A Verdade Da Sombra

  • Uploaded by: Emidio Carvalho
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  • April 2020
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  A verdade da Sombra  Com  certeza  já  reparou  que  quando  a  luz  do  sol  incide  sobre  o  corpo  humano,  este projecta uma sombra, a qual é escura. Quanto mais intensa for a luz do sol,  mais escura será a sombra projectada. Da mesma maneira, todos nós temos uma  parte da nossa personalidade que se encontra escondida, na penumbra. Quanto  mais  luz  possuirmos  mais  escura  será  essa  parte  de  nós.  E  se  não  prestarmos  atenção a esta parte escura de nós ela irá ficar esfomeada, sedenta, enraivecida. E  irá aproveitar um momento de distracção para se mostrar.  Pessoalmente  passei  por  uma  fase  de  tristeza  enorme.  Foi  esta  tristeza  que  me  despertou.  Ouvia  uma  voz  que  me  dizia  que  se  queria  sentir‐me  melhor  teria  primeiro que abraçar a minha tristeza. A solução da minha tristeza encontrava‐ se na minha escuridão, na minha sombra.  A nossa cultura ocidental ensina‐nos a ser bi‐polares. Desde a infância que nos é  ensinado  a  criar  uma  dupla  personalidade.  Luz  e  sombra,  bom  e  mau,  bonito  e  feio.  A  tradição  gnóstica  diz  que  nós  não  inventamos  nada,  simplesmente  nos  limitamos  a  recordar.  Acredito  que isso  é real  quando falo da  sombra. Vejamos  como a nossa sombra individual é criada.  Quando tínhamos um ou dois anos de idade possuíamos aquilo a que poderemos  chamar  de  uma  personalidade  de  360º.  A  nossa  energia  irradiava  de  todas  as  partes  do  nosso  corpo  e  da  nossa  mente.  Uma  criança  a  correr  é  uma  bola  de  energia  viva.  Tínhamos  em  nós  uma  gigantesca  bola  de  energia.  Mas  um  dia  apercebemo‐nos que os nossos pais não gostavam de certas partes da nossa bola.  Diziam  coisas  como  “Não  podias  ficar  sossegado?”  ou  “Não  é  bonito  querer  magoar o teu irmão!”  Às nossas costas temos um saco invisível e, as partes de nós que os nossos pais  não  gostavam,  íamos  enfiando  lá  dentro.  Isto  para  conseguirmos  o  amor  deles.  Quando  chega  a  idade  de  ir  para  a  escola  o  nosso  saco  já  começa  a  pesar  bastante.  Depois  surgem  os  professores,  a  ensinar  a  guardar  mais  aspectos  de  quem  somos  dentro  do  saco.  “Os  meninos  bonitos  não  se  zangam!”  ou  “Quem  grita é feio!”. E assim pegamos na nossa raiva e guardamo‐la no nosso saco.  Quando  tinha  doze  anos  já  possuía  um  saco  com  mais  de  2  quilómetros  de  comprimento e algumas toneladas de peso. Depois vamos para o liceu. E aqui já  não são os adultos a pedir‐nos para guardar aspectos de quem somos dentro do  saco. Aqui somos nós, uns aos outros. Apontamos o dedo aos que não são como  nós.  Queremos  ser  iguais  aos  outros.  e  o  saco  vai  crescendo.  Quando  chegamos  aos  vinte  anos,  de  uma  gigantesca  bola  de  energia  ficamos  com  uma  pequena  fatia.  Imagine  agora  um  homem  de,  digamos,  24  anos,  com  uma  pequena  fatia  de  energia  (o  resto  está  no  saco)  e  vamos  imaginar  que  conhece  uma  mulher.  Imaginemos que ambos têm 24 anos, e ela possui uma pequena e elegante fatia  de  energia  também.  Unem‐se  numa  cerimónia,  e  esta  união  de  duas  fatias  de  energia  é  rotulada  de  casamento.  Mesmo  os  dois  juntos  não  fazem  uma  só  pessoa, tão pouca é a energia disponível. Um casamento, quando o saco ás costas  é grande e pesado, significa uma vida de solidão que tem início na lua‐de‐mel. É 

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  claro que todos mentimos sobre isso. Perguntam‐nos “Então que tal foi a tua lua‐ de‐mel?” e sem sequer pensar na pergunta respondemos “Maravilhosa!”  Culturas  distintas  enchem  o  seu  saco  com  qualidades  distintas.  Nas  culturas  cristãs a primeira coisa a ir para dentro do saco é a sexualidade. Uma estudiosa  da  sombra,  Marie  Louise  von  Franz,  avisa‐nos  contudo  para  o  facto  de  que  até  culturas ancestrais, onde impera o shamanismo por exemplo, também possuem  as  suas  qualidades  a  enfiar  no  saco.  Por  exemplo,  há  culturas  que  colocam  no  saco a individualidade e a criatividade. Nós rotulamos essas culturas de tribais,  ou  comunidades  místicas.    Soa  bem  ao  ouvido  mas  pode  significar  que  os  membros  individuais  sabem  todos  exactamente  as  mesmas  coisas  e  ninguém  sabe  nada  novo.  É  possível  que  o  saco  de  todos  os  seres  humanos  seja  exactamente igual em termos de tamanho.  Passamos  a  nossa  vida,  até  por  volta  dos  20  anos,  a  decidir  que  partes  de  nós  devemos  enfiar  dentro  do  nosso  saco,  e  depois  passamos  o  resto  das  nossas  vidas a tentar tirá‐las para fora do saco. Muitas vezes ficamos com a sensação de  que é impossível abrir o nosso saco.  O nosso lado simpático vai tornando‐se mais e mais simpático, na nossa cultura  idealística. O homem ocidental pode ser um bom médico, que pensa sempre no  bem‐estar dos seus pacientes e possui uma moral maravilhosa. Mas a substância  dentro  do  saco  possui  uma  personalidade  muito  própria.  E  não  gosta  de  ser  ignorada.  Esta  substância  ignorada  irá  saltar  do  saco  no  momento  mais  inoportuno. Ela sentirá a raiva de ser ignorada.  Quando  guardamos  muito  bem  uma  parte  de  nós  no  saco,  essa  parte  irá  regressar mais cedo ou mais tarde. E regressa com um aspecto bárbaro. Imagine  um jovem que fecha o seu saco aos 20 anos e espera mais 15 ou 20 para o abrir  novamente.  O  que  irá  ele  encontrar  no  seu  saco?  Infelizmente,  a  sexualidade,  o  instinto  animal,  os  impulsos  incontrolados,  a  raiva  e  a  liberdade  que  lá  meteu  antes,  mas  com  uma  carga  negativa  assustadora.  Não  são  apenas  aspectos  primitivos em termos emocionais, são hostis à pessoa que abra o saco. O homem  que abra o seu saco aos 45 anos de idade, ou a mulher, irá sentir medo. Ela irá  abrir  o  saco  e  ver  um  monstro.  Qualquer  pessoa  fica  assustada  ao  ver  um  monstro.  Podemos afirmar que qualquer homem na nossa cultura coloca no seu saco o seu  lado feminino, a mulher que há nele. Quando este homem começa a abrir o seu  saco,  por  volta  dos  35  ou  40  anos,  para  voltar  a  entrar  em  contacto  com  o  seu  lado  feminino,  este  aspecto  pode  ser  verdadeiramente  hostil  ao  homem.  Ao  mesmo  tempo,  este  homem,  poderá  experienciar  uma  enorme  hostilidade  por  parte das mulheres no mundo exterior. A regra é a mesma: o exterior é sempre  igual ao interior.  Se uma mulher, que necessita de se sentir aceite pela sua feminilidade, esconde o  seu  aspecto  masculino  no  saco,  poderá  descobrir,  20  anos  mais  tarde,  que  o  masculino  se  tornou  hostil  a  ela  mesma.  Mais  ainda,  este  masculino  pode  ser  desprovido  de  sentimentos  e  brutal  nas  suas  criticas.  Encontrar  um  homem  hostil  com  quem  viver  irá  dar  a  esta  mulher  alguém  a  quem  culpar,  e  aliviar  a  pressão  no  seu  saco,  apesar  de  não  resolver  o  problema  dentro  do  saco.  Entretanto, é provável que ela sinta uma rejeição dupla, do homem dentro dela e  do homem fora dela. Há muita mágoa nestas situações.  www.alegriainterior.com  



  Cada  um  dos  aspectos  da  nossa  personalidade  que  não  amamos  irá  tornar‐se  hostil  a  nós  próprios.  Poderíamos  ainda  acrescentar  que  estes  aspectos  podem  afastar‐se  para  lugares  distantes  e  começar  a  orquestrar  uma  revolta  secreta  contra nós.  A raiva que um homem mete no seu saco aos 8 anos de idade, pode aparecer na  face  da  sua  esposa  aos  40  anos.  Depois  de  15  ou  20  anos  de  um  casamento  aparentemente feliz, a face da raiva mostra‐se e o homem comete uma loucura.  Quantas vezes ouvimos falar do homem que apanha a mulher com um amante na  cama?  Ou  do  homem  cuja  mulher  se  torna  violenta,  alcoólica  ou  deprimida  e  frígida?  A raiva que a mulher esconde no seu saco aos 5 anos de idade pode aparecer na  face  do  seu  marido  aos  45  anos.  E  o  herói,  bom  pai,  honesto  trabalhador,  transforma‐se no vilão que saqueou a empresa, ou violou a filha da vizinha.  Há algum tempo atrás sentia uma enorme revolta por gente que trabalhava em  televisão.  Não  suportava  essas  pessoas!  Uma  noite  dei  por  mim,  em  frente  ao  espelho,  a  pensar  nessas  pessoas.  A  pergunta  que  me  ocorreu  foi  “que  tipo  de  pessoa é capaz de trabalhar em televisão?” e, vendo‐me ao espelho, sem sequer  pensar,  respondi:  “pessoas  honestas  que  acreditam  que  podem  fazer  uma  diferença no mundo.”... E foi com assombro que dei por mim a falar de mim, de  algo  que  sentia  estar  em  mim!  Decidi  continuar  este  o  processo.  Que  tipo  de  pessoa é arrogante? Eu sempre odiara a arrogância nas pessoas. A pessoa que se  sente insegura. Esta doeu! Quantas vezes me senti inseguro! Que tipo de pessoa é  capaz  de  matar  outro  ser  humano?  A  pessoa  completamente  perdida  e  sem  esperança. Sim, já tive momentos em que me senti completamente perdido e sem  esperança. Afinal, todos os aspectos que não suportava nos outros estavam já em  mim! E tinha que os resgatar, caso contrário continuaria a atrair outros para me  mostrar  esses  aspectos  há  tanto  tempo  escondidos.  Agora  olho  para  alguém  arrogante e penso “sim, este sou eu!”  Mas adiante.  A  projecção  é  algo  maravilhoso.  A  psicóloga  Marie  Louise  von  Franz  afirmou  “Porque motivo assumimos que a projecção é sempre algo mau? Muitas vezes a  projecção  pode  ser  útil.”  Esta  afirmação  é  muito  sábia  mesmo.  O  conhecimento  dos  nossos  aspectos  sombrios  não  pode  deslocar‐se  do  subconsciente  para  a  mente  consciente  assim  tão  rapidamente.  Se  eu  não  projectasse,  nunca  conseguiria conectar‐me com o mundo exterior.   As  mulheres  queixam‐se  que  os  homens  pegam  no  seu  aspecto  feminino  e  projectam‐no nas mulheres. Mas se o homem não fizesse isto, como poderia ele  alguma vez sair de casa da mãe? O problema não é a projecção que fazemos, mas  por quanto tempo mantemos essa projecção. A projecção sem o contacto pessoal,  sem a nossa consciência, é perigosa.  Veja‐se um caso emblemático: Marilyn Monroe. Milhões de homens projectaram  a sua feminilidade nesta mulher. Se milhões de homens fazem isto, e não mudam,  o  mais  provável  é  que  esta  mulher  morra.  As  projecções  sem  o  nosso  contacto  pessoal,  sem  a  nossa  consciência  de  que  o  fazemos,  irão  danificar  a  pessoa  que  projecta.  Podemos  ainda  adiantar  que  a  Marilyn  Monroe  chamou  a  si  estas  projecções  como  parte  da  sua  sede  de  poder.  E  os  seus  distúrbios  podem  ter 

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  ocorrido  como  resultado  da  vitimização  a  que  esteve  sujeita  na  infância.  Mas  o  processo  de  projecção,  e  consciencialização,  feitos  de  maneira  delicada  nas  culturas  tribais,  face  a  face,  desaparece  completamente  numa  sociedade  tecnológica  como  a  nossa.  Numa  civilização  de  consumo  imediato  a  sua  morte  era inevitável. Nenhum ser humano consegue viver muito tempo a projectar para  milhões de seres humanos – isto é, para tanta inconsciência – e sobreviver. Daí  ser importante que cada um de nós recupere as suas projecções.  Mas  porque  motivo  haveríamos  de  colocar  num  saco  tantos  aspectos  de  nós  mesmos?  E  porque  motivo  o  haveríamos  de  fazer  em  tão  tenra  idade?  E  se  enfiámos  no  saco  tanta  da  nossa  raiva,  espontaneidade,  fome  de  afecto,  entusiasmo, as nossas partes agressivas e nada atractivas, como podemos então  viver? Alice Miller aborda muito bem este tema no seu livro “The drama of the  gifted child”.  O  drama  é  este:  nós  vimos  a  este  mundo  numa  nuvem  de  glória,  plenos  e  completos,  chegámos  dos  recantos  mais  longínquos  do  universo.  Connosco  trouxemos  apetites  preservados  pelos  mamíferos  do  planeta,  espontaneidade  maravilhosamente  preservada  pelos  nossos  150,000  anos  de  vida  humana  no  planeta, raivas também muito bem preservadas pelos nossos 5,000 anos de vida  tribal – em suma, com o nosso brilho de 360º. E oferecemos esta glória plena e  completa aos nossos pais. E eles recusaram‐na. Eles preferiram um bom rapaz ou  uma  rapariga  bonita.  Este  é  o  primeiro  acto  do  drama.  Não  significa  que  os  nossos pais foram maus, eles precisavam de nós por algum motivo. A minha mãe,  como uma mulher que teve que abandonar Angola, precisava de uma família que  lhe  mostrasse  que  não  tinha  perdido  nada.  Eu  faria  algo  semelhante  a  um  filho  meu: precisaria que ele me mostrasse que eu sou brilhante. Isto é parte do que  significa viver neste planeta. Os nossos pais rejeitaram quem nós éramos ainda  antes  de  podermos  falar,  por  isso  a  dor  da  rejeição  encontra‐se  muito  provavelmente gravada numa parte que não sabe verbalizar do nosso cérebro.  Quando li o livro da Alice Miller caí numa depressão durante três semanas. Com  tantos  aspectos  de  mim  que  desapareceram,  que  poderia  eu  fazer?  Claro  que  podia  construir  uma  personalidade  que  fosse  mais  do  agrado  dos  meus  pais.  Alice  concorda  que  nos  traímos  a  nós  mesmos  mas,  afirma  ela,    “Não  te  culpes  por  isso,  não  podias  ter  feito  diferente.”  Em  tempos  idos  as  crianças  que  se  opunham  aos  seus  pais  eram  provavelmente  mortas  ou  abandonadas  para  morrer  de  qualquer  forma.  Como  crianças  fizemos  a  única  coisa  sensata  de  acordo com as circunstâncias em que nascemos. A atitude mais correcta ao saber  isto é sentir o luto da perda.  Vejamos agora os diferentes tipos de sacos. Quando enchemos excessivamente o  nosso  saco,  ficamos  com  muito  menos  energia  disponível.  Há  pessoas  que,  por  natureza, possuem mais energia que outras. Mas todos possuímos mais energia  do  que  seriamos  alguma  vez  capazes  de  consumir.  Então  para  onde  foi  essa  energia?  Se  colocámos  a  nossa  sexualidade  no  nosso  saco,  quando  crianças,  é  óbvio  que  perdemos  muita  energia  com  a  perda  desse  aspecto.  Quando  uma  mulher  coloca  a  sua  masculinidade  no  saco,  ela  perde  essa  energia.  Podemos  assim  pensar  no  nosso  saco  como  contendo  energia  que  não  se  encontra  disponível.  Se  não  nos  consideramos  criativos,  é  porque  colocámos  a  nossa  criatividade no saco. 

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  Há  ainda  os  sacos  de  instituições,  empresas,  comunidades  inteiras,  regiões,  países  e  continentes.  Mas  estes  sacos,  estas  sombras,  só  podem  ser  curadas  depois de curarmos a nossa sombra pessoal.  Uma  vez  que  os  nossos  sacos  permanecem  fechados  e  as  suas  imagens  escondidas  na  escuridão,  só  conseguimos  ver  o  seu  conteúdo  atirando‐o  inocentemente  para  fora  de  nós,  para  o  mundo  exterior.  Assim,  as  aranhas  tornam‐se  nojentas,  as  cobras  horrorosas,  os  coelhos  são  tarados  que  fornicam  incessantemente,  as  raposas  matreiras  e  as  baratas  feias  e  sujas.  Os  homens  tornam‐se  lineares  e  as  mulheres  fracas.  Os  chineses  só  produzem  artefactos  defeituosos  e  os  americanos  são  gananciosos.  E  todavia,  só  assim  é  que  temos  uma  oportunidade  de  aceitar  e  abraçar  todos  os  aspectos  que  rejeitámos,  que  metemos no nosso saco pessoal.  Quando nós ‘projectamos’ estamos na verdade a dar a nossa energia, ou poder,  que é nosso por direito e faz parte do nosso tesouro enquanto seres completos.   Um  homem  poderá  dar  o  seu  aspecto  sentimental  ou  amoroso  à  sua  esposa,  projectando nela este aspecto. Assim, perde‐o. E quando surge um problema que  necessita  de  um  sentimento  amoroso  para  ser  solucionado,  naturalmente  ele  transfere a acção para a sua esposa.  Que  outros  aspectos,  ou  qualidades,  é  que  um  homem  projecta  nas  mulheres?  Pode projectar a sexualidade animal, o que a pode transformar numa fera sexual,  ou  mesmo  torná‐la  promíscua.  Pode  projectar  a  sua  espiritualidade,  o  que  fará  com que a sua esposa se sinta puritana e superior aos que a rodeiam. Pode ainda  projectar  nela  a  sua  fraqueza  ou  a  sua  insanidade.  Muitos  homens  projectam  a  sua  competência  na  mulher  com  quem  têm  uma  relação.  E  muitos  dão  o  seu  aspecto de bruxa a uma ou mais mulheres à sua volta.  Por  outro  lado,  uma  mulher  pode  projectar  o  seu  herói  interior  no  seu  marido.  Neste  caso  o  marido  irá  sentir‐se  excessivamente  protector  e  nobre  nas  suas  atitudes. Pode projectar o seu poder de Saturno no marido, por forma a que ela  mesma  possa  permanecer  divertida  e  solta,  mas  ele  irá  tornar‐se  mais  e  mais  rígido.  Ela  pode  projectar  nele  o  seu  tirano  interior,  ou  a  sua  espiritualidade.  E  ele irá tornar‐se excessivamente frio e distante. E muitas mulheres projectam o  seu gigante protector num ou mais homens...  Muitas  coisas  podem  acontecer  quando  damos  o nosso  poder  interior  a  outros.  Como exemplo vamos ver o que acontece quando um homem projecta, ou dá, a  sua bruxa interior, e quando uma mulher dá o seu gigante tirano interior.  Quando  o  nosso  talento  interior,  que  nos  faz  sentir  desconfortáveis,  é  exilado,  tudo o que fica é uma gota insignificante incapaz de ser vista à luz do dia.  O  menino  começa  a  projectar  a  sua  bruxa  interior  muito  precocemente,  talvez  aos  dois  ou  três  meses  de  idade.  A  mãe  é  o  melhor  anzol  para  esta  projecção.  Muitos  acreditam  que  o  bebé,  quando  tem  a  primeira  experiência  da  recusa  da  mãe em dar‐lhe de mamar, ou qualquer outra recusa, vê na mãe um verdadeiro  monstro  (literalmente),  com  um  aspecto  visual  medonho.  As  crianças  gostam  naturalmente de histórias com bruxas porque estas provam‐lhe que não é louca.  O menino (e também algumas meninas) vive com este segredo: a mãe, que todos  à sua volta afirmam ser amorosa e cuidadosa, possui por vezes cara de bruxa. E o  menino sabe que é demasiado pequeno para fazer o que quer que seja. 

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  Alguns homens deixam que as suas mães carreguem a projecção de bruxa toda a  vida, mas a maioria, quando se casa, transferem a sua bruxa interior, ou a maior  parte dela, para a sua esposa.   Enquanto os noivos trocam votos numa cerimónia religiosa, há uma outra troca  importante a ocorrer em simultâneo nos recessos do subconsciente. Numa outra  cerimónia, a mãe do noivo passa a projecção de bruxa, que tem carregado desde  os  primeiros  meses  de  vida,  para  a  noiva.  Uma  hora  mais  tarde  a  bruxa  está  devidamente instalada na noiva, apesar de demorar algum tempo até se mostrar.  Na  verdade  nem  a  mãe,  nem  o  noivo,  nem  a  noiva  têm  conhecimento  desta  segunda  cerimónia.    No  final  da  cerimónia  religiosa,  a  mãe  do  noivo  sente‐se  mais  leve  e  a  noiva  sente  um  cansaço  inexplicável.  Mas  depois  de  algumas  discussões, algumas obstinações, e lutas por causa de dinheiro, o noivo apercebe‐ se  que  há  qualquer  coisa  de  bruxa  na  sua  esposa  que  nunca  tinha  visto  antes.  Para  a  esposa  é  como  se  se  estivesse  a  passar  algo  de  bizarro,  apesar  de  não  saber ao certo o que é.   Numa  discussão  ela  sente‐se  mais  gananciosa,  ou  má.  Ou  bruxa.  Uma  cliente  minha  disse‐me  uma  vez:  “Emídio,  antes  de  me  casar  eu  era  uma  mulher  educada,  simpática.  Estou  casada  há  três  anos  apenas,  e  sabes  uma  coisa,  cada  dia  que  passa  torno‐me  mais  e  mais  cabra!”  Entretanto  o  marido  desta  cliente  estava  a  tornar‐se  cada  vez  mais  um  verdadeiro  doce,  o  que  deixava  a  esposa  cada  vez  mais  furiosa.  Por  sua  vez  isto  trazia  mais  para  a  luz  o  lado  bruxa  da  esposa.  Ou  seja,  ela  estava  a  ser  a  projecção  da  irritabilidade  impulsiva,  da  ganância  abrupta,  da  injustiça,  da  hostilidade  inexplicável  e  de  uma  raiva  incontida que era antes da mãe do marido. E agora também do próprio marido.  Não  admira  que  o  marido  aparente  a  calma  que  aparenta  e  tenha  pena  do  comportamento da esposa.  Mas durante a cerimónia do casamento ocorre uma transferência de projecções  idêntica  entre  o  noivo  e  o  pai  da  noiva.  Talvez  os  seus  espíritos  se  encontrem  numa garagem abandonada – uma vez que os corpos físicos estão na igreja. E o  pai da noiva passa para o futuro marido tanto quanto lhe seja possível do gigante  tirano que ele tem transportado para a sua filha. No final da cerimónia o pai da  noiva  sai  sentindo‐se  mais  leve.  O  noivo,  por  outro  lado,  sentir‐se‐á  inexplicavelmente  cansado.  O  noivo  irá  receber  do  pai  da  noiva  outras  projecções:  o  guia  espiritual  dela,  o  pirata  interior,  um  aspecto  bruto  da  sua  feminilidade. Para além da bruxa, a noiva recebe da mãe do noivo a projecção de  desamparada, desonesta e até a raiva de um guerreiro feroz.  A esta primeira fase de projecção podemos chamar de um estado de espírito em  que  o  material  da  sombra,  bem  manobrado  por  treinadores  experientes  (os  pais),  procura  descanso  fora  da  mente  do  dono.  E  muito  provavelmente  irá  permanecer  fora  dele  até  ao  fim.  Os  noivos  poderão  permanecer  nesta  fase  primária durante anos.  Mais  cedo  ou  mais  tarde  uma  das  projecções  começa  a  fazer  barulho.  Qualquer  coisa  que  não  encaixa  lá  muito  bem.  A  esta  fase  secundária  poderemos  chamar  de fase do barulho. A esposa tem atitudes de bruxa umas vezes, e outras não. E  não importa quantas asneiras o marido cometa e quantas vezes olhe para ela à  espera  de  ver  a  bruxa,  ela  começa  a  agir  de  maneira  generosa  e  carinhosa.  Isto  torna‐se  confuso  para  o  homem.  Ele  pode,  inconscientemente,  claro,  começar  a  www.alegriainterior.com  



  chegar  mais  tarde  a  casa  sem  avisar,  ou  esquecer‐se  de  aniversários.  Na  esperança  de  que  a  esposa  note  este  comportamento  e  volte  ao  seu  estado,  projectado, de bruxa. Assim a projecção voltará ao seu devido lugar.  Torna‐se um ambiente ameaçador, quando a projecção começa a fazer barulho.  Imagine que uma mulher colocou a máscara, ou projecção, de gigante tirano no  seu marido e sente‐a como um enorme alivio – pelo menos esse aspecto dela não  está  nela!  Mas  o  que  acontece  se  um  dia  o  marido  deixa  de  ser  o  patriarca  opressor?  O  que  pode  ela  fazer?  Sarilhos!  Ela  pode,  inconscientemente,  claro,  gastar  mais  dinheiro  do  que  ambos  têm,  bater  com  o  carro,  ou  sentir‐se  vitimizada  de  alguma  forma.  Age  como  se  fosse  uma  menina  pequena.  Isto  poderá fazer com que o marido volte a ser o gigante tirano.   Estamos a atravessar uma fase em que muitas pessoas se encontram a projectar  os  seus  guias  espirituais  em  gurus  e  mestres.  Esta  projecção  pode  durar  algum  tempo.  Mas  eventualmente  acaba  por  fazer  barulho.  Descobrem  que  o  guru  é  pedófilo,  ou  extremamente  rico,  ou  tem  um  problema  de  drogas  ou  álcool.  E  aí  temos  os  discípulos  a  viver  uma  ansiedade  para  tentar  aceitar  estes  comportamentos dos seus mestres.  E  como  é  esta  segunda  fase  projectada  nos  filhos?  Por  exemplo,  os  pais  podem  considerar  demasiada  criatividade  e  uma  inteligência  cinética  como  um  problema, hiperactividade, exibicionismo. Algo que os próprios pais já há muito  enfiaram  bem  no  fundo  dos  seus  sacos.  E  chamam  os  filhos  de  distraídos,  preguiçosos ou endiabrados. Tudo projecções! Parece que aquilo que os adultos  mais  projectam  nas  crianças  é  o  diabinho  interior,  capaz  das  maiores  malandrices.  E o que fazem os pais? Zangam‐se com os filhos. E a ira que sai dos  pais é quase sempre desproporcional ao acto que a provoca. Talvez a criança não  faça todos os trabalhos de casa, ou parta um copo, e o pai fica louco de raiva ou  pelo menos o suficiente para punir mais do que o que é necessário. E o que pode  fazer  a  criança?  Ter  medo.  É  terrível  olhar  para  os  olhos  de  uma  criança  e  ver  medo.   Então, quando conseguimos ver nos nossos filhos um ser endiabrado, vemo‐nos  livres de um aspecto nosso que estava escondido no nosso saco. E nós livramo‐ nos de mais um aspecto que estava no nosso saco. Que alivio voltar a ser forte!  Mas  depois  ocorre‐me  que  as  crianças  não  são  naturalmente  endiabradas.  E  então tenho um problema pela frente, porque passei à segunda fase da sombra. E  este  aspecto  ameaça  regressar  a  mim.  Este  é  um  momento  particularmente  perigoso. Nós podemos tornar‐nos violentos quando existe uma ameaça de algo  que pode regressar a nós.  Descrevi  esta  segunda  fase  como  um  estado  da  mente  em  que  ocorre  algum  barulho, alguma inconsistência preocupante. A esposa de um homem transporta  a sua bruxa interior, mas ela não age como uma bruxa o tempo inteiro. O marido  pode transportar o seu patriarca rígido, mas ele não age como tal o tempo todo. E  há  dezenas  de  outros  exemplos  que  poderíamos  aplicar  aqui.  A  China  pode  parecer  defender  os  direitos  humanos  numa  específica  situação,  um  general  pode  tornar‐se  carinhoso,  um  artista  louco  pode  tornar‐se  organizado.  E  isto  é  preocupante.  Nesta  fase  começamos  a  ficar  nervosos,  e  tudo  pode  acontecer.  Qualquer imagem de exuberância, poder, inconsistência ou espontaneidade pode  tornar‐se perigosa.  www.alegriainterior.com  



  A terceira fase dá‐se quando a mente da pessoa perturbada pela falta do alvo em  quem  projecta  activa  a  sua  inteligência  moral  para  poder  reparar  o  barulho  da  segunda fase. A ideia em si é assustadora, porque nós precisamos da inteligência  moral,  e,  todavia,  aqui  transforma‐se  numa  ferramenta  para  continuarmos  inconscientes.  As  pessoas  com  uma  inteligência  moral  activa  tornam‐se  muitas  vezes perigosas, porque no preciso momento em que a máscara cai elas avançam  e voltam a colocá‐la no seu devido lugar. No caso do abuso físico e/ou verbal a  crianças a regra é esta: cada acto de crueldade, consciente ou não, que os nossos  pais tomam é por nós interpretado como um acto de amor. Assim, a inteligência  moral redefine acções brutais e abusivas como actos de amor.  Vejamos  como  projectamos  nas  crianças.  Quando  uma  criança  mostra  um  pequeno  sinal  do  seu  diabinho  endiabrado  e,  contudo,  nós  reagimos  com  uma  raiva  exagerada  como  resposta,  o  que  fazemos?  Normalmente  uma  vozinha  dentro de nós diz qualquer coisa como “Não te preocupes muito, estás aqui para  tornar  esta  criança  disciplinada  e  obediente.  Se  não  o  fizeres  ela  irá  tornar‐se  preguiçosa e irresponsável.”  Da  mesma  maneira,  os  seguidores  de  gurus  e  mestres  que  ficaram  ansiosos  devido ao comportamento destes, irão em muito pouco tempo justificá‐lo. Todos  têm acesso à sua inteligência moral. Irão fazer afirmações do género “ele está a  mostrar a loucura em cada ser humano”, ou “ele está a desafiar o ego ocidental”...  Vamos  recapitular  as  três  fases  iniciais  da  sombra.  Para  começar,  a  bruxa  do  homem e o gigante tirano da mulher estão no exterior, e assim as coisas correm  bem.  São  projectados  muitos  aspectos.  A  Maria  dá  o  seu  herói  ao  Manuel,  e  o  Manuel  dá  à  Maria  a  sua  infantilidade.  Depois  as  coisas  começam  a  tremer  um  pouco. E a Maria descobre que o Manuel ás vezes é um herói, e outras vezes não  é. Então a Maria planeia, com a ajuda da sua inteligência moral, uma crise na qual  o  Manuel  pode  provar  triunfantemente  ser  um  magnífico  herói.  Não  funciona.  Então surge o esforço desesperado da terceira fase para tentar colocar a máscara  de herói novamente no seu devido lugar, procurando na sua memória os perigos  da  bruxa,  lutando  com  outras  mulheres  contra  os  patriarcas  abusivos  e  conseguindo assim os seus objectivos. Por algum tempo.  E  surge  a  quarta  fase.  Imagine  que  um  dia,  cansados,  desistimos  por  um  momento  do  esforço  que  é  necessário  para  manter  a  máscara  no  seu  devido  lugar  na  outra  pessoa.  Nessa  altura  deixa  de  haver  contacto  visual.  De  repente  olhamos  para  nós  mesmos  e  vemos  o  pequenos  que  somos.  Reconhecemos  o  quão  pequenos  temos  sido  toda  uma  vida.  Esta  quarta  fase  é  a  da  sensação  da  diminuição  mental.  Se  um  rapaz  deu  o  aspecto  interior  de  bruxa  à  sua  mãe  e,  mais tarde, a deu à sua esposa, irá chegar aos 40 ou 45 anos de idade e sentir‐se  frágil e diminuído de alguma maneira, em determinadas situações. Isto porque a  sua bruxa está fora de si. Poderíamos dizer que a bruxa é um aspecto de nós que  quer  bloquear  o  nosso  crescimento  e,  ao  mesmo  tempo,  representa  uma  força  bastante  positiva:  ela  sabe  exactamente  o  que  quer.  Ela  não  nos  pede  para  consultar o tarot, ou o I‐Ching, e ver qual a melhor altura de começar um novo  negócio. Ela quer um novo negócio e é agora!  Ultimamente tenho reparado que há cada vez mais homens a abraçar o seu lado  feminino.  Isto  é  um  gesto  de  coragem  recomendável.  Mas  a  falha  com  este  abraçar  é  que  esquecem  a  bruxa  que  existe  dentro  deles.  Se  perguntar  a  um  www.alegriainterior.com  



  destes  homens  o  que  gostariam  de  fazer,  raramente  sabem.  Na  melhor  das  hipóteses  respondem  com  uma  pergunta:  “E  tu,  o  que  gostarias  de  fazer?”  ou  então  “Deixa‐me  ver  o  se  a  minha  companheira/amiga/colega  tem  já  alguma  coisa em mente...” Quando este tipo de homem termina uma relação amorosa é  normalmente a mulher quem põe um fim à mesma. Embora por vezes este tipo  de homem permita que a sua bruxa interior venha à luz e afirme “Basta!” Quando  a  bruxa  regressa  poderíamos  dizer  que  regressa  ao  homem  uma  certa  assertividade. Mas é então que estes homens, que anteriormente projectavam a  sua  bruxa  interior  nas  mulheres  com  quem  se  relacionavam,  se  sentem  diminuídos.  E  é  importante  que  eles  sintam  a  dor  inerente  tão  profundamente  quanto  possível.  Agarrarem‐se  à  dor,  sentirem  a  dor.  Assim  poderão  descobrir  um outro aspecto deles mesmos: a empatia, serem capazes de escutar a dor do  próximo,  saber  fluir  com  a  vida.  E  podem  conseguir  tudo  isso.  Mas  o  poder  da  bruxa é querer aquilo que quer e querê‐lo agora. E isto é algo que estes homens  não conseguem abraçar.  Todos sabemos o quanto uma mulher que tenha dado o seu herói a um homem  mais tarde se sentirá diminuída. Mas dar o patriarca tirano não é muito melhor.  Quando se dá o aspecto negativo dá‐se também o aspecto positivo. As mulheres  que  deram  o  poder  do  seu  patriarca  a  um  homem  são  exímias  na  arte  do  consenso  no  seu  dia‐a‐dia.  A  solução  diplomática,  inexistência  de  verdadeira  autoridade,  e  o  lugar  onde  todos  têm  uma  palavra  a  dizer  e  todos  são  ouvidos.  Elas acreditam que as sociedades matriarcas funcionavam assim. Esta atitude de  consenso  pode  ser  muito  boa  no  mundo  exterior  mas  nunca  funcionará  no  mundo  interior.  Quando  uma  mulher  pratica  a  arte  do  consenso  no  seu  mundo  interior,  com  cada  um  dos  seus  aspectos,  o  critico  interior  pode  simplesmente  avançar e despedaçá‐la.   A  arte  do  consenso  também  não  funciona  muito  bem  no  mundo  interior  masculino, pela mesma razão.  Assim,  ao  insistir  que  o  modelo  de  autoridade  patriarcal  é  a  fonte  primária  do  mal  no  mundo,  e  orgulhando‐se  de  não  fazer  parte  desse  modelo,  uma  mulher  pode  condenar‐se  à  brutalização  dela  mesma  pelas  forças  que  se  escondem  no  seu interior, na sua sombra. Da mesma maneira que o homem que abraça a sua  feminilidade, devido à ausência da sua bruxa, não tem a força para terminar um  relacionamento  que  o  transformou  em  escravo,  quanto  mais  para  terminar  um  relacionamento interior com aspectos que envolvem pura escravatura.  Se nós projectámos 30 partes de nós, 30 aspectos de quem somos, então somos  diminuídos  de  30  maneiras  diferentes.  Tanto  os  homens  como  as  mulheres  recuperam o seu guia espiritual através de um mestre ou guru quando se sentem  suficientemente diminuídos. Isto não quer dizer que estavam errados quando lhe  entregaram o seu poder inicialmente, mas cada aluno deveria estar consciente da  sua diminuição antes da procura do seu poder interior.  Os nossos amigos têm um papel fundamental nesta quarta fase. O sentimento de  diminuição cria situações estranhas, bizarras mesmo. Se optarmos por contar a  um amigo sobre este nosso sentimento é importante que o nosso amigo não nos  tente  animar,  alegrar,  na  altura.  Afirmar  coisas  como  “Não!  Tu  não  perdeste  nada,  estás  só  cansado!”  Se  um  homem  abraça  a  sua  bruxa  interior,  ou  uma  mulher  o  patriarca  tirano,  é  muito  provável  que  os  seus  amigos  não  fiquem  www.alegriainterior.com  



  muito contentes. Os nossos amigos gostam de nós como somos e não como nos  queremos tornar: completos.  E  o  que  dizer  das  crianças?  Elas  podem  estar  habituadas  a  ser  diabinhos  endiabrados  e  congelar‐nos  numa  posição  eticamente  forte.  Quando  nos  sentimos diminuídos em relação aos nossos filhos é porque projectamos a nossa  criança  neles.  E  eles,  com  a  sua  criança  matreira  ainda  activa,  conseguem  dominar‐nos.   Uma  coisa  importante.  Nesta  quarta  fase  ainda  não  se  encontra  completo.  Na  verdade  em  nenhuma  das  fases  se  encontrará  completo.  Isto  porque  nos  encontramos todos simultaneamente nas cinco fases! À medida que projectamos  e  somos  projectados  nos  vários  aspectos  negados,  poderes  abandonados.  Cada  um inconsciente num determinado grau ou a abraçar outros aspectos num outro  grau.  Torna‐se mais claro que a quinta fase neste longo processo se refere ao estado da  mente  em  que  recuperamos  o  gigante,  recuperamos  a  criança  endiabrada,  recuperamos o nacionalista bruto, recuperamos a bruxa. E a todo este processo  poderíamos chamar de comer a sombra.  Comer a nossa sombra é um processo moroso. Não acontece de uma só vez, mas  ao  longo  de  centenas  de  vezes.  Foi  Winston  Churchill  quem  afirmou  “Tive  que  comer  muitas  das  minhas  palavras  inúmeras  vezes  e  descobri  que  a  dieta  era  muito nutritiva!”  Os puritanos, na sua persistência de que as crianças são endiabradas, impedem  muitos  de  abraçar  a  sua  criança  interior,  a  parte  da  sua  sombra  que  tem  um  poder endiabrado. A Igreja, ao perseguir as bruxas, que hoje sabe‐se terem sido  as  mulheres  da  cura,  causou  um  sofrimento  atroz  e  muita  injustiça  e  barrou  muitos  homens  de  abraçar  a  sua  bruxa  interior.  Um  dos  motivos  porque  ainda  hoje a Igreja se encontra tão mal alimentada.  À medida que uma pessoa vai avançando na idade torna‐se mais sábia nesta fase.  A  mãe  pode  alimentar,  mas  é  a  bruxa  que  tira  o  alimento  e  o  come.  Por  este  motivo  a  bruxa  tem  que  ser  resgatada  para  que  a  pessoa  possa  abraçar  uma  parte  significativa  da  sua  sombra.  Quando  uma  pessoa  começa  a  abraçar  a  autoridade  projectada,  ou  rejeitada,  por  exemplo,  entrará  em  cena  Saturno.  E  com  Saturno  a  nossa  paixão  aprofunda‐se,  e  a  melancolia,  uma  marca  típica  de  Saturno e da Sombra resgatada, traz o seu luto e com ele a abertura do espírito.  Começamos a ter a percepção nítida dos nossos limites, e estes limites começam  a mostrar‐se como uma parte natural de quem somos: vida completa.  A  espontaneidade  reaparece  na  nossa  relação  com  os  nossos  filhos  quando  começamos a viver a mágoa do regresso da sombra. Para melhor compreender  este  relacionamento,  na  quinta  fase,  deixo‐lhe  uma  história  que  li  num  livro  do  George Docsi.  “Quando  era  criança  e  vivia  na  Hungria,  tive  sorte  de  pertencer  a  uma  família  abastada. A parte do dia que mais me encantava era o jantar. Ao fim do dia descia  as escadas e entrava na sala de jantar. A mesa estava posta, com pratos e talheres  que me pareciam gigantescos. Os adultos sentados, a conversar animadamente. O  meu avô, o patriarca, era respeitado e ouvido por todos os outros. E depois ter as  empregadas  a  servir‐me  a  sopa.  Este  era  o  momento  especial.  O  sorriso  da  www.alegriainterior.com  

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  empregada enquanto me servia a sopa! Devia ter uns cinco anos de idade. Um dia  desci  para  me  sentar  à  mesa,  como  de  costume,  e  a  casa  estava  cheia  de  estranhos,  mal  vestidos,  amedrontados,  que  tremiam.  Pareciam‐me  muitos.  Fiquei assustado. Fui na mesma para a sala de jantar, com medo a apoderar‐se de  mim. Soube mais tarde que tinha havido qualquer revolta na Rússia e os judeus  tinham  fugido  à  pressa.  Nós  vivíamos  numa  cidade  ao  lado  da  fronteira  com  a  Rússia. O meu avô tinha ido à estação dos comboios e trouxera para casa tantos  judeus  quantos  lhe  tinha  sido  possível.  Quando  entrei  na  sala  de  jantar  fiquei  ainda  mais  aterrorizado.  Alguém  se  tinha  sentado  no  meu  lugar!  Na  verdade  todos os lugares à mesa estavam ocupados e ninguém fazia parte da minha feliz  família! Fui ao meu lugar, peguei no pedaço de pão que me estava destinado por  direito e fugi de volta ao meu quarto. Quando ía subir as escadas ouvi o meu avô  a chamar‐me. Virei‐me e, num ataque de raiva, atirei com o pão ao chão. O meu  avô, com uma face de amor e carinho, pegou no pão e colocou um beijo tão suave  naquele  pedaço  de  trigo.  Depois  entregou‐mo  de  volta.  Sem  saber  o  que  tinha  acontecido,  peguei  no  pão  e  comi‐o.  O  meu  avô  tinha‐me  mostrado  que  era  normal eu sentir aquela raiva, e reconhecia nela a sua criança endiabrada, a qual  ele amava do mais profundo do seu coração.”  A  maioria  dos  pais,  numa  situação  idêntica,  teriam  ficado  furiosos.  Provavelmente teriam gritado algo como “Apanha já o pão! Há crianças a morrer  à fome em África!”, ou qualquer outra idiotice. O avô de George passou por cima  de toda essa projecção, abaixou‐se e apanhou o pão, sem qualquer projecção da  criança. Depois beijou o pão, um acto tão belo quanto indescritível. Não acusou o  pão de ser mau, nem a criança de ser endiabrada. Um acto espontâneo, decisivo,  e no entanto cheio de autoridade e mágoa genuínas.  Assim,  a  pessoa  que  abraça  a  sua  sombra  na  totalidade  irradia  calma,  e  mostra  mais  mágoa  do  que  raiva.  Se  os  sábios  da  antiguidade  tinham  razão  e  a  nossa  sombra contém inteligência, alimento para a alma e informação valiosa, então a  pessoa  que  abraça  a  sua  sombra  na  totalidades  será  muito  mais  energética  e  inteligente.  A questão que temos que nos colocar, então, é, como abraçar a nossa sombra na  totalidade?  O  processo  é  simples  e,  em  simultâneo,  perigoso.  Na  verdade  não  é  muito  aconselhável enveredar por este caminho sem o apoio de alguém que o tenha já  percorrido antes. Por vezes torna‐se assustador. Para quem abraça a sua sombra  e também para aqueles que o rodeiam no dia‐a‐dia.  No seu dia‐a‐dia sugeria‐lhe apurar os seus sentidos físicos: o sabor, o cheiro, o  tacto,  a  audição  e  a  visão.  Crie  alguns  buracos  nos  seus  hábitos  diários.  Ouça  música  e  dance  como  se  ninguém  o  estivesse  a  ver.  Faça  estátuas  assustadoras  em  barro.  Toque  tambores.  Isole‐se  por  um  mês  e  imagine‐se  um  criminoso  fugido genial. Se for mulher faça de conta que é um patriarca tirano em alturas  específicas  do  dia,  mas  de  uma  maneira  divertida.  Se  é  homem,  tente  ser  uma  bruxa  má,  mas  também  de  uma  maneira  que  seja  divertida  para  si.  E  repare  sempre como se sente nesses papeis. A mulher pode dar uma gargalhada sonora  e  bater  com  a  mão  na  mesa.  O  homem  pode  dar  as  gargalhadas  típicas  de  uma  bruxa malvada. 

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  Para  o  homem  é  importante  que  ele  descubra  qual  a  mulher,  ou  mulheres,  que  possuem a sua bruxa. Depois terá que confrontar essa mulher, cumprimentando‐ a  cordialmente  e  afirmando  “Eu  quero  a  minha  bruxa  de  volta.  Dá‐ma.”  O  mais  provável é que a mulher sorria com curiosidade e poderá devolver‐lhe a bruxa,  ou não. Se ela recusar, o homem pode simplesmente pedir desculpa, olhar para a  sua esquerda (para a sombra real da mulher) e abrir a boca como se estivesse a  comer  essa  sombra.  Uma  mulher  pode  ir  ter  com  a  sua  mãe  e  fazer  o  mesmo  pedido, porque são as mães as que possuem a bruxa interior de cada mulher. E  ao recuperar a bruxa interior, recupera todo o poder, toda a energia, que perdeu  ao dá‐la quando criança.  A  mulher  pode  ir  ter  com  o  pai  e  dizer‐lhe  “Tu  tens  o  meu  gigante  tirano.  Eu  quero‐o  de  volta.”  Ou  pode  ir  ter  com  um  professor  antigo  ou  um  ex‐marido  e  dizer‐lhe “Tu tens o meu patriarca negativo. E eu quero‐o de volta.” Mesmo que a  pessoa  que  carrega  a  projecção  da  bruxa  ou  do  gigante  tirano  esteja  já  morta,  pode sempre fazer este processo mentalmente, fazendo o pedido em voz alta.  Há  muitas  outras  formas  de  abraçar  a  sombra,  ou  ir  buscar  a  projecção,  ou  diminuir  o  peso  do  saco  que  tem  nas  costas.  O  importante  é  saber  utilizar  as  palavras  correctas.  Significa  isto  que  têm  que  ser  palavras  precisas  e  com  uma  base  física.  Utilizar  a  linguagem  mais  consciente  é  uma  das  formas  mais  poderosas  de  ir  buscar  a  nossa  sombra  que  se  encontra  espalhada  pelo  mundo  exterior.  A  energia  que  perdemos  no  processo  inicial  encontra‐se  a  flutuar  à  volta  da  nossa  mente,  e  uma  forma  de  a  resgatar  é  com  uma  corda  feita  do  vocabulário  apropriado.  Há  palavras  que  são  como  redes,  e  temos  que  usar  essas  redes  activamente, atirando‐as à nossa volta e recolhendo os nossos aspectos perdidos.  Se queremos a nossa bruxa de volta, escrevemos sobre ela. Se queremos o nosso  guia  espiritual  de  volta  escrevemos  sobre  ele,  em  vez  de  o  experienciar  passivamente noutra pessoa.   A  linguagem  contém  a  substância  da  sombra  perdida  ao  longo  de  milhares  de  anos. Se não é capaz de se expressar por palavras, experimente com a pintura, ou  escultura. Quando pintar a sua bruxa com uma intenção consciente, irá descobrir  onde é que ela se esconde no mundo exterior. Será assim mais fácil resgatá‐la.   Assim,  a  quinta  fase  envolve  a  actividade,  a  imaginação,  a  caça,  o  pedir.  Chore,  como choraria uma criança, até obter aquilo que é seu por natureza.   As pessoas que são passivas em relação aos aspectos que projectam contribuem  para muitas das crises mundiais. Entregam os seus aspectos da sombra a líderes,  políticos  e  fanáticos.  A  energia  das  suas  sombras  são  absorvidas  por  estas  pessoas e utilizada sem escrúpulos. Não se permita sentir culpado por ir atrás da  sua sombra, por reivindicar o seu poder.  Uma  das  coisas  que  temos  que  fazer  é  trabalhar  bastante  neste  processo  de  abraçar a nossa sombra. Desta forma certificamo‐nos que a nossa energia não é  utilizada por outros em situações que são perigosas para a humanidade. É o caso  do politico que ameaça um país vizinho, ou o líder religioso que viola crianças, ou  o  administrador  de  uma  grande  empresa  que  deixa  centenas  de  pessoas  sem  emprego. 

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