Tal como o refere Jaime Cortesão os franciscanos encontram-se inegavelmente ligados ao processo de reconhecimento, ocupação ou conquista do novo mundo atlântico. Eles acompanharam as gentes peninsulares na tarefa desbravadora do oceano, foram os primeiros a levar a palavra de Deus a estas terras recônditas e aí rezaram a primeira missa. Daqui deverá resultar a grande importância assumida pela ordem seráfica nas ilhas. A mais antiga presença da igreja nas ilhas data de 1344, altura em que o papa, Clemente VI, concedeu a D. Luís de la Cerda o principado da Fortuna. Nas ilhas portuguesas passou-se algo diferente. Aqui o rei concedeu o direito de padroado à Ordem de Cristo. Primeiro em 1433 o arquipélago da Madeira alargado, depois, em 1454, a todos os territórios descobertos, situação confirmada por bula papal de 17 de Março de 1456. O governo espiritual ficou entregue ao vigário de Tomar, sede da Ordem de Cristo e na condição de nullius dicocese, enquanto ao administrador da ordem competia a construção dos templos, a nomear os ministros e pagar o seu vencimento. Á parte isso, todas as ilhas, estabeleceram-se ouvidorias com o objectivo de organizar e exercer o governo eclesiástico. A situação mudou em 1514 com a criação do bispado do Funchal e, depois em 30 de Dezembro de 1551 com o regresso à coroa do padroado. Esta situação, posterior ao início do povoamento da Madeira, desagradou aos franciscanos, que haviam acompanhado os primeiros povoadores. Alguns desentendimentos com o vigário de Tomar levaram em 1459 a abandonar a Madeira, fixando-se em Xabregas. A saída poderá ser considerada como uma forma de represália por parte do infante D. Henrique em face da sua subordinação ao vigário-geral ilhas Canárias, como postulava uma letra do papa Nicolau V de 1450. Para colmatar a sua ausência o papa Pio II concedeu em 1462 licença aos frades da regra de S. Jerónimo para fundar um mosteiro na Madeira, o que não surtiu efeito. Entretanto os franciscanos regressaram em 1474 ao seu cenóbio de S. João da Ribeira e acabaram por adquirir uma posição relevante na ilha. Mais tarde, em 1485, retirou-se para a ilha Frei Pedro da Guarda, criando o pequeno eremitério de São Bernardino em Câmara de Lobos. Este franciscano, conhecido como o santo servo de Deus, ficou célebre na ilha pelas suas virtudes e milagres, o que motivou um culto arreigado às populações de Câmara de Lobos, que se manteve até 1835, ano em que foi proibido. A ordem seráfica firmou-se na vida religiosa madeirense criando conventos no Funchal, Câmara de Lobos, Santa Cruz, Ribeira Brava, Calheta e Machico. Neste contexto relevam-se os conventos de S. Francisco do Funchal e o de Santa Clara. O primeiro para albergar os frades foi construído a partir de 1474, enquanto o segundo, de freiras, foi erguido por iniciativa de João Gonçalves Câmara, segundo capitão do Funchal, no espaço onde o seu pai havia edificado a sua capela da Conceição de Cima ( em oposição à da Conceição de Baixo, construída junto ao mar), que teve o padroado do mesmo por bula (1476) de Sixto IV e por breve (1496) de Alexandre VI ficou estabelecida a sua regular observância e o início da clausura, sendo abadessa D. Isabel de Noronha, filha do capitão, que se encontrava no Convento da Conceição de Beja. Por fim registe-se o Convento de Nossa Senhora da Piedade, fundado por legado estabelecido no testamento (1518) de Urbano Lomelino numa granja, situada no local onde hoje se ergue o aeroporto do Funchal. Idêntico ideal moveu o cónego Henrique Calaça de Viveiros, que em 1650 ergueu um convento de Nossa Senhora da Encarnação em honra da restauração
da independência. Este foi mais um convento feminino da regra franciscana de Santa Clara. A dois de Julho de 1420 desembarcou João Gonçalves Zarco no vale de Machico e, de imediato, procedeu à posse da terra em nome do rei e à sua sagração com a primeira missa, rezada pelos franciscanos que o acompanharam na viagem. O texto de Francisco Alcoforado é muito claro: "(...) determinou sair em terra e levar consigo dois padres que trazia, saindo em terra deu graça a Deus mandou benzer agua e aspargela pelo ar (...) mandou dizer missa (...) Foi a primeira missa que se disse (...) " Em Maio do ano imediato, João Gonçalves Zarco regressou à ilha com três navios e a disposição de proceder ao seu povoamento. De novo o desembarque em Machico e "a primeira coisa que fez foi traçar uma igreja de invocação de Cristo...". Depois, foi o novo reconhecimento da costa, com o assentamento de colonos. Todos os actos eram precedidos pela construção de uma igreja ou ermida. No Funchal foram as capelas de Santa Catarina e a de Nossa Senhora do Calhau, sendo a última considerada pelo autor "a primeira casa de igreja que se fez na ilha". Mais além em Câmara de Lobos a do espírito Santo, na Quinta Grande a de Vera Cruz, nos Canhas a de Santiago, na Estrela (Calheta) a de Nossa Senhora da Estrela. E conclui o cronista: "...começou a por em obra a edificação das igrejas e lavrança da terra". O templo religioso é o ponto de divergência do processo de povoamento e foi em torno dele que surgiram as primeiras habitações de madeira para dar abrigo aos colonos. Daqui resultou a importância fundamental da igreja em todo o processo. De acordo com a doação régia de 26 de Setembro 1433 o infante, como mestre da Ordem de Cristo, recebeu também a capacidade de intervenção na espiritualidade do novo espaço. O Vigário de Tomar, local sede da ordem, era quem, em nome do infante, estabelecia a estrutura religiosa, provendo os ministros. Apenas a arrecadação dos dízimos eclesiásticos permanecia a cargo do almoxarife do infante. O governo espiritual ficou entregue ao vigário de Tomar, sede da Ordem de Cristo e na condição de nullius diocese, enquanto ao administrador da ordem competia a construção dos templos, nomear os ministros e pagar o seu vencimento. A parte isso, todas as ilhas, estabeleceram-se ouvidorias com o objectivo de organizar e exercer o governo eclesiástico. A situação mudou em 1514 com a criação do bispado do Funchal e, depois em 30 de Dezembro de 1551 com o regresso à coroa do padroado. Para cada capitania foi nomeado um vigário, que dependia directamente do de Tomar, tendo como função administrar a espiritualidade no recinto da sua jurisdição. Destes apenas se conhece o nome dos de Machico e Funchal, respectivamente Frei João Garcia e João Gonçalves. Parece que esta situação perdurou por todo o governo do infante D. Henrique, uma vez que em 1461 uma das exigências dos moradores do Funchal era o aumento do clero, de modo que fosse assegurado o serviço religioso aos moradores de Câmara de Lobos, Ribeira Brava, Ponta de Sol e Arco da Calheta. O próprio infante preocupou-se com a administração religiosa do arquipélago, ordenando a construção de igrejas e capelas, conforme se deduz do seu testamento de 1460. CONVENTOS. Não agradou ao infante a pretensão dos franciscanos das Canárias de quererem introduzir-se na ilha, ficando subordinados ao vigário dessas, tal como o estabelecia a letra "dum ad prellara" do papa Nicolau V em 10 de Dezembro de 1450. Estes havião-se fixado no arquipélago vizinho desde 1436, mediante autorização do
Papa Eugénio IV. Tal situação era entendida como uma ingerência nos direitos adquiridos pela Ordem de Cristo e uma afronta, tendo em conta o empenho do infante na conquista de algumas dessas ilhas. Mesmo assim a ordem seráfica firmou-se na vida religiosa madeirense criando conventos no Funchal, Câmara de Lobos, Santa Cruz (1476), Ribeira Brava, Calheta (1670) e Machico. Neste contexto relevam-se os conventos de S. Francisco do Funchal e o de Santa Clara. O primeiro, para albergar os frades, foi construído a partir de 1474, enquanto o segundo, de freiras, foi erguido por iniciativa de João Gonçalves Câmara, segundo capitão do Funchal, no espaço onde o seu pai havia edificado a sua capela da Conceição de Cima (em oposição à da Conceição de Baixo, construída junto ao mar). Antes disto tivemos os primeiros cenóbios de S. João da Ribeira (Funchal) e S. Bernardino de Sena (Câmara de Lobos). idêntico ideal moveu o cónego Henrique Calaça de Viveiros, que em 1650 ergueu um convento de Nossa Senhora da encarnação em honra da restauração da independência. Este foi o segundo convento feminino da regra franciscana de Santa Clara. Mais tarde, em 1654, Gaspar Berenguer de Andrade fundou o convento das mercês. Os conventos são uma presença assídua na História da Madeira, persistindo, ainda hoje alguns de pé. A sua pujança testemunha-se, quer através da dimensão económica das quintas, resultantes de dotes e legados, quer pela adesão das principais famílias madeirenses, onde foram recrutados muitos dos noviços e noviças. Quanto aos diversos templos religiosos, que foram erguendo os povoadores em toda a ilha, não existe consenso entre os diversos historiadores nem dados que abonem com segurança a data exacta de construção. I de salientar que a tradição veiculada por Álvaro Rodrigues de Azevedo e o Pe. Fernando Augusto da Silva apresenta algumas paróquias criadas em 1430, 1440 e 1450. Não sabemos em que se fundamenta tal ideia, uma vez que nas reclamações dos moradores do Funchal em 1461, documento já citado, refere-se a existência de um só capelão que dizia missa no Funchal. Extinto o senhorio, a Ordem de Cristo através do vigário de Tomar continuou a superintender o governo eclesiástico das ilhas até que em 12 de Junho de 1514, pela bula "Pro excellenti", foi criado o bispado do Funchal com jurisdição sobre toda a área ocupada pelos portugueses no Atlântico e Indico. Até esta data todo o serviço episcopal era feito por bispos titulares aí enviados pelo vigário de Tomar, sendo de referir as visitas a Angra em 1487 e aos arquipélagos da Madeira e açores (entenda-se Funchal, Angra e Ponta Delgada) em 1507 e 1508. Mas o progresso económico e social deste vasto espaço levou à criação em 1534 de novas dioceses, cujas áreas foram desanexadas do Funchal: as de Goa, Angra, Santiago e S. Tomé. Entretanto em 31 de Janeiro de 1533 a diocese do Funchal foi elevada B categoria de metropolitana e primaz, englobando "a Madeira e Porto Santo, as ilhas Desertas e Selvagens, aquela parte continental de África, que entesta com a diocese de Safi [m] e bem assim as terras do Brasil, tanto as já descobertas, como as que se vierem a descobrir". Esta foi uma situação passageira. além disso a bula papal não foi expedida do Vaticano, por a coroa a não ter pago, o que coloca a dúvida da existência real do arcebispado do Funchal. Em 1551 o papa Júlio III revogou passando o Funchal para simples bispado sufragâneo de Lisboa, que passará a assumir a função de primaz das terras atlânticas, enquanto a de Goa preencherá idênticas funções para as terras orientais.
O povoamento da Madeira, em termos de organização eclesiástica, parece ter sido concretizado de acordo com um plano definido. Jerónimo Dias Leite refere que o objectivo dos primeiros madeirenses era " por em obra a edificação das igrejas e das vilas e lugares e lavrança de terras". Tais princípios nortearam não só o caso da Madeira, mas também os dos outros arquipélagos atlânticos onde os portugueses chegaram. No período de 1433 a 1499 as administrações civis e religiosa estavam a cargo do mestre da Ordem de Cristo, que no caso da alçada religiosa determinara a superintendência pelo vigário da vila de Tomar. De acordo com a bula de 1456 as novas áreas atlânticas eram consideradas "nullius diocesis", estando dependente daquele vigário. Era ele quem determinava a construção das primeiras igrejas e nomeava os prelados para o serviço religioso. As sedes das capitanias, em data que desconhecemos tiveram o primeiro vigário que, depois, o progresso e a consequente pressão do movimento demográfico conduziram ao aparecimento de novas igrejas e paróquias. O templo religioso é o ponto de divergência do processo de povoamento e foi em torno dele que surgiram as primeiras habitações de madeira para dar abrigo aos colonos. Daqui resultou a importância adquirida pela igreja em todo o processo. De acordo com a doação régia de 26 de Setembro 1433 o infante, como mestre da Ordem de Cristo, recebeu também a capacidade de intervenção na espiritualidade do novo espaço. O Vigário de Tomar, local sede da ordem, era quem, em nome do infante, estabelecia a estrutura religiosa, provendo os ministros. Apenas a arrecadação dos dízimos eclesiásticos permanecia a cargo do almoxarife do infante. Para cada capitania foi nomeado um vigário, que dependia directamente do de Tomar, tendo como função administrar a espiritualidade no recinto da sua jurisdição. Destes apenas se conhece o nome dos de Machico e Funchal, respectivamente Frei João Garcia e João Gonçalves. Parece que a situação perdurou por todo o governo do infante D. Henrique, uma vez que em 1461 uma das exigências dos moradores do Funchal era o aumento do clero, de modo que fosse assegurado o serviço religioso aos moradores de Câmara de Lobos, Ribeira Brava, Ponta de Sol e Arco da Calheta. Deste modo não entendemos que certa tradição teime em afirmar a criação de novas freguesias antes desta data. Aliás a muitas destas paróquias a data que lhes é atribuída no Elucidário Madeirense não corresponde sempre é verdade, uma vez que o autor se baseou em muitos casos nas indicações do tombo da Provedoria da Fazenda. O próprio infante preocupou-se com a administração religiosa do arquipélago, ordenando a construção de igrejas e capelas, conforme se deduz do seu testamento de 1460: "Item estabeleci e ordenei a principal igreja de Sta Maria da ilha da Madeira e deshi em diante as outras que si ordenaram, e item estabeleci hi da ilha do Porto Santo e Igreja de Ilha Deserta (...)". Quanto aos diversos templos religiosos, erguidos pelos povoadores em toda a ilha, neste período, não existe consenso entre os diversos historiadores nem dados que abonem com segurança a data exacta de construção. É de salientar que a tradição veiculada por Álvaro Rodrigues de Azevedo e Pe. Fernando Augusto da Silva apresenta algumas paróquias criadas em 1430, 1440 e 1450. Não sabemos em que se fundamenta tal ideia, uma vez que nas reclamações dos moradores do Funchal em 1461 refere-se a existência
de um só capelão que dizia missa no Funchal1. Note-se que esta ideia continua a ser perseguida na actualidade. Perante estas reclamações dos moradores do Funchal somos levados a afirmar que as diversas paróquias, que secundaram as primeiras na sede de cada capitania, são posteriores a essa data. A importância adquirida pelos canaviais conduz ao aparecimento de novas paróquias na vertente sul. O BISPADO. Extinto o senhorio, a Ordem de Cristo através do vigário de Tomar continuou a superintender o governo eclesiástico das ilhas até que em 12 de Junho de 1514, pela bula "Pro excellenti", foi criado o bispado do Funchal com jurisdição sobre toda a área ocupada pelos portugueses no Atlântico e Indico. Até este momento todo o serviço episcopal era feito por bispos titulares aí enviados pelo vigário de Tomar, sendo de referir as visitas a Angra em 1487 e aos arquipélagos da Madeira e Açores (entendase Funchal, Angra e Ponta Delgada) em 1507 e 1508. Mas o progresso económico e social deste vasto espaço levou à criação em 1534 de novas dioceses, cujas áreas foram desanexadas do Funchal: as de Goa, Angra, Santiago e S. Tomé. Entretanto em 31 de Janeiro de 1533 a diocese do Funchal foi elevada à categoria de metropolitana e primaz, englobando "a Madeira e Porto Santo, as ilhas Desertas e Selvagens, aquela parte continental de África, que entesta com a diocese de Safi[m] e bem assim as terras do Brasil, tanto as já descobertas, como as que se vierem a descobrir". Mas esta foi uma situação passageira. Além disso a bula papal não foi expedida do Vaticano, por a coroa a não ter pago, o que coloca a dúvida da existência real do arcebispado do Funchal. Em 1551 o papa Júlio III revoga esta situação passando o Funchal para simples bispado sufragâneo de Lisboa, que passará a assumir a função de primaz das terras atlânticas, enquanto a de Goa preencherá idênticas funções para as terras orientais.. A construção do templo que lhe serviu de sede à nova diocese não foi rápida: o duque ordenou-o em 1485 mas as obras só se iniciaram em 1493, e ainda continuavam em 1515, sendo sagrado no ano imediato. Note-se que as riquezas geradas pelo comércio do açúcar propiciaram à coroa e vizinhos os necessários dinheiros para erguer tão sumptuoso templo e rechea-lo de preciosas pinturas flamengas e alfaias religiosas em ouro e prata. Aliás, a riqueza da arte sacra madeirense e a monumentalidade da arquitectura religiosa está em relação directa com esta realidade.
O CLERO E A IGREJA: O relacionamento dos prelados com as autoridades civis foi muito mais pacífico, não obstante alguns conflitos pontuais. O século XVI é definido em termos de estrutura religiosa da Cristandade ocidental como um momento de activo protagonismo. Para isso contribuíram a tentativa de reforma levada a cabo por Lutero e Calvino e a pronta resposta do papado por meio do Concílio de Trento. A Companhia de Jesus emerge neste contexto como o bastião da resposta papal, cujo movimento ficou conhecido como "contra reforma". 1
Em 1466 continua a referir-se s\ um vig
Habitualmente a religiosidade popular afirma-se em oposição à oficial, sendo entendida como uma forma híbrida, isto é, formas inadequadas de entender e praticar a religião oficial. Por outro lado, se tivermos em conta que a Religião é um corpus de crenças e conjunto de praticas, podemos definir a religiosidade popular como um conjunto de superstições e gestos mágicos oriundos do paganismo. A grande preocupação da igreja em travar esta forma de religiosidade. A contrareforma, a inquisição e, mais perto de nós, o Vaticano II, tentaram apagar sem sucesso estas crenças populares. Por isso, a solução foi tentar impor critérios e praticas de acomodação. Esta realidade à muito evidente entre nós, como se poderá verificar do confronto da religiosidade popular da oficial. Neste contexto à de destacar as constituições sinodais funchalenses do século XVI que consideram a superstição como sinónimo de feitiçaria, sortilégios, agoiros, benzedura, idolatria e pacto com o demónio. A religiosidade popular expressa-se de diversas formas, sendo de realçar as festas populares, manifestações colectivas e as crenças e ritos de devoção particular. No primeiro caso temos as festividades populares, com ou sem relação com o ritual oficial. Natal, Carnaval, S. João, S. Pedro. Note-se que estas festas populares têm origem em cultos naturalísticos e que a quase todas estas manifestações estão associadas manifestações particulares, por vezes, com carácter mágico. A atitude da igreja não é igual em todas as situações, pois, ora aceita estas manifestações assimilhando-as ao culto oficial, ora as condena, perseguindo os seus autores. Nas constituições sinodais dos séculos XVI e XVII é manifesta essa atitude de oposição, sendo condenadas quaisquer manifestações de sortilégio, agoiro, benzedura. Note-se que em 1618 o inquisidor de visita à ilha viu-se confrontado com a generalizada pratica supersticiosa, tendo condenado 13 mulheres por feitiçaria. O facto mais evidente é que todos tinham consciência que estas praticas eram proibidas. Para o conhecimento desta realidade, mais do que as constituições sinodais, temos as visitas paroquiais e as consequentes recomendações dos prelados. Nestas pode-se acompanhar, a par e passo, a forma de expressão da religiosidade popular e a intervenção do bispo no sentido da sua erradicação. Do que atrás ficou expresso poderá afirmar-se que ainda hoje persiste na vivência religiosa popular traços evidentes dessa realidade desviante às normas da religião oficial, por vezes, escondidas sob a expressão de devoção particular. Descobri-la não é tarefa fácil, pois passa por uma perspicaz e bem fundamentada destrinça daquilo que é oficial e público. A igreja e os seus membros haviam entrado na vida fácil, deixando-se corromper pelas solicitações materiais. O estado em que se encontrava a Igreja era deveras gritante. A vida conventual estava em degradação, dominando aí a indisciplina e alguma imoralidade. O clero secular alheara-se do serviço nas paróquias apegando-se aos vícios da sociedade. O absentismo atingia também a alta hierarquia da igreja católica. Os bispos eleitos recusavam-se a assumir o governo do episcopado, preferindo a vida mundana da corte. Os primeiros bispos nomeados para as dioceses insulares nunca pisaram o solo das suas dioceses e daqueles que aí se fixaram foram poucos os que procederam à indispensável visita às paróquias. Este absentismo aumentou, de acordo com as dificuldades de
fixação e a distância em relação ao reino. Na Madeira o primeiro bispo a pisar o solo da diocese foi D. Ambrósio, em nome do arcebispo D. Martinho de Portugal, que aí esteve em 1538 acompanhado de dois visitadores (Jordão Jorge e Álvaro Dias). Foi a partir daí que se reorganizaram as paróquias, estabelecendo-se normas rigorosas para a sua preservação nas igrejas, através dos livros de registo. Depois da sua morte, em 1544, a Sé permaneceu vaga até 1551. Neste período esteve no Funchal o bispo D. Sarello, das Canárias, que deu "ordens a muitas pessoas e correu a ilha toda crismando comummente a todos os que disso tinham necessidade". E, em 1552, foi provido D. Frei Gaspar do Casal, que não residiu na ilha, sendo o facto mais saliente ter participado no Concílio de Trento. O sucessor, D. Jorge de Lemos, nomeado em 1556 foi quem na verdade deu forma à aplicação das ordens do concílio, sendo seguido depois por D. Jerónimo Barreto (1574-85) e D. Luís de Figueiredo de Lemos (1586-1608) considerados os verdadeiros obreiros desta reforma na Madeira. A reorganização das instituições religiosas e do ritual religioso, iniciados em 1578 por D. Jerónimo Barreto tiveram continuidade com D. Luís Figueiredo de Lemos (1597, 1602), Frei Lourenço de Távora (1615), D. Fernando Jerónimo (1622, 1629, 1634), D. Frei António da Silva Teles e D. Frei José de Santa Maria (1610). Todos os prelados realizaram um sínodo onde foram aprovadas diversas constituições, mas apenas se publicaram as de 1578 e 1597 e conhecem-se as de outro manuscritas, tendo-se perdido as restantes. Estas medidas corresponde ao apelo da própria estrutura da igreja e também dos leigos que em 1546, através da câmara, fizeram ouvir a sua voz de descontentamento junto da coroa. No Funchal alguns bispos acumularam em simultâneo as funções de prelado e governador, o que comprova uma mais ampla intervenção na vida das dioceses. No caso da Madeira tivemos três bispos: D. Frei. Lourenço de Távora (1610-1614), D. Frei Jerónimo Fernando (1624-30) e D. Gaspar Afonso da Costa Brandão (1758 e 1777). No Funchal a reorganização das instituições religiosas e do ritual religioso iniciados por D. Jerónimo Barreto em 1578 tiveram continuidade com D. Luís Figueiredo de Lemos (1597, 1602), Frei Lourenço de Távora (1615), D. Fernando Jerónimo (1622, 1629, 1634), D. Frei António da Silva Teles e D. Frei José de Santa Maria (1610). Todos os prelados realizaram um sínodo onde aprovaram diversas constituições. De todas elas só se publicaram as de dois (1578 e 1597) e conhecem-se as de outro manuscritas, tendo-se perdido as restantes. SÍNODOS, CONCÍLIOS E CONSTITUIÇÕES SINODAIS. O Concílio de Trento (1545-1563) definiu uma nova realidade para a teologia e prática institucional da hierarquia religiosa. Por meio de um novo modelo de catecismo pretendia-se uniformizar do ritual religioso e combater o absentismo do clero e leigos. Um dos meios mais adequados para a aplicação destas ordens foi o dos concílios diocesanos. De acordo com as normas estabelecidas nas diversas sessões do Concílio foram elaboradas as normas capazes de atender aos novos desejos da prática religiosa. A obrigatoriedade de reunião assídua dos sínodos episcopais e o consequente estabelecimento de constituições resultam da reforma tridentina. Até então estas normas estavam já estabelecidas, mas nunca se cumpriam. No Funchal as primeiras constituições publicadas são posteriores ao concílio de Trento. Note-se ainda que esta
foi das poucas dioceses onde se cumpriram as ordens sobre a periodicidade dos sínodos, tendo-se realizado, até finais do século XVII, nove reuniões, de que resultaram igual número de textos. Perante isto é legítimo concluir que a igreja se deparou com a natural inércia da estrutura eclesiástica e dos prelados, tornando-se difícil combater o absentismo, como o determinavam as orientações tridentinas: a ausência dos prelados, a dispersão geográfica das paróquias foram os motivos disso. Em Trento insistiu-se numa maior presença do clero na vida das paróquias, combatendo-se o absentismo e os desvios morais, e procurou-se dignificar a sua actividade, por meio de uma melhor formação religiosa e meios materiais. Disto resultou, na prática, o aparecimento dos seminários, a assiduidade das visitas paroquiais e a melhoria substancial dos meios de sobrevivência do clero com o aumento das côngruas. A formação do clero através dos seminários era também indispensável para esta mudança. A medida, já reclamada nos concílios de Nicea e Toledo, só agora tem plena concretização. Na Madeira o Seminário surgiu em 1566 por iniciativa de D. Jerónimo Barreto, enquanto para S. Tomé criou-se um, primeiro em Coimbra (1585), depois transferido para a ilha em 1597. A presença do Colégio dos Jesuítas foi importante, uma vez que a ordem, considerada o principal bastião da Contra-Reforma, terá contribuído para esta mudança. Uma das recomendações mais relevantes recomendações saídas do concílio tridentino foi a necessidade das visitas pastorais, de dois em dois anos. Mas elas nem sempre se concretizavam com o necessário rigor. Das actas disponíveis é possível avaliar o nível de religiosidade popular e o maior ou menor impacto das ordens do papa e dos sínodos diocesanos. Apenas nos arquipélagos da Madeira e dos Açores foram já divulgados alguns livros das visitas que nos dão conta de uma comum religiosidade popular. As consequências do concílio de Trento são evidentes na estrutura religiosa das ilhas. Quanto ao património do clero criaram-se as condições necessárias ao seu magistério com o acrescentamento das côngruas e ordinárias. na Madeira tivemos os de 1572 e 15982. Tendo em conta a importância das constituições sinodais para a definição da religiosidade apresentaremos uma breve análise das existentes, apenas para as dioceses de Angra (1559) e Funchal (1578, 1602). Numa análise de conteúdo verificam-se inúmeras semelhanças, o que prova haver uma origem comum. Na realidade os textos baseavam-se num formulário comum: as de Lisboa, aprovadas no sínodo de 25 de Agosto de 1536. Facto peculiar sucede com o vicariato de Tomar, que após a criação da diocese do Funchal se manteve como "nullius diocesis", mas regendo-se por um texto próprio aprovado no sínodo de 18 a 22 de Junho de 1554. No preâmbulo é referido, a exemplo das constituições de Angra de 1559, a origem num texto anterior do Funchal. Deste modo poder-se-á afirmar que as de D. Jerónimo Barreto (1578) não foram as primeiras estabelecidas para o bispado, havendo umas anteriores que se perderam. Fernando Augusto da Silva3 refere-nos, a propósito, 2
. Arquivo dos Açores, vol. IV, 184-192; Álvaro Rodrigues de Azevedo, "Anotações", in Saudades da Terra, Funchal, 1873, 536-
566. 3
. Subsídios para a História da diocese do Funchal, Funchal, 1946, 98.
que o arcebispo D. Martinho de Portugal fez umas que serviram de regra ao governo do bispado do Funchal. Para António de Vasconcelos4 elas foram estabelecidas por D. Diogo Pinheiro, que serviu simultaneamente de bispo do Funchal e vigário de Tomar. Confrontadas as sinodais de Angra (1559) com as do Funchal (1578) verifica-se que a intervenção das normativas tridentinas foi pouco significativa, incidindo apenas nos aspectos doutrinários, mas com pouco valor para o seu articulado. Facto evidente de que nas ilhas a prática cultual do clero e leigo, ainda que a nível teórico, não estava fora do bom caminho. A doutrina expressa nas constituições pode ser dividida em cinco domínios: os sacramentos, o ritual religioso, o clero, a administração do património e da justiça, pecados e desvios. Enquanto os dois primeiros se manteve quase sem mudança, de acordo com as contingências da conjuntura e das novas dúvidas que ela gera, os demais adaptaram-se a novas conjunturas. E a fundamental mudança teve lugar após o Concílio de Trento, como forma de o adequar às referidas normativas. O concílio intervinha no sentido de manter uma certa uniformidade no ritual religioso, quer ao nível da Santa Missa, quer da administração dos sacramentos. Antes reinava a indisciplina o que gerava por vezes escândalos, particularmente no caso do casamento: eram inúmeros os casamentos clandestinos e consanguíneos. Os aspectos doutrinários incidem, preferencialmente, sobre o baptismo, a confissão, a comunhão e o matrimónio. As normativas tridentinas estabeleciam a necessidade de uniformizar do ritual dos sacramentos e por isso encontramos as mesmas ordens nas constituições, ainda que expressas de forma diferente. Mas aqui e acolá subsistem algumas peculiaridades. Por exemplo: nos Açores insiste-se no ensino da doutrina e no baptismo e casamento dos infiéis vindos da Guiné, Índias e Brasil, enquanto na Madeira, D. Luís Figueiredo de Lemos estabelecia um capítulo especial sobre os escravos. Isto demonstra o empenho da Igreja na evangelização dos infiéis e a importância assumida pela população escrava em ambos os arquipélagos. Estabelecidas estas normas para a administração dos sacramentos o empenho passou para o clero, procurando definir-se condutas de vida "honesta" e exemplar. Confrontadas as constituições post-tridentinas com as anteriores nota-se uma maior incidência nas primeiras quanto ao sacramento da ordem. Aqui recomendava-se a maior formação do clero, que derivou na necessidade de criar os seminários. A par disso as constituições e o próprio concílio insistem na vida regrada do clero, de modo a evitarem-se escândalos. Para isso recomendavam-se certos preceitos no modo de vestir e normas de sociabilidade, coibindo-os de actividades indecorosas e do convívio e coabitação com concubinas. O último foi também motivo de alguns capítulos das ordenações régias. Mesmo assim a vida desregrada de algum clero continuou a ser manifesta, pelo que em 1608 o papa Paulo IV ordenou uma maior intervenção do Santo Ofício junto dos prevaricadores. Uma consequência disto foi a prisão em 1618 do padre Bento de Lira, vigário de S. Vicente (Madeira).
4
. "Nota Cronolígoco-bibliographica das constituições diocesanas portuguesas até hoje impressas", in O instituto, Coimbra, Vol. 58,
1911, 494.
Nas visitas feitas por inquisidores do Tribunal do Santo Ofício de Lisboa à Madeira e Açores surgem outros membros da igreja, condenados por solicitação, blasfémias, desobediência, sodomia e crítica dos dogmas do catolicismo. O combate ao absentismo do clero foi outra preocupação: o pároco e cura passaram a residir obrigatoriamente na sede da paróquia e a cumprir as obrigações. Estas surgem apenas nas sinodais post-tridentinas : Funchal (1585, 1597). Mas para que isso acontecesse era necessário garantir ao clero meios de subsistência adequados e capazes de o manter afastado das tarefas mundanas e residente nas paróquias. As múltiplas recomendações quanto ao ritual religioso revelavam-se idênticas nos diversos bispados a partir do Concílio de Trento. Desde então ficou determinada a existência de um único missal, breviário e catecismo. A par disso definiram-se regras sobre aspectos formais das missas, ofícios, horas e procissões. Quanto às últimas estabelecia-se, no caso da Madeira, a obrigatoriedade do Corpus Christi, Visitação de Nossa Senhora, Ladainhas, Sexta-Feira Santa e Santiago Menor, padroeiro da cidade; nos Açores mantinham-se as duas primeiras e adicionava-se a do Anjo Custódio. Ao nível da estrutura institucional sobressaem os oficiais de justiça eclesiástica (promotor, notário, ouvidor e chanceler) com as respectivas competências. O encargo fora cometido ao ouvidor, exigindo nos Açores um para cada ilha, exceptuando-se a Terceira com dois, uma para cada capitania, enquanto na Madeira era de quatro, sendo um para Arguim, outro para o Porto Santo e os restantes para a Madeira, um em cada capitania. A sobrevivência do clero dependia dos dízimos arrecadados, dos benefícios e da administração dos bens que pertenciam à igreja e que, de um modo geral, lhe havia sido dados por disposições testamentárias. Em todas as constituições existem normas sobre isso. A arrecadação dos dízimos eclesiásticos estava tutelada pelas instituições régias. Pela mesma sabe-se também que o dízimo dava para pagar todas as despesas das ordinárias do clero e fábricas das diversas paróquias. A justiça eclesiástica era um domínio importante na vida da diocese. Ela tem lugar de relevo na vida do bispado e paróquias dele dependentes. Para isso a igreja criou uma estrutura judiciária, definindo a alçada do ouvidor eclesiástico, do bispo e do papa. O clero, o visitador em serviço faziam parte da estrutura, estando todos obrigados a declarar os pecados públicos e a clamar por justiça. A igreja dispunha de estrutura judiciária própria em cada bispado . Não obstante tal alçada abranger alguns domínios da sociedade era junto do clero que se definia com maior rigor a sua intervenção, uma vez que a imunidade eclesiástica não permitia a presença nos tribunais seculares. Não foi fácil delimitar a área jurisdicional da justiça ao nível secular e religioso, pois inúmeras normas estatuídas pela igreja repetem-se no articulado das leis e ordenações régias, confrontando-se uma alçada comum. O "código das Siete Partidas", um dos principais fundamentos das leis peninsulares, define logo na primeira partida isto ao dedica-la por inteiro ao estado "eclesiástico". Aí ficaram lavradas inúmeras regras que
depois passaram para as ordenações régias portuguesas e constituições sinodais. Na compilação das leis, feita no reinado D. Afonso V, um capítulo do livro segundo é sobre o "trautar das leix, que falam acerca das igrejas, e mosteiros e clérigos sagraes, e religiosos", foram nele incorporadas todas as determinações acordadas entre a Santa Sé e os monarcas antecedentes. Todos os que incorriam em "pecados" graves, a pena mais severa, que lhes podia ser aplicada, era a excomunhão. A respectiva carta era passada pelo bispo, havendo no entanto penas que só poderiam ser atribuídas pelo papa, conforme o estabelecido no final. A excomunhão foi a arma mais poderosa da justiça eclesiástica, sendo definida nas constituições como "a maior que há na igreja de Deus", privando os réus "da participação dos sacramentos, dos sufrágios dela, e da comunicação dos fiéis christäos". Deste modo a Igreja apostou nas consequências disso para fazer cumprir as normas de conduta estabelecidas e reprimir os refractários. A excomunhão em si representava apenas a exclusão do réu do convívio dos cristãos na igreja e do acesso aos actos litúrgicos. Mas na realidade as suas consequências sociais eram muito mais funestas, pois conduziam a uma coacção social violenta e era nisso que a igreja apostava, divulgando publicamente todos os excomungados por meio de editais à porta da igreja. As penas mais brandas eram estabelecidas em dinheiro ou em penitências. A História da diocese do Funchal refere a realização de vários sínodos(1578, 1597,1622,1626, 1680, 1695) de que resultaram constituições, tendo-se apenas conhecimento de duas impressas(1579 e 1601) e outra manuscrita(1695). Para o século dezanove apostou-se nas pastorais, muitas delas com cariz político. Tenha-se em conta as de D. Francisco José Rodrigues e Andrade e Manuel Agostinho Barreto. A aplicação dos códigos civil e religioso e a punição dos infractores fazia-se de forma diferente. Enquanto a jurisdição secular estava expressa na actividade dos funcionários régios (corregedor, alcaide, juiz de fora e ordinário) e das instituições entretanto criadas, no domínio eclesiástico desmultiplica-se pelos funcionários (ouvidor e visitador) e tribunal do Santo Ofício. Ele foi criado com um objectivo específico, mas depois teve a alçada alargada a outros domínios.
FORMAS DE DEVOÇÃO E PIEDADE. Tal como refere Henrique Henriques de Noronha as imagens "afervoram a devoção dos moradores", sendo por isso neste domínio que se encontram aspectos particulares da religiosidade madeirense. Neste caso estão as chamadas imagens milagrosas que acolhem à sua volta inúmeros devotos e são sempre motivo de súplica em momentos de aflição. Nossa Senhora do Monte assume aqui um lugar cimeiro. A par disso insiste-se numa devoção institucionalizada pelo município, resultante da peste que assolou a ilha no primeiro quartel do século XVI. A devoção a S. Sebastião, S. Roque e S. Tiago Menor é fruto disso, mantendo-se a última até à actualidade. As romagens completam esta exteriorização da religiosidade popular, ganhando protagonismos diversos ao longo dos séculos. A mais antiga é a de Nossa Senhora do Faial ou da Natividade, a 8 de Setembro, que se perdeu no tempo. Ainda, de vetusta tradição são as romagens do Bom Jesus da Ponta Delgada e de Nossa Senhora do
Monte, a que se deverá associar o culto a Nossa Senhora do Rosário, do Loreto e dos Milagres. O sacro e o profano aliavam.se na definição de um calendário ritual em toda a ilha. A contra-reforma, a inquisição e, mais perto de nós, o Vaticano II, tentaram apagar sem sucesso muitas das crenças populares. Por isso, a solução foi tentar impor critérios e praticas de acomodação. Neste contexto é de destacar as constituições sinodais funchalenses do século XVI que consideram a superstição como sinónimo de feitiçaria, sortilégios, agoiros, benzedura, idolatria e pacto com o demónio. Nas constituições sinodais dos séculos XVI e XVII é manifesta essa atitude de oposição, sendo condenadas quaisquer manifestações de sortilégio, agoiro, benzedura. Em 1618 o inquisidor de visita à ilha viu-se confrontado com a generalizada pratica supersticiosa, tendo condenado 13 mulheres por feitiçaria. O facto mais evidente é que todos tinham consciência que estas praticas eram proibidas. O conhecimento desta realidade passa mais pelas visitas paroquiais e as consequentes recomendações dos prelados do que pelas orientações definidas pelas Constituições Sinodais. Nestas é possível rastrear a forma de expressão da religiosidade popular e a intervenção do bispo no sentido da sua erradicação. Estamos perante um campo em aberto que aguarda por uma pesquisa aturadas nos arquivos paroquiais. Acabar com esta situação só seria possível através do ensino da doutrina. Neste caso é de salientar as recomendações ao ensino aos gentios, expressa na intervenção face aos negros acolhidos na ilha. A primeira recomendação neste sentido foi expressa em 1592 pelo bispo D. Luís de Figueiredo de Lemos, aquando da visita à paróquia da Fajã da Ovelha. Aí refere-se a presença no bispado de inúmeros escravos gentios que, por isso mesmo, deveriam merecer a atenção dos vigários. Deste modo as recomendações aos curas e párocos são no sentido de um maior cuidado, fazendo com que os escravos saibam "a doutrina christam e ao menos a oração Pater Noster e Ave Maria, os artigos de fé e os mandamentos da Lei de Deus(...)". O facto de alguns manifestarem o desejo de professar a religião Cristão era o indicativo seguro dos cuidados a ter e dos frutos da sua doutrinação. Aos fregueses eram também atribuídas responsabilidades neste âmbito, ordenando-se que aos escravos de mais de sete anos "lhes fação com muita diligência ensinar a doutrina". Por outro lado recomendava-se aos párocos que se informassem sobre os escravos da freguesia "e achando que não sabem o Pater Noster e Avé Maria, os artigos de fé e mandamentos de lei de deus proceda(m) contra seus senhores pera que ensinem ou fação ensinar a dita doutrina, e os mandem a igreja aprendella ao tempo que a ensinarem(...)". Esta insistência da Igreja na doutrinação e prática religiosa dos escravos esbarrava com inúmeras resistências da parte dos proprietários como dos próprios escravos, que se mantinham arreigados aos rituais africanos, ou islamizados. Mesmo assim na Madeira foi reduzido o número de refractários ao catolicismo, tal como nos testemunham as poucas denunciações feitas, aquando das visitas do Santo Ofício à Madeira, em 1591 e 1618. Os mais evidentes aferidores da religiosidade dos madeirenses são, sem dúvida, os testemunhos exarados, primeiro nos diversos livros das visitações e depois nos processos perante o Santo Ofício. A inquisição exercia a actividade através do tribunal de Lisboa, a quem pertencia todo o espaço atlântico. A acção do tribunal nestas paragens não era permanente e fazia-se através de visitadores aí enviados. Na Madeira e
nos Açores realizaram-se apenas duas visitas: em 1591-93 por Jerónimo Teixeira Cabral e em 1618-19 por Francisco Cardoso Tornéo. Entretanto, no intervalo de tempo entre as visitas, o tribunal fazia-se representar pelo bispo, clero, reitores do Colégio dos Jesuítas, "familiares" e comissários do Santo Ofício. Nas ilhas é manifesta a conivência das autoridades com a presença da comunidade judaica, o que poderá resultar das facilidades iniciais à sua fixação. Deste modo o tribunal interveio apenas nas primeiras ilhas levando a tribunal alguns judeus, mas poucos, a avaliar pela comunidade aí existentes e insistente permanência. Em finais do século dezasseis foram arrolados 94 cristãos novos, todavia as prisões por judaísmo entre 1591 a 1601 foram apenas 37, e em 1618 o seu número não passou de 5, quando sabemos que em 1620 eram 58 os judeus que pagava a taxa. A presença da comunidade judaica era evidente. Os judeus, maioritariamente comerciantes, estavam ligados, desde o início, ao sistema de trocas nas ilhas, sendo os principais animadores do relacionamento e comércio a longa distância. A criação do tribunal do Santo Ofício em Lisboa conduziu a que avançassem no Atlântico: primeiro nas ilhas e depois no Brasil. Tal diáspora fez-se de acordo com os vectores da economia atlântica pelo que deixavam atrás um rasto evidente na sua rede de negócios. O açúcar foi sem dúvida um dos principais móbeis da sua actividade, quer nas ilhas, quer no Brasil. A par disso, o relacionamento destes espaços com os portos nórdicos conduziu a uma maior permeabilidade às ideias protestantes, o que gerou inúmeras cuidados por parte do clero e do Santo Ofício. Analisadas as denúncias e confissões de madeirenses e açorianos perante os inquisidores conclui-se por uma incapaz intervenção do clero no ensino da doutrina aos leigos. A maioria dos réus é resultado da ignorância dos cânones católicos. A mesma ideia é-nos transmitida através das visitas paroquiais, disponíveis e já divulgadas. Deste modo poder-se-á afirmar que as orientações tridentinas tardaram em chegar às ilhas e que a inércia e o fraco nível cultural do clero terão sido os principais responsáveis disso. Em 1689 é a vez de um protestante britânico, John Ovington, de visita à Madeira apontar o estado de formação e comportamento social do clero e leigos. Acerca do primeiro refere que os jesuítas "apenas um em três com quem conversei compreendia o latim", enquanto os cónegos da Sé "são hábeis na sua capacidade de inventar razões para defenderem a sua indolência" e "todos fingem um grande ardor na sua fé". A presença da comunidade britânica era evidente, mas nunca foi alvo de qualquer perseguição por questões religiosas, a excepção acontece em 1846 com o Dr. Roberto Kalley, contando sempre com a complacência e discrição de todos. O bispo funchalense, D. Frei Lourenço de Távora, no sínodo realizado em 15 de Junho de 1615 chamou a atenção para a presença de estrangeiros "de partes infeccionadas na fé", apelando para a necessidade de se cumprir o estabelecido em 1608 pelo prelado anterior que determinara "que os tais estrangeiros cismáticos e hereges não podem tratar nem disputar com a gente da terra sobre a fé, nem fazer coisa, que dece escândalo".Todavia, é reduzido o número de anglicanos denunciados, sendo apenas 4 em 1618. OS JUDEUS E A INQUISIÇÄO. Os aferidores mais importantes da religiosidade dos leigos e clero são sem dúvida os testemunhos exarados, primeiro nos diversos livros das
visitações e depois nos processos perante o Santo Ofício. Ele exercia a sua actividade através do tribunal de Lisboa, a quem pertencia todo o espaço atlântico. A acção do tribunal nestas paragens não era permanente e fazia-se através de visitadores aí enviados. Na Madeira e nos Açores realizaram-se três visitas: em 1575 por Marcos Teixeira, em 1591-93 por Jerónimo Teixeira Cabral e em 1618-19 por Francisco Cardoso Tornéo. Para Cabo Verde e S. Tomé estabeleceu-se idêntica missão em 1591, 1618 e 1626 mas os visitadores nunca pisaram as ilhas, detendo-se apenas no Brasil ou em Angola. Nas ilhas é manifesta uma certa conivência das autoridades com a presença da comunidade judaica, o que poderá resultar das facilidades iniciais à sua fixação. Lembremo-nos que o povoamento de S. Tomé se fez com crianças de origem hebraica. Deste modo o tribunal interveio apenas nas primeiras ilhas levando a tribunal alguns judeus, mas poucos, a avaliar pela comunidade aí existentes e pela sua permanência. No primeiro quartel do século dezassete do rol de judeus fintados temos 58 na Madeira e 61 nos Açores. Entretanto no intervalo de tempo entre as visitas o tribunal fazia-se representar pelo bispo, clero, reitores do Colégio dos Jesuítas, "familiares" e comissários do Santo Ofício. Nos quatro arquipélagos a presença da comunidade judaica era evidente. Os judeus, maioritariamente comerciantes, estavam ligados, desde o início, ao sistema de trocas nas ilhas, sendo eles os principais animadores do relacionamento e comércio a longa distância: na Madeira e Açores foi a via da Europa do Norte, enquanto em Cabo Verde e S. Tomé a América. A criação do tribunal do Santo Ofício em Lisboa conduziu a que avançassem no Atlântico: primeiro nas ilhas e depois no Brasil. Tal diáspora fez-se de acordo com os vectores da economia atlântica pelo que deixavam atrás um rasto evidente na sua rede de negócios. O açúcar foi sem dúvida um dos principais móbeis da sua actividade, quer nas ilhas, quer no Brasil. A par disso o relacionamento destes espaços com os portos nórdicos conduziu a uma maior permeabilidade às ideias protestantes, o que gerou inúmeras cuidados por parte do clero e do Santo Ofício. A incidência do comércio dos Açores e da Madeira no açúcar, pastel e vinho conduziu ao estabelecimento de contactos assíduos com os portos da Flandres e Inglaterra, que não era bem visto pelo tribunal. Isto deverá ter favorecido a presença de uma importante comunidade nos dois arquipélagos, o que veio a avolumar as preocupações dos inquisidores. Todavia a intervenção do tribunal foi reduzida, pois só se conhece a prisão de alguns anglicanos nos Açores nas visitas de 1575 e 1618. Na Madeira a presença da comunidade britânica era evidente mas manteve-se ilesa. O bispo funchalense, D. Frei Lourenço de Távora, no sínodo realizado em 15 de Junho de 1615 chamou a atenção para a presença de estrangeiros "de partes infeccionadas na fé", apelando para a necessidade de se cumprir o estabelecido em 1608 pelo prelado anterior que determinara "que os tais estrangeiros cismáticos e hereges não podem tratar nem disputar com a gente da terra sobre a fé, nem fazer coisa, que dece escândalo". Isto derivava certamente da assídua frequência de mercadores ingleses à cidade do Funchal, que assumiam uma posição dominante nas trocas externas. Todavia é reduzido o número de anglicanos denunciados. Apenas 4 em 1618.
Analisadas as denúncias e confissões de madeirenses e açorianos perante os inquisidores conclui-se por uma incapaz intervenção do clero no ensino da doutrina aos leigos. A maioria dos réus é resultado da ignorância dos cânones católicos. A mesma ideia é-nos transmitida através das visitas paroquiais da Madeira e Açores, disponíveis e já divulgadas. Deste modo poder-se-á afirmar que as orientações tridentinas tardaram em chegar às ilhas e que a inércia e o fraco nível cultural do clero insular terão sido os principais responsáveis disso. Em 1648 D. João IV admoestava o clero açoriano, apontando o escândalo que provocavam os seus pecados públicos: "nessas ilhas, segundo por vezes fui informado, se vão com tanto excesso, e pouco temor de Deus cometendo os pecados públicos, que se poderia nelas recear viesse sobre seus moradores e grande castigo do céu; e o que mais é para estranhar o mau exemplo como os eclesiásticos vivem, porque devendo dálo bom aos seculares, há neles mais vícios que repreender". Em 1689 é a vez de um protestante britânico, John Ovington, de visita à Madeira apontar o estado de formação e comportamento social do clero e leigos. acerca do primeiro refere que os jesuítas "apenas um em três com quem conversei compreendia o latim", enquanto os cónegos da Sé "são hábeis na sua capacidade de inventar razões para defenderem a sua indolência" e "todos fingem um grande ardor na sua fé". Dos leigos católicos refere a sua propensão para o crime de homicídio tendo como resguardo o recurso à comunidade eclesiástica, concluindo da seguinte forma: "Estes cristãos são tão desregrados na prática deste crime como indulgentes nos castigos merecidos por tais acções". Eis um breve e incisivo retrato do catolicismo dos madeirenses que, não obstante ser traçado por um protestante, molestado com o tratamento feito para com os seus compatrícios, não estava longe da pratica e quotidiano religioso da Madeira e demais ilhas.
OS JUDEUS E A INQUISIÇÃO. Os aferidores mais importantes da religiosidade dos madeirenses são, sem dúvida, os testemunhos exarados, primeiro nos diversos livros das visitações e depois nos processos perante o Santo ofício. A inquisição exercia a actividade através do tribunal de Lisboa, a quem pertencia todo o espaço atlântico. A acção do tribunal nestas paragens não era permanente e fazia-se através de visitadores aí enviados. Na Madeira e nos açores realizaram-se três visitas: em 1575 por Marcos Teixeira, em 1591-93 por Jerónimo Teixeira Cabral e em 1618-19 por Francisco Cardoso Tornéo, mas só é conhecida a documentação das duas últimas. Nas ilhas é manifesta a conivência das autoridades com a presença da comunidade judaica, o que poderá resultar das facilidades iniciais à sua fixação. Deste modo o tribunal interveio apenas nas primeiras ilhas levando a tribunal alguns judeus, mas poucos, a avaliar pela comunidade aí existentes e insistente permanência. Em finais do século dezasseis foram arrolados 94 cristãos novos, mas em 1618 o seu número não passou de 5, quando sabemos que em 1620 eram 58 os judeus que pagava a taxa. Entretanto no intervalo de tempo entre as visitas o tribunal fazia-se representar pelo bispo, clero, reitores do colégio dos jesuítas, "familiares" e comissários do Santo oficio.
A presença da comunidade judaica era evidente. Os judeus, maioritariamente comerciantes, estavam ligados, desde o inicio, ao sistema de trocas nas ilhas, sendo os principais animadores do relacionamento e comércio a longa distância. A criação do tribunal do Santo ofício em Lisboa conduziu a que avançassem no Atlântico: primeiro nas ilhas e depois no Brasil. Tal diáspora fez-se de acordo com os vectores da economia atlântica pelo que deixavam atrás um rasto evidente na sua rede de negócios. O açúcar foi sem dúvida um dos principais móbeis da sua actividade, quer nas ilhas, quer no Brasil. A par disso, o relacionamento destes espaços com os portos nórdicos conduziu a uma maior permeabilidade às ideias protestantes, o que gerou inúmeras cuidados por parte do clero e do Santo ofício. A incidência do comércio da Madeira no açúcar, pastel e vinho conduziu ao estabelecimento de contactos assíduos com os portos da Flandres e Inglaterra, que não era bem visto pelo tribunal. Isto deverá ter favorecido a presença de uma importante comunidade, o que veio a avolumar as preocupações dos inquisidores. Na Madeira, a presença da comunidade britânica era evidente mas manteve-se ilesa. O bispo funchalense, D. Frei Lourenço de Távora, no sínodo realizado em 15 de Junho de 1615 chamou a atenção para a presença de estrangeiros "de partes infeccionadas na fé", apelando para a necessidade de se cumprir o estabelecido em 1608 pelo prelado anterior que determinara "que os tais estrangeiros cismáticos e hereges não podem tratar nem disputar com a gente da terra sobre a fé, nem fazer coisa, que dece escândalo". Isto derivava certamente da assídua frequência de mercadores ingleses à cidade do Funchal, que assumiam uma posição dominante nas trocas externas. Todavia, é reduzido o número de anglicanos denunciados, sendo apenas 4 em 1618. Analisadas as denúncias e confissões de madeirenses e açorianos perante os inquisidores conclui-se por uma incapaz intervenção do clero no ensino da doutrina aos leigos. A maioria dos réus é resultado da ignorância dos cânones católicos. A mesma ideia é-nos transmitida através das visitas paroquiais, disponíveis e já divulgadas. Deste modo poder-se-á afirmar que as orientações tridentinas tardaram em chegar às ilhas e que a inércia e o fraco nível cultural do clero terão sido os principais responsáveis disso. Em 1689 é a vez de um protestante britânico, John Ovington, de visita à Madeira apontar o estado de formação e comportamento social do clero e leigos. acerca do primeiro refere que os jesuítas "apenas um em três com quem conversei compreendia o latim", enquanto os cónegos da Sé "são hábeis na sua capacidade de inventar razões para defenderem a sua indolência" e "todos fingem um grande ardor na sua fé". Dos leigos católicos refere a sua propensão para o crime de homicídio tendo como resguardo o recurso à comunidade eclesiástica, concluindo da seguinte forma: "Estes cristãos são tão desregrados na prática deste crime como indulgentes nos castigos merecidos por tais acções"5. Eis um breve e incisivo retrato do catolicismo madeirense que, não obstante ser traçado por um protestante, molestado com o tratamento feito para com os seus compatrícios, não estava longe de espelhar a pratica e quotidiano religioso da Madeira e demais ilhas.
5
. John OVINGTON, "A voyage to Surrat in the year 1689", in Madeira vista por estrangeiros 1455-1700, Funchal, 1981, 203-206.
ARTE RELIGIOSA. As riquezas geradas pelo comércio do açúcar propiciaram à coroa e madeirenses os necessários dinheiros para erguer tão sumptuoso templo e rechea-lo de ricas pinturas flamengas e alfaias religiosas em ouro e prata. Aliás, a riqueza da arte sacra madeirense e a monumentalidade da arquitectura religiosa, nos séculos XV e XVI, estão em relação directa com esta realidade, sendo testemunho disso o recheio do Museu de Arte Sacra no Funchal. DEVOÇÃO E CULTO. Note-se que, não obstante surgirem referências à fixação de colonos nesta área a partir da segunda metade do século XV, somente na centúria seguinte os primeiros núcleos populacionais adquirem alguma importância, como se poderá verificar com o aparecimento das primeiras freguesias - S. Jorge (1517), P. Delgada (1552), Seixal (1552) -. A de São Vicente deverá ser mais antiga. Álvaro Rodrigues de Azevedo, por fundamento que desconhecemos, apresenta a data de 1440 como a da sua fundação. Os princípios do nosso século foram pautados por profundas remodelações nas igrejas paroquiais do concelho. A primeira a ser alvo desta situação foi a de Ponta Delgada mercê do típico incêndio que a atingiu em 1908. O facto de ser o local de uma das mais importantes romarias da ilha levou a um movimento da sua rápida recuperação com auxílio do Governo Central. Nos anos quarenta o pároco de S. Vicente, o padre Alfredo Teodoro de Ponte Lira aposta na renovação e ampliação das duas igrejas do concelho. Primeiro foi a reconstrução da igreja matriz da Vila com o aumento de uma nova nave para o Centro da Vila seguindo-se depois a ampliação da de Nossa Senhora do Rosário em 1947 com duas naves laterais tendo a Câmara construído o largo e jardinagem do largo junto desta Capela. Facto significativo foi a iniciativa de construção da Capela de Nossa Senhora de Fátima no Pico da Cova, que ocorreu na Vereação de 1946 como forma de regozijo pelo fim da 2ª Grande Guerra Mundial. Com o bispo D. Frei David de Sousa a diocese do Funchal viu aumentar o número de paróquias, sendo de salientar as três novas do concelho: Lameiros, Feiteiras e Fajã do Penedo. Não obstante ter sido instalada a sua cripta em 1965 tardou alguns anos até que estas dispusessem do seu próprio templo. A iniciativa da construção da Igreja das Feiteiras bem como da casa paroquial do Rosário partiu do Padre Manuel de Sousa Júnior. Seguindo uma secular tradição o concelho de S. Vicente organizava todos os anos a festa do Corpo de Deus que constava de um desfile nas ruas da Vila. Em 18736 estiveram presentes e desfilaram na procissão o pároco de Ponta Delgada acompanhado da Confraria do Santíssimo Sacramento. As actividades do município marcavam também a sua presença, indo o juiz ordinário e juízes eleitos, o administrador do concelho acompanhados dos seus funcionários. O empenho da Vereação nesta cerimónia é apenas manifesta neste ano e em 1869, não existindo outra qualquer referência à sua concretização. Hoje, quando se fala na devoção religiosa das gentes do norte vêm-nos à memória, no imediato, as romarias do Senhor Bom Jesus (no primeiro domingo de Setembro) e de 6
. Vereação de 7 de Junho de 1873.
Nossa Senhora do Rosário (no primeiro Domingo de Outubro). Ontem como hoje estas duas manifestações religiosas continuam a ser um dos momentos mais importantes da vivência religiosa e folia. Ontem como hoje mantêm-se como festividades regionais que fazem atrair milhares de romeiros ou forasteiros. Santa Quitéria, São Vicente, Bom Jesus, são os padroeiros das igrejas matrizes das três freguesias que formam o Concelho de São Vicente. O último sustentado por um dos mais rijos arraiais de toda a ilha, o do Bom Jesus de Ponta Delgada, em Setembro, e onde acorrem centenas de forasteiros, noutros tempos ostentando, presa na fita do chapéu, estampa votiva do santo, impressa com a oração de indulgência "Encomendação a Jesus" O Senhor Bom Jesus e Nossa Senhora do Rosário firmaram-se desde muito cedo na devoção das gentes do norte e também de toda a ilha. O Senhor Bom Jesus é a devoção mais antiga e terá surgido na ilha desde 1466 com Manuel Afonso Sanha um colono oriundo de Braga que fez transplantar para a sua sesmaria na Ponta Delgada o seu patrono. Deste modo, a primeira ermida que também fez erguer foi em sua honra. Da devoção privada passou-se à de todas as gentes do local, da encosta norte, e, depois, de toda a ilha. Não sabemos como tudo se passou. Apenas podemos afirmar que já no último quartel do século XVI a festa do Senhor Bom Jesus fazia atrair muitos romeiros à encosta norte. No livro de visitações encontramos informações que apontam para um aumento da devoção ao Senhor Bom Jesus e de afluência dos romeiros nos séculos seguintes. Em 1657 e 1706 surgem queixas a propósito de o gado, no caso de caprino, pastar nas serras, sobranceiras às veredas, o que fazia perigar os transeuntes que se dirigiam à missa ou em romagem. E, no último ano, refere-se a morte de "muitas pessoas das contínuas romarias". Na verdade, neste século XVIII o Senhor Bom Jesus, não obstante estar colocado num local distante da encosta norte, era motivo de grande devoção, fazendo aumentar a afluência de romeiros. Desde finais do século XVI que está testemunhada a existência da confraria do Senhor Bom Jesus que através do número de legados perpétuos oriundos de gentes de diversas origens atesta que a devoção estava em crescente ascensão. A fama do Senhor Bom Jesus como milagreiro alastrou a toda a ilha e fez com que o norte, mais propriamente Ponta Delgada, se transformasse num dos principais centros de peregrinação. Desde o século XVII são evidentes os testemunhos da dominância desta romaria na devoção popular. Assim, para além dos legados em género ou dinheiro, temos as obrigações de romaria ao Senhor Bom Jesus com missa e a presença do ente querido a quem foi pedida a intersecção do Senhor Bom Jesus. A promessa, ontem como hoje, não se ficava apenas pela ida em romaria a Ponta Delgada e entrega de uma esmola mas também pela alegria dos cantares. O testemunho das assíduas romagens está no facto de em 1646 Afonso Gomes ter deixado à fábrica da igreja de Ponta Delgada uma casa para os romeiros. A tradição prolongou-se no tempo chegando até nós. E, neste curso de cinco séculos são evidentes os testemunhos desta viva tradição. Em 1817 José Moniz de Câmara, vizinho da Fajã de Areia, declarava ao Padre Francisco Borges seu testamenteiro para cumprir os seus legados, entre os quais estava a obrigação de cumprir uma romaria ao Senhor Bom Jesus de Ponta Delgada, entrando de joelhos desde a porta principal até ao altarmor seguido de uma missa. O culto está também patente na confraria com o mesmo
nome, que domina os legados perpétuos a partir de 1645. Esta devoção atingia as gentes do lugar mas também as de São Vicente. O facto desta devoção se afirmar a partir de meados do século XVII deverá estar relacionado com a fama de milagreiro do Senhor Bom Jesus. Assim, em 1866 o presidente da Câmara de S. Vicente dá conta de que a festa contou com a afluência de muito povo, o que provocou uma desorganização junto da imagem, não intervindo o regedor do lugar porque estava ocupado a vender círios. No ano imediato foi ainda maior a presença de peregrinos: "no primeiro de Setembro teve lugar a grande romaria de Ponta Delgada, a qual foi bastante concorrida, pois "é a opinião geral de que a romaria deste ano excedia um terço dos anos anteriores". Tudo correu sem incidentes, havendo apenas a lamentar a morte de um barqueiro da Ribeira Brava que caiu embriagado nas fajãs de São Vicente. É evidente que o facto de Ponta Delgada ser o principal porto de desembarque e embarque no concelho favoreceu a presença de romeiros de diversas partes da ilha, que aí acolhiam por via marítima, a exemplo do que sucedia noutras freguesias da ilha. O fervor religioso justifica muitas vezes esse sacrifício e não impediu que em 1908, a apenas dois meses do incêndio que vitimou a igreja a 12 de Julho, o arraial tivesse lugar. A afluência dos peregrinos ao local de romagem era grande e fazia-se através dos caminhos que ligavam o local ao sul da ilha, por via de Boaventura ou de S. Vicente. Deste modo na última semana de Agosto era desusado o número destes que calcorreavam a pé as encostas íngremes. No século XX com a abertura das estradas de ligação entre S. Vicente e a Ribeira Brava e Ponta Delgada o movimento transferiu-se para a estrada. Não será de estranhar o facto de a romaria do Senhor Bom Jesus se estender à Encumeada, Caramujo e Estanquinhos. Assim em 19367 o imposto sobre a carne e barracas montada nestes locais nos dias 5 a 10 de Setembro era cobrado por Joaquim Nunes Brazão Machado A grande aposta em terrenos de devoção e diversão estava nos arraiais de Ponta Delgada e do Rosário. A referência a estas manifestações é ocasional e prende-se com os interesses e obrigações do próprio município. Em 1876 a Vereação nomeou dois fiscais para as vendas ambulantes na festa de Ponta Delgada. Ainda de acordo com determinação da comissão reguladora do comércio do distrito do Funchal sabemos que em 1941 podiam ser abatidas até 80 cabeças de gado. Os contributos da Câmara para estas festas são poucos resumindo-se a assegurar as despesas com o policiamento e apenas em 1937 é declarado que o valor de 135$00 do imposto cobrado aos vendedores ambulantes no arraial do Rosário ficaria para as despesas do mesmo. A partir dos anos quarenta temos notícia de outro arraial em honra do orago do concelho. Desde 1947 que temos referência à sua realização através do pedido de licença para a colocação de mastros na rua da Vila. Entretanto em 25 de Outubro de 1962 a Vereação, sob proposta do seu presidente decidiu considerar o dia 22 de Janeiro como feriado municipal, tendo em conta que era uma festa com grande tradição em honra do padroeiro da Vila e do concelho. 7
Veração de 13 e 20 de Agosto de 1936
Em 1944 a Vereação decidiu comemorar outra efeméride evocativa da elevação do lugar de S. Vicente à categoria de Vila e de criação do concelho. A 15 de Julho decidiuse celebrar os duzentos anos com uma festa, à qual compareceram as mais altas individualidades da região. A vila tornou-se no centro da ilha durante algum tempo. Fez-se uma exposição de gado, etnográfica. O acto foi aproveitado para uma homenagem ao Governador Civil, Gustavo Teixeira Dias, e ao Presidente da Junta Geral, Dr. João Abel de Freitas que foram agraciados com o título de cidadão honorário do concelho. É evidente nesta época uma preocupação pela história e tradições do concelho, encarando a Vereação tal realidade. Em 1943 havia-se convidado o Dr. Augusto da Silva Branco Camacho a fazer um estudo histórico sobre a vida do concelho, a data da sua criação e evolução administrativa, o que nunca concretizou. Depois, coincidindo com os 200 anos de criação da Vila foi aprovado pela comissão de heráldica a 28 de Junho o selo e a bandeira, que não existiam8. Outra manifestação de carácter profano ocorreu em 1953. Pela primeira vez temos referência à festa das vindimas que aqui teve lugar no dia 13 de Setembro. Na verdade, o concelho de S. Vicente foi desde a década de trinta um importante local de diversão. Para isso contribuiu a inauguração a 27 de Setembro de 1931 do Teatro Gil Vicente, propriedade de Carlos França. Vários grupos de excursionistas deslocavam-se do Funchal para representar e assistir às inúmeras récitas que aí tiveram lugar.
INSTRUMENTOS DE TRABALHO: documentação referente à diocese do Funchal encontra-se parcialmente no ANTT, núcleo do Cabido e Sé do Funchal e no Arquivo da Diocese no Paço Episcopal do Funchal. Veja-se os inventários desta documentação em Arquivos Insulares, Funchal, 1997, AHM, 1999. BIBLIOGRAFIA a Igreja e religiosidade: CAEIRO, Maria Margarida, Concepções da vida e da morte na Madeira entre 1580 e 1640. Alguns contributos para a História das mentalidades do arquipélago, III CIHM, Funchal, 1993, 575-583, FERREIRA, Manuel Juvenal Pita, A Ordem Seráfica da ilha da Madeira, in DAHM, Vol. VI, nº 32,1962. PEREIRA, Eduardo C. N., Ilhas de Zargo, vol. II, Funchal, 1989, SANTOS, Eugénio dos, A sociedade madeirense na Época moderna, alguns indicadores, I CIHM, Funchal, 1989,1212-1225, Constituições Sinodais do Bispado do Funchal. Feitas & ordenadas por Dom Ieronimo Barreto Bispo do dito bispado, Lisboa, 1585, Constituições Sinodais do bispado do Funchal com as extravagantes novamente impressas por mandado de Dom Luís de Figueiredo de Lemos, Bispo do dito bispado, Lisboa, 1610, Memórias sobre a creação e aumento do estado eclesiástico na Ilha da Madeira, in Heraldo da Madeira, nºs 564-648, 1906, NORONHA, Henrique Henriques de, Memórias seculares e eclesiásticas para a composição de História de Diocese do Funchal, (Ilha da Madeira) ano 1722, Funchal, 1997. PEREIRA, Manuel Plácido, Nossa Senhora do Monte, padroeira da Ilha da Madeira, Lisboa, 1913, SILVA, Fernando Augusto da, Parochia de Santo António do Funchal, Funchal, 2 vols., 1915-1916, IDEM, Subsídios para a História da Diocese do Funchal, 1425-1800, Funchal, 1946, IDEM, Diocese do Funchal. Sinopse Cronológica, Funchal, 1945, IDEM, Colégio e Igreja de S. João Evangelista do Funchal. Breve Monografia Histórica, Funchal, 1947. IDEM, 8
. Vereação de 29 de Julho de 1944.
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