2000-oficios

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VIEIRA, Alberto (2000) Oficios e Artesãos na História da Madeira COMO REFERENCIAR ESTE TEXTO: VIEIRA, Alberto, (2000) Oficios e Artesãos na História da Madeira, in Revista Xarabanda, no.13, Funchal, pp.3-19, CEHA-Biblioteca Digital, disponível em: http://www.madeiraedu.pt/Portals/31/CEHA/bdigital/2000-oficios.pdf, data da visita: / /

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OFICLOSE ARTESAOSNA

HISTORIADA MADEIRA

o facto de a Madeira estar desabitada facilitou a fixação dos primeiros povoadores europeus, mas atribui-lhes redobradas responsabilidades para o lançamento dos alicerces da nova sociedade. Deste modo aos obreiros e cabouqueiros iniciais seguiram-se diversas levas de gente para o rápido arranque de ocupação. A partir do núcleo inicial de povoadores, disseminados pelas diversas frentes de arroteamento da ilha, ganha forma uma nova sociedade com uma dinâmica semelhante à do reino. A sua estruturação partirá do estatuto preferencial dos primeiros habitantes e evoluirá com a afirmação da estrutura institucional e económica. O grupo europeu peninsular tinha uma importância primordial na formação da nova sociedade, sendo pouco representativa a presença de outros grupos étnicos; destes apenas se salientam os africanos (mouros, negros e guanches) que e

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surgem na ilha sob a condição servil; mas desempenharam um importante papel relacionado com o arranque da economia açucareira. Nesta população madeirense surgem diferenças de condição social que determinaram os diversos estatutos ou categorias sociais privilegiados, povo e minorias. Ao grupo de mando, de ócio e façanhas bélicas no norte de África, associa-se uma numerosa plêiade de subordinados (rendeiros, assalariados, mesteres e escravos), que contribuía para o progresso agrícola e mercantil da ilha. Aliás, a sua importância na sociedade madeirense reforçava-se com o progresso económico da ilha. Todavia só em 1484 os mesteres fazem ouvir a sua voz na vereação por meio de criaçãQ da Casa dos Vinte e Quatro; dois anos mais tarde assumiram uma participação activa na procissão do Corpo de Deus. O lugar que os mesteres nela ocu-

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pavam poderá significar uma hierarquização dos ofícios, que se fazia de acordo com o estabelecido em 1453 para Lisboa. A relação dos mordomos dos ofícios, feita no ano de 1486 pela vereação, indica a estrutura sócio-profissional; pedreiros, sapateiros, alfaiates, barbeiros, vinhateiros, tecelões, besteiros, hortelães, almueiros, pescadores, mercadores, almocreves, ourives, tabeliães e tanoeiros. Para os anos imediatos surgem dados referentes à fiança e aos juízes dos ofícios (ferradores, ferreiros, barbeiros e moleiros) que testemunham a dimensão adquirida pela estrutura oficinal, mercê da exigência da sociedade para serem asseguradas as necessidades básicas, pois o isolamento e as dificuldades de contacto com a Europa impossibilitava o abastecimento dos artefactos de uso corrente aí produzidos. A importância e a fixação dos mesteres em determinadas áreas do burgo veio dar origem a ruas com o nome dos diversos ofícios aí sedeados como a dos ferreiros, a dos tanoeiros, a dos caixeiros, etc. Aos ofícios juntavam-se os trabalhadores braçais ou assoldadados, que se dedicavam a diversas tarefas no campo e no burgo. O seu serviço era onerado com a redízima; este tributo, prejudicial ao exercício dessas actividades, punha em causa a segurança da terra, pois, segundo se dizia em 1466,tal situação conduzia ao aumento dos escravos; a mesma preocupação evidencia-se em 1489, apontando-se a saída de homens para as campanhas africanas como um perigo para a segurança da ilha, devido o elevado número de escravos que nela havia. Verifica-se,portanto, que o grupo servil surgiu com uma importância relevante na sociedade madeirense na segunda metade do século XV; o seu 'peso gerou preocupação e tomou necessária a regulamentação dos seus movimentos e do seu espaço de convívio; daí a exigência dos nele incluídos usarem um sinal, de se recolherem à casa do senhor, ao mesmo tempo que se ordenou a expulsão dos forros, com excepção dos canários. Os escravos negros surgem como assalariados, vendedores de fruta dos seus senhores, enquanto os guanches eram pastores e mestres de engenho. O desenvolvimento das pequenas indústrias e dos grupos oficinais foi evidente no decurso do século XVI e paulatinamente as diversas corporações oficinais foram ganhando importância social, económica e política. A sua presença na vereação passa a ser assídua, para defender os interesses da classe e intervir na regulamentação da sua actividade. Note-se que a vereação tinha uma intervenção constante na regulamentação dos ofícios e também na qualidade do serviço prestado e tabela de preços das diversas tarefas e produtos daí resultantes. Cada ofício tinha um juiz que se encarregava de examinar os demais

aprendizes, sendo a garantia da qualidade do serviço a prestar. Por outro lado a tendência para a fixação dos mesmos em arruamentos determinados resulta da necessidade de um maior con-trole. A cada ofício, de acordo com o número de oficiais e a sua importância na sociedade, liga-se a sua estruturação em corporações, a sua presença na vida política local e a posição atribuída na posição do Corpo de Deus. Note-se que a cada grupo de ofícios correspondia um santo patrono, cujo dia era de redobrada festa para os associados. AS INDÚSTRIAS E ARTESANATO A valorização económica da ilha só foi possível com a definição de uma ajustada estrutura sócioprofissional capaz de satisfazer as necessidades fundamentais da sociedade e gerir mais riqueza para alimentar o comércio externo. Diversas actividades de carácter artesanal completam o processo económico madeirense, atribuindo uma evidente mais-valia à ilha e aqueles que nele participam. Muitas destas faziam-se por necessidades dos próprios, mas outras houve que tinham por objectivo o mercado externo. Neste caso é de salientar a obra de vimes e o bordado. Ambas as actividades foram uma importante forma de gerar riqueza e um complemento importante ao trabalho rural. O nível de desenvolvimento destas actividades até à década de quarenta do século XIX era muito incipiente. A exposição realizada em 1849 pelo governador civil José Silvestre Ribeiro documenta este estádio e pode ser considerado o principal impulso para o necessário avanço. O retrato desta situação surge em 1847 para toda a ilha e cidade. Assim as actividades artesanais ocupam] 4% da população da ilha e no Funchal é de 21%, o que demonstra que a cidade paulatinamente se foi especializando nos serviços e actividades transformadoras, perdendo parte da sua ruralidade. Este grupo é dominado pelos carpinteiros, sapateiros e tanoeiros. Em 1862, passados quinze anos, temos o retrato completo destas actividades na cidade e freguesias rurais, feito por Francisco de Paula Campos e Oliveira. Os artistas e operários representam então cerca de 38% da população. Se a este grupo retirarmos os lavradores, teremos a sua concentração na cidade e se a isto adicionarmos os referentes em Câmara de Lobos seremos levados a concluir que a maior concentração oficina] tem lugar aqui, com 19% destes ofícios. Nos concelhos rurais a maior evidência vai para Ponta de Sol, Calheta e Machico. A incidência vai para os ofícios ligados ao sector transformador, dominam os sapateiros, carpinteiros e marceneiros, enquanto nos serviços surgem os barqueiros e boieiros. R

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Em 1862 temos 1029 bordadeiras cujas toalhas bordadas renderam. nas exportações cerca de sete contos. Estes valores continuam a subir sendo em 1906 trinta mil as bordadeiras e dois mil profissionais nas oito casas que contribuíam com 242.342$180 réis. Já em 1912 temos 34.500 bordadeiras. Na ilha o bordado é uma actividade que ocupa mão de obra em toda a ilha. Isto acontece desde o século XIX. Deste modo se na década de sessenta as bordadeiras estavam restritas ao Funchal e Câmara de Lobos já na década de noventa a actividade estava em toda a ilha da Madeira e havia chegado ao Porto Santo. Note-se que, em 1862, das 1029 bordadeiras existentes em toda a ilha a maioria situava-se no Funchal e Câmara de Lobos, respectivamente com 844 e 152. De acordo com a evolução do mercado, cresce o número de bordadeiras. Assim em 1906 eram 30.000 as bordadeiras subindo para 45.000 em 1924, atingindo-se em 1950 as sessenta mil bordadeiras. O facto desta actividade ser maioritariamente executada em casa das bordadeiras permitia conciliar o acto de bordar com a actividade agrícola e caseira. E ao mesmo tempo atribuía um precário suplemento em dinheiro para a economia caseira. Em 1952 o bordado distribuía 47.252 contos por cerca de 60.000 bordadeiras. Na década de trinta a conjuntura econó-

mica conduziu de Bordado da tivo de orientar cio. De acordo

à criação do Grémio dos Industriais Ilha da Madeira (1935) com o objeca indústria e promover o seu comércom um relatório deste Grémio de

1952 o bordado ocupava mais de cinquenta mil famílias, o que significa mais de metade das famílias, nomeadamente do meio rural. Outra actividade importante no domínio do artesanato foi a obra de vimes. Desde o século XVI que sabemos do fabrico de cestos de verga para os trabalhos agrícolas e serviço de casa. O cultivo do vimeiro adquire importância na segunda metade do século XIX. A cultura teve um incremento na freguesia da Camacha e rapidamente se espalhou no Funchal alargando-se às freguesias do norte, nomeadamente a de Boaventura. Deste modo a cultura e obra de vimes estão presentes e persistem em ambas as localidades. A par destas indústrias que assumiram um papel de relevo na economia da ilha é necessário considerar os diversos ofícios e actividades artesanais que contribuem para a pujança dos diversos sectores e melhoria do conforto humano. A maior parte dos artefactos e produtos daqui resultantes tinham como destinatário o mercado local, todavia alguns encontram mercado na exportação. Foi o caso dos embutidos, das flores de penas, chapéus de palha. Estes últimos tinham em 1874 uma importante oficina na rua da Alfandega, propriedade de Lacerda & Irmão. O embutidor trabalha em paralelo com os ofícios anteriores, sendo-lhe atribuída a missão de dar às pequenas peças de mobília o aspecto apelativo. Através de um jogo de cor de diferentes madeiras era e é possível traçar retratos, flores, construções geométricas que decoram tampos de mesas, cofres, . . . Caixas e CaIXl-

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nhas. As referências mais antigas a este ofício reportam-se ao século XVII, mas foi na segunda metade do século XIX que esta arte ga-nhou fama na ilha e fora dela. A fama do embutido e a sua procura levou à criação de oficinas especiali-zadas. A primeira foi criada em 1770 na fortaleza do Pico, mas sem dúvida quem deu maior alento aos embutidos foi a escola de desenho industrial em 1889, que teve a oficialização da oficina em 1916. Ao nível das actividades subsidiárias merecem a nossa atenção as que se prendem com os sectores dominantes no processo económico. Assim no caso do vinho é necessário ter em conta a actividade dos tanoeiros, de que ficou memória numa rua da cidade. Note-se que, durante muito tempo, a exportação do vinho era feita a granel havendo necessidade do vasilhame de madeira. Normalmente, a madeira de carvalho era importada dos Estados Unidos, de Charleston, por exemplo, e aqui na ilha procedia-se ao fabrico das pipas em oficinas anexas às lojas de vinhos ou independentes. Em 1862 eram 52 as oficinas

açúcar se faziam móveis, como foi o caso de armários e contadores, que ficaram designados como de caixas de açúcar. A concentração destes ofícios era maioritariamente na cidade, assim em 1863 trabalhavam na cidade 92 dos cento e vinte marceneiros de toda a ilha, enquanto nos carpinteiros o Funchal apresentava 112 do total de 196. De entre as diversas actividades artesanais que contribuem para o conforto das populações devemos salientar as que se prendem com o vestuário, incluindo a tecelagem e tinturaria, o curtume e o fabrico de botas, de produtos de cozinha e higiene, como os utensílios de barro e folha, o sabão, e alimentares, onde se incluíam as massas e as bebidas alcoólicas. Juntam-se ainda outras actividades como o fabrico de cal e telha para a construção de habitações, ou de acessórios, com de chapéus de feltro e palha e flores

de penas.

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A presença de barro na ilha é evidenciada pela topo nímia mas mesmo assim parece que nunca foi suficiente para as necessidades da ilha, uma vez que à sua procura para o fabrico de utensílios domésticos, telha dita romana, havia que juntar nos séculos XV e XVI a sua procura para o fabrico de açúcar, quer para formas, quer na fase de purificação. Lembre-se que no fabrico do açúcar as formas só serviam uma vez, necessitando quase sempre de ser partidas para retirar-lhe o pão de açúcar. Isto obrigava à existência na retaguarda de olarias e do barro necessário para o seu fabrico. Nas indústrias subsidiárias da construção temos os fornos de telha, onde se coziam as telhas de barro e os de cal onde se preparava a cal. Enquanto nos primeiros temos cinco fomos no Funchal e três no Porto Santo, no segundo são apenas 10 moinhos no Porto Santo, não obstante ter existido outros no Funchal, Santa Cruz, Câmara de Lobos e S. Vicente. A Madeira apresentava em 1845 quatro fomos, passando para cinco em 1863. Os da vertente sullaboravam a pedra calcária vinda do Porto Santo, tomando-a mais vantajosa pela falta de lenhas. Apenas em S. Vicente, desde o século XVI, dispensava-se a pedra calcária portossantense, pela existência de um filão e cal na zona dos Lameiros que foi explorada em época recente mas que hoje, a exemplo do Porto Santo deixou de ter importância. Foi na ilha do Porto Santo e nomeadamente no

de tanoaria em laboração, com mais de duzentos operários, situadas maioritariamente na cidade. Paralelamente o trabalho da madeira tinha outros ofícios como era o caso dos carpinteiros e marceneiros. A oficina de marcenaria trabalhava com as madeiras da ilha ou importadas, sendo de notar a ideia vigente a partir do século XVII com a madeira das caixas de

ilhéu de Baixo que a exploração da cal se transformou numa importante fonte de riqueza. No século XV o senhorio da ilha interessado em manter sem sobressaltos a industria açucareira proibiu a sua exploração, obrigando os madei-renses a importá-la do continente. Todavia no século XVI a quebra do açúcar e a necessidade desta para a construção de forR

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tificações levou ao incremento da indústria da cal no Porto Santo, que se manteve activa até à década de setenta do século XX. Note-se que em 1928 em todo o arquipélago funcionavam 10 fábricas de cal. De entre os produtos básicos de higiene destaca-se o sabão. A sua produção e comercialização eram um privilégio do infante D. Henrique que a cedeu aos seus capitães no espaço das capitanias. Esta situação persistiu até 1766 altura, em que todas as saboarias passaram para a administração da Fazenda Real, acabando por ser extinto o monopólio em 1857. A cidade recorda ainda hoje esta situação através da Rua do Sabão, que foi buscar o nome ao depósito do mesmo. A partir do momento do fim do monopólio surgiram diversas fábricas na ilha sendo de salientar em 1860 as de Constantino Cabral de Noronha e José Joaquim de Freitas, que produziam respectivamente 16524 kg e 12.395 kg. Para o fabrico do sabão necessitava-se de barrilha, que existia em abundância nas ilhas Desertas. Anualmente as duas fábricas consumiam quase 200 toneladas e precisavam 132 carradas e lenha de pinho, urze e castanho. Esta última situação foi responsável pelo atraso da indústria dos sabões na ilha. O tabaco não vingou como cultura na ilha, mas isto não impediu que com a liberalização do seu comércio e produção não surgissem fábricas na ilha no último quartel do século dezanove. A mais antiga é a Fabrica de Tabacos Madeirense do visconde de Monte Bello, fundada em 1877. Esta produzia cigarros, charutos, rapé e tabaco picado resultante da produção da ilha e da importação de Cuba, Porto Rico e Estados Unidos. Note-se que a fábrica laborava quatro toneladas de tabaco da ilha e apenas quatrocentos quilos importado. No meio rural surgiam algumas actividades caseiras específicas com objectivo de satisfazer as necessidades da casa. Neste caso, é de destacar o cultivo do linho e a tecelagem, o fa-brico de azeite de loiro. O azeite de loiro, feito a partir da baga de loureiro, apresentava-se de grande utilidade como combustível para as candeias de barro, como lubrificante e na medicina caseira. Em 1862 estão documentados 47 lagares de azeite loiro com forte incidência nos concelhos de Porto Moniz e Calheta. O fabrico de panos para cobrir o corpo era iguale

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mente uma actividade de tipo caseiro. A matériaprima fundamental, linho, lã de ovinos e materiais de tinturaria, era de produção local, o que fazia com que muitas das peças de lã, linho e estopa fossem mais baratas que os tecidos de garridas cores vendidos pelos adelos, cuja presença está documentada desde o século XVII. A ilha também importava linho de diversos destinos, nomeadamente da Inglaterra, Alemanha e da América do Norte. Todavia, a maior quantidade de linho consumido era de produção local. E desde os inícios do povoamento que a cultura deveria existir na ilha. As posturas do século XVI referem a prática corrente de alagar o linho nas ribeiras da cidade com muito dano das suas águas, pelo que se recomenda o uso de poços separados. A sua cultura espalhou-se por toda a ilha, ganhando uma posição de destaque nas freguesias do norte, como foi o caso de S. Jorge e Santana. O século XVIII é considerado um momento de crise desta cultura, havendo necessidade de importação da América pelo que as autoridades municipais tomaram medidas no sentido da promoção do seu cultivo. Deste modo foi possível com esta matéria produzir toda a roupa branca que a ilha necessitava. Todavia a partir de meados do século XIX a ilha foi assolada por uma invasão de tecidos estrangeiros vistosos e a preços muito em conta que destronaram o linho da terra e acabaram com os tormentos da população. Note-se que o trabalho de preparação do linho era muito custoso, sendo considerado como o fadário do linho. Ao linho juntava-se a lã fruto da tosquia dos ovinos. É no decurso do século XVIII que se assiste a uma aposta nesta matéria-prima através da promoção do pastoreio e criação e ovelhas, de forma especial as meirinhas por serem as que produzem as

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melhores lãs. Os ovinos de raça irlandesa surgiram na ilha em finais do século XVIII, permitindo um melhor aproveitamento das lãs. Em 1862 a ilha dispunha de 44.186 cabeças de gado ovelhum, maioritariamente distribuído no Funchal, que produziam 39 toneladas de lã branca e cerca de 8 da preta. A estas duas matérias-primas fundamentais junta-se ainda a seda de menor dimensão. A sua presença na ilha está documentada desde o século XV, estando isenta de qualquer direito desde 1485. Na segunda metade do século XVIII foi evidente a aposta na seda, com incentivos da coroa ao plantio de amoreiras. Uma vez disponível a matéria-prima eram necessários teares e as mãos hábeis das tecedeiras para dispor-se dos panos com os quais os alfaiates e costureiros depois iam faziam o corte do vestuário. De acordo com informação de 1862, o número de teares de linho e lã na Madeira era de 559 e o de tecedeiras de 359, havendo uma incidência na Calheta, Santana e Funchal. Em 1908 o número de teares havia subido para 559, mas paulatinamente foram desaparecendo como também a disponibilidade do linho e lã de ovelha. De acordo com uma taxa estabelecida em 1862 às tecedeiras do Porto Moniz, ficámos a saber que o concelho produzia 3300 metros de pano de linho, 550 de lã preta e 110 de lã branca. É de salientar que os alfaiates têm uma forte incidência na cidade do Funchal, o que poderá significar que no meio rural o corte do vestuário era caseiro. Os curtumes em ligação com o calçado mantiveram-se sempre com grande evidência na vida das populações, estando dependente da disponibilização de gado, ovino, caprino e, fundamentalmente, bovino e do consumo de carne. Esta indústria existe desde os primórdios da ocupação da ilha. As intervenções do município contra a poluição das ribeiras por esta actividade, nomeadamente no Funchal, eram constantes. Os pelames e alcaçarias, por necessidade de água abundante, situavam-se quase sempre no leito das ribeiras. Na Tabua e Serra de Água surgem algumas construções. Consideradas popularmente como construções mouriscas, que nos parecem ter a ver com esta actividade. Tenha-se em conta que esta área teve um papel importante nos curtumes. No decurso do século XVII o estado desta indústria deveria ser decadente face à disponibilidade de couros e solas brasileiros de superior qualidade. Face a esta crise o município de Machico apostou em 1780 na reanimação da indústria. Na segunda metade do século XIX o incremento da pecuária deverá ter contribuído para o reforço da actividade. Em 1863 temos notícia de 61 oficinas em que trabalhavam 532 surradores e curtidores. É evidente nesta actividade uma acentuada concentração na Calheta e Ponta de Sol,

que surgem, respectivamente, com 17 e 19. Em 1908 as oficinas de curtir couros eram 6 I passando para 38 em 1910, o que demonstra estarmos perante uma redução da matéria-prima. Todavia, em 1928, Peres Trancoso testemunha uma valorização da actividade com a plena laboração de 203 fábricas. A riqueza de couros repercutia-se no número de oficinas de sapateiro. A sua presença está documentada desde os primórdios do povoamento, com particular incidência no Funchal. De acordo com a regulamentação das posturas sabemos qual o calçado fabricado na ilha. Para Homem temos botas, sapatos, botas de montar e botas mouriscas. Já no calçado feminino temos chapins, botinas e pantufas. Em 1862 laboravam 346 sapateiros, sendo 156 no Funchal, que descem para mais de metade em1906 e voltam a subir para 2 I5 passados dez anos. Hoje o espectro dos ofícios mudou. Muitos dos atrás referidos desapareceram ou estão em vias de extinção. Por outro lado a reestruturação do sector produtivo no post segunda guerra mundial conduziu a uma forma diferente de organização e valorização dos ofícios. As oficinas desapareceram dando lugar às industrias alimentadas por empresas sectoriais onde os ofícios se estruturam de forma diferente. Os proprietários deixam de ser operários especializados e a ideia de aprendiz é cada vez mais uma situação caduca.. BIBLIOGRAFIA ACTIVIDADES E OFÍCIOS ARTESANAIS Rui de Abreu de Lima, Artesanato Tradicional Português, Lisboa, 1998. IDEM, O Bordado Tradicional Português, Lisboa, 1994. Vitorino José dos Santos, Indústrias Madeirenses, bordados, Artefactos de Verga e embutidos, Boletim do Trabalho Industrial, 5, 1907. IDEM, Relatório dos Serviços da Secção dos Serviços Técnicos de Industria no Funchal, Boletim Trabalho Industrial, 1907-1917. A. Marques da Silva, Indústrias Caseiras da Madeira. O bordado, in Mensário das Casas do Povo, n°.119, 1956. IDEM, Indústrias Caseiras da Madeira. Cerâmica, Mensário das Casas do Povo, n°.140, 1958. Alberto Artur Sarmento, As Pequenas Indústrias da Madeira, Funchal, 1941. José Ezequiel Velosa, O Fabrico de Chapéus Panamá na ilha do Porto Santo, DAHM, 1949,254-255. IDEM, As Palmeiras de Igreja. Uma Indústria Caseira que tende a Desaparecer no Caniço, DAHM, 1949,212-213. T. Mizon, O Fabrico do borracho, Xarabanda, 10, 1996,16-18. Agostinho Vasconcelos, A giesta e as obras de Verga, R

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