2000-funchal

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RECURSOS PARA UM N O V O CICLO

cidade portuária

deHist6riaAtlantica. O temdascidadcs portuárias tem merecido a abnfio da "ktorio-

httimos anos. grah cf.A.Guimeráe Mero, h e r hy SistPOrfU-

( s e XVI-H), Madrid, lgg6; F. Broezep Brides of the &a. Port Ciíies of Asia h the 16th-20fi Hono[ulu, 1989;F.W.K@!h AQntic Port Cifies.

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momentos de grande prosperidade a que se seguiram inevitavelmente outros de crise. Deste modo, enquanto a elevada acumulação de capital no primeiro momento provocou o boom da con$trucão e valorimção urbanística, o çegundo foi responsável pelo seu abandono e degradação. E, finalmente, nova kpoca de prosperidade econbmica conduzirá a profundas alterações que são a imagem da nova realidade, de opulência. 0 s escombros do passado desaparecem da memória colectiva para dar lugar a esta nova situação. O Funchal, por tudo isto, foi uma cidade em permanente mutação e por isso mesmo será difícil de encontrar na malha urbana núcleos que rejam testemunho de uma paragem no tempo.

referida por Frutuoso pela sua função portuária: u ... curando muitos enfermos e remediando muitos pobres e necessitados, não somente da mesma ilha, mas s u e vêm de fora, de diversas partes e navegaqões, ter a ela, que é rica e abastada, e piedosa exala e refúgio de todosn2. Olhando de forma retrospectiva para o passado podemos definir de forma sucinta tais momentos que influenciaram de forma decisiva a História da urbe. Entre meados do século XV e da centúria seguinte o açúcar permitiu que se traçassem os [imites da nova cidade e as diversas funcionalidades. A5 primitivas casas de palha deram lugar às de telha, levantadar de forma imponente. E ar ruas de terra batida começam a ser calcetadas. A concor-

Com uma economia em permanente mudança é eilencontrar no FunchaI a sobrevivência de

rência de novos mercados produtores de açúcar acabou por estagnar a economia açucareira. E só a

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MADEIRA RECURSOS PARA UM NOVO CICLO SOBRE DESENVWW

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rtir da segunda metade do século XVII o vinho sume o papel substitutivo, mantendo-se em alta a&princípios do século XX. Daqui resultará um movimento de renovação da urbe adequando-a a estas novas funcionalidades. Deste modo, as habitações sobem em número de pisos, deixando o andar térreo de ser o espaço privilegiado de contacto para se transformar em loja de vinhos. A crise prolongada do vinho no decurso de século XIX conduzirá 5 afirmação de novas actividades industriais com uma aposta nos artefactos, obra de vimes e bordados. Mas a crise dos anos trinta e a guerra fizeram desta actividade um momento fugaz. Finalmente, a partir dos anos sessenta torna-se visivel a transformação da cidade de acordo com as novas funcionalidades ditadas pelo turismo. A face visível desta nova realidade está na conçtrução de hóteis e serviços de apoio. O recinto urbano era muito reduzido, sendo envolvido por uma periferia rural. A primeira representação disso esti no mapa de Mateus Fernandes (c. 1570) e na descrição de Caspar Frutuoso (C. 1590). Note-se que ao longo da Ribeira de Santa Luzia, a mais importante em termos econ ó m i c o ~da cidade, se situavam vários engenhos de açúcar. O primeiro, de Zenobio Acioli, estava situado no espaqo envolvente do actual Bazar do Povo, um pouco mais acima estavam outros três engenhos (aqui só são referenciados os das viúvas de Duarte Mendes e de D. António de Aguiar). Nos engenhos de Zenobio Acioli e da viúva nota-se uma arquitectura funcional definida pela actividade económica. Assim, junto ao engenho erguem-se os aposentos do seu proprietário. Senão vejamos o que diz Caspar Frutuoso do primeiro: (Em sumptuosas casas dentro em uma cerca bem arnurada, onde tem um engenho de açúcar e casas de purgar açúcarw3. Já no decurso do século XVIII a cidade perdeu os rasgos de ruralidade e o recinto urbano desenvolve-se no apertado espaço entre as Ribeiras de S. João e Santa Maria. A periferia avança agora até h Levada de Santa Luzia onde surgem as primeiras quintas. Esta C a imagem que nos transmite o plano do capitão Skinner (1775). Esta situação não se afasta da planta de Feliciano de Matos (1804). Foi a partir daqui que se sucederam algumas das mais significativas alterações da urbe. A não acatação da ideia de se construir na

nova cidade n o alto de Santa Catarina até ao Ribeiro Seco levou a que se procedessem a profundas alterações no casco urbano para evitar efeitos catastróficos de novas aluviões.

AS ETAPAS EVOLUTIVAS CIDADE

- DE POVOADO A

O Funchal, qual Fénix renascida, emergiu das cinzas do funcho que cobriam o amplo vale. Deste espaço ermo, apenas coberto de funcho, e ao que parece nunca maculado pelo homem, o português fez erguer uma vila e depois fez dela uma rica cidade e sede de bispado. Esta viragem radical é traçada de modo ímpar por Caspar Frutuoso. O retrato inicial, definido de acordo com o testemunho coevo de Francisco Alcoforado, é bastante significativo em relação à mudança operada: chegados ao formoso vale, que de lisos e alegres seixos era coberto, sem haver outro genero de arvoredo, senão muito funcho que cobria o vale até ao mar por bom espaço L..). E pelo muito funcho que nele achou lhe pôs o nome de Funchal (...). Chegado João Gonçalves ao Funchal começou a traçar a vila e a dar as terras de sesmaria...n. Entre esta imagem e aquela testemunhada cerca de cento e setenta anos após vai uma grande diferença. A sua fisionomia mudou, o funcho deu lugar ao amplo e rico casario: grande e nobre cidade do Funchal, ali situada em lugar baixo, em uma terra chã, que do mais se mostra aos olhos mui soberba e populosa, tão bem asçombrada nos edifícios como nos moradores, não somente dela, mas também de toda a ilha*. Do funcho não havia já rasto, apenas o nome dado a este chão. Desde então até iactualidade a cidade não morreu, que é como quem diz esteve em permanente processo de transformaqão, tentando aderir 2s novas directrizes do progresso, expressas nas formas de ver e praticar as soIuções arquitectónicaç. Por isso, ao contrário do que se possa pensar, a cidade 4 isso mesmo, esse processo de permanente construção, quer agrade ou não ao nosso modo actual de ver e encarar o património construido. Recorde-se que os nossos antepassados não se regiam pelos nossos actuais padrões, mas de acordo com as suas necessidades e ambições.

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OS PARA UM NOVO CICLO SOBRE DESENVOLVIP

por interrnaio dos mercadores. A partir de uma rua traçada junto ao calhau, entre as ribeiras dei Santa Luzia e S. João, comepu a surgir a vila dos mwa&res de açúcar, que fer avaqar os seus te* táculos para Norte e L-, abrangendo os primeiros núclaas de povoamento, A arquitedura da nova v i b contrasta cum a das anteriores, peta funcionalidade e riqueza. As casas térreas deram lugar 5s de sobrada, que passaram a sw ç d m t a s de telha, enquanto o eyraço interior ganhou espaço e maior mmodidade, asmiando-se a ele ri a m a z h . As cantarias negras que delimitavam as entradas e as janelas são trabalhadas por exfmios pedreiros. Portas adentro há =paço para tudo. O quotidiano interioriza-se, surgindo espaços para o negdcio, perrnadlicia e lazer. Note-se que as sessões da cnrnara rte realizaram algumas vezes em praça pública, no adro da igreja, até que se construiu o edifício dos pagos da conte lho. Assim sucederá em muitas das novai habitaç& que começaram a surgir nas duas décadas finais do século XV, sendo exemplo disço os imponentes aposentos mandados erguer por Ioão Esmeraldo, na rua que foi baptizada cwn a seu nome, ou com outros como os de Pero ValdavemI Francisco Salamanca, Tristáo Gomes, Trist.50 Vaz de Cairos. Todos eles estavam vinculados directamente ã produção e ao mn4rcio do açúcar. Na alto, num arrife onde depois se ergueu o convem de Santa Clara, e depois junto ao calhau, erguiam-se dtaneiros os apwntos do capitão do Funchal, a primeira figura da vida do lugar. A sua imponhcia e o fau* quotidiana dos seus salões e irne$aqks na, deixavam drjvidas a qualquer forasteiro: ali vivia o principal da cidade. Visto do mar, a actwt Palácio de S. Lourenço irnpbse na paisagem. O crescimento da vila fez- até 1485 de uma forma destirdenada. S e n t e a partir desta data ficou definido um plano para o novo espaça urbana, que daria origem 5 nova cidade. D. Manuel h u aos funchalenses o seu chão, conhe cido c o m o Campo do Quque, mra a i se erguer uma pp,igreja, p a p do cpncelho e ahckga. Tal mmo se pude concluk das ordens do rneçmo, os fumhalwises tinham plenos poderes para expropriar terrenos e estabelecer o nowi traqado. Iniciava-se entaa a de~truiçãab pequenos aglomerados de casas de palha para dar lugar 2 nova

I Construção de Levada

O Funchal, ao contrário de Pwnpeia, submer@dapelas cinzas e por isso rmma mantída intacta

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para gáudio de turistas, foi primeiro uma vila e depois cidade em permanente tramformaGo. Para isso centribuirarn os momentos de fulgor económico da ilha, que proporcianavam a dinheiro p r a que a ddade se emklezasse com ricos palácios e templos religioços, se defendesse com imponentes fortificações. Na falta desse dinheiro acumulada, primeira corn o d r c i o do açucar e, depois, do vinho, a cidade n3s teria adquirida a rnonumentalidade e riqueza de elementas decorativos que alcançou. Ela não passaria de um fantasma. Talvez, por isso mesmo, alguns tenham pretendido definir, ainda que madamente, dois momentos na vida. da cidade. a cidade a~ircare a cidade da vinho. Acrescente-se que Mo destes momentos os vestígios mais evidentes da transformação da malha urbana e da arquitectura dos edifícios, de que restam ainda hoje testemunhos. No princípio da macupacão . - definiram-se duas &as & assentarnento: uma ribeirinha para as gentes ligadas à aaividade oficina1 e do mar, e e t r a interior onde a nova aristocracia rmgiaardava os seus aposentos e haveres do olhar das intrusos trazidos p l o mar. Do primeiro rnmentu p u a wta, pais dos çeus wmmbrss fezse ergue a cidade e a cantaria fai r&liz%da. Apenas se @era assinalar aqui aquito @ew-&iu corn a zona d h a da cidade, suieito &via hs inevitáveis alteraçk, Depois, a &Irna quartel da sécuIo XV, começou a er-se a ligação entre estes dois muhdos,

urbanizaqão. Pedemw assinalar aqui o primeiro atentado contra a primeira priitrimbnio aqrritmón i w da Functiall Delimitada par q w b pilar ~slmblos , dm poderes instituídos, foi traçado a minta urbana capaz de levar a vila 2 condigo de

asucareiro foram transformadoç para as novas fun~ ã e se enriqumidos com m o s elementos detarativm da @oca, enquanto as m u e n a s casas térreas d&am lugar 2 rrwa arquitectura em voga. Mais 'tarde, muitps destes espaços serão enobrecidos pela burguesia comercial i n g l m ou ameficana, que I k enxerta o assi si cisma. Neste çmtexto merece a nossa atenção o palácio da Rua de j o k Esmeralda onde hoje eaá instalada a Direcção Regional da Marcuni. AJ p r i p k i m da sua histbria (que oportuhamente teremos opartun idade de revelar na quase totalidade, desfazendo assim as dúvidas) ssãa uma prova disso. Maquilo que, no momento da apuhcia açucareira, não passava de armazkm para guarda do aqkar, fez-se erguer em finais da &ula dezaseis urna a s a sobrada que depois foi aumentada e enriqueci& por elementos decorativos ao gosta dos nova inquf inos. A pose pelos inglem a partir de 1794 Iieuau a uma r-trlrturação do espaço interior,-situa* que chegou at& nós em completa estado de ruiria. Por isso a iniciativa da Marconi de reabilitar o prédio, f a m do-o retomar ao ambiente classicista do s k u l ~ passado, dwed merecer a nossa consideração e apreqq sendo, por isso mesmo, um exemplo a seguir para alguns dos espaças privilegiados da nossa cidade. A &cadência da d r c i a do vinho repercutiu-se inevitavelmente na vida dos edifícios da cidade que sempre dependeram dele. Numa operasão de rnimaiçrno entrqram em paulatino

cidade (15082 e depois &e de bispado 11518). Entretanto o a h m o m e n t o da vila continuava. Desde 1495 recomendava-se (i calmtamento das ruas e a suã>stituiçãa das pontes de madeira por n o w de c-ria. Mtas e outrw recmnda~ 6 e 5concernentes ao aprumo da vila não ctrnquiç.: taram sempre a adesã.0 dos furnchalenss que se queixavam das d i f ~ u l d d ~ e 6 r n i a do s com&cio da açIrcar, quando na realidade haviam gasto oç seus haveres em novos aposentos. A cidade, que por comodidade poderemos deignar dos mercadores de .aqúcar, anichau-se j u m an calhau no acanhado espaça entre as ribeiras de Santa Luzia e de S. João.A dos mercadoreç do vinho para a l h de devwar este -aço avanqw e n m aeima, definindo u prolongamento das ruas saidas da dos mercadores (hoje da alfhdega) e de um cruzamento de novas. Mais uma vez a cidade enwu num prolongado proceçso de transformação que Ihe atribuiu parte da actual fisiunm mia. Pensou-se at& em transferi-la para um lugar mais segura no alto de Santa Catarina. Mas o destino atava rraqado pelo que sobre o an~goforam surgindo navos templos para a deva@u e novos e ç p a p para moradia, servidus de amplos armazCns, tudo isto engalanado com a5 latadas de vinhas e rematado com uma imponente cortina defensiva. De noite a cidade intrarnuros wderia donnir descansada. Com o t q u e do sino de correr, m p% haviam-se fmhadu e, por i-, não havia lugar a folgares-fora de horas. Em algumas ruas da cidade, nomeadamente na dos Ferreim e Netas, ainda podernas encontrar testemunhos &$a arquitectura monumental gerada pelo cmkrcio do vinho. Mas sem dúvida os mais>significativos são os edificios d e do Município e do Museu e B i b l i m . No nos* entender &te 6 o conjunto mais rico e, por isso, março emblemAtieo desta bpoca, não abatame ar i I t e r q W a que foi sujeito. No tradicional espqo de anima@ mmmiat, situado na Rua da AlfAMiega e ~ircunviz~a6~~a;cifgem outros testemunhos arquItect6nkw &4& pujança. Alguns dos palácios do tempo de

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Transpwte de vinho

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MADEIRA RECURSOS PARA UM NOVO CICLO SOBRE DESENVOLVIMENTO

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processo de degradação, que em alguns casos levou à total ruína. As dificuldades económicas da ilha reflectem-se de modo evidente na vida dor prédios: as fachadas perdem a cor, os telhados enchem-se de ervas propiciando as infiltraqóes de água no periodo invernal, o que vai propiciar a degradação do espaço interior. A continuidade deste processo conduziu à inevitável ruína em que alguns se encontram. As exigências da hodierna cidade não se compadecem com as concepções de espaço medieval e a sinuosidade das ruas. O automóvel foi protagonista de novas mudanças no traçado da cidade, pois realinhou as antigas vias e fez traçar novas e amplas avenidas. É neste contexto que se insere a política do Dr. Fernáo de Ornelas quando presidente do Funchal (1935-46), com a abertura de ruas e avenidas, destacando-se aquela que recebeu o seu nome. A abertura da Avenida do Mar não admitia intrusos do passado pelo que o emblemático símbolo do porto - o pilar de Banger - teve que ser demolido em 1939. Hoje o pitar amputado regressou b proximidades do seu assentamento inicial, a lembrar aos presentes que pretende continuar a ser parte integrante da cidade, ainda que sob a forma de peça de museu. O remate desta fase teve lugar na década de cinquenta com o aparecimento de alguns exemplares da arquitectura do Estado Novo (Palácio da Iustiça, Banco de Portugal, Alfândega e Capitania do porto). A monumentalidade e o negro das cantarias chocam com o meio envolvente. Por muito tempo na . perdurou . ade este espectro da destruição, que começou a combatido pelo lado mais fácil, com o desaparecimento do antigo para sobre ele se erguer algo de novo. Deste modo, os poucos vestigios dos escombros eram recolhidos num jardim dito arqueol6gic0, que mais nos parece um cemitério, ou enxertados em vetustas construções então restauradas. Só muito mais tarde surgiu a ideia de aliar o espaço definido pelos antigos aos novos hábitos urbanísticoç e comerciais, com a recuperação ou reabilitação de praças e edifícios. Alguns casos poderão ser citados, embora a sua concretiração tenha sido, por vezes, polémica. Assim sucede com a conhecida zona velha da cidade, o largo do Pelourinho e a Alfândega do Funchal. Na actualidade, uma vez que a maior parte do

dinheiro disponibilizado para os investimentos urbanísticos assenta no turismo, será inevitável a conciliaçáo do patrim6nio com os princípios actuais da comodidade. assim que sucede noutros locais e que parece querer despontar entre nós. Este processo de lenta transformação da cidade não é pacifico, merecendo a constante atenção dos políticos e literatos. Destes Últimos retivemos o testemunho de dois, espaçados no tempo de sessenta anos. Em 1927, o Marqub Jácome Correia encarava esta mudança na f i ç i o n ~ mia da cidade como uma adequação 5s uconcep ções de profilaxia e de higiene orientados a princfpios &alinhamento e de comodidade de trânsito*. Opinião diferente expressou António Aragão em livro recente, reeditado em 1 987. Segundo ele .desapareceu quase tudo. Foram devoradas ou abatidas ruas inteiras...tudo levou sumiço restando em seu lugar uma cidade desfeada e incaracteristica. Mas, na verdade, a antiga cidade do Funchal tem vindo progressivamente a desaparecer, mais devido à incúria dos homens do que ao desmando anónimo dos tempos~.

OS TEMPOS H I S T ~ R I C O SE ECON~MICOS DA CIDADE A cidade, como vimos, desenvolveu-se de acordo com as suas funcionalidades económicas, sendo por isso o seu traçado urbanístico fruto dessas épocas de esplendor em que pontuaram de forma clara dois produtos, o açúcar e o vinha, cujos reftexos se dão apenas por força dos dinheiros que trouxeram à ilha e que foram derramados

pelos inúmeros beneficiados. Aqui apenas falare mos destes dois tempos, considerados por n6s como os mais fulgurantes da vida da cidade.

PRIMEIRA ETAPA D A CIDADE: CANAVIAIS E AÇÚCAR A rota do açúcar, na transmigração do Mediterrâneo para o Atlântico, tem na Madeira a principal escala. Foi na ilha que a planta se adaptou ao now ecoçsistema e deu mostras da elevada qualidade e rendibilidade. Deste modo, quem quer que seja

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que se abalanms,urr;iak o b e r t a dos canaviais e no século XV?

do aqkar, na Mia Wmfa origem

tem obrigatoriamente que passar pela ilha. A Madeira mariteve urna posiçãa relwante, por ter sido a primeira I r e do espaça atlântico 9 receber a nova cultura. E por isso mesma foi aqui que se definiram oç píimeirm contornes desta realidade, que teve plena afirmasão nas Antilhas e Brasil. Foi na Madeira que a cana&-aqúcar iniciou a diaspara atlântica, Aqui surgiram os primeiras contornos sociais (a escravatura), técnicos (engenho de água) e pol ftico-ee~nSmicos ttri logia rural) que materializaram a civilizaqãa do acúijçar. Por tudo isto torna-se imprescindível uma analise da situação rnadeirense, caso estejamos interessados em

d@finir,exaustivamente, a civí liraçãio da acúçar rio mundo atlântico. A histbria do açcicar na Madeira conhnde-E com a conjuntura de expanszq eaimpeia e das ,momentos de fulgor do arquipélago. A sua -pe-

senqa 4 multiswcular e deixou rastos e v i d e m na sociedade maddrense. Dos k u l a s XV e XVI ficaram 05 imponentes monumental pintura e a crurivesaria que os ernbelerau e que hoje jaz quase toda no Miiseu de Arte Sacra. Do k u l o XIX e do prirmiro quartel da nasça centúria perduram ainda a maioria dos ehgenhris &ta nova vaga de cultura dos mnaviais. Aqui, s cana diwersificou-se no usa industrial, sendo geradora do dkod, aguardem &, raras vezes, o aqdcar, foi certamente neste m mnto que surgiu a t5o afamada psncha, irmã do pnnche de Cabo Verde e da caipirinha no Brasil. uperar as momentos de fulgor da cultura dos viais e das inddstrfas subsequentes do açúcar, lação, au fabrico de conservas e casquinkír, a objectivo que presidiu a esta breve iwuwão História da AMcar no mundo atllntico, que

na Madeira a primeira expreçsão. Para tçrrm~ acessível a campilaqáo, reunimos um con$e gravuras e fotografias que permitem uma ada ilustraç%oda realidade. Europa sempre w pronfificau a apelidar as de adcrrdo com a oferta de prdutoa ao w da. Deste modo, sucedem-se as &signaCões as do pastel4 do ãçúcar e da vinho. O a ç h r c o m epiteto da Mdrleira e de algumas das rias, onde a cultura foi a varinha de condh ~mns€mmoeia economia e vivhcia da popu-

RECURSOS PARA UM HmC1CLO SGHE

lações. Tamb6m do outro lado da oceano elas se identifimm com o agiicar, uma ver que serviram de ponte h passagem do Mediterrâneo para o Atlântico, Daqui resulta a relev3ncia que assume o estudo da caso particular, quando se pretende fazer a recanstitui q b da rota do açijcar. A Madeira & a ponta de partida, por d d s tipos de razões. Primeiro, porque foi pioneira na exploração da cultura e, depois, na expansão ao espaça exterior pr6ximo ou longínquo, incluindo as Candrias,

U açúcar é de rodos os produtos que acampanharam a diáspom eurapeia aquele que matdw, clim maior relevo, a mundtvi&ncia quotidiana das novas çociedadeç e econamias que#em muitos casos, se afirmaram como wultada dele. A cana sacarina, pelas especificidades do seu cu ltivrr, especializaç5o e morosidade da proce5so de transformaqáo em q8carI implicou uma vivên~iciapartiç u l a ~assente ~ num tural da vida e com Freyw foi o ppimeim, dos estudioços para as bases daquilo a Açúçar: A publicaçãw em 1953 de Casa-Grande $. Senzala foi o prelúdio de nova preocupação e domínio temático para a SQciobgiae a Histciria. A cana sacarina, ao contrário do que sucedeu com as demais pradums e culturas [vinha, cemisl, não se resumiu apenas à intervenção no prwe~so mnQmico. Ela foi marçada par evidentes especificidades capares de m o l d a m a sociedade, que dela se serviu para firmar a sua dimensão económica. A irnparthcia que o sector cornerciai lhe atribciía sonduziu a que fosse uma wttura dorninadora de todo bu quase d a ) o espaço agrícola dispnivel, capar tambCm de WaMecer os conto+ nos de uma nova realidade social, Foi precisamente esta tendCncia envolvente que twm a Historiagrafiã a definir o período da afirmaçáo m a o Ckls do Agúmr. Aqui não estAuarnos perante uma aplicação da teoria $os ciclos econ6micas, mas' pretendia-se subordinar esta tedGncia ,para a afirm a c b da cultura na vida ircon6miea e social com este conceito. A orníiipmeqa da cultura, as múltiplas impliçaq6es que gerou nos apaços m que foi cultivada levaram dguns investigadores a estabelecer um novo modelo de andlise: m ciclos dei pmd u m assentes na manoaltura.

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MADEIRA WECURSQS PARA UM NOVO CICLO SOBRE DESENVOLVIMENTO

O grande erro da Historiografia europeia foi ter encarado a economia açucareira da Madeira ou das Canárias como um retrato em miniatura. O confronto das duas realidades, coisa que ainda ninguém se atreveu a fazer, comprova que a çituaqão não existe, não passando de mera ficção as análises que são colocadas ao nosso dispor. O facto de ambos os arquipélagos terem sido meios de ligação da nova cultura económica do atlântica ocidental não quer dizer que houve uma transplantação total e igual para os novos espaços. As condições ambientais e os obreiros da transformação eram outros, como diversa foi a realidade que o produto gerou. Tudo isto deverá resultar das ciladas do método de análise do processo histórico de forma retrospectiva, onde, por vezes, o facto nos surge como a imagem e consequência. Tal como o provaram os estudos recentes sobre a situação da economia açucareira do Mediterrâneo Atlântico, a conjuntura deste espaço é diversa da americana, seja ela insular ou continental. Também não se poderá colocar a o mesmo nível o caso de São Tom6 que, embora situado no sector ocidental do oceano, se aproxima mais da realidade antilhana do que dos arquipélagos da Madeira e das Canárias. De acordo com esta ideia, de que a civiliza@& aqitar teve apenas uma única forma de exp~ess5ono Atlântico Ocidental e Oriental, partiu-se para afirmações precipitadas na análise da economia e sociedade que lhe serviu de base. Ao açúcar associou a Historiografia, desde muito cedo, a escravatura, fazendo jus à afirmação de Antonil em 171 1 de que BOS escravos são as mãos e os pés do senhor de engenhaii. Aqui também a relação não nos surge tão transparente como 2 primeira vista pode parecer. As cruzadas, de acordo com a Historiografia europeia, foram o princípio da expansão da cultura açucareira e da vinculação aos escravos. Deste modo, nas colónias italianas do Mediterrãneo Oriental surgem os primeiros resquícios da nova dinâmica social que passaria i Sicília e depois à Madeira, donde se expandiram no Atlântico. Diz-se, ainda, que a ligação do escravo, negro ou não, à cultura dos canaviais foi uma invenção do ocidente cristão, não havendo lugar n o mundo muçulmano. Neste contexto surgiu o conceito Plantation, ou plantagem para os brasileiros, a

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definir a organização social, económica e política da agricultura que tinha por base este produto. Sidney Greenfield em 1979, partindo desta ideia, estabeleceu para o arquipélago madeirense uma função primordial na afirmação da escravatura e relações económico-sociais envolventes: a Madeira foi o elo de ligação entre ~MediterraneanSugar Productionw e a uplantation Slaverya, questão a que voltaremos no final. Sucede que a escravatura da Madeira, tal como teremos oportunidade de afirmar, não assumiu uma posição similar a de Cabo Verde, São Tomé, Brasil ou Antilhas, não obstante o surto evidente de produqão açucareira. Aqui o escravo não dominou as relações sociais de produção: ele existiu, sob a condição de operário especializado ou não, mas a posição não era dominante, tal como sucedia nas áreas supracitadas. Por fim acresce que esta hipervalorização do açúcar na História da Madeira levou alguns aventureiros e progenitores de teorias de vanguarda a estabelecer também uma forma peculiar de urbanização do Funchal, de acordo com a preçenqa do açijcar. Deste modo, ao Funchal do século XVI chamam-lhe, sem saberem e explicarem porquê, ucidade do açucar~,quando na realidade a expressão urbanística da cana-de-açúcar é manifestada pela ruralidade. A esta e i 5 demais questões atrhs enunciadas propomo-nos ver qual o fundamento e a possibilidade de vinculação i s manifestações conhecidas da civilização do açúcar na Madeira. O açúcar, acima de tudo, era um complemento fundamental na vida económica da ilha. Sucedeu assim até meados do d c u l o XVI e, depois, a partir de finais do século XIX tudo mudou. A riqueza cumulou os proprietários mas também a arraia-miúda, sendo um factor de progresso social. Com ele ergueram-se igrejas - a Sé do Funchal é um exemplo disso -, amplos palácios que se rechearam de obras de arte de importação de que o recheio do actual Museu de Arte Sacra é evidente testemunho. A art.e flamenga na ilha é um dom do açúcar. O progresso sucioeconórnico da ilha, o seu protagonismo na expansão atlântica - nos descobrimentos e defesa das praças africanas - s o foi conseguido à custa da elevada riqueza acumulada pelos madeiremes. Todos, sem diferença de condição social, fruiram desta riqueza. Até a opulência e

luxúria da própria coroa, 16 longe no reino, foi conseguida, por algum tempo, com o açúcar que a coroa arrecadava na ilha. A implantasão dos canaviais não derivou apenas da disponibilidade de uma reserva florestal e de água para a laboração dos engenhos. A isso deverá juntar-se, necessariamente, as condições oferecidas pelo clima e orografia. Neste contexto as ilhas da América Central e do Golfo da Guiné estarão em melhores condições que a Madeira ou as Canárias. Deste modo, em ambos os arquipelagos a orografia estabeleceu um travão 2 afirmação da cultura extensiva dos canaviais. De acordo com estas condições a produção madeirense dos &u10s XV e XVI nunca ultrapassou as 1 584,7 toneladas, atingidas em 1510. Apenas no presente século, com a expansão dos canaviais de novo a toda a ilha, se conseguiu suplantar este valor, tendo-se atingido em 191 6 as 4 943,6 toneladas. Este incremento da produção açucareira foi travado nos anos imediatos por meio dos decretos de 1934-1935 e 1937 regulamentadores da área de produção. Em S. Tom4 os canaviais tiveram melhores condições para se afirmarem e suplantarem a produção madeirense: na primeira metade do século dezasçeis a ilha, com uma extensão de 857 m2 (mais do que a Madeira - 7281, produzia o dobro, cifrando-se este valor, na primeira metade do século XVI, em 4 950 toneladas; o clima, o solo fizeram com que a produção de açúcar em S. Tom4 cedo suplantasse a madeirense: aí as canas cresciam três vezes mais q u e na Madeira e colhiam-çe duas culturas. O conjunto das 21 ilhas produtoras de açúcar no espaço atlântico oferece um total de 271 993 rn2, dos quais oferece apenas uma ínfima parcela dedicada 5 agricultura. Note-se que, para além da disponibilidade do espaço agrícola adequado a esta cultura, tornava-se necessário a diçponibil idade de uma reserva çilvícola, sem a qual os engenhos não podiam laborar. O caço da Madeira é paradigmatico: aqui a superfície cultivada pouco ultrapassa um terço da 6rea da ilha, sendo o restante espaço constituído pela reserva silvícola. A situação das ilhas do ouwo lado do oceano é também diferente da madeirense; condições distintas das encontradas em S. Tom4 fizeram com que os canaviais se afirmassem ai, a partir do século

dezassete. Deste conjunto de ilhas apenas um reduzido número (S. Cristóvão, Nevis, Antigua, Montserrat) se assemelha à Madeira, em termos orográficos. A i deparamo-nos com ilhas de superfície menor que a Madeira (Antigua, Barbados, Nevis, St. Vicent, Trínidad) mas com uma produção açucareira superior. Facto evidente sucede com as ilhas de Trinidad, Antigua e Barbados, que dispondo de uma reduzida superfície conseguem produzir mais açúcar que a Madeira: a ilha de Trinidad com apenas 301 m2 produziu entre 1850 e 1940 uma média anual de 57 862 toneladas de açúcar, enquanto a Madeira se ficou pelas 1 659 toneladas. Note-se ainda que as ilhas de Montserrat e Nevis, com uma superfície total quase igual à da área ocupada pelos canaviais na Madeira, conseguem atingir valores de produção semelhantes. Diversa é também a estrutura fundiária que serviu de base a esta cultura. Enquanto na Madeira a orografia e o sistema de posse da terra definiram a plena afirmação da pequena e média propriedade, em S. Tomé ou nas Antilhas estávamos perante a grande propriedade, activada pela grande força de trabalho escravo: em Barbados, entre 1650 e 1834, 84% dos proprietários de canaviais era detentor de mais de cinquenta escravos, enquanto na Madeira apenas 2% era possuidor de mais de 10 escravos. Por outro lado, a área dos canaviais assumida por cada proprietário era também elevada, pois 64% destes possuíam canaviais cuja extensão ia de 40 a 121 hectares, situação que estava muito aquém da assumida pelos produtores madeirenses. Na Madeira apenas um produtor se aproxima desse valor (Pedro Gonçalves, com uma área de 36,9 hectares), tendo os demais com valores inferiores: os lavradores com mais de 22 toneladas de producão e com mais de 14 hectares de terreno representam em 1494 apenas 1,3% e 5% para o período de 1509 a 1537. O açúcar da Madeira ganhou fama ao nível do mercado europeu. A sua qualidade diferenciava-o dos demais e fê-lo manter-se como o preferido de muitos consumidores europeus. Deste modo, o aparecimento de açúcar de outras ilhas o u d o Novo Mundo veio a gerar uma concorrência desenfreada ganha por aquele que estivesse em condições de ser oferecido ao melhor preço. Um testemunho disso surge-nos com Francisco Pyrard

...

MADEIRA- RECURSOS PARAUM NOVOCICLOSOBREDESENVOLVIMENTO

de Laval: «Não se fale em França senão no açúcar

gressivo

cultura

em S.

da Madeira

Tomé. A resposta do rei, no ano imediato,

remete

e da ilha de S. Tomé, mas este é uma

bagatela em comparação com o do Brasil, porque na ilha da Madeira não há mais de sete ou oito

para

engenhos a fazer açúcar e quatro ou cinco na de S.

decisão,

Tomé». E refere que no Brasillaboravam nhos que rendiam segundo Madeira.

são vendidas

O mais significativo

novo mercado produtor sociavelmente a Madeira

400 enge-

como

sendo da

desta situação

do

de açúcar é que está indis-

ligado ao madeirense.

Na verdade,

Novo Mundo.

O solo confirmou e de abertura

dos interesses

em jogo

e só

no prazo de um ano, seria tomada

uma

que parece nunca ter vindo.

a exploração

fazia-se directamente

Note-se que

pela coroa e só

a partir de 1529 surgem os particulares

interessa-

dos nisso. Enquanto isto se passava, do outro lado do Atlântico teamento

davam-se os primeiros

das terras brasileiras.

passos no arro-

E, mais uma vez, é

as possibilidades de novo mercado

como os seus obreiros. A coroa insistiu junto dos madeirenses no sentido de criarem as infra-estruturas necessárias ao incremento

da cultura.

Aliás, o

para o açúcar.

primeiro

O íncola foi capaz de agarrar esta opção, tornando-se no obreiro da sua difusão no mundo

coroa contou com a participação dos madeirenses. Em 1515 a coroa solicitava os bons ofícios de

A tradição anota que foi a partir da

Atlântico. Madeira

que o açúcar

recantos

do espaço

chegou

atlântico

aos mais diversos

engenho

alguém

aí erguido

que pudesse erguer

engenho,

enquanto

por

iniciativa

da

no Brasil o primeiro

em 1555

foi construído

e que os técnicos

madeirense

João Velosa

da fazenda

real. Esta aposta da coroa na rentabili-

ção. O primeiro

zação

exemplo

acontece com Rui Gon-

nia da ilha de S. Miguel. sua capitania Lombada,

Na expedição

fez-se acompanhar

que entretanto

raldo, e dos operários

a capita-

de posse da

de canas da sua

vendera

a João Esme-

para a tornar

produtiva.

estes seguiram-se outros que corporizaram tentativas

frustradas

A

diversas

para fazer vi ngar a cana-de-

-açúcar nas ilhas de S. Miguel,

do

brasileiro

levou-a a condicionar cializada,

Com

paulatino encontro

de ir à terra dos mouros.

tais condicionantes

decréscimo

madeirenses

dos canaviais

em Pernambuco

madeirenses se tornaram

canaviais encontraram

condições

para a sua expan-

são. Deste modo, em 1485 a coroa recomendava João de Paiva que procedesse à plantação -do-açúcar.

Para o fabrico

do açúcar

a

de cana-

refere-se

a

presença de «muitos mestres da ilha da Madeira». A partir do século XVI a concorrência

são forçados brasileiros.

a seguir ao Deste modo,

pressente-se

É de salientar

o na

que

e pro-

a presença

alguns

em importantes

destes

proprietá-

rios de engenho, como foi o caso de Mem de Sá e João Fernandes buco.

Vieira,

o libertador

de Pernam-

É a partir daqui que se estabelece

culo com a Madeira, ilegal de açúcar mercado

do açú-

perante

açucareira

e na Baía, entre os oficiais

de engenho

madeirense.

e colocados

da produção

ilhas de Cabo Verde e S. Tomé. Todavia,

de água e madeiras, os

espeAssim,

em 1537 os carpinteiros de engenho da ilha estavam proibidos

prietários

última, pela disponibilidade

dos canaviais

a forja de mão-de-obra

habítat que veio gerar o boom da sua produção, deu-se nos anos imediatos ao descobrimento das só nesta

através

a expensas

que então se fazia na Madeira.

ilha, muitos

Santa Maria e Ter-

ceira. O avanço do açúcar para sul ao encontro

do solo

um engenho

pelo

madeirenses foram responsáveis pela sua implantaçalves da Câmara, que em 1472 comprou

para o Funchal

europeu

Este movimento

continuado

um vín-

através do tráfico ou então para o

com a designação

da Madeira.

seguia as ancestrais ligações entre

car das Canárias e de S. Tomé aperta o cerco ao

os que do outro lado do Atlântico

açúcar madeirense,

cultura e aqueles que na ilha ficavam sem os seus benefícios. Contra isso intervêm os madeirenses e

o que provocou

ção dos agricultores sucedem-se

madeirenses.

as queixas

junto

a natural reacDeste

da coroa,

modo de que

a coroa proibindo

a importação

viam florescer a

deste açúcar para

ficou testemunho

em 1527. Em vereação reuniram-

revenda na ilha. Depois sucederam-se

-se os lavradores

de cana para reclamar

das do município,

coroa contra

68\

desta

notada a presença dos canaviais e dos madeirenses

foi o ponto de partida do açúcar para o

de rentabilização

uma análise

depois,

mais de cem mil arrobas que,

o mesmo,

desenvolvimento

o prejuízo

junto

da

que lhes causava o pro-

membros

a compra

proibindo

outras medi-

a qualquer

dos seus

de açúcar do Brasil. Todavia,

MADEIRA

com o aparecimento do bicho da cana em 161 0 os madeirenses tiveram de se conformar com a entrada do açúcar brasileiro, por isso a edilidade estabeleceu em 161 1 um contrato com os mercadores em que estes se comprometem a expedir do Funchal uma caixa de açúcar da ilha com outro do Brasil. 0 s canaviais foram desaparecendo paulatinamente das terras, dando lugar aos vinhedos. Apenas a conjuntura da segunda metade do século dezanove permitiu o seu retorno. Mas foram efémeras as tentativas para a produção de açúcar, só possível mediante uma política proteccionista. 0 s canaviais perderam a sua função de produtores de açúcar, o ouro branco dos insulares, mas em contrapartida favoreceram uma produção alternativa de mel e aguardente. Daqui resulta as actuais çobrevivências da cultura na Madeira e Canárias. O desenvolvimento socioeconómico do mundo insular articula-se, de modo directo, com as solicitações de economia euro-atlântica: primeira região periférica do centro de negócios europeus, ajustou o seu desenvolvimento económico hs necessidades do mercado europeu e as carências alimentares europeias; depois, mercado consumidor das manufacturas de produção continental em condições vantajosas de troca para o velho continente; e, finalmente, intervém como intermediário nas ligações entre o Novo e Velho Mundo. Note-se que, a partir de princípios do século XVI, o Mediterrâneo Atlântico define-se como centro de contacto e apoio ao comércio africano, indico e americano. A tudo isto acresce que os interesses da burguesia e aristocracia dirigente peninsular entrecruzam-se no processo de ocupação e valorização económica das novas sociedades e economias insulares. Esta componente peninsular é reforqada com a participação da burguesia mediterrânica, atraída por novos mercados e pela fácil e rápida expansão dos seus negócios. Por isso, um grupo de italianos, mais o u menos ligados a s grandes sociedades comerciais mediterrânicas, participa activamente no processo de reconhecimento, conquista e ocupação do novo espaço atlântico. Com efeito, eles interessaram-se pela conquista do arquipélago canário, pelas expedições portuguesas de explora$0 geográfica e pelo comércio ao longo da costa ocidental africana. A sua penetração no mundo insular ficou assim facilitada, o que os levou a

-

alcançar uma posição muito importante na sociedade e na economia insulares. O investimento de capital de origem mercantil, nacional ou estrangeiro, surgiu apenas numa óptica da nova economia, afirmando-se como gerador de novas riquezas adequadas a um aproveitamento comercial. Assim, o comércio foi o denominador comum para os produtos a introduzir, sendo valorizados aqueles activadores da nova economia de mercado. Aqui, a cana-de-açúcar e o cobiçado produto final, o açúcar, detêm uma posição cimeira. A Madeira foi no começo o mais importante entreposto. Os descobrimentos aliam-se ao comercia e, por isso, desde meados do século XV, manteve-se um trato assíduo com o reino, activado com as madeiras, a urzela, o trigo e, depois, com o açúcar e o vinho. Este movimento alargou-se 5s cidades nórdicas e mediterrânicas, com o aparecimento de estrangeiros interessados no comkrcio do açúcar. O arquipélago canário, tardiamente associado ao domínio europeu, manteve desde o século XVI um activo comércio com a Peninsula. Neste tráfico intervêm os peninsulares e os italianos. Após a conquista, castelhanos, portugueses e italianos repartem entre si o comercio das ilhas. 0 s flamengos e os ingleses, que delinearão as rotas de ligação ao mercado nórdico, surgem num segundo momento. Múltiplas descrições, de finais do século XVI, evidenciam a posição dominante das Ilhas de Tenerife e Cran Canária na economia do arquipélago. O comércio do açúcar do mercado insular, que ficou circunscrito às ilhas de Cran Canária, Transporte de vinbo

-

MADEIRA =URSOS

PARA UM NOVO CICLO SOBRE DESENVOLVIMENTO

Tenerife, La Palma, La Comera e Madeira, foi o principal activador das trocas com o mercado europeu. Na Madeira ele assumiu urna posição dominante na p d u @ o e com6rcio entre 1450 e 1550, enquanto que nas restantes praças surge apenas em princípios do século XVI, tendo assumido idêntia posição na d h d a de trinta. O regime do comércio do açúcar madeirense nos séculas XV e XVt segundo opinião de Vitorino Magalh3eç Godinho, uvai oscilar entre a liberdade fortemente restringida pela intervenção quer da coroa quer dos poderosos grupos capitalistas, de um lado, e o monop6lio global, primeiro, posteriormente um conjunto de monopólios, cada qual em =fação com uma escdpula de outra bandai. Deste modo o comércio apenas se manteve em regime livre at4 1469, altura em que a baixa do preço veio condicionar a intervenção do senhorio, que estipulou o seu exclusiva aos mercadores de Lisboa. Ao madeirense, habituado a negociar com os estrangeiros, isto não agradou. Mesmo assim, o Infante D. Fernando k i d i u em 1471 estabelmer o monopõlio de uma companhia formada por Vicente Gi I, Alvaro Esteves, Baprista Lomelim, Francisco Calvo e Martim Aneç Boa Víagem. Desta decisão resultou um aceso conflito entre a vereação e os referidos contratadores. Passados vinte e um anos, a ilha debatia-se ainda çom uma conjuntura difícil no comércio açucareiro, pelo que a coroa retomou em 1488 e 1495 a pretensão do monopblio, mas apenas conseguiu impor um conj wnto de medidas regulamentadoras da cultura, &a e codrclo, que ocorrem em 1490 e 1496.

rn 1498 foi tentada uma o esm'belecimento de um conv i m mil arrobas para exportapor diversas escâpulas europeias. Esiabilizada a produç30 e M n i d o s os mercados do açúcar, a economia madeirense não necessitava de tão rigorosa regulamentação, pelo que em 1499 o monarca a&u com algumas das prerrogativas estipuladas no ano anterior, mantendo-se, nn manto, até 1508 o regime de contrato para a sua venda, pois s6 nesta data foi rewgada toda a legisla%& m'b,ftcando o seu trato em regime de total liberdade. Assim o definiu o forai da capi-

tania do Funchal, em 1515, ao enunciar que ditos açúcares se poderão carregar para o Lav e Poente e para todas outras partes que os merca dores e pessoas que os carregarem aprouver se lhe isso ser posto embargo algumr. O corn&rdo do açúcar destaca-se no merca madeirense dos séculos XV e XVI como o princi animador das trocas com o mercado europe Durante mais de um século a riqueza das gent da ilha e o fornecimento de bens alimentares artefactos dependeu do comércio do produto. mesmo sucedeu nas Canárias, a partir do dculo XVI. Todavia, neste periodo a sua venda e valor sofreram diversas oscilações, mercê da conjuntura do mercado consumidor e da concorrência dm mercados insulares e americanos. O dispêndio do açúcar do lavrador fazia-se de forma diversificada, As vendas directas aos mercadores, muitas vezes de antemão, asmciarn-se os pagamentos de dívidas ou por trocas de produtos e serviços. A tendência é para a disçerninação pelos pequenos compradoreç, acabando com os intereses rnonopolistas de algumas casas comerciais, que haviam dominado o comércio na época de apogeu. O açúcar foi, durante mais de um século, o principal activador das trocas da Madeira com o exterior. As dificuldades sentidas com a penetrago no mercado europeu levaram a coroa a intervir no sentido de manter um comércio controlado, que a partir de 1469 passou a ser feito sob o permanente olhar do senhorio e da coroa. A situação manteve-se até 1508, altura em que a coroa aboliu o regime de contrato. A partir de uma das medidas tomadas pela coroa (o contingentamento de 1498) para defesa do mercado do açúcar madeirense poder-se6 fazer uma ideia dos principais mercados consumidores. As praças do Mar do Norte dominavam o comércio, recebendo mais de metade das escápular estabelecidar: aqui a Flandres adquire uma posição dominante, o mesmo sucedendo com os portos italianos para o espaço mediterrânico. A partir de princípios do dculo XVI o comércio do açúcar diversifica-se. A Madeira, que na centúria de quatrocentos surgira como o ijnico mercado de produção, debater-se-á, a partir de finais desse século, com a concorrência do aqúcar das Canárias, de Berberia, de S. Tomé e, mais tarde, do Brasil e das Antilhas. Estas possibilidades

1

*os

mercadores e comprado-

INVESTIMENTO E OSTENTAÇÃO

lusão do comércio açucaf e ~ n * no mercado europeu (Flo-

,i&&),sendo o mais caro. Talvez v&ismo encontramos com freias'.& escala na Madeira de embaro seu comercio com as Caná'Tomé. Estasituaçãodeveria,de icar a venda de aqúcar madei.no ano de 1505. açucareiro na primeira metade do ominado na Europa do Norte pelas ral do Atlântico, nomeadamente, entre ,Madeira, Tenerife, Cran Canaria e La im, na década de trinta os navios norpados neste comércio dirigiam-se preente a esta área. Convém anotar que a das embarcações que rumavam a Marroescala na Madeira a ida e no regresso, o irou a Madeira no comércio com a NorA situação dominante do mercado madeiperdurou nas décadas seguintes, não obsa forte concorrência da ilha de S. Tomé que mou, entre 1536 e 1550, como o principal cedor de açúcar iFlandres. Todavia, esta ão cimeira da ilha de São Tome só é patente Madeira, que até i primeira metade d o o dezasçeiç foi um dos principais mercados úcar do Atlântico, cede lugar a outros (CanáS. Tome, Brasil e Antilhas). Deste modo as desviam-se para novos mercados, colocando numa posição difícil. 0 s canaviais foram onados na quase totalidade, fazendo perigar nutenção da importante indústria de consere doces. O porto funchalense perdeu a animaque o caracterizara noutras épocas. É aqui que e o arquipélago vizinho. O comkrcio canário, ado nos mesmos produtos que o madeirense, r i um forte concorrente na disputa dos mercados hórdico e mediterrânico. Os produtos dos dois arquipélagos surgem, lado a lado, nas praças de Londres, Anvers, Ruão e Génova. A Única vantagem do madeirense resultava de ter sido o primeiro a penetrar com o açúcar e o vinho no mercado europeu, ganhando a preferência de muitos vendedores e consumidores.

O Funchal foi, no decurso dos séculos XV e XVI, o principal centro do arquipéIago. Desde os primórdios da ocupação da ilha que o lugar, como vila e desde 1508 como cidade, foi o centro de divergência e convergência dos interesses dos madeirenses. sua volta anichou-se um vasto hinterland agrícola, ligado por terra e mar. O povoado, traçado por João Gonçalves Zarco, começou por ser a sede da capitania do mesmo

A

nome, mas a riqueza do vasto hinterland projectou-o para ser a primeira e única cidade e porto de ligação ao mundo. Machico perdeu a batalha da sua afirmação, porque os seus capitães não foram capazes de acompanhar o ritmo dos funchalenses. O progresso e importância do Funchal foi rápido. De vila passou a cidade e sede do primeiro bispado, e depois arcebispado, das terras atlânticas portuguesas. Tudo isto levou a que no terreno evoluíssem o traçado urbanístico e a construção de imponentes ed ifícios. As palhotas, dispostas de modo anárquico, vão dando lugar a casas açsoaIhadas, alinhadas ao longo de arruamentos paralelos 5 costa e em torno da praqa que domina o templo religioso. O capitão, de Santa Catarina, avançou encosta acima até se fixar no alto das Cruzes, no espaço dominado pelo actual Museu da Quinta das Cruzes. Do outro lado, no Cabo do Calhau, surgiu o burgo popular, dominado pelo mar e pela rua que o ligava 5 ermida de Nossa Senhora da Conceição de Baixo. Foi a partir dai que avançou o núcleo urbano que mais tarde veio a dar origem à cidade. Do nicho do cabo do Calhau, passou-se a Ribeira Santa Maria (hoje de João Gomes) e aos poucos conquistou-se espaço aos canaviais para traçar ruas e erguer casas de sobrado. O próprio duque, D. Manuel, deu o exemplo, doando em 1485 o seu chão de canaviais, conhecido como campo do Duque, para nele ser traçada uma praça, se construir a igreja, os Paços do Concelho, TabeIiães e Alfândega. Ligando tudo isto estava a Rua dos Mercadores, hoje da Alfândega, donde partiram novos arruamentos que deram espaço e vida ao quotidiano dos mercadores. São exemplo disso a Rua do Sabão, João Esmeraldo. Perante nós estão dois percursos: dum lado o capitão que avança pelo extremo ocidental do vale até ao alto das Cru-

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MADEIRA RECURSOS PARA UM NOVO CICLO SOBRE DESENVOLVIMENTO

Transporte de vinho

zes e depois desce até 21 cidade manuelina. Do outro os companheiros do navegador, a gente obreira, que mantêm o convívio com o mar, avançando ao longo da linha da água ao encontro da cidade dos mercadores e artesãos. Para muitos a 54 é o emblema da cidade do Funchal. O templo foi mandado construir por ordem de D. Manuel, iniciando-se as obras em 1493. Construída para ser a principal paróquia da vila, acabou por ser a sede do novo bispado, criado em 1514 por Leão X a pedido de D. Manuel. A sua sagração ocorreu em 18 de Outubro de I51 7 . Note-se que este monarca demonstrou uma predilecção especial por este templo, cumulando-o de ofertas: a pia baptismal, o púlpito, a cruz processional. Aqui se misturam vários estilos. São evidentes os traços do manuelino: fachada, ábside, púlpito e pia baptismal. O barroco está patente na5 capelas laterais, como sucede com a do Santíssímo Sacramento. Do conjunto chama-se a atenção para o cadeira1 que se apresenta com duas ordens de cadeiras, ricamente trabalhadas. Em madeira dourada sobressaem esculturas com cenas bíblicas e do quotidiano madeirense do século XVI. Borracheiros e escravos convivem com santos e outros populares em poses consideradas pouco dignas para o local onde se encontram. A primitiva Alfândega do Funchal foi criada em 1477 no largo do Pelourinho por ordem da Infanta D. Beatriz, como forma de controlar a arrecadação dos direitos que recaíam sobre a entrada e saída de

mercadorias. Não sabemos onde esta funcionou no princípio, pois só teve edifício próprio a partir do século XVI, por plano de O. Manuel. Aí esteve a alfândega até 1962, altura em que mudou para modernas instalações. O edifício antigo ressuscitou das ruínas com o processo autonómico, ao ser adaptado para sede da actual Assembleia Legislativa Regional da Madeira, inaugurada em 4 de Dezembro de 1987. O projecto de adaptação é da autoria do arquitecto Chorão RamaIho. Nesta adaptação salvou-se o que ainda restava da época manuelina. As Salas dos Contos e do Despacho são os melhores testemunhos da época. Aí são visíveis o tecto de alfarge, arcarias góticas com capitéis das colunas e míçulas com decoração de elementos vegetais e figuras humanas, o portal armoriado da fachada norte e restos de arcarías góticas no interior. Parte substancial desta riqueza em pintura flarnenga, maioritariamente do século XVI, pode ser considerada uma dádiva do açúcar. Com este produto os madeirenseç conçeguiram elevada riqueza que ostentaram nas suas capelas privadas ou em ofertas aos oragos da sua devoção. Há a salientar ainda algumas transacções directas de açúcar por estas pinturas nos grandes centros artísticos da Flandres. Igual comportamento teve a coroa para com os madeirenses. D. Manuel foi um dos que cumulou de tesouros alguns templos da ilha. Está nesse caso a famosa cruz procesçional, oferecida h Sé do Funchal. Deste primeiro momento da cidade, que alguns teimam em chamar cidade do açúcar, pouco resta. Tudo isto porque a cidade não parou e continuou protagonista activo no panorama económico atlântico por força do comércio do vinho. No dculo XVI o prémio para este surto urbano está na elevação do povoado a cidade (1 508) e na instalação do primeiro bispado atlântico em 1514. Não é fácil encontrar no núcleo urbano rasgos que nos levem a afirmar que tivemos n o Funchal uma cidade influenciada arquitectonicamente pela cultura dos canaviais e produção do açúcar. Na verdade, os canaviais e os engenhos estão próximos do núcleo urbano, mas não influenciam o seu traçado. A sua presença e influência é apenas indirecta, pois faz-se através dos dinheiros que propiciou aos madeirenses para erguerem igrejas e capelas recheadas

/ de obras de

arte. Também não colhe aceitação hir-

: toriográfica a ideia de que o Funchal foi a primeira I cidade construída por europeus no espaço atlântico. Se quisermos manter semelhante epíteto devemos emendar para o atlântico portuguêç. A Hisiória, que não está ao serviço de ninguém e muito menos da atrevida ignorância, denuncia que antes do Funchal já Teguise e Rubicão (Lanzarote} e Betancuria (Fuerteventura)estavam ocupadas pelos

portugueses. E por outro Iado antes de o Funchal atingir a categoria de cidade em 1508 já Teguise, Betancuria, Las Palmas e La Laguna o eram. A firme certeza é que o Funchal foi a primeira cidade construída pelos portugueses fora da Europa, pioi I neira na sua origem e evolução, e que adquiriu o estatuto de modelo para a presença portuguesa no Atlântico.

A SECUNDA ETAPA D A CIDADE: A VINHA, O VINHO

O Vinho da Madeira, desde tempos recuados, adquiriu fama no mundo colonial europeu, tornando-se a bebida preferida do militar, do expedicionista, do aventureiro, em terras da América ou da Asia. Escolhido pela aristocracia colonial, o vinho manteve-se com lugar cativo no mercado londrino, europeu e colonial. O ilhéu desde o Último quartel do século XVI fez mudar os canaviais por vinhedos, os quais alastraram a todas as terras cultivadas, devorando a floresta a sul e a norte. Nesta autêntica febre viticola o madeirense esqueceu que devia semear cereais e plantar árvo.&s de fruto. O vinho era a única fonte de sustento, pois com ele se adquiria o alimento necessário, trazido pelas embarcações americanas, ou a induria e manufacturas europeias, nomeadainglesas, onde tudo era trocado por pipas de eu a Madeira, desde o século XVII a princído XIX, embalada pela opulência derivada do ércio do vinho e, com ião avultados proven, o madeirense adquiriu o luxo exuberante do io aristocrAtico londrina. O íncola habituou-se A a das cortes europeias, copiou os hábitos inglee, nas quintas rodeadas de sumptuosos vinhee jardins, rivalizava-o no mais ínfimo porrne-

nor. A presença da vinha na Madeira, que surge com os primeiros colonoç, era uma inevitabilidade no mundo cristão. O ritual religioso fez do pão e do vinho os dois elementos substanciais da sua prática, fazendo-os sirnlbolos da essência da vida humana e de Cristo. Por isso o vinho e o pão avançaram conjuntamente com a Cristandade, levados por monges e bispos. Tal realidade veio revolucionar os hábitos alimentares do Ocidente cristão, a partir do século VII, estabelecendo o pão e o vinho como símbolos do sustento humano. Em meados do século XV, com o processo de ocupação e aproveitamento da ilha, é dada como certa a introdução de cepas vindas do reino e mais tarde as célebres do Mediterrâneo. loáo Gonçalves Zarco, Tristão Vaz Teixeira e Bartolomeu Perestrello, que receberam o domínio das capitanias do arquipélago, sob a direcção d o monarca e do Infante D. Henrique, procederam ao desbravarnento e ocupação do solo com diversas culturas trazidas do reino - o trigo, a vinha e a cana. Num lapso de tempo a paisagem da ilha transformou-se: das escarpaç brotaram as culturas e o denço arvoredo foi cortado para construir habitações, erguer latadas. Nas planuras ribeirinhas do oceano, onde havia local para varar um barco, surgiu o Homem na fúria constante contra a natureza, a traçar socalcos que fez decorar de dourados trigais e de verdejantes canaviais e vinhas. No Funchal do funcho fez resplandecer os campos de trigo entremeados, aqui e acolá, por canaviais e vinhedos. Em Câmara de Loboç, depois de afugentados os lobos marinhos, subiu encosta acima de picareta na mão, traçando o rendiIhado dos çocalcos onde fez plantar a videira em vistosas latadas. Foi desta forma que a vinha conquistou o solo ilhéu em todas as direcções, tornando-se o vinho um produto importante na actividade agrícola do ilhéu. Já em 1455 Cadamosto ficara dedumbrado com o que viu na área vitícola do Funchal: *...tem vinhos, mesmo muitíssimo bons, se se considerar que a ilha 6 habitada há pouco tempo. São em tanta quantidade, que chegam para os da ilha e se exportam muitos deles*. O vinho na Madeira do século XV apreçentava-se já como um produto competitivo do trigo e do açijcar, com grande peso na economia local, sendo desde o início um potencial produto do

mercado externo da ilha. 0 s testemunhos abonatórios da importância no com6rcio externo são múltiplos. Shakespeare não se faz rogado numa insistente alusão em algumas das peças de teatro que o imortalizaram. 0 s trigais e canaviais deram lugar hs latadas e balseiras e a vinha tornou-se na cultura exclusiva do colono madeirense, 2i qual deu todo o engenho e arte. Tudo isto projectou o vinho para o primeiro lugar na actividade económica da ilha, mantendo-se por mais de três séculos. O ilhéu, desde o último quartel do s6culo XVI, apostou em exclusivo na cultura da vinha, tirando dela o necesshrio para o seu sustento diário e, igualmente, para manter uma vida de luxo, com sumptuosos palAcios e igrejas. Se em 1547 Hans Standen refere que a economia da ilha se define pelo binbmio vinho/açúcar, já em 1578 Duarte Lopes colocava o vinho em primeiro lugar nas exportações, e em 1669 o cônsul francês afirmava que o vinho era o principal neg6cio da ilha. Toda a documentação dos séculos XVIII/XIX é unânime em considerar o vinho como a principal e total riqueza da ilha, a única moeda de troca. A Madeira não tinha mais com que acenar aos navios que por a i passavam, ou a demandavam, senão o copo de vinho. Tudo isto fez aumentar a dependência da economia madeirense. Contra esta política exclusivista imposta pelo mercantilismo inglês se manifestaram quer o governador e capitão general Sa Pereira, em regimento de agricultura para o Porto Santo, quer o corregedor e desembargador António Rodrigues Veloso, em 1782, nas instruções que deixou na Câmara da Calheta, quando a i esteve em alçada. Mas foi tudo em vão, ninguPm foi capaz de frenar a ufebre vitícolaa;nern de convencer o viticultor a abandonar a vinha, num momento em que o vinho da ilha tinha grande procura no mercado internacional. E, mesmo assim, poucos eram os anos em que a colheita era suficiente para satisfazer a grande procura. Por isso, socorria-se dos vinhos inferiores do Norte e at6 mesmo do vinho dos Açores e das Canárias para poder saciar-se o sedento colonialista europeu. Desde o século XV que o ilhéu traçou a rota no mercado internacional, acompanhando o colonialista nas suas expedições e fixação na Ásia e na América. O comerciante inglEs, aqui implantado

desde o século XVII, soube tirar partido do pr duto, fazendo-o chegar em quantidades volumosa às mãos dos seus compatriotas que se havia espalhado pelos quatro cantos do mundo colonial europeu. O movimento do comércio do vinho da, Madeira ao longo dos séculos XVI11 e XtX imbrica -se de modo directo no traçado das rotas marítimas coloniais, que tinham passagem obrigatória na, ilha. A estas rotas fundamentais juntavam-se outras! subsidiárias, quase todas sob controlo ingl&s: sãoj as rotas da Inglaterra colonial que fazem do Funchal porto de refresco e carga de vinho no seurumo aos mercados das índias Ocidentais e Orientais, donde regressavam, via Açores, com o recheio colonial; são os navios portugueses da rota das fndiaç, ou do Brasil, que escalam a ilha onde recebem o vinho que conduzem às praças lusas; são, ainda, os navios ingleses que se dirigem h Madeira com manufacturas e fazem o retorno tocando Cibraltar, Lisboa, Porto; e, finalmente, os norte-americanos que trazem a5 farinhas para os madeirenses e regressam carregados de vinho. Por todas estas razões o vinho ilhku conquistou, desde o século XVI, o mercado colonial em Africa, Ásia e América, afirmando-se até meados do s&culo XIX como a bebida por excelência do coIonialista e das tropas coloniais em acção. Regressado o colonialista h sua terra de origem, depois do surto do movimento independentiçta, trouxe na bagagem o vinho da ilha e f6-lo apreciar pelos seus patrícios. O momento de apogeu da exportação do vinho da ilha para estes mercados situa-se entre finais do s6culo XVIII e principio$ do século XIX, altura em que a saída atingiu a média de 20 000 pipas. Durante este perlodo mais de 2/3 do vinho exportado destinava-se ao mercado colonial americano, de que se destacam as Antilhas, as , plantações do sul da América do Norte e Nova lor- : que. A primeira metade do s&culo XIX 4 pautada por uma acentuada alteração na geografia do mercado consumidor do vinho da Madeira. É o período de afirmação dum novo mercado para cobrir as exigências de novos e vel hoç apreciadores. A Inglaterra e a Rússia tomaram o lugar do mercado colonial a partir de 1831. A juntar a esta mudança temos a concorrência do vinho de França, Espanha e Cabo. Mais uma ver o curso da Histbria nos atraiçoou. O fim das

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guerras europeias, em princípios do século XIX, abriu as comportas do vinho europeu ao potencial mercado colonial asiático e americano. A retirada do cotonialista das áreas colonizadas fez perder o gosto pelo vinho da ilha. Os primeiros sintomas disto surgem a partir de 1814, agravando-se de ano para ano. As colheitas de 1819 a -1 821 rnantiveram-se estagnadas nos armazéns, por isso em 1820 vinte mil pipas aguardavam comprador. O retrato da situação está patente na voz desesperada do homem da época: rEstão as casas ricas de vinho, pobres de sustento e de alimento*. Por tudo isto, a recordação do período que decorre dos anos de 1840 a 1860 faz-se com muita dor e lágrimas. Foi a época de maior sofrimento do íncola. A única solução possível foi a emigração madeirense, mercê da solicitação e aliciamento de ingleses e seus acólitos, que fez com que a força de trabalho do ilhéu chegasse a longínquas paragens a substituir os escravos, agora feitos l ibertoç. Entre 1840 e 1850 o madeirense perdeu o amor a sua terra e foi ao encontro dum novo paraíso fugaz, criado pelo inglês nas Antilhas.

A ARTE DO VINHO Os séculos XVIII e XIX são momentos de evidente aposta na vatorização da arquitectura e arte rnadeirenses. Apagados os momentos difíceis que sucederam i euforia açucareira dos séculos XV e XVI, de novo a ilha está envolta em novo momento de fulgor económico, desta feita criado pelo vinho. A grande aposta na cultura da vinha e a valorização do vinho no mercado consumidor colonial conduziram inevitavelmente a uma desusada riqueza que foi usada em benefício próprio por todos os intervenientes. 0 s grandes proprietários aformosearam a s suas casas de residência. Os mercadores, nomeadamente os ingleses, transformaram as vivendas sobradadas de cidade em lojas e escritórios de convívio, e a5 casas solarengas e quintas adaptaram-nas ao seu gosto e exigências de conforto. Os artefactos ingleses invadiram o mercado madeirense e dão-nos meios mais adequados para a afirmação do conforto diário. A isso junta-se o gosto pelo clássico. A tosca e utilitária mobilia,

muitas vezes feita de madeira que do Brasil transportava o açúcar para a ilha, dá Iugar ao mobiIi6rio estilizado. A chamada mobília Chippendale e Hepplewhite - sofás e cadeiras - dá o toque de classe e compõe o ambiente para os saraus dançantes ou o célebre chá das cinco. 0 s museus da Quinta das Cruzes e Frederico de Freitas são hoje os depositários de alguns dos exemplares mais significativos que resistiram ao uso secular. O espaço interior é valorizado. A casa torna-se no principal centro de convívio. Daqui resulta que os espaços interiores se transformaram. Surgem as amplas salas ou salões de música, palcos de inúmeras festas e saraus dançantes. Isabella de França, em meados do século XIX, descreve-nos um destes bailes em que participou na casa do cônsul inglês. É um entre muitos os testemunhos deste luxo e exuberância da sociedade oitocentista, gerados pela riqueza do vinho. O espectáculo é mais evidente no cerimonial de recepção que no baile propriamente dito. As fileiras de carros de bois e palanquins transportam as senhoras vergadas pelos sumptuosos vestidos. As tais usaiaç de balãon que deram título ao romance de Ricardo Jardim têm como pano de fundo outro ambiente do quotidiano da época. Os tectos das salas onde aconteciam os saraus dançantes ou para recepqão aos convivas são de estuque profusamente trabalhados e muitas vezes pintados. Em muitos dos edifícios da época é evidente esta moda trazida pelos ingleses para a ilha. As decorações alusivas hs da Grécia e Pompeia criadas por Roberto e James Adam são a principal evidência disso e tiveram na casa do capitão Eusebio Cerardo de Freitas Barreto, hoje sede da Marconi na ilha, a sua mais perfeita expressão nos tectos do salão de música. E assim a História de muitos dos prédios que se anicham nas ruas vizinhas do cabrestante e da alfândega que foram alvo preferencial dos mercadores estrangeiros chegados ao Funchal, n o decurso do século XVIII, atraídos pelo comércio do vinho. Muitas das pequenas casas térreas são demolidas para dar lugar 2s sobradadas, servidas de amplas caves para as pipas, sobrados de habitação e escritórios. Uma imponente fachada ornada de cantarias, ferragens e uma torre avista-navios dão o tom característico da arquitectura do vinho na ilha. Um exemplo apenas entre os muitos posçí-

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veiç evidencia a evolução: o edifício sede da Marconi no Funchal- que agora mudarA para sede do Tribunal de Contas na RAM - surge hoje como um espaço de relevante protagoniçmo, que o filia na presença de João Esmeraldo na rua de seu nome. Sabemos que este mercador fiamengo ergueu em finais do século XV defronte do paldcio umas casas térreas para o çeu serviqo. Foi aqui que Eusébio da Silva Barreto fez construir outras de sobrado, onde se instalou após o seu casamento a 27 de Maio de 1686. Nos ascendentes de ambos P evidente as liga~õesaos Bettencourts, Azevedos, Ornelas e Vasconcelos. A sua esposa era neta, pela parte materna, de João de Ornelas de Vasconcelos. Entretanto, em 1699, por morte de António CarvaIhal Esrneraldo, sucedeu-lhe como administrador do rnorgadio do Vale da Bica o seu sobrinho Aires de Ornelaç e Vasconcelos. Esta mudança do morgadio para a casa vinculada dos Ornelas, com importantes interesses fundiários n o Caniço, deverá ter propiciado o acesso de Eusébio da Silva Barreto ao convívio dos Ornelas e certamente a posse das referidas casas térreas da Rua de João Esmeraido. A 23 de Março de 1718, Eusebio da Silva Barreto vergava sob os efeitos da doença e velhice. Morreu, deixando entregue aos seus herdeiros um vasto património que na acto das partilhas se desfez. A frente da casa sucedeu-lhe Nicolau Geraldo de Freitas Barreto que ficou como seu testamentário, por isso tendo direito a sua terça nos bens agora partilhados pelos herdeiros. Nicotau Ceratdo casou com Isabel luliana Betencourt de Menezes e Atouguia, filha do capitão do presídio de S. Lourenço, Amaro de Atouguia e Bettencourt. A sua estirpe nobre fez com que atingisse a patente de capitão e em 3 de Maio de 1731 foi a sua coroaqão máxima com a carta de armas. Este título deve ter-lhe custado muito caro, pois em 20 de Abril de 1731 foi forçado a pedir um empréstimo de 307$500 rs, deixando como hipoteca as fazendas de Santo António e S. Gonçalo. Mas maiores dificuldades se sucederam com os compromissos de entrada de seis filhas no convento de Santa Clara, entre 1 739 e t 751. Mesmo assim, em 1742 ainda possui os meios suficientes para comprar terras na Camacha a Ant6nio Machado de Moura por vinte e seis mil reis. Terá sido neste período, a partir de 1718, que

este, como principal inquilino dos aposentos da Rua de João Esmeraldo, procedeu a algumas transformações. A data de 1732, como o momento de concessão da carta de armas, poderá indiciar o momento em que fez obras no salão principal do primeiro andar, construindo o referido oratório, que depois cobriu com uma pintura que ornava as suas armas. Outras duas hipóteses são possíveis: em 1748, altura do registo da carta de armas no Tombo da CSrnara d o FunchaI; ou 1758, pois nesta data pediu um empréstimo 2 Santa Casa no valor de 80$370 rs, dando como fiança a fazenda de S. Gonçalo e a própria casa onde vivia. No compromisso do empréstimo e hipoteca da casa ficara estabelecido o pagamento desta quantia a partir de Julho do ano imediato. Mas a vida não parece ter-lhe corrido de feição. A hipoteca perdurou, sendo em 1794 de 1 21 7$390 rs, com juros acumulados de 909$731 rs. Perante esta delicada situação os filhos não conseguiram segurar o património e decidiram vender as referidas casas a Lamar Hill Bisset & Co. Saldada a dívida, restaram ainda 1 200$000 rs. Esta transacção marca o início de uma nova fase da rua. O comércio do vinho estava no seu auge e quase todos os seus edifícios estavam reservados a armazéns de vinhos. Algumas das principais casas comerciais de súbditos ingleses têm aí ou nas proximidades as suas instalaçóes. A atracção estrangeira por esta rua surgiu em 1704 com Benjamim Hemingl que alugou os velhos aposentos de João Esmeraldo a Agostinho Dornelas e Vasconcelos. Em 1727 foi a vez de lohn Bissett, seguido do Dr. Richard Hill, que em 1739 montou o seu escritbrio no número 39. A estes juntaram-se em 1802 a firma Newton Gordon, Murdoch & Co que arrematou em praça pública um prédio da Misericbrdia por 1150$000 rs. Depois tivemos Cordon Duff & Co, que comprou o imóvel de Josédo Egipto da Costa, foreiro de Santa Clara, por 3 626$700 rs. Em data que desconhecemos, Gordon Duff & Co adquiriu o prkdio que fora de Nicolau Geraldo à firma americana Hill Bisset & Co e ampliou com os grankis fronteiriços do lado d o Beco do Assucar, de Nuno de Freitas Lomelino. Ambos foram vendidos em 1859, por 3 800$000 rs, a JamesAdam Cordon Duff,ficando o edifício que o confrontava a norte na posse da

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viúva. O acto de venda teve lugar no número doze, pertencente 5 propriedade da viúva do proprietiirio do imóvel transaccionado, onde então vivia Diogo Bean. Pelo menos desde 1855 usufruía de todos os aposentos, onde residia e tinha o escritório e, parte deles, subalugados a diversos inquiliNa posse de Jameç Adam Gordon Duff o edificio conheceu um momento de fu tgor e por isso ter-se-ão sucedido algumas alterações no espaço interior, sendo desta época a construção da sala de mtjsica e os estuques pintados. De novo as dificu Idades começaram a surgir aos seus inquilinos. Para isso contribuiu a contracção do mercado do vinho desde os inícios do século dezoito e as crises de produção motivadas pelo oídio (1852)e filoxera (1872), que quase deram o golpe de finados a este produto. E com isso a maior parte dos ingleses fez as malas e rumou a outras paragens. As casas, até entáo apinhadas de pipas de malvasia, quase pareciam fantasmas. Deste modo Elisa lennet Duff, viúva de James Adam Gordon Duff, optou em 1875 pela venda destes aposentos à Sociedade Cooperativa de Consumo e Crédito do Funchal SARL, representada por personalidades ilustres da cidade: Jo& Leite Monteiro, Manuel José Vieira e Augusto Mourão Pitta. O imóvel foi mais tarde, certamente em 1916, vendido a José Figueira Jiinior por quarenta contos. Termina aqui a fase de ampliação e engrandecimento, iniciando-se a de prolongada decadencia. E, hoje, depois de reme delado é a sede da Marconi na Madeira. Ao percorrer as Ruas da Carreira, Netos, Pretas,

Muraria, Mercês! Nova de S. Pedro, Conceição, aranhas, Ferreiros, João Cago, o transeunte para-se com estes prédios de fachadas rendilhaem cantaria negra, rasgados por inúmeras Ias servidas de varandas em ferro forjado. Aos e têm franqumdas as portas é possivel redescoos tectos de estuque pintado. Dos diversos eis que a riqueza do vinho fez erguer, m r e a nossa atenção: o Palácio de S. Pedro, hoje seu Municipal, mas que se ergueu para residêndo Conde de Carvalhal; os paços do Concelho Funchal, conhecido também como Palácio srre Bela. A muitos destes imponentes palácios nta-se um elemento arquitectónico típico da ilha, é a torre avista-navios, evidente em muitos dos

edifícios da época que persistem na malha urbana da cidade. A torre avista-navios preenche para a +oca uma dupla função. Como mirante lançado sobre a baía permite saber da chegada e partida dos navios, daí o nome. Tcdavia, é também um local de convívio diário na casa. f o homónimo da casa de prazeres das quintas rnadeirenseç. Se na cidade as casas térreas dão lugar aos imponentes palácios, casas de habitação, escritórios e lojas de comércio, os arredores ganham outra animação com a proliferação das quintas. As quintas são uma criação madeirense, sendo a expressão volumétrica da importância de algumas das famílias madeirenses, onde o lazer se conjuga com o sector produtivo. A quinta não se resume apenas ao espaço agricola e à casa de habitação, pois a ela está indissociavelmente ligado um jardim e uma mata. Foi com os ingleses que elas ganharam nova forma e animação, que persistiram até aos nossos dias. Assim, perdem o seu carácter rústico e transformam-se em espaqos aprazíveis servidos de amplas ruas e jardins de inspiração oriental. Ligado a isto está o aparecimento da #Casa de Prazeresn, isto é, um pequeno pavilhão no canto do jardim que serve para ver a avista., sendo espaço de convívio das senhoras nas tardes solarengas. Ainda hoje é evidente a sua presença em inúmeras quintas e casas. A Casa da Calçada, hoje Museu Frederico de FreiTransporte de vinho

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tas, ostenta ainda a sua Casa de Prazeres. A nossa .Casa de Prazeresw 6 mais uma apomção inglesa, indo buscar as suas origens à house of pleasure, isto é, os sumptuosos pavilhões orientais que na Madeira se adaptam a esta especial condição de mirante, em locais onde não havia a torre avista-navios. Muitas das quintas madeirenses mudaram de mãos no decurso do século XVIII. Os ingleses, enriquecidos com o comércio do vinho, fazem investimentos fundiários na ilha, com especial destaque para as quintas e serrados de vinhas. Alguns adquirem as habitações já existentes e transformam-nas em amplas quintas ajardinadas 2 moda da Outros, do espaço arivel ou de pascigo, fazem erguer casas solarengas. Estão neste Último caço a Quinta do Vale Paraíso na Camacha, de John Halloway, a Quinta do Jardim da Serra, Calaça e do Santo da Serra, de Henry Veitch, a Quinta do Monte, de lames David Gordon. Das demais adquiridas por ingleses podemos salientar: a Quinta do Til, de jameç Gordon dmde 1745 e que passou à família Miles em 1933; a Quinta da Achada, que foi desde ínicios do século XIX pertença da família PenfeId e que em 1881 ficou na posse da farnilia Hinton; a Quinta do Palheiro do 1" Conde de Carvalhal, que foi adquirida em 1885 por]. B. Blandy. Os skulos XVIII e XIX são marcados por profundas mudanças na arquitectura civil e religiosa. 0 s templos estão degradados e são incapazes de dar acolhimento aos cada vez mais numerosos fiéis. As habitações de salas acanhadas não servem as exigências de conforto e de vida portas adentro. Perante isto e a existência de meios financeiros capazes de dar corpo a esta mudança, foi fAcil ver o camartelo avançar d r e a cidade e a erguerem-se amplas casas sobradas, servidas de torres avista-navios, e novas igrejas. Para al4m disso, algumas contingências tornaram inadiável a euforia de remodelação arquitectónica. O terramoto de 1746 e, na cidade, as aluvibes de 1803 e 1842, com elevados prejuízos nos imóveis, tornaram urgente a intervenção. 0 s resultados desta transfiguração Mo evidentes na cidade e no meio rural. 'Enquanto nas casas de habitação o novo ergue-se escombros do velho, nas igrejas ele alia-se de

e

ção e adequação aos padrões de cada époc Deste modo os elementos arquitectónicos e de rativos que marcaram a opulência açucareira p sam a convivw com os novos gerados pelos ex dentes e riqueza do vinho. O que terá leva alguns a defini-las impropriamente como a a tectura do vinho. Esta, a existir, estará nas gran casas servidas de amplos terreiros onde repousam as pipas e armazéns e oficinas de tanoaria, como 6 o caso de Cossart Gordon & Co na Rua dos Netos, ornados de latadas e de serrados de vinhedos nos arredores da cidade. Através do texto de Henry Viretelly (Facts about Port and Madeira, Londres, 1880)e das gravuras que adicionou de Ernest A. Vizetelly, pode mos visitar algumas dessas expressk arquitect6nicas geradas pela cultura da vinha e comércio do seu néctar. Aqui são descritas as instalações de algumas das mais importantes firmas inglesas: Cossart, Gordon and Co, Krohn Borthers & Co, Blandy Brothers, Leacock and Company, Henry Dru Drury, Henriques and Lawton, Mrs Welsh, R. Donaldson and Co, Meyrelles Sobrinho e Cia, Henrique I. M. Camacho, Augusto C. Bianchi, Sr. Cunha e Leal Irmãos e Cia. Em todos é evidente a mesma distribuição do espaço: uma fachada imponente que dá entrada para um grande pdtio cot>erto de latada que serve de logradouro comum às diversas arrecadações; as lojas de fermentação e envelhecimento do vinho, a oficina de tanoaria, a estufa. O bom gosto com que alguns souberam combinar e o cuidado que Ihes atribuíam não passaram despercebidos ao olhar atento de Henry VizetelIy que, na casa de Blandy Brothers, o leva a afirmar que estava perante um xverdadeiro museu de vinhoi. A arte religiosa dos séculos XV111 e XIX é também testemunha e consequência da riqueza gerada pela economia vitivi nícola. Os templos existentes ganham nova vida e riqueza e levam a depor as contemporâneas exigencias do culto, os novos ., seguindo uma nova geometria e gramstica decorativa. Em 1714, a Alfândega do Funchal ficou servida com uma capela do orago de Santo Ant6nio. O estado de ruína do edifício de alfândega e a necessidade de o ajustar ao movimento marítimo de então levaram a diversas transformações no

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O vinho tem expressão plástica particular no cadeirado da Sé do Funchal do século XVI, onde são visíveis os borracheiros e os bebedores de vinho, evidências que testemunham já a importância da cultura nesta época. 0 s cachos e as parras fazem parte da gramática decorativa do barroco. Esses motivos de talha dourada são evidentes na Igreja do Colégio, obra de Brás Fernandes, construída pelos Jesuítas no decurso do século XVII. A talha com o recurso a estes elementos indicadores do vinho só vamos encontrar de novo num conjunto de mobília de sala existente nos escritórios da Madeira Wine Company, h Rua dos Ferreiros. No decurso dos séculos XVIII e XIX o quotidiano do vinho é retratado pela pena de diversos pintores e desenhadores europeus, nomeadamente ingleses, que tiveram oportunidade de passar pela ilha. Parte significativa delas serviu para ilustrar livros sobre a ilha ou com capítulos a ela dedicados. Os principais motivos retratados incidem sobre os lagares, os borracheiros e as balseiras. Os dois últimos elementos são os mais abundantes em toda esta iconografia, visível hoje no Museu Frederico de Freitas no Funchal. Depois, disso só vamos encontrar expressão em Max Romer (1878-1960), um alemão refugiado na Madeira em 1922, que se rendeu i evidência do meio. Nalgumas encomendas realizadas para a Madeira Wine Co e H. M. Borges & Co deixou plasmada5 as suas impressões com um retrato impressionista da faina vitivinícola. N a Madeira as vinhas e o vinho são duas realidades culturais diferentes. As primeiras transportam-nos ao mundo rural enquanto o segundo leva-nos ao cosmopolitismo da urbe. Foi o mosto, transportado com muito esforço pelos borracheiros que se transformou, com a fermentação, em vinho e, com os anos, num rubinéctar sem igual e incapaz de qualquer imitação. O borracho, feito da pele de caprinos, foi a melhor solução encontrada para o transporte do vinho do lagar à loja. O recipiente, porque maleável, adequava-se perfeitamente ao dorso do homem, amenizando os esforços das prolongadas caminhadas pelas íngremes veredas. Esta foi uma solução que persistiu a@ ao nosso k u l o e que hoje só é possível encontrar em museu. No Funchal ergueram-se imponentes edifícios. O burgo dos séculos XVI I1 e XIX pode ser considerado, com propriedade, a cidade do vinho. Para

ele edificaram-se amplos espaços de descalço das pipas e imponentes palácios para fruição dos seus proprietários. Hoje é possível encontrar alguns testemunhos disso: As Ruaç do Esmeraldo, Ferreiros e Netos são os exemplos mais característicoç. O edifício sede do Instituto do Vinho da Madeira é um local de passagem obrigatória da peregrinação do vinho na Cidade. As suas paredes guardam a memória de dois séculos de História do Vinho da Madeira. E, no rés-do-chão, sob os centenareç travejamentos, encontram-se alguns materiais relacionados com a faina vitivi nicola, acompanhados de fotografias e gravuras alusivas ao tema. Perante nós perfil ha-se uma possivel viagem ao passado, imprescindível para conhecer o percurso histórico do nosso vinho. O percurso continua na Madeira Wine Company onde um museu de empresa conduz ao passado de fulgor das empresas que estiveram na sua origem em princípios do século. Das demais empresas só em D'Oliveiras e Artur Barros e Souça a imagem do passado persiste quase intacta. Nas demais a5 exigências da modernidade aliam-se 2 tradição familiar ou empresarial, sendo a visita um raro momento para a sua constatação. As quintas são uma criação madeirense, mas foram os ingleses que, a partir do século XVII, as transformaram em locais de aprazível convívio. 0 s vastos espaços que contornam a habitação foram revestidos de jardins coloniais, transformados em viveiros de plantas e flores exóticas. Foram várias as suas funções. Primeiro, casa5 de habitaqão dos seus construtores. Depois, hotéis e pousadas para acolherem os inúmeros britânicos em busca de cura para a tísica pulmonar ou de passagem para as colónias. São inúmeras as quintas que polvilham os arredores do Funchal, nomeadamente em Santa Luzia e Monte, e por isso merecedoras da nossa atenção e ansiando pela nossa visita. A anglicização d o Funchal só foi possível pela importância que assumiu para os súbditos de Sua Majestade o comércio. O rumo definido para o vinho é deles, que cedo se tornaram nos principais apreciadores e fruidores das riquezas que o mesmo propiciou. Por isso a descoberta das suas indeléveis marcas pode completar a visita. Para as bandas do Quebra-Costas, a Igreja Anglicana e, bem próximo, na Rua da Carreira, o Cemitério Brid-

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RíWEHEA RECURSOS PARA UM NOVO CICLO SOBRE DESENVOLVIMENTO

nico. Depois e o reencontro com os aprariveis jardins da Quinta MagnÓIia, outrora clube inglês, mas hoje espaço de todos.

A estes dois momentos mais significativos da vida da cidade pleríamos juntar outros mais pr6ximos de nós delimitados pela aposta económica nos artefactos e no turismo, que marcaram a cidade do século X X e permitiram um avanço razoável do seu perímetro. Mas esta é uma História recente, eivada de paixõeç, que merece amadurecer para se poder apurar com certeza aquilo que trouxe de bom e de mau para o processo histórico e a afirmação da cidade. Dos momentos anteriores é fácil qualquer discurso de complacência, sem as

habituais acusações aos que foram considerados pelos contemporâneos como detractores mas que agora são motivo da nossa admiração. Acresce ainda que o açúcar e o vinho surgem na ilha como produtos catalisadores da actividade çocioeconómica e não como princípios geradores das cidades ou espaços urbanos. A par disso ambas se destacam apenas como os suportes económico~necessários e justificativos do desenvolvimento, monumental idade e embelezamento do espaço urbano. O açúcar contribuiu para a criação da nova malha urbana que definirá o centro da futura cidade, enquanto o vinho definirá os contornos e monumentatidade do recinto. O facto destes produtos influirem no crescimento da urbe não implica uma orientação arquitectónica tipica mantendo-se o seguidismo aos cânones peninsula-

res.

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