos vestígios casimirianos, por meio de um quase-pastiche do célebre "Meus oito anos": "Oh!
minha infância querida!/ Oh! doce quartel da vida,/ Como passaste depressa!// Eu era vivo e travesso, /Tinha seis anos então// Junto do alpendre sentado/ Brincava com minha irmã". Notas diversas serão executadas em 'Antonico e Corá", exemplar da verve jocosa e humorística de Fagundes Varela, que reduz o amor à atração física e 14
satiriza os hipócritas arranjos de fachada, para que a moral e os bons costumes se acomodem como lhes for possível. Uma visão claramente antitética permeia a maioria dos poemas de "Cidade versus campo". Para nos assegurarmos da pertinência dessa assertiva, bastaria lermos uma estrofe de ''A cidade": "Eis a cidade! Ali a guerra, as trevas,/ A lama, a podridão, a iniqüidade;/ Aqui o céu azul, as selvas virgens,/ O ar, a luz, a vida, a liberdade!", ou os versos iniciais de "Em viagem": 'A vida nas cidades me enfastia,/ Enoja-me o tropel das multidões". Um desejo de retorno à simplicidade campesina é o que se depreende de ''A roça": "O balanço da rede, o bom fogo/ Sob um teto de humilde sapé;/ A palestra, os lundus, a viola,/ O cigarro, a modinha, o café". No mesmo poema, todavia, Varela alude à força invencível de "um gênio impiedoso", que o arrasta e arremessa "do vulgo ao vaivém", do mesmo modo que, em "No ermo", confessa: ''Ah! que eu não possa me afastar das turbas,/ Curar a febre que meu ser consome". Estar condenado ao que o aniquila parece constituir-se numa das aporias do espírito romântico: saber onde o bem reside, mas sentir-se impotente para atingi-lo (e, discretamente, até julgar bem-vindo o impasse, sem o qual não haveria motivação de lamuriar-se em verso e prosa). Consoante tal perspectiva, Fagundes Varela, em ''As selvas", indaga: "Que faço triste no rumor das praças?/ Que busco pasmo nos salões dourados?" . Há uma espécie de força conflituosa que cinde a unidade do poeta; seu corpo sente-se atado ao vil fascínio da urbe, enquanto seu espírito é imantado pelo espaço da floresta: "Selvas do Novo Mundo, amplos zimbórios/ Mares de sombra e ondas de verdura// Salve! minh'alma vos procura embalde". 15
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Escapando ao âmbito da polarização explícita campo x cidade, citemos "Arquétipo", todo citadino, que desenha a figura excêntrica do dândi cosmopolita, blasé, imerso no spleen, protótip o do ultra-romantismo com seus ideais desencantados e imersos na vacuidade da vida, e "O cavalo", única peça que registra aspectos também negativos da natureza, transpostos embora para o domínio do fantástico: "Que as cobras no chão rastejem/ Que os fogos-fátuos doudejem,/ Que as feiticeiras praguejem,/ Que pulem demônios mil!". As "Paisagens" de Varela apresentam-se em íntima conexão com o ânimo do poeta, e oscilam entre representações micro e macroscópicas. Dentre as primeiras, salientemos a leveza e a candura dos versos de "O sabiá" e de "O vaga-lume" ("Onde vais, pobre vivente,/ Onde vais, triste, mesquinho,/ Levando os raios da estrela/ nas asas do passarinho?"). Em "Sextilhas", destaca-se a afinidade com pequenos seres tidos como repulsivos (aranhas, lagartas, rãs, moluscos), objetos de amoroso olhar que os acolhe exatamente por sabê-los vítimas da ditadura do belo e do harmônico: "Amo-os, porque todo o mundo/ Lhes vota um ódio profundo,/ Despreza-os sem compaixão!". Varela cultiva confraria dos excluídos. O desconforto frente ao belo tradicional, e o conseqüente sentimento de solidão e marginalidade, comparece também no soneto ''Desponta a estrela d' alva, a noite morre". Após pintar um cenário paradisíaco, ocorre o conflito com a realidade visível, em decorrência da eclosão dos demônios da paisagem íntima do poeta, opostos à serenidade e à ordem da paisagem externa: "Porém minh'alma triste e sem um sonho/ Repete olhando o prado, o rio, a espuma:/ Oh! mundo encantador, tu és medonho!" . 16
Sob forma de adesões ou recusas, o espaço natural não deixa de ser entrevisto como uma extensão do corpo ou da alma do poeta. É o que percebemos na macroscopia de "O mar", de Vozes d'América, cujas idéias centrais - e numerosos versos - seriam reaproveitados em "O oceano", de Cantos e fantasias, sem que a segunda versão, a nosso ver, suplante a primeira. Trata-se de um hino à força indomável das águas, capazes de destruírem ou se sobreporem à fatuidade humana; eternamente imune à mudança, o mar foi roteiro de civilizações extintas: "Quantos impérios celebrados, fortes/ Não floresceram de teu trono às bases,/ Sublime potestade! e onde estão eles?/ O que é feito de Roma, Assíria e Grécia?". Submisso apenas - como o próprio poeta - ao desígnio divino, do qual seria uma espécie de representante terreno ("Santo espelho de Deus, três vezes salve!"), o mar com que Varela se identifica traz as marcas da força indômita, da ousadia hiperbólica, do orgulho feroz e desafiador na exibição de seus atributos: '~mo-te horrível/ Arrogante e soberbo, repelindo/ Os furacões que roçam-te nas crinas". Identificando-se ao campo metafórico atribuído ao oceano, o poeta afirma: "SoU livre como as vagas que me cercam/ E só à tempestade e a Deus respeito". Nesse universo em convulsão, é de registrar-se a placidez que emana dos versos de "Hino à aurora": noite e dia em harmônica transição, sem o caráter antitético predominante no imaginário romântico. Varela, ao invés de apartar-se, mistura-se aos outros, sente-se elo de uma interminável cadeia iniciada em épocas imemoriais, formada por todos os homens que, tempo afora, contemplaram o nascer do dia: "Há muito que passaram/ Os que viram no céu luzir outrora/ 17
Teu fúlgido clarão.// Seus olhos se apagaram,/ E nós por nossa vez também agora/ Vemos-te n 'amplidão". Para contextualizarmos a suave inflexão do poema, convém recordar que não se trata de peça original de Varela, mas de tradução que fez de um fragmento do
Rig-Veda ... Expandindo o conceito convencional de "tradução", chegaremos, talvez, a uma das definições de "poeta" mais presentes na obra de Fagundes Varela: a de um tradutor imperfeito de Deus. Tradutor na medida em que é um ser assinalado, condenado ao desvio e à solidão: afastado (ou estigmatizado) pela diferença, cabe-lhe como consolo (ou, quem sabe, como castigo maior) ser o porta-voz das verdades invisíveis e buscar em vão a Unidade para sempre rompida: do homem para com Deus, do homem para com a natureza e do homem para consigo próprio. Quando coloca a "Poesia no espelho", o poeta, além de seu rosto, contempla ruínas e d estroços. Se a construção da obra una é apanágio divino, cabe ao escritor contentar-se em se mover entre escombros, e acenar nostalgicamente para um paraíso onde tudo se correspondesse com tudo, éden da absoluta indiferenciação. É o que se lê no injustamente pouco divulgado "Queixas do poeta". Em bem-elaborados alexandrinos de rimas emparelhadas, Varela sente a mão de Deus estabelecer liames e correspondências entre os seres, à exclusão do poeta, único não-beneficiário desse poder de consórcio divino. Enquanto à flora, à fauna e à humanidade em geral acorrem verbos como "ligar", "ter", "espelhar", "enlaçar" e "embalar", cabe ao vate "soluçar", "descarar" e "sucumbir". Tal impossibilidade de adesão ou inclusão na 18
mecânica do mundo ganhará também superior fatura estética no longo poema 'Acúsmata": nele, o artista troca a antiga figuração de "vidente" pela de "ouvinte". Tentando adentrar no sentido 'Desse rumor confuso, imenso e vago/ Que se eleva da terra", o poeta se faz receptáculo do que dizem as árvores, as flores, o rio, a estrela Vésper e os espíritos na atmosfera. No tocante epílogo, indaga: 'Donde parte esta voz?". Trava-se, então, um combate entre o medo pânico do nada, e a hipótese consoladora de haver Deus (a fantasia "abandona o pó, transpõe as nuvens,/. ../ E nada encontra além do eterno abismo!''// "Perdão, perdão, meu Deus! Busco-te embalde/ Na natureza inteira!"). Buscando Deus na natureza, acaba por encontrá-lo, como sinônimo da força que assegura uma origem, um sentido e um destino ao mundo: 'Da natureza inteira que aviventas/ Todos os elos a teu ser se prendem, /Tudo parte de ti, e a ti se volta". Sob o influxo do pensamento místico-poético, origem e destino se confundem ... Em outros poemas, teremos Varela debruçado não sobre o ato de pensar genericamente o poeta e a poesia, mas preocupado com o gesto concreto de escrever o poema. É o que sucede em 'A pena": com certa ironia, observa que cabe à arte superar a dor que eventualmente lhe tenha servido de mola ou esteio ("De pé sobre a própria ruína/ Canta, oh! alma miseranda!/ Pede ao inferno uma lira,/ Toma os guizos da loucura,/ Dança, ri, folga e delira/ Mesmo sobre a sepultura!"). A "Canção", igualmente irônica, critica os artesãos da mediocridade: Máquina de escrever e fazer versos,/ Já não sei mais cantar// O segredo perdi das melodias,/ Agora é só rimar!". A consciência metalingüística de Varela ainda se faz presente em algumas com11
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pos1çoes de teor brejeiro, a exemplo de "Lira" ("Encomendo minh'alma às nove musas/ Faço um soneto") e de "Canção lógica": "Teus olhos são duas sflabas/ Que me custam soletrar". A morte. E depois? Num certo número de poemas, Varela procura indagar o que pode advir do espólio da vida. As respostas são variadas: num caso ("Sobre um túmulo"), a maldição eterna. Poucas vezes as imprecações do poeta soaram tão forte, pela sucessão de signos hostis a cercar, por cima e por baixo, o corpo do inimigo: "Pese-te a terra qual um fardo imenso,/ Infecta podridão cubra teus olhos,/ Seque o salgueiro que sombreia a lousa". A morte, ao invés de apaziguar, parece aviventar o ódio. Do ódio ao amor: visão oposta comparece em "Oração fúnebre", mais uma tradução do Rig-Veda. Como em "Aurora", predomina uma atmosfera de suave harmonia, em que a transição não se faz com ruptura, na medida em que um dos termos (noite ou morte) já está presente no outro (aurora ou vida): "Desce à terra materna, tão fecunda,/ Tão meiga para os bons que a fronte encostam/ Em seu úmido seio.// Ela te acolherá terna e amorosa/ Como em seus braços uma mãe querida/ Acolhe o filho amado". Um universo sem turbulência ecoa nos versos de "Desejo": o poeta imagina sua morte no mesmo campo semântico da placidez que lemos em "Oração fúnebre" - a terra como um leito brando de "suave dormir". Depois, diversamente da vertigem do nada' que desejou ao desafeto de "Sobre um túmulo", imagina um reencontro de almas com a pessoa amada, o que, a rigor, implica o desejo de sua morte, condição para que o pacto afetivo não se desfaça: ''Ah! e contudo se deixando o globo/ Ave ditosa eu não par20
tisse só,/ Se ao mesmo sopro conduzisse unidas/ Nossas essências num estreito nó! ... ". "Cântico do calvário", para muitos a obra-prima de Varela, se constitui numa das mais pungentes elegias do lirismo brasileiro. Por meio de admirável orquestração de metáforas, o longo poema apresenta simultaneamente a morte do filho do poeta, a dissipação das esperanças que sua vida projetava para a vida atormentada do pai, e a morte em vida de Varela, pela perda do referencial afetivo que a presença do filho representava: "Ouço o tanger monótono dos sinos,/
E cada vibração contar parece/ As ilusões que murcham-se contigo". Em alta voltagem dramática, o poema se encerra com a negação e a transfiguração da morte, reelaborada em signos de luz e de solidariedade. De algum modo, a morte do menino o transforma no pai de seu pai, apontando-lhe o caminho da redenção:
''Brilha e fulgura! Quando a morte fria/ Sobre mim sacudir o pó das asas,/ Escada de Jacó serão teus raios/ Por onde asinha subirá minh 'alma". Convidamos o leitor, agora, a percorrer "oito faces" da poesia de Varela, contidas em nove livros, desde o inaugural Noturnas (1861) ao póstumo Diário de Lázaro (1880). Esclarecemos que, no interior de cada seção, os poemas virão dispostos por ordem de publicação original. A edição de que nos valemos (cf. bibliografia, no fim do volume) foi o das Poesias completas, criteriosamente organizadas por Frederico José da Silva Ramos. Não obstante, recorremos a edições princeps toda vez que algum registro suscitou dúvidas. Os títulos dos livros serão registrados pelas seguintes abreviaturas: 21
Noturnas-N O estandarte auriverde - EA Vozes d'América - VA Cantos e fantasias - CF Cantos meridionais - CM Cantos do ermo e da cidade - CE Anchieta ou O evangelho nas selvas - AE Avulsas-A Cantos religiosos - CR Diário de Lázaro - D L Antonio Carlos Secchin
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POEMAS
A MUSA CÍVICA
AS. PAULO
Terra da liberdade! Pátria de heróis e berço de guerreiros, Tu és o louro mais brilhante e puro, O mais belo florão dos Brasileiros! Foi no teu solo, em borbotões de sangue, Que a fronte ergueram destemidos bravos, Gritando altivos ao quebrar dos ferros, Antes a morte que um viver de escravos! Foi nos teus campos de mimosas flores, À voz das aves, ao soprar do norte, Que um rei potente às multidões curvadas Bradou soberbo - Independência ou morte! Foi de teu seio que surgiu, sublime, Trindade eterna de heroísmo e glória, Cujas estátuas,:-- cada vez mais belas, Dormem nos templos da Brasília história! Eu te saúdo, oh! majestosa plaga, Filha dileta, - estrela da nação, Que em brios santos carregaste os cílios À voz cruenta de feroz Bretão!
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Pejaste os ares de sagrados cantos, Ergueste os braços e sorriste à guerra, Mostrando ousada ao murmurar das turbas Bandeira imensa da Cabrália terra! Eia! - Caminha, o Partenon da glória Te guarda o louro que premia os bravos! Voa ao combate repetindo a lenda, - Morrer mil vezes que viver escravos!
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CANÇÃO
Nunca viste à madrugada, De níveo manto através, Uma linfa branca e pura Saltando da serra escura Qual um cabrito montês? Em torno, tudo São negras penhas, Névoas ligeiras, Grutas e brenhas. E o sol despeja, Rasgando as brumas, Torrentes de oiro No véu e espumas! Eis uma garça alvejante Que abandona as cordilheiras, E vai molhada de orvalhos Perder-se nos moles galhos De uma selva de palmeiras!
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Assim murmura De manhãzinha O viajante Que além caminha, Cravando os olhos Na linfa pura Que se despenha Da selva escura. - Nunca viste-a? ... Não importa, Deixa os tristonhos palmares ... Vês agora esse gigante Que se espreguiça arrogante No leito imenso dos mares? Em torno, tudo São vozes, cantos, Virgens florestas De eternos mantos. Plagas, - savanas, Montes sombrios, Curvam-se humildes Ao rei dos riosl
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Salve! Amazonas soberbo! Salve! das águas Titão! Teu povo brada arrogante: - Quem vive ao pé de um gigante Não tem receio ao Bretão!
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AURORA
Antes de erguer-se de seu leito de ouro, O rei dos astros o Oriente inunda De sublime clarão; Antes de as asas desprender no espaço, A tempestade agita-se e fustiga O turbilhão dos euros. As torrentes de idéias que se cruzam, O pensamento eterno que se move No levante da vida, São auras santas, arrebóis esplêndidos, Que precedem à vinda triunfante De um sol imorredouro. O murmurar profundo, enrouquecido, Que do seio dos povos se levanta, Anuncia a tormenta; Essa tormenta salutar e grande Que o manto roçará, prenhe de fogo, Na face das nações.
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Preparai-vos, ó turbas! Preparai-vos, Rebatei vossos ferros e cadeias, Algozes e tiranos! A hora se aproxima pouco a pouco, E o dedo do Senhor já volve a folha Do livro do destino! Grande há de ser o drama, a ação gigante, Majestosa a lição! Luzes e trevas Lutarão sobre os orbes! O abismo soltará seus tredos roncos, E o frêmito dos mares agitados Se unirá aos das turbas. Os reis convulsarão nos tronos frágeis Buscando embalde sustentar nas frontes As úmidas coroas ... Debalde!. .. o vendaval na fúria insana Os levará com elas, envolvidos Num turbilhão de pó!
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Vis, abatidos, o fidalgo e o rico Sairão de seus paços vacilantes Nos podres alicerces; E errantes sobre a terra irão chorando Mendigar um farrapo ao vagabundo, E um pedaço de pão! Estranho povo surgirá da sombra Terrível e feroz cobrindo os campos De cruentos horrores! O palácio e a prisão irão por terra, E um segundo dilúvio, então de sangue, O mundo lavará! O sábio em seu retiro, estupefato, Verá tombar a imagem da ciência, Fria estátua de argila, E um pálido clarão dirá que é perto O estro divinal que às turbas míseras Conduz a redenção!
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Como aos dias primeiros do universo O globo se erguerá banhado em luzes, Reflexos de Deus; E a raça humana sob um céu mais puro Um hino insigne enviará, prostrada Aos pés do Onipotente! Irmãos todos serão; todos felizes; Iguais e belos, sem senhor nem peias, Nem tiranos e ferros! O amor os unirá num laço estreito, E o trânsito da vida uma romagem Se tornará, celeste! A hora se aproxima pouco a pouco; O dedo do Senhor já volve a folha Do livro do destino!. .. Ergue-se a tela do teatro imenso, E o mistério infinito se desvenda Do drama do Calvário!
VA
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ASPIRAÇÕES
Meu Deus! já que não posso no meio das florestas Ouvir da natureza as mais soberbas festas; Já que não posso errante no esplêndido oceano Sorver a longos tragos teu bafo soberano; Quero escutar nas praças, ao vento das paixões, Erguer-se retumbante a voz das multidões! Quero sentir, Senhor, que o fogo de teu gênio Abrasa-lhes as fibras do mundo no proscênio, E sabem responder do déspota à vontade: - Aqui finda teu mando e surge a liberdade! Aos mares e aos desertos, aos povos e às feras Deste uma lei somente nas primitivas eras. O Gênesis dos orbes teve por letra prima O emblema da igualdade que a independência [arrima. A luz sacode as sombras e abraça a intensidade. Os escarcéus resistem ao horror da tempestade; Mas ai! Senhor, os homens, na mais formosa plaga, Parece que afeiçoam-se ao jugo que os esmaga! Quando ouvirei nas praças ao vento das paixões Erguer-se retumbante a voz das multidões?
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Espanta-me a tormenta que as árvores derriba, Mas o tufão que passa e a cerração fustiga É útil e propício, porque descobre os montes E deixa que eu contemple os vastos horizontes Onde ao clarão suave de um sol brilhante e puro Ostenta-se formosa a imagem do futuro!. .. A raça entorpecida à sombra se acostuma E nada enxerga além da condensada bruma! ... Venha o tufão bendito, e ao vento das paixões Quero escutar nas praças a voz das multidões! A escravidão não cinge-se unicamente aos ferros! Há uma inda mais negra, a escravidão dos erros! Para privar-se ao pobre que seu caminho veja Oh, não, não é preciso que ele atulhado seja, Basta roubar-lhe a luz, e o mísero nas sombras Se atirará da margem nas úmidas alfombras! Oh! não, pior mil vezes!. .. trazei-lhe a claridade; Se o trilho está coberto, abre outro a liberdade! Quando ouvirei nas praças ao vento das paixões Erguer-se retumbante a voz das multidões? CF
VERSOS SOLTOS Ao General Juarez Juarez! Juarez! Quando as idades, Fachos de luz que a tirania espancam, Passarem desvendando sobre a terra As verdades que a sombra escurecia; Quando soar no firmamento esplêndido O julgamento eterno; Então banhado no prestígio santo Das tradições que as epopéias criam, Grande como um mistério do passado, Será teu nome a mágica palavra Que o mundo falará lembrando as glórias Da raça Mexicana! Quem se atreve a medir-te face a face? Quem teu vôo acompanha nas alturas, Condor soberbo que da luz nas ondas Sacode o orvalho das possantes asas, E lança um grito de desprezo infinito Aos milhafres rasteiros? Que destemido caçador dos ermos Irá te cativar, ave sublime, Nessas costas bravias e tremendas, Onde o Grande Oceano atira as vagas, E os vendavais sem peias atordoam
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O espaço de rugidos? Que sicário real, nas matas virgens Amplas, sem marcos, sem batismo e data, Te apanhará, jaguar das soledades? ... Ah! tu espreitas os vulcões que dormem! Quando a cratera encher-se, à luz vermelha Rebentarás nas praças!. .. Trarás contigo os raios da tormenta! Da tormenta serás o sopro ardente! Mas a tormenta passará de novo E o golfo Mexicano iluminado Refletirá teu vulto gigantesco, Ó águia do porvir! Teu nome está gravado nos desertos Onde pés de mortal jamais pisaram! Quando pudessem deslembrá-lo os homens, As selvas despiriam-se de folhas, Para arrojá-las do tufão nas asas Às multidões ingratas! Como as de um livro imenso elas compõem Teu poema sublime; a pluma eterna Do invisível destino, e não rasteira, Mísera pena de mundano bardo, Nelas traçou as indeléveis cifras
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De teu nome imortal! Os pastores de Puebla e de Jalisco, As morenas donzelas de Bergara, Cantam teus feitos junto ao lar tranqüilo Nas noites perfumadas e risonhas Da terra Americana. Os viajantes Que os desertos percorrem, - pensativos, Param no cimo das erguidas serras, Medem co'a vista o descampado imenso, E murmuram fitando os horizontes Vastos, perdidos num lençol de névoas: Juarez! Juarez! em toda a parte 'T' , ºt o vaga .... ' .teu esp1n Falam de ti as fontes e as montanhas, As ervinhas do campo e os passarinhos Que, abrindo as asas no azulado céu, Como um bando de sonhos esvoaçam. Mas esse nome que ameniza o canto Do torvo montanhês, - e mais suave Que um suspiro de amor, parte dos lábios Da virgem sonhadora das campinas, Faz tremer o tirano que repousa Nos macios coxins do leito de ouro,
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Como o brado do arcanjo no infinito Ao fenecer dos mundos! Deixa que as turbas do terror escravas Junto de falso trono se ajoelhem! Os brindes e os folguedos continuam, Mas a mão invisível do destino Na sala do banquete austera escreve O aresto irrevogável!... CF
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O ESCRAVO Ao sr. Tomaz de Aquino Borges
Dorme! - Bendito o arcanjo tenebroso Cujo dedo imortal Gravou-te sobre a testa bronzeada O sigilo fatal! Dorme! - Se a terra devorou sedenta De teu rosto o suor, Mãe compassiva agora te agasalha Com zelo e com amor. Ninguém te disse o adeus da despedida, Ninguém por ti chorou! Embora! A humanidade em teu sudário Os olhos enxugou! A verdade luziu por um momento De teus irmãos à grei. Se vivo foste escravo és morto - livre Pela suprema lei! Tu suspiraste como o hebreu cativo Saudoso do Jordão, Pesado achaste o ferro da revolta, Não o quiseste, não! Lançaste-o sobre a terra inconsciente De teu próprio poder! Contra o direito, contra a natureza Preferiste morrer! 42
Do augusto condenado as leis são santas, São leis porém de amor: Por amor de ti mesmo e dos mais homens Preciso era o valor, Não o tiveste! Os ferros e os açoites Mataram-te a razão! Dobrado cativeiro! A teus algozes Dobrada punição! Por que nos teus momentos de suplício, De agonia e de dor Não chamaste das terras Africanas O vento assolador? Ele traria a força e a persistência À tu' alma sem fé, Nos rugidos dos tigres de Benguela, Dos leões de Guiné!... Ele traria o fogo dos desertos, O sol dos areais, A voz de teus irmãos viril e forte, O brado de teus pais! Ele te sopraria às moles fibras A raiva do suão Quando agitando as crinas inflamadas Fustiga a solidão! 43
Então ergueras resoluto a fronte, E grande em teu valor Mostraras que em teu seio inda vibrava A voz do Criador! Mostraras que das sombras do martírio Também rebenta a luz! Oh! teus grilhões seriam tão sublimes, Tão santos como a cruz! Mas morreste sem lutas, sem protestos, Sem um grito sequer! Como a ovelha no altar, como a criança No ventre da mulher! Morreste sem mostrar que tinhas n' alma Uma chispa do céu! Como se um crime sobre ti pesasse! Como se foras réu! Sem defesa, sem preces, sem lamentos, Sem círios, sem caixão, Passaste da senzala ao cemitério! Do lixo à podridão! Tua essência imortal onde é que estava? Onde as leis do Senhor? Digam-no o tronco, o látego, as algemas E as ordens do feitor! 44
Digam-no as ambições desenfreadas, A cobiça fatal, Que a eternidade arvoram nos limites De um círculo mortal! Digam-no o luxo, as pompas e grandezas, Lacaios e brasões, Tesouros sobre o sangue amontoados, Paços sobre vulcões! Digam-no as almas vis das prostitutas, O lodo e o cetim, O demônio do jogo, - a febre acesa Em ondas de rubirn!. .. E no entanto tinhas um destino, Urna vida, um porvir, Um quinhão de prazeres e venturas Sobre a terra a fruir! Eras o mesmo ser, a mesma essência Que teu bárbaro algoz; Foram seus dias de rosada seda, Os teus - de atro retrós!. .. Pátria, família, idéias, esperanças, Crenças, religião, Tudo matou-te, em flor no íntimo d' alma, O dedo da opressão! 45
Tudo, tudo abateu sem dó nem pena! Tudo, tudo, meu Deus! E teu olhar à lama condenado Esqueceu-se dos céus!. .. Dorme! Bendito o arcanjo tenebroso Cuja cifra imortal, Selando-te o sepulcro, abriu-te os olhos À luz universal!
CM
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À BAHIA
Sobre coxins de verdura Aos fogos do meio-dia Dorme a esplêndida Bahia Reclinada à beira-mar; E como servas humildes Sustendo-lhe o régio arminho As vagas falam baixinho Medrosas de a despertar. Os ventos que a furto beijam De seus vergéis as mangueiras Vão perfumar cem bandeiras Que ondeiam no céu azul; E relatam maravilhas Dessa pérola do Norte, Mais do que Cartago, forte, Mais linda do que Istambul. Estrangeiro que habitastes Mil cidades de outros mares, Ao mirar estes palmares, O que sentistes, dizei?
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O que sentistes pisando Sobre o tapiz destas praias Pomposas, corno as alfaias Do leito de um grande rei? Ao contemplar estes montes Ardentes de mocidade Por onde a dupla cidade Se estende a seu bel-prazer; E estas praças arrelvadas, E estas árvores erguidas, E estas rampas atrevidas Que vão nas nuvens morrer, Sentistes saudade acaso Dos países que deixastes? Dos povos que visitastes Tivestes lembranças cá? Oh! não, que a vossos olhares Não mostraram tal beleza Roma, Nápoles, Veneza, Cantão, Pequim, Calcutá!
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Mas ah! Vede, nesta pátria De heróis, de gênios, de bravos, Vestígios de pés escravos Conspurcam tão nobre chão! E pelas noites tranqüilas, Aos ecos das serenatas, Casam-se as vozes ingratas Da mais cruenta opressão! Estas praças e mercados, Estes vastos edifícios Não são por certo os indícios De um povo calmo e feliz! Não, que sobre essas riquezas Fundadas sobre um delito Geme o direito proscrito, Chora uma raça infeliz! E ela dorme descuidosa, Sem medo a filha do Norte, Entregue à mísera sorte Das outras belas irmãs; Dorme como as odaliscas Nos palácios do Oriente Sob a guarda inconsciente De comprados iatagãs. 49
Bahia, terra das artes! Terra do amor e da glória! Quão grande foras na História, Quão grande com teus brasões, Se à fronte não te luzissem Aos diamantes misturados Os prantos cristalizados De cativas multidões!
CM
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QUEM SOU?
O FORAGIDO (Canção)
Minha casa é deserta; na frente Brotam plantas bravias no chão, Nas paredes limosas - o cardo Ergue a fronte silente ao tufão. Minha casa é deserta. O que é feito Desses templos benditos d' outrora, Quando em torno cresciam roseiras, Onde as auras brincavam n'aurora? Hoje a tribo das aves errantes Dos telhados se acampa no vão, A lagarta percorre as muralhas, Canta o grilo pousado ao fogão. Das janelas no canto, as aranhas Leves tremem nos fios dourados, As avencas pululam viçosas Na umidade dos muros gretados. Tudo é tredo, meu Deus! o que é feito Dessas eras de paz que lá vão, Quando junto do fogo eu ouvia As legendas sem fim do serão?
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No curral esbanjado, entre espinhos, Já não bala ansioso o cordeiro, - Nem desperta-se ao toque do sino - Nem ao canto do galo ao poleiro. Junto à cruz que se eleva na estrada Seco e triste se embala o chorão, Não há mais o esfumar das acácias, Nem do crente a - sentida oração. Não há mais urna voz nestes ermos, Um gorjeio das aves no val, Só a fúria do vento retroa Alta noite agitando o ervaçal! Ruge, oh vento gelado do norte, Torce as plantas que brotam do chão, Nunca mais eu terei as venturas Desses tempos de paz que lá vão! Nunca mais desses dias passados Urna luz surgirá dentre as brumas! As montanhas se ernbuçarn nas trevas, As torrentes se vendam de espumas!
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Corre pois vendaval das tormentas, Hoje é tua esta morna soidão! Nada tenho, que um céu lutulento E uma cama de espinhos no chão! Ruge, voa, que importa! sacode Em lufadas as crinas da serra, Alma nua de crença e esperanças Nada tenho a perder sobre a terra! Vem, meu pobre e fiel companheiro, Vamos, vamos depressa, meu cão, Quero ao longo perder-me das selvas Onde passa rugindo o tufão!
Cantareira - 1861. N
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TRISTEZA
Eu amo a noite com seu manto escuro, De tristes goivos coroada a fronte, Amo a neblina, que pairando ondeia Sobre o fastígio de elevado monte. Amo nas plantas, que na tumba crescem, De errante brisa o funeral cicio: Porque ninh' alma, como a sombra, é triste, Porque meu seio é de ilusões vazio. Amo a desoras sob um céu de chumbo, No cemitério de sombria serra, O fogo-fátuo que a tremer doudeja Das sepulturas na revolta terra. Amo ao silêncio do ervaçal partido De ave noturna o funerário pio, Porque minh' alma, como a noite, é triste, Porque meu seio é de ilusões vazio. Amo do templo, nas soberbas naves, De tristes salmos o troar profundo; Amo a torrente que na rocha espuma, E vai do abismo repousar no fundo.
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Amo a tormenta, o perpassar dos ventos, A voz da morte no fatal parcel; Porque minh' alma só traduz tristeza, Porque meu seio se abrevou de fel. Amo o corisco que deixando a nuvem O cedro parte da montanha, erguido, Amo do sino, que por morto soa, O triste dobre n' amplidão perdido. Amo na vida de miséria e lodo, Das desventuras o maldito selo; Porque minh' alma se manchou de escárnios, Porque meu seio se cobriu de gelo. Amo o furor do vendaval que ruge, Das asas negras sacudindo o estrago; Amo as metralhas, o bulcão de fumo, De corvo as tribos em sangrento lago. Amo do nauta o doloroso grito Em frágil prancha sobre mar de horrores, Porque meu seio se tornou de pedra, Porque minh' alma descorou de dores.
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O céu de anil, a viração fagueira, O lago azul que os passarinhos beijam; A pobre choça do pastor no vale; Chorosas flores no sertão vicejam; A paz, o amor, a quietação e o riso A meus olhares não têm mais encanto, Porque minh' alma se despiu de crenças, E do sarcasmo se embuçou no manto . ... 1861.
VA
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O EXILADO O exilado está só por toda a parte!
Passei tristonho dos salões no meio, Atravessei as turbulentas praças Curvado ao peso de uma sina escura; As turbas contemplaram-me sorrindo, Mas ninguém divisou a dor sem termos Que as fibras de meu peito espedaçava. O exilado está só por toda a parte! Quando, à tardinha, dos floridos vales Eu via o fumo se elevar tardio Por entre o colmo de tranqüilo albergue, Murmurava a chorar: - Feliz aquele Que à luz amiga do fogão doméstico, Rodeado dos seus, à noite senta-se. O exilado está só por toda a parte! Onde vão estes flocos de neblina Que o euro arrasta nas geladas asas? Onde vão essas tribos forasteiras Que à tempestade se esquivar procuram? Ah! que me importa? ... também eu doudejo, E onde irei, Deus o sabe, Deus somente. O exilado está só por toda a parte!
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Desta campina as árvores são belas, São belas estas flores que se vergam Das auras estivais ao débil sopro; Mas nem a sombra que no chão se alonga, Nem o perfume que o ambiente inunda, São dessa gleba divinal que adoro. O exilado está só por toda a parte! Mole e lascivo no tapiz da selva Serpeia o arroio, e o deslizar queixoso Peja de amor as solidões dormentes; Mas nunca o rosto refletiu-me um dia, Nem foi seu burburinho enlanguescido Que embalou minha infância descuidosa. O exilado está só por toda a parte! - Por que chorais? - me perguntou o mundo Contai-nos vossa dor, talvez possamos Saná-la às gotas de elixir suave; Mas quando eu suspendi a lousa escura Que o túmulo cobria-me da vida, Riram-se pasmos sem sondar-lhe o fundo. O exilado está só por toda a parte!
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Vi o ancião da prole rodeado Sorrir-se calmo e bendizer a Deus, Vi junto à porta da nativa choça As crianças beijaram-se abraçadas; Mas de filho ou de irmão o santo nome Ninguém me deu, e eu fui passando triste. O exilado está só por toda a parte! Quando verei essas montanhas altas Que o sol dourava nas manhãs de agosto? Quando, junto à lareira, as folhas lívidas Deslembrarei de meu sombrio drama? Douda esperança! as estações sucedem E sem um gozo vou descendo à campa. O exilado está só por toda a parte! Brandas aragens que roçais fagueiras Das maravilhas nas cheirosas frontes, Aves sem pátria que cortais os ares, Irmãs na sorte do infeliz romeiro, Ah! levai um suspiro à pátria amada, Último alento de cansado peito. O exilado está só por toda a parte!
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Quando nas folhas de lustrosos plátanos Novos luares descansarem gratos, Já sobre a estrada de meus pés os traços O pegureiro não verá, que passa! Mísero! ao leito de final descanso Ninguém meu sono velará chorando. O exilado está só por toda a parte!
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CHILDE-HAROLD (Sobre uma página de Byron)
Não te rias assim, oh! não te rias, Basta de sonhos, de ilusões fatais! Minh' alma é nua, e do porvir às luzes Meus roxos lábios sorrirão jamais! Que pesar me consome! ah! não procures Erguer a lousa de um pesar profundo, Nem apalpares a matéria lívida E a lama impura que pernoita ao fundo! Não são as flores da ambição pisadas, Não é a estrela de um porvir perdida Que esta cabeça coroou de sombras E a tumba inclina ao despontar da vida! É este enojo perenal, contínuo, Que em toda a parte me acompanha os passos, E ao dia incende-me as artérias quentes, Me aperta à noite nos mirrados braços!
São estas larvas de martírio e dores Sócias constantes do judeu maldito, Em cuja testa, dos tufões crestada, Labéu de fogo cintilava escrito!
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Quem de si mesmo desterrar-se pode? Quem pode a idéia aniquilar que o mata? Quem pode altivo esmigalhar o espelho Que a torva imagem de Satã retrata? Quantos encontram inefáveis gozos Nesses prazeres, para mim tormentos! Quantos nos mares onde a morte enxergo Abrem as velas do baixel aos ventos! O meu destino é vaguear e sempre! Sempre fugindo, a funeral lembrança, Férreo estilete que me rasga os músculos, Voz dos abismos que me brada: - Avança! Que pesar me consome! ai! não mais tentes, Espera a lousa de um pesar profundo, Somente a morte encontrarás nas bordas, E o inferno inteiro a praguejar no fundo! VA
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RESIGNAÇÃO
Sozinho no descampado Sozinho, sem companheiro, Sou como o cedro altaneiro Pela tormenta açoutado. Rugi! tufão desabrido! Passai! temporais de pó! Deixai o cedro esquecido, Deixai o cedro estar só! Em meu orgulho embuçado, Do tempo zombo da lei ... Oh! venha o raio abrasado, - Sem me vergar... tombarei! Gigante da soledade, Tenho na vida um consolo: Se enterro as plantas no solo, Chego a fronte à imensidade! Nada a meu fado se prende, Nada enxergo junto a mim; Só o deserto se estende A meus pés, fiel mastim.
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À dor o orgulho sagrado Deus ligou num grande nó ... Quero viver isolado, Quero viver sempre só!
E quando o raio incen dido Roçar-me, então cairei Em meu orgulho envolvido, Como em um manto de rei. CF
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IRADESAUL (Fragmento)
A noite desce. Os furacões de Assur Passam dobrando os galhos à videira, Todos os plainos de Salisa e Sur Perdem-se ao longe em nuvens de poeira. Minh' alma se exacerba. O fel d' Arábia Coalha-se todo neste peito agora. Oh! nenhum mago da Caldéia sábia A dor abrandará que me devora! Nenhum! - Não vem da terra, não tem nome, Só eu conheço tão profundo mal, Que lavra como a chama e que consome A alma e o corpo no calor fatal! Maldição! Maldição! Ei-lo que vem! Oh! mais não posso! A ira me quebranta!. .. Toma tu'harpa, filho de Belém, Toma tu'harpa sonorosa e canta! Canta, louro mancebo! O som que acordas É doce como as auras do Cedron, Lembra-me o arroio de florentes bordas Junto à minha romeira de Magron.
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Lembra-me a vista do Carmelo, - as tendas Brancas sobre as encostas de Efraim, E pouco a pouco apagam-se as tremendas Fúrias do gênio que me oprime assim! CF
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AO RIO DE JANEIRO
Adeus! Adeus! Nas cerrações perdidas Vejo-te apenas, Guanabara altiva, Mole, indolente, à beira-mar sentada Sorrindo às ondas em nudez lasciva. Mimo das águas, flor do Novo Mundo, Terra dos sonhos meus, Recebe asinha no passar dos ventos Meu derradeiro adeus! A noite desce, os boqueirões de espuma Rugem pejados de ferventes lumes, E os loiros filhos do marinho império Brotam do abismo em festivais cardumes. Sinistra voz envia-me aos ouvidos Um cântico fatal! Permita o fado que a teu seio eu volte, Oh! meu torrão natal! Já no horizonte as plagas se confundem, O céu e a terra abraçam-se discretos, Leves os vultos das palmeiras tremem Como as antenas de sutis insetos.
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Agora o espaço, as sombras, a saudade, O pranto e a reflexão ... A alma entregue a si, Deus nas alturas ... Nos lábios a oração! Tristes idéias, pensamentos fundos, Nublam-me a fronte descaída e fria, Como esses flocos de neblina errante Que os cerros vendam quando morre o dia. Amanhã que verei? -Talvez o porto, Talvez o sol... não sei! Brinco do fado, a dor é minha essência, O acaso minha lei!. .. Que importa! A pátria do poeta o segue Por toda a parte onde o conduz a sorte, No mar, nos ermos, do ideal nos braços, Respeita o selo imperial da morte! Oceano profundo! Augusto emblema Da vida universal! Leva um adeus ainda às alvas praias De meu torrão natal. CM
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NOTURNO
Minh' alma é como um deserto Por onde o romeiro incerto Procura uma sombra em vão; É como a ilha maldita Que sobre as vagas palpita Queimada por um vulcão! Minh' alma é como a serpente Que se torce ébria e demente De vivas chamas no meio; É como a douda que dança Sem mesmo guardar lembrança Do cancro que rói-lhe o seio! Minh' alma é como o rochedo Donde o abutre e o corvo tredo Motejam dos vendavais; Coberto de atros matizes, Lavrado das cicatrizes Do raio, nos temporais!
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Nem uma luz de esperança, Nem um sopro de bonança Na fronte sinto passar! Os invernos me despiram, E as ilusões que fugiram Nunca mais hão de voltar! Tombam as selvas frondosas, Cantam as aves mimosas As nênias da viuvez; Tudo, tudo, vai finando, Mas eu pergunto chorando: Quando será minha vez? No véu etéreo, os planetas; No casulo as borboletas Gozam da calma final; Porém meus olhos cansados São, a mirar, condenados Dos seres o funeral!
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Quero morrer! Este mundo Com seu sarcasmo profundo Manchou-me de lodo e fel! Minha esperança esvaiu-se, Meu talento consumiu-se Dos martírios ao tropel! Quero morrer! Não é crime O fardo que me comprime, Dos ombros, lançá-lo ao chão; Do pó desprender-me rindo E as asas brancas abrindo Perder-me pela amplidão! Vem, oh! Morte! A turba imunda Em sua ilusão profunda Te odeia, te calunia, Pobre noiva tão formosa Que nos espera amorosa No termo da romaria!
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Virgens, anjos e crianças Coroadas de esperanças Dobram a fronte a teus pés! Os vivos vão repousando! E tu me deixas chorando! Quando virá minha vez? Minh' alma é como um deserto Por onde o romeiro incerto Procura uma sombra em vão; É como a ilha maldita Que sobre as vagas palpita Queimada por um vulcão! CM
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EU AMO A NOITE
Eu amo a noite quando deixa os montes, Bela, mas bela de um horror sublime, E sobre a face dos desertos quedas Seu régio selo de mistério imprime. Amo o sinistro ramalhar dos cedros Ao rijo sopro da tormenta infrene, Quando antevendo a inevitável queda Mandam aos ermos um adeus solene. Amo os penedos escarpados onde Desprende o abutre o prolongado pio, E a voz medonha do caimã disforme Por entre os juncos de lodoso rio. Amo os lampejos verde-azul, funéreos, Que às horas mortas erguem-se da terra, E enchem de susto o viajante incauto No cemitério de sombria serra. Amo o silêncio, os areais extensos, Os vastos brejos e os sertões sem dia, Porque meu seio como a sombra é triste, Porque minh' alma é de ilusões vazia.
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Amo o furor do vendaval que ruge Das asas densas sacudindo o estrago, Silvos de balas, turbilhões de fumo, Tribos de corvos em sangrento lago. Amo as torrentes que da chuva túmidas Lançam aos ares um rumor profundo, Depois raivosas carcomendo as margens Vão dos abismos pernoitar no fundo. Amo o pavor das soledades, quando Rolam as rochas da montanha erguida, E o fulvo raio que flameja e tomba Lascando a cruz da solitária ermida. Amo as perpétuas que os sepulcros ornam, As rosas brancas desbrochando à lua, Porque na vida não terei mais sonhos, Porque minh' alma é de esperanças nua. Tenho um desejo de descanso, infindo, Negam-me os homens; onde irei achá-lo? A única fibra que ao prazer ligava-me Senti partir-se ao derradeiro abalo!. ..
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Como a criança, do viver nas veigas, Gastei meus dias namorando as flores, Finos espinhos os meus pés rasgaram, Pisei-os ébrio de ilusões e amores. Sendal espesso me vendava os olhos, Doce veneno lhe molhava o nó ... Ai! minha estrela de passadas eras, Por que tão cedo me deixaste só? Sem ti procuro a solidão e as sombras De um céu toldado de feral caligem, E gasto as horas traduzindo as queixas Que à noite partem da floresta virgem. Amo a tristeza dos profundos mares, As águas torvas de ignotos rios, E as negras rochas que nos plainos zombam Da insana fúria dos tufões bravios. Tenho um deserto de amarguras n' alma, Mas nunca a fronte curvarei por terra!. .. Ah! tremo às vezes ao tocar nas chagas, Nas vivas chagas que meu peito encerra! CE 77
ARMAS
- Qual a mais forte das armas, A mais firme, a mais certeira? A lança, a espada, a clavina, Ou a funda aventureira? A pistola? O bacamarte? A espingarda, ou a flecha? O canhão que em praça forte Faz em dez minutos brecha? - Qual a mais firme das armas? O terçado, a fisga, o chuço, . O dardo, a maça, o virote? A faca, o florete, o laço, O punhal, ou o chifarote? ... A mais tremenda das armas, Pior que a durindana, Atendei, meus bons amigos: Se apelida: - a língua humana! A
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VELHA CANÇÃO (Voltas)
Não sou desses gênios duros Inimigos do prazer Que julgam que a humanidade Só nasceu para gemer; Gosto de queimar incenso Sobre as aras da alegria, Julgo que ser louco a tempo Também é sabedoria. Tudo no mundo é vaidade, Disse o grande Salomão ... Ele pensou talvez isto Em noite de indigestão ... Venham raivosos guerreiros Abater espessos muros, Briguem as leis, os legistas, Não sou desses gênios duros. Quero festins, onde as belas Me façam enlouquecer; Desprezo os ilustres mochos Inimigos do prazer.
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Prosperidade na terra É sonho que pouco dura, Tudo definha e fenece Na lousa da sepultura. Canto as mulheres e as musas, As venturas, o prazer, A vida é triste mentira, Gozarei até morrer. Que importa que as turbas loucas Me cubram de maldições? Pobres loucos! Não concebem De um festim as seduções! Meditem os estadistas Sobre casos mal seguros, Trato de cousas mais leves, Não sou desses gênios duros. Discurse o padre na igreja Batendo uma seita esquiva, E volte à casa alta noite Tendo jantado a saliva!
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Eu por mim penso que o mundo Por pouco vai-se a perder, Por causa de tantos grulhas Inimigos do prazer. Só me falam nos antigos Abraão, Isaac, Jacó!. .. Eles tinham cem mulheres! E eu? ... Eu tenho uma só! É verdade que essa mesmo Me tem dado que fazer, Mas nem por isso tomei-me Inimigo do prazer. A
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EM BUSCA DE CRISTO
CANTO I, XXVIII
Belém... Onde Belém? Quais os caminhos? Quais os guias seguros? Quem pudera Nessas horas caladas ensinar-lhes Da romaria o norte? Quantos povos Bárbaros de permeio, ou quanto tempo De penosas jornadas e labores? Depois, quais os sinais? Quais os indícios, E o nome do que buscam? Como achá-lo? Em vão tentavam, ponderando o caso, Resolver estas dúvidas tremendas. Nada explicara o mensageiro augusto, Nenhum rumo apontara, - de que modo Obedecer às ordens soberanas? Porém, milagre!. .. nos sidéreos climas Uma formosa estrela, nunca vista Nas eras que passaram, fulgurante Apareceu de súbito, inundando O rio, os campos, os vergéis frondosos, Os extensos jardins, e os elevados Coruchéus dos palácios, da mais pura, Da mais serena luz que haja caído Das empíreas alturas! Tristes, pálidas,
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As mil constelações se tresmalharam Quais errantes lucíolas: a láctea Banda, que o firmamento em dois divide, Como um cinto de frágeis filigranas Na vastidão perdeu-se! - Os grandes lagos, Os tanques primorosos, as colinas Coroadas de vinhas e oliveiras, Transformaram-se em mares encantados, Ilhas de nácar, mágicos pomares, Grutas de fadas e amorosos gênios.
AE
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CANTO IV Lembra-te de teu Criador nos dias da tua mocidade, antes que venha o tempo da aflição, e cheguem os anos de que tu digas: Esta idade não me agrada: Antes que se escureça o sol, e a luz, e a lua, e as estrelas, e tornem a vir as nuvens depois da chuva: Antes que se rompa o cordão de prata, e se retire a fita de oiro, e se quebre o cântaro sobre a fonte, e se desfaça a roda sobre a cisterna. ECLESIASTES
XII, V. 1, 2, 6.
I
Quão aprazíveis são teus frescos vales, Terra de Santa Cruz! Quão majestosos São os teus altos cerras e teus montes! Quão belos os teus rios, e os alpestres, Fragosos alcantis das ribanceiras! Quais os painéis de um sonho fugitivo, Os diviso entre pálidos vapores, E revolvo a memória enfraquecida Buscando, o quê ... não sei! - Alguma coisa Que talvez existisse, ou ainda exista, Aqui, além, na terra, ou no infinito, No seio impenetrável do futuro! Ai! sim, alguma coisa que me falta, Alguma coisa que minh' alma espera Como certa, infalível, necessária, 87
E debalde procura e não encontra, E tenta dar um nome, e os frios lábios Não sabem que dizer! Meu Deus, acaso Serás tu? ... - Como a nau incendiada Que, meia oculta em turbilhões de fumo, De vermelho clarão as ondas tinge, Tal das nuvens purpúreas do Ocidente Dardeja o sol os raios derradeiros Nas soledades dos sertões Brasílios. As campinas e as selvas clareadas Pela mágica luz do cíntio globo Arreiam-se de galas, e parecem Cobertas de oiro em pó, e finas pedras.
AE
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"ESTRELAS"
Estrelas Singelas, Luzeiros Fagueiros, Esplêndidos orbes, que o mundo aclarais! Desertos e mares, - florestas vivazes! Montanhas audazes que o céu topetais! Abismos Profundos! Cavernas Eternas! Extensos, Imensos Espaços Azuis! Altares e tronos, Humildes e sábios, soberbos e grandes! Dobrai-vos ao vulto sublime da cruz! Só ela nos mostra da glória o caminho, Só ela nos fala das leis de - Jesus! CR
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"EI-NOS UNIDOS ... " Margens do Tietê, 24 de julho
Eis-nos unidos. Só a morte agora Pode a teia rasgar dos sonhos nossos. Meu Deus! Senhor meu Deus! eu tenho medo, Desta dita inefável, que derramas Sobre minha existência, em almos dias, Em noites sem iguais! Sim, quase sempre No romance da vida e desventura, Os desastres cruentos se anunciam Por um sublime prólogo!. .. Perdoa-me, Perdoa-me, Senhor, se, audaz, bafejo Meu hálito de dúvida na face Do liso espelho, que teus dons reflete! Perdoa-me! A desgraça murcha e verga Da essência humana as mais singelas flores, E quando, entre a tormenta, um raio amigo Do sol consolador vem aquecê-las, Elas não têm perfumes, que ofertar-lhe! Perdoa-me, Senhor! Creio em teu nome! Creio em tua justiça! Tenho n' alma, N'alma, que ressuscita ao grato sopro Do amor e da ventura, um mundo inteiro De perfumes, de cânticos, de flores, Que depor a teus pés! Ah! tu ouviste Minhas humildes preces, compassivo Escutaste meus votos mais ardentes! 90
Duplicaste meu ser, minha existência Na posse da mulher, que idolatrava!.. Ah! faze, grande Deus, que nossas vidas Corram tranqüilas, como agora correm; Que benditos por ti, por ti sagrados, Nossos dias unidos para sempre Sejam em teu louvor um canto eterno! DL
91
EM NOME DO AMOR
ILUSÃO
Sinistro como um fúnebre segredo Passa o vento do Norte murmurando Nos densos pinheirais; A noite é fria e triste; solitário Atravesso a cavalo a selva escura Entre sombras fatais. À medida que avanço, os pensamentos Borbulham-me no cérebro, ferventes, Como as ondas do mar; E me arrastam consigo, alucinado, À casa da formosa criatura De meu doudo cismar.
Latem os cães; as portas se franqueiam Regendo sobre os quícios; os criados Acodem pressurosos; Subo ligeiro a longa escadaria, Fazendo retinir minhas esporas Sobre os degraus lustrosos.
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No seu vasto salão iluminado, Suavemente repousando o seio Entre sedas e flores, Toda de branco, engrinaldada a fronte, Ela me espera, a linda soberana De :i:neus santos amores. Corro a seus braços trêmulo, incendido De febre e de paixão ... A noite é negra, Ruge o vento no mato; Os pinheiros se inclinam, murmurando: - Onde vai este pobre cavaleiro Com seu sonho insensato? ... VA
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IDEAL
Não és tu quem eu amo, não és! Nem Teresa também, nem Ciprina; Nem Mercedes a loura, nem mesmo A travessa e gentil Valentina. Quem eu amo, te digo, está longe; Lá nas terras do império chinês, Num palácio de louça vermelha Sobre um trono de azul japonês. Tem a cútis mais fina e brilhante Que as bandejas de cobre luzido; Uns olhinhos de amêndoas, voltados, Um nariz pequenino e torcido. Tem uns pés ... oh! que pés, Santo Deus! Mais mimosos que uns pés de criança, Uma trança de seda e tão longa Que a barriga das pernas alcança. Não és tu quem eu amo, nem Laura, Nem Mercedes, nem Lúcia, já vês; A mulher que minh' alma idolatra É princesa do império chinês.
VA 97
DEIXA-ME!*
Quando cansado da vigília insana Declino a fronte num dormir profundo, Por que teu nome vem ferir-me o ouvido, Lembrar-me o tempo que passei no mundo? Por que teu vulto se levanta airoso, Tremente em ânsias de volúpia infinda? E as formas nuas, e ofegante o seio, No meu retiro vens tentar-me ainda? Por que me falas de venturas longas, Por que me apontas um porvir de amores? E o lume pedes à fogueira extinta, Doces perfumes a polutas flores? Não basta ainda essa existência escura, Página treda que a teus pés compus? Nem essas fundas, perenais angústias, Dias sem crenças e serões sem luz? Não basta o quadro de meus verdes anos Manchado e roto, abandonado ao pó? Nem este exílio, do rumor no centro, Onde pranteio desprezado e só? * Este poema foi incluído, com ligeiras modificações, nos Cantos meridionais, sob o título de "Expiação".
98
Ah! não me lembres do passado as cenas, Nem essa jura desprendida a esmo! Guardaste a tua? a quantos outros, dize, A quantos outros não fizeste o mesmo? A quantos outros, inda os lábios quentes De ardentes beijos que eu te dera então, Não apertaste no vazio seio Entre promessas de eternal paixão? Oh! fui um doudo que segui teus passos, Que dei-te em versos da beleza a palma; Mas tudo foi-se, e esse passado negro Por que sem pena me despertas n' alma? Deixa-me agora repousar tranqüilo, Deixa-me agora dormitar em paz, E com teus risos de infernal encanto, Em meu retiro não me tentes mais! VA
99
NÃO TE ESQUEÇAS DE MIM!
Não te esqueças de mim, quando erradia Perde-se a lua no sidéreo manto; Quando a brisa estival roçar-te a fronte Não te esqueças de mim, que te amo tanto. Não te esqueças de mim, quando escutares Gemer a rola na floresta escura, E a saudosa viola do tropeiro Desfazer-se em gemido de tristura. Quando a flor do sertão, aberta a medo, Pejar os ermos de suave encanto, Lembre-te os dias que passei contigo, Não te esqueças de mim, que te amo tanto. Não te esqueças de mim, quando à tardinha Se cobrirem de névoa as serranias, E na torre alvejante o sacro bronze Docemente soar nas freguesias! Quando de noite, nos serões de inverno, A voz soltares modulando um canto, Lembre-te os versos que inspiraste ao bardo, Não te esqueças de mim, qu e te amo tanto.
100
Não te esqueças de mim, quando meus olhos Do sudário no gelo se apagarem, Quando as roxas perpétuas do finado Junto à cruz de meu leito se embalarem. Quando os anos de dor passado houverem, E o frio tempo consumir-te o pranto, Guarda ainda uma idéia a teu poeta, Não te esqueças de mim, que te amo tanto.
VA
101
SONETO
Eu passava na vida errante e vago Como o nauta perdido em noite escura, Mas tu te ergueste peregrina e pura Como o cisne inspirado em manso lago. Beijava a onda num soluço mago Das moles plumas a brilhante alvura, E a voz ungida de eternal doçura Roçava as nuvens em divino afago. Vi-te; e nas chamas de fervor profundo A teus pés afoguei a mocidade Esquecido de mim, de Deus, do mundo! Mas ai! cedo fugiste!. .. da soidade, Hoje te imploro desse amor tão fundo Uma idéia, uma queixa, uma saudade! VA
102
ELEGIA
A noite era bela, - dormente no espaço A lua soltava seus pálidos lumes, Das flores fugindo, corria lasciva, A brisa embebida de moles perfumes. Do ermo os insetos zumbiam na relva, As plantas tremiam de orvalho banhadas, E aos bandos voavam ligeiras falenas Nas folhas batendo co'as asas douradas. O túrbido manto das névoas errantes Pairava indolente no topo da serra, E aos astros, - e às nuvens - perfumes, [sussurros, Suspiros e cantos partiam da terra. Nós éramos jovens, - ardentes e sós,
Ao lado um do outro no vasto salão; E as brisas e a noite nos vinham no ouvido Cantar os mistérios de infinda paixão! Nós éramos jovens, - e a luz de seus olhos Brilhava incendida de eternos desejos, E a sombra indiscreta do níveo corpinho Sulcava-lhe os seios em brandos arquejas! 103
Nós éramos jovens, - e as balsas floridas O espaço inundavam - de quentes perfumes, E o vento chorava nas tílias do parque, E a lua soltava seus tépidos lumes!. .. Ah! mísero aquele que as sendas do mundo Trilhou sem o aroma de pálida flor, E à tumba declina, n' aurora dos sonhos, O lábio inda virgem dos beijos de amor! Não são dos invernos as frias geadas, Nem longas jornadas que os anos apontam; O tempo descora nos risos e prantos, E os dias do homem por gozos se contam. Assim nessa noite de mudas venturas, De louros eternos minh' alma enastrei, Que importa-me agora martírios e dores Se outrora dos sonhos a taça esgotei? Ah! lembra-me ainda! nem um candelabro Lançava ao recinto seu brando clarão, Apenas os raios da pálida lua Transpondo as janelas batiam no chão.
104
Vestida de branco, - nas cismas perdida, Seu mórbido rosto pousava em meu seio, E o aroma celeste das negras madeixas Minh' alma inundava de férvido anseio. Nem uma palavra seus lábios queridos Nos doces espasmos diziam-me então Que valem palavras quando ouve-se o peito E as vidas se fundem no ardor da paixão? Oh! céus! eram mundos ... ai! mais do que mundos Que a mente invadiam, de etéreo fulgor! Poemas divinos, - por Deus inspirados E a furto contados em beijos de amor! No fim do seu giro, da noite a princesa Deixou-nos unidos em brando sonhar; Correram as horas, - e a luz d' alvorada Em juras infindas nos veio encontrar! Não são dos invernos as frias geadas, Nem longas jornadas que os anos apontam, O tempo descora nos risos e prantos, E os dias do homem por dores se contam!
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Ligeira, essa noite de infindas venturas Somente em minh' alma lembranças deixou ... Três meses passaram, e o sino do templo À reza dos mortos os homens chamou! Três meses passaram, - e um lívido corpo Jazia dos círios à luz funeral, E à sombra dos mirtos, o rude coveiro Abria cantando seu leito final!. .. Nós éramos jovens, e a senda terrestre Trilhávamos juntos, de amor a sorrir, E as flores, e os ventos nos vinham no ouvido Contar os arcanos de um longo porvir! Nós éramos jovens, e as vidas, e os seios, O afeto prendera num cândido nó! Foi ela a primeira que o laço quebrando Caiu soluçando das campas no pó! Não são dos invernos as frias geadas, Nem longas jornadas que os anos apontam, O tempo descara nos risos e prantos, E os dias do homem por dores se contam! ... 1861. VA 106
VISÕES DA NOITE
Passai, tristes fantasmas! O que é feito Das mulheres que amei, gentis e puras, Umas devoram negras amarguras, Repousam outras em marmóreo leito! Outras no encalço de fatal proveito Buscam à noite as saturnais escuras, Onde empenhando as murchas formosuras Ao demônio do ouro rendem preito! Todas sem mais amor! sem mais paixões! Mais uma fibra trêmula e sentida! Mais um leve calor nos corações! Pálidas sombras de ilusão perdida, Minh'alma está deserta de emoções, Passai, passai, não me poupeis a vida!
107
JUVENÍLIA (Excertos) Poema
I
Lembras-te, Iná, dessas noites Cheias de doce harmonia, Quando a floresta gemia Do vento aos brandos açoites? Quando as estrelas sorriam, Quando as campinas tremiam Nas dobras de úmido véu? E nossas almas unidas Estreitavam-se, sentidas, Ao languor daquele céu? Lembras-te, Iná? Belo e mago, Da névoa por entre o manto, Erguia-se ao longe o canto Dos pescadores do lago. Os regatos soluçavam, Os pinheiros murmuravam No viso das cordilheiras, E a brisa lenta e tardia O chão relvoso cobria Das flores das trepadeiras. 108
Lembras-te, Iná? Eras bela, Ainda no albor da vida, Tinhas a fronte cingida De uma inocente capela. Teu seio era como a lira Que chora, canta e suspira Ao roçar de leve aragem; Teus sonhos eram suaves Como o gorjeio das aves Por entre a escura folhagem. Do mundo os negros horrores Nem pressentias sequer; Teus almos dias, mulher, Passavam num chão de flores. Oh! primavera sem termos! Brancos luares dos ermos! Auroras de amor sem fim! Fugistes deixando apenas, Por terra, esparsas as penas Das asas de um serafim!
109
Ah! Iná! Quanta esperança Eu não vi brilhar nos céus, Ao luzir dos olhos teus, A teu sorrir de criança! Quanto te amei! Que futuros! Que sonhos gratos e puros! Que crenças na eternidade! Quando a furto me falavas, E meu ser embriagavas Na febre da mocidade! Como nas noites de estio, Ao sopro do vento brando, Rola o selvagem cantando Na correnteza do rio; Assim passava eu no mundo, Nesse descuido profundo Que etérea dita produz! Tu eras, Iná, minh'alma, De meu estro a glória e a palma, De meus caminhos a luz!
110
Que é feito agora de tudo? De tanta ilusão querida? A selva não tem mais vida, O lar é deserto e mudo! Onde foste, oh! pomba errante? Bela estrela cintilante Que apontavas o porvir? Dormes acaso no fundo Do abismo tredo e profundo, Minha pérola de Ofir? Ah! Iná! por toda parte Que teu espírito esteja, Minh' alma que te deseja Não cessará de buscar-te! Irei às nuvens serenas, Vestindo as ligeiras penas Do mais ligeiro condor; Irei ao pego espumante, Como da Ásia o possante, Soberbo mergulhador!
111
Irei à pátria das fadas E dos silfos errabundos, Irei aos antros profundos Das montanhas encantadas; Se depois de imensas dores, No seio ardente de amores Eu não puder apertar-te, Quebrando a dura barreira Deste mundo de poeira, Talvez, Iná, hei de achar-te! IV
Teus olhos são negros, - negros Como a noite nas florestas ... Infeliz do viajante Se de sombras tão funestas Tanta luz não rebentasse! A aurora desponta e nasce Da noite escura e tardia: Também da noite sombria De teus olhos amorosos Partem raios mais formosos Que os raios da luz do dia. 112
Teu cabelo mais cheiroso Que o perfume dos vergéis, Na brancura imaculada Da cútis acetinada Rola em prófusos anéis: Eu quisera ter mil almas, Todas ardentes de anelos, Para prendê-las, meu anjo, À luz de teus olhos belos, Nos grilhões de teus olhares, Nos anéis de teus cabelos! VIII
Saudades! Tenho saudades Daqueles c_e rros azuis Que à tarde o sol inundava De louros toques de luz! Tenho saudades dos prados, Dos coqueiros debruçados À margem do ribeirão, E o dobre de Ave-Maria Que o sino da freguesia Lançava pela amplidão!
113
Oh! minha infância querida! Oh! doce quartel da vida, Como passaste depressa! Se tinhas de abandonar-me, Por que falsária enganar-me Com tanta meiga promessa? Ingrata, p or que te foste? Por que te foste, infiel? E a taça de etéreas ditas, As ilusões tão bonitas Cobriste de lama e fel? Eu era vivo e travesso, Tinha seis anos então, Amava os contos de fadas Contados junto ao fogão, E as cantigas compassadas, E as legendas encantadas Das eras que lá se vão. De minha mãe era o mimo, De meu pai era a esperança; Um tinha o céu, outro a glória Em meu sorrir de criança; Ambos das luzes viviam Que de meus olhos partiam. 114
Junto do alpendre sentado Brincava com minha irmã, Chamando o grupo de anjinhos Que tiritavam sozinhos Na cerração da manhã; Depois por ínvios caminhos, Por campinas orvalhadas, Ao som de ledas risadas Nos lançávamos correndo. O viandante parava Tão descuidosos nos vendo, O camponês nos saudava, A serrana nos beijava Ternas palavras dizendo. A tarde eram brincos, festas, Carreiras entre as giestas, Folguedos sobre a verdura; Nossos pais nos contemplavam, E seus seios palpitavam De uma indizível ventura. Mas ai! os anos passaram, E com eles se apagaram Tão lindos sonhos sonhados! E a primavera tardia, Que tanta flor prometia, Só trouxe acerbos cuidados! 115
Inda revejo esse dia, Cheio de dores e prantos, Em que tão puros encantos Oh! sem saber os perdia! Lembra-me ainda: era à tarde, Morria o sol entre os montes, Casava-se a voz das rolas Ao burburinho das fontes; O espaço era todo aromas, Da mata virgem nas comas Pairava um grato frescor; As criancinhas brincavam, E as violas ressoavam Na cabana do pastor. Parti, parti, mas minh' alma Partida ficou também, Metade ali, outra em penas Que mais consolo não têm! Oh! como é diverso o mundo Daquelas serras azuis, Daqueles vales que riem Do sol à dourada luz! Como diferem os homens Daqueles rudes pastores Que o rebanho apascentavam Cantando idílios de amores! 116
Subi aos paços dos nobres, Fui aos casebres dos pobres, Riqueza e miséria vi, Mas tudo é morno e cansado, Tem um gesto refalsado Nestes lugares daqui! Oh! então chorei por ti, Minha adorada mansão; Chamei-te de meu desterro, Os braços alcei-te em vão! Não mais! Os anos passaram, E com eles desbotaram Tantas rosas de esperança! Do tempo nas cinzas frias Repousam p'ra sempre os dias De meu sonhar de criança! CF
117
A FLOR DO MARACUJÁ
Pelas rosas, pelos lírios, Pelas abelhas, sinhá, Pelas notas mais chorosas Do canto do sabiá, Pelo cálice de angústias Da flor do maracujá! Pelo jasmim, pelo goivo, Pelo agreste manacá, Pelas gotas de sereno Nas folhas do gravatá, Pela coroa de espinhos Da flor do maracujá! Pelas tranças da mãe-d' água Que junto da fonte está, Pelos colibris que brincam Nas alvas plumas do ubá, Pelos cravos desenhados Na flor do maracujá. Pelas azuis borboletas Que descem do Panamá, Pelos tesouros ocultos Nas minas do Sincorá, Pelas chagas roxeadas Da flor do maracujá! 118
Pelo mar, pelo deserto, Pelas montanhas, sinhá! Pelas florestas imensas Que falam de Jeová! Pela lança ensangüentada Da flor do maracujá! Por tudo o que o céu revela! Por tudo o que a terra dá Eu te juro que minh'alma De tua alma escrava está!!. .. Guarda contigo este emblema . Da flor do maracujá! Não se enojem teus ouvidos De tantas rimas em - a Mas ouve meus juramentos, Meus cantos ouve, sinhá! Te peço pelos mistérios Da flor do maracujá! CM
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ANTONICO E CORÁ História Brasileira Homenagem ao gênio desconhecido, - à primeira inspiração brasileira, o Sr. Tenente-Coronel Antônio Galdino dos Reis
Corá tinha vinte anos, Antonico pouco mais; Eram ambos dous pombinhos Sem iguais. Amavam-se; neste afeto Ninguém dúbios laços veja, Eles estavam ligados ... Pela igreja. Corá na voz, nos requebras, Era mesmo uma espanhola, Antonico um Alexandre Na viola. Quatro anos de venturas Passaram os dous no ermo; Mas as ditas deste mundo Têm um termo.
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O nosso herói obrigado, Por uma questão urgente, Teve de deixar a esposa Da repente. Corá chorou por três noites, Por três noites lamentou-se; Mas no fim dessas três noites ... Consolou-se. Aonde fora Antonico? Bem não sei, nem bem me lembro, Findava-se o mês, suponho, De Setembro: Passou Outubro, Novembro, Dezembro e entrou Janeiro, Antonico demorou-se O ano inteiro! Corá, cujos róseos sonhos Mudavam-se em pó e fumo, Tomou sem mais cerimônias Outro rumo.
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Mas onde estava Antonico? Não sei, dessas longes plagas Guardo apenas na carteira Notas vagas. O que sei é que, no cabo De três ou de quatro meses, Procurou quem lhe fizesse Dela as vezes. (Dela, previno-te, amigo, Que me refiro a Corá, Como ao correr desta história Se verá.) Ora bem, eis envolvido Antonico um belo dia No crime horrendo que chamam Bigamia! Mísero o gênio do homem! A diversão não o cansa! Tem por lei dos atos todos A mudança!
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Dous anos mais são passados, E Antonico, quem diria! De sua segunda esposa Se enfastia! Recorda-se dos encantos, Da figura alta e faceira, Dos requebros, dos olhares Da primeira! Maldiz o gênio versátil Que o fez mudar de mulher; Nem mais um beijo à segunda Dá sequer! Jura, jura como jura Bom marido e bom cristão; Sanar de antigos direitos A lesão. Uma tarde se prepara, E a pé, qual romeiro monge, Põe-se contrito a caminho Para longe.
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Chegando à mísera aldeia, Cumprindo o triste fadário, Vai logo bater à porta Do vigário. Era tarde, mas o padre, Cheio de santo fervor, Ouviu as queixas do aflito Pecador. Meu amigo, disse, é noite, Vai dormir um poucachinho, Volta amanhã, falaremos Bem cedinho. Passa revista em teus erros, Em todos, em todos, filho, Deus te lançará de novo No bom trilho! Assim falou, e Antonico, Fazendo uma reverência, Foi conversar com a pobre Consciência.
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No dia seguinte, humilde, Nos largos peitos batendo, Voltou à casa do gordo Reverendo. Estava deitado o padre Sobre um mundo de lençóis, Na cama em que repousaram Seus avós; Cama grande, forte, larga, Fabricada para dois, Cujo peso arrastaria Trinta bois! - Bom dia, senhor vigário. - Bom dia, à confissão vem? - Sim, senhor, pode atender-me? -Muito bem: - Não é mister levantar-me, Daqui o ouço, não acha? Benzem-se e as rezas começam Em voz baixa.
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Findas as rezas: - acuse-se, Murmura o bom reverendo, Antonico enxuga os olhos E tremendo Principia: - Ah, padre, padre, Cometi um tal delito Que sou de Deus e dos homens Maldito! Dos homens ... ah! se souberem Da ação tão negra e tão feia, Por certo que apodrecera Na cadeia! - Não tenhas medo, prossegue, Filho, em tua confissão, Deus nunca nega aos culpados O perdão. Furtaste acaso? - Não, padre. - Violaste algum penhor? - Não. - Caluniaste, fala! -Fiz pior! -
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- Pior! Juraste então falso? Feriste alguém? - Não, senhor. - Mataste, filho, mataste? - Fiz pior! - Pior! Pior! Então conta O que hás feito se quiseres Que te absolva! - Ah! meu padre! Casei com duas mulheres! - Casou com duas mulheres! Com duas!! O padre exclama! E treme, agita-se, pula Sobre a cama. E uma feminil cabeça, Ao som desta rude voz, Surge dentre as vastas ondas De lençóis; E ardendo por ver o monstro Bicasado, a erguer-se vai, Quando um grito de seus lábios Rubros sai!
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- Corá!.. Exclama Antonico! - Compaixão!. .. Brada Corá. - O que é isto? Indaga o padre, -Que será? E Corá logo mergulha, Antes que a luta apareça, No meio dos travesseiros A cabeça. - O que é isto? O caso é grave, Novo, intrincado, eu o creio! Explica-te, filho, fala Sem receio. - Quer que eu fale, que me explique, Que esclareça o fato, quer? Não, dê-me sem mais rodeios A mulher! A mulher que me pertence Que aí repousa a seu lado! É isto que eu chamo um feio, Vil pecado!
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O padre franze os sobrolhos, Esfrega as orelhas bentas, Passa a língua pelos lábios, Coça as ventas. E fala: - Sossega, filho, Tudo, tudo arranjaremos, Chega-te aqui para perto, Conversemos: - Que tal a tua segunda Mulher? Faceira? Garbosa? Clara ou morena? Morena? Graciosa? - Gorda? - Gorda, sim meu padre. - Olhos negros? - Lindos olhos! - São ciladas à virtude! São escolhos! - São ... quanto a braços, pescoço, Cabelos ... - oh! lindos, belos! Que lindo colo! Que braços! Que cabelos!
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- Bonitos, hein? Diz o padre Contente esfregando as mãos, - Pois obremos, filho, como Bons cristãos: -Traze-ma, pois, e contigo Levarás esta, formosa, Legítima, incontestável Boa esposa: - A carne de tua carne, Mais o osso de teu osso; E assim se expressando, a porta Mostra ao moço. Como as cousas se passaram, Leitor, não guardo memória ... Concluí como quiserdes Esta história. CM
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ESTÂNCIAS
O que eu adoro em ti não são teus olhos, Teus lindos olhos cheios de mistério, Por cujo brilho os homens deixariam Da terra inteira o mais soberbo império. O que eu adoro em ti não são teus lábios Onde perpétua juventude mora, E encerram mais perfumes do que os vales Por entre as pompas festivais d' aurora. O que eu adoro em ti não é teu rosto Perante o qual o mármor descarara, E ao contemplar a esplêndida harmonia Fídias o mestre seu cinzel quebrara. O que eu adoro em ti não é teu colo Mais belo que o da esposa israelita, Torre de graças, encantado asilo Aonde o gênio das paixões habita. O que eu adoro em ti não são teus seios, Alvas pombinhas que dormindo gemem, E do indiscreto vôo duma abelha Cheias de medo em seu abrigo tremem.
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O que eu adoro em ti, ouve, é tu' alma Pura como o sorrir de uma criança, Alheia ao mundo, alheia aos preconceitos, Rica de crenças, rica de esperança. São as palavras de bondade infinda Que sabes murmurar aos que padecem, Os carinhos ingênuos de teus olhos Onde celestes gozos transparecem! ... Um não sei quê de grande, imaculado, Que faz-me estremecer quando tu falas, E eleva-me o pensar além dos mundos Quando abaixando as pálpebras te calas. E por isso em meus sonhos sempre vi-te Entre nuvens de incenso em aras santas, E das turbas solícitas no meio Também contrito hei te beijado as plantas. E como és linda assim! Chamas divinas Cercam-te as faces plácidas e belas, Um longo manto pende-te dos ombros Salpicado de nítidas estrelas!
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Na douda pira de um amor terrestre Pensei sagrar-te o coração demente ... Mas ao mirar-te deslumbrou-me o raio ... Tinhas nos olhos o perdão somente!
CE
133
AS LETRAS
Na tênue casca de verde arbusto Gravei teu nome, depois parti; Foram-se os anos, foram-se os meses, Foram-se os dias, acho-me aqui. Mas ai! o arbusto se fez tão alto, Teu nome erguendo, que mais não vi! E nessas letras que aos céus subiam Meus belos sonhos de amor perdi.
CE
134
CIDADE VERSUS CAMPO
ARQUÉTIPO
Ele era belo; na espaçosa fronte O dedo do Senhor gravado havia O sigilo do gênio; em seu caminho O hino da tnanhã soava ainda, E os pássaros da selva gorjeando Saudavam-lhe a passagem neste mundo. Sim, era uma criança, e no entanto Friez de morte lhe coava n' alma! O seu riso era triste como o inverno, E dos olhos cansados, nem um raio Nem um clarão, nem pálido lampejo Da mocidade o fogo revelavam! Era-lhe a vida uma comédia insípida, Estúpida e sem graça, - ele a passava Com a fria indiferença do marujo Que fuma o seu cachimbo reclinado Na proa do navio olhando as vagas, - Vivia por viver.... porque vivia.
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Em nada acreditava; há muito tempo Que a idéia de Deus soprara d' alma Como das botas a poeira incômoda. O Evangelho era um livro de anedotas, Beethoven torturava-lhe os ouvidos, A Poesia provocava o sono. Muita donzela suspirou por ele, Muita beleza lhe dormiu nos braços, Mas frio como o gênio da descrença, Após um'hora de gozar maldito, Saciado as deixou, como o conviva A mesa do festim, - farto e cansado. Era mais caprichoso, - mais bizarro Do que um filho de Álbion, mais volúvel Que um profundo político; uma tarde Após haver jantado, recordou-se Que ainda era solteiro; pelo Papa! - É preciso tentar, disse consigo.
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Quatro dias depois tinha casado. Escolhera uma noiva descuidoso, Como um brinco chinês - um livro in-fólio, Ao altar conduziu-a, distraído, E as juras divinais do casamento Repetiu bocejando ao sacerdote. Como tudo na vida, o matrimônio Bem cedo o aborreceu; após três meses Disse Adeus à mulher que pranteava, E acendendo um cigarro, a passos lentos Dirigiu-se ao teatro onde assistiu A um drama de Feuillet, - quase dormindo. Por fim de contas, uma noite bela, Depois de ter ceado entre dous padres, Em casa de morena Cidalisa, Pegou numa pistola e entre as fumaças De saboroso - Havana - à eternidade Foi ver se divertia-se um momento. São Paulo -1861. N
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AS SELVAS
Selvas do Novo Mundo, amplos zimbórios, Mares de sombra e ondas de verdura, Povo de Atlantes soberano e mudo Em cujos mantos o tufão murmura. Salve! minh' alma vos procura embalde; Embalde triste vos estendo os braços ... Cercam-me o corpo rebatidos muros, Prendem-me as plantas enredados laços!. .. Pátria da liberdade! antros profundos; Vastos palácios; eternais castelos, Mandai-me os gênios das sombrias grutas De meus grilhões espedaçar os elos!. .. Ah! que eu não possa-me esquivar dos homens, Matar a febre que meu ser consome, E entre alegrias me arrojar cantando Nas secas folhas do sertão sem nome! Ah! que eu não possa desprender aos ermos O fogo ardente que meu crânio encerra; Gastar os dias entre o espaço e Deus Nas matas virgens da colúmbia terra!
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Eu não detesto nem maldigo a vida, Nem do despeito me remorde a chaga, Mas ah! sou pobre, pequenino e débil E sobre a estrada o viajor me esmaga! Que faço triste no rumor das praças? Que busco pasmo nos salões dourados? Verme do lodo me desprezam todos, O pobre, e os grandes de esplendor cercados! Fere-me os olhos o clarão do mundo, Rasgam-me o seio prematuras dores, E à mágoa insana que me enluta as noites, Declino à campa na estação das flores. E há tanto encanto nas florestas virgens; Tanta beleza do sertão na sombra; Tanta harmonia no correr do rio; Tanta delícia na campestre alfombra; Que inda pudera reviver de novo, E entre venturas flutuar minh' alma, Fanada planta que mendiga apenas A noite, o orvalho, a viração e a calma!
VA 141
NO ERMO
Salve! erguidas cordilheiras, Brenhas, rochas altaneiras, Donde as alvas cachoeiras Se arrojam troando os ares! Folhas que rangem caindo, Feras que passam rugindo, Gênios que dormem sorrindo No fresco chão dos palmares! Salve! florestas sombrias, Onde as rijas ventanias Acordam mil harmonias Na doce quadra estival! Rolas gentis que suspiram, Louras abelhas que giram Sobre as flores que transpiram No seio do taquaral! Salve! esplêndida espessura, Mares de sombra e verdura Donde a brisa etérea e pura Faz brotar a inspiração, Quando à luz dos vaga-lumes, Da mariposa aos cardumes Se casam moles queixumes Dos filhos da solidão! 142
Ah! que eu não possa me afastar das turbas, Curar a febre que meu ser consome, E entre alegrias me atirar cantando Nas secas folhas do sertão sem nome. Ah! que eu não possa desprender aos ermos O fogo ardente que meu crânio encerra, Gastar os dias entre Deus e os gênios Nas matas virgens da Cabrália terra! Eu não detesto nem maldigo a vida; Nem do despeito me remorde a chaga, Mas ai! sou pobre, pequenino e débil, E sobre a estrada o viajor me esmaga! Fere-me os olhos o clarão do mundo, Rasgam-me o seio prematuras dores, E a mágoa insana que me enluta as noites Declino à campa na estação das flores! E há tanto encanto nos desertos vastos, Tanta beleza do sertão na sombra, Tanta harmonia no correr do rio, Tanta doçura na campestre alfombra,
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Que inda pudera se alentar de novo E entre delícias flutuar minh' alma, Fanada planta que mendiga apenas O orvalho, a noite, a viração e a calma! Abre-me os braços, ó fada, Fada do ermo profundo, Onde o bulício do mundo Não ousa sequer bater! Oh! quero tudo esquecer, Tudo o que aos homens seduz, Beber uma nova vida E a fronte elevar ungida De santas crenças à luz! Glória, futuro ... o que valem Futuro e glórias de pó, Sem gratos sonhos que embalem O triste descrido e só? De que serve o ouro, a fama, Um nome, - pálida chama Quando à noite junto à cama
144
Só há martírios e dores? Quando a aurora é sem belezas, Cheias de espinho as devesas, E a tarde só tem tristezas Em vez de cantos e flores! CF
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A CIDADE A meu predileto amigo o sr. dr. Betoldi A cidade ali está com seus enganos, Seu cortejo de vícios e traições, Seus vastos templos, seu bazares amplos, Seus ricos paços, seus bordéis - salões. A cidade ali está, - sobre seus tetos Paira dos arsenais o fumo espesso, Rolam nas ruas da vaidade os coches E ri-se o crime à sombra do progresso. A cidade ali está, sob os alpendres Dorme o mendigo ao sol do meio-dia, Chora a viúva em úmido tugúrio, Canta na catedral a hipocrisia. A cidade ali está, - com ela o erro, A perfídia, a mentira, a desventura ... Como é suave o aroma das florestas! Como é doce das serras a frescura! A cidade ali está, - cada passante Que se envolve das turbas no bulício Tem a maldade sobre a fronte escrita, Tem na língua o veneno e n' alma o vício.
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Não, não é na cidade que se formam Os fortes corações, as crenças grandes, Como também nos charcos das planícies Não é que gera-se o condor dos Andes! Não, não é na cidade que as virtudes, As vocações eleitas resplandecem, Flores de ar livre, à sombra das muralhas Pendem cedo a cabeça e amarelecem. Quanta cena infernal sob essas telhas! Quanto infantil vagido de agonia! Quanto adultério! Quanto escuro incesto! Quanta infâmia escondida à luz do dia! Quanta atroz injustiça e quantos prantos! Quanto drama fatal! Quantos pesares! Quanta fronte celeste profanada! Quanta virgem vendida aos lupanares! Quanto talento desbotado e morto! Quanto gênio atirado a quem mais der! Quanta afeição cortada! Quanta dúvida Num carinho de mãe ou de mulher!
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Eis a cidade! Ali a guerra, as trevas, A lama, a podridão, a iniqüidade; Aqui o céu azul, as selvas virgens, O ar, a luz, a vida, a liberdade! Ali, medonhos, sórdidos alcouces, Antros de perdição, covis escuros Onde ao clarão de baços candieiros Passam da noite os lêmures impuros; E abalroam-se as múmias coroadas, Corpos de lepra e de infecção cobertos; Em cujos membros mordem-se raivosos Os vermes pelas sedas encobertos! Aqui verdes campinas, altos montes, Regatos de cristal, matas viçosas, Borboletas azuis, loiras abelhas, Hinos de amor, canções melodiosas. Ali a honra e o mérito esquecidos, Mortas as crenças, mortos os afetos; Os lares sem legenda, a musa exposta Aos dentes vis de perros abjetos!
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Presa a virtude ao cofre dos banqueiros, A lei de Deus entregue aos histriões! Em cada rosto o selo do egoísmo! Em cada peito um mundo de traições! Depois o jogo, - a embriaguez, o roubo, A febre nos ladrilhos do prostíbulo, O hospital, a prisão ... por desenredo A imagem pavorosa do pahbulo! Eis a cidade! ... - Aqui a paz constante, Serena a consciência, alegre a vida, Formoso o dia, a noite sem remorsos, Pródiga a terra, nossa mãe querida! Salve, florestas virgens! Rudes serras! Templos da imorredoura liberdade! Salve! Três vezes salve! Em teus asilos Sinto-me grande, vejo a divindade! CM
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O CAVALO
Corre, voa, transpõe os outeiros, Corta os charcos de sombra cobertos, Quebra as pedras, escarva as planícies, Vinga os cerras, - devora os desertos! Vamos, meu cavalo branco, Minha neblina veloz, Deixemos campos e prados, Sarças, brejos e valados, Ermos, vilas, povoados, E - os homens, atrás de nós! Vamos, vamos, busquemos as terras Onde habitam meus doudos amores, Onde espera por mim, ansiosa, A mais lânguida flor, entre as flores. Onde tudo é liberdade, Vida, calor, gozo e luz; Onde as plácidas campinas Regurgitam de boninas Às carícias peregrinas De um sol que sempre reluz!
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Bebe a plenos pulmões as bafagens Desta noite sombria, mas pura; Deixa as feras rugirem no mato, Deixa o inseto chilrar na espessura! Deixa que gema nas rochas O mocho embusteiro e vil, Que as cobras no chão rastejem, Que os fogos-fátuos doudejem, Que as feiticeiras praguejem, Que pulem demônios mil! Não és tu destemido e valente? Não palpitas de seiva e de vida? Tantas vezes por brenhas e gandras Não venceste o tufão na corrida? Bem poucos homens, bem poucos Te igualam, nobre animal! Raros na vivacidade ... Talvez alguns na amizade, Mas nenhum na lealdade! Na intrepidez natural!
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Como rasgas as trevas garboso! Ah! como elas te lambem as ancas! Como aos ventos sacodes ousado Essas crinas espessas e brancas! A teus pés saltam centelhas, Rebentam rubros fuzis, E os festões das amoreiras, E as selvagens trepadeiras Curvam-se humildes, rasteiras, Beijam-te os cascos, servis. Mil figuras estranhas te espreitam, Convulsivas, na margem da estrada, Depois fogem silvando, e se escondem No remanso da mata cerrada. Mil muralhas, mil colunas, Mil orgulhosos frontais, Mil capitéis trabalhosos, Fustes, pilares pomposos Se levantam portentosos A cada salto que dás!
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Novos mundos parece que vejo, Novo solo parece que pisas, Novos cantos escuto no espaço, Novas queixas nas asas das brisas! Corre, meu bom companheiro, Voa, meu bravo corcel, Somos livres como os ares As serras com seus palmares, O sertão com seus jaguares, Os astros com seu dossel! Corre, voa, transpõe os outeiros, Corta os charcos de sombra cobertos, Quebra as pedras, escarva as planícies, Vinga os cerras, - domina os desertos! CM
153
A ROÇA
O balanço da rede, o bom fogo Sob um teto de humilde sapé; A palestra, os lundus, a viola, O cigarro, a modinha, o café; Um robusto alazão, mais ligeiro Do que o vento que vem do sertão, Negras crinas, olhar de tormenta, Pés que apenas rastejam no chão; E depois um sorrir de roceira, Meigos gestos, requebras de amor; Seios nus, braços nus, tranças soltas, Moles falas, idade de flor; Beijos dados sem medo ao ar livre, Risos francos, alegres serões, Mil brinquedos no campo ao sol posto, Ao surgir da manhã mil canções. Eis a vida nas vastas planícies Ou nos montes da terra da Cruz, Sobre um solo só flores e glórias, Sob um céu só magia e só luz.
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Belos ermos, risonhos desertos, Livres serras, extensos maméis, Onde muge o novilho anafado, Onde nitrem fogosos corcéis; Onde a infância passei descuidoso, Onde tantos idílios sonhei, Onde ao som dos pandeiros ruidosos Tantas danças da roça dancei! Onde a viva e gentil mocidade Num contínuo folgar consumi, Como longe avultais no passado! Como longe vos vejo daqui! Se eu tivesse por livro as florestas, Se eu tivesse por mestre a amplidão, Por amigos as plantas e as aves, Uma flecha e um cocar por brasão; Não manchara minh' alma inspirada, Não gastara meu próprio vigor, Não cobrira de lama e de escárnios Meus lauréis de poeta e cantor!
155
Voto horror às grandezas do mundo, Mar coberto de horríveis parcéis, Vejo as pompas e galas da vida De um sendal de poeira através. Ah! nem creio na humana ciência, Triste acervo de enganos fatais, O clarão do saber verdadeiro Não fulgura aos olhares mortais! Mas um gênio impiedoso me arrasta, Me arremessa do vulgo ao vaivém, E eu soluço nas sombras olhando Minhas serras queridas além!
CM
156
EM VIAGEM
A vida nas cidades me enfastia, Enoja-me o tropel das multidões, O sopro do egoísmo e do interesse Mata-me n' alma a flor das ilusões. Mata-me n' alma a flor das ilusões Tanta mentira, tão fingido rir, E cheio e farto de tristeza e tédio Rejeito as glórias de falaz porvir! Rejeito as glórias de falaz porvir, Galas e festas, o prazer talvez, E busco altivo as solidões profundas Que dormem quedas do Senhor aos pés. Que dormem quedas do Senhor aos pés, Ao doce brilho dos clarões astrais, Ricas de gozos que não tem o mundo, Pródigas sempre de beleza e paz! CE
157
PAISAGENS
SONETO
Desponta a estrela d' alva, a noite morre, Pulam no mato alígeros cantores, E doce a brisa no arraial das flores, Lânguidas queixas murmurando, corre. Volúvel tribo a solidão percorre Das borboletas de brilhantes cores; Soluça o arroio; diz a rola amores Nas verdes balsas donde o orvalho escorre. Tudo é luz e esplendor; tudo se esfuma Às carícias d'aurora, ao céu risonho, Ao flóreo bafo que o sertão perfuma! Porém minh' alma triste e sem um sonho Repete olhando o prado, o rio, a espuma: - Oh! mundo encantador, tu és medonho! VA
161
CANTIGA
Viajante que deixaste As ondas do Panamá, Vela ao entrares no porto Aonde o gigante está. Ele dorme, dorme, dorme, Mas nem sempre dormirá, Basta um bafejo, um sussurro Que o gigante acordará! Viste as montanhas e os vales Daquelas terras de lá, Talvez as veigas da Itália E as rosas de Bagdá. Mas uma plaga como esta Nunca enxergaste quiçá, Viajante que deixaste As ondas do Panamá! Contempla os índios valentes Das florestas do Pará, Escuta os sons das cascatas E os cantos do sabiá.
162
Curva-te ao guarda soberbo Que junto da barra está, Mede as vagas do Amazonas E os campos de Paraná. Colhe do rio nas margens As brancas flores do ingá, Dorme à sombra majestosa Do excelso jequitibá. Volta depois a teus lares, Conta o que viste por cá, Viajante que deixaste As ondas do Panamá! Mas olha que junto ao porto Soberbo gigante está, Ele dorme, dorme, dorme, Mas nem sempre dormirá!
VA
163
O SABIÁ (Cançoneta)
Oh! meu sabiá formoso, Sonoroso, Já desponta a madrugada, Desabrocha a linda rosa Donairosa, Sobre a campina orvalhada. Manso o regato murmura Na verdura Descrevendo giros mil, Some-se a estrela brilhante, Vacilante No horizonte cor de anil. Ergue-te, oh meu p assarinho, De teu ninho, Vem gozar da madrugada, Modula teu terno canto, Doce encanto De minh' alma amargurada.
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Vem junto à minha janela, Sobre a bela Verdejante laranjeira, Beber o eflúvio das flores, Teus amores, Nas asas de aura fagueira. Desprende a voz adorada, Namorada, Poeta da solidão, Ah! vem lançar com encanto Mais um canto No livro da criação! Oh! meu sabiá formoso, Sonoroso, Já desponta a madrugada; Deixa teu ninho altaneiro, Vem ligeiro Saudar a luz d' alvorada.
VA
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OMAR
Sacode as vagas de teu dorso imenso, Oh profundo oceano! Ergue-as altivas Com seus frígios barretes! Em vão tentam Lutar contigo temerárias frotas, Traçar-te raias a vaidade humana! Tu és eterno e vasto como o espaço, Livre como a vontade onipotente. Régio manto do globo! povo infindo De soberbos Titãs! gênio d a força, Salve três vezes!. .. Das espáduas amplas Derribas todo o jugo que te oprime, Tragas gigantes de carvalho e cedro, E a fronte erguendo majestosa e bela Diademas de pérolas atiras Às estrelas do céu, e ao mundo cospes A férvida saliva em desafio! Quantos impérios celebrados, fortes, Não floresceram de teu trono às bases, Sublime potestade! e onde estão eles? O que é feito de Roma, Assíria e Grécia,
166
Cartago, a valorosa? As vagas tuas Lambiam-lhe os muros, quer nos tempos De paz e de bonança, quer na quadra Em que chuvas de setas se cruzavam À face torva das hostis falanges! Tudo esb'rou-se, se desfez em cinzas, Sumiu-se corno os traços que o romeiro Deixa da Núbia na revolta areia! Só tu, oh mar, sem termos, imutável Corno o quadrante lúgubre do tempo, Ruges, palpitas sem grilhões nem peias! Nunca na face desse azul sombrio, Onde tranqüilas, ao chorar das brisas, Poesias do céu, flores do éter, As estrelas se miram namoradas, Nunca o fogo e a lava, a guerra e a morte, A armada dos tiranos há deixado Um vestígio sequer de seus destroços! Tal corno à tarde do primeiro dia Que ao orbe clareou, hoje te ostentas Na tua majestade horrenda e bela!
167
Espelho glorioso onde entre fogos Se mostra onipotente, nas tormentas, A face do Senhor! Monstro sublime Cujas garras de ferro o globo abraçam Até que um dia, quem o sabe? exausto Lance o último alento! ah! no teu seio Talvez tremendo espírito se agite, Misto sombrio de paixões sem freios, Cuja expressão vislumbra-te no rosto, Ora hediondo de compressos músculos, Ora suave como o louro infante Sobre o seio materno, ora cruento Gotejando suor, escuma e raiva! Níobe eterna! de teu ventre túmido Os monstros dos abismos rebentaram, Em cujo dorso de argentadas conchas Os raios das estrelas resvalavam; De teu lodo fecundo, inextinguível, Brotaram continentes cujas grimpas Iam bater n' abóbada cerúlea; Teus paços de coral e de esmeraldas Encerravam princesas vaporosas, Louras andinas, encantados gênios, Soberbas divindades! Entretanto 168
Viste tudo cair! riscada a Atlântida Da face do universo, os brônzeos deuses Desterrados p'ra sempre, e só restou-te Uma voz gemedora que chorava: - Já não vive o deus Pan! oh! Pan é morto! Oceano sem fundo! vagas túmidas, Abismo de mistério, ah! desde a infância, Preso na teia da atração divina, Eu vos busquei sedento! sobre as praias, Curvas como os alfanges dos eunucos, Eu me perdia nos dourados dias Da santa primavera, ouvindo os brados Dos marinhos corcéis, molhando as plantas Na gase salitrosa que envolvia A areia cintilante! após mais tarde Sentavam-me no cimo dos rochedos, Suspirando de amor aos verdes olhos, Aos moles braços que do salso leito Erguiam-se tão meigos e adorados!. .. Amo-te ainda, oh mar! amo-te muito, Mas não tranqüilo umedecendo a proa Da gôndola lasciva, nem chorando Às carícias da lua! Amo-te horrível, 169
Arrogante e soberbo, repelindo Os furacões que roçam-te nas crinas, Quebrando a asa de fogo que das nuvens Procura-te domar, batendo a terra Com teus flancos robustos, levantando Triunfante e feroz no tredo espaço A cabeça vendada de ardentias! Amo-te assim, oh mar, porque minh' alma Vê-te imenso e potente, desdenhoso Rindo às quimeras da cobiça humana! Amo-te assim! ditoso no teu seio Zombo do mundo que meu ser esmaga, Sou livre como as vagas que me cercam E só à tempestade e a Deus respeito. Salve, oceano onipotente e eterno! Santo espelho de Deus, três vezes salve! VA
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SEXTILHAS
Amo o cantor solitário Que chora no campanário Do mosteiro abandonado, E a trepadeira espinhosa Que se abraça caprichosa À força do condenado. Amo os noturnos lampírios Que giram, errantes círios, Sobre o chão dos cemitérios, E ao clarão de tredas luzes Fazem destacar as cruzes De seu fundo de mistérios. Amo as tímidas aranhas Que lacerando as entranhas Fabricam dourados fios, E com seus leves tecidos, Dos tugúrios esquecidos Cobrem os muros sombrios.
171
Amo a lagarta que dorme, Nojenta, lânguida, informe, Por entre as ervas rasteiras, E as rãs que os pauis habitam, E os moluscos que palpitam Sob as vagas altaneiras! Amo-os, porque todo o mundo Lhes vota um ódio profundo, Despreza-os sem compaixão! Porque todos desconhecem As dores que eles padecem No meio da criação! CF
172
O OCEANO
Tu és a idéia mais soberba e vasta Que do gênio de Deus há rebentado, Oh! mar nunca vencido! A Eternidade Revela-se em teus brados furibundos Quando alta noite as vagas se abalroam Coroados de elétricas centelhas; A Inteligência soberana e excelsa Ostenta-se em teu rosto à madrugada Quando a essência da luz profliga as sombras E o globo inunda de esplendor e glórias ... Guarda o mistério de teu seio augusto! Não serei eu - misérrimo! - quem busque Solevantar-lhe o véu! - Dentro em minh'alma Na dor que me consome te concebo, Basta-me ver-te das espáduas amplas Sacudir as armadas dos tiranos, Basta-me à noite pressentir-te ao longe Atirando garboso às nebulosas Diademas de pérolas nevadas, Basta-me apenas contemplar-te, altivo, Cuspindo aos homens que a teus pés rastejam A férvida saliva do desprezo! Quantos impérios celebrados, fortes, Não floresceram de teu trono às bases, 173
Sublime potestade! E onde estão eles? O que é feito da Grécia, Tiro e Roma, Cartago a valerosa? As vagas tuas Lambiam-lhes os muros, quer nos tempos De paz e de bonança, - quer na quadra Em que chuvas de setas se cruzavam À face torva d as hostis falanges! Tudo aluiu-se, transformou-se em cinzas, Sumiu-se como os traços que o romeiro Deixa da Núbia na revolta areia! Só tu, oh! mar sem termos, imutável Como o quadrante lúgubre do tempo, Ruges, palpitas sem grilhões nem peias! Nunca na face desse azul sombrio, Onde tranqüilas, ao soprar das brisas, Poesias do céu, flores do éter, As estrelas se miram namoradas, Nunca o fogo e a lava, a guerra e a morte, As frotas dos tiranos hão deixado Um vestígio sequer de seus ultrajes! Tal como à tard e do primeiro dia Que o espaço desflorou, hoje te ostentas Na tua majestade horrenda e bela! Espelho glorioso onde entre fogos Se mira onipotente, nas tormentas, 174
A face do senhor! Monstro atrevido Cujas garras de bronze o globo abraçam, Até que um dia - quem o sabe! - exausto Lance o alento final! ... ai! no teu seio Talvez tremendo espírito se agite, Misto ignoto de paixões sem freios, Cuja expressão deslumbra-te nas faces, Ora hediondas de compressos músculos, Ora doridas como a virgem morta Na flor da juventude, ora risonhas Como a loura criança que repousa Sobre o colo matemo adormecida! Níobe eterna! de teu ventre túmido Os gigantes do abismo apareceram, Em cujo dorso de argentadas conchas Os raios das estrelas resvalavam. De teu lodo fecundo, inextinguível, Brotaram continentes, cujas grimpas Iam bater na abóbada cerúlea; Teus paços de coral e de esmeraldas Encerravam princesas vaporosas, Louras ondinas, encantados gênios, Soberbas divindades! Entretanto Viste tudo passar! Perdeu-se a Atlântida, 175
Sumiram-se na sombra os brônzeos deuses, E nem restou-te aquela que nascida De teus flocos de espuma deslumbrara O Olimpo e a terra com seus olhos langues! Oceano sem fundo! Antros sem nome! Moradas da poesia e da tristeza! Emblema do infinito ... ai! desde a infância Preso na teia de atração divina, Eu vos busquei sedento! Sobre as praias Curvas como os alfanges dos Mouriscos Eu me perdia nos dourados dias, Na santa primavera, ouvindo os rinchos Dos marinhos corcéis, molhando as plantas Na gaza salitrosa que envolvia A areia cintilante! Horas e horas Passava no fastígio dos rochedos, Fitos os olhos na planície imensa, Como tentando compreender a história Desse elemento indômito e terrível!. .. Amo-te ainda, oh! mar! amo-te muito! Mas não tranqüilo umedecendo a proa Da gôndola lasciva, nem chorando Aos olhares da lua! Amo-te ousado, Violento, estrondoso, repelindo 176
Os vendavais que roçam-te nas crinas; Quebrando a asa de fogo que das nuvens Procura te domar; batendo a terra Com teus flancos robustos; levantando Triunfante e feroz no tredo espaço A cabeça vendada de ardentias! Amo-te assim, oh! mar! porque minh' alma Vê-te imenso e potente, desdenhoso As humanas cobiças derribando! Amo-te assim; ditoso no teu seio, Zombo do mundo que meu ser esmaga, Sou livre como as ondas que me cercam, E só à tempestade e a Deus me curvo! CF
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O VAGA-LUME
Quem és tu, pobre vivente, Que passas triste, sozinho, Trazendo os raios da estrela E as asas do passarinho? A noite é negra, raivosos · Os ventos sopram do sul, Não temes, doudo, que apaguem A tua lanterna azul? Quando apareces, o lago De estranhas luzes fulgura, Os mochos voam medrosos Buscando a floresta escura. As folhas brilham, refletem, Como espelhos de esmeralda, Fulge o íris nas torrentes Da serrania na fralda. O grilo salta das sarças, Pulam gênios nos palmares, Começa o baile dos silfos No seio dos nenufares.
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A tribo das borboletas, Das borboletas azuis, Segue teus giros no espaço, Mimosa gota de luz. São elas flores sem hástea, Tu és estrela sem céu, Procuram elas as chamas, Tu amas da noite o véu!. .. Onde vais, pobre vivente, Onde vais, triste, mesquinho, Levando os raios da estrela Nas asas do passarinho?
CE
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HINO À AURORA (Rig-Veda, I, 8)
Ela mostrou-se enfim! Ela mostrou-se enfim a mais formosa, A mais bela das luzes! Por esse azul cetim Caminhando tão linda e tão garbosa, Aonde nos conduzes? Aonde, branca Aurora? Filha também do Sol, a Noite escura Tua estrada marcou. Com as lágrimas que chora, A vasta senda da eternal planura Ao passar orvalhou. Unidas pelo berço, Ambas iguais, eternas, sucessivas Na marcha e na existência, Percorreis o universo, Aurora e Noite, sempre redivivas, Opostas na aparência.
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Rósea filha do Dia, Brilhante a nossos olhos apareces, Cheia de glória e amor; E espalhas a harmonia, A vida, o gozo, ao mundo que esclareces Com teu sacro esplendor. Segues a mesma senda Das auroras passadas, e precedes As que estão no futuro. Rasgas da Sombra a venda, E os negros planos previdente impedes Do crime hórrido, escuro. Há muito que passaram Os que viram no céu luzir outrora Teu fúlgido clarão. Seus olhos se apagaram, E nós por nossa vez também agora Vemos-te n' amplidão. CE
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A POESIA NO ESPELHO
QUEIXAS DO POETA
Ao cedro majestoso que o firmamento espana Ligou a mão de Deus a úmida liana; Às amplas soledades arroios amorosos; Às selvas passarinhos de cantos sonorosos; Neblinas às montanhas; aos mares virações; Ao céu mundos e mundos de fúlgidos clarões; Mas presa de uma dor tantálica e secreta Sozinho fez brotar o gênio do poeta!. .. A aurora tem cantigas e a mocidade rosas, O sono do opulento visões deliciosas; Nas ondas cristalinas espelham-se as estrelas, E as noites desta terra têm seduções tão belas, Que as plantas, os rochedos e os homens eletrizam, E os mais dourados sonhos na vida realizam! Mas triste, do martírio ferido pela seta, Soluça no silêncio o mísero poeta!. .. As auras do verão, nas regiões formosas Do mundo Americano, as virações cheirosas Parecem confundidas rolar por sobre as flores Que exalam da corola balsâmicos odores; As leves borboletas em bandos esvoaçam; Os reptis na sombra às árvores se enlaçam; Mas só, sem o consolo de um' alma predileta, Descora no desterro a fronte do poeta!. .. O viajor que à tarde sobre os outeiros passa 185
Divisa junto às selvas um fio de fumaça Erguer-se preguiçoso da choça hospitaleira Pousada alegremente de um ribeirão à beira; Ali junto dos seus descansa o lavrador Dos homens afastado e longe do rumor; Mas no recinto escuro que o desalento infecta Sucumbe lentamente o gênio do poeta!. .. No rio caudaloso que a solidão retalha, Da funda correnteza na límpida toalha, Deslizam mansamente as garças alvejantes; Nos trêmulos cipós de orvalho gotejantes, Embalam-se avezinhas de penas multicores Pejando a mata virgem de cânticos de amores; Mas presa de uma dor tantálica e secreta De dia em dia murcha o louro do poeta!. .. CF
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ACÚSMATA (Fragmento)
POETA
Como se arrasta lentamente o tempo! Como tarda o repouso! Como pesa Sobre a lívida fronte do poeta Esta brônzea cadeia de agonias Que chamamos a vida! Este motejo Lancinante da sorte que resume, Contraditória, atroz, inexorável, Em dias contingentes de existência, A eternidade de um sofrer sem nome! Meia-noite! Hora fúnebre e tremenda! Férreo vibrar de ríspido martelo Que os demônios acorda, e as larvas ergue Nos dormitórios úmidos da morte. Lugar-comum dos bardos da descrença! Momento de terror, risos, facécias, Remorsos e pesar! Instante augusto Em que Ela desce muita vez das nuvens E vem sentar-se de meu leito à borda!. ..
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Quero chorar. Mas não, não, que meus olhos Têm pudor, não choram! E contudo Sinto-os num mar de lágrimas perdidos! Sinto que o pranto sobe-me do seio! Sinto que o pranto desce-me do cérebro! Sinto que o pranto escalda-me as retinas! Sinto que fui feliz, e nessa quadra Nem tristezas cantei, nem amarguras, Mas Deus, a vida, a mocidade e a glória! Detesto a escola fúnebre, e mentida, De gordos desditosos que padecem Os reveses da sorte em lauta mesa. Detesto os cantos céticos, descrentes, De rosados ateus, sábios efêmeros, Ímpios provocadores da desgraça. Detesto-os, porque sofro, e sofro muito, Porque suporto um peso de misérias, Tão grande que roxeia-me as espáduas! Da natureza às múltiplas facetas Tenho um plano pedido, onde, traçada, Veja nova existência; ao belo, à arte, Mesma súplica hei feito; ao movimento, Aos labores mais duros, aos trabalhos 188
Mais ásperos da vida, hei mendigado Uma nuvem de paz, um véu de olvido! E tudo é mudo! O que me resta agora? O sossego da morte, a cinza, o nada!. .. Morrer... cair... mudar... deixar o asilo De uma prisão de carne e de misérias Por um mundo ignoto! Aos ventos soltos Desprender os andrajos derradeiros De uma sórdida veste, e desnudado Tiritar nos desertos do invisível! Arrancar da esperança o último broto! Deixar a própria dor que obstinada Há temido a razão milhões de vezes!. .. E no entanto eu tenho a noite n' alma! E o descampado horrendo, estéril, vasto, Há sucedido ao gênio que acendia As fibras de meu crânio! ... - Se contudo Uma réstia de luz brilhasse ao menos! Se uma voz me falasse! Se uma gota Das lágrimas que vertes por meu fado, Anjo de piedade e de candura, Me tombasse no seio, então quem sabe! ...
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Mentira! tudo é quedo, imóvel, frio! O vento passa, os espinheiros gemem Torcendo os galhos secos, dir-se-ia Que ameaçam as nuvens! Bem, morramos, Tem belezas o pó, sonhos a tumba, E a morte que os estultos amedronta Brota a meus olhos pensativa e meiga, Coroada de flores mais formosas Que as tristes rosas dos jardins dos homens! Somos a idéia, o sentimento, a essência Da criação inteira; a íntima nota De quanto brilha, corre, canta e chora; Somos o fluido eterno, que circula, Envolve o globo, os seres, e penetra-os De um infinito amor; somos a cítara Onde o sopro de Deus roça inflamado, E sacode no espaço a paz aos homens Num turbilhão de notas amorosas.
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POETA
Quem o sentido revelar pudera Desse rumor confuso, imenso e vago, Que se eleva da terra, semelhante Ao ressonar dos gênios adormidos? É o prazer que fala ou a tristeza? Reflete, sente o globo, ou condenado A cruento penar, delira e geme, E se desfaz em pragas horrorosas? Ah! mistério tremendo! Ah! fundo arcano! As ÁRVORES Por que te afliges, mísero poeta? Não nos conheces mais? - Olha, contempla, E nestes troncos ásperos, nodosos, Verás feições amigas. Nesta queixa Que de nossas folhagens se desprende, Escutarás de novo o meigo timbre De teus sócios de infância. Nesta sombra Que alongamos do chão, verás o leito, Onde, tantos momentos, repousaste.
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Ah! eras belo nesse tempo! A aurora Tinha-te posto toda a luz nos olhos! Quando passavas, teu caminho ledo De frescura e de folhas alfombrávamos!. .. E tu partiste, ingrato, e tu partiste! E trocaste o sossego do deserto Pelo fulgor das salas dos palácios! Pelos fingidos risos da mentira! Pela voragem negra onde soluças!. ..
As
FLORES
Somos dos astros amorosas noivas, Cada noite uma estrela nos envolve Na tela luminosa, e nos transporta A seu fúlgido leito. À madrugada Fugimos de seus braços, e medrosas Caímos sobre os campos. Nossos seios Trazem ainda o aroma dos cabelos Dos celestes esposos; nossas faces Estão rubras ainda de seus b eijos.
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Andróginas do éter, a desgraça Nos dividiu nos primitivos tempos: Uma parte fulgura entre as estrelas, Outra desceu à terra, e suspirosa Cada noite meneia a débil fronte, Mirando o firmamento. Um doce pranto, Um pranto repassado de saudades, Vem nos banhar o aveludado colo. Que divina volúpia nessas lágrimas! Poeta, a trepadeira solitária Que se enrosca lasciva ao duro tronco Do cedro secular; a flor guardada, Entre os galhos do ipê, nas grossas folhas De alpestre parasita; a mole acácia; O manacá cheiroso que se ostenta À beira d' água, pensativo e triste; Os festões do ingazeiro e as açucenas, Todas te amavam, te adoravam todas!
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Nunca fomos ciosas! Muitas vezes, Brutal, nos trucidaste sem piedade Para adornar as frontes suarentas De grosseiras amantes! Muitas vezes, Distraído vagando, nos pisaste, Como torpe animal! Porém que importa? Se outras vezes choravas debruçado Beijando-nos o seio? Se outras vezes Tinhas tanta poesia a repetir-nos? Ai! um dia esperamos-te debalde! Tinhas partido, ingrato! Abandonaste N assa beleza cândida e modesta Por essas sombras doentias, pálidas, Que entre os lustres do baile se evaporam! Por essas múmias sensuais que pejam As alcovas de sórdidas pocilgas! Pela morte encoberta e mascarada! Pela lepra insanável de tua alma! Se tivesses ficado, oh! cada noite Uma de nós se erguera embalsamada Para as lendas contar de nosso reino! Não o quiseste, doudo, agora é tarde; E se ainda voltasses, a amargura Nos faria murchar, cair sem vida, 194
A fim que o viandante nos tomasse Para tecer a c'roa derradeira, A c'roa derradeira que te resta! O R:ro
Sobre dourada areia desenrolo, Soberano no val, meu régio manto; Os passarinhos namorados cantam Nas figueiras bravias; chora o vento Nos densos taquarais ... - Mas ah! poeta, Não mais te vejo, nem te escuto ao menos Da loura Grécia as náiades chamando! Nem a meus flancos murmurando idílios! Nem sobre as águas a guiar teu barco! Que fizeste, infeliz! Gênio bendito, Eu te devera encaminhar no mundo! Quando à tépida luz de amenas tardes Cantavas, sobre as rochas inclinado, Quantas promessas te não fiz! Que planos Desvendei a teus olhos cintilantes! Eu que te vi nascer e que te amava Como a rola ao deserto, à flor a abelha, E os pintassilgos aos vergéis floridos! 195
E desprezaste a virgem que eu fadei-te, Pura, mais pura que as estrelas todas! Cortaste o fio do dourado drama Que no silêncio místico das noites, Pensando em ti, tracei, esmando o espaço De um brilhante porvir! Lírios e rosas, Tudo pisaste no delírio insólito De uma febre insensata! Desditoso! O que te resta agora? O que te resta? A ESTRELA VÉSPER
Tudo repousa, as folhas da centáurea Tremem de frio à beira do caminho, Dobram-se os juncos nas lagoas negras, E os vaga-lumes do deserto pasmam À mansa luz que entorno sobre os campos. Por que não vens inspirações pedir-me, Sonhador de outras eras? Porventura Meu suave clarão não é tão belo Como ao começo de teus verdes anos?
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NUMA CHOÇA DE PALHA
Escutai os harpejos da viola, São mais sentidos que o soprar do vento Beijando a medo os arrozais viçosos; Prestai ouvido à voz do sertanejo, Que ela fala de amor, e a patativa Nunca nos matagais gemeu tão triste! Filhas da serrania e das camp_inas, Adornai-vos de rubras maravilhas, Vinde, que a noite avança e o céu desmaia! ESPÍRITOS NA ATMOSFERA
Sacudi o sudário, errantes sombras, Róseos espectros, lêmures da infância, Fantasmas louros de ilusões perdidas! Dançai, cantai nos planos luminosos Que o íris cerca de brilhantes cores! Chamai as fadas, e as ondinas leves, Despertai nos palácios encantados As princesas que dormem por cem anos! Vinde fazer a orgia da saudade!
197
POETA
Oh! se não fosse um sonho! Se das trevas Do sombrio passado inda pudesse As almas evocar de tantos seres! Se esta prisão de argila e de misérias Não vedasse-me o vôo! Se do livro Onde flameja a lúgubre sentença Eu pudesse rasgar uma só folha, Uma só, grande Deus! Talvez lograsse Todos os males apagar que hei feito! NoEsrAço Cumpre teu fado nesse mundo ingrato. Eu também caminhei, hoje descanso Dos eleitos de Deus no vasto império! Não se afastam de ti meus olhos temos. Manchou-me o pó da terra, a luz das luzes Deu-me nova existência ao pé dos anjos. Como te amei outrora, amo-te agora, Furta ao lodo tu'alma, olha as alturas, E do empíreo no azul verás meu rosto!
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POETA
Donde parte esta voz? De que recinto Misterioso, oculto, me dirige Tão suaves concentos? Porventura Além do firmamento, além dos astros Uma plaga de paz.e amor existe? Onde está ela? ... A mente se me abrasa! Por toda a parte só matéria vejo, Luzes, vapores, ar, globos, esferas, Mundos e mundos, sempre cheio o espaço! Onde repousa o sólio do invisível? Onde se abriga o sopro imponderável Que anima os corpos dos mortais na terra? ... Se as rédeas solto à fantasia ardente, Ela abandona o pó, transpõe as nuvens, Vence as estrelas, deixa o sol e o éter, Arroja-se atrevida no infinito, E nada encontra além do eterno abismo! Nada! e no lodo engolfa-se de novo!
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Perdão, perdão, meu Deus! Busco-te embalde Na natureza inteira! O dia, a noite, O tempo, as estações, mudos sucedem-se, E se falo de ti mudos se escoam! Mas eu sinto-te o sopro dentro d'alma! Da consciência ao fundo eu te contemplo! E movo-me por ti, por ti respiro, Ouço-te a voz que o cérebro me anima, Em ti me alegro, e choro, e canto e penso! Da natureza inteira que aviventas Todos os elos a teu ser se prendem, Tudo parte de ti, e a ti se volta; Presente em toda parte, e em parte alguma, Íntima fibra, espírito infinito, Move, potente, a criação inteira! Dás a vida e a morte, o olvido e a glória. Se não posso adorar-te face a face, Ah! basta-me sentir-te sempre, e sempre.
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Eu creio em ti, eu sofro, e o sofrimento Como ligeira nuvem se esvaece . Quando repito teu sagrado nome! Eu creio em ti, e vejo além dos mundos Minha essência imortal brilhante e livre, Longe dos erros, perto da verdade, Branca dessa brancura imaculada Que os gênios inspirados, nesta vida, Em vão tentaram descobrir nos mármores.
CE
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LIRA
Quando me volves teus formosos olhos, Meigos, banhados de celeste encanto, Rasgo urna folha da carteira, e a lápis Escrevo um canto. Quando nos lábios do rubirn mais puro Mostras-me um riso sedutor, faceto, Encomendo rninh' alma às nove musas, Faço um soneto. Quando ao passeio, no mover das roupas, Deixas de leve ver teu pé divino, Sinto as artérias palpitarem túmidas, Componho um hino. Quando no rnárrnor das espáduas belas As negras tranças a tremer sacodes, Ébrio de amor, sorvendo seus perfumes, Rimo dez odes. Quando à noitinha me falando a medo Elevas-me do céu à luz suprema, Esqueço-me do mundo e de mim mesmo, Gero um poema. CE 202
APENA (Fragmento de um poema íntimo)
Poucos instantes de vida Me restam, oh! bem o sei! Fiquei vencido na lida, Seja assim, cumpra-se a lei! Fui forte, com firmes passos Transpus desertos espaços, Afrontei mil temporais, Sorri no dorso das vagas Da tormenta às surdas pragas, Da morte aos brados fatais! Bebi de todas as taças, Provei todas as desgraças, Todas as dores sofri; Mortal, vergou-me o martírio, Nem a luz tenho de um círio, Sinto na fronte o delírio, Não passo além, durmo aqui.
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E no entanto que sonhos, Que planos ledos, risonhos, Minha mente não formou À luz deste céu brilhante, Sobre este solo gigante Que o Senhor abençoou! Quantas vezes reclinado, Mansamente balouçado Sobre o regaço materno, Não senti por minhas faces Roçarem gênios falaces Que me apontavam mendaces Um porvir de gozo eterno!
Meu Deus! Por que me lançaste, A mim, levita da dor, Na terra onde derramaste Tanta vida e tanto amor? Por que à mágoa sem nome Que minhas fibras consome, Tanta luz antepuseste? E quando tudo folgava, 204
Quando tudo se alegrava, Por que chorar me fizeste? Por que me deste um destino? Por que me deixas sem tino No meio da criação, Imagem de um mal acerbo, No teu poema soberbo Sangrento escuro borrão?
_Quantas flores hei plantado, Quanto arbusto hei adorado, O tempo tem derribado, Tem o lodo consumido! Hoje sobre o meu calvário, Triste, mudo, solitário, Rasgo as dobras do sudário, Mordo a cruz enfebrecido!. .... Humilhar-me ao sofrimento? Nunca! Às rajadas do vento O cedro jamais se dobra! Tenho o orgulho da desgraça, Quanto mais à dor se abraça Mais força minh'alma cobra! 205
Oh! minha pena querida, Não quero ensopar-te, não, Na funda, negra ferida Que tenho no coração!. .. Não quero, não posso! Ainda Eu a vejo airosa e linda Vir-se sentar junto a mim! E não é mais que uma idéia! Folha de rota epopéia! Fátua luz que bruxuleia Sobre um deserto sem fim! E não é mais que uma nota, Triste, lânguida, remota, Nas solidões do passado! Um monte de brancos ossos! Marco atirado entre os fossos De medonho descampado! Oh! minha pena mimosa, Minha pena graciosa, Companheira carinhosa Dos festins da mocidade! Meu orgulho de criança!
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Mais tarde loura esperança! Maga estrela de bonança No meio da tempestade! Vou deixar-te! Está quebrada Essa trindade adorada Que tantos sonhos gerou! Ela partiu, nós ficamos! Ingratos, não mais riamos, Oh! de lágrimas enchamos O espaço que ela ocupou!
Mas não! Se te ordena a sina, Se o destino assim te manda, De pé sobre a própria ruína Canta, oh! alma miseranda! Pede ao inferno uma lira, Toma os guizos da loucura, Dança, ri, folga e delira Mesmo sobre a sepultura! Solta rudes harmonias, Brinda a morte e as agonias, Canta as cóleras bravias 207
Dos precitos eternais; Sobre túmulos e berços Escreve ainda, e teus versos Sejam banhados, imersos, Nos prantos de Satanás!
CE
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CANÇÃO LÓGICA Eu amo, tu amas, ele ama ...
Teus olhos são duas sílabas Que me custam soletrar, Teus lábios são dous vocábulos Que não posso, Que não posso interpretar. Teus seios são alvos símbolos Que vejo sem traduzir; São os teus braços capítulos Que podem, Que podem me confundir. Teus cabelos são gramáticas Das línguas todas de amor, Teu coração - tabernáculo Muito próprio, Próprio de ilustre cantor. O teu caprichoso espírito, Inimigo do dever, É um terrível enigma Ai! que nunca, Que nunca posso entender.
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Teus pezinhos microscópicos, Que nem rastejam no chão, São leves traços estéticos Que transtornam, Que transtornam a razão! Os preceitos de Aristóteles Neste momento quebrei! Tendo tratado dos píncaros, Oh! nas bases, Nas bases me demorei. A
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CANÇÃO Santos. - S. Paulo. - 1870.
Máquina de escrever e fazer versos, Já não sei mais cantar, As florestas deixei, - voei das serras E vim cair no mar. Onde o corcel robusto, belo e forte Sempre o freio a mascar? Deixei-o nas montanhas solitário, E vim cair no mar. À sombra da graúna gigantesca Sabia eu meditar, A graúna ficou, - perdeu as folhas, E vim cair no rhar. As tradições tão doces, as lembranças De meu velho solar, Estão lá sob as mãos de indiferentes E vim cair no mar. O segredo perdi das melodias, Agora é só rimar! Saltei dos nobres cedros seculares E vim cair no mar.
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Onde olhavam meus bons antepassados Sem dor e sem pesar, Não posso eu mais olhar, perdi as asas E vim cair no mar. Não ouço mais a voz dos caçadores, Nas brenhas a cantar; Da choça do pastor fugi medroso E vim cair no mar! Nem as festas alegres dos roceiros Posso mais partilhar!. .. Trouxe minh' alma apenas por bagagem E vim cair no mar! A
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A MORTE E DEPOIS
SOBRE UM TÚMULO
Torce-te aí na sepultura fria Onde passa rugindo o furacão, Seja-te o orvalho das manhãs negado, Soe em teu leito a voz da maldição! Teu castigo será gemer debalde Buscando o sono que o sudário deixa, Ouvir nas trevas de urna noite horrenda De errantes larvas a funérea queixa! Pese-te a terra qual um fardo imenso, Infecta podridão cubra teus olhos, Seque o salgueiro que sombreia a lousa E em seu lugar estendam-se os abrolhos! Roam-te o ódio, - a maldição, - o olvido, E quando as turbas levantar-se um dia, - Aparências de Deus, - para afundar-se No seio d'Ele, ardentes de alegria, Surdo sejas aos ecos da trombeta Em teu leito de pedra enregelada; Findem-se os mundos, e a existência tua Fria se apague na soidão do nada! São Paulo -1861. N
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CÂNTICO DO CALVÁRIO À memória de meu filho morto a 11 de dezembro de 1863
Eras na vida a pomba predileta Que sobre um mar de angústias conduzia O ramo da esperança. - Eras a estrela Que entre as névoas do inverno cintilava Apontando o caminho ao pegureiro. Eras a messe de um dourado estio. Eras o idílio de um amor sublime. Eras a glória, - a inspiração, - a pátria, O porvir de teu pai! -Ah! no entanto, Pomba, - varou-te a flecha do destino! Astro, - engoliu-te o temporal do norte! Teto, caíste! - Crença, já não vives! Correi, correi, oh! lágrimas saudosas, Legado acerbo da ventura extinta, Dúbios archotes que a tremer clareiam A lousa fria de um sonhar que é morto! Correi! Um dia vos verei mais belas Que os diamantes de Ofir e de Golgonda Fulgurar na coroa de martírios Que me circunda a fronte cismadora! São mortos para mim da noite os fachos, Mas Deus voz faz brilhar, lágrimas santas, E à vossa luz caminharei nos ermos! 216
Estrelas do sofrer, - gotas de mágoa, Brando orvalho do céu! Sede benditas! Oh! filho de minh' alma! Última rosa Que neste solo ingrato vicejava! Minha esperança amargamente doce! Quando as garças vierem do ocidente Buscando um novo clima onde pousarem, Não mais te embalarei sobre os joelhos, Nem de teus olhos no cerúleo brilho Acharei um consolo a meus tormentos! Não mais invocarei a musa errante Nesses retiros onde cada folha Era um polido espelho de esmeralda Que refletia os fugitivos quadros Dos suspirados tempos que se foram! Não mais perdido em vaporosas cismas Escutarei ao pôr-do-sol, nas serras, Vibrar a trompa sonora e leda Do caçador que aos lares se recolhe! Não mais! A areia tem corrido, e o livro De minha infanda história está completo! Pouco tenho de andar! Um passo ainda E o fruto de meus dias, negro, podre, 217
Do galho eivado rolará por terra! Ainda um treno, e o vendaval sem freio Ao soprar quebrará a última fibra Da lira infausta que nas mãos sustenho! Tornei-me o eco das tristezas todas Que entre os homens achei! O lago escuro Onde ao clarão dos fogos da tormenta Miram-se as larvas fúnebres do estrago! Por toda a parte em que arrastei meu manto Deixei um traço fundo de agonias!. .. Oh! quantas horas não gastei, sentado Sobre as costas bravias do Oceano, Esperando que a vida se esvaísse Como um floco de espuma, ou como o friso Que deixa n' água o lenho do barqueiro! Quantos momentos de loucura e febre Não consumi perdido nos desertos, Escutando os rumores das florestas, E procurando nessas vozes torvas Distinguir o meu cântico de morte! Quantas noites de angústias e delírios Não velei, entre as sombras espreitando A passagem veloz do gênio horrendo Que o mundo abate ao galopar infrene 218
Do selvagem corcel? .. . E tudo embalde! A vida parecia ardente e douda Agarrar-se a meu ser!. .. E tu tão jovem, Tão puro ainda, ainda n' alvorada, Ave banhada em mares de esperança, Rosa em botão, crisálida entre luzes, Foste o escolhido na tremenda ceifa! Ah! quando a vez primeira em meus cabelos Senti bater teu hálito suave; Quando em meus braços te cerrei, ouvindo Pulsar-te o coração divino ainda; Quando fitei teus olhos sossegados, Abismos de inocência e de candura, E baixo e a medo murmurei: meu filho! Meu filho! frase imensa, inexplicável, Grata como o chorar de Madalena Aos pés do Redentor.. . ah! pelas fibras Senti rugir o vento incendiado Desse amor infinito que eterniza O consórcio dos orbes que se enredam Dos mistérios do ser na teia augusta! Que prende o céu à terra e a terra aos anjos! Que se expande em torrentes inefáveis Do seio imaculado de Maria! 219
Cegou-me tanta luz! Errei, fui homem! E de meu erro a punição cruenta Na mesma glória que elevou-me aos astros, Chorando aos pés da cruz, hoje padeço! O som da orquestra, o retumbar dos bronzes, A voz mentida de rafeiros bardos, Torpe alegria que circunda os berços Quando a opulência doura-lhes as bordas, Não te saudaram ao sorrir primeiro, Clícia mimosa rebentada à sombra! Mas ah! se pompas, esplendor faltaram-te, Tiveste mais que os príncipes da terra! Templos, altares de afeição sem termos! Mundos de sentimento e de magia! Cantos ditados pelo próprio Deus! Oh! quantos reis que a humanidade aviltam, E o gênio esmagam dos soberbos tronos, Trocariam a púrpura romana Por um verso, uma nota, um som apenas Dos fecundos poemas que inspiraste! Que belos sonhos! Que ilusões benditas! Do cantor infeliz lançaste à vida, Arco-íris de amor! Luz da aliança, Calma e fulgente em meio da tormenta! 220
Do exílio escuro a cítara chorosa Surgiu de novo e às virações errantes Lançou dilúvios de harmonia! - O gozo Ao pranto sucedeu. As férreas horas Em desejos alados se mudaram. Noites fugiam, madrugadas vinham, Mas sepultado num prazer profundo Não te deixava o berço descuidoso, Nem de teu rosto meu olhar tirava, Nem de outros sonhos que dos teus vivia! Como eras lindo! Nas rosadas faces Tinhas ainda o tépido vestígio Dos beijos divinais, - nos olhos langues Brilhava o brando raio que acendera A bênção do Senhor quando o deixaste! Sobre o teu corpo a chusma dos anjinhos, Filhos do éter e da luz, voavam, Riam-se alegres, das caçoilas níveas Celeste aroma te vertendo ao corpo! E eu dizia comigo: - teu destino Será mais belo que o cantar das fadas Que dançam no arrebol, - mais triunfante Que o sol nascente derribando ao nada Muralhas de negrume!. .. Irás tão alto Como o pássaro-rei do Novo Mundo! 221
Ai! doudo sonho!. .. Uma estação passou-se, E tantas glórias, tão risonhos planos Desfizeram-se em pó! O ·gênio escuro Abrasou com seu facho ensangüentado Meus soberbos castelos. A desgraça Sentou-se em meu solar, e a soberana Dos sinistros impérios de além-mundo Com seu dedo real selou-te a fronte! Inda te vejo pelas noites minhas, Em meus dias sem luz vejo-te ainda, Creio-te vivo, e morto te pranteio!. .. Ouço o tanger monótono dos sinos, E cada vibração contar parece As ilusões que murcham-se contigo! Escuto em meio de confusas vozes, Cheias de frases pueris, estultas, O linho mortuário que retalham Para envolver teu corpo! Vejo esparsas Saudades e perpétuas, - sinto o aroma Do incenso das igrejas, - ouço os cantos Dos ministros de Deus que me repetem Que não és mais da terra!. .. E choro embalde.
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Mas não! Tu dormes no infinito seio Do Criador dos seres! Tu me falas Na voz dos ventos, no chorar das aves, Talvez das ondas no respiro flébil! Tu me contemplas lá do céu, quem sabe, No vulto solitário de uma estrela. E são teus raios que meu estro aquecem! Pois bem! Mostra-me as voltas do caminho! Brilha e fulgura no azulado manto, Mas não te arrojes, lágrima da noite, Nas ondas nebulosas do ocidente! Brilha e fulgura! Quando a morte fria Sobre mim sacudir o pó das asas, Escada de Jacó serão teus raios Por onde asinha subirá minh' alma. CF
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DESEJO
Quando eu morrer adornem-me de flores, Descubram-me das vendas do mistério, E ao som dos versos que compus carreguem Meu dourado caixão ao cemitério. Abram-me um fosso no lugar mais fresco, Cantem ainda, e deixem-me cantando; Talvez assim a terra se converta De suave dormir num leito brando. Em poucos meses far-me-ei poeira, Porém que importa, se mais pura e bela Minh' alma livre dormirá sorrindo Talvez nos raios de encantada estrela. E lá de cima velarei teu sono, E lá de cima esperarei por ti, Pálida imagem que do exílio escuro Nas tristes horas de pesar sorri! Ah! e contudo se deixando o globo Ave ditosa eu não partisse só, Se ao mesmo sopro conduzisse unidas Nossas essências num estreito nó!. ..
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Se junto ao leito das finais angústias, Da morte fria ao bafejar gelado Eu te sentisse junto a mim dizendo: São horas de marchar, eis-me a teu lado. Como eu me erguera resoluto e firme! Como eu seguira teu voar bendito! Como espancara co' as possantes asas O torvo espaço em busca do infinito! CF
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ORAÇÃO FÚNEBRE (Rig-Veda, VIII, 14)
Segue o caminho antigo onde passaram Outrora nossos pais. Vai ver os deuses Indra, Yama e Varuna. Livre dos vícios, livre dos pecados, Sobe à eterna morada, revestido De formas luminosas. Volte o olhar ao sol, o sopro aos ares, A palavra à amplidão, e os membros todos Às plantas se misturem. Mas a essência imortal, aqueça-a, oh! Ágnis, E leva-a docemente à clara estância Onde os justos habitam, Para que aí receba um novo corpo, E banhada em teu hálito celeste Outra vida comece ... Desce à terra materna, tão fecunda, Tão meiga para os bons que a fronte encostam Em seu úmido seio.
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Ela te acolherá terna e amorosa Como em seus braços uma mãe querida Acolhe o filho amado.
CE
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BIOGRAFIA
Emiliano e Emília tiveram 17 filhos. No dia 17 de agosto de 1841, no atual município de Rio Claro (RJ), nascia o segundo rebento da prole (e o primeiro varão), que recebeu o nome de Luís Nicolau Fagundes Varela. Toda a vida do poeta foi marcada por desencontros, projetos inconclusos, infortúnios. Na vida acadêmica, não conseguiu concluir o curso de Direito, sempre reprovado pelo número excessivo de faltas. Na vida afetiva, foi infeliz nos dois casamentos - com Alice Luande, filha de um dono de circo, e com Maria Belisária (prima de Varela). Dois de seus filhos (um com Alice, outro com Maria) morreram antes do primeiro aniversário. Vida profissional, no sentido estrito, Luís Nicolau nem chegou a ter: dependia financeiramente do pai, e acumulou uma série de inadimplências e calotes (sobretudo relativos a pagamentos de aluguel) que o transformaram num quasenômade. Dos grandes poetas do nosso romantismo e reconhecido como tal quando era vivo - é o único que possui zonas nebulosas na biografia. Zanzou, bêbado, por lugarejos e fazendas fluminenses, declamando de improviso versos que passaram à tradição oral. É famoso o episódio em que foi visto, trôpego, a esmo, com um bando de papagaios amarrado à cin229
tura. Mas desses episódios, algo grotescos, surge a imagem de um poeta que, mais do que qualquer outro de nosso romantismo, levou às últimas conseqüências a vocação "maldita" de ser poeta. Não se tratava de uma excentricidade livresca, mas de uma vocação pàra o absoluto obstada pela demanda de um cotidiano burguês ao qual Varela nunca logrou adaptar-se. Morreu em 18 de fevereiro de 1875. Alguns dias antes, numa tarde chuvosa de Niterói, tombara na rua, em decorrência do excesso de ingestão alcoólica. Infeliz, desencontrado de si mesmo - como o seu personagem do poema" Arquétipo" - "à eternidade/ Foi ver se divertia-se um momento".
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BIBLIOGRAFIA
Noturnas. São Paulo: Tipografia Imparcial de J.R. de Azevedo Marques, 1861. O estandarte auriverde. São Paulo: Tipografia Imparcial de J.R. de Azevedo Marques, 1861. Vozes d'América. São Paulo: Tip. do Correio Paulistano, 1864. (A segunda edição, dita clandestina Porto, Tip. de Antônio José da Silva Teixeira, 1876 - traz um suplemento de 13 poemas, intitulado, em edições posteriores, de Avulsas). Cantos e fantasias. São Paulo: Garraux, 1865. Cantos meridionais. Rio de Janeiro: Tip. Universal de Laemmert, 1869. Cantos do ermo e da cidade. Rio de Janeiro: B. L. Gamier, 1869. Anchieta, ou O evangelho nas selvas. Rio de Janeiro: Livraria Imperial de E.G. Possolo Editora, 1875. Cantos religiosos (co-autoria: Ernestina Fagundes Varela). Rio de Janeiro: Eduardo & Henrique Laemmert Editores, 1878. Diário de Lázaro. Rio de Janeiro: Tip. Nacional, 1880. A partir da década de 1880 começam a surgir edições de obras reunidas e de antologias:
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Obras completas. Org. Visconti Coaracy. Rio de Janeiro: H. Garnier, [s/ d]. 3 vol. Obras completas. São Paulo: Cultura, 1943. Obras completas. Rio de Janeiro: Zélia Valverde, 1943. 3 vol. Poesias completas. Org. Frederico José da Silva Ramos. São Paulo: Saraiva, 1956. Poesias completas. Org. Miécio Táti e E. Carrera Guerra. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957. 3 vol. Poesia. Org. Edgard Cavalheiro. Rio de Janeiro: Agir, 1957. Dispersos. Org. Vicente de Paulo Vicente de Azevedo. São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1970. Poemas. Org. Péricles Eugênio da Silva Ramos. São Paulo: Cultrix, 1982. Obras Sobre Fagundes Varela
Todas as histórias da literatura brasileira se ocupam da obra do poeta, cuja existência foi objeto de duas excelentes biografias: Fagundes Varela, de Edgard Cavalheiro (São Paulo: Martins, 1956, 3 ed.) e Um outro. Varela, de Leonardo Fróes (Rio de Janeiro: Rocco, 1990).
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ÍNDICE
Poemas de oito faces ........................... ... ... .... ... ........
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A MUSA CÍVICA
A S. Paulo ... .... .. ...... ... .... ..... ........... ... ..... ... ... .... ........ .. Canção ....................................................................... Aurora ....................................................................... Asp1raçoes ................................................................. Versos soltos ... ... ... ... ............... ..... ..... ...... ... ............... O escravo ....... ....... .. ... ... ... ... ... ...... ..... .. ... ...... .... .......... À Bahia ......................................................................
27 29 32 36
38
42 47
QUEM SOU?
O foragido .. ........ ...... ............ ..... .. ... .. ... .. ............ ....... . Tristeza ..... ...... ........ ... ........ ........... ........ .. ....... ...... .. ..... O exilado ........... ...... ... ................................ .... ..... ..... . Childe-Harold ... ... ..... ...... .. ...... ..... ..... ..... .................. Resignação ... ... ... ..... ... ................. .. ... ..... ... ......... .... .... Ira d e Saul ................................................................. Ao Rio de Janeiro ....... ......... ... ............... .... ..... ... .......
53 56 59 63
65 67 69 233
Noturno ..................................................................... 71 Eu amo a noite .......................................................... 75 Armas ........................................................................ 78 Velha canção............................................................. 79 EM BUSCA DE CRISTO
Canto I, XXVIII .. ................... .. ..... .. .. .. .. .. ... ..... ...... ..... 85 Canto IV, I ..... .. .. ... .. ... ..... .. ..... .. .. .. ... .. ......... ... .. .. .. ..... .. 87 "Estrelas" ..... .. .. ..... .. .. ... .. ..... .. .. .. .. .. ........ .. .. ....... ..... .. .. 89
''Ei-nos unidos ... " ............... ........................................ 90 EM NOME DO AMOR
Ilusão......................................................................... 95 Ideal........................................................................... 97 Deixa-me ................................................................... 98 Não te esqueças de mim! ........................................ 100 Soneto ("Eu passava na vida ...") .............................. 102 Elegia ......................................................................... 103 Visões da noite ......................................................... 107 Juvenília .................................................................... 108 A flor do maracujá ................................................... 118 Antonico e Corá ....................................................... 120 Estâncias .................................................................... 131 As letras ..................................................................... 134 234
CIDADE VERSUS CAMPO
Arquétipo .................................................................. 137 As selvas .................................................................... 140 No ermo .................................................................... 142 A cidade ...... ...... .. ... .. ... ...... ... ..... ... ... ... .. ... ... ..... .... ...... 146 O cavalo ..................................................................... 150 A roça ......................................................................... 154 Em viagem ................................................................ 157 PAISAGENS
Soneto ("Desponta a estrela d'alva ...") ..................... Cantiga ...................................................................... O sabiá ....................................................................... O mar .........................................................................
161 162 164 166
Sextilhas .................................................................... O oceano .. ... ........ .. ... ... .. ... ..... ... ..... ..... ............. ..... ... .. O vaga-lume ............................................................. Hino à aurora ...........................................................
171 173 178 180
A POESIA NO ESPELHO
Queixas do poeta ..................................................... 185 Acúsmata ................................................................... 187 Lira ............................................................................. 202 A pena (CE) ............................................................... 203 235
Canção lógica ............................. :............................. 209 Canção ....................................................................... 211
A MORTE E DEPOIS Sobre um túmulo ..................................................... 215 Cântico do calvário ......... ......................................... 216 Desejo ......................................................................... 224 Oração fúnebre ......................................................... 226 Biografia .................................................................... 229 Bibliografia ................................................................ 231
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