A Rede de Subjetividade Compartilhada e Inclusiva Expressa nos Discursos de Desejos dos Educadores
Alex Sandro C. Sant’Ana
• O estudo foi desenvolvido mediante uma pesquisa com os educadores e educadoras de uma escola de Ensino Fundamental, localizada na cidade de Vitória/ES. O estudo é um subprojeto, inserido em um projeto de pesquisa mais amplo, denominado "A epistemologia da prática docente nos processos de ensino, de pesquisa e de formação continuada no cotidiano escolar do ensino fundamental", que objetiva analisar os possíveis do coletivo escolar numa perspectiva de atuação como uma comunidade compartilhada (CARVALHO, 2006).
• Ocorreram diversos encontros com os educadores na escola, sendo que os diálogos foram inicialmente concebidos principalmente com o Projeto PolíticoPedagógico (PPP) e com algumas questões que o mesmo oportunizava para (re)viver alguns caminhos percorridos e forjar novas discussões a fim de (re)abrir novas perspectivas de viver com um cotidiano problemático mas simultaneamente inventivo.
• Entenda-se “problemático” aqui tanto no sentido que se concebe no denominado “senso comum” (lócus de situações complicadas de se obter uma solução. Exemplo: indisciplina dos alunos e das alunas) quanto no sentido que propõe Kastrup (1999), como lócus de invenção de si e do mundo.
• Em um momento de diálogo com alguns dos educadores e das educadoras, no qual estavam divididos em um grupo para problematizar uma questão baseada no videoclipe “The Wall” da banda Pink Floyd, capturei um pensamento de uma delas no qual ela expressava um agenciamento ocorrido em um de seus encontros com os alunos e alunas. A questão suscitada era a seguinte: “No videoclipe “The Wall” os professores/as assumiram um lugar de poder opressivo, característico de uma “sociedade disciplinar”. Que outros lugares poderiam/deveriam ser ocupados por professores na escola? Quais as táticas de sobrevivência e de resistência presentes no cotidiano escolar?”. Uma educadora gerou uma enunciação desafiadora:
“Utilizo algumas cenas da novela “Rebelde” como ponto para discussão e reflexão com meus alunos.”
• Percebi no discurso da educadora um ato de apropriação (destaque para o termo “utilizo”) de um evento midiático que considero um acontecimento (“cenas da novela”) no qual a educadora criou um dispositivo (ato de discutir a partir da “ferramenta” novela) para atuar com seus alunos e alunas. Guattari (2005, p. 56) já dizia que “a relação de um indivíduo com a música ou com a pintura pode acarretar um processo de percepção e de sensibilidade inteiramente novo”: isso vale também para uma novela ou filme.
• Concebo todo o discurso de desejo dela como uma possibilidade-outra criada para expressar tanto uma nova perspectiva de fazer-viver uma educação em sala de aula escolar, quanto uma possibilidade de se utilizar deste dispositivo, apresentado de forma interessante pela mesma ao grupo de professores, para se auto-afirmar diante daquele coletivo pensante.
• Neste breve acontecimento, a educadora gerou um novo agenciamento, desta vez local (molecular), mas simultaneamente total, no qual ela própria é apanhada, não se limitando a efetuar as formas socialmente disponíveis (no caso, o discurso “negativo” acerca da escola, enfatizado pelo videoclipe e expresso no discurso dos demais colegas) e modelando uma existência segundo códigos que ela própria criava e englobava numa coletividade (no caso, o grupo de discussão) e forjava então uma nova perspectiva de escola que não lhe pertencia, mas sim a uma coletividade que lhe habitava, fazia-lhe viver de forma ativa no cotidiano da escola e que era inerente tanto para-si quanto para os outros e outras.
• Os processos de constituição da subjetividade coletiva, segundo Guattari (2005, p. 37), “não são resultado da somatória de subjetividades individuais, mas sim do confronto com as maneiras com que, hoje, se fabrica a subjetividade em escala planetária”. Analisando apenas o discurso de desejo da professora, pode-se conceber que a mesma estava (in)tentando desenvolver uma maneira de fabricar uma subjetividade com o coletivo de alunos e alunas, com o grupo de educadores e educadoras ali presentes e consigo própria. Naquele instante uma subjetividade coletiva aprendente e pensante estava sendo forjada, mesmo que efemeramente.
• Em um cotidiano de desejos de invenção, expressado no discurso de desejo da educadora, a palavra que permeia, subliminarmente, a rede de subjetividade deste coletivo pensante é “mudar”.
• Mudar para mudar os outros e outras, para mudar simultaneamente a si própria e mudar a percepção que o coletivo de educadores e educadoras têm em relação aos seus modos de ser-sendo educadora.
• Muitas idéias-sínteses foram elaboradas a partir dos diversos discursos de desejos dos educadores e das educadoras. Quatro pontos importantes que poderiam ser destacados são:
1ª - idéia-síntese • 1 - O adoecimento dos professores, como um mal-estar que já está fazendo parte, diariamente, do cotidiano escolar;
2ª - idéia-síntese • 2 Uma linha dura (engessamento) que muitas vezes perpassam as tentativas de mudanças de suas práticas de ensino e pedagógica, e impossibilitando o emergir do educativo (SANT’ANA, 2006), ou do que chamo atualmente de currículo agenciado: um entrelugar situado no que foi planejado pela instituição escolar (currículo prescrito) e no que está sendo efetivamente feito no momento da práxis pedagógica (currículo em ação ou currículo realizado);
3ª - idéia-síntese
• 3 – Há um campo de possíveis projetado pelos educadores e educadoras em seu cotidiano que (in)tenta a (trans)formação de um cidadão póscrítico (SANT’ANA, 2006): um cidadão cosmopolita, com um conhecimento local e total, que subverte, burla, insurge, (trans)forma e (re)inventa o cotidiano diariamente, num ser-sendo sujeito-participativo, com discursos de poder intrínsecos e extrínsecos, dentro de um meio ambiente sócio-historicamente determinado mas cujos determinantes são forjados pelo coletivo;
4ª - idéia-síntese • 4 - No ato de atuar desses cidadãos pós-críticos, os educadores concebem a possibilidade-outra de emergência de uma rede de subjetividade compartilhada, em que um coletivo participativo e pensante poderia se auto-fazer (autopoiese) portanto por uma educação pós-crítica.
• Enfim, no ato de atuar desses cidadãos, os educadores concebem a possibilidade-outra de emergência de uma rede de subjetividade compartilhada, em que um coletivo participativo e pensante poderia se autofazer (autopoiese) portanto por uma educação pós-crítica
“Quando você fala, “para que serve a escola?”. Quer dizer, qual o conceito de escola que a gente tem, em relação ao tradicional, ou as pessoas que freqüentam esse espaço, mas de uma forma ampla? Eu costumo falar com os alunos que eu considero o planeta Terra como uma grande sala de aula, e no sentido amplo, nós estamos ensinando e aprendendo o tempo todo, no espaço escolar, no caso formal, tachada como escola tradicional, seja na nossa família, no clube, no ambiente de trabalho. Então, ao nos relacionarmos com as pessoas, nós estamos ensinando coisas que a gente sabe, e está aprendendo com elas.” [continua...]
“Esse processo do desenvolvimento, não só intelectual, como também o emocional, o psicomotor, estão acontecendo constantemente, até independendo da escola, visto que antes da criança entrar na escola, ela já está aprendendo uma porção de coisas, desde a vida uterina, do engatinhar ao seu relacionamento com o mundo. Mas, eu vejo a escola hoje, como ainda reproduzindo a conservadora cultura; por que reproduzimos o que está na sociedade? Porque nós tivemos pessoas que reproduziram isso para a gente; para você que aprendeu de um jeito, passar a ensinar de outro jeito, você teria que estar se questionando, se o jeito que você aprendeu seria o mais adequado. Naquele contexto histórico talvez, mas hoje, o contexto histórico mudou muito, a dificuldade está em você se reformular em um outro cenário com novas crianças e jovens; eu vejo que ainda preciso muito me reportar a essa nova clientela.” (Educador D)
“Eu vejo os educadores hoje com papel assim de facilitador deste processo, do desenvolvimento grupal, a partir do momento em que os alunos comecem, a saber, a ouvir, em assumir as suas responsabilidades; esse é um desafio, de aprender a trabalhar em grupo, de saber a respeitar a opinião do outro, aprender a ouvir, aprender a falar, esse é um dos grandes papeis da escola, ou seja, eu não vou deixar o conhecimento, mas tudo é conhecimento e um conhecimento muito importante é o de como trabalhar em grupo.” (Educador D)
Obrigado pela Atenção!
A Rede de Subjetividade Compartilhada e Inclusiva Expressa nos Discursos de Desejos dos Educadores
Alex Sandro C. Sant’Ana