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VIEIRA, Alberto (2002), Notas Soltas. O Quotidiano Madeirense
COMO REFERENCIAR ESTE TEXTO: VIEIRA, Alberto (2002), Notas Soltas. O Quotidiano Madeirense, Funchal, CEHA-Biblioteca Digital, disponível em: http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/bdigital/avieira/2002-quotidiano.pdf, data da visita: / /
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NOTAS SOLTAS: O QUOTIDIANO MADEIRENSE ALBERTO VIEIRA
O HABITAT. A habitação tornou-se hoje numa aposta preferencial do conforto humano. Mas nem sempre foi assim por falta dos meios e condições para tal. Numa ilha como a Madeira, onde os recursos são escassos e desde o início repartidos de uma forma desigual, é evidente a dicotomia entre pobres e ricos, que tem materialização no habitat através das furnas e quintas. O reaproveitamento das concavidades naturais da rocha, o cavar a própria habitação, a choupana contrastam com a imponência e luxo das quintas servidas de casa do senhor, dos criados e espaços de diversão como a casa de prazeres. Esta dicotomia está patente na visão que nos dão os estrangeiros a partir do século XVIII da ilha. Assim no relato da viagem de Cook em 1768 refere-se que “as casas dos principais habitantes são grandes, as do povo pequenas”. No Porto Santo temos as casas com cobertura de salão, isto é, um barro pardo que existe na ilha e que tem grande aderência. Encontra-se situação semelhante em algumas das ilhas das Canárias. Estas eram casas térreas de planta rectangular, tendo as paredes de pedra solta, caiada ou rebocada. Note-se ainda nesta ilha a utilização de troncos e mastros de navios que davam à costa para o travejamento das casas. O progresso económico e a disponibilidade dos materiais vão melhorando aos poucos a
qualidade do espaço habitado. O Funchal do século quinze, a vila modesta que ganhou forma na zona de Santa Maria do Calhau, era constituída de casas térreas, maioritariamente de madeira e cobertas de colmo. O mesmo se poderá dizer do espaço urbano que se forma próximo do campo do Duque na Rua dos Mercadores. O temor dos incêndios levou o senhorio da ilha, o infante D. Fernando, a determinar em 1470 que todas as casas fossem obrigatoriamente cobertas de palha. Esta medida não agradou a nenhum dos proprietários, pois tinham de trazer as madeiras do norte e a cal e telha de fora da ilha. Tardará algum tempo até que esta situação mude e permita uma evolução na construção das habitações do Funchal. A década de oitenta, momento de plena afirmação da economia açucareira irá permitir uma avultada distribuição da riqueza com reflexos imediatos na habitação. Note-se que em 1593 o fenómeno conhecido como fogo do céu lavrou em cento e cinquenta moradias da cidade por serem de palha e madeira. A memória disso estará nas ruas da Queimada de Cima e de Baixo. De entre a nomenclatura mais usual da habitação madeirense podemos distinguir a furna, a choupana ou palheiro e a casa. O reaproveitamento das furnas, não apenas como habitação, mas também como armazém e palheiro do gado não é novidade. É a sobrevivência de uma tradição primitiva cuja técnica chegou à ilha por mão dos colonos sejam eles portugueses ou das Canárias. Para os primeiros povoadores que chegaram à ilha este deverá ter sido o primeiro recurso. Mais a importante oferta de madeiras permitiu depois progredir para as casas de madeira de sobrado. Segundo os cronistas da época as madeiras da ilha revolucionaram a construção de casas em Lisboa, permitindo o avanço das casas de sobrado. A primeira casa construída por Zargo no Funchal, de acordo com Gaspar Frutuoso ao alto de Santa Catarina onde a sua mulher construiu uma igreja, foi deste tipo. Depois avançou ao longo da Ribeira e fez construir no Pico da Frias, próximo da capela de S. Pedro e S, Paulo aquela que foi a primeira habitação de pedra erguida na ilha. E finalmente assentou morada no alto, no actual espaço da Quinta das Cruzes. Esta sim já uma habitação sobrada e com excepcionais condições de comodidade. É este o processo que comanda a evolução da habitação na ilha. Enquanto uns permanecem a viver em choças ou furnas outros há que conseguem meios para progredir. As casas de madeira, que depois avançam para a pedra, cobertas de colmo são quase sempre térreas e de um único compartimento, sendo as divisões feitas em cana vieira ou esteiras de palha. A cobertura de colmo persistiu no meio rural até a actualidade, sendo de diferenciar dois tipos: o da chamada casa de Santana que mantém toda a estrutura de madeira e o de alvenaria e sobrado. Daí Vitorino Nemésio afirmar que esta se confunde com o palheiro do gado. À casa rural associa sempre uma segunda construção, normalmente furna, para a cozinha, de modo a precaver contra incêndios, e os anexos para o parco e gado bovino, isto é o palheiro e chiqueiro. A partir de finais do século dezanove é visível o progresso da habitação rural, fruto dos proventos do retorno da emigração. Assim, as casas são de alvenaria e telha e passam a ter várias divisões. A cozinha é integrada na casa, enriquecida com um forno e uma altaneira chaminé. Mesmo assim a generalidade destas era ainda muito modesta como faz notar Ronald Krohn em 1906. As habitações eram terra batida, apresentando as paredes em madeira ou pedra solta e a cobertura de colmo. Era servida de uma abertura baixa que servia ao mesmo tempo de janela e porta. No interior escuro, de apenas um compartimento, podia-se ver uma ou duas camas, uma mesa, uma arca e algum banco corrido e banquinhos. Próximo estava uma minúscula cozinha e à volta circulavam livremente galinhas, porcos, pombos e o cão. Na cidade a evolução da casa é muito mais rápida e procura corresponder às exigências
dos seus ocupantes. Ao lado das casas térreas começam a surgir as de sobrado, de um ou mais pisos. Nos arruamentos dedicados aos diversos ofícios o rés-do-chão era dedicado para loja, tenda e oficina, sendo o piso habitado pelo mestre e o sótão pelos oficiais e aprendizes. O mesmo sucedia com os mercadores de açúcar ou de vinho que tinham o piso térreo dedicado à loja ou armazém e o sobrado para habitação. Gaspar Frutuoso em finais do século XVI traça-nos o retrato do burgo funchalense destacando as casas dos principais. De entre estas merece realce a de João Esmeraldo com “seu aposento, antigo, muito rico, com casas de dois sobrados e pilares de mármores nas janelas, e em cima seus eirados com muitas frescuras”. Como nota John Ovington em 1689 estas “casas são feitas sem grande dispêndio ou esplendor; nem por fora se distinguem pelo embelezamento artístico nem interiormente se apresentam ricas de ornamentos e mobiliários; algumas atingem uma razoável altura mas sem outra característica de grandeza.” O mesmo nota a simplicidade das portas e janelas e a ausência de vidros, situação que será colmatada no século XVIII, altura em que surgem também as janelas de guilhotina, de influência inglesa. A influência da classe mercantil ligada ao comércio do vinho é evidente. Em 1772 J. Forster distingue as casas dos mercadores ingleses com janelas de vidro. Já Maria Riddel em 1778 nota que “a maioria dos negociantes tem pequenas casas de campo nas encostas, rodeadas de jardins e vinhedos o que confere um efeito muito aprazível à paisagem.” Estas últimas estão na origem das quintas madeirenses. A quinta madeirense é um espaço único onde se juntam o luxo e opulência dos aposentos, com o garrido e deslumbre das flores e árvores exóticas e as terras de lavoura comas latadas onde repousam as videiras. Desde o século XVI que se sabe da sua existência na meia-encosta sobranceira ao Funchal, sendo locais de veraneio para as principais famílias que vivem na cidade. Foram os principais locais de acolhimento dos doentes da tísica no século XVIII, ficando o registo do seu ambiente e riqueza nas descrições que estes nos legaram. O século XIX parece que foi o momento em que o madeirense dedicou mais atenção à sua habitação. Assim o corroboram os testemunhos dos estrangeiros. Em 1819 o autor de An Historical Sketch dá conta de que “ultimamente tem melhorado a arquitectura das casas pois os edifícios modernos são geralmente belos, quase sempre construídos de pedra, rebocados e caiados; a maioria das casas das pessoas nobres são estucadas no interior e muitas são elegantes e na maior parte dos casos belamente mobiladas à inglesa”. Ainda no século dezanove um outro pormenor da arquitectura da cidade chama à atenção dos estrangeiros. São as torres avista navios que se erguem altaneiras por cima dos telhados. Estas, a exemplo da casa de prazeres e dos balcões, são espaços de lazer, de namoro, intriga e observação do porto. É de salientar o aprumo que assume a fachada da habitação ornada de cantarias trabalhadas, tendo a porta principal quase sempre encimada pelo brasão de armas. No século XVII surgem os óculos para entrada de luz no rés-do-chão enquanto na centúria seguinte as janelas são protegidas de persianas ou tapa-sóis. Os assaltos de ladrões e corsários faziam com que as portas fossem reforçadas com ferro e as janelas do rés-do-chão gradeadas. A casa ganha em comodidade e luxo, afeiçoando-se ao gosto inglês. A riqueza gerada pelo vinho e atracção que este exerceu sobre os ingleses, eis os factores fundamentais desta aposta no conforto e luxo das casas madeirenses. Os espaços até então exíguos abrem-se agora em salões de dança, salas de jantar com tectos de estuques pintados e recheados de cadeiras origem e estilo inglês, contadores da Índia, arcas e caixas. A tudo isto junta-se as porcelanas da companhias das Índias. Note-se que em finais do século XVI estas casas, segundo Gaspar Frutuoso, estavam recheadas de móveis importados da
Flandres e outros países, bem como de tapeçarias, sedas e brocados. Um verdadeiro luxo. Em muitas das quintas e casas de famílias destacadas havia ainda lugar para cavalariça e os seus inúmeros arreios, bem como espaço para as cadeirinhas, redes e balanquins, que transportava as donzelas da casa e convidadas nos seus passeios ou as saraus dançantes. A arquitectura da ilha apresenta alguns pormenores curiosos. As chaminés de diversos formatos salientam-se no telhado pela beleza das formas e ornatos. Os beirais são rematados com pombas, situação que tem paralelo na Estremadura e Beira e nas ilhas de S. Miguel e Santa Catarina (Brasil). Outro pormenor muito evidente na arquitectura do espaço urbano está nas torres de ver-o-mar ou avista navios, que para alguns é de origem árabe e outros afirmam ser de origem italiana. Note-se a sua incidência em cidades portuárias sendo de referir a propósito a cidade de Cádis. No Funchal a maioria das casas que ostenta a referida torre são do século XVIII e ainda hoje persistem algumas destas a testemunhar o papel destes espaços de observação do mar de cumplicidade entre os frequentes e dos momentos de lazer. Papel semelhante detém a chamada casa de prazeres que se situa nas quintas em locais estratégicos virados para o mar ou a rua próxima. Ainda associada a esta está muitas vezes o balcão e as varandas cobertos de latadas com as suas folhas e cachos de uvas tornam este espaço aprazível ao convívio da casa.
A Mesa e a culinária na História madeirense.
No mundo actual a culinária adquiriu elevado requinte. A sociedade, chamada de consumo, universalizou os nossos hábitos gastronómicos. Os hipermercados, os restaurantes são a expressão disso e ninguém os dispensa o acto de comer e beber deixou de ser uma necessidade fisiológica para se tornar num prazer. O requinte da cozinha, a arte e mestria dos cozinheiros assim o demonstram. A mesa transformou-se num espaço importante. À mesa selam-se contratos, decide-se os destinos de um país, ou celebra-se um evento particular. A nossa culinária não está alheia a esta realidade. Ele é fruto duma herança europeia dos colonos que lançaram a semente no século XV e dos demais que foram atraídos pela sua magia e beleza. Os ingleses são os segundos descobridores da ilha e aqueles que mais a influênciaram. A mesa torna-se variada ajusta-se ao paladar dos convivas e à disponibilidade dos produtos. A ilha, terra de passagem de gentes assistiu também à movimentação e descoberta do mundo animal e vegetal. A Madeira foi, na verdade, o espaço de passagem das plantas do continente Europeu para o novo mundo e vice-versa. Da Europa chegaram os cereais, a vinha e a cana-de-açúcar. Os dois primeiros por exigência da cultura cristã. A América e a África revelaram-se aos europeus na sua exoticidade e variedade dos frutos. Os descobrimentos peninsulares foram também a descoberta disso. Aos poucos a mesa europeia tornava-se rica e variada. Cedo o ocidental assimilou aquilo que foi encontrando. Pimentos, feijão, mandioca, amendoim, chocolate, café, chá, baunilha, ananás, banana, milho e batata chegam à mesa europeia. As ilhas, e de modo especial a Madeira são viveiro da sua aclimatação aos solos europeus. A nossa variedade de frutos é resultado disso. A Banana é conhecida na ilha desde o século XVII e outros mais frutos tropicais foram chegando e contribuíram paulatinamente para o alargamento do cardápio. A mais antiga referência surge em 1687 no testemunho de Hans Sloane, sendo repetido em 1689 por John Ovington. Paulatinamente impõe-se na dieta alimentar tornando-se numa importante fonte de riqueza da ilha.
A viagem de Vasco da Gama (1497-1499) veio a contribuir para a generalização do consumo das especiarias, já conhecidas dos europeus, mas só agora com uma rota segura da sua divulgação. Assim ao tradicional açafrão, a mesa apura-se com as pimentas orientais. A posição da ilha, o seu protagonismo histórico contribuiu para a sua afirmação desde o século XV e definiram uma evolução peculiar da mesa. As ligações da ilha com outras regiões tiveram impacto directo na culinária da ilha. Assim, a presença dos escravos de Canárias, ou a iniciativa de madeirenses que mantiveram contactos com este arquipélago é responsável pela presença do gófio ou gofe, isto é uma farinha de cevada torrada que se consumia com leite de cabra ou de vaca. Sabemos do seu consumo no século XVIII na ilha do Porto Santo e que as freiras do Convento da Encarnação o tinha na sua ementa. Do Norte de África terá vindo o cuscuz, a escarpiada e o bolo do caco. Os forasteiros, de passagem ou em busca da cura para a tísica pulmonar, isto nos séculos XVIII e XIX, são os principais divulgadores da nossa gastronomia. Habituados às laudas mesas reprovam a frugalidade da mesa rural. O gáudio está no Funchal, nos salões das quintas ou do Palácio do Governador. Assim em 1793 John Barrow saiu da ilha agradado com a mesa do governador da ilha, D. Diogo Pereira Forjaz Coutinho “a sua mesa é uma das mais variadas e delicadas e em poucas partes do mundo se poderia apresentar coisa semelhante. Travessas esplêndidas sustentam animais inteiros; ali deparei com um porquinho recheado rodeado de laranjas, uma lebre armando um salto, faisões tentando levantar voo, ornados com a sua vistosa e flamejante plumagem”. Todos os estrangeiros não se cansam de referir este contraste entre a mesa das famílias distintas e a da maioria da população. Entre os primeiros estávamos perante a boa mesa onde os excessos de comida eram frequentes. E as evidências aí estavam. A obesidade era uma característica deste grupo social e do clero. Rodolfo Schultze em 1864 chama a atenção para o facto de os jovens das famílias mais importantes, entre os 10 e 14 anos, tinham a tendência para o peso excessivo. Esta ideia é também corroborada pelos autores portugueses. Assim Eduardo Grande é peremptório em afirmar que o “regímen alimentar das classes menos abastadas deste distrito” era pobríssimo, constando quase sempre de pão, mas de má qualidade. Mas isto parece ter sido o privilégio de um grupo restrito da sociedade, uma vez que de acordo com John Ovington em 1689 a alimentação dos madeirenses era muito frugal, referindo que os pobres no tempo da vindima comiam apenas de uvas e pão. Diz-nos George Forster que “os camponeses são excepcionalmente sóbrios e frugais; a alimentação consiste em pão, cebolas, vários tubérculos e pouca carne”. Na verdade a alimentação consistia em vegetais algum pão, inhame e castanha e os frutos da época. A mesa madeirense apresentava por vezes alguns pratos estranhos os forasteiros. No texto editado por J. Payne em 1740 dá-se conta de”um prato de misturas, muito apreciado pelos naturais composto de peras, passas, pão e ovos, tudo fervido ao mesmo tempo, com salsa e outras ervas aromáticas”. Noutro prato misturava-se uvas com nozes, inhame cozido, a que se juntava uma massa frita e melaço. A COZINHA E A SALA DE JANTAR. Esta opulência contrastava com a frugalidade e o espaço dedicado pelo povo à alimentação. Um casebre coberto de colmo e de chão de terra batida servia de cozinha, sala de estar e de dormir. Perante isto o espaço deveria ser bem gerido. A um canto a cama e a caixa, do outro a lareira com os diversos apetrechos e a “gaiola”, a dispensa que antecedeu o aparecimento dos frigoríficos. Nos utensílios de cozinha é evidente a sobriedade. Poucos tachos, ausência de talheres e o
recurso às mãos, situação que provoca a admiração e reprovação dos ingleses. No meio rural a imagem de uma tampa com comida de onde todos tiravam à mão. A loiça era uma raridade pois muitos dos utensílios eram feitos em madeira, somente na segunda metade do século XIX começaram a aparecer os instrumentos de cobre e latão. O forno era uma exigência apenas das casas mais destacadas. Os demais estavam dependentes do forno público. Este foi no início era propriedade do capitão. Nalgumas casas solarengas do meio rural apresentavam mais do que um forno em que se cozia o pão para a família, colonos e criados. António Carvalhal em Ponta Delgada é exemplo disso, tendo nos seus fornos lugar à cozedura de mais de trinta moios de trigo por ano. A mesa do governador era um espaço especial de encontro de convivas e de recepção de visitantes que aportavam ao porto. Deste modo nas recomendações dadas em 1698 ao Governador D. António Jorge de Mello assinala-se a necessidade de ter uma mesa grande para comer, a presença de um copeiro e de um cozinheiro. Só assim seria possível assegurar a imagem de excelência da sua mesa tão celebrada pelos estrangeiros que tiveram oportunidade de a fruir. O requinte dominava muitas destas mesas o que era notado por parte dos convidados estrangeiros. Isabella de França insiste no aprumo dos criados que serviam à mesa, a finura da decoração, dos guardanapos e flores. Até os pormenores das flores purificadoras embebidas na água. Este pormenor é realçado por D. Carlota, imperatriz do México que ficou encantada com o uso “de lavar as mãos, depois de jantar, em bacias cheias de pétalas de rosas”. A contrastar com esta ambiente estava a casa das famílias importantes do meio rural ou urbano e as quintas dos ingleses. O fausto era evidente para os forasteiros que não se cansam de o enunciar. A cozinha liga-se à faustosa sala de jantar. Esta apresentava-se com um espaço amplo coberto por um tecto ricamente decorado com estuques pintados ou não. A maior na ilha, segundo Isabella de França em meados do século XIX, era a do Morgado Nuno de Freitas na Quinta do Carvalhal nos Canhas. No século dezoito os ingleses trouxeram para a ilha esta valorização deste espaço com os estuques pintados. A mesa estava sempre a conduzir com o ambiente. Loiças e porcelanas brasonadas, da companhia das índias, rivalizavam com os apetitosos conteúdos de acepipes, carne, peixe, doces e frutas. Tudo isto era rematado por toalhas de linho bordadas e de ramos de flores de garridas cores. Os testemunhos desta opulência de algumas das mesas madeirenses repetem-se. A imperatriz do México ficou impressionada com todo este fausto: O jantar foi magnífico. Tudo quanto se encontrava sobre a toalha, candelabros, centro, desaparecia quase debaixo de uma profusão de flores, que substituíam graciosamente a riqueza metálica e às quais serviam de complemento pães e açúcar com diversas bandeirinhas”. Para muitos dos forasteiros que não tinha a oportunidade de fruir da hospitalidade da mesa do madeirense ou estrangeiros residentes estavam sujeitos aos poucos espaços públicos onde se serviam comida. Não podemos falar ainda de restaurantes, mas a informação que recolhemos das posturas municipais nos séculos XV e XVI falam-nos desse serviço feito por regateiras, vendeiras, taverneiras e estalajadeiras. No século XVIII com o advento do turismo os diversos hotéis começaram a disponibilizar alguns desses serviços. Mesmo assim parece que estávamos perante algo incipiente uma vez que a maioria dos aristocratas que buscavam a ilha para a cura da tísica faziam-se acompanhar de cozinheira. Aliás, o primitivo Reid’s Palace Hotel apresentava os quartos em sistema de aparto-hotel de hoje, uma vez que dispunha de cozinha e anexos para os criados. Também muitas das quintas madeirenses eram alugadas a estas forasteiros com louça, roupa e mobília.
Fora da cidade o único espaço de acolhimento e apoio estava nas diversas vendas, estrategicamente colocadas nos caminhos principais da ilha que passavam pelas povoações. A venda foi durante muito tempo um espaço de convívio. Era aí que acudiam os viandantes à procura de guarida e de uma ração de pão para matar a fome. Os primeiros restaurantes foram uma criação do nosso século. Célebre ficou o Golden Gate que mereceu de Ferreira de Castro o epíteto da “esquina do Mundo”. A sua posição estratégica à entrada da cidade, uma vez que primeiro se situou ao princípio da Avenida Zarco e só depois se transferiu para a actual situação, fazia-se com que fosse o ponto de encontro de todos os forasteiros. As casas de chá, como foi o caso da do Terreiro da Luta (1939), deram o mote para a mudança no sentido da restauração dos anos sessenta. A afirmação do turismo no após guerra conduziu ao aparecimento destas infra-estruturas de serviços, como foi o caso da Seta (1966), Cachalote no Porto Moniz (1969), Romana (1969), o Galo (1970), o Facho (1973) e Cervejaria Coral (1972). A MESA FARTA E VAZIA. Não é fácil perceber o que caia diariamente na mesa do homem humilde ou aristocrata. Apenas temos alguns dados avulsos sobre a mesa do governador, estrangeiros e famílias importantes. Mas, para além deste eventual encontro com a mesa festiva, podemos acompanhar o quotidiano nos conventos e colégio dos jesuítas. O Colégio dos Jesuítas parece apresentar uma das mais fartas mesas da ilha, a que acolhiam diversas entidades, nomeadamente o governador. O mesmo detinha uma importante retaguarda com as Quintas do Pico Frias, do Cardo e Grande servidas de celeiros e adegas. No século XVII a casa das quintas do Cardo e Frias acolhia com frequência o governador, nomeadamente D. Diogo de Mendonça Furtado (1659-1665), que parecia ser amante de doces, fruta e queijos alentejanos e flamengos. A ementa de carnes era variada, sendo servida de galinha, peru, frangos, leitões coelhos, cabritos., não faltando a carne de porco e os presuntos. Através dos livros de receita e despesa podemos acompanhar o dia à dia da mesa conventual. No eixo de Santa Clara às Mercê e Encarnação estava o melhor da doçaria madeirense. Para além da doçaria é insistente a presença da carne e peixe, frescos ou salgados. A galinha assume um lugar de destaque em dias festivos, isto é, no Advento, Quaresma, Natal, Páscoa e dia de Santa Clara. Ambos eram servidos com pão, por norma demolhado. Ao nível dos cereais domina o trigo, em que as freiras contam com os proventos das suas benfeitorias e por vezes socorrem-se da compra. O trigo era convertido em farinha que estava na origem do pão, bolos, empadas, pastéis, doces e cuscuz. No Convento da Encarnação a mesa dos séculos XVII e XVIII era farta. Diariamente as freiras reuniam-se para duas refeições: o jantar e a ceia. O pão corria todos os dias à mesa, e por isso havia duas amassaduras, à Quarta e ao Sábado, acompanhado de carne ou peixe. A carne era aí mais abundante pois a falta de peixe no mercado local não o facilitava. Mesmo assim o peixe comia-se às quartas, sextas, sábados e dias prescritos pela Igreja. Isto poderia ser bacalhau, atum sardinha, arenques, pargos e chicharros. Em dias festivos, como o Natal, a Páscoa e Santa Clara, a mesa era rica e recheada de doces, isto é, pão-de-leite, massapão, laranjada, cidrada, coscorões. Era notória uma diferenciação social da mesa das freiras e dos servos e trabalhadores. A carne de porco e o milho não ia à mesa das feiras mas estavam sempre presentes na dos criados e trabalhadores. A mesa do mundo rural e da gente pobre é pouco conhecida. O pouco que se sabe
resulta do testemunho de alguns estrangeiros. Esta servia-se quase só do que a terra dava, isto é, frutas, passas de uvas, figos passados e inhame. Na Primavera e no Verão dominavam as diversas qualidades de frutas, que podiam ir desde a laranja, pêra e maçã, enquanto no Outono eram as castanhas e as nozes. Consumia-se algum peixe fresco ou seco, pescado na costa, mas a carne e o pão parecem ser uma raridade. Esta frugalidade esta presente em todos os testemunhos de autores estrangeiros. Assim na segunda metade do século XVIII George Forster destaca que “os camponeses são excepcionalmente sóbrios e frugais; a alimentação consiste em pão, cebolas, vários tubérculos e pouca carne”, mais o milho americano, o inhame e a batata-doce. Esta era “o principal consumo na alimentação do camponês”. A isto juntava-se o consumo de peixe fumado ou em salmoura, importado pelos ingleses, que servia de conduto a inhame, batata e ao pão. À mesa do povo a carne e o peixe eram escassos. O peixe era maioritariamente importado, o que demonstra o pouco desenvolvimento da pesca local, baseando-se em bacalhau dos Estados Unidos e peixe seco, salgado ou em salmoura do Norte da Europa. De entre este destaca-se o arenque de fumo ou salmoura, muito apreciado pelo povo como conduto para o pão e batatas. No Norte da Europa o arenque ficou conhecido como o trigo do mar. Ainda de acordo com Isabella de França o gaiado e o chicharro eram espécies “raramente comidas por pessoas que não sejam pobres”. Esta situação ainda perdurava na década de cinquenta do século XX, altura em que as capturas de pescado de cerca de duas toneladas eram ainda incipientes para satisfazer o consumo e as industrias de conservas. É de notar que este era pouco variado assentando em atum, peixe espada, chicharro, carapau e cavala. A carne parece ser rara e, a ter em conta alguns dos testemunhos de estrangeiros, de má qualidade. Note-se que durante muito tempo a informação sobre o gado para engorda é escassa. Isto quer significar que não havia, o que fazia aumentar o preço de venda ao público da carne e reduzir a possibilidade de consumo por todos os estratos sociais. Todavia a partir de meados do século XIX é evidente o aumento da carne que se repercute num aumento da capitação média do consumo. Em 1904 Anna Von Werner queixa-se que a carne que comeu no Hotel Royal não se podia trincar. É a mesma quem nos dá conta do ambiente pouco salubre que rodeia a cozinha. Assim refere-nos numa casa uma velhota que assa castanhas e frita peixe pouco fresco numa frigideirinha com óleo. Não havia tradição de criação de gado para engorda e abate o que provoca uma situação deficitária da oferta dos açougues. Isto foi uma dificuldade permanente desde o século XV o que levou algumas instituições a solicitarem à coroa a possibilidade de disporem açougue próprio. Estão nesta situação o Cabido da Sé do Funchal, o Colégio dos Jesuítas e os conventos. Esta situação permitia que a estes o abastecimento fosse feito com regularidade estando libertos das regulamentações do mercado. Os açougues públicos existem desde o século XV e estavam sob a alçada da câmara. O primeiro matadouro surgiu em 1791 no Cabo do Calhau, sendo transferido em 1825 para a proximidade da Ribeira de Santa Luzia. Este foi demolido em 1851 mas só em 1941 teremos novo matadouro na margem da Ribeira de S. João que se manteve até a actualidade. Papel fundamental assumia o porco na dieta familiar e em torno dele existia um ritual. Não havia casa onde pelo S. João e Natal não acontecesse a célebre matança do porco. Com ele conseguia-se a carne salgada, os enchidos e a banha que tornavam mais rica a dieta alimentar. Era o principal tempero da alimentação A sua importância está bem patente no recenseamento do gado. Em 1873 temos 23.510 suínos, que entram em
queda no século vinte com 22.772 em 1928, descendo para 16.462 em 1940, para assumir a retoma em 1950 com 23.046 suínos. A manteiga tinha também lugar à mesa dos funchalenses mais abastados. Desde a década de setenta do século XIX que temos notícia da importação desta de Londres, pois a produção comercial na ilha deverá ter-se iniciado após esta data. A primeira exportação acontece em 1881 com 129 kg que sobre para 48.124 em 1893. O final do século é o momento de afirmação da pecuária, permitindo um melhor e mais alargado uso do leite e derivados na dieta alimentar. OS NOVOS PRODUTOS. Por muito tempo alguns produtos foram identificados com determinadas regiões. A maça apela-nos à grande metrópole de Nova York, enquanto o ananás nos recria as paradisíacas ilhas do Havai. Mas tudo terá mudado a partir do século XVIII. A alimentação progrediu e as ementas universalizaram-se. Os produtos perderam o selo de identidade de origem e entraram definitivamente no quotidiano. A mesa do mundo ocidental é igual. As divergências e exoticidade sucedem como resultado do confronto com outras culturas, como o mundo árabe e as regiões orientais. A Madeira está situada numa posição estratégica fundamental para acolher as rotas de migração de plantas e produtos. No século XV foi a ilha que promoveu a expansão das culturas europeias no mundo atlântico. E de novo a partir do século XVI a descoberta de novos produtos e frutos com valor alimentar levou a que a ilha servisse de entreposto de expansão dos mesmos no velho continente. Tudo isto acontece porque a ilha continua a ser uma área charneira entre os dois mundos e dispunha de uma variedade de microclimas propícios à fixação de novas plantas e sementes. Aliás, esta singular condição levou a que nos séculos XVIII e XIX a ilha se transformasse num viveiro de aclimatação de plantas. Dos inúmeros produtos que chegaram às ilhas dois há que se afirmaram rapidamente na dieta alimentar. São eles a batata, o inhame e o milho, que no decurso da segunda metade do século dezanove destronaram rapidamente a hegemonia dos cereais na dieta alimentar. Em princípios do século XX é ainda visível a expansão dos produtos hortícolas e dos tubérculos em desfavor dos cereais. Note-se que em 1908 a produção média por hectare era de 15.000 quilos, dando a ilha vinte e cinco toneladas. A batata é originária do Andes mas foi a Irlanda o principal centro difusor do tubérculo na Europa. A sua presença na Madeira está documentada a partir de 1760, mas a sua generalização só aconteceu em princípios do século XIX. A batata-doce, também oriunda da América do sul aparece na Madeira no século XVII, sendo referenciada na década de setenta do século XVIII como o principal sustento do camponês. Já a batata, dita semilha para o madeirense, só se generalizou no consumo desde 1845 com a introdução de uma nova variedade de Demerara. Em 1842 o míldio atacou a batata irlandesa, provocando uma das maiores mortandades na população dessa ilha. O mais evidente é que esta situação teve eco noutros espaços europeus, como foi o caso da Madeira em 1846 e 1847. Tendo em conta que na ilha esta havia adquirido um lugar dominante na alimentação é fácil de adivinhar as dificuldades daqui resultantes. O próprio governador, José Silvestre Ribeiro, testemunha desta situação refere em 1847 que a batata era “de há longos anos o alimento principal dos camponeses, e quando as colheitas eram abundantes, viviam sofrivelmente” isto, porque além deste produto só tinham para comer “algum inhame e pouco milho” A crise da batata conduzirá inevitavelmente a uma outra revolução alimentar com a plena afirmação do milho O Milho, na dieta popular. Sob a forma de pão ou de farinha, transformou-se rapidamente na base da mesa madeirense na primeira metade do nosso
século. O milho introduzido cedo conquistou a mesa do madeirense, tornando-se, de parceria com a batata, no sustento preferencial dos madeirenses. Note-se que em 1847 a ilha produzia apenas vinte moios, tendo necessidade de importar o restante. Em 1841 a ilha importava 9000 moios de milho e 8000 de trigo, passando em 1852 para cerca de 10.000 de milho e 5500 de trigo. Já nas décadas de setenta e oitenta o milho era a base da alimentação das populações mais pobres. Em Câmara de Lobos já em princípios do século o milho dominava a dieta alimentar. Por diversas vezes a imprensa do tempo de guerra refere-nos que o milho era o principal alimento do povo. E quase todo ele era importado do estrangeiro, ou das colónias: a ilha produzia uma ínfima parte daquilo que consumia. O milho era servido de diversas formas na mesa rural madeirense: papas de milho, milho escaldado e estroçoado. Com a farinha faziam-se as papas de milho e com o milho pilado com que faziam um caldo com cebo de carneiro ou boi, ou então umas papas com leite. No “Diário de Noticias” de 4 de Setembro de 1941 dizia-se:- “0 milho é, há muitos anos, um elemento fundamental da alimentação das nossas classes menos remediadas. Barato, de fácil preparação e de forte poder alimentar, nenhum produto da terra o pode substituir ou sequer igualar”. Vem daí a origem da expressão popular: “Vai-se ganhando para o milhinho...”.0 milho era o alimento das classes pobres e a sua ausência atingia principalmente estes, por isso o articulista do D.N. apelava em Agosto de 1943 às classes mais abastadas, que lhe reservassem este privilégio: - “O milho é o alimento das classes pobres, das classes populares (...) o milho, repetimos, é o alimento dos pobres: assim aqueles que o podem dispensar, deixem-no aos pobres -porque para as almas bem formadas, deve constituir amargura, provocar, impensadamente, as faltas de alimentação nos lares onde o dinheiro não abunda”. Mais tarde, no Inverno de 1945 em face de novas dificuldades as páginas do mesmo jornal abriram-se para expressar o grito plangente ecoou em surdina. 0 racionamento de 1 Kg semanal por cabeça propiciou o seguinte comentário: -“Não era bastante para as necessidades duma população que tinha afeito a sua economia doméstica ao consumo quase diário daquele produto.., numa terra onde o milho se podia chamar o pão nosso de cada dia.” A Madeira tinha necessidade de importar anualmente 13.000 toneladas. Todavia neste ano de 1941 ainda eram grandes as reservas de cereal e a frequência de embarcações. Os problemas de abastecimento só começaram a surgir no Outono de 1943, mas já no ano anterior começou o racionamento e distribuição do milho. Mas aqui, mercê da iniciativa da Comissão Regulador do Comércio de Cereais, a situação não foi tão gravosa como havia sucedido no decurso da primeira guerra. A política de intervencionismo económico definida por Salazar levou à criação em 1954 do grémio do milho colonial português e em 1938 surgiu a delegação madeirense da Junta de Exportação dos Cereais, que passou a coordenar todo o processo de abastecimento e fixação de preços do grão e farinha. Foi seu responsável Ramon Honorato Rodrigues, que em 1962, no momento de extinção, publicou uma memória sobre os serviços prestados pela junta que presidiu. Por ai se ficou a saber das dificuldades sentidas nos anos da guerra e da acção da Junta e Governador Civil para solucionar a situação por meio do racionamento do milho e da solicitação de carregamento à ordem do governo. Para termos uma ideia das dificuldades sentidas basta-nos aludir à capitação estabelecida pelo racionamento e relacioná-la com a média anterior à guerra: entre 1937-39 ela foi de 123 Kg/ano, enquanto de 1942-44 passou para apenas 80 Kg. Mas houve anos em que a situação se agravou: por exemplo em Março e Abril de 1945 a ração semanal por cabeça era de apenas 550 gramas de milho. A partir de 1941 o racionamento foi determinado por concelho de acordo com o número de cabeças de casal, variando o quantitativo
conforme os stocks disponíveis. MERCADOS, VENDAS... O pão, elemento fundamental da dieta alimentar, apresentava-se sob a forma de confecção caseira ou por padeiras de profissão. Em muitas das casas o forno assume um lugar de prestígio social. E ainda hoje podemos ver vestígios destes no Bairro de Santa Maria e Corpo Santo. Noutros casos havia os fornos públicos, servidos por forneiros que cobrava uma percentagem por cada alqueire de pão cozido. Já no primeiro quartel do século XX a cidade estava servida de um conjunto variado de padarias que dispunham de pão fresco pela manhã e tarde, permitindo comerse o pão fresco a todas as refeições. Com a farinha dos cereais fabricava-se, para além do pão, o cuscuz, uma espécie de massa granulada, que depois é cozida e acompanha a carne, o bolo do caco, as mal-assadas, isto é, massa de farinha com ovos cozida no azeite, o frangolho, uma papa de farinha de trigo estraçoado e o gófio. Temos ainda a escarpiada, uma massa de farinha de milho cozida em pedra de barro, que se consumia no século XVIII no convento da Encarnação e que hoje persiste no Porto Santo. A venda dos produtos necessários à subsistência das populações fazia-se em mercados e feiras que se realizavam diariamente ou uma vez por semana em espaços determinados, onde se vendia fruta, peixe e outros mais produtos. Na cidade o mercado desde o século XV é um espaço de permanente intervenção do município no sentido de facilitar a livre concorrência, salvaguardar a qualidade dos produtos à venda e o seu justo valor. No século dezanove testemunham-se três mercados na cidade. O primeiro de D. Pedro, também conhecido como da feira velha, situava-se entre o Largo dos Lavradores e o Largo do Poço, mais propriamente nas traseiras da actual alfândega. Era o mercado de venda de legumes, hortaliças, frutos e outros géneros alimentícios. Foi o principal mercado da cidade até que em 1 de Dezembro de 1940 abriu ao público o actual mercado dos lavradores. A este juntam-se os da União, no actual Largo da Feira e o de São João, no sítio onde hoje está implantado o Teatro Municipal. A venda dos produtos fazia-se e faz-se em barracas arrematadas à câmara pelos chamados barraqueiros. O mercado apresentava por norma os produtos da terra, enquanto a venda dava preferência aos de fora. A oferta dos produtos completava-se com os vendedores ambulantes ao domicílio. Estes últimos vendiam líquidos, como azeite, vinagre e leite, hortaliças, aves, lenha e carvão. A figura do leiteiro que ainda hoje sobrevive define também uma forma de venda de leite fresco ao domicílio. Ademais os interessados podiam ainda encontrar na cidade vacarias onde se servia o leite fresco, ordenhado no momento. Era assim na vacaria Burnay no Largo da Sé e da vacaria Sousa na Rua de João Tavira. A ilha apresentava em 1928 cento e setenta mil vacas de ordenham que produziam vinte milhões de litros. O Funchal consumia anualmente um milhão e quinhentos mil litros de leite, o que equivale a cerca de quatro mil litros diários. O restante leite era usado no fabrico de manteiga e queijo. Em 1928 a produção de manteiga orçava as mil toneladas, sendo exportada mais de três quartos. Esta situação é demonstrativa do rápido incremento que teve a actividade na região uma vez que em 1880 a exportação foi de apenas cento e vinte e nove quilogramas. O abastecimento local fazia-se a partir das mercearias e tabernas. Aí vendia-se, em simultâneo, bebidas, nomeadamente o vinho da produção local, géneros alimentícios e artefactos locais ou de importação. A abertura de um estabelecimento obrigava ao requerimento da licença que só poderia ocorrer da necessária autorização camarária depois do pagamento de uma taxa. Ao infractor era atribuída uma pesada multa. Acrescem ainda outros requisitos que foram regulamentados ao longo do tempo. Assim,
em 1931 a sua localização deveria estar a mais de 500 metros de distância das escolas. E antes havia-se estabelecido padrões de higiene e sanidade no funcionamento. De acordo com regulamento de 1946 todos os estabelecimentos comerciais foram obrigados, num prazo de noventa dias, a ter água canalizada e pia, caso se situassem a mais de 100 metros da canalização pública a obrigação revestia-se na presença de um reservatório de barro com capacidade para 50 litros. Por outro lado os géneros alimentícios deveriam ser guardados em prateleiras envidraçadas ou caixas fechadas. Depois foi a proibição a partir do dia 1 de Junho de vender no mesmo compartimento os géneros alimentícios, tintas, óleos, guanos, sulfato de cobre e substâncias tóxicas ou nocivas à saúde. À vereação estava acometida também a tarefa de estabelecer os preços de venda ao público dos diversos géneros de produção local. Todos os anos entre Outubro e Janeiro eram estabelecidos preços para todos os produtos colhidos no concelho: vinho, cereais, cebolas, feijão, favas, batata, carne, laranjas, limões, inhame, vimes, cana doce. As actas das vereações e as posturas municipais revelam-nos muitos dos problemas resultantes do abastecimento de bens alimentares e artefactos no mercado madeirense. Em todos os tempos existiram os espaços abertos ou fechados de venda pública dos produtos. O correr dos anos apenas fez mudar os locais ou a designação, bem como aperfeiçoou os hábitos de consumo. A par disso é de salientar na cidade e localidades circunvizinhas outro tipo de venda ambulante que contemplava, não só o leite, como também,.o azeite, petróleo, hortaliças, aves, cebolas, mel, sorvetes e outros gelados, carvão vegetal. A década de sessenta demarca um momento importante da evolução das estruturas de apoio à venda dos produtos alimentares. As vendas perderam actualidade dando lugar a novas formas de apresentação e venda com os supermercados. Eles são o princípio da transição para as grandes superfícies da actualidade, iniciada em 1963 com o supermercado BACH. À SOBREMESA: DOCES E FRUTOS. Parte significativa do açúcar produzido na ilha, e mais tarde importado do Brasil, era usado no fabrico de conservas e de doçaria. São vários os testamentos denunciadores da mestria dos madeirenses no fabrico destes produtos. Em meados do século quinze Cadamosto refere a feitura de "muitos doces brancos perfeitíssimos", enquanto em 1567 Pompeo Arditi dá conta da "conserva de açúcar" que se fazia no Funchal "de óptima qualidade e muita abundância". E, esta tradição perpetuou-se na ilha para além do fulgor da produção açucareira local pois, segundo Hans Sloane em 1687, o madeirense produzia "açúcar indispensável aos gastos caseiros e ao fabrico de doces, indo ainda comprá-lo ao Brasil". Dois anos após John Ovington refere a indústria da conserva de citrinos que se exportava para França. Tal como se deduz de um documento de 1469 o fabrico de conservas era indústria importante para a sobrevivência de muitas famílias, uma vez que ocupava "mulheres de boas pessoas e muitos pobres que lavraram os açucares baixos em tantas maneiras de conservas e alfenim e confeitos de que têm grandes proveitos que dão remédio a suas vidas e dão grande nome a terra nas partes onde vão...". Os livros do quarto e quinto do açúcar informam-nos sobre o dispêndio que dele se fazia no fabrico de conservas, frutas seca e marmelada. Nisso gastaram-se cerca de quatrocentas arrobas de açúcar de vários tipos, sendo na sua maioria para consumo dos proprietários do referido açúcar. A fama da arte da confeitaria madeirense espalhou-se por toda a Europa e teve o seu expoente máximo na embaixada enviada por Simão Gonçalves da Câmara ao Papa.
Segundo Gaspar Frutuoso compunha-se de "muitos mimos e brincos da ilha de conservas, e o sacro palácio todo feito de açúcar, e os cardiais todos feitos de alfenim, dornados a partes, o que lhes dava muita graça, e feitos de estatura de hum homem". São vários os testemunhos denunciadores da mestria dos madeirenses no fabrico destes produtos. Segundo Hans Sloane em 1687 o madeirense produzia "açúcar indispensável aos gastos caseiros e ao fabrico de doces, indo ainda comprá-lo ao Brasil". Dois anos depois John Ovington refere a indústria da conserva de citrinos ou cidra que se exportavam para a França e Holanda. A cidra existia em abundância na Ponta de Sol, Ribeira Brava, Machico e Câmara de Lobos (Ribeira dos Socorridos), quase desaparecendo em finais do século XVIII e arrastando inevitavelmente esta indústria para o seu fim. Um dos factores de promoção desta indústria ao nível das conservas foi a importância assumida pelo Funchal como porto de escala de abastecimento para a navegação atlântica. Muitas embarcações aportavam aí com o intuito de se fornecerem de conservas de citrinos para a sua dieta de bordo. Mas, sem dúvida, o consumidor preferencial das conservas e doçaria madeirense era a Casa Real portuguesa. D. Manuel foi o seu consumidor preferencial e aquele que divulgou as suas qualidades na Europa. Assim ficaram como o seu principal presente, dentro e fora do reino, sendo o seu exemplo seguido por Vasco da Gama, que também ofertou o xeque de Moçambique com conservas da ilha. No período de 1501 a 1561 a Casa Real consumiu 1129 arrobas e 58 barris de açúcar em conservas e frutas secas. A par disso o rei havia estabelecido a partir de 1520 o envio anual de 10 arrobas de conserva para o feitor de Flandres. Esta indústria manteve-se por todo o século XVII, suportada com o pouco açúcar da produção local ou com as importações dele do Brasil. Neste último caso sabe-se que em 1680 foram importadas 2.575 arrobas para o fabrico de casca. Aliás, de acordo com uma informação dada ao governador da ilha, D. António Jorge de Melo referia-se que "é a casquinha negócio muito grande porque há ano que se carregam com aquela terra mais de 20 embarcações de um só doce para o qual é necessário comprar açúcar da terra ou manda-lo vir do Brasil". A correspondência de William Bolton refere-nos que a conserva de citrinos estava em grande prosperidade na década de noventa do século XVII, sendo usada para o abastecimento das embarcações que demandavam a ilha, ou exportadas para Lisboa, Holanda e França. O fabrico do açúcar começava em Março mas só em Agosto havia dele disponível para distribuir às conserveiras que fabricavam a casca e conserva. A partir daqui eram mais trinta dias de árdua tarefa até que o produto estivesse disponível para a exportação. Da existência ou não de açúcar, da sua qualidade dependia a disponibilidade para o fabrico destes derivados, que activavam o comércio com as praças do Norte da Europa, donde nos províamos de cereais e manufacturas. Esta era uma indústria muito instável, dependendo das possibilidades de oferta de açúcar brasileiro e da procura do produto acabado pelos mercadores europeus. A correspondência particular de alguns mercadores, como é o caso de Diogo Fernandes Branco e W. Bolton, testemunha de forma evidente esta realidade. Diz o último em 7 de Agosto de 1697: "Pensou-se fazer uma grande quantidade de conserva de citrinos mas muitos fabricantes desistiram por não saberem se os barcos os viriam buscar". São vários os testemunhos denunciadores da mestria dos madeirenses no fabrico destes produtos. Segundo Hans Sloane em 1687 o madeirense produzia "açúcar indispensável aos gastos caseiros e ao fabrico de doces, indo ainda comprá-lo ao Brasil". Dois anos
depois John Ovington refere a indústria da conserva de citrinos ou cidra que se exportavam para a França e Holanda. A cidra existia em abundância na Ponta de Sol, Ribeira Brava, Machico e Câmara de Lobos(Ribeira dos Socorridos). Um dos principais factores de promoção da indústria das conservas foi a importância assumida pelo Funchal como porto de escala de abastecimento para a navegação atlântica. Muitas embarcações aportavam aí com o intuito de se fornecerem de conservas de citrinos para a sua dieta de bordo. Mas, sem dúvida, o consumidor preferencial das conservas e doçaria madeirense foi, no início, a Casa Real portuguesa e, depois, as cidades do Norte da Europa. No fabrico das conservas e doces variados merecem a nossa atenção as freiras do Convento de Santa Clara, da Encarnação e Mercês. Aliás em 1687 Hans Sloane referiase de forma elogiosa aos doces e compotas que comeu no Convento de Santa Clara, e ao referir que "nunca vi coisas tão boas". Num breve relance pelos livros de receita e despesa do Convento da Encarnação, Misericórdia do Funchal, e Recolhimento do Bom Jesus, constata-se as assíduas despesas com a compra de açúcar da ilha ou do Brasil para o consumo interno. A Misericórdia do Funchal para além das esmolas que recebia em açúcar ou marmelada, consumia açúcar que comprava. Do primeiro tanto se poderia dar aos doentes ou vender para fora. Em 1636 gastaram-se 6.180 réis na compra de 3 arrobas de açúcar para os doces da procissão das Endoenças. Ademais são conhecidas outras despesas na compra de abóbora, ginjas, peras, marmelos para o fabrico de doce. Em 4 de Junho de 1700 a Misericórdia do Funchal gastou 101.500 réis na compra de 34 arrobas para o fabrico de doces a serem consumidos ao longo do ano. Para o período de 1694 a 1700 a mesma instituição gastou 634.400 réis na compra de 227 arrobas de açúcar e 14 canadas de mel. Maior e mais assíduo foi o consumo de açúcar no Convento da Encarnação. Aí, de acordo com o registo mensal dos gastos com as compras de produtos para a dispensa do convento pode-se ficar com uma ideia da sazonalidade do consumo da doçaria. No caso deste convento destacam-se a Quinta-Feira de Endoenças e o Natal. Nesta última festividade distribuía-se a cada freira, para a Consoada, 8 libras de açúcar. Além disso parte significativa do açúcar de várias qualidades, era usado para o "tempero do comer" e fazer conserva. No total despenderam-se 190 arrobas de açúcar por estes vinte e dois anos para um total aproximado de seis dezenas de recolhidas. Extintos os conventos quase que também desapareceu a tradição da doçaria. No século XIX a doçaria teve divulgação através das pastelarias. Um das mais famosas foi a Pastelaria Felisberta criada em 1837 na Rua da Carreira. Também ficou célebre a doçaria da panificação Blandy na rua do Hospital Velho. Uns anos mais tarde, Isabella de França, continuava deslumbrada com a cozinha doce da ilha. Nos anos vinte a cidade estava servida de onze confeitarias. Hoje, o único testemunho que resta dessa importante industria do doce madeirense é o bolo de mel. O alfenim manteve-o a tradição dos ex-votos das festas do espírito Santo na ilha Terceira, único local onde ainda persiste esta tradição. No século XIX eram também muito apreciados os sorvetes e doces gelados feitos com neve trazido do alto das montanhas para o Funchal. Ficou famosa a casa de Baxixa, tal como testemunha John Dix. Este fabricava os melhores sorvetes, servindo-se da neve que recolhia da casa de gelo das montanhas. Todavia a partir de 1867 o fabrico de gelo por John Peyne & Son com água das Fontes de João Diniz, tornava mais fácil o fabrico de sorvetes. Na década de vinte persistem ainda duas fábricas de gelo que continuarão
por muito tempo a deliciar a gulodice dos amantes dos refrescos de Verão. Mas a sobremesa não se resumia apenas à rica doçaria, pois que a ilha desde o começo do povoamento sempre se mostrou terra fértil onde medrava todo o tipo de árvores de fruta. Primeiro foi o domínio daquelas conhecidas na Europa e depois a partir do século XVI, as exóticas de África e América. Enquanto as primeiras se anicham nas áreas acima dos 300 m de altitude as segundas preferem as zonas ribeirinhas e soalheiras. A mais antiga referência que temos é da banana, referida em 1552 por Thomas Nichols, mas a lista é variedade, incluindo-se o abacate, ameixas, amoras, anonas, goiabas, mangos, ananás, araçá, maracujá. Esta variedade de frutas sempre servida à mesa na sua época não era de agrado de todos os forasteiros. Maria Carlota da Bélgica em 1860 não era adepta de bananas, goiabas e maracujás, reclamando de um “odor infecto” e um “sabor horrível”. DA COPA À TABERNA. Os líquidos também corriam nas fartas mesas. O vinho era permanente na ração diária dos conventos e Colégio dos Jesuítas, servindo-se para tal da produção aquele que provinha das suas terras. Este foi durante muito tempo o líquido presente à mesa. Na mesa das famílias pobres bebiam-se apenas a água-pé nos dias próximos da vindima. Mesmo assim a maioria dos testemunhos dos estrangeiros insiste na sobriedade dos madeirenses no consumo de bebidas alcoólicas. No princípio do nosso século a generalização do fabrico de aguardente e a sua abundância conduziram ao despoletar do consumo desta bebida. O consumo foi de tal forma elevado que a Madeira recebeu o epíteto de ilha da aguardente. Esta situação reportou inegáveis prejuízos para a saúde pública pelo que se tomaram medidas limitativas do seu consumo. De acordo com Rodolfo Schultze em 1864 os madeirenses tinham preferência pelo consumo de vinho misturado com água ou cerveja. Consumia-se ainda cerveja, ginger-beer(limonada de gengibre) e água mineral. No século XIX os ingleses viriam a alterar este hábito ao introduzirem a cerveja. A primeira fábrica foi implantada na ilha por João Park em 1840, a que se sucederam outras na década de cinquenta, como foi o caso da de Victorino José Figueira (1856) e José de Freitas(1859). Temos alguns dados sobre a produção de cerveja. O primeiro produzia 326 hectolitros de cerveja branca e preta e 58 de ginger beer, já o segundo apresentava 340 de cerveja branca e preta e 60 de ginger beer. Mas muitos estrangeiros preferiam a cerveja importada tal como nos refere Rudolfo Schultze em 1864, todavia esta concorrência da cerveja inglesa e alemã não afectava a madeirense, muito apreciada pelos locais e considerada de superior qualidade. Em 1872 H. P. Miles fundou a Atlantic Brewery e em 1890 Manuel Alves de Araújo surge com a fábrica Leão. A primeira, que produzia água de soda, limonada gasosa e cerveja, apresentava o equipamento adequado ao engarrafamento já avançado em relação às demais mas que ainda estava muito longe das actuais linhas de engarrafamento. Em 1908 em duas unidades do Funchal fabricava-se 666 hectolitros de cerveja branca e preta e 118 de ginger beer. Nesta data uma cerveja custava 30 réis enquanto um ginger beer ficava pelos 20 réis. A crise da década de trinta obrigou à fusão de todas as pequenas industrias numa só unidade industrial, dando lugar à Empresa de Cervejas da Madeira que hoje domina o mercado local. Mesmo assim esta não conseguia satisfazer as necessidades dos apreciadores de cerveja, uma vez que nos inícios da década de cinquenta a ilha importava 29.520 litros de cerveja. Fora do Funchal temos notícia de uma fábrica de refrigerantes na Ribeira Brava, que funcionava em 1955 e de um outra em 1909 no Porto Santo, propriedade de João Augusto de Pina
para engarrafamento da água da fontinha. O restrito grupo de bebidas alarga-se à cidra, ou vinho de peros que era muito apreciada na ilha em princípios do século XX. Isto é testemunhado pelo número de lagares em toda a ilha, assinalando-se em 1908 dezoito. Hoje a tradição desta bebida persiste no Santo da Serra. Todavia nesta época a bebida mais apreciada era a aguardente. O seu consumo era excessivo, sendo considerado um problema de saúde pública pelas autoridades. O consumo começou a divulgar-se em princípios do século XIX por influências das tropas inglesas que por duas vezes ocuparam a ilha. A subsistência das populações foi gerada de pequenas indústrias no sector alimentar cuja dimensão foi proporcional ao movimento demográfico e às inovações técnicas. Em 1862 estas eram ainda incipientes uma vez que apenas foi arrolada uma fábrica de massas no inquérito industrial, mas em 1928 a situação é distinta. Assim para além de sete fábricas de massa temos duas de gelo, quatro de bolachas, cinco de refrigerantes e onze confeitarias. AS FOMES. Pode-se afirmar que a Madeira viveu sempre sob o espectro permanente da falta de cereal, indispensável para manter a dieta dos madeirenses. As dificuldades no abastecimento das casas e padarias da cidade eram permanentes e mais se agravavam em momentos de crise de produção na ilha e nos mercados açoriano e canário, os seus principais abastecedores. Tudo isto porque a produção local foi, por mais de dois séculos, um quarto do consumo local. A fome foi uma constante da história da ilha. Os primeiros momentos manifestaram-se já no século XV, pois em 1466 e 1485 a sua ameaça pairou na então vila do Funchal. O século XVI manteve-se sob o mesmo espectro com dois momentos de evidência em 1523 e 1545. Pior seria a situação em princípios do século XVII. A presença de uma força espanhola, conhecida como força do presídio, fez aumentar o consumo de cereais e agravar as dificuldades de abastecimento. Como resultado disso tivemos os motins de 1600, 1602 e 1627, que culminaram em 1695 com a perseguição a William Bolton, um dos principais intervenientes no comércio de cereais e farinhas dos Estados unidos, acusado pelos madeirenses de especulação. Nos séculos XVIII e XIX. A dependência da ilha aos mercados externos era extremada e agravava-se em momentos de guerra. Era isso que acontecia em 1815 em que “a carestia dos viveres ocasionada pelas tristes revoluções do mundo”, Na verdade e guerra americana conduziu ao corte do mercado abastecedor de milho e farinhas. A falta de pão levava o madeirense a socorrer-se de tudo o que pudesse enganar a fome. Assim na década de setenta do século XVIII esta falta supria-se, segundo o Governador Manuel de Saldanha de Albuquerque, com raízes, flor de giesta e frutos silvestres. Idêntica situação viveu a ilha na década de quarenta do século XIX em que a tragédia da fome foi atacada pelo governador civil, José Silvestre Ribeiro, Com obras de emergência. O século XIX pode bem ser considerado como o das fomes. A primeira sucedeu em 1815 mas foi em 1847 que a palavra assumiu o seu carácter mais violento. A morte colheu alguns e os poucos inhames existentes eram cobiçados de todos. Em Santana, por exemplo montara-se vigilância às culturas e inhames. Em Santa Cruz um homem foi morto quando roubava alguns inhames para enganar a fome dos familiares. Teme-se por motins populares e um assalto aos armazéns da cidade, mas tudo isto foi contornado pela política hábil do governador, José Silvestre Ribeiro, que montou um sistema de sopa pública. No Porto Santo a fome estava sempre presente no quotidiano dos seus
moradores. Em 1769 tivemos uma das primeiras grandes fomes, mas foi na primeira metade do século dezanove que estas se sucederam de uma forma constante. Os anos de 1802, 1806, 1815, 1823, 1829, 1847 e 1855 são os momentos de maior nota. Esta situação levou Rui Nepomuceno(1994) a afirmar que as crises de subsistência foram a constante mais destacada da História da Madeira. No século XX as dificuldades não desaparecem. A crise económica das décadas de vinte e trinta reflectiu-se na dieta alimentar dos funchalenses e provocou a tão celebrada revolta da farinha em Fevereiro de 1931. Mesmo assim as maiores dificuldades estavam para acontecer no período da segunda guerra mundial. As dificuldades foram redobradas na década de cinquenta. Note-se que a ilha apenas produzia 11% do trigo e 6,4% do milho consumido na ilha, o que agravava a dependência ao mercado estrangeiro e nacional. Deste modo Ramon Honorato Correa Rodrigues(1953-1955) dá conta do quadro pouco animador da alimentação madeirense, nomeadamente do meio rural, sendo notório o deficit de proteínas, gorduras e calorias. Neste período a incidência dos produtos da dieta alimentar estava na batata, batata-doce e no milho. A dependência alimentar da ilha parece uma situação irresolúvel. Os limitados recursos da ilha em contraste com o surto demográfico são os responsáveis desta situação. Deste modo na década de cinquenta a ilha tinha necessidade de importar mais de quarenta mil toneladas de cereais. De acordo com os valores disponíveis a ilha necessitava de importar mais de 90% do milho e farinhas consumidos. A distribuição do consumo variava entre a cidade e o campo, assim de acordo com a capitação anual o funchalense consumia 110 kg de trigo por ano e 80,5 de milho, já no meio rural esta rondava os 43 de trigo e 41,6 de milho. Isto resulta do facto de o homem do campo poder dispor de outros suplementos alimentares fruto da sua actividade agrícola. A actual culinária madeirense é herdeira desta tradição cultural dos colonos europeus, das aportações dos forasteiros e rotas marítimas. Os cereais perduram sob a forma de pão ou diferentes formas de cozinhado. O milho conhece-se hoje mais como frito do que como papas. A batata persiste na mesa. E a sobremesa é hoje a mais requintado e rica, quer em aromas e sabores. Tudo isto é obra da Natureza e do Homem.
FESTA E DIVERSÃO.
Os arraiais madeirenses são a componente mais evidente das nossas festas e romarias. De todos os que adquirem maior brilhantismo são os que têm lugar nas romarias tradicionais, que é como quem diz Nossa Senhora do Monte, Senhor Bom Jesus de Ponta Delgada, Nossa Senhora do Loreto, Nossa Senhora do Rosário, Senhor dos Milagres(...). A devoção popularizou-se ao longo dos últimos cinco séculos, de modo que estas romarias são momentos de grande movimentação das gentes. Primeiro a pé, pelos caminhos íngremes que ligavam a ilha de Norte a Sul. Os meses de Julho, Agosto e Setembro são os de maior devoção e festividades. O clima, as tarefas agrícolas (apanha dos cereais, a vindima) favoreciam a movimentação das gentes, mesmo quando a orografia da ilha os atraiçoava. A pé ou a cavalo todos se deslocavam para o Monte ou Ponta Delgada. Note-se que em meados do século XIX a preocupação do pároco em deslocar a data da romaria do Santo da Serra com medo das primeiras chuvas de Setembro. Para apoio destes romeiros abriram-se caminhos, construíram-se casas de romeiros junto dos templos de devoção. Algumas destas construções, geminadas com as igrejas, são, ainda hoje, visíveis. A par disso, havia, entre todos, um espírito de solidariedade
para com estes. O bispo, nas suas visitações, recomendava ao município a recuperação dos caminhos e proibia os pastores de manter o gado na serra sobranceira. Esta é, pelo menos, a ideia que retemos da romaria da Ponta Delgada. Os moradores acolhiam -nos dando-lhes, por vezes, guarida. Depois, com o avanço da rede de estradas a partir da década de quarenta, estes deram lugar os excursionistas. As filas intermináveis de "Horários" e "abelhinhas". A abertura de estradas facilitou o contacto e acabou com o isolamento, mas, em contrapartida, veio retirar o bucolismo dos romeiros, que calcorreavam a ilha de norte a sul à busca do santo de sua devoção para retribuir a graça concedida. Não mais se ouviu ecoar as cantorias dos romeiros. O rajão, o machete e as castanholas emudecerem e nas serras da Encumeada e do Paúl apenas se ouvirá o murmúrio do vento. A tradição ainda testemunha a vivência dos romeiros. O folclore preservou muitos desses despiques e cantorias dos Romeiros. O folguedo ou arraial, no espaço vizinho da igreja/capela do orago é efémero. Dura quarenta e oito horas. Mas, para que isso aconteça há todo um trabalho engenhoso e arte na criação das flores ou dos tapetes para a procissão. Os enfeites, de alegra-campo e loureiro, contrastam com o garrido das flores e o vermelho da Cruz da Ordem de Cristo que flutua nas bandeiras. O progresso trouxe mais luz e o feérico da cor, fazendo-os prolongar pela noite fora. A luz eléctrica, a partir da década de quarenta, veio revolucionar o arraial. Aqui, para além da oferta de um variado conjunto de barracas de comes e bebes, onde pontua a espetada, temos a feira para venda dos produtos da terra ou de fora. Este é um momento de encontro, devoção e partilha da riqueza arrancada à terra. A festa do orago era um momento importante na vida das gentes da localidade. Ao divertimento e devoção juntam-se os contratos, negócios e, mesmo, o tempo para as aventuras. Afinal, o arraial era um momento único em que todos se encontravam irmanados pela devoção ao santo padroeiro. A romaria de Ponta Delgada assume especial significado. Primeiro porque o lugar se situa lá longe na encosta norte obrigou o madeirense a um grande esforço de calcorrear a ilha para expressão da sua devoção. Depois pela dimensão que assumiu em toda a ilha, o que conduzia a que no princípio de Setembro todos estivessem virados para a encosta norte. As longas caminhadas por entre as montanhas reforçam o carácter lúdico destas manifestações e apresentavam-se como momentos de grande animação, de encontro de gentes, de troca de amizades. A devoção ao senhor Bom Jesus começou por ser particular e resultou da origem de um dos principais povoadores do lugar de Ponta Delgada. Foi Manuel Afonso Sanha, oriundo de Braga, quem trouxe para aqui o culto ao Senhor Bom Jesus, ao construir em 1470 nas suas terras uma capela da mesma invocação. O culto ao senhor Bom Jesus espalhou-se rapidamente a toda a ilha. A sua invocação em momentos de dificuldade e a necessidade de agradecer a benesse alcançada através do "pagamento da promessa" conduziu paulatinamente à sua afirmação. Assim, nos séculos XVI e XVII, é manifesta a importância desta romaria no calendário religioso da ilha, levando o bispo a recomendar medidas no sentido de reparar os caminhos que de toda a ilha dão acesso ao local de Ponta Delgada. Na Madeira o calendário das festas e estabelecido de acordo com o ano 1itúrgico e agrícola, sendo no primeiro que esta realidade tem a sua máxima expressão: enquanto estas celebram os principais momentos da vida da igreja e dos santos, as segundas demarcam o período das colheitas de um determinado produto, que cativava a vira das gentes da ilha ou da localidade em que têm lugar. As últimas são de criação recente, tendo algumas surgido nas duas últimas décadas da cereja, vindimas, ao pêro e da maça,
enquanto as primeiras remontam aos primórdios da ocupação da zona. Os iniciais povoadores da Madeira, maioritariamente do norte de Portugal, trouxeram impregnado ao corpo as tradições religiosas e festividades do calendário litúrgico. Foi desta forma que se delinearam os arraiais e romarias, que preenchem o tempo de lazer ao madeirense, expressos na afirmação dos santos populares (Santo António, S.doäo, S.Pedro) e importantes romarias (Bom Jesus-Braga/P.Delgada, N.S.do Loreto-Italia/A. Calheta, N.S. dos Remedios-Lamego/Quinta Grande ), a que se vieram juntar as festividades, genuinamente madeirenses (N.S, do Monte, Senhor dos Milagres, N.S. do Rosário). Estas últimas emergiram, de um modo geral, envoltas num misto de lenda e fervor religioso o que contribuiu para a sua perpetuação e afirmação às gerações vindouras. Para o madeirense o momento festivo mais importante e de maior significado e sem duvida o NATAL, que se demarca como o ponto de chegada e partida do calendário litúrgico. A prova disso esta patente na afirmação deste momento: o NATAL madeirense é a FESTA. Em lugar secundário surgem as festividades ao longo do ano com particular incidência na época estival; note-se que a maioria destas tem lugar nos meses de Junho a Setembro. O clima favorece essa concentração na época estival e era preocupação da Igreja concretizá-las antes das primeiras chuvas de modo a que fosse numeroso o grupo de romeiros. Assim sucedia, em meados do século dezanove, com a romaria do Santo da Serra, deslocada da data habitual por causa do medo das primeiras chuvas de Setembro. Mas aqui e necessário distinguir as romarias das demais festas aos oragos, enquanto estas últimas assumem uma dimensão vivencial restrita à localidade enquanto as remais são vividas por toda a população. Há num misto de devoção na igreja, e os folguedos ou arraial, no espaço circunvizinho. As promessas, com todo o seu ritual martirologico, a acção intercessora ao santo são os elementos devedores desta manifestação. A romaria, para alem do tradicional pagamento da promessa ao patrono, expressa em valor pecuniário ou numa homenagem fervorosa, e um momento decisivo para o encontro das gentes da ilha, aproveitado por muitos para o estabelecimento de contratos, troca e venda de produtos e, por vezes, uma fugaz aventura amorosa. Deste modo as principais romarias da ilha demarcavam o ritmo de vida dos nossos avoengos e actuaram como mecanismo unificador da vivencia religiosa e do quotidiano, que essa dispersão populacional, resultante da orografia da ilha. Em face disto estas, para alem da sua importância na expressão da religiosidade do madeirense, destacam-se como momentos de afirmação de uma excessiva sociabilidade que conduzira a definição uniformizadora deste modo de ser que caracteriza o madeirense. Estas romarias tinham lugar na época estival, após as colheitas da cana-de-açúcar, ao cereal ou ao vinho, o que permitia essa ventura, por terra e por mar, ao encontro do orago protector. Estas festividades estavam devidamente calendarizadas: em Agosto era a festa de Nossa Senhora do Honre, em Setembro N. S. do Loreto no Arco da Calheta e o Bom Jesus da Ponta Delgada e em Outubro encerravam-se as romarias com o Senhor dos Milagres em Machico. Para além das casas de acolhimento, conhecidas como as casas dos romeiros, estas manifestações deixaram marcas na toponímia da ilha, são os caminhos dos romeiros, o curral dos romeiros, a atestar essa frequência. As dificuldades de comunicação, nomeadamente na vertente norte da ilha, não impediram que os romeiros afluíssem em grande número as festividades do Senhor Bom Jesus; por terra ou por mar, a pé ou a cavalo todos convergiam para esta
manifestação ritual. Desde o século dezassete que este santuário ao norte ficou a marcar a nova aposta da reforma tridentina, ganhando uma dimensão particular na religiosidade do madeirense. Oeste modo no primeiro domingo de Setembro a pequena povoação de Ponta Delgada recebia inúmeros romeiros do sul e do norte, que para ai se dirigiam a cumprir as suas promessas. A sua passagem era anunciada pelos cantares e músicas apropriadas que davam ao norte da ilha uma animação inaudita. A própria igreja tomou algumas medidas no sentido de facilitar esse movimento, aconselhando as autoridades municipais os necessários cuidados na manutenção dos caminhos ou punhado os proprietários de gado com excomunhão, pois conforme refere o Dispo em 1706 sucediam-se, por vezes, desastres mortais, devido à queda de pedras provocadas pelas cabras que pastavam nos precipícios sobranceiros aos caminhos do lado de S. Vicente e Boaventura. A partir da segunda metade ao século dezanove o emigrante regressado do Hawaii, Demerara, Brasil, Venezuela, Africa do Sul e Austrália reforça a animação destas festividades, dando-lhe uma nova dimensão; este era o festeiro, que reconhecendo a protecção do santo prestava a sua farta homenagem. Estas passaram a ser o momento para a visita aos familiares ou o regresso dessa promissora aventura ;a animação festiva passou para o exclusivo controle do emigrante, dependendo o seu brilhantismo da disponibilidade financeira: e o emigrante quem paga as despesas dessa realização, assumindo aqui este acto uma forma de devoção ao santo patrono do sucesso alcançado. A ostentação da riqueza amealhada manifesta-se, por vezes, no número de lâmpadas acesas, no fogo queimão, nas bandas de música e, mais recentemente, nos conjuntos de ritmos modernos. Na verdade, hoje a realidade e outra e ao madeirense são oferecidas inúmeras formas de diversão que colocam em piano secundário as festas e romarias; primeiro a rádio(1948), depois a televisão(1972) e as hodiernas formas de diversão urbana com as discotecas(1973) quase que as apagaram. Uma breve incursão ao processo histórico da ilha revela-nos que os nossos avos não reservavam a sua alegria apenas para as festividades religiosas. O madeirense na sua labuta diária soube manter-se em perfeita harmonia com o meio que o rodeia, expressando uma natural alegria, patente nas danças e cantares que animaram o seu quotidiano; todos os momentos eram aproveitados nesse domínio, sendo o árduo trabalho amenizando com os diversos cantares - canção da erva, da ceifa, dos borracheiros(...)- repetidos nas romarias. O ritmo desses cantares trouxe-o o batuque dos escravos africanos que vieram para a ilha desde meados do século XV para o trabalho na serra do açúcar. Muitas destas manifestações surgem na ilha com os primeiros colonos, resultando a sua variedade da múltipla origem desses. Mas um facto e dominante, a avassaladora presença das manifestações rituais do norte de Portugal, local de origem do maior grupo de povoadores: as danças, os nomes das principais romarias vão buscar ai a sua origem. Assim sucedeu com a devoção do senhor Bom Jesus de que foi transplantada para Ponta Delgada por Manuel o Sanha, o mesmo sucedendo com a N.S. dos Remédios de o que se implantou na Quinta Grande. A par disso o aos santos populares mantêm a tradição lusíada, o mesmo sendo com as demais festividades que demarcam o calendário litúrgico: o Carnaval, corpus Christi e o Natal. Não é fácil definir a data precisa em que as principais madeirenses tiveram o seu inicio, pois faltam-nos comprovativos. As romarias da actualidade -Monte, Loreto, Ponta Delgada, Rosário e Machico- sabe-se que são muito antigas, ligando-se aos principais povoadores. Os venerados são os seus principais intercessores. Além das festas dos
oragos os demais momentos festivos que fogem ao calendário litúrgico de que se destaca o nascimento de um príncipe ou o regresso do capitão à ilha. Estas tinham lugar no Funchal e contavam com a presença de numerosos forasteiros dos mais recônditos locais da ilha. As romarias, marcadamente rurais, desviavam os romeiros do burburinho urbano e conduziam-nos ao encontro da natureza. Eram elas que estabeleciam o ritmo de vida e quotidiano das gentes, actuando como elos de ligação e convergência das diversas freguesias; ao fervor religioso, expresso nas promessas e devoção. Alguns dos contratos tinham como prazo a data dos santos populares ou as mais destacadas romarias. Note-se que o S. João foi durante o século quinze a data de início dos mandatos no município funchalense, mantendo-se a tradição nos Açores até época tardia. Gaspar Frutuoso refere, a este propósito, que em S. Roque do Faial sé realizava a 8 de Setembro uma das mais importantes romarias da ilha, onde para alem da imprescindível devoção e folgares se aproveitava o momento para a troca de produtos, numa feira improvisada. Aliás esta tradição de associar as feiras e mercados às romarias não é novidade tendo sido trazido pelos colonos oriundos do norte de Portugal, onde eram frequentes. Em 1853 Isabella de França descreve-nos de forma sucinta a romaria de Santo António da Serra, através da animação e devoção do arraial, da presença dos romeiros, que descreve como uma "palhaçada". Deste modo as romarias, para além da dimensão religiosa, destacam-se como momentos de afirmação de uma excessiva sociabilidade, definidora do modo de ser que define o madeirense. Com o tempo algumas das romarias, como esta de S. Roque do Faial ficaram esquecidas e outras apareceram a disputar a sua posição, pois apenas as do Monte, Ponta Delgada, Loreto e Machico continuaram a pautar o ritmo das festividades e devoção madeirenses. Nas a romaria de N. S. do Monte a 15 de Agosto foi e sem sombra de dúvida, a maior festividade madeirense; ela atraiu a devoção de todos os madeirenses mercê da eficaz protecção que exerceu sobre ele, quando solicitada. Ao longo do século XVII o madeirense colocou-se sob a sua protecção, implorando a sua intercessão para fazer cessar a seca(1627 a 1695) ou a peste (1686) . Em 1803, em face do aluvião que assolou a cidade recorreu-se mais uma vez à sua protecção passando, a partir de então à condição de padroeira menor da cidade. Tais condições favoreceram a perpetuação e afirmação do seu culto e a sua passagem à diáspora madeirense; desde o planalto de Cubango em Angola(1885) às Ilhas Havai(1902),passando, mais tarde, pelos Estados Unidos da América, Africa do Sul e Austrália ,esta festa manteve-se como um dos poucos elos de ligação à terra de origem. O século XX deu um novo colorido às festividades e romarias; o arraial ganhou em luz mas perdeu em animação e forma peculiar de afluência dos forasteiros; os caminhos e casas dos romeiros ficaram ao abandono e não mais se ouviu ecoar os seus cantares cadenciados por entre as encostas da ilha. A par disso as romarias adaptaram-se aos novos desafios do progresso, que lhe retiraram o carácter bucólico; a estrada facÀ1itou o acesso e o romeiro que passou a um passivo excursionista. Em síntese poder-se-á afirmar que o madeirense fez transbordar a sua alegria nessas manifestações festivas, distribuídas ao longo do ano, e que hoje são um dado adquirido da vivência dos nossos avoengos e de todos nós, actuais representantes desta tradição O período estival era definido como o momento de maior actividade no campo e na cidade; era a época das colheitas que ocupava todos sem excepção e que quase
paralisava o burgo. Esta situação é muito antiga e tem origem no período de interrupção das actividades administrativas e judiciais para que as gentes sé pudessem dedicar inteiramente às colheitas. Já nas Sete Partidas de Afonso X de Castela e depois nas Ordenações régias ficou estabelecida a paragem por um período de dois meses. Os vereadores abandonavam a vereação e iam para o campo fazer as suas colheitas; na realidade toda a animação estava ai, onde se concluía a safra do açúcar, se iniciavam as ceifas que depois davam lugar às vindimas. O Verão era sinónimo de redobradas canseiras, para uns, e mudança de actividade, para outros. Todavia este movimento apresentava ocasiões propícias ao lazer; era nessa época que se realizavam as tradicionais romarias, cujo roteiro coincidia, amiudadas vezes, com o processo de transmigração da mão-de-obra braçal para as colheitas. E a par disso essas actividades agrícolas eram sempre acompanhadas de folias com activa participação dos senhores, escravos e jornaleiros. Lembremo-nos que inúmeras manifestações do nosso folclore têm ai as suas origens. Era também no período estival que tinham lugar as festividades mais representativas que se realizavam na ilha; primeiro a procissão do Corpus Christi no Funchal, com participação das gentes de toda a ilha e depois as romarias das freguesias rurais. Estas últimas eram, segundo Isabella de França "o único divertimento da gente do campo". A sua realização estava ordenada de acordo com o calendário religioso e agrícola, estabelecendo um roteiro em toda a ilha; primeiro as da vertente sul a culminar a safra do açúcar e o período da ceifa, depois as do norte a concluir as vindimas. Têm tradição as festas de Nossa Senhora do Monte (15 de Agosto), Senhor Bom Jesus (10 Domingo de Setembro) cuja celebração remonta aos primórdios da ocupação da ilha; enquanto a primeira chamava dos romeiros ao Funchal. a segunda fazia-os percorrer léguas sem fim para atingir a longínqua freguesia do norte da ilha. Todavia Gaspar Frutuoso refere que no século dezasseis a romaria mais importante era a que se realizava a 8 de Setembro na freguesia do Faial em honra de Nossa Senhora da Natividade; esta era uma oportunidade para a folia mas também para a realização de uma feira para venda dos produtos agrícolas. A dança e o canto eram os aspectos mais fulgurantes destas manifestações lúdicas dos dias santificados e dos oragos, únicos momentos de repouso para as gentes da ilha. Era a Igreja quem estabelecia os momentos de lazer e de trabalho, sendo os primeiros definidos como os domingos e dias santificados. Nestes dias, livres e escravos, estavam libertos do trabalho e disponíveis para orar a Deus. Apenas um conjunto limitado de ofícios e de tarefas tinham permissão de se fazerem nesses dias. Tal como o referiam as ordenações do reino eram três as férias estabelecidas para as gentes do reino:"primeira e mayor he aquella, que devem guardar por honra e reverência de Deos e dos seus Santos; a segunda hé por honra dos Reys e Príncipes da terra, que não reconhecem superiores; a terceira he por prol comunal de todos como em os dias em que colhem pam e vinho". Nos dois primeiros casos eram os dias assinalados pela igreja e monarca em que todo o cidadão estavam proibido de trabalhar devendo participar nos actos litúrgicos ou festejos, enquanto no segundo compreendia os dois meses da colheita dos cereais e vinho, sendo consideradas as férias judiciárias e administrativas, isto é durante esse período paravam os tribunais e as instituições para que os seus funcionários pudessem participar nas colheitas. Ao madeirense restavam ainda as festas civis, consideradas no segundo caso, estabelecidas pelo capitão e demais autoridades da ilha. Comemorava-se o nascimento de um príncipe, a coroação de um rei, quer o regresso à ilha do capitão. Estas eram as
festividades profanas, de raiz urbana sem data estabelecida, que consistiam em jogos de canas, touradas e lutas corpo a corpo em que participavam gentes de toda a ilha. Mas aos poucos essa tradição foi-se perdendo e essas manifestações deram lugar a outras como o teatro, a ópera. Apenas o clero tinha da possibilidade de passar um período de férias; tal como o referem as constituições sinodais do Funchal de 1578, o beneficiado ou ecónomo tinha direito a quarenta dias de ausência aos ofícios para sua "recreação", enquanto o bispo poderia ausentar-se por dois meses do seu episcopado. Esta situação foi estabelecida nos primórdios do cristianismo tendo sido confirmada pela sessão XXIV do concílio de Trento. A par disso a exposição do corpo desnudo não era admitida nesta sociedade; a indumentária não serve apenas pela moda mas também pela necessidade de cobrir o mais possível o corpo. Deste modo a ostentação dos corpos desnudos na praia era uma situação impossível para os nossos avós. O homem e a mulher temiam a apresentação do seu corpo desnudo, o pudor imposto pela Igreja e reforçado pelas normas de conduta social foram a palavra de ordem até época recente só então o ser humano redescobriu o seu corpo e teimou em revela-lo ao mundo que o rodeia. As interdições estabelecidas pela Igreja à exposição higiene do corpo vieram juntar-se as posturas camarárias proibitivas dos banhos na praia e ribeiras do Funchal, Machico Porto Santo; de acordo com a postura da Câmara do Funchal de 26 de Julho de 1839 estava proibido aos funchalenses o banho de mar nus» só se permitindo em calças ou camisa, "até abaixo do joelho" os seus infractores sujeitavam-se a uma pesada coima de mil réis. Hoje, ao invés, tornou-se moda o topless e as praias de nudismo. Diz-se que os primeiros que se banharam nas águas límpidas da ilha foram João Gonçalves Zarco e seus companheiros quando em 1420 se refugiaram nas águas refrescantes do mar para fugir ao calor infernal do incêndio que se ateou na floresta da ilha; segundo Cadamosto estiveram no mar "mergulhados até à garganta dois dias e duas noites, sem comer nem beber, pois que de outra maneira teriam morrido". Mas o banho foi a preceito com todas as vestes que traziam no corpo. Já em 1850 se referia nos anais do município da ilha do Porto Santo que as suas praias eram propicias aos banhos de mar mas que não atraiam forasteiros por falta de conduções e os naturais estavam limitados pelas posturas. Na realidade a sua revelação como uma estância balnear é do nosso século. Estranhamente vimos num texto de Giulio Landi de cerca de 1530, que os naturais do norte da ilha da Madeira tinham por hábito "ir à praia"; não sabemos se com isso entendia o autor pretendia dizer o ir-se a banhos ou a um mero passeio para desfrutar da aragem marinha e contemplar o imenso mar.
DO PALCO À TELA: TEATRO, CIRCO, ÓPERA E CINEMA. A representação dramática é anterior ao aparecimento dos teatros no século XVIII. As igrejas, as procissões religiosas foram por muito tempo os espaços predilectos de representação teatral de carácter religioso. Note-se que a Misericórdia celebrava o seu dia a 1 de Julho com representações de comédias e autos retirados da Bíblia. O mesmo sucedia em muitas das igrejas e conventos da ilha. Estas representações causavam algum escândalo o que leva o prelado funchalense, D. Jerónimo Barreto a estabelecer em 1578 um travão. O século XVIII, certamente fruto das reprimendas da igreja transporta esta manifestação por o exterior da igreja. A primeira terá ocorrido em 1718 no Convento de Santa Clara quando o Governador e Capitão-General João de Saldanha da Gama saíu da ilha. A
primeira notícia a uma casa de representação sucede em 1776 João Rodrigues Pereira fez construir a Casa da Ópera do Funchal no local de outra que havia incendiado. Passados dez anos temos referência a dois teatros: a Comédia Velha e o Teatro Grande(1780). Já o século XIX pode ser considerado o grande momento do teatro, do circo e da ópera. Surgiram novas casas de espectáculo que mantiveram uma actividade permanente trazendo à ilha personalidades de destaque do belo canto, concertos, récitas e festas de beneficência, circo e teatro. Ao mesmo tempo surgiram várias sociedades dramáticas dedicadas a promover a representação e à construção de espaços adequados para tal: Concordia(1840), Talia(1858). No século dezanove o Teatro Grande(1780), próximo da Fortaleza de S. Lourenço, era considerado o principal centro de diversão, por acolher as mais famosas companhias europeias, como foi o caso da do S. Carlos em 1808. A aposta das autoridades no entanto foi sendo adiada e mantinha-se a insistente reclamação da imprensa e forasteiros pela falta de uma casa de espectáculos. O Funchal era uma cidade cosmopolita que fervilhava de forasteiros de passagem ou doentes em busca da cura para a tísica. As diversões eram poucas e estes queixavam-se da falta de teatro, ópera ou outras diversões europeias que eram substituídas pelos passeios a pé ou de barco, pic-nics. Perante isto foi preocupação de vários governadores, desde José Silvestre Ribeiro, em avançar com este projecto todavia só na década de oitenta a pertinácia do Doutor João da Câmara Leme venceu a inércia das autoridades centrais. Assim em 25 de Fevereiro de 1880 constituiu-se a Companhia Edificadora do Teatro Funchalense, mas a decisão da sua construção por parte de câmara só ocorreu em 9 de Fevereiro de 1882 e passados cinco anos abria a suas portas ao espectáculo com o nome de Teatro D. Maria Pia. Com a República passou a ser chamado de Manuel de Arriaga, em 1911, mas face à recusa do mesmo ficou como o Teatro funchalense, até à sua morte em 1917. Já na década de trinta com Fernão Ornelas em Presidente da Câmara passou para Baltasar Dias, como forma de homenagem ao maior dramaturgo madeirense do século XVI. A partir dos anos trinta o teatro passa a funcionar como uma sala regular de projecção de cinema. A arte cinematográfica havia vencido as artes dramáticas. O prelúdio disto aconteceu em 1863 com o cosmorama universal, o antecedente do animatógrafo. Notese que a primeira apresentação do animatógrafo ocorreu aqui em 1897. A partir daqui outras experiências se seguiram com o cinema mudo que ganharam a adesão do público. Os filmes eram exibidos de mistura com espectáculos musicais. Só a partir de 1907 ocorre o lançamento do cinema em termos comerciais. A popularidade do cinema levou à construção de pavilhões e novas salas de projecção que vieram juntar-se ao Teatro Municipal e Teatro Circo. O primeiro quartel do século vinte as sessões de cinema alternam com os espectáculos de variedades, mas paulatinamente o fascínio do cinema acaba por atrair o público.
O FOLCLORE E A HISTÓRIA.
De acordo com Carlos Santos as cantigas e bailados “São como que a presença do passado, atrás da qual é possível ver em espírito o panorama comovente da terra virgem; é ouvir ainda as enxadas moiras e algarvias a rasgar-lhe a carne até aí pura de contactos humanos; é assistir ao poético ressurgimento das vilas e aldeias como fogachos da vida, de cor e de movimento; é passar ao convívio dos nossos avôs na dura azáfama de dar vida a coisas mortas, com todo o seu sabor medieval; é sentir com eles a sensação do desconhecido. É nosso dever defendê-los e honrá-los não consentindo nem arremedos de investigando nem que
esfarrapem o que ainda possa meter de ancestral e muito menos os amortalhem com excrescências, detestáveis e falsas; é nosso dever fazer reintegrar os camponeses no que é verdadeiramente seu, tradicional e histórico e despertar-lhes o já muito abalado entusiasmo pelas suas cantigas e bailados”. Tal como afirma Eduardo Clemente Nunes (1948-49), o Folclore nasce de forma espontânea "da alma popular, cria-se por influência da natureza física e psicológica do meio ambiente, traduz a origem e índole atávica das populações, repercute-se na sensibilidade colectiva e tem força de continuidade por força da tradição". Esta deve ser a nossa predisposição quando nos atrevemos a perscrutar os murmúrios dos nossos avoengos através da tradição. A principal dificuldade com que se depara um investigador da cultura popular, é a falta de testemunhos orais ou escritos que se afirmem como adequados instrumentos de trabalho. Ela raras vezes se serve da escrita. A oralidade é a sua forma de expressão e de perpetuação. Por isso, esta memória não encontra nas sociedades abertas grandes condições de subsistência. A oralidade parece ser adversa ao progresso sistemático das vias de contacto e transmissão da cultura tradicional. Assim, cada porta que se abre é uma mais via para que esta memória colectiva desapareça. Tenha-se em conta a abertura motivada pelos meios de comunicação nos últimos vinte anos. Antes disso temos a apontar o aparecimento da rádio (em 1948 da rádio privada e desde 1967 a Emissora Nacional) e da Televisão (1972). Na Madeira, a grande abertura começou com os vapores costeiros e veio a concretizarse em pleno, a partir da década de trinta do nosso século, com o rasgar das primeiras estradas. O progresso é aqui prejudicial à tradição cultural que é assaltada pela inevitável padronização de comportamentos. Hoje a ilha está aberta ao mundo e são raros os nichos dessa ancestral memória colectiva. Por isso, o método de observação directa é cada vez mais uma técnica em vias de extinção. Para além do testemunho directo através do rastreio da oralidade, há que buscar outras fontes de informação. E, aqui, todos os recursos são poucos. Os depoimentos de estrangeiros, nomeadamente ingleses, que nos visitaram, sempre sedentos de singularidades, são fundamentais. Eles surgem sob a forma de textos e gravuras Para muitos, é ponto assente que os instrumentos - rajão, machete, viola - são criação madeirense, enquanto as danças e cantares - charamba e mourisca.... - buscam as suas origens remotas aos escravos negros da Costa da Guiné ou mouriscos. Com isto esquecemo-nos da ancestral ligação ao continente pelos primeiros colonos. De opinião diferente é Carlos Maria Santos que, após um estudo aturado sobre as danças, cantares e instrumentos, não hesita em afirmar que "o Povo madeirense não soube criar as suas canções, mas adoptou as melodias que apareceram ou caíram em moda, inovando dános uma lição de história: "Embora a tradição sirva, de certo modo, de pilar ao edifício de História não satisfaz absolutamente ao investigador honesto, sempre ávidos de bases seguras assente em afirmações". É esta permanente necessidade de duvidar de verdades feitas que leva o investigador à procura das raízes recônditas, através do recurso ao método comparativo. É, ainda, o mesmo autor que anota a dificuldade de conhecer em profundidade as origens e percurso histórico do folclore madeirense. A tarefa é espinhosa, uma vez que nas crónicas não ficou nada: "foi preciso reconstrui-lo adentro das vagas alusões deixadas por alguns escritores e depois de demorada e paciente investigação, em virtude de estarem hoje tão misturados que é quasi impossível separalos".
A mesma dificuldade se nos depara quando pretendemos encontrar nos acervos documentais a vivência do incola através das suas danças e cantares. O raro testemunho credível disso é dado por Gaspar Frutuoso para a festa de Nossa Senhora do Faial, considerada lugar de peregrinação. Do Monte e da Ponta Delgada nada se diz. Mas tal silêncio não é sinónimo de inexistência. Na verdade, nem sempre as actuais exigências do investigador coincidem com a ideia que os nossos avoengos faziam daquilo que deveria constar na memória histórica. O quotidiano não fazia parte disso. Os raros testemunhos são particulares e surgem-nos através de cartas e diários. Mesmo assim estes são poucos e só ganham algum interesse nos séculos XVIII e XIX, com os de autores estrangeiros, nomeadamente ingleses. A habilidade do historiador, ou investigador, está em descobrir essa realidade implícita no acervo documental, tal como o demonstra a experiência da historiografia francesa. A ilha, pela sua geografia, define-se como uma forma singular de mundividência. A insularidade é a sua expressão, evidenciada na vida, história e mentalidade. A ilha é, também, um cadinho da tradição e cultura. O isolamento, definido pela linha de água do litoral, é o mecanismo que favorece a tradição e dá forma a este cadinho que a preserva. Deste modo, não será por acaso que os primeiros passos da investigação do Folclore tiveram as ilhas como palco. E, se tivermos em conta que aquilo que sucedeu nestas ilhas foi um processo de descobrimento e ocupação, não podemos alhear-nos da cultura do povoador que, depois, se moldou às novas condições. Uma das insolúveis questões da História das ilhas prende-se com a origem geográfica dos primeiros colonos que as povoaram. A etnogenia das gentes insulares é ainda motivo de polémica e não se vislumbra qualquer solução. Note-se que a revelação deste enigma é fundamental para o tema que nos ocupa. Rastrear as origens das gentes é o mesmo que ir ao encontro das suas ancestrais tradições e definir o mosaico das múltiplas aportações culturais, de que hoje somos herdeiros. O colono que pela primeira vez pisou o solo, não sofria de amnésia e na sua bagagem constava, para além da utensilagem agrícola, a tradição cultural. Mais, se tivermos em conta que as ilhas estavam desabitadas, não estaremos perante fenómenos de assimilação, sendo a herança cultural fruto, em primeiro lugar, desta aportação e da sua acomodação ecológica, que define as suas especificidades. Aliás, Eduardo Pereira, no caso da música popular madeirense, não hesita em afirmar que ela "é mais de adaptação que de criação regional”. A História não só nos abre os caminhos para a busca da ancestralidade de nossa cultura, como nos propicia os meios para desvendar certas opções do passado recente. Já o referimos, que foi na primeira metade do nosso século que mais se avançou no conhecimento e divulgação do nosso folclore. Mas, também, neste momento a cultura popular ficou exposta aos maiores atentados que, ainda, hoje se reflectem naquilo que se nos oferece. Note-se que este foi um momento importante na História Contemporânea das ilhas. O protagonismo da luta politica pela autonomia gerou o discurso cultural da diferença, a consciência insular ou arquipelágica. Este movimento é o inverso do oitocentista. Com esta primeira incursão e discurso da cultura popular pretendia-se definir as especificidades. A estas sucederam-se outras que oscilam entre o discurso regionalista, uma componente fundamental da autonomia, e a definição da ancestralidade peninsular. A Madeira não é mais uma parte do todo, mas sim uma região com uma identidade sócio-cultural diversa. A isto associa-se, depois, o discurso
do Secretariado Nacional de informação com o Portugal tópico, construído na diversidade folclórica. Neste contexto insere-se, por exemplo, o estudo de Carlos M. Santos sobre o traje e a decisão do Governador civil em 1933 ao estabelecer o traje riscado como o tópico a usar pelas floristas. A presença na Madeira de um significativo número de escravos de Canárias, Norte de África e Costa da Guiné deverá ter propiciado, ao nível social e material, múltiplas aportações ao quotidiano madeirense. É comum apontarem-se inúmeras influências deste grupo nas tradições, nomeadamente no folclore e na alimentação. Esta ideia, ainda que hoje se tenha generalizado, não resulta de uma investigação científica mas sim de meras observações empíricas ou suposições. Parece-nos que ainda não ultrapassamos a fase do lirismo abolicionista, da segunda metade do século XIX, que marcou o pensamento e a investigação contemporâneos sobre o escravo. A Etnografia é prenhe neste tipo de observações. No campo do folclore regional, as músicas e as danças que não se enquadram no filão português são, imediatamente, associadas a este grupo. Por isso, algumas, que definem a tipicidade do folclore madeirense, são apresentadas como resultado da presença dos escravos: o charamba, o baile pesado, a mourisca, a canção de embalar e o baile da meia volta, são universalmente aceites pelos folcloristas madeirenses como resultado desta hipotética aportação cultural dos escravos. A maior parte dos autores que o defendem têm como mira a situação da escravatura do Brasil. Todavia, aqui ela assumiu proporções muito diferentes das que adquiriu no arquipélago madeirense. A forma de dominação e sociabilidade daí decorrentes favoreceram no Brasil a manutenção nas senzalas dos usos e costumes das terras de origem. Os dados avulsos sobre o quotidiano dos escravos permitem-nos questionar algumas falsas visões em que se filiam nas explicações dadas para a origem das danças e cantares. O escravo -- negro ou berbere -- era, então, um filão em permanente descoberta. O colono europeu parece, por este modo, ter esquecido as suas tradições quando sulcou o Atlântico...! Avaliar o contributo de uns e outros, eis a tarefa espinhosa que nos espera, a historiadores e estudiosos do Folclore. Uma primeira ideia se impõe. Na Madeira a escravatura foi algo diferente daquilo que sucedeu no Brasil. A dispersão geográfica das áreas arroteadas, o reduzido número de escravos por proprietário e as limitações ao espaço de convívio social, não favoreceram este tipo de convivência. Ainda, na Madeira, tendo em conta as limitações impostas pelas posturas à circulação dos escravos após o sino de correr, parece-nos difícil, senão impossível, encontrar um momento para eles se divertirem em conjunto, com as suas danças e cantares. Mais, será possível encontrar entre o reduzido número de escravos de cada senhor um grupo da mesma etnia ou cultura, capaz de recriar as suas danças e cantares? Desta forma apenas lhes restavam os momentos de folia estabelecidos para o proprietário, a que certamente não deviam ser alheios: com os jogos de canas, as touradas e lutas. O escravo é parte integrante da sociedade madeirense, não existindo para ele qualquer separação ou delimitação espácio-social. O mundo do escravo entrecruzava-se com o do livre. A dimensão reduzida do arquipélago, associada à forma de estruturação da sociedade e economia fizeram com que esta simbiose se concretizasse em pleno. Os regimentos régios, as posturas municipais, insistiam na necessidade de controlo, no acanhado espaço de convívio, do escravo, no sentido de evitar qualquer situação propiciadora da revolta. Estamos perante um processo de assimilação forçada, que deixa
pouca margem de expressão à cultura dominada. Perante isto, o escravo estava amarrado ao quotidiano do senhor e só se poderia desprender-se dele em condições especiais e mediante o seu consentimento. O escravo nesta sociedade só existe em relação ao proprietário, pois era ele quem lhe atribuía a sua posição na estrutura social. Desde o nome, que o identifica, é profissão, que ocupa, no dia a dia, e ao cumprimento dos preceitos religiosos, a figura do proprietário está omnipresente. No caso das escravas a ligação é mais estreita, servindo elas muitas vezes de concubinas. Em todo esta problemática há uma questão fundamental que tem sido preterida pelos estudiosos e defensores das aportações africanas à cultura madeirense. A Africa foi e continua a ser um mosaico de culturas. Por isso, defender o contributo africano implica a busca desta diversidade cultural, que é como quem diz, da origem geográfica e Étnica dos escravos que vieram para a Madeira. A Costa da Guiné, um dos principais mercados fornecedores de escravos para a Madeira, é, também, como sabemos, um autêntico mosaico de culturas e etnias. Esta ideia é tida em conta por todos os estudiosos da aportação cultural negra às regiões aonde chegaram os africanos. Somente entre nós este tipo de comportamento é esquecido. Por tudo isto, podemos afirmar que estamos perante um campo ainda em aberto a aguardar um tratamento cuidado pelos investigadores. Por exemplo, o alargamento da investigação ao período final da permanência do fenómeno na ilha poderá propiciar-nos novos dados capazes de justificarem o desenvolvimento dos rastos e que poderão testemunhar, ainda hoje, a sua presença na sociedade madeirense. Às possíveis reminiscências da presença dos escravos na ilha podemos ainda colocar outras questões. A evolução da escravatura desde o século XV até à sua abolição não foi unilinear e não é entendida por muitos. Na Madeira é evidente a sua incidência nos primeiros cem anos de ocupação, até que foi chegado o momento da sua maior procura pelo mercado americano. Para a maioria dos eruditos esta realidade é ignorada, sendo a escravatura negra ou mourisca uma constante da História da ilha. Há ainda muito a fazer e a repensar sobre as aportações culturais da população escrava à sociedade e cultura madeirenses. A sua definição e permeabilidade às influências externas devem ser feitas num correcto enquadramento histórico. Só assim estaremos em condições de afirmar que o actual folclore madeirense é a manifestação sincrética de múltiplas influências e da evolução no tempo. Definir uma e outra situação é tarefa do investigador, a quem se depara um vasto campo a desbravar. Tudo se misturou, por uma poção mágica, dando origem às múltiplas manifestações das danças e cantares que ritmaram as tarefas agrícolas, e ficaram a evidenciar a transbordante alegria do incola nas festas populares e de homenagem aos oragos e santos da sua devoção. A emigração não é um fenómeno novo no mundo peninsular, mas sim uma das constantes da sua História. A expansão quatrocentista fez alargar horizontes e propiciou o primeiro movimento transnacional. Os colonos quatrocentistas são emigrantes como aqueles que no presente século venceram o oceano rumo à América. Como eles foram portadores de uma cultura. No destino recriaram o seu torrão natal, moldando o seu lar, espaço de convívio de acordo com as suas origens, não ficando alheios aquilo que os rodeia, pelo que o produto final acaba por ter uma manifestação de sincretismo que dá corpo à alteridade. Sucede, assim, hoje mas não ficou de fora no passado. Na Madeira a alteridade expressa-se na imagem do mourisco e negro, resultado da sua presença na ilha, como escravo, ou dos múltiplos e assíduos contactos na costa Africana. Mesmo assim a cultura dominante é europeia porque também o europeu
domina a sociedade. Deste modo, quando pretendemos explicar as tradições da comunidade emigrante, será lógico buscá-la nas influências resultantes do contacto com outros povos e culturas, ou antes, naquilo que levaram agarrado ao corpo e na sua "mala de cartão". É esta abertura de perspectivas que deve fazer parte da nossa prática de investigador do social no passado e presente. O estudo destes aspectos da cultura madeirense ainda tem um longo caminho a percorrer. Para além das múltiplas influências que marcaram os domínios particulares da música, dança e instrumentos musicais, falta ainda conhecer como evoluir nos últimos cinco séculos. Os instrumentos que dão a musicalidade necessária aos cantares são a viola de arame, o rajão, a braguinha e a rabeca, a que se juntaram o adufe, as castanholas, o briquinho e os ferrinhos. Note-se que a maioria dos estudiosos é peremptória em afirmar que não existe um folclore musical madeirense, uma vez que tudo o que sobrevive tem as marcas da sua matriz continental ou das influências árabes. O xaramba, o bailinho das camacheiras, a mourisca, a chama-rita e nas canções alusivas ao trabalhoa(da feiteira, ceifa, do trigo, da erva, da carga, da repisa e dos borracheiros). O mesmo sucede com as danças e bailados que ainda hoje encontram similares no Minho e Algarve. A única excepção é o bailinho das camacheiras. No Porto Santo o aspecto mais saliente está no baile da meia-volta. Note-se que muitas destas danças, como foi o caso da mourisca e dança das espadas, tiveram como palco a procissão do Corpo de Deus, sendo dançadas pelas diversas corporações. A dança das Espadas persistiu na Ribeira Brava mas hoje caiu em desuso. Durante muito tempo as danças e cantares só eram audíveis e visíveis no seu quadro natural, isto é, nos arraiais e diversos momentos do labor agrícola. Todavia o século dezanove foi sentida a necessidade simultânea de estudo e recriação como espectáculo. A primeira vez que isto aconteceu foi na primeira feira organizada pelo Governador Civil, José Silvestre Ribeiro, na Praça Académica em 1850, onde um grupo de camponeses com trajes antigos dançaram o baila a la moda. Esta manifestação perdurou por cerca de dez anos com estas tão características danças. A mesma dança foi de novo recreada em 1898 por um grupo de crianças. A partir de então em muitos dos bailes e espectáculos estava presente aquele que ficou conhecido com o baile dos vilões. Paulatinamente a cultura popular vinha adquirindo uma dimensão importante no lazer dos funchalenses. Em 1901 el-rei D. Carlos foi saudado com um arraial madeirense e em 1920 os festejos do quinto centenário do descobrimento da Madeira as danças a la moda e o bailinho das camacheiras. A partir da década de trinta manteve-se esta forte participação do folclore nos actos mais importantes de acolhimento de visitantes e desde 1936 nas festas da cidade e das vindimas(1938), com grupos das diversas freguesias rurais. Neste época é evidente a intervenção de Carlos Santos, eminente estudioso do folclore, na coordenação e aconselhamento de alguns grupos da cidade. A primeira presença do baile das camacheiras nos festejos urbanos data de 1929, mas só dez anos após surge identificado como o Rancho Folclórico da Camacha e apenas em 1949 surge o Grupo Folclórico da Casa do Povo da Camacha. Os cinquenta e sessenta foram demarcados pela criação de diversos grupos folclóricos: Livramento(1958), Boa Nova(1965), do Funchal(1966), do Porto Santo(1966), de Santana(1974), Santana(1976) Gaula(1978)e Porto da Cruz(1978). Na década de oitenta os Serviços de Extensão Rural imprimiram uma nova dinâmica das Casas do Povo, com a aposta no desenvolvimento sócio-cultural das populações rurais, esteve na origem e criação de grupos folclóricos em quase todas as freguesias da ilha: Ribeira Brava(1980), Ponta de Sol(1981), Campanário(1982), Machico(1982), Santa Cruz(1982), Ponta do Pargo(1985), S. Vicente(1986), Curral das Freiras(1988), Quinta Grande(1988),
Prazeres(1988), Porto Moniz(1989). Por outro lado a partir 1985 deu-se início ao Festival Regional de folclore, a que em 1989 se associou 24 Horas a Bailar. Desde então esta manifestação tem sido o motivo para discussão e estudo dos aspectos do Folclore e quotidiano rural, com expressão na revista Folclore que se publica nesta ocasião. MUSICA E BANDAS FILARMÓNICAS. A partir da segunda metade do século a música filarmónica teve um grande incremento na Madeira. A primeira banda de música surgiu no Funchal em 1850 e ficou conhecida como a Filarmónica dos Artistas funchalenses. A segunda que temos conhecimento foi a Filarmónica Recreio União Faialense que surgiu no Faial em 1855. A década de setenta marca o incremento de novas bandas em toda a ilha: C. de Lobos(1872), Calheta(1874), S. Jorge(1877), Camacha(1873), Ribeira Brava(1875). O interesse por este tipo de música ganhou a adesão da população madeirense. Na cidade os desfiles e assaltos de Carnaval não dispensavam a sua presença, os domingos e dias festivos contavam com exibições no passeio público e as tradicionais romarias ganharam mais animação com a sua presença. Deste modo o período de finais do século XIX e princípios do seguinte é definido por um aumento do número de bandas em toda a ilha. Para este período assinalam-se mais cinco no Funchal(1898, 1913, 1920, 1923, 1933), C. de Lobos(1910), Calheta(1923), P. Do Pargo(1911), Santana(1926), Arco de S. Jorge(1933), Camacha(1887, 1922), Ribeira Brava(1912), Campanário(1923).
O Vestuário e a Moda. Desde Adão e Eva que o homem sentiu a necessidade de cobrir o corpo. Esta necessidade levou o homem a procurar todos os meios, produtos e técnicas para conseguir os tecidos e as cores mais ajustadas ao seu gosto. Paulatinamente aquilo que havia surgido como uma necessidade torna-se numa exigência de fausto e luxo. Isto conduz-nos ao aparecimento dos acessórios e da moda. O traje é um dos temas que, nos últimos tempos, tem merecido um tratamento deste tipo. Rastreia-se testamentos e mais documentação. Compilam-se apenas as peças, retirando-as do seu contexto e esquecemo-nos de perguntar: quem faz testamento? Quantos destes chegaram até nós? E, além disso, ignoramos que o traje, mais do que uma necessidade, é uma forma de distinção. Mas, nem sempre é assim. Os senhores, por exemplo, evidenciam-se pelo luxo exibido pelos seus criados nos desfiles e festas. Tal como afirmou Carlos M. Santos "legitimo é duvidar da generalização do chamado traje regional da Madeira e mesmo da sua ancestralidade, como testemunha a diversidade verificada em diversas freguesias". Mesmo assim, o autor, ainda que avesso a imagem de um "traje regional", define a saia riscada como a imagem de marca do trajo madeirense. Vivia-se uma época de regionalismo exacerbado e era necessário criar uma imagem de marca, vendável a turista. Estamos perante uma contingência da Época e do Estado Novo. Foi esta a preocupação do governador civil em 1933 com as festas de fim de ano. Mesmo assim o autor parece não estar equivocado no seu modelo, pois esta era uma dominante desde o século XVIII. Acresce ainda que a partir do século XVIII foi evidente uma uniformização do traje. As culturas da cana-de-açúcar e da vinha permitiram à ilha uma ligação com o mundo europeu e seus centros produtores de tecidos: Inglaterra, Flandres e cidades-estado italianas. Aliás às ilhas está ligada uma fase importante na evolução da indústria têxtil europeia, com a expansão da área de cultivo do pastel e apanha da urzela, plantas com
grande importância na tinturaria. A Madeira ficou conhecida pelos genoveses, no século XV, como a ilha do pastel. Note-se, ainda, que o comércio do vinho em mãos dos ingleses definiu uma política peculiar: os adiantamentos. O mercador inglês adiantava ao lavrador os alimentos, artefactos e tecidos a troco do vinho, na altura da vindima. Fala-se de assíduas trocas, entre os madeirenses e os marinheiros ingleses, de passagem, ou os soldados do presídio de 1801, de peças de vestuário por vinho. Este era escasso, sendo poucas as oportunidades para as classes populares arrumarem o seu enxoval. No caso da Madeira a indumentária dos primeiros colonos confunde-se com os locais de origem destes. Mas aos poucos o panorama começa a mudar de acordo com as posses de cada um das disponibilidades de matérias-primas e corantes e, acima de tudo, das ligações aos mercados de panos e tecidos da Europa. Aqui o luxo é sinónimo de importação de tecidos e de agravamento da situação económica com a saída de numerário pelo que se sucederam inúmeras pragmáticas a combater o luxo. No Porto Santo o luxo foi considerado no século XVIII como a principal causa de empobrecimento da população pelo que o Capitão e Governador Geral, João António de Sá Pereira decidiu proibir o envio de panos finos, sedas e jóias. Medidas semelhantes foram estabelecidas em 1780 nas posturas de Machico que militam mais pela necessidade de demarcar as classes sociais. Deste modo o vestuário e os adornos são uma forma de diferenciação social. Em 1793 John Barrow refere que os pedintes madeirenses cuidavam da sua aparência, usando o melhor fato, por vezes, com cabeleira e espadim. O vestuário do homem integrava as bragas, a camisa, gibão, sainho, calças, pelote, saio, jaqueta, roupeta ferragoulo, tabardo, capa. A isto juntava-se o calçado de sapatos em bico e botas de couro. Para cobrir a cabeça temos as carapuças. A mulher usa como roupa interior a camisa e fraldilha e um vestido que cobria todo o corpo. O calçado era semelhante ao do homem, apenas na cabeça acontecia um especial cuidado que as diferenciava. As crianças de famílias pobres da cidade e meio rural foram esquecidas quanto à indumentária. Os mais pequenos andavam totalmente nus e os outros vestiamse de apenas uma camisa branca todo esburacada. O enxoval de uma casa por norma era muito modesta reduzindo-se a poucas peças de vestir, de abafo e dormir. Esta situação resultava do preço dos tecidos e dos parcos meios das famílias pobres. Perante isto restava-lhe pouco que vestir e a moda era palavra vã. A indumentária resumia-se ao fato de ir à missa e ao de trabalho. O segundo vestia-se até se romper e mesmo assim era remendado. Deste modo procurava-se disfarçar os remendos com casacos(as) compridos(as). A estas peças juntavam-se a carapuça, considerada de origem africana, e raras vezes os sapatos. Os adornos não faziam parte deste enxoval. Todavia na casa das famílias mais destacadas a situação era distinta. As festas, os saraus dançantes, os piqueniques eram momentos de exibição da moda, seguindo os modelos franceses e ingleses com tecidos importados. A isto juntava-se a riqueza dos adornos diversos. Este contraste é bastante evidente para os forasteiros. A partir do século dezoito temos informações muito claras sobre a indumentária da cidade e do meio rural. As descrições e gravuras dos visitantes estrangeiros são um testemunho precioso desta realidade. Assim o traje do vilão era baseado numa jaqueta sem mangas que cobria uma camisa de estopa grosseira, calções de linho apertados a partir do joelho, a que se juntava na cabeça uma carapuça e botas de cano dobrado. Esta descrição condiz com o testemunho de J. Foster(1772) e inúmeras das gravuras conhecidas. Já no meio urbano o povo vestia-se à imitação da burguesia e nobreza,
sendo a distinção na qualidade dos tecidos e presença de adornos. John Barrow em 1792 diz-nos que os lojistas e trabalhadores mecânicos vestiam chapéu, sapatos e meias e um casaco comprido para esconder os remendos das calças, trajando as mulheres de fato negro e capacete na cabeça. O século XIX inicia uma revolução no modo de vestir, optando-se pela simplicidade e aspecto prático da indumentária, ao mesmo tempo que se iniciou a caminhada para a uniformização do vestuário. Ao mesmo tempo impõe-se a moda vinda de França que apenas conquista adeptos entre as classes abastadas, uma vez que o traje popular continua a manter as mesmas cores e formas. Assim o homem veste camisa branca de linho ou estopa, calções e colete, carapuça e bota chã. Os calções e colete podem ainda ser de cores distintas mas a tendência é para o branco. A indumentária da mulher consistia de camisa, saia listada, corpete, capa, carapuça e bota chã. Alguns testemunhos dos autores nacionais e estrangeiros atestam que o vestuário não era uniforme. A ideia de “farda” parece ser recente. Vestia-se de acordo com as disponibilidades das lojas de fazendas que procuravam adequar-se às modas trazidas pelos ingleses. Por outro lado estas descrições são fruto de uma mera observação dos sítios visitados, não uma visão global de toda a ilha. Apenas três destes textos mostram esta evidência. Em 1772 o ilhéu, segundo George Forster, vestia do seguinte modo: Os trabalhadores no Verão, usam calças de linho, camisa grosseira, um grande chapéu e botas; alguns trajavam um casaco curto de tecido e uma grande capa que muitas vezes trazem dobrada, ao braço. As mulheres usam saia, corpete curto ou casaquinho, bem justos às suas formas, o que constitui um vestido simples e muitas vezes nada deselegante. Também possuem curta mas ampla capa e as solteiras atam os cabelos ao alto da cabeça, não usando qualquer véu. No século XIX temos dois outros testemunhos distintos sobre o modo de vestir. Em 1812 Nicolau Caetano Pitta: as mulheres do campo usam saias azuis debruada com vermelho, um capote curto, geralmente vermelho ou azul claro, justo ao corpo, os quais formam uma vestimenta simples e às vezes não deselegante, e uma capa curta vermelha debruada com uma tira azul e um barrete pontiagudo azul; as que são solteiras amarram o seu cabelo no alto da cabeça, sobre a qual algumas não usam cobertura. Os trabalhadores usam calças de linho, uma camisa grosseira, um barrete azul, botas brancas, jaqueta curta feita de tecido azul e no Inverno usam geralmente capas compridas, as quais, quando não chove levam sobre o ombro. Em 1840 Paulo Perestrelo da Câmara nota o aspecto particular do traje madeirense o que desperta a atenção estrangeira: Os trajes dos camponeses são muito diversos de outro qualquer país, e os estrangeiros principalmente notão-lhe um gosto bizarro e extravagante. Consiste pois, em um par de ceroulas largas, franzidas, mui curtas, que só chegão do embigo acima do joelho, muito semelhante aos calções turcos; chamãolhe cuecas e em geral são de serapilheira da parte do Norte, e de pano de linho na do Sul; botas de canhão, amarellas, com um bico arrebitado, como o das sandálias chinesas; uma camisa de pano de linho, um gibão de cor e um funil de pano azul com um bico comprido, com duas orelhas, o qual unicamente tapa a coroa da cabeça. O traje das mulheres também não deixa de ser curioso e simples. Começa por quasi nunca usarem de calçado senão nas igrejas ou em ocasiões de festejos; um saiote que pouco lhe desce dos joelhos, de uma fazenda de lã fabricada no país a que chamão mafaruje, tingida com casaca de amoreira; um colete de cor mui pequeno, por fora da camisa, uma capinha encarnada, e igual funil ao que usão os homens, ainda diminuto, o qual para se sustentar na cabeça é necessário ser preso com alfinete ao cabelo. Chamão-lhe carapuça.
O MADEIRENSE E OS VISITANTES.
NASCER, SOBREVIVER E MORRER. No último quartel do século XIX é evidente um decréscimo da população, mais acentuado no período de 1878-90. Note-se que este foi um momento muito crítico para a ilha em que se fizeram sentir os reflexos do ataque da filoxera aos vinhedos e num concelho como o de S. Vicente em que era a cultura dominante da economia local o efeito foi imediato. Os dados sobre a população do concelho são escassos, pois tão pouco as actas das vereações serão o meio mais indicado. Todavia por diversas razões à necessidade de apelar a esse valor, quer na distribuição dos recrutas, do dinheiro para o reparo dos caminhos e da criação de novos postos escolares. Para o ano de 1898 é também possível definir a divisão da população nas três freguesias do concelho era de 8270. No presente século a evolução da população do concelho define-se por um crescimento acentuado até à década de sessenta, altura em que o movimento sofre o impacto do fenómeno emigratório, é evidente a partir de 1955. É, na verdade, a partir de finais da década de quarenta o fenómeno emigratório ganha importância no concelho. O acto de morrer, por muito entregue à igreja, passou a contar com a intervenção do município. A lei que determinou a criação dos cemitérios públicos e acaba com a prática dos enterramentos no subsolo do adro e igreja é de 1835. Tardou muito tempo até que todas as paróquias fossem servidas. A resistência da igreja e das populações levou a que se fossem adiando a sua solução. No concelho primeiro lançavam-se os cemitérios da Vila e só em 1869 o de Ponta Delgada e passados três anos o de Boaventura. Este último em 1875 acusava já a exiguidade do espaço levando à construção de um novo em 1876. O serviço de transporte dos doentes e enterramento era assegurado pelo município. Na verdade o cemitério era património municipal, estando por isso sob a alçada da vereação que atribuía o terreno aos interessados para as campas e superintendia a acção do coveiro. Este tinha em 1888 um saldo estabelecido de acordo com o serviço prestado. Assim aos pobres não cobrava nada sendo os demais sujeitos a uma taxa de enterramento de acordo como ele ocorria. Um morto com mais de 10 anos que fosse enterrado com caixão pagava 1$600 rs, sendo sem caixão baixava para metade. No caso dos menores de 10 anos os valores eram respectivamente, $600 e $200 reis. Daqui resulta que nem todos tinham meios para serem enterrados num caixão de madeira, sendo apenas envolvidos num lençol. Deste modo a Câmara viu-se obrigada a dispor de dois caixões em cada freguesia para transporte dos defuntos de casa até aos cemitérios. Os de Boaventura custaram em 1923 197$80. O serviço dos coveiros no cemitério deu azo a frequentes queixas dos moradores e a permanente insatisfação da Câmara pelos serviços prestados pelo coveiro. Sucederam-se várias recomendações e regulamentos que estabeleciam a forma do seu funcionamento. O último regulamento é de 1942 estabelece a obrigatoriedade de existência de um coveiro em cada cemitério e a forma que deve reger a sua actividade. A par disso a Câmara disporá de três livros de registo de óbitos, um para cada cemitério. Enquanto o de S. Vicente ficará na Câmara os demais estarão a cargo dos regedores de cada freguesia. ASSISTÊNCIA E SAÚDE. Uma das vertentes que pautou a intervenção da Igreja nas ilhas foi a prestação de serviços de assistência aos cristãos e cativos. Para isso existia
um conjunto variado de instituições, que foram criadas de acordo com as necessidades dos diversos núcleos populacionais. As cidades portuárias ficaram servidas de hospitais, que davam o necessário apoio aos marinheiros e demais gentes de passagem. A par disso os problemas resultantes da fome, mendicidade e a peste levaram à criação de inúmeras instituições de beneficência, por iniciativa de particulares, que depois passaram à alçada da igreja. Na Madeira refere o empenho de Zargo em fazer construir em 1454 um hospital junto à capela de S. Paulo, mas não sabemos se o seu desejo foi por diante. A isto juntam-se referências a outros dois hospitais de iniciativa de particulares, sendo um na Rua de Boa Viagem. Entretanto tivemos também as mercearias. A do Funchal foi fundada por Constança Rodrigues, mulher de João Gonçalves Zarco, em 1484. A partir de 1485 com a bula de Inocêncio VIII in iunctum nobis a estrutura assistencial ganha uma nova forma. De acordo com esse espírito a coroa criou em 1498 o hospital de Lisboa maior que veio a congregar todos os menores aí existentes. O mesmo espírito foi seguido para todas as vilas do reino, por autorização papal de 23 de Outubro de 1501, expresso na carta régia de 4 de Maio de 1507. De acordo com as ordenações régias cabia aos bispos a sua superintência. É neste contexto que surgem idênticas instituições nas ilhas. Na Madeira tivemos, primeiro, no Funchal (1507) e, depois, em Machico, Calheta, Santa Cruz e Porto Santo o hospital da Misericórdia (28). A função assistencial completa-se com as confrarias, autênticas associações de solidariedade social e espiritual, sendo os irmãos recrutados pela sua situação sócio-profissional ou, pela sua devoção ao santo patrono. É de salientar o caso da dos pescadores, que na ilha não tiveram o mesmo patrono, e a dos mesteres, como a de S. Jorge(1562) e de S. Miguel, São Crispim e Chrispiniano(1572). É de realçar ainda as confrarias ligadas às misericórdias, onde os irmãos tinham assegurado a sua assistência hospitalar e espiritual. O Funchal, cidade portuária estava por isso mesmo aberta ao contágio das doenças. Deste modo para precaver a urbe desta infecção estabeleceram-se espaços onde as mercadorias e passageiros suspeitos eram mantidos de quarentena. Este espaço situavase primeiro em Santa Catarina e foi depois transferido para a outra ponta da cidade no chamado Lazareto. A vereação da cidade estava atenta aos anúncios de peste nas principais áreas de ligação à ilha. Mas isto era considerado pouco numa terra onde a importação de géneros é fundamental e o principal via de transmissão de doenças contagiosas e dermatológicas. Deste modo em 1787 o governador D. Diogo Pereira Forjaz Coutinho avançou com a casa da saúde com o objectivo de vistoriar os navios entrados e os produtos alimentares de importação à venda no mercado local. As condições de vida no norte da ilha não eram diferentes das do resto da ilha. A sua evolução acompanhou o demais, sendo pautada por um significativo progresso. Uma das medidas mais importantes a ter em conta nesta época prendia-se com a prevenção. As condições sanitárias das habitações e acima de tudo dos aglomerados como a Vila não eram as melhores. Neste último caso a época invernosa tornava as ruas da Vila num palco de imundice, sendo constante o apelo à limpeza das regadeiras e ao seu calcetamento. As melhorias significativas nas condições de vida dos munícipes são apenas visíveis a partir da década de trinta. A cobertura de palha cede lugar ao barro e adiciona-se nas proximidades um novo compartimento, que depois passará a fazer parte dos planos da casa. Note-se que, quer na construção da retrete quer do palheiro para gado o médico municipal deveria informar da sua conveniência e localização.
O período que decorre de meados do século dezanove até às primeiras décadas do nosso século, foi marcado por inúmeras epidemias que alastraram a toda a ilha. Em 1856 a colera morbus levou à morte de 307 vicentinos. Passados vinte anos foi a vez da varíola que voltou de novo a vitimar muitos madeirenses. Em S. Vicente refere-se a 1 de Junho que a epidemia matou várias pessoas, o que leva a Câmara a reclamar apoio, pois "não temos um só facultativo a quem se recaíra". A 15 de Julho estava em exercício um facultativo no concelho, António Fernandes Telles da Silva, que atestou o estado precário de saúde de Manuel José de Sousa, incapacitado para continuar a ser o tesoureiro da arca dos órfãos. A epidemia de varíola manteve-se activa por muito tempo, sentindo-se os seus reflexos em S. Vicente e Boaventura no ano de 1876, sendo o serviço redobrado. À varíola, que pouco atingiu o concelho, sucedeu a "influenza", que por um período limitado causou inúmeras dificuldades. Deste modo em 23 de Abril o administrador do concelho clama por providências e meios ao facultativo, pois a "epidemia se acha já grassando em grande escala nos diferentes sítios desta freguesia”. O facultativo, Afonso Henriques de Freitas ignorou a situação, sendo por isso mesmo despedido pela vereação em 17 de Maio, sendo substituído a 31 de Outubro por Manuel Sardinha que residia na Ribeira Brava e que prestava serviço na Ponta do Sol. A vereação da Ponta de Sol não queria facilitar a sua saída mas as insistências do administrador do concelho junto do Governador, reclamando um médico capaz de atender à grande quantidade de doentes que se acham atacados de moléstia", conduziu foi bem atendido e o concelho foi servido por algum tempo por vários médicos. A 27 de Fevereiro a doença estava extinta procedendo a vereação ao pagamento das despesas. A varíola está de volta à ilha em 1907, mas sem atingir de forma significativa a corte do norte. As medidas profiláticas sucedem-se atempadamente por recomendação do Delegado de Saúde. Atente-se por exemplo às condições de sanidade das ruas da vila, com o tirar de regadeiras para a sua limpeza, tudo isto por causa "das epidemias que ameação esta população". No Funchal criou-se um lazareto hospital que contou também com o contributo da vereação vicentina. A constância das epidemias condicionou a intervenção do município no apoio à assistência médica. Em 1876 era apenas um facultativo que o assegurava em todo o concelho. Para se deslocar nas três freguesias a casa dos doentes dispunha de um serviço de rede com dois homens. Era comprovada a sua insuficiência ao ser assegurado apenas por um médico. Entretanto as populações de Boaventura e Ponta Delgada, servidas quinzenalmente pelo médico do Porto Moniz, José Leite Monteiro, reclamam pelo mau serviço. O século vinte inaugura-se com melhorias na prestação médica. São dois os facultativos ao serviço do concelho e outros mais que se prestam a auxiliar quando necessário. As infra-estruturas concelhias de apoio à saúde foram sempre precárias. Em momentos de epidemia, como 1856, improvisavam-se hospitais. A par disso, por muito tempo, não existiu farmácia, sendo os medicamentos solicitados ao Funchal, com inevitáveis inconvenientes de custos e de perda de tempo. Para atalhar a isto houve uma preocupação por parte do município em favorecer o aparecimento desses meios de apoio. Sabe-se que em 1949 já existia a Farmácia do Norte e que o ajudante de farmácia, Alberto Amâncio de Freitas abriu uma nova na Vila. A aposta em infraestruturas de apoio seguiam a bom ritmo. Em 1945 o Ministério da Saúde instalou em Boaventura um centro de sanidade rural e entre 1948 e 1968 foram criados os
dispensários de S. Vicente (no Poiso), Ponta Delgada (nos Enxurros) e Boaventura (no Centro). Esta politica de apoio à criança tem reflexos evidentes na taxa de mortalidade infantil que era então muito elevada. Note-se que em 1946 esta representava 19%, sendo em 1963 de apenas 2%. A Câmara assumiu o compromisso de pagar todas as despesas com os doentes pobres, que incluíam os medicamentos, o transporte ao hospital da misericórdia no Funchal, e a diária do período de internamento. Para que isso acontecesse o doente deveria ser acompanhado de um atestado de pobreza passado pela Câmara. A Vereação sentia-se obrigada a apoiar as famílias pobres, através de subsídios fixos ou eventuais. Noutras circunstâncias as famílias pobres eram acudidas com milho ou então géneros alimentícios de mercearia. Às crianças reservava o município dedicados apoios. Primeiro com o apoio e acolhimento indispensáveis à sobrevivência das crianças expostas. Depois no apoio às mães solteiras ou aquelas que não tinham posses para alimentação dos filhos recémnascidos. As crianças expostas surgem ao lugar deste período nas mais diversas circunstâncias. Ao município, mediante verba concedida pelo governo civil, estava acometido o encargo de assegurar a sobrevivência destas crianças. Estas após o baptismo eram entregues a uma ama, eram conhecidas pelo número de registo no livro de expostos. Nem todas as crianças que nasciam no seio de famílias constituídas, tinha assegurado a sua sobrevivência. O estado de miséria condicionava a sua sobrevivência que só poderia ser assegurada mediante um apoio do município para a sua lactação. Este subsídio poderia ir até dois anos e contemplava os filhos de mães solteiras ou outras que devido ao seu estado de pobreza ou "por ter secado do leite" não estavam em condições de garantir a sua sobrevivência. Este subsídio era atribuído, caso a caso mediante requerimento dos interessados à vereação. A Vereação estava responsável pela gerência deste apoio podendo retirá-lo a quem não oferecesse as condições merecidas.
FONTANÁRIOS E ABASTECIMENTO DE ÁGUA AO DOMICÍLIO. O abastecimento de água é uma realidade de finais do século XIX. Até então o seu consumo fazia-se a partir das ribeiras e muitas levadas que circundavam as áreas agrícolas e tinham passagem obrigatória nos núcleos povoados. Em 1882 havia apenas uma fonte em todo o concelho, estando sedeada na Vila, mas que devido às invernias de Dezembro deixou de deitar água pelo que se decidiu avançar no ano imediato com a construção de um chafariz no Largo da Igreja. Nos núcleos de maior povoamento, como as Feiteiras, deparam-se dificuldades no uso de água das levadas. O projecto da autoria do Eng. Adriano A. Trigo foi apresentado em Julho à vereação e contemplava duas fases para a sua conclusão, sendo a licitação do 1º traço até ao Livramento. O segundo troço entre o Livramento e as Feiteiras foi só arrematado a 11 de Maio do ano imediato. Um dos grandes arautos deste serviço era o subdelegado de saúde do concelho. É ele quem, em 1902, reclama a extensão do abastecimento de água potável aos sítios do Saramago e Passo. Ao mesmo tempo actua como olheiro do serviço, participando o roubo clandestino de água dos marcos fontanários por alguns moradores vizinhos. Em 1909 o mesmo delegado de saúde reclama a reparação dos fontanários das Feiteiras e Livramento e alega a má qualidade da água. É o mesmo delegado de saúde quem reclama em 1913 medidas drásticas no abastecimento de água à Vila, com o encerramento dos marcos fontanários, "a bem da saúde pública". As freguesias de Ponta Delgada e Boaventura continuavam ainda sem esse serviço. Deste modo em 1903 reclama a canalização de água potável e a construção de marcos fontanários nos sítios do Ferreiro e Entrosa, na proximidade do adro da Igreja, a ser canalizada no Sítio da Fonte. Entretanto o Governador Civil em 1905 recomendava alguns cuidados em termos de saúde pública. A Vereação informa do seu empenho nisso, através da construção de marcos fontanários, para os quais faltam recursos financeiros. Nesse sentido foi solicitado à Junta Geral um subsídio de 600$00 para dois marcos. O abastecimento de água a Boaventura não ficara solucionado e a partir da reclamação dos moradores parece que foi de pouco efeito o serviço prestado pela junta. Note-se que os moradores dos sítios da Igreja, Pastel e Serrão reclamavam da falta de água potável, sendo obrigados a abastecerem-se de águas insalubres e perigosas para a saúde ou procurá-las a grandes distâncias. Se o abastecimento público através dos marcos fontanários pode ser considerado uma realidade do século XIX, o mesmo não sucederá com o domiciliário que data dos anos quarenta do nosso século. Até então o recurso era os fontanários, as levadas, ou a possibilidade, apenas para alguns, de aproveitamento dos sobejos das águas dos marcos fontanários. Este era apenas um privilégio daqueles que viviam próximo dos fontanários. A construção dos lavadouros municipais enquadra-se na política de salubridade do concelho. Deste modo evitava-se o uso das levadas, que eram logradouro comum no serviço de água. Aos demais vicentinos não servidos por esta rede pública de fontanários restava o recurso da fonte ou então a disponibilidade de uma bilha e um copo para serviço de água como dispunha a secretaria da Câmara. O simples gesto de abrir a torneira em sua casa é uma realidade apenas dos anos quarenta do nosso século. Desde 1947, à medida que o plano de canalização de água ao domicilio avança, sucedem-se os inúmeros pedidos de ligação por parte dos moradores abrangidos. O plano de abastecimento de água potável a S. Vicente e Ponta Delgada foi traçado em 1947 para ser levado a cabo a partir do ano imediato.
A ILUMINAÇÃO E A ELECTRICIDADE. Foi o desenvolvimento do turismo que obrigou as autoridades a avançarem com medidas de promoção de melhores condições de vida aos forasteiros que em muito beneficiaram os residentes. No século dezanove o turismo era uma realidade, mas a ilha parece que não oferecia as melhores garantias a estes forasteiros. A primeira experiência isolada da câmara com candeeiros de azeite teve lugar em 1821 mas foi só em 1846 que José Silvestre Ribeiro determinou a iluminação da cidade com lampiões de azeite. São apenas três neste ano, aumentando para 31 em Janeiro do novo ano e chegam a setenta em 1849. Em 1858 foi feito um concurso para o lançamento da iluminação a gás mas continuou-se com o azeite e em1866 tivemos os primeiros ensaios com o petróleo, que passou a ser o usado como combustível em 1870. A luz eléctrica chegou cedo à ilha pelas mãos dos britânicos. De novo a câmara adjudicou em 1881 a iluminação da cidade a gás que acabou por ser anulado e entregue em 1884 ao engenheiro Eduardo Augusto Kopke, deixando em aberto a possibilidade de uso da energia eléctrica. Mas este plano não foi por diante e em 1895 estabeleceu-se outro contrato para electrificação da cidade, que teve efeitos práticos em 1897 com as primeiras lâmpadas a serem acesas a 19 de Junho. A exploração desde este ano foi transferida para a posse da empresa The Madeira Electric Lighting Company Ltd, que ficou conhecida como a Casa da Luz. O serviço de iluminação e fornecimento de energia alargou-se rapidamente atingindo as freguesias suburbanas. Enquanto na cidade dava-se os primeiros passos com a luz eléctrica, no meio rural a aposta continuou até à década de cinquenta nos candeeiros. Esta não se ficou apenas pelo Funchal, pois alargou-se também a algumas vilas, mesmo na encosta Norte, que receberam os candeeiros do Funchal em segunda mão. Assim em S. Vicente a mais antiga referência à iluminação pública é de 1896. Em Março deste ano a Câmara instalou 8 candeeiros e respectivo ferro nas ruas da Vila. No ano imediato o serviço alargou-se até à Terra Chã, seguindo-se depois em 1904 às freguesias de Ponta Delgada e Boaventura.. Em 1910 instalou-se um novo candeeiro na Vila e no ano imediato a comissão municipal do Funchal ofereceu oito candeeiros que deixou de utilizar na iluminação pública da cidade. Ainda em 1913 adquiriram-se mais dois candeeiros para a Vila, mas as condições de iluminação continuavam a ser insuficientes pelo que em 1931 a Câmara decidiu comprar um "petromax" de 1200 velas com o seu aparelho para montagem na beira da Terra Chã para iluminar a Vila. As primeiras décadas do século vinte foram de crescimento para a empresa, que em 1909 foi integrada na General Electric Company Limited, atingindo em 1938 o máximo da sua capacidade de produção de energia eléctrica. Todavia, a conjuntura de guerra e algumas dificuldades de implantação no mercado doméstico levou os promotores a denunciar a concessão em 1944, um ano antes do seu terminus. Perante esta situação a câmara chamou a si esta responsabilidade, criando em 1949 os serviços municipalizados de Electricidade, que foi de vida efémera, uma vez que a Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira, criada em 1943, recebeu em 1952 o encargo de produção, transporte e distribuição de electricidade em todo o arquipélago, integrando assim os serviços municipais. Um dos principais encargos foi o alargamento do serviço às freguesias rurais, alcançado em 1962. A construção de centrais
hidroeléctricas foi a estratégia principal da Comissão que surtiu efeito face à disponibilidade de água e aos problemas decorrentes da crise energética de 1971, o que veio a permitir a electrificação faseada das freguesias rurais. Na primeira fase, que decorre até 1954, tivemos electrificação das freguesias da Ribeira Brava, Porto Santo, Caniço. A segunda contemplou as demais freguesias, culminando em 1961 com o curral das Freiras. O ano de 1974 marca o início de uma nova fase dos serviços com a sua passagem a empresa pública com a designação de Empresa de Electricidade da Madeira que foi regionalizada em 1979. Esta última situação conduziu a vultuosos investimentos no sector que conduziram à electrificação total da ilha e oferta de um serviço de melhor qualidade com a construção da Central Térmica dos Socorridos, que levou ao encerramento da do Funchal em 1989, hoje feita museu.
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