Nº 339 Dezembro / 2008 FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS
issn 1234-5678
análise de conjuntura Em nota de conjuntura, Carlos Eduardo Gonçalves apresenta as perspectivas da economia brasileira para o ano de 2009. José Francisco de Lima Gonçalves discute a decisão do COPOM, em sua última reunião de 2008, de manter a taxa Selic. Simão Davi Silber analisa o comportamento do setor externo brasileiro quanto ao câmbio e o balanço de pagamentos frente à crise financeira internacional.
temas de economia aplicada Luciana Teagno Lopes, em segundo artigo da série, apresenta as principais diferenças entre produtos e subgrupos quanto à freqüência de mudança de preços e à duração dos preços. Keiti da Rocha Gomes inicia série de artigos que analisará a presença de fatores indiretos que atuam sobre a percepção de risco dos agentes e dos avaliadores de risco. Celina Yumiko Ozawa analisa, empiricamente, as possíveis restrições de crédito ao consumidor no mercado de financiamento de veículos. Pedro Scazufca apresenta, em segundo artigo da série, o modelo de determinantes das exportações e seus mais importantes resultados. José Barreto de Andrade Neto avalia os efeitos de integrações verticais para o mercado brasileiro por meio da aplicação do MHI, medida de concentração de Hendricks e McAfee. Diva Benevides Pinho discute o recente comportamento do mercado de arte em comparação com o desempenho do mercado financeiro.
Nº 339
DEZEMBRO DE 2008
INFORMAÇÕES FIPE É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DE CONJUNTURA ECONÔMICA DA FUNDAÇÃO
ANÁLISE DE CONJUNTURA
issn 1234-5678
nota de conjuntura .......................................................................................................... 3 Carlos Eduardo Gonçalves
política monetária............................................................................................................ 5 José Francisco de Lima Gonçalves
CONSELHO CURADOR Hélio Nogueira da Cruz (Presidente) Andrea Sandro Calabi Juarez B. Rizzieri Joaquim José Martins Guilhoto Ricardo Abramovay Simão Davi Silber Vera Lucia Fava
setor externo...................................................................................................................... 8 Simão Davi Silber
DIRETORIA
TEMAS DE ECONOMIA APLICADA 9
.............a rigidez nominal de preços na cidade de São Paulo: evidências sobre a freqüência de mudança e a duração dos preços
DIRETOR PRESIDENTE Carlos Antonio Luque DIRETOR DE PESQUISA Eduardo Haddad
Luciana Teagno Lopes
16 .......................... dívida pública e risco-país: um estudo acerca dos componentes não observados dessa relação (parte I)
DIRETOR DE CURSOS Cicely M. Amaral
Keiti da Rocha Gomes
20 ............... impactos da taxa de juros e do prazo de pagamento no financiamento de veículos para pessoas físicas
PÓS-GRADUAÇÃO Dante Mendes Aldrighi
Celina Yumiko Ozawa
24 ............................................ determinantes das exportações industriais: evidência empírica dos municípios de São Paulo
SECRETARIA EXECUTIVA Domingos Pimentel Bortoletto
Pedro Scazufca
29 ..................... análise dos efeitos de integrações verticais e uma aplicação para o mercado brasileiro de GLP José Barreto de Andrade Neto
34 ................................................. crise na arte? oportunidade de investimentos e de aquisições institucionais? Diva Benevides Pinho
PReparação de originais e revisão Alina Gasparello de Araujo EDITOR CHEFE Gilberto Tadeu Lima CONSELHO EDITORIAL Ivo Torres Lenina Pomeranz Luiz Martins Lopes José Paulo Z. Chahad Maria Cristina Cacciamali Maria Helena Pallares Zockun Simão Davi Silber
AS IDÉIAS E OPINIÕES EXPOSTAS NOS ARTIGOS SÃO DE RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DOS AUTORES, NÃO REFLETINDO A OPINIÃO DA FIPE
ASSISTENTE Maria de Jesus Soares PROGRAMAÇÃO VISUAL E COMPOSIÇÃO Sandra Vilas Boas
análise de conjuntura
Carlos Eduardo Gonçalves (*)
feliz 2008 – realismo não-fantástico: um ano-novo1 pouco promissor
O ano de 2008 foi um bom ano para o Brasil até a chegada da crise financeira aqui nos trópicos, via Atlântico, segundo nosso mandatário-mor, em outubro. No total, o PIB crescerá cerca de 5,5%, com uma modesta pressão inflacionária que promete se desmilingüir nos próximos trimestres diante do esfriamento glacial da demanda agregada que ora se configura. Milhões de empregos formais foram criados, a renda real e a massa de salários seguiram sua marcha avante, e o investimento em bens de capital cresceu até quase o fim do ano a taxas estonteantes. Não à toa a popularidade do presidente, e também a do seu governo, alcançaram este ano níveis históricos, “nunca antes vistos na história da República”.
De outubro para frente, temos um outro Brasil. Produção industrial em queda, vendas de automóveis caindo mais de 20%, anúncios de férias coletivas e promessas de demissões, cortes de projetos de investimento, spreads bancários em forte alta, saída maciça de recursos, bolsas em queda livre, etc. Tudo de ruim, em poucas palavras. Contrariando o excesso de otimismo do governo, a sempre sincera realidade dos dados jogou por terra a tese, localmente desenvolvida, da “marolinha”, e também a do decoupling, elaborada pelos supostamente sábios analistas internacionais. A bem da verdade, os dados ruins não deveriam ter causado tanto estupor, dado que nos é conhecida a evidência empírica sobre a virulência das crises econômicas com origens nos mercados de crédito. Em poucas palavras, o mundo – Brasil incluso, claro – vai passar alguns bons trimestres chafurdando na lama ignominiosa do crescimento pífio, e não há como escapar desta difícil realidade via truques de “economágica”.
dezembro de 2008
Não pense o leitor que cometi um equívoco no título, escrevendo 2008 e não 2009, como tantas vezes ocorre quando datamos os primeiros cheques do ano-novo. Gostaria de realmente desejar a todos um feliz ano velho, dado que o novo não soa nada promissor. E nas poucas linhas que se seguem, gostaria de fazer o ponto de que esta realidade é mais que inelutável, pois se o governo optar pela estratégia de manter o pé no acelerador, a economia vai se esborrachar no primeiro poste da esquina.
Em 2009, teremos um crescimento anímico do PIB, de cerca de 2%; uma inflação convergindo em direção à meta de inflação, mas ainda não alcançando os estipulados 4,5%; um crescimento do desemprego, ainda que provavelmente modesto; e um relaxamento
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apenas muito gradual das hoje draconianas restrições de crédito. Não dá para fazer melhor que isto, e, mais importante, não deveríamos nem tentar crescer mais rápido, nem forçar a barra na convergência da inflação em direção à meta. Nunca valeu tanto o ensinamento do príncipe Sidarta de que a virtude está no meio.
Nesta época de preces, rezemos para que o governo não opte em 2009 por continuar aumentando seus gastos correntes, pois sempre que ele gasta mais, alguém precisa gastar menos. E este alguém, óbvio, somos todos nós. Feliz Natal!
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Lembre-se o leitor de que financiamos o forte crescimento do investimento nos últimos trimestres com uso de poupança externa. Nossa conta corrente roda hoje na casa dos 2% negativos. Em tempos normais, isto não deveria suscitar preocupações, mas o problema todo é que na atual conjuntura não há como contar com o beneplácito dos credores externos, dado que a abrupta reversão da aversão ao risco vai mantê-los ressabiados por um bom tempo. E quando voltamos os olhos para dentro, ou melhor, para a poupança doméstica, vemos que ela é insuficientemente baixa para garantir a continuidade do processo de investimento. O que isto significa é que se por um milagre do santo preferido do ministro Mantega crescêssemos de fato algo perto de 4% em 2009, a conta corrente adentraria mais ainda pelo território negativo, com forte impacto sobre a taxa de câmbio e, conseqüentemente, sobre a inflação. Claro, se a economia interna de fato desacelerar muito, surge espaço sim para uso de políticas econômicas anticíclicas, mas dado que estamos com o tanque monetário cheio (ao contrário dos EUA, onde os juros já estão perto de zero), por que acionar a alavanca fiscal, que deixa distorções permanentes, e não simplesmente baixar o juro básico? Estou com os heterodoxos em um ponto apenas, qual seja, a inflação não deve ser a prioridade em 2009.
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1 As opiniões contidas nesta nota são de responsabilidade do autor, mas também expressam as opiniões apresentadas nas reuniões do Grupo de Conjuntura da FIPE.
(*) Professor do Departamento de Economia da FEA-USP e Economista do Grupo de Conjuntura da Fipe. (E-mail:
[email protected]).
José Francisco de Lima Gonçalves (*)
além da política monetária Uma breve retomada de fatos relevantes. A reviravolta, em meio à impotência do governo dos EUA, veio, sabe-se, a partir do colapso de um notável banco de investimentos nos EUA em setembro. As providências que o Fed vinha tomando desde março revelaram-se insuficientes para conter a crise de liquidez mundial. A inédita cooperacão dos principais bancos centrais – 8 de outubro - foi a resposta à crise global. Já não há o que fazer com a política monetária: as principais moedas alinharam-se com juros reais negativos. Resta tornar negativos os juros futuros... O presidente do Fed, Ben Bernanke, pediu medidas fiscais. Isto depois das cócegas que o pacotinho de Bush causou nas expectativas (devolver impostos para as famílias e isentar de impostos investimentos – com a expectativa de que a economia continuasse crescendo abaixo do potencial por diversos trimestres...).
Aqui ao sul do Equador, os brasileiros perderam um pouco da síndrome de vira-latas. As Medidas Provisórias 442 e 443 criaram mecanismos de intervenção para o governo federal e o Banco Central atuarem nos mercados financeiros, inclusive no cambial, e reduzirem os efeitos da crise de liquidez reforçada pelo endividamento externo do setor privado (de curto e longo prazos – afinal, por que se financiar em reais, se o diferencial de juros é enorme?) e pela ameaça materializada nos derivativos “exóticos” que nem nas notas dos balanços apareciam.
O comunicado divulgado após a última reunião do ano do COPOM inovou ao mencionar que a maioria dos membros do Comitê discutiu “a possibilidade de reduzir a taxa básica de juros já nesta reunião”. Geralmente, o comunicado comunica divergência de votos, não de opiniões que não redundaram em divergência de votos. Tendo a discussão ocorrido, o comunicado cria uma ambigüidade: o “ambiente macroeconômico que continua cercado por grande incerteza” pode qualificar tanto a referida discussão, quanto a decisão unânime do COPOM. Talvez as duas. Talvez não. O ambiente na reunião anterior era de “maior incerteza” (conforme comunicado de 29 de outubro). Entenda-se que a incerteza era maior do que na reunião anterior (em setembro). Se assim for, o COPOM decidiu “ainda manter a Selic neste momento” porque grande incerteza continua cercando o ambiente. ‘Continua’ e ‘ainda’ são as palavras fundamentais. Quando o COPOM muda de idéia, a palavra é ‘já’.
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O “pacote” do secretário do Tesouro dos EUA, Paulson, veio tarde, envergonhado e inexeqüível (este atributo nas palavras do próprio). O governo dos EUA foi atropelado pelo primeiro-ministro Gordon Brown, que se fez seguir pelos demais líderes europeus. Rebolando entre o moral hazard e a paralisia do mercado monetário, um por um foi estatizando o setor financeiro na busca de evitar o pior.
Mas, se ficamos menos vira-latas, continuamos tupiniquins macaqueando o mofo europeu. Como Trichet tropical, o COPOM insiste em separar o inseparável: uma coisa, tenta ensinar, é a demanda que precisa ser contida; outra coisa é a liquidez que desapareceu. Para uma, juros altos; para outra, autorização para os bancos usarem recursos do compulsório para dar liquidez ao sistema, abrindo mão da remuneração generosa e cobiçada (eufemismo para risco baixo) dos títulos públicos.
“O Comitê irá monitorar atentamente a evolução do cenário prospectivo para a inflação com vistas a definir tempestivamente os próximos passos de sua estratégia de política monetária”. Este encerramento do comunicado é um compromisso com a definição, no tempo certo, dos próximos passos da estratégia da política monetária. Note-se que, com este movimento, já se vão mais
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algumas boas semanas sem que se fale em centro da meta em 2009. Com alívio: o regime de metas tem uma banda e um prazo. IPCA de 5,7% em 2009 não é ruim, é bom. Parece inevitável a queda da Selic na reunião de 20 de janeiro de 2009. E uma queda de 0,50%, seguida de outras do mesmo tamanho. Isto, pois, em janeiro, só um tsunami reverso pode evitar a piora da situação da atividade, evitar que as commodities continuem se estabilizando em níveis bem anteriores aos do auge
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recente, evitar mais capacidade produtiva, evitar a redução dos DIs e da inflação corrente e esperada, ainda que com a maxidesvalorização cambial ocorrida.
preços das commodities, a demanda interna, o grau de utilização da capacidade, o nível de emprego, as expectativas de inflação e a inflação passada e corrente. Quem está enganando os DIs que descolaram da taxa de câmbio? Quem está enganando a indústria com suas férias coletivas? Alguém prestou atenção para o fato de que o saldo de operações de crédito sobre o PIB subiu além dos 40% em outubro porque o numerador é indexado em Selic e câmbio e o denominador em IGP-DI? O dinheiro é uma contradição; a postura do COPOM, uma contradição em termos.
Mesmo a volatilidade da taxa de câmbio ainda elevada reflete, em parte, a incerteza global, de modo que não deve se perpetuar como justificativa para uma taxa de juros que não é capaz de atrair capitais, gera custo fiscal desnecessário e penalização desnecessária da atividade. Parte da volatilidade não é controlável, parte vai se diluir com a realização de perdas e/ou o refinanciamento de empresas privadas brasileiras no exterior com os recursos das reservas. Que não dá para crescer a 6% ao ano é óbvio. Nem que alguém pretendesse seria possível. Mas crescer abaixo de 2% será um castigo muito grande para um pecador menor: afinal, o mercado brasileiro não é mais bem regulado e menos alavancado do que os maiores do mundo? Já houve quem comparasse a taxa de juros à rédea do cavalo: se apertar, o animal tende a reduzir o ritmo, contra seus instintos; se soltar, não dá para empurrar o animal, é preciso seus instintos. Na falta dos mesmos, só a razão do Estado. Quem leu Keynes no original conhece o argumento: taxas de câmbio flutuantes ajustam oferta e demanda. Temos medo de taxas flutuantes, pois a desvalorização do real afeta a inflação. Muito bem, assim como os
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(*) Professor Doutor do EAE-USP e economista-chefe do Banco Fator. (E-mail:
[email protected]).
Simão Davi Silber (*)
setor externo
A redução do dinamismo da economia brasileira pode ser explicada por uma série de eventos desfavoráveis. Em primeiro lugar, a crise de crédito internacional atingiu o financiamento do comércio exterior, criando dificuldades em manter o nível de produção e exportação do País. Isso é muito visível no caso da produção agrícola, onde a redução dos financiamentos internacionais intermediados por bancos e companhias tradings tem atrasado as decisões de plantio para a próxima safra. Em segundo lugar, a desaceleração econômica mundial está reduzindo
rapidamente os preços internacionais das commodities exportadas para o País, comprometendo a expansão da receita em moeda estrangeira. Em terceiro lugar, a redução do crédito e dos preços internacionais está pressionando a taxa de câmbio e o real já acumula uma depreciação de 36%, representando uma ameaça latente à manutenção da inflação no limite central da meta de inflação estabelecida para 2009. Em quarto lugar, houve uma redução significativa da expansão do crédito doméstico, com efeitos imediatos em dois segmentos: as vendas de automóveis e a construção civil. Em um quadro de desaceleração econômica, caberia ao governo brasileiro implementar uma política fiscal e monetária expansionista. A política monetária está comprometida pela drástica depreciação cambial ocorrida e a política fiscal brasileira tem um viés pró-ciclico, o que impede o governo de adotar na fase atual uma política de expansão de gastos, dado o alto comprometimento do governo com despesas de custeio descontroladas. A desvalorização do real não foi um fato isolado e sim parte de um fenômeno universal, indicando a forte aversão ao risco que se instalou na economia mundial e o desmonte das posições de carry trade. Somente duas moedas se valorizaram nesse período: o dólar americano e o iene. Apesar das medidas monetárias e fiscais adotadas praticamente no mundo todo, as perspectivas de uma desaceleração acentuada da produção mundial ampliam-se a cada dia, e nos próximos trimestres deve se materializar a maior recessão dos últimos 80 anos. Um indicador da possível queda do nível de atividade na economia mundial é dado pelo valor de mercado das empresas abertas nas bolsas de valores: em dezembro de 2007, esse valor era de US$ 63 trilhões e em outubro de 2008 havia caído para US$ 33,6 trilhões, ou seja, uma queda de aproximadamente US$ 33 trilhões. O mercado tem a expectativa de uma queda generalizada de demanda, que comprometerá os lucros e a própria solvência das empresas. Além disso, o efeito riqueza negativo
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Já estamos na terceira fase da crise financeira internacional: a primeira (que se estendeu de julho de 2007 a agosto de 2008) foi caracterizada pela eclosão do problema do subprime, com reflexos principalmente nos países desenvolvidos. Nessa etapa a crise ainda era predominantemente bancária, com redução gradual do crédito e desalavancagem dos bancos. Os países desenvolvidos entraram em forte desaceleração do nível de produção, caminhando a passos largos em direção à recessão. A segunda etapa: (entre setembro e outubro de 2008) foi caracterizada pela ameaça de uma crise sistêmica, após a concordata do Banco Lehman Brothers e a estatização da AIG. Houve uma intervenção maciça de BC e Tesouro de muitos países desenvolvidos para evitar falências bancárias e de seguradoras. A terceira etapa (a partir de outubro de 2008) inicia-se quando a crise chega com força aos países em desenvolvimento e começam os esforços para a coordenação de políticas macroeconômicas entre os países do G20 para evitar uma recessão de grandes proporções na economia mundial. Por enquanto, não existe nada de concreto emanado da declaração divulgada em 15 de novembro em Washington, mas o compromisso de estudar medidas compensatórias a serem discutidas em uma nova reunião que ocorrerá em abril de 2009, em Londres. Até lá, a coordenação se restringirá a encontros informais de bancos centrais e tesouros nacionais visando implementar medidas adicionais para evitar o agravamento da crise econômica e financeira.
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e as perspectivas do desemprego estão tornando o consumidor e o investidor privado mais cautelosos e arredios em seus gastos. Deve-se destacar que a crise atual começou a ser gestada no final dos anos 90, quando apareceram os “déficits gêmeos” dos Estados Unidos. A partir de 1997, aumentou o déficit do balanço de pagamentos em transações correntes, que chegou a atingir 6% do PIB americano, e o déficit fiscal acentuou-se marcadamente durante a atual década, caminhando atualmente para o patamar de 7% do PIB dos Estados Unidos. Déficit é sinônimo de redução da poupança doméstica americana e excesso de poupança externa, particularmente da Ásia e Oriente Médio. A poupança pessoal desapareceu ao longo da década nos Estados Unidos e a poupança do governo ficou negativa. A “bolha de poupança” do mundo financiou os déficits americanos e permitiu a manutenção de taxas de juros baixas e uma rápida expansão do crédito, contribuindo para o crescimento dos preços dos imóveis e das ações. As inovações financeiras permitiram retirar o risco dos balanços dos bancos e possibilitaram grande alavancagem nas instituições financeiras, sem eliminar os compromissos em caso de inadimplência. A regulamentação deficiente, particularmente para bancos de investimento e seguradoras, também contribuiu para que as instituições financeiras assumissem riscos de crédito elevado e incompatíveis com os critérios de segurança bancária. Passada a etapa de crise sistêmica nos países desenvolvidos, a etapa atual envolve a recapitalização dos bancos e estímulos monetários e fiscais coordenados para evitar que a economia mundial mergulhe em uma recessão profunda e duradoura. Aqui está a grande incógnita do momento atual. O que é praticamente certo é que 2009 será um ano de forte desaceleração da economia mundial; a dúvida é se as medidas de política monetária e fiscal anticíclicas são suficientes para reconduzir a economia mundial a um crescimento próximo ao padrão médio observado nas últimas décadas, e se medidas adicionais surtirão efeito e a recessão não se prolongará por um período superior a 24 meses ou mais. Os impactos sobre a economia brasileira ficaram mais visíveis no último trimestre. Após o colapso dos
empréstimos interbancários em meados de setembro, houve aumento do risco, uma forte depreciação cambial e rápida contração do crédito internacional para o Brasil. Empresas brasileiras que tinham assumido posições arriscadas em derivativos (“subprime” brasileiro) incorreram em pesados prejuízos. Finalmente, começaram a aparecer os primeiros sinais de redução do nível de produção. Com as informações disponíveis até novembro, já há uma redução da produção de automóveis no País de 33%, quando se compara com a produção de novembro de 2007. Já houve queda no nível de utilização da capacidade instalada da indústria e, segundo o IBGE, a produção física da indústria teve um crescimento nulo, quando se compara a produção de outubro de 2008 com a do mesmo mês do ano anterior. As contas externas continuaram a tendência de um déficit de balanço de pagamentos em transações correntes da ordem de 2% do PIB, ou US$ 30 bilhões. Dentre os destaques do setor externo está a rápida desaceleração da receita nominal de exportação e queda no ritmo de expansão das despesas nominais com as importações. Em meados do ano, as exportações brasileiras estavam crescendo a uma taxa anualizada de 43% e as exportações a 62%. Em novembro, esses números eram respectivamente 21% e 36%, refletindo a desaceleração da economia mundial e brasileira. O saldo comercial, que havia atingido US$ 40 bilhões em 2007, deverá se situar no patamar de US$ 24 bilhões em 2008. Outro destaque do balanço de pagamentos é o aumento das remessas de lucros e dividendos para o exterior: no ano passado essa conta foi negativa em US$ 21 bilhões e nesse ano deverá chegar em US$ -35 bilhões. A conta serviços e rendas deverá atingir déficit recorde em 2008, próximo a US$ 60 bilhões. A entrada líquida de capitais no Brasil deverá se reduzir pela metade com relação aos US$ 89 bilhões de 2007, encerrando o ciclo de acumulação de reservas externas por parte do Banco Central.
(*) Professor do Departamento de Economia da FEA-USP. (E-mail:
[email protected]).
Os artigos da seção Análise de Conjuntura foram escritos entre 15 e 17/12/2008
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temas de economia aplicada
Luciana Teagno Lopes (*)
a rigidez nominal de preços na cidade de São Paulo: evidências sobre a freqüência de mudança e a duração1 dos preços 1. introdução
No primeiro artigo da série, publicado na edição de novembro, foi feita uma breve exposição do tema. Foram sintetizados alguns resultados de trabalhos que utilizaram microdados de índices de preço ao consumidor para estudar a questão da rigidez nominal, a base de dados a ser explorada foi apresentada e a freqüência de mudança e a duração dos preços foram calculadas para a cidade de São Paulo utilizando a amostra completa. Neste segundo artigo, estudaremos
2. a heterogeneidade da rigidez de preços O objetivo desta seção é captar possíveis diferenças entre produtos e subgrupos quanto à freqüência de mudança e à duração dos preços. Para isso, as durações médias estimadas, conforme procedimento apresentado no primeiro artigo desta série, serão analisadas por produtos e por subgrupos. Por fim, serão introduzidos alguns comentários que esclarecem a importância de se verificar empiricamente a rigidez nominal de preços por setores e produtos, não limitando essa análise aos resultados para a economia agregada.
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Este é o segundo da série de três artigos que será publicada neste boletim Informações FIPE e que apresenta resultados e comentários relevantes contidos na dissertação de mestrado de Lopes (2008) entregue ao Departamento de Economia da Universidade de São Paulo. Esta série de artigos, iniciada na edição anterior deste boletim, tem por objetivo estudar o comportamento de determinação de preços na cidade de São Paulo. Mais especificamente, objetiva-se estimar medidas representativas da rigidez nominal, como freqüência de mudança e duração dos preços. A descrição do risco de mudança dos preços complementará essa análise.
a questão da heterogeneidade quanto à freqüência e à duração dos preços, por meio da comparação das estimativas obtidas para diferentes setores e produtos. Serão apresentadas, também, estimativas sobre a direção e o tamanho das mudanças de preço. Por fim, a freqüência de mudança dos preços será descrita ao longo do tempo.
A duração média dos preços dos 510 produtos contidos em nossa amostra foi estimada por meio de um procedimento indireto que utilizou as freqüências de mudança calculadas. O Gráfico 1 sintetiza esses
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resultados, descrevendo a distribuição da duração média dos preços desses produtos e serviços, conforme o peso desses itens na cesta de consumo. Construímos intervalos para a duração dos preços; na
seqüência, agregamos as durações médias estimadas conforme o intervalo a que pertenciam e, por fim, somamos os pesos dos produtos que compunham cada intervalo.
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gráfico 1 - distribuição por intervalos de tempo da duração média dos preços dos produtos
* os intervalos que contêm as durações médias (d) variando de x a y devem ser entendidos como x < d ≤ y.
A distribuição das durações dos preços da economia possui o formato de u, bastante encontrado na literatura, que evidencia uma massa de preços mais flexíveis e uma massa de preços mais rígidos e indica que há grandes heterogeneidades entre produtos quanto à duração dos preços. gráfico 2 - duração média dos preços por subgrupos (em meses)
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As durações médias dos 29 subgrupos que compõem nossa amostra também foram estimadas por meio do procedimento indireto baseado nas freqüências de mudança calculadas. O Gráfico 2 ilustra esses resultados:
Comentando ainda esses resultados, nota-se que a duração dos preços dos alimentos in natura é inferior à duração dos preços dos alimentos semi-elaborados, que é inferior à duração dos preços dos alimentos industrializados. A teoria dos estágios de produção2 e a teoria dos estoques3 fornecem possíveis explicações para esse resultado. Além disso, o custo de produtos menos processados está fortemente ligado ao custo de suas matérias-primas, que deve mudar mais que os preços da mão-de-obra, por exemplo. Há inúmeras teorias que fornecem explicações para o grau de rigidez nominal dos preços. Esta seção não tem por objetivo explicar a heterogeneidade percebida entre produtos e setores quanto à duração dos preços, de modo que os comentários apresentados têm ape-
Para finalizar, nossa amostra de produtos foi dividida em bens comercializáveis e bens não-comercializáveis e as durações médias dos preços desses dois grupos foram estimadas por meio do procedimento indireto baseado nas freqüências de mudança calculadas. O Gráfico 3 mostra a duração média encontrada para cada um desses grupos e evidencia duração de preços superior para bens não-comercializáveis. A teoria dos contratos explícitos, provavelmente, ajuda a explicar o resultado encontrado. É provável que os contratos nominais reduzam o ajustamento dos preços de forma considerável mais no setor de serviços do que no setor de comércio de bens. Além disso, a maior rigidez de preços no setor de serviços provavelmente está atrelada à maior influência dos salários nos custos desse setor. Como muitos salários
6,95
1,68
Não-Comercializáveis
Comercializáveis
são definidos contratualmente, a rigidez salarial é transmitida para os preços. Esta seção mostrou que a freqüência de mudança e a duração média dos preços diferem bastante entre produtos e setores da economia. Mais do que tentar apresentar possíveis explicações para essas diferenças, a seção mostrou que o comportamento de determinação de preços na cidade de São Paulo é consideravelmente heterogêneo. A maioria dos modelos de preços rígidos não leva em conta essas heterogeneidades no comportamento de determinação dos preços, assumindo que todas as firmas mudam os preços com a mesma freqüência. A presença de diferentes graus de rigidez nominal na economia sugere a necessidade de se considerar modelos com diversos setores, pois tais heterogeneidades verificadas em nível microeconômico podem ter conseqüências importantes para a condução da política monetária.
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nas o papel de oferecer possíveis justificativas para algumas das diferenças observadas e enriquecer a reflexão acerca dos resultados estimados.
gráfico 3 - duração média dos preços (tradeables x nontradeables
Duração (meses)
O subgrupo aluguel possui os preços com maior duração, em quarto lugar aparece o subgrupo ensino escolar e em quinto lugar o subgrupo contrato de assistência médica. A mudança de preços desses subgrupos deve ser explicada, em grande parte, pela existência de contratos nominais explícitos, que fixam preços por períodos determinados.
Carvalho (2006) ressalta a importância de não ignorar a evidência empírica de heterogeneidade na rigidez dos preços para estimativas eficazes das implicações de choques monetários. Usando as estatísticas obtidas por Bils e Klenow (2004) sobre o comportamento de determinação dos preços na economia norte-americana, o autor introduziu a heterogeneidade setorial da freqüência de mudança dos preços em um modelo padrão de preços rígidos. Carvalho (2006) concluiu
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que a heterogeneidade na rigidez nominal de preços faz com que os choques monetários tenham efeitos reais maiores e mais persistentes do que em uma economia em que todas as firmas têm a mesma rigidez de preços (homogeneidade na rigidez de preços) e as rigidezes nominais e reais médias são as mesmas do modelo com firmas heterogêneas.
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O autor explica que depois que uma economia heterogênea sofre um choque, a fase inicial do processo de ajustamento é conduzida principalmente por setores em que os preços ajustam-se relativamente com maior freqüência. Com o passar do tempo, a distribuição da freqüência de mudança dos preços entre firmas que ainda têm de fazer o ajustamento torna-se progressivamente dominada por firmas de setores com relativamente baixa freqüência de ajustamentos. Como resultado, a velocidade dos ajustes dessa economia cai com o tempo. O autor chama isso de frequency composition effect: setores com maior freqüência de mudança dos preços dominam a primeira parte do processo de ajustamento e setores com menor freqüência de mudança dos preços conduzem a maior parte da dinâmica subseqüente. Na presença de complementaridades estratégicas na determinação de preços, as decisões das firmas de setores com alta freqüência de mudança de preços são influenciadas pela existência de setores com baixa freqüência de ajustamento. O setor relativamente flexível não quer estabelecer preços que desviem muito dos preços agregados no futuro. Por outro lado, firmas dos setores em que os preços mudam com menor freqüência também são influenciadas pelas decisões das firmas com preços mais flexíveis, mas em menor proporção. Como resultado, o primeiro movimento tem um efeito desproporcional no nível agregado de preços. O autor chama isso de strategic interaction effect, que são complementaridades estratégicas na determinação de preços provocadas por heterogeneidades na rigidez de preços. Como resultado desses mecanismos, a resposta dinâmica de uma economia heterogênea a um distúrbio nominal pode diferir consideravelmente da resposta
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de uma economia tudo o mais idêntica, em que a única diferença é que todas as firmas mudam preços com a mesma freqüência. Assim, choques monetários tendem a ter maiores e mais persistentes efeitos reais em economias heterogêneas. Calibrações dos modelos de firmas idênticas baseadas na freqüência mediana ou na duração média podem subestimar os efeitos reais dos choques monetários. Dada a preponderância de modelos com firmas idênticas na literatura, uma questão prática importante seria como calibrar esses modelos de modo a obter a dinâmica mais parecida com a de uma economia heterogênea. As estimativas realizadas pelo autor mostraram que isso requer uma freqüência de mudança dos preços mais do que três vezes menor do que a freqüência média da economia. Carvalho (2006) mostra que modelos com firmas idênticas, portanto, precisam ser calibrados com mais rigidez nominal para gerar efeitos reais de choques de políticas monetárias que se assemelhem àqueles obtidos em uma economia heterogênea. Essas heterogeneidades verificadas entre os setores também têm implicações para a definição do índice a ser usado pelo banco central para estabelecer as metas de inflação. Argumenta-se que a autoridade monetária deve usar um índice de inflação que estabeleça pesos maiores para setores em que os preços são mais rígidos. Flutuações nos preços de produtos considerados com preços flexíveis devem ser tratadas como um componente transitório dos movimentos totais da inflação, uma vez que se acredita que estas tenham sido causadas principalmente por choques temporários específicos do setor. Baseando-se nessa idéia, preços muito flexíveis devem ser subtraídos das medidas amplas de inflação agregada para calcular uma medida do núcleo da inflação. Nesse contexto, a inflação do(s) setor(es) com preços mais rígidos seria uma boa candidata à medida do núcleo da inflação e a política monetária ótima seria uma completa estabilização da inflação desse(s) setor(es). Além disso, quando o banco central monitorar os desenvolvimentos dos preços para prever a inflação
futura, é importante que ele analise a fonte setorial desses movimentos. Dado o diferente grau de rigidez dos preços, entender a fonte dos choques vai permitir que o banco central avalie melhor a persistência desses desenvolvimentos e melhore suas previsões. Esse entendimento é também importante para uma resposta política apropriada aos choques inflacionários. Quando os choques de inflação se originam em um setor relativamente flexível, um banco central orientado para o médio prazo não precisa se preocupar com os efeitos de curto prazo da inflação, já que não haverá sinais de efeitos em um segundo momento. Contrariamente, choques inflacionários originados em setores rígidos, que são caracterizados por um processo de ajustamento mais longo, deveriam ser mais preocupantes para o banco central, requerendo uma resposta política maior.
3. direção e tamanho das mudanças de preço Nesta seção, estimaremos a parcela de mudanças negativas e positivas, bem como o tamanho médio dessas mudanças. Por fim, apresentaremos algumas considerações sobre a relevância dessas verificações empíricas.
Os resultados para a amostra completa mostraram que 60,09% das mudanças de preço são positivas e que 39,91% das mudanças de preço são negativas. Pode-se afirmar que há assimetria na direção das mudanças de preço, mas as reduções de preço são comuns. Essa assimetria em favor das mudanças positivas está presente na maior parte dos setores, sendo mais acentuada nos subgrupos contrato de assistência médica, transportes coletivos, despesas diversas e livros didáticos.4 No grupo dos bens não-comercializáveis as quedas de preço são menos comuns se comparado ao grupo dos bens comercializáveis, 29,5% para o primeiro e 41,9%
Em linhas gerais, pode-se concluir que a maioria das mudanças de preço é positiva, mas há uma parcela considerável de mudanças negativas. A variação média dos preços foi calculada utilizandose raciocínio semelhante àquele proposto no primeiro artigo desta série para o cálculo da freqüência de mudança dos preços. Primeiramente, foram computadas as variações mensais de preço para as mudanças positivas e para as mudanças negativas. A média dessas variações foi calculada para cada agrupamento marcalocal em cada momento do tempo. Na seqüência, foi estimada a média dessas variações para cada marca em cada um dos períodos estudados e assim sucessivamente, até estimarmos o tamanho médio absoluto das variações de preço para subgrupos, grupos, para bens comercializáveis e não-comercializáveis e para o índice agregado. A variação média estimada para as mudanças de preço positivas é de 10,82% e para as mudanças de preço negativas é de 9,65%. As mudanças positivas são um pouco maiores, mas os resultados podem ser considerados bastante simétricos. Além disso, o tamanho médio das mudanças de preço é grande se comparado às taxas de inflação do período amostral. Estes resultados dão significância às estimativas sobre a direção de mudança dos preços, pois mostram que as mudanças positivas e negativas possuem em média tamanho considerável e similar.
dezembro de 2008
A proporção de mudanças de preço que são positivas e de mudanças de preço que são negativas foi estimada seguindo raciocínio semelhante àquele empregado para calcular a freqüência média de mudança dos preços da cidade de São Paulo no primeiro artigo desta série.
para o segundo. Esse resultado pode estar relacionado ao fato de que a parcela de mão-de-obra nos custos de produção do setor de serviços (preponderante no grupo dos bens não-comercializáveis) é particularmente importante, de modo que a rigidez para baixo dos salários nominais pode se converter em certa rigidez para baixo dos preços.
A primeira questão teórica relevante acerca da direção de mudança dos preços refere-se à rigidez nominal para baixo, isto é, haveria maior resistência para reduzir preços do que para aumentá-los. Nesse contexto, metas inflacionárias muito baixas seriam prejudiciais em virtude da resistência à redução de preços e dos conseqüentes resultados negativos sobre o produto e
13
o emprego. Haveria, portanto, um trade-off permanente entre inflação e desemprego. Uma inflação baixa poderia ser alcançada somente às custas de uma taxa de desemprego permanentemente maior e menor produto. Esses seriam os custos de longo prazo da inflação baixa provocados pela rigidez nominal para baixo dos preços, justificando a escolha de uma meta maior de inflação.
gráfico 4 - freqüência de mudança dos preços (%) - bens não-comercializáveis 35
jan_2007
20 15 10 5
7 00 _2 ai m 06 20 t_ ou 06 20 r_ ab 05 20 t_ ou
05 20 r_ ab
4 00 _2
04 20 t_
se
ar m
03 20 t_ se 3 00 _2 ar m 02 20 o_ ag 02 20 v_ fe 01 20 o_ ag 01 20 v_ fe
gráfico 5 - freqüência de mudança dos preços (%) – bens comercializáveis 65
dez_2002
60 55 50 45 40
6
07
20
_ ai
m
6
5
00
2 t_
ou
00
2 r_
ab
5
00
04
04
00
2 t_
ou
2 r_
ab
20
t_
se
03
02
03
20
_ ar
m
20
t_
se
20
_ ar
m
02
20
o_
ag
01
20
20
v_ fe
01
20
Os Gráficos 4 e 5 apresentam a evolução temporal da freqüência de mudança dos preços. Os resultados produzidos pela equação (6) apresentada no primeiro artigo desta série foram agregados em grupos e para cada momento do tempo, gerando essas estimativas.
o_
Movimentos sincronizados das mudanças de preço aparecem com certa freqüência em modelos macroeconômicos. Nesta seção, a descrição da freqüência de mudança dos preços ao longo do tempo tornará possível a análise dessa suposição teórica.
ag
A segunda questão teórica refere-se ao fato de que muitos modelos admitem que as mudanças de preço são provocadas unicamente por choques agregados e que essas mudanças são quase todas positivas, respondendo à direção do choque. A mistura de mudanças positivas e negativas encontrada e a magnitude das mudanças de preço, com aumentos e quedas de tamanho grande se comparados à taxa de inflação, evidenciam que choques idiossincráticos também devem ser importantes para explicar mudanças de preço.
v_ fe
dezembro de 2008
jan_2006
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35
4. a freqüência de mudança dos preços ao longo do tempo
14
jan_2004
25
Esta seção concluiu que as mudanças de preço para baixo são comuns e, portanto, não é possível afirmar que há evidências em favor da existência de rigidezes nominais de preços para baixo. As estimativas sobre a variação média das mudanças para baixo reforçam essa conclusão ao mostrar que essas mudanças possuem em média tamanho considerável. Dadas as evidências empíricas, o argumento em favor de taxas inflacionárias maiores deve ser considerado com cautela pelas autoridades monetárias.
jan_2003
30
Analisando a freqüência de mudança dos preços ao longo do tempo, destacam-se três comportamentos: movimentos de mudança de preço não claramente sincronizados, movimentos sincronizados de mudança dos preços ocorrendo em meses específicos do ano (sazonalidade) e movimentos sincronizados de mudança dos preços em momentos de incerteza macroeconômica. A sazonalidade é descrita por picos na freqüência de mudança verificados, principalmente, nos meses de janeiro. O padrão sazonal descrito no Gráfico 4 exemplifica bem esse resultado. Vale a ressalva de que, observado um padrão sazonal para a mudança de preços, é difícil dizer se esse padrão é evidência de regras do tipo time-dependent ou state-dependent. Se o comportamento observado for resultado de mudanças nos custos ou na demanda, ambos sujeitos a padrões sazonais, pode-se afirmar que predominam regras do tipo state-dependent. Caso exista grande participação de contratos nominais no setor, devem predominar as regras do tipo time-dependent.
O terceiro comportamento apontado, movimentos sincronizados em momento de incerteza econômica, foi percebido com maior clareza no setor de bens comercializáveis, que respondeu fortemente às incertezas geradas pelas eleições presidenciais de 2002. Esse movimento evidenciou a presença de regras do tipo state-dependent no comportamento de mudança de preços.
A resposta ampla dos agentes às incertezas eleitorais de 2002, verificada principalmente no grupo de bens comercializáveis, é uma evidência da importância de regras do tipo state-dependent. O terceiro artigo desta série fornecerá maiores esclarecimentos sobre a dependência da duração e a dependência do estado da economia para as práticas de determinação de preços adotadas na cidade de São Paulo.
5. conclusões
referências
A análise comparativa das durações médias estimadas para produtos e para setores mostrou que há grandes heterogeneidades no comportamento de mudança dos preços, havendo produtos e setores em que os preços mudam com alta freqüência e produtos e setores em que os preços perduram por tempo considerável. Essa evidência tem implicações para a modelagem macroeconômica, para os efeitos reais previstos para choques agregados, para a construção de medidas de núcleo da inflação e para o aprimoramento de previsões e da resposta política das autoridades monetárias.
Quanto ao tamanho das mudanças de preço, observou-se que estas possuem em média tamanho considerável, acima da taxa de inflação média do período. As mudanças positivas possuem uma variação média de 10,8% e as mudanças negativas possuem uma variação média de 9,6%. Esse resultado evidencia a importância de choques idiossincráticos para explicar o processo de determinação de preços. A evolução da freqüência de mudança dos preços mostrou sincronizações sazonais, especialmente no grupo de bens não-comercializáveis. Afirmações sobre o tipo de regra que provocaria esses padrões sazonais observados devem ser feitas com cautela.
Carvalho, C. Heterogeneity in price stickiness and the real effects of monetary shocks. Frontiers of Macroeconomics, v. 2, n.1, article 1, 2006. Lopes, L. T. A rigidez nominal de preços na cidade de São Paulo: evidências baseadas em microdados do índice de preços ao consumidor da FIPE. 2008. Dissertação (Mestrado em Economia). Orientador: Prof. Dr. Márcio Issao Nakane. Universidade de São Paulo. São Paulo.
1 A autora agradece ao Prof. Dr. Márcio Issao Nakane pela orientação e ao Prof. Dr. Gilberto Tadeu Lima pelo convite para a publicação neste boletim. 2 Essa teoria afirma que a duração dos preços tende a crescer com o número de estágios de produção. Se existirem muitos estágios de produção ao longo da economia até que se produza o bem final, defasagens curtas entre mudanças nos custos e mudanças nos preços dentro de cada firma individual podem gerar grandes defasagens entre mudanças nos custos iniciais e mudanças nos preços dos bens finais da economia como um todo. 3 Essa teoria fala da possibilidade de as firmas utilizarem seus estoques de bens finais para amortecer choques de demanda, evitando mudanças nos preços. É maior a possibilidade de se estocar alimentos industrializados do que a possibilidade de se estocar alimentos in natura por uma questão de conservação, o que contribui para tornar a rigidez de preços do primeiro subgrupo maior que a do segundo.
dezembro de 2008
Quanto à direção das mudanças de preço, concluiuse que as mudanças negativas são comuns, apesar da assimetria verificada para a maioria dos setores em favor das mudanças positivas. Verificamos que para a economia agregada 60% das mudanças são positivas e 40% são negativas. Em linhas gerais, o conjunto das estimativas permite concluir que não há evidência de rigidez nominal dos preços para baixo.
Bils, M.; Klenow, P. J. Some evidence on the importance of sticky prices. Journal of Political Economy , v. 112, n. 5, p. 947-985, 2004.
4 Podem ser apontados como exceções a esse padrão os subgrupos roupa de criança, roupa de homem, roupa de mulher e alimentos in natura, que apresentam simetria quanto à direção das mudanças de preço. É provável que o grande número de liquidações no setor de vestuário tenha gerado esse resultado de simetria não encontrado para a maioria dos demais subgrupos.
(*) Mestre em Economia pelo IPE-FEA-USP. (E-mail:
[email protected]).
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Keiti da Rocha Gomes (*)
dívida pública e risco-país: um estudo acerca dos componentes não observados dessa relação (parte I) 1. introdução
entre os economistas a preocupação de entender em
dezembro de 2008
que ponto o nível de endividamento de um governo Mesmo sendo a política fiscal um tema de interesse
está em linha com a sua restrição orçamentária ou
clássico na teoria econômica, ainda não há consenso
indica sinal de alerta e a necessidade de intervenção.
sobre o tamanho ou mesmo o sinal dos seus efeitos.
Dentro desse contexto, seria natural esperar que au-
Diferentes correntes no campo da macroeconomia
mentos na relação Dívida/PIB elevassem a avaliação
divergem sobre o nível ótimo de endividamento
de risco de um país, visto que sinalizam a diminuição
suportado pelas economias, bem como possuem
da sua capacidade de pagamento. No entanto, como
divergentes interpretações para a chamada susten-
veremos adiante, os números mostram que esse com-
tabilidade da trajetória fiscal. Paralelo a essas discus-
portamento nem sempre é verdadeiro, sendo o caso
sões emerge a preocupação dos agentes econômicos
brasileiro um exemplo recente e claro de que a relação
quanto à verdadeira capacidade de um país honrar
observada nem sempre é direta.
seus compromissos, ou seja, quanto à probabilidade efetiva de inadimplência de uma economia. Em outras
A análise que se segue, a ser publicada nesta e na
palavras, o termo risco- país busca refletir esse grau
próxima edição deste boletim Informações FIPE, tem
de confiança dos agentes quanto à situação econô-
como objetivo analisar a presença de fatores indire-
mica de uma nação, fator esse preponderante para a
tamente observados na economia e que atuam sobre
propensão ao default.
a percepção de risco dos agentes econômicos e avaliadores de risco. Tenta-se entender até que ponto as
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No Brasil, a razão de Dívida Pública em relação ao
avaliações realizadas pelos investidores e agências de
PIB (ou, simplesmente, Dívida/PIB) esteve em média
classificação de risco estão realmente fundamentadas
13 pontos percentuais mais elevada durante os anos
nas variáveis econômicas do país e, portanto, refletem
de 1998-2004 quando comparada ao período de 1991-
a real probabilidade de default, ou são influenciadas
1997. Além disso, como vemos no Gráfico 1, os dados
por fatores externos e, constantemente atreladas às
indicam que até setembro de 1997 esse percentual era
expectativas, otimismo ou incertezas presentes no
aproximadamente de 30%, enquanto em setembro de
momento em que são elaboradas. A análise desses
2002 alcançou 56% e, atualmente, gira em torno de
componentes oferece um indício interessante sobre
45% do PIB brasileiro. Dado que o aumento dos gastos
quando a economia brasileira está mais vulnerável
públicos tradicionalmente tem indicado vulnerabili-
ou não aos impactos de fatores externos ao controle
dade financeira e potencial de crises econômicas, há
governamental.
gráfico 1 - dívida pública total em porcentagem do PIB – jan/1991 a abril/2008
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do Boletim de Finanças Públicas do Banco Central do Brasil e disponível no site do Ipeadata – www.ipeadata.gov.br .
2. relação entre dívida/pib e risco-país no Brasil A relação entre risco-país e dívida pública pode ser expressa pelo próprio conceito atribuído ao termo risco-país, qual seja, a probabilidade de inadimplência de uma economia. Em outras palavras, esse termo expressa a capacidade de um país honrar seus compromissos externos e, dessa forma, deve refletir a situação econômica, social e política de uma nação, fatores esses inerentes à propensão ao default. O desenvolvimento da literatura sobre risco tem evoluído no sentido de tentar explicar os seus determinantes em diferentes contextos. A maior parte dos
trabalhos identifica o termo risco-país como função de um conjunto de variáveis macroeconômicas, entre elas o montante de Dívida Pública Externa e Interna, sendo que, na sua maioria, identificam o componente de dívida como sendo a variável de maior poder ex1 plicativo da medida de risco soberano. Logo, parece
intuitivo esperar que aumentos da relação Dívida/PIB elevassem a avaliação de risco de um país. Contudo, na prática, verificam-se casos em que aumentos da dívida pública de alguns países não desencadearam elevação da percepção de risco por parte dos agentes
dezembro de 2008
Assim, o presente artigo tem como objetivo discorrer sobre como essa questão se coloca para a economia brasileira e como a literatura tem tradicionalmente abordado o assunto. Num segundo artigo, a ser publicado na próxima edição deste boletim Informações FIPE, a dinâmica desses fatores, chamados de “sentimento de mercado”, será apresentada numa perspectiva histórica, contemplando os principais choques econômicos entre setembro/2000 e abril/2008.
econômicos. Em algumas situações é possível notar inclusive reação no sentido inverso. Um exemplo recente é a própria avaliação das agências de risco sobre a economia brasileira. Conforme mostrado no Gráfico 2, mesmo o país tendo apresentado, durante o período de 04/2003 a 01/2004, uma trajetória crescente e veloz da razão entre dívida pública e produto interno bruto, o índice de risco atribuído ao Brasil diminuiu, tendo sido o País recentemente classificado como Investment Grade, isto é, dentro do grupo de países com menor risco de investimento segundo as agências de classificação de risco.
17
dezembro de 2008
gráfico 2 - dívida pública total x risco-país Brasil – set/2000 a abril/2008
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Fonte: Elaboração Própria a partir dos dados do Boletim de Finanças Públicas do Banco Central do Brasil e série para o spread do Título de Emissão Soberana Global Bônus 40 – Grupo Valor Econômico. Dados compilados no site do Ipeadata – www. Ipeadata.gov.br
Também é interessante notar que esse otimismo com a economia brasileira se dá num momento de “calmaria” no cenário externo e de enorme liquidez internacional, com relativa ausência de turbulências nos mercados financeiros e de graves crises de natureza políticosocial. Se analisarmos as cinco categorias básicas consideradas pelos avaliadores de risco segundo Canuto e Santos (2003), é difícil defender, por exemplo, que houve mudanças significativas nas estruturas econômica, institucional, civil, fiscal ou financeira no Brasil capazes de justificar as discrepâncias entre os níveis de risco nos governos Fernando Henrique e Lula. A alteração relevante está no setor externo, dada a relativa tranqüilidade do cenário internacional presenciado pelo atual governo, pelo menos até o período analisado – abril/2008. Logo, a ausência de instabilidades deve estar relacionada ao maior grau de otimismo dos agentes de mercado. Isso tem reflexo na sua menor percepção de risco, mesmo sem correspondentes nos fundamentos econômicos locais relevantes que justifiquem a sua mudança de opinião.
de Min (1998), por exemplo, chama a atenção para a
Essa preocupação está de alguma forma presente em importantes trabalhos sobre o tema. O estudo
poucas contribuições na direção de tentar identificar
necessidade de incluir variáveis externas e que estão fora do controle dos países localmente nos modelos de explicação do risco. No entanto, o autor não consegue explicar qual conjunto de variáveis esgota o poder explicativo do termo de risco. Da mesma forma, Eichengreen e Mody (1998) chamam a atenção para possíveis mudanças arbitrárias no sentimento de mercado, em relação a um determinado país, sem correspondentes com alterações reais dos seus fundamentos econômicos. Ou seja, argumentam sobre simples mudanças de expectativas que estão fora do controle dos governos locais e que podem explicar uma parcela importante do spread dos títulos soberanos, embora não tragam uma maneira de estimar o comportamento dessas mudanças arbitrárias. Seguindo o mesmo raciocínio, o relatório da Goldman Sachs (2000) indicou a presença de algum efeito adicional não captado pelos modelos e que explicam substancialmente o termo de risco dos países. Porém, aqui também são realizadas o comportamento desses efeitos.
3. componentes não observáveis Existe, conforme exposto, uma lacuna a ser explorada nessa literatura que abre a oportunidade para a realização desse estudo. A tentativa de estimar o comportamento de elementos não observáveis e não facilmente mensuráveis que atuam sobre a dinâmica da série de risco-país não é algo trivial e pode trazer informações importantes sobre em quais momentos a percepção de risco da economia brasileira apresenta respaldo nas variáveis de fundamento econômico ou sofre a influência de elementos externos ao seu controle.
GOMES, K. R Dívida pública e risco-país: um estudo acerca dos componentes não observados dessa relação. 2008. Dissertação (Mestrado) – IPE-USP, Departamento de Economia. São Paulo. MIN, H.G. Determinants of emerging markets bond spread: do economic fundamentals matter? World Bank, 1998. (Working Paper Series, n.1899).
1 Para maiores detalhes acerca da evolução da Literatura de risco-país, consultar Gomes (2008).
dezembro de 2008
Nesse sentido, o segundo artigo desta série tem como objetivo justamente contribuir para a estimação desses efeitos. Mais especificamente, a hipótese aqui defendida é a de que existem fatores como o “estado de ânimo” ou “sentimento” dos mercados, que afetam a estabilidade ou instabilidade do ambiente no qual a economia se insere. Ambientes de maior instabilidade conduzem ao maior pessimismo dos mercados e aumento da aversão ao risco por parte dos agentes econômicos. Logo, estudar a relação entre Dívida Pública e risco-país no Brasil com essa preocupação pode trazer contribuições importantes para ampliar o entendimento sobre a dinâmica do endividamento governamental e a eficiência das políticas de condução fiscal.
referências CANUTO, O.; SANTOS, P.F. dos. Risco soberano e prêmio de risco em economias emergentes. Brasília, Ministério da Fazenda, Secretaria de Assuntos Internacionais, 2003. EICHENGREEN, B.; MODY, A. What explain changing spreads on emerging-market debt: fundamentals or market sentiment? Cambridge: Natural Bureau of Economic Research, 1998. (NBER Working Papers Series, n. 6408). GOLDMAN Sachs. A new framework for assessing fair value in seem hard currency debt. Goldman Sachs, 2000. (Global Economic Paper, n. 45).
(*) Mestre em Economia pelo IPE – FEA – USP. (E-mail:
[email protected]).
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Celina Yumiko Ozawa (*)
impactos da taxa de juros e do prazo de pagamento no financiamento de veículos para pessoas físicas
dezembro de 2008
1. introdução1 Neste artigo, testamos empiricamente se os consumidores sofrem restrição de crédito no mercado de financiamento de veículos brasileiro. A motivação para este estudo advém do fato de que, no Brasil, existe a percepção de que as pessoas se preocupam apenas se o valor da prestação é compatível com o orçamento mensal e, portanto, importam-se menos com as taxas de juros embutidas nas prestações. Se o consumidor comporta-se desta maneira, então uma possível explicação é que o mesmo sofre restrição de crédito. Tudo o mais constante, um consumidor pode aumentar a quantidade emprestada quando houver uma redução na taxa de juros e/ou um aumento no prazo de pagamento. Se a demanda por empréstimo é menos sensível à taxa de juros que ao prazo, então a maturidade deve ser mais importante na definição do valor da prestação. No entanto, no Brasil as taxas de juros são bastante elevadas e, por isso, é possível que a sua variação afete o comportamento dos consumidores, contrariando o senso comum. Attanasio et al. (2008) argumentam que a demanda por empréstimos dos indivíduos que não se defrontam com a restrição ao crédito deve ser função da taxa de juros (preço), mas independente do prazo de pagamento. Por outro lado, os consumidores que sofrem restrição de crédito devem ser menos sensíveis a variações nos preços e mais sensíveis a variações no prazo de pagamento.
físicas do SCR – Sistema de Informações de Crédito do Banco Central do Brasil. A abordagem proposta neste trabalho segue Attanasio et al. (2008). Neste mercado, é possível que exista um viés de seleção na amostra, pois os contratos de financiamento estão disponíveis somente para as pessoas que compraram e financiaram a aquisição. Ademais, tanto a taxa de juros quanto o prazo de pagamento são potencialmente endógenos nos contratos. Para a estimação, será utilizada a metodologia semiparamétrica proposta por Das, Newey e Vella (2003).
2. modelo empírico A equação de demanda por financiamento que queremos estimar pode ser representada da seguinte forma:
( )
Equação 1: ln(emprest ) = γx + f r , T + ε Onde ln(emprest ) é o valor que o consumidor deseja financiar, r é o valor da taxa de juros, T é o prazo do financiamento, x é o vetor de variáveis exógenas e ε é o termo de erro não observado. A estimação da Equação 1 requer tratamento acerca da seleção da amostra e da endogeneidade da taxa de juros e do prazo de pagamento, que serão discutidos a seguir.
3. seleção da amostra Para atender ao objetivo proposto, dispomos de uma cross-section dos financiamentos de veículos (iniciados em maio/2004, 143.636 observações) para pessoas
20
Para estimar a Equação 1, consideramos a seleção amostral, pois o valor do empréstimo é observado
somente para os consumidores que financiaram a aquisição. Para tratar deste problema, utilizamos a base de dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2002-2003 (POF 2002-2003) para imputar a probabilidade de comprar e financiar um automóvel na base do SCR. A única variável disponível para fazer a ligação entre as duas bases é a região2 da agência bancária que concedeu o empréstimo (proveniente do SCR) e a região de domicílio das famílias (POF 2002-2003). 3 Como estamos interessados em modelar apenas o financiamento do automóvel, e não a decisão da sua compra, consideramos que um possível candidato a mercado das famílias que potencialmente poderiam optar por financiar a compra do automóvel (maio/2004) é composto pelas famílias que adquiriram o automóvel nesse período de referência de 12 meses da POF. Definimos a variável d = 1 se o indivíduo comprou e
5. especificação econométrica Para estimar a demanda por empréstimos utilizamos a metodologia proposta por Das, Newey e Vella (2003). A caracterização semiparamétrica do modelo que queremos estimar é a Equação 1, juntamente com Equação 2-Equação 4: Equação 2: p (d = 1 / Z )= Φ (θ d Z ) Equação 3: r = γ j x + β jW + ur Equação 4: T = γ p x + β pW + uT
A Equação 2 expressa a seleção amostral, e a taxa de juros e o prazo (endógenos) são descritos pela Equação 3 e pela Equação 4, respectivamente.
financiou e d = 0 se comprou, mas não financiou.
4. variáveis endógenas
Características individuais não observadas podem estar correlacionadas com a taxa de juros e o prazo4 (viés de variável omitida). Conseguimos controlar parcialmente a heterogeneidade não observada, incluindo características individuais, tais como tempo de relacionamento e número de IFs (instituições financeiras) com as quais o tomador está relacionado. Nossa fonte de instrumentos para os coeficientes da equação de demanda será a equação de oferta. Utilizamos como instrumento variáveis que indicam o grau de competição e o potencial do mercado (calculados com os dados do Estban-2003 e do Estatcart-2006), além de dummies de instituições financeiras.
P (d = 1 / Z ) é desconhecido e por isso deve ser estimado. Neste caso, modelamos a seleção como um
probit (Equação 2), onde Φ () . é a densidade da normal padrão. Definimos d uma variável binária igual a 1 se o indivíduo comprou e financiou, e igual a zero se comprou e pagou à vista. As variáveis explicativas (Z ) são dummies iguais a 1 para a região de residência do comprador e zero caso contrário.
dezembro de 2008
Em um contrato de financiamento de automóveis é provável que o valor do empréstimo, a taxa de juros e o prazo de pagamento sejam determinados conjuntamente.
A idéia básica para a identificação e estimação deste modelo é a inclusão do propensity score, juntamente com os erros estimados ur e uT na Equação 1.
W é o vetor de variáveis que afeta a taxa de juros e o prazo e que pode ser excluído da equação de empréstimo (índice de Herfindahl para empréstimos, a razão crédito/PIB, número de agências por 1000 habitantes, dummies de instituições financeiras e de região). A estimação de cada uma das equações é feita por OLS, computando-se os resíduos.
O vetor x é representado pelas variáveis: classificação de risco da operação, tempo de relacionamento
21
do cliente com a IF em nível e ao quadrado, total de IFs com as quais o cliente mantém relacionamento na data-base, renda (imputada da POF) e médias das taxas de juros e prazo de outras IFs da mesma região, valores de empréstimo e renda similares. Para a estimação da Equação 1, a hipótese de Das, Newey e Vella (2003) é de que a média condicional do erro, ε , dada a seleção, as variáveis endógenas
( jur, prazo ) e as covariadas x, Z é função somente do propensity score e dos erros não observados das variáveis endógenas, ou seja, E (ε / x, Z , jur , prazo, d = 1)= l (u , u , p (d = 1 / Z )). Podemos reescrevê-la, então, como: r
T
dezembro de 2008
Equação 5: ln (emprest )= γx + f ( jur , prazo )
(
)
+l ur , uT , p (d = 1 / Z )
4. resultados
taxa de juros -0,4497
(0,0099)
prazo +0,3293
(0,0268)
Obs: Coeficientes significativos a 1%. Desvio padrão calculado por bootstrap entre parênteses (200 replicações).
A elasticidade da taxa de juros (0,45) é interpretada da seguinte maneira: se a taxa de juros diminuísse em 1%, a demanda por empréstimo aumentaria em 0,45%. De forma análoga, a elasticidade do prazo (+0,33) sugere que se aumentasse o vencimento da operação em 1%, a demanda por empréstimos aumentaria 0,33%. Esses resultados indicam que o consumidor responde tanto à taxa de juros quanto ao prazo de pagamento. O fato de a elasticidade da taxa de juros ser superior à do prazo não permite concluir que neste mercado não está presente a restrição ao crédito. Se ambas as variáveis são importantes na definição do limite de crédito, então o consumidor pode responder mais a uma ou à outra.
4.1. amostra completa Inicialmente, apresentamos os resultados considerando a amostra completa, com 143.636 observações. Para escolher a especificação da equação de empréstimo, estimamos 16 diferentes modelos e escolhemos aquele que minimiza o cross-validation – CV, que é a soma dos quadrados dos erros previstos (no qual se retiraram 200 observações de cada vez, rodou-se a regressão e computaram-se os erros previstos das observações excluídas). Na especificação selecionada, a não-linearidade dos efeitos da taxa de juros e da maturidade é capturada pela iteração entre juros e prazo, além da variável juros e prazo ao quadrado e prazo ao cubo. l(.) é representado pelo resíduo das equações de juros e prazo no nível e ao quadrado e do propensity score no nível, ao quadrado e ao cubo. A partir dos coeficientes estimados, calculamos as elasticidades para o valor médio da taxa de juros e do prazo de pagamento:
22
tabela 1 – elasticidade da demanda por financiamento de veículos
4.2. subdivisão da amostra Para encontrar alguma evidência sobre a importância da restrição ao crédito no mercado de financiamentos de veículos, utilizamos a mesma especificação da subseção anterior, desta vez com a amostra dividida pelo valor do empréstimo. A priori, espera-se que o subgrupo com maior valor de empréstimo tenha maior probabilidade de sofrer restrição ao crédito. A Tabela 2 apresenta as estimativas das elasticidades calculadas no valor médio das variáveis. Verifica-se que os consumidores com menores valores de empréstimo são mais sensíveis à mudança na taxa de juros que no prazo de pagamento. Adicionalmente, os consumidores que tomam os maiores empréstimos respondem mais à variação na taxa de juros e no prazo se comparados com aqueles que tomam menos. Em termos proporcionais, a elasticidade da taxa de juros e do prazo de pagamento é cerca de 3 e 5,5 vezes maior, respectivamente.
tabela 2 – elasticidades para a subamostra Variável
1/2 inferior
1/2 superior
jur
-0,1130 (0,0055)
-0,3271 (0,0150)
prazo
0,0456 (0,0125)
0,2473 (0,0313)
N° obs:
71.818
71.818
Obs: Coeficientes significativos a 1%. Desvio padrão entre parênteses e calculado por bootstrap, com 200 replicações.
Este resultado pode ser um indício de que neste mercado está presente a restrição, com consumidores mais prováveis de sofrer restrição sendo também mais sensíveis à taxa de juros. Esse resultado pode ser explicado pelo fato de que no Brasil as taxas são elevadas e, portanto, uma pequena alteração modificaria sensivelmente os valores das prestações, fazendo com que os consumires respondam a ambas as variáveis.
referências ATTANASIO, Orazio P.; GOLDBERG, Pinelopi K.; KYRIAZIDOU, Ekaterine. Credit constraints in the market for consumer durables: evidence from micro data of car loans. International Economic Review,v. 49, n. 2. May, 2008. DAS, Mitali; NEWEY, Whitney K.; VELLA, Francis. Nonparametric estimation of sample selection models. Review of Economic Studies, 70, p. 33-58, 2003.
1 Neste artigo, iniciamos uma série de quatro textos sumariando os resultados encontrados em minha tese de doutorado, intitulada Estudos empíricos sobre microeconomia bancária no Brasil, recentemente apresentada ao Departamento de Economia da FEA-USP. 2 Neste trabalho, definimos como região a divisão de cada uma das 27 UFs em duas partes (capital e resto), totalizando 54 regiões. 3 Nesse caso, adotamos a hipótese de que o consumidor irá escolher uma agência bancária para fazer o financiamento na região onde reside. 4 Agradecemos ao prof. Gabriel Madeira por nos alertar acerca deste fato.
5. conclusão
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O objetivo deste trabalho é testar se é válida a percepção de que as pessoas se importam menos com as taxas de juros embutidas nas prestações e mais se o valor da prestação é compatível com o orçamento mensal. Se isso for verdade, espera-se que a elasticidade da demanda com relação ao prazo de pagamento seja superior à da taxa de juros, sendo um indício de que os agentes se defrontam com restrição ao crédito. O resultado encontrado é: os consumidores respondem tanto a variações nas taxas de juros quanto a variações no prazo de pagamento, com elasticidades estimadas para a amostra completa de ‑0,45 e 0,33, respectivamente. Além disso, dividindo-se a amostra, o subgrupo com maiores valores de empréstimo é mais sensível ao prazo de pagamento e à taxa de juros do que o subgrupo com menores valores. A conclusão geral é que no mercado de financiamento de automóveis no Brasil os consumidores defrontamse com restrição ao crédito e, ao contrário da percepção comum, eles também respondem a variações nas taxas de juros.
(*) Doutora em Economia pelo IPE-USP. (E-mail:
[email protected]).
23
Pedro Scazufca (*)
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determinantes das exportações industriais: evidência empírica dos municípios de São Paulo
24
1. introdução
2. modelo
De acordo com o modelo de Krugman-Livas (1996), a abertura comercial teria duas conseqüências principais para a geografia interna dos países: a desconcentração da economia em torno da grande metrópole e a especialização regional da atividade econômica. Uma vez que perdem força as ligações para frente e para trás, as firmas podem ter como escolha ótima de localização outras cidades que não as grandes metrópoles, estas últimas sujeitas a elevados custos de congestionamento.
O modelo dos determinantes das exportações locais é composto por variáveis explicativas ligadas à competitividade local, controladas por economias internas à firma e diferenciais setoriais.
Este é o segundo e último artigo da série sobre as exportações industriais dos municípios paulistas iniciada na edição anterior deste boletim Informações Fipe. No artigo anterior, avaliamos os impactos das características espaciais no comportamento exportador das firmas da cidade de São Paulo. Neste artigo é apresentado o modelo de determinantes das exportações e os principais resultados obtidos. O estudo procura evidenciar se a existência de retornos crescentes urbanos, devido à concentração espacial das atividades econômicas, favorece a performance exportadora. A hipótese é de que externalidades positivas, de urbanização (Jacobs, 1969) ou de localização (Marshall, 1890) têm papel relevante no processo de produção das firmas que vendem para o mercado internacional. A incorporação de custos de transporte será também importante neste estudo e se reflete na questão da acessibilidade a mercados internacionais. Outro fator analisado é a questão dos transbordamentos espaciais, de modo que será investigado se há evidência de efeitos de contágio nas exportações das áreas estudadas.
vários setores da economia.
Os fatores de competitividade local devem traduzir os efeitos de economias de aglomeração, custos de congestionamento, acessibilidade, especialização, vantagens de vizinhança e produtividade dos fatores. Além disso, o modelo deveria contemplar alguns controles apropriados para economias internas à firma e diferenciais entre os
3. resultados O principal dificultador para a estimação do modelo econométrico de determinantes das exportações foi o problema de censura nos dados, pois, de um total de 16.255 observações, a variável dependente assume valor diferente de zero para 1.628 observações e valor zero para as demais. Este problema foi tratado no estudo com a adoção de um modelo de variável latente, mais conhecido como Tobit. O modelo Tobit foi estimado com todos os fatores apontados na seção anterior e com a inclusão de dummies de interação para cada um dos setores para os termos Acessibilidade, Energia Elétrica (Aglomeração) e Especialização.1 A estimativa por máxima verossimilhança obteve um R 2 de 0,32. A análise dos resultados do modelo estimado será feita em duas etapas. Em primeiro lugar, vamos observar
as estimativas dos parâmetros das variáveis sem dummies de interação. Em segundo lugar, as estimativas dos parâmetros para as variáveis que contam com dummies de interação. As variáveis Densidade e Densidade Quadrática não se mostraram estatisticamente significantes. A variável Capital Humano apresentou sinal positivo, indicando que este é um diferencial dos municípios favorável à maior exportação das empresas. Este resultado era esperado, uma vez que a literatura de comércio associa positivamente exportações e capital humano. De acordo com Zockum (2002), a comparação entre empresas brasileiras de mesmo tamanho mostra que as exportadoras são mais produtivas por unidade de trabalho.1 Assim, do ponto de vista da firma que quer exportar, pode ser interessante se instalar em uma área em que a mão-de-obra é relativamente mais qualificada. De fato, dentre todas as variáveis utilizadas, Capital Humano é a que apresenta maior correlação com as Exportações Industriais A variável que capta as Economias Internas às firmas apresentou sinal positivo e significância estatística. A inclusão desta variável procura controlar os efeitos que são inerentes à firma e não ao local. De fato, as
Os Coeficientes de Concentração no setor, tanto para o município quanto para a média dos vizinhos, apresentaram sinal positivo, como esperado. Dessa maneira, há um indício de que fatores que favorecem a concentração da atividade econômica em determinada região levam a um aumento de produtividade das firmas e as tornam mais competitivas para exportar. Um exemplo desta dinâmica é o acesso a uma mesma rede de fornecedores regionais. No primeiro artigo da série foi mostrado que a estatística I de Moran não
No caso da variável Acessibilidade, os resultados também podem ser divididos em dois grupos de setores, de acordo com a significância estatística da variável. A variável mostrou-se estatisticamente diferente de zero para dez setores; para três deles (Couro, Combustíveis e Vestuário) o coeficiente estimado apresentou sinal positivo, contrariamente ao esperado. Uma vez que quanto maior a distância ao Porto menos favoráveis seriam as exportações, esperava-se que o sinal fosse sempre negativo, o que é o caso dos sete primeiros setores relacionados. De fato, era esperado que a Acessibilidade fosse mais relevante para aqueles produtos de menor valor agregado, para os quais o custo de transporte tem maior participação no custo total da mercadoria. O Coeficiente de Especialização mostrou-se positivo e significante para 15 setores. Estes resultados revelam que a especialização do município em determinada atividade econômica, relativamente ao resto do Estado, contribui para as exportações. O Coeficiente de Especialização capta um dos aspectos das economias de localização Marshallianas: forças centrípetas ligadas a fatores como spillovers tecnológicos favorecem a concentração espacial de determinados setores e parecem também favorecer as exportações. Como mostrado no primeiro artigo da série, as exportações dos municípios estão, em geral, concentradas em um único grupo de produtos.
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grandes firmas exportadoras representam 93% do total exportado. No entanto, a magnitude dos coeficientes estimados é pouco representativa, o que pode levar à interpretação de que economias internas à firma são pouco relevantes para exportar. Contudo, deve-se levar em conta que esta variável não foi construída com dados das próprias empresas exportadoras, mas sim como o produto médio das firmas de um determinado setor em um município.
é significante para boa parte dos setores estudados, ou seja, não se confirma a autocorrelação espacial para os setores exportadores. Porém, deve-se tomar o cuidado para interpretar este resultado perante o que nos mostram os parâmetros de Concentração e Concentração do Vizinho no modelo Tobit. A inclusão de dummies de interação no modelo permite comparar se há diferença na influência da variável entre setores distintos. No caso da Energia Elétrica, que é um indicador de economias de aglomeração, todos os coeficientes estimados que foram estatisticamente significantes apresentaram o sinal esperado, correspondendo a 15 setores.
O Quadro 1 mostra uma nova perspectiva para as diferenças intersetoriais da importância de Es-
25
pecialização, Aglomeração e Acessibilidade como determinantes das exportações. Os 19 setores foram classificados em um dos oito grupos que contemplam todas as possíveis combinações destes três fatores explicativos das exportações. quadro 1 – fatores explicativos das exportações dos setores
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Determinantes
Setor(es)
1 Especialização Aglomeração Acessibilidade
Minerais não-metálicos Metalurgia e Siderurgia Químicos Máquinas e Equipamentos
2 Especialização Aglomeração
Combustíveis Couro Madeira Metal Móveis Vestuário Têxtil Informática e Escritório
3 Especialização Acessibilidade
Alimentos e Bebidas
4 Aglomeração Acessibilidade
Papel e Celulose Materiais Elétricos
5 Especialização
Eletrônicos e Telefonia Gráfica e Gravações
6 Aglomeração
Transporte
7 Acessibilidade 8 Nenhum
Fumo
Alguns pontos devem ser destacados com relação a estes oito grupos. O Grupo 1 é composto pelos setores que obtiveram todos os resultados para os determinantes como esperado, ou seja, Especialização, Acessibilidade e Aglomeração mostraram-se relevantes para as exportações. Este grupo é composto por quatro setores com alta integração interindustrial. O principal setor exportador deste grupo é Máquinas e Equipamentos (12% do total das exportações). As empresas exportadoras deste grupo estão localizadas, sobretudo, em Piracicaba, São Bernardo do Campo e São Paulo. Nos três demais setores, destacam-se empresas localizadas em: Jundiaí, São José dos Campos e Sumaré (Minerais não-metálicos); São Paulo, Alumínio e Pindamonhangaba (Metalurgia e Siderurgia); e Santo André, Paulínia, São Bernardo do Campo e Americana (Produtos Químicos).
26
O Grupo 2 conta com oito setores, o maior número entre os oito grupos. Para estes setores, Aglomeração e Especialização são importantes para exportar, mas Acessibilidade não. É interessante notar que neste grupo encontram-se alguns dos clusters tradicionais paulistas, como Couro, que conta com empresas exportadoras localizadas especialmente nos municípios de Franca, Lins e Presidente Prudente. Neste caso, a preponderância da Especialização pode fazer com que se deixe de lado a questão da Acessibilidade, uma vez que os três municípios estão localizados a mais de 400 km do Porto de Santos. Os demais grupos são menos representativos no total exportado. No caso de Móveis, as exportações são feitas em boa parte por empresas localizadas em São Carlos. Já para Produtos de Madeira, por empresas localizadas em Tietê e Salto e, para Vestuários, empresas localizadas em Votorantim e Tatuí. O grupo Produtos de Metal, que exclui Máquinas e Equipamentos, inclui entre outros equipamentos bélicos, produtos de serralheria, ferramentas e outros de metal. Este grupo não possui um padrão de localização bem definido. Já as empresas exportadoras do setor de Produtos Têxteis encontram-se bastante concentradas em alguns poucos municípios, com destaque para Itarapirapuã Paulista e Cajamar. Por fim, o setor de Informática e Escritório concentra suas exportações em municípios grandes, especialmente em Taubaté, Campinas e Sorocaba. O Grupo 3 é composto pelo principal setor exportador, Alimentos e Bebidas, para o qual Especialização e Acessibilidade se mostraram fatores relevantes. Este setor é caracterizado por baixa integração interindustrial e é o que está presente em maior número de municípios, 206 no total, sendo estes municípios de tamanhos diversos. Fazem parte deste grupo desde o município de Jumirim, que possui pouco mais de 2 mil habitantes, até o município de São Paulo. Dessa maneira, não surpreende que, para este grupo, Aglomeração não seja um fator relevante. O Grupo 4 é composto pelos setores Papel e Celulose e Materiais Elétricos, e é caracterizado pelo resultado de que Especialização não é um fator relevante para determinar as exportações. No caso de Papel e Celulose, este resultado pode parecer surpreendente e um
de seus possíveis motivos pode ser o fato de que 33% do total exportado pelo setor foi realizado por empresas localizadas no município de São Paulo. Neste município, o Índice de Especialização para Papel e Celulose não é alto. Por outro lado, o setor de Papel e Celulose é bastante relevante para os municípios de Suzano e Limeira, que também contam com importantes empresas exportadoras do setor. Para o setor de Materiais Elétricos, responsável por 2,5% do total de exportações, a interpretação é semelhante. As empresas desse setor, que fabricam desde eletrodomésticos até transformadores elétricos, estão localizadas em grandes municípios como Sorocaba, Campinas, Guarulhos e São José dos Campos, que possuem economia bastante dinâmica e por isso o Índice de Especialização para este setor não é alto.
Para o Grupo 6, a única variável relevante é Aglomeração e é composto somente pelo setor de Transporte. Este último é o segundo principal setor exportador, ficando atrás somente de Alimentos e Bebidas. O setor agrega uma grande variedade de produtos que incluem a fabricação de veículos diversos como caminhões, automóveis e tratores, mas também peças e acessórios para automóveis e ainda outros veículos incluindo aeronaves. Dessa maneira, este não é um grupo uniforme nos 89 municípios que o compõem e deve-se destacar que boa parte da produção exportada concentra-se nos municípios de São José dos Campos e São Bernardo do Campo. Neste caso, uma possível justificativa para Acessibilidade não ser diferente de zero é que parte representativa deste setor, mais precisamente as aeronaves, não é exportada pelo modal portuário. Uma possível explicação para Especializa-
O Grupo 7 tem como única variável relevante Acessibilidade, mas não contempla nenhum dos setores. Por fim, o Grupo 8 é composto pelo setor Fumo, para o qual Especialização, Acessibilidade e Aglomeração parecem não influenciar nas exportações. Após a análise dos fatores que afetam as exportações de cada um dos setores, vale a pena fazer um exercício para quantificar o impacto de cada variável nas exportações setoriais das cidades. A Tabela 1 mostra o impacto esperado nas exportações da variação em 1% nas variáveis explicativas. As exportações são mais elásticas às variações da especialização, do capital humano, da acessibilidade, da energia elétrica (aglomeração) e dos coeficientes de concentração dos vizinhos, nesta ordem. Vale mencionar que para as três variáveis que foram estimadas com dummies de interação para os setores, o valor apontado é uma média para todos os setores. tabela 1 – retorno das economias de localização sobre as exportações setoriais das cidades Variável
Impacto
Especialização
0,24%
Capital Humano
0,17%
Acessibilidade
0,14%
Energia Elétrica (Aglomeração)
0,12%
Vizinhança
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Especialização é a única das três variáveis relevante para o Grupo 5, composto pelo setor de Eletrônicos e Telefonia e Gráfica e Gravações. Uma característica marcante deste primeiro setor é que dois terços do total exportado são originados em empresas localizadas no município de Jaguariúna, sendo o principal produto exportado terminais portáteis de telefonia celular. Já o setor de Gráficas e Gravações é pouco relevante para o total exportado (0,11%), e suas exportações estão concentradas em empresas localizadas em Itapetininga e Barueri.
ção não ter se mostrado relevante para Transportes é que as principais empresas que exportam neste setor estão localizadas em municípios com economia bastante dinâmica e diversificada, nas quais as economias de urbanização se sobreporiam às economias de localização.
0,04%
Este estudo mostrou um panorama das exportações industriais para 19 setores dos municípios do Estado de São Paulo. Os resultados obtidos com o Modelo de Determinantes das Exportações indicam que padrões espaciais distintos podem influenciar o desempenho exportador das firmas. A associação entre especialização, concentração espacial da atividade econômica em municípios vizinhos e performance exportadora sugere que existem importantes efeitos de transbordamentos
27
espaciais em alguns setores que podem beneficiar as exportações. Neste sentido, seria interessante avaliar em que medida a base exportadora pode ser ampliada, beneficiando maior escala de municípios.
referências JACOBS, J. The economy of cities. New York: Vintage, 1969. KRUGMAN, Paul.; ELIZONDO, Raul Livas. Trade policy and third world metropolis. Journal of Development Economics, 49, p.137-150, April, 1996. MARSHAL, A. Principles of Economics. London: MacMillan, 1890.
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ZOCKUN, M. H. Diferenciais de produtividade na indústria. In: CHADDAD; J.P.Z.,; FERNANDES, R., O mercado de trabalho no Brasil: políticas, resultados e desafios. MTE/FIPE/ Departamento de Economia FEA-USP, 2002.
28
1 Em um primeiro momento foram também incluídas dummies para os coeficientes de concentração e para a densidade. No entanto, os coeficientes estimados com as dummies não se mostraram estatisticamente diferentes dos coeficientes estimados sem as dummies. 2 De acordo com esta autora, a produtividade média das empresas exportadoras é 72% maior do que as não-exportadoras.
(*) Mestre em Economia pelo IPE-FEA-USP. (E-mail:
[email protected]).
José Barreto de Andrade Neto (*)
análise dos efeitos de integrações verticais e uma aplicação para o mercado brasileiro de GLP 1. introdução O consenso sobre os potenciais efeitos anticompetitivos de atos de concentração horizontais não se verifica em relação aos atos de concentração verticais. Por essa razão o número de contestações de casos de fusões verticais é muito menor do que os casos de fusões horizontais. Naqueles casos, em geral, as autoridades de defesa da concorrência não consideram a adoção de restrições de natureza comportamental, mas condicionam a aprovação da operação ao monitoramento das variáveis que possam refletir alguma prática anticompetitiva vertical.
Serão apresentados os resultados, de maneira resumida, dos Estados do Rio Grande do Sul, Bahia e São Paulo, pois eles se enquadram dentro dos três padrões de resultados possíveis.
2. M H I – Í n d i c e H i r s c h m a n - H e r f i n d a h l Modificado O objetivo deste estudo é apresentar o modelo desenvolvido por Hendricks e McAfee (2007), no qual
Considere o mercado de um bem intermediário Q , formado por n firmas possivelmente verticalmente integradas. Seja C ( xi , γ i ) a função custo de produção da firma i , onde xi é a quantidade produzida e γ i é a capacidade de produção. 3 Supondo retornos constantes, esta função pode ser reescrita da seguinte forma:
C ( xi , γ i ) = γ i c( xi γ i )
onde c(⋅) é uma função convexa e estritamente crescente. Seja V ( q j , k j ) a função valor do consumo da firma distribuidora j gerado pelo consumo da quantidade q j , dada uma capacidade de processamento fixa k j .4 Supondo, novamente, retornos constantes, esta função pode ser reescrita da seguinte forma:
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Diante disto, o objetivo deste artigo é aplicar o MHI, medida de concentração sugerida por Hendricks e McAfee, a um Ato de Concentração Vertical (aquisição da Agip pela BR) em um mercado cujos vendedores e compradores possuem poder de mercado, com vistas a identificar os impactos da operação sobre a concorrência. O MHI é capaz de captar a mudança de incentivos de todas as firmas do mercado estudado após o Ato de Concentração, e permite que o efeito líquido da integração seja medido através das variações das margens preço/custo das firmas da indústria.1
o MHI se baseia. Este índice será aplicado na análise da aquisição da Agip pela BR. Sendo assim, apesar da generalidade da teoria, as compradoras do mercado intermediário serão chamadas de distribuidoras, e as 2 vendedoras de produtoras.
V (qi , ki ) = ki v(qi ki ) = ki r (Q)(qi ki ) − w(qi ki ) onde r (Q ) é a função de demanda inversa do mercado de downstream, e w(⋅) é uma função convexa e estritamente crescente que representa os custos de distribuição. Este modelo permite que as firmas do mercado de upstream e downstream se comportem de maneira estratégica e possam, assim, exercer poder de mercado. Cada firma relata ao mercado um par de capacidades ∧ ∧ ( γ i , ki ) . Se uma firma é apenas produtora, seu espaço
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de∧ mensagem é restrito aos pares ordenados do tipo ( γ i ,0) . Se uma firma apenas distribui, seu espaço de mensagem é restrito aos pares ordenados do tipo ∧ (0, ki ) . Uma firma apenas produtora, por exemplo, pode ∧ escolher relatar um par de capacidades ( γ j ,0) tal
Dados os relatos dos agentes, o preço de mercado é aquele que iguala as curvas de custo marginal relatadas com as curvas de valor marginal do consumo relatadas:
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∧
n
∑x i =1
i
n
= Q = ∑ qi i =1
Depois de algumas manipulações das identidades acima, podemos concluir que as funções de oferta e demanda desse mercado intermediário são dadas por:
Q Q c ' = p = r (Q) − w ' Γ K
r dQ r =− =α Q dr Qr '
Seja θ a razão entre o preço do mercado de upstream p e o preço do mercado de downstream r . Por conveniência serão usadas as letras A, B e C definidas da seguinte forma:
A = α −1 , B = (1 − θ )β −1 , C = θη−1
Procuramos um índice análogo ao HirschmannHerfindahl Index (HHI), o principal índice usado na mensuração de concentrações horizontais. Este índice é calculado através da soma dos quadrados das parcelas de mercado de todas as firmas da indústria que se pretende analisar. Além disso, em uma competição de Cournot o HHI é proporcional ao somatório da margem preço/custo de cada firma ponderada pela parcela de mercado da respectiva firma, mais precisamente
i
p − ci 1 1 = ∑ si2 = HHI . p ε ε
c '' dQ = 1, Γ dp
p dQ c 'Γ = =η Q dp c '' Q
n
Seja p a margem de distribuição. A demanda total das distribuidoras pelo bem Q é definida implicita-
Q ∗ = r − p = p . Derivando implicitaK
mente por w '
mente esta função, podemos encontrar a elasticidade de distribuição:
i eo
seu custo marginal de distribuição ponderada por si é igual a (r − p − w 'i ) si , enquanto a diferença entre o preço recebido pela produtora i e o seu custo marginal de produção ponderada por si é igual a ( p − c 'i )s i . Sendo assim, um índice análogo ao HHI, capaz de medir a concentração do mercado do bem Q , possui o seguinte formato:
∗
30
∑s
A diferença entre a margem da distribuidora
A oferta total de mercado do bem Q é definida implicitamente por c '(Q Γ) = p . Derivando implicitamente esta função, podemos encontrar a elasticidade de oferta das produtoras:
−
∧
c '( xi γ i ) = p = r (Q) − w '(qi k i ) i = 1,..., n
com
p ' dQ w ' K = =β Q dp∗ w '' Q
Finalmente, a elasticidade de demanda do mercado de downstream é dada por:
∧
que γ j < γ j . O efeito deste relato, como será visto, é equivalente àquele obtido pela apresentação de uma curva de custo marginal superestimada às outras firmas.
w '' dQ = 1, K dp∗
1
∑ r [(r − p − w ' )s i =1
i
i
+ ( p − c 'i )s i ]
Como o HHI, o MHI índice é positivamente relacionado à diferença entre o preço praticado e o preço que prevaleceria em um mercado competitivo. Para
encontrar este índice, observe que o lucro da firma
i é:
π i = r (Q)qi − ki w(qi ki ) − γ i c( xi γ i ) − p (qi − xi ) ∧
∧
A firma i escolhe o par ( γ i , ki ) que maximiza seu lucro, portanto, usaremos algumas das expressões ∧ anteriores para reescrever o lucro em função de γ i e ∧ ki . Cada firma i resolve o seguinte problema: ∧
π i = w '(Q K ) max ∧ ∧ ki ,γi
∧
∧
∧
γ Q γ Q ki Q ki Q − ki w( ) + c '(Q Γ) i − γ i ( i ) Γ Γγ i K Kki
Este problema gera, para cada firma, duas condições de primeira ordem que, após algumas manipulações, nos permitem reescrever em termos de elasticidades, preços e parcelas de mercado:
(
BC ( s − s ) 2 + ABs 2 (1 − s ) + ACs 2 (1 − s ) n i i i i i i MHI = ∑ A(1 − s i )(1 − si ) + B (1 − s i ) + C (1 − si ) i =1
)
Por um lado, a Integração Vertical tende a reduzir as margens preço/custo devido à eliminação da margem entre a firma adquirida e a adquirente. Por outro lado, tende a aumentar devido ao aumento da margem da transação entre a firma adquirente e as outras firmas do mercado, caso a adquirente seja uma grande vendedora ou compradora líquida. O modelo de Hendricks e McAfee capta a mudança de incentivos pós-fusão de todas as firmas do mercado estudado e permite que o efeito líquido da integração em termos de variação de preço e quantidade produzida seja medido de forma objetiva. 5
A comercialização de GLP no Brasil se dá, regularmente, através de três segmentos: produtor/importador, distribuidor e revendedor. Em 2004, a Petrobrás era responsável por 99,47% do GLP produzido no Brasil e era a única importadora do produto. Neste mesmo ano, 20 distribuidoras eram autorizadas a atuar no mercado sem nenhuma restrição quanto à área de operação. Contudo, as imposições relativas à localização das empresas distribuidoras impostas pelo extinto Conselho Nacional do Petróleo levaram essas empresas a consolidarem sua participação nestas áreas. Essa situação manteve-se mesmo após a liberação em 1990. Essas localidades eram usualmente delimitadas pela área de alguns Estados brasileiros. Por esse motivo, o mercado geográfico relevante que será considerado 6 neste trabalho é o estadual. O setor de revenda de GLP é caracterizado pela presença de um grande número de estabelecimentos que possuem pequena escala de venda. A BR adquiriu todas as ações da Agip do Brasil S.A. no dia 09 de agosto de 2004. Entre as atividades da Agip, podemos destacar a distribuição de GLP. Levando em conta que a BR é uma subsidiária da Petrobrás, que, por sua vez, é a maior produtora de derivados de petróleo, inclusive GLP, a aquisição da Agip pela BR resulta em uma Integração Vertical significativa no mercado brasileiro de GLP. O cálculo do MHI necessita das parcelas de mercado das distribuidoras e das produtoras, dos preços do produtor e de distribuição, da elasticidade de oferta das produtoras, da elasticidade de distribuição e da elasticidade de demanda do mercado de downstream. Os dados referentes aos preços e as parcelas de mercado foram obtidos junto à ANP. A dificuldade de se obter boas estimativas das elasticidades de oferta das produtoras e da elasticidade de distribuição, por se basearem nas funções de custo das produtoras e das distribuidoras, é notória. Além disso, a pequena variação dos preços de distribuição, verificada em todas as unidades da federação, torna uma estimativa da elasticidade de demanda do mercado de downstre-
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Este índice, a exemplo do HHI, é inversamente relacionado com a quantidade comercializada. O procedimento utilizado pelas autoridades de defesa da concorrência na análise de fusões horizontais baseiase na comparação entre o valor do HHI pré-fusão e pós-fusão. O mesmo procedimento será adotado em relação ao MHI na análise da aquisição da Agip pela BR.
3. análise da aquisição da Agip pela BR
31
am pouco confiável. Dessa forma, o cálculo do MHI será feito com o uso de pontos igualmente espaçados dentro de intervalos baseados em informações qualitativas acerca do mercado em questão.
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A AGIP tinha uma parcela de mercado de aproximadamente 41% no Rio Grande do Sul, de 19% em São Paulo e de 17% na Bahia. Quanto maior for a posição líquida da vendedora, maior será a base sobre a qual incidirá um determinado aumento de preço. Esses percentuais indicam, portanto, que o incentivo do Grupo Petrobrás para aumentar o preço do bem intermediário é maior na Bahia e menor no Rio Grande do Sul. Tendo em mente estas idéias, pode-se esperar que quanto maior for a parcela de mercado da AGIP, maior será o ganho em termos da redução da dupla margem conseqüente da internalização das trocas entre as firmas participantes da integração, e menor será o incentivo do Grupo Petrobrás para aumentar o preço do bem intermediário. Sendo assim, pode-se esperar que a elevada parcela de mercado da AGIP no Estado do Rio Grande do Sul faça com que o efeito líquido da operação seja positivo. A Tabela 1 apresenta um resumo dos resultados para o RS: tabela 1 – cálculo do MHI para o Estado do RS α
β
χ
MHI préfusão
MHI pósfusão 7 (naive)
1.5
1.5
0.3
94.32
77
81.04
1.5
1.5
0.8
93.66
77.47
80.82
1.5
1.5
1.3
93.32
77.7
80.71
1.5
1.5
1.8
93.12
77.83
80.64
1.5
1.5
2.3
92.99
77.91
80.6
2
0.75
0.3
103.77
69.51
78.24
2
1.5
0.3
77.61
60.37
64.36
2
2.25
0.3
68.59
56.8
59.63
2
3
0.3
64.02
55.03
57.25
2
3.75
0.3
61.25
53.98
55.81
0.5
2.25
0.8
218.60
206.80
209.63
1
2.25
0.8
118.4
106.91
109.57
1.5
2.25
0.8
84.96
73.64
76.2
2
2.25
0.8
68.21
57.01
59.51
2.5
2.25
0.8
58.16
47.04
49.49
Fonte: Elaboração própria.
32
MHI pósfusão
Observe que, independentemente do valor das elasticidades, o MHI pós-fusão é sempre menor do que o MHI pré-fusão. Portanto, podemos concluir que a operação diminuiu as margens preço/custo ponderadas da indústria. As seguintes Tabelas 2 e 3 contêm um resumo dos resultados para os Estados da Bahia e de São Paulo: tabela 2 – cálculo do MHI para o Estado da BA α
β
χ
MHI préfusão
MHI pósfusão
MHI pósfusão (naive)
1.5 1.5 1.5 1.5 1.5 2 2 2 2 2 0.5 1 1.5 2 2.5
1.5 1.5 1.5 1.5 1.5 0.75 1.5 2.25 3 3.75 2.25 2.25 2.25 2.25 2.25
0.3 0.8 1.3 1.8 2.3 0.3 0.3 0.3 0.3 0.3 0.8 0.8 0.8 0.8 0.8
95.42 94.67 94.3 94.08 93.93 105.77 78.7 69.34 64.59 61.71 219.35 119.13 85.67 68.92 58.86
98.22 97.18 96.68 96.4 96.21 117.58 81.48 70.55 65.23 62.09 220.58 120.29 86.78 70 61.74
91.37 90.66 90.31 90.1 89.96 97.77 74.65 66.63 62.55 60.08 216.64 116.43 82.98 66.23 56.17
Fonte: Elaboração própria.
tabela 3 – α
β
χ
MHI préfusão
MHI pósfusão
MHI pós-fusão (naive)
1.5 1.5 1.5 1.5 1.5 2 2 2 2 2 2.5 0.5 1 1.5 2
1.5 1.5 1.5 1.5 1.5 0.75 1.5 2.25 3 3.75 2.25 2.25 2.25 2.25 2.25
0.3 0.8 1.3 1.8 2.3 0.3 0.3 0.3 0.3 0.3 0.8 0.8 0.8 0.8 0.8
93.37 92.81 92.53 92.36 92.25 102.11 76.66 67.93 63.34 60.84 57.57 217.93 117.77 84.34 67.61
94.08 93.42 93.1 92.92 92.8 108.32 77.36 67.82 63 60.45 57.42 217.84 117.66 84.21 67.47
88.74 88.24 87.99 87.84 87.73 92.98 72.04 64.83 61.18 58.97 54.51 214.83 114.69 81.27 64.55
Fonte: Elaboração própria.
O MHI pós-fusão para a Bahia é sempre maior do que o MHI pré-fusão, indicando um aumento das margens preço/custo ponderado da indústria, enquanto o MHI pós-fusão para São Paulo pode ser maior ou menor do que o MHI pré-fusão, dependendo do trio de elasticidades considerado. Além disso, a diferença entre o MHI pós-fusão e o MHI pré-fusão é pequena. Novamente, os resultados podem ser explicados pela posição líquida do Grupo Petrobrás, já que a AGIP possui uma parcela de mercado menor na Bahia do que em São Paulo. Adicionalmente, observe que em todos os Estados o MHI pós-fusão “naive” é sempre menor do que o MHI pré-fusão. Isso ocorre porque a versão “naive” não leva em consideração a mudança de incentivos das firmas do mercado, em especial, a mudança de incentivos das firmas fusionadas, e, por isso, apenas os aspectos positivos da Integração Vertical são considerados.8
4. conclusão
Posteriormente, foi feita a aplicação do MHI na análise da aquisição da Agip pela BR, com o objetivo de verificar seus efeitos em termos da variação do somatório da margem preço/custo de cada firma ponderada pela parcela de mercado da respectiva firma. A aplicação foi feita no Rio Grande do Sul, na Bahia e em São Paulo, pois estes Estados apresentam os três tipos de resultados possíveis. Verificou-se que: • o MHI pós-fusão é sempre menor do que o MHI pré-fusão no Estado do Rio Grande do Sul, indicando que a operação reduziu as margens preço/ custo ponderadas da indústria neste Estado,
• o MHI pós-fusão é maior ou menor do que o MHI pré-fusão em São Paulo. Neste caso, a análise é inconclusiva.
referências Andrade, J.B. Análise dos efeitos de integrações verticais e uma aplicação para o mercado brasileiro de GLP. 2008. Dissertação (Mestrado), IPE-FEA-USP. São Paulo. Hendricks, K.; McAFEE, P. A theory of bilateral oligopoly. 2007
1 A diferença entre preço e o custo marginal como fração do preço ( p − c p ) será chamada de margem preço/custo. A margem preço/custo é usada como indicador de poder de mercado por ser uma medida da diferença entre o preço praticado e o preço que prevaleceria em um mercado competitivo. 2 Os termos upstream e downstream serão usados para designar, respectivamente, o setor anterior e o posterior de uma determinada etapa de uma cadeia produtiva. 3 Este parâmetro é igual a zero caso a firma i não opere no setor de upstream. 4 Este parâmetro é igual a zero caso a firma i não opere no setor de downstream. 5 Para uma demonstração detalhada da fórmula do MHI, bem como uma discussão acerca da mudança de incentivos das firmas, ver Andrade (2008).
dezembro de 2008
Neste trabalho foi feita uma apresentação do modelo de Oligopólio Bilateral de Hendricks e McAfee. O modelo dos autores considera dois aspectos importantes da teoria de Integração Vertical: a eliminação da dupla margem conseqüente da internalização das trocas entre as firmas participantes da integração, e a possibilidade de fechamento de mercado resultante da mudança de incentivos pós-fusão. O MHI pode ser aplicado na análise de Atos de Concentração Vertical, e permite que os efeitos desses atos sejam avaliados de maneira objetiva.
• o MHI pós-fusão é sempre maior do que o MHI pré-fusão na Bahia, indicando que a operação aumentou as margens preço/custo ponderadas da indústria neste Estado, e
6 Esse também é o mercado geográfico relevante considerado pelo parecer da SEAE que analisou a operação em questão. 7 A versão “naive” do MHI pós-fusão é obtida através da simples substituição da soma das parcelas de mercado das firmas participantes da operação na fórmula do MHI, enquanto o cálculo do MHI pós-fusão é feito através da estimação das parcelas de mercado pós-fusão. A versão “naive” ignora a mudança de incentivos das firmas, e, por isso, não capta um possível aumento de preços decorrente da prática de fechamento vertical. 8 Para maiores detalhes acerca da aplicação e dos resultados, ver Andrade (2008).
(*) Mestre em Economia pelo IPE-FEA-USP. (E-mail:
[email protected]).
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Diva Benevides Pinho (*)
dezembro de 2008
crise na arte? oportunidade de investimentos e de aquisições institucionais? A reabertura da temporada de leilões na Europa e nos EUA, em novembro deste ano, estava sendo aguardada como importante termômetro para avaliação das repercussões da atual crise financeira global sobre o mercado de arte. E, também, para prognósticos sobre o comportamento do mercado de arte diante de uma recessão menor ou maior, sobretudo se fracassarem os socorros bi/trilionários de governos e de bancos centrais no estancamento da cascata de falências de empresas de vários setores econômicos e de seus perversos desdobramentos. À primeira vista, o grande leilão de arte impressionista da Sotheby’s, no dia 3 de novembro de 2008, foi um sucesso de vendas (64% dos lotes apresentados tiveram compradores) e de recordes dos preços de algumas obras como Composição Suprematista, do russo Kazimir Malevich, arrematada por US$ 60 milhões; Vampire, de Edvard Munch, por US$ 37 milhões; Danseuse au Repos, do impressionista francês Edgar Degas, por US$ 37 milhões (nestes dois últimos, acima da prévia avaliação de US$ 30 milhões cada um). Os analistas econômicos, entretanto, não se consideraram devidamente informados e buscaram outros fatos que indicassem ser mais aparente do que real a resistência do mercado de arte à atual crise financeira global. Assim, por exemplo, uma análise do sucesso de Malevich no leilão da Sotheby’s mostra que o fato ocorreu em circunstâncias especiais por se tratar de artista que representa um ícone para os russos (tal como Rothko para os americanos), e a obra leiloada era importante obra-prima do pintor e uma de suas melhores pinturas já oferecidas em leilão. E mais, estava previsto o
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comparecimento de milionários russos, geralmente grandes apreciadores do artista Malevich. Tanto que o lance decisivo foi dado por Roberta Louckx, dealer conhecida por trabalhar com russos nouveaux riches. Naquela mesma noite, foram vendidas várias outras obras de Malevich, enquanto ficaram encalhadas cerca de 24 obras de outros artistas; e mais, algumas obras de artistas renomados nem sequer receberam lance, como Seated Man (1918), de Modigliani, avaliada em US$18 milhões. Outro fato que atraiu a atenção dos analistas econômicos foi a abrupta retirada, desse mesmo leilão, de uma obra de Picasso, estimada em US$30 milhões, com a informação de que seus proprietários desistiram de leiloar a obra por “razões particulares”. Mas ficou uma dúvida: temiam a falta de demanda? Está previsto, aliás, que 2009 será um ano de redução de preços das obras de arte ou de correção da intensa alta de seus preços nos últimos anos, sobretudo entre janeiro de 2005 e janeiro de 2008 (nos EUA, principalmente, a especulação havia elevado os preços em torno de 70%). Há, ainda, outros fatores que podem ajudar a compreender o mercado de arte: BB a impressão de desconfiança da mídia presente na segunda edição da maior feira latino-americana de arte contemporânea – Pinta 2008, realizada de 13 a 16 de novembro no Metropolitan Pavillion, em Nova York (em Chelsea, bairro de Manhattan – a apenas a algumas quadras do epicentro mundial da crise financeira).
A feira Pinta já se tornou referência no mercado americano para a entrada de artistas no catálogo de galerias e museus. Seu objetivo principal é a mudança da imagem da arte latino-americana, com destaque para sua diversidade de meios e de linguagens. Em 2008, reuniu 53 galerias de 11 países latino-americanos e de três europeus como convidados especiais.
perts e marchands: as crises geralmente não afetam os preços das obras de qualidade. No mercado brasileiro, por exemplo, recentemente Alberto Leon arrematou, para seus clientes, as obras mais caras do leilão de Aloisio Cravo – três telas de Mira Schendel, por R$ 100 mil cada uma, e um Wesley Duke Lee, por R$ 200 mil.
Na primeira Pinta, em 2007, várias obras foram adquiridas pelo acervo de grandes museus. Entre mais de 300 participantes estavam os brasileiros Sérgio Ca-
Por outro lado, sabe-se que alguns connaisseurs confiam no investimento em obras de arte, mesmo em épocas de recessão. O exemplo mais citado é o da crise econômica de 1929, iniciada em Nova York e espalhada pelo mundo inteiro, causando pânico no mercado de arte: as cotações dos pintores caíram vertiginosamente; os colecionadores, para recuperar o possível, tentaram vender seus estoques; os marchands rescindiram contratos com os artistas e os financiadores retiraram precipitadamente seus capitais. Entretanto, os artistas consagrados e os grandes marchands sobreviveram à queda geral. Então, alguns colecionadores enfrentaram o risco de comprar obras raras a preços muito inferiores aos da cotação; e ganharam muito mais tarde, quando o mercado recuperou seu dinamismo.
margo, Yole de Freitas, Nelson Leirner, Carlos Vergara, Angelo Venosa, Saint Clair Cemin, Waltercio Caldas, Laura Vinci, Milton Machado, entre outros. Outro indicador é que famosas galerias do mundo estão reduzindo em até 40% o preço de suas obras. As duas poderosas e antigas casas de Leilão de Londres, fundadas na metade do século 18 – a Sotheby’s e a Christie’s – anunciaram prejuízos milionários; a primeira, por exemplo, revelou perda de mais de US$ 50 milhões em recentes leilões realizados em Londres, Nova York e Hong Kong.
Todavia, não devem ser esquecidas as experiências históricas anteriores e a recomendação de alguns ex-
Durante a Segunda Grande Guerra, igualmente, a arte representou significativo investimento, que escapava aos controles do fisco e à inflação galopante. E, desde essa época, tem sido crescente a aceitação das obras de arte como “refúgio” ou investimento em épocas de insegurança, apesar de temporariamente sujeitas aos graves reflexos de desfavorável conjuntura econômica nacional e internacional.
dezembro de 2008
Até então, o inchaço do mercado de arte no conjunto dos países de economia dinâmica (crescimento da ordem de 250% nos últimos dois anos) parecia uma bolha prestes a estourar. Daí, a queda dos preços inflacionados, como das obras do japonês Takashi Murakami e de artistas contemporâneos com dificuldade de encontrar compradores. Na China, por exemplo, a arte contemporânea estava supervalorizada: o mercado saltou de US$ 3 milhões em 2004 para US$ 194 milhões em 2007, e em outubro de 2008, apenas 35% dos lotes foram vendidos abaixo de seus preços mínimos. Outro exemplo é o artista Damien Hirst, considerado mais exótico que Salvador Dali – em apenas dois dias depois do estouro da bolha financeira imobiliária (subprime) nos EUA, conseguira US$ 200,7 milhões em um leilão de suas instigantes obras contemporâneas (entre as quais um caríssimo bezerro conservado em formol e enfeitado de ouro).
Em síntese, os exemplos históricos sinalizam a importância de se avaliar se é ou não oportuno investir em obras de arte, sobretudo no caso de compradores institucionais. Ainda que experts sinalizem tendência ou possibilidade de desaceleração, como o provável desaquecimento da demanda dos novos bilionários da Russia, Ásia e Oriente Médio (fortemente aquecida até junho de 2008); ou ainda que o site da artprice alerte (“A crise chega ao mercado de arte”,[...] “a queda do mercado não é mais cenário teórico... é a realidade”).
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Apesar do pessimismo, não devem ser esquecidas as recomendações do mercado de ações, aplicáveis ao mercado de arte: “comprar na baixa e vender na alta”. E estar consciente de que se trata de investimento de risco e de retorno demorado.
dezembro de 2008
Outra ressalva – o mercado de arte funciona com um ritmo peculiar, ao contrário do mercado de ações, que reage imediatamente aos anúncios de maus resultados na economia. Espera-se, portanto, que levará mais tempo para exibir o tamanho do impacto da crise.
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Há, também, uma compensação nada desprezível – a crise diminui a demanda de colecionadores privados, mas estimula os compradores institucionais, públicos e privados, em especial os museus, que aproveitam a oportunidade para aumentar acervos que são democraticamente abertos à admiração do público.
(*) Economista, advogada, professora titular da FEA-USP, pesquisadora da FIPE e membro das associações de amigos AAMAC (MAC-USP) e AMEFEA (Departamento de Economia da FEA-USP). (E-mail:
[email protected]).