1933-fasilva

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  • Pages: 69
PADRE FERNANDO AUGUSTO DA SILVA l)O\

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A Lombada

a Madeira

PUNCHAL

EDIÇAO DO reaa

AUTOR

B lomhada dos Esme~aldosna h lIa da Maleira

Trabalhos históricos do autor : ELUCIDARIO MADEIRENSE (De colaboração com Carlos Azevedo de Menezes)-2

gr. vol.

P A R ~ Q U I ADE SANTO ANTÓNIO D A ILHA D A MADEIRA 1 vol.

A L O M B A D A DOS ESMERALDOS NA ILHA D A MADEIRA U m opusculo.

A APARECER BREVEMENTE :

DICIONARIO COROGRAFICO D O

ARQUIP&LAGO D A MA-

DEIRA- 1 gr. vol.

A DIOCESE DO FUNCHAL (Subsidios para a sua liistória)

PADRE FERNANDO AUGUSTO DA SILVA Do6 Arqueologor Portu~ues6r

FUNOHAL

EDIÇAO DO AUTOR 10ba

COMIJOSTO E IICIPRESSO N A S OPICINAS DO -DIARIO DA MADEIRA*, AVENIDA DO DR. ANTÓNIO JOSÉ D E ALMEIDA : : : : : PIINCIIAL : : : : :

A primitiva coloi~isaçãoda Madeira Deve fixar-se o inicio da colonisação madeirense nos primeiros anos do segundo quartel do século XV. (1) Os capitães-donatarios, apesar de se acharem investidos dos mais amplos poderes de administração, teriam que cingir-se, quanto á - distribuição das terras virgens, á s instruç8es emanadas do infante D. Henrique, crendo-se que o sistema das sesrnarias, já entáo regulado no continente português por leis especiais @),se houvesse aplicado a Madeira, embora sofresse a s indispensaveis modificações que as circunstancias de momento podessem aconselhar e de harmonia com a s clausulas exaradas nessas mesmas instruçóes. (9 ( i ) Na obra Alguns Documentos do Archivo Nacional da Torre do Tombo..., publicados por ocasião da celebração do quarto centenário do descobrimento da Aiiiéricn, veiii transcrito o trecho duma carta de doação, feita pelo infante D. Henrique h Ordetn d e Cristo e com a data de 18 de Setembro de 1460, concebido nos seguintes termos : comecei a povoar a minha ilha da Madeira averá ora trinta e cinco anos, e isso mesmo a do Porto Santo, e deshi, proseguindo, a Deserta, das qiiais ilhas que assim edifiquei e novamente achei ...S. Este trecho dá aproximadamente o ano de 1425 como o do começo do primitivo povoamento d a Madeira, (9Vid. Gama ~ a k o s História : da Adnlinistraçdo PYblica em Portugal, vol. 111, pag. 699 e seg. (:') As instruçáes, anteriormente concedidas, tiveram sua plena confirmação nas cartas dos anos-de 1440, 1446 e 1430, em que o Infante D. Henrique faz aos donatirios Tristão, Perestrelo e Zargo doação das capitanias de Machico, Porto

A amenidade do clima e a notavel feracidade do só10 eram um poderoso incentivo para o amanho e cultivo das glebas, mas o inverosimil acidentado dos terrenos, de par com o basto revestimento florestal e ainda outras inevitaveis condições do meio, tornavam sobremaneira dificil uma larga exploração agricola, para um tão limitado número de colonos e povoadores. ('1 Essa deficiencia foi suprida pelo escravo africano, que durante séculos regou com o seu suor o torrão madeirense, e cruzando-se com os sesmeiros continentais, táo profundamente abastardou a pureza nativa d a raça. Iam surgindo os primeiros núcleos de população e formando-se as chamadas <(fazendaspovoadas >>, que, prosperando e desenvolvendo-se, se coristituiam em povoaçbes importantes. O principal centro dêstes nascentes povoados era uma pequena e modesta ermida e em torno dela se adensava a população, que em breve se transformava em uma freguesia populosa, com a sua regular constituição da família e da sociedade. e) Por meados do seSanto e Funchal, lendo-se na últitria delas (e o mesmo mutatis mutandis se leem nas outras) estas palavras : a - E me praz que ele possa dar per siias Cartas a terra desta parte per ho forall da ylha a quem lhe proilver coni tal1 condiçom que aquetle a quem der a dita terra aproveyte atee cinco anos e nom aproveytando que Eu a possa dar a outre e depois que aproveytada for a leyxar por aproveytar atee outros cinco anos que por yso mesnio a possa dar-.. (Satid. da Terra pg. 454 e seg). Estas disposições foram posteriormente modificadas, concedeiido-se mais amplas regalias aos cultivadores das terras, como o direito à propriedade das bemfeitorias, a faculdade de poderem aforar e at6 vender a s mesmas terras, observadas certas clausulas, que não eram tidas por onerosas o u vexat6rias. Numa carta de sesmaría, de 1503, que concede umas terras em Santana, a Urbano Lomelino, lê-se u...has possam bender dar doar arrendar aforar por quanto nos lhas damos para elles e todos seus herdeyros acedentes e decedêtes.. .*. (4) Era, na verdade, muito reduzido o número dos primitivos colonisadores, se tivernios de compara-lo com as dificuldades que assoberbavam os trabalhos do incipienfe povoamento. As antigas crónicas poucos nomes fixaram dêsses primeiros pioneiros da colonisação madeirense. Nada se sabe com respeito aos mais activos e qualificados com anheiros de Bartolomeu Perestreio e Trist%o Vaz, os primeiros donatários do borto Santo e de Machico, mas conhecem-se os nomes de Gonçalo Aires Ferreira, João Afonso Correia, Francisco de Carvalhal, João Lourenço, António Gago, Rui Pais e Alvaro Afonso, como dedicados auxiliares de João Gonçalves Zargo, primeiro capitão-donatário do Funchal, sendo alguns dêles troncos das mais antigas e distintas famílias do arqitipélago. (5) Como ampliação do assunto esboçado na nota (9, convém acrescentar que um dos factores, que mais contribuiram para o referido deserivolvimento da colonisaçiio madeirense, foi o das concessões territoriais feitas pelo sistema das sesmarías, atraíndo um número consideravel de colonisadores, que activamente se dedicaram a cultivação das terras, que Ihes eram confiadas. Estabeleceram estes muitas =fazendas povoadas., em que residiam com a s suas famílias, com. os seus colonos e escravos, superintendendo directamente nos trabalhos d a

culo xv, já existiam na Madeira algumas paróquias, que gosavam a independencia duma completa autonomia civil e religiosa, e que, multiplicando-se, determinaram sem demora a criaçgo de vários municipios.

Lugar, Freguesia e Vila da Ponta do Sol Ao iniciarem-se os trabalhos da colonisação desta

ilha, foi o lugar da Ponta do Sol um dos primeiros em que a monda dos arvoredos e o arroteamento das lombas e vertentes se não fizeram esperar muito. Entre os antigos povoadores conhecidos, sobresai o nome de Rodrigo Anes o Côxo, geralmente considerado como o <
.segunda metade do século XV. (9Entre os antigos povoadores destacam-se os nomes de várias pessoas nobres, nacionais e estrangeiras, tendo algumas delas ou os seus mais próximos descendentes estabelecido importantes casas vinculadas, como sejam Rodrigo Anes o COXO,o %fundador. da primitiva povoação, Rui Gonçalves da Câmara e João Esrneraldo, os primeiros possuidores da Lombada, D. João Henriques, que viveu no sitio chaniado Pomar de D. João, Pedro Delgado com terras de sesmaria no Lombo das Adegas, Rodrigo Anes Coelho, no Lombo de D. João, António Leme, que deu o nome ao sitio dos Lemes, Diogo Ferreira de Mesquita, com vinculaçáo em terras do Livramento, e muitos outros, uns ainda conhecidos e um número ainda maior de que já se não conserva memória. A sempre crescente prosperidade industrial e agricola desta freguesia, especialmente apreciada pela produção do açucar, trouxe-lhe tambem uma correlativa importancia social e politica, levando o govêrno da metropole a criação dum rnunicipio, o primeiro estabelecido nêste arquipélago, além dos das sedes das três capitanias. Lemos algures que a Ponta do Sol .fÔra sempre mais fertil e m enxada do que em lanças.. A Carta Régia de 2 de Dezembro de 1501 elevou o lugar da Ponta do Sol a categoria de vila, desmembrando-o do rnunicipio do Funchal, com os fóros e previlegios inerentes aos concellios, e estendendo a área da sua jurisdição desde a ribeira que atravessa a paróquia até aos terrenos que hoje constituem a freguesia das Achadas da Cruz. No ano imediato foi, porém, o novo municipio largamente cerceado na sua su(9 Rodrigo Anes fundoti uma pequena capela, dedicada a Nossa Senliora da Luz, nos principios do terceiro quartel do século XV. Passoti ela por várias transformações e foi inteiramente reedificada nos primeiros anos do séctilo xvrIr. O aumento rápido da população determinou a criação dum curato 110 ano de 1589 e pouco depois a d a Colegiada, servida por cinco eclesiásticos. Houve muitas capelas nesta freguesia, sobresaindo a todas a da Lombada, de que r i o texto se dará mais atnpla noticia. Tem uin porto de bastante moviniet~to,especialmente de passageiros, por entestar com a séàe da Comarca e servir de trailsito para algunias freguesias circunvisinhas, sendo dotado com uni iiparatoso cais, mandado construir pela Câniara Municipal no ano de 1848. Esta paróquia foi visitada pelo Infante D. Luiz, depois rei de Portugal, no mês de Oiituhro de 1858. São distintos filhos desta fre uesia o padre Leão Henriques ( -1589), o dr. António da Luz Pita (1802-18707, o dr. João Augusto Teixeira (1845-1907) e o dr. Nuno Silvestre Teixeira (1847-1928), cujos dados biograficos se eticontram no 2.' vol. do Eluciddrio Madeirense, da nossa co-autoria. O *Censo da Poputaqão~de 1920 dií a esta paróquia o número de 6.660 habitantes.

perficie e reduzido a bem mesquinhas proporções, com a criação da vila da Calheta, e no ano de 1546 passou pelo vexatório desaire de ser suprimido, por haver a Câmara desacatado as ordens do poder central, dando-se dois anos mais tarde o restabelecimento do concelho. O decreto de 12 de Novembro de 1875 criou a Comarca da Ponta do Sol, com sede na vila do mesmo nome, que, das comarcas de segunda classe, é uma das mais importantes de todo o país. I11

Lombada da Ponta do Sol ou dos Esrneraldos Os primitivos povoadores, ao apartarem ás costas desta ilha, tendo deixado ancorados os navios da expedição, na baía que posteriormente se chamou do Funchal, empreenderam sem demora uma exploração sumaria ao longo do litoral, tomando um rápido conhecimento da terra ignorada, e assinalando e delineando desde logo os lugares mais apropriados para o estabelecimento dos futuros n& cleos de população. Dessa exploração, capitaneada por João Gonçalves Zargo, deixou-nos Gaspar Frutuoso uma pitoresca e talvez hiperbólica descrição, ('1 da qual vamos destacar os periodos referentes ao lugar da Ponta do Sol: . . . e cliegou a uma ponta que se faz abaixo huma legoa, e entra muito no mar; e, porque na rocha que está sobre a ponta se enxerga de longe e se vê claro huma vea redonda na mesma rocha com uns rayos que parece sol, deolhe nome o capitam a Ponta do Sol; onde tambem traçou uma villa, que depois se fundou, a primeira da sua jurisdição. Aqui está a nobre e rica fazenda, que se diz a Lombada do Esrneraldo, tão celebre por nome como por fama , pelos ((

(') .Saudades da Terras, ed. de 1873, pg. 68. ($) Não deixa de ser cilrioso qiie Gaspar Frutuoso, para enaltecer a Lombada da Ponta do Sol pela sua exuberante fertilidade, se apropriasse da conhecida frase-Mais celebre por nome que por fama-que Caniões (Est. 5.a, Cant. v) aplicou ci Madeira, exaltando-a e consagrando-a, frase que, como é sabido, tem

muitos assucares que nella se recolhem, que foi ano em que deo vinte mil arrobas delle: a qual Lombada o capitam tomou para seus filhos, e depois correo tais trances, que agora nenhum delles a possuhe, por se dividirem e a vend e r e m ~ Em outro lugar da mesma obra, refere-se o historiador das Ilhas a Lombada dos Esmeraldos nos seguintes termos, que merecem sêr aqui arquivados :-c< . . . esta a Lombada de João Esmeraldo, de nação genoez, a qual chega do mar a serra, de muitas canas de assucar, e tão grossa fazenda que já acontece0 fazer João Esmeraldo vinte mil arrobas de sua lavra cada anno; e tinha como outenta almas suas captivas, entre mouros, mulatos e mulatas, negros e negras, e canarios. Foi esta a mayor casa da ilha, e tem grandes casarias de aposento, engenho, e casas de purgar, e igreja. E depois do falecimento de João Esmeraldo, ficou tudo a seu filho Cristovão Esmeraldo, que o mais do tempo andava na cidade do Funchal sobre uma mulla muito formosa, com outo homens detraz de si, quatro de capa e quatro mancebos em corpo, filhos de homens honrados muito bem tratados : e trazia grande contenda com o capitam do Funchal sobre quem seria Provedor d'Alfandega d'El-Rey, que he uma rica cousa de renda de Sua Alteza, e ricas casarias.. ('"1 Por esta, embora exagerada narrativa, se vê que João Gonçalves Zargo, numa primeira visita de rápida exploração ou em subsequentes visitas, como é mais provavel que tivesse sucedido, descobriu na Lombada da Ponta do Sol, mais tarde chamada dos Esmeraldos, os indispensaveis requisitos para ser transformada em uma vasta e rica herdade, reservando-a inteiramente para seus filhos, que sem duvida a converteriam num dos centros de maior actividade industrial e comercial, que então existiam em toda a ilha. É de presumir-se que as condições orográficas e hidrograficas daquela Lombada, a sua grande extensão, a feracidade do seu só10 e a benignidade do clima, tivessem dado motivo a muitos controvettidos juizos, em que Matiuel Correia (1613), Faria e Sousa (1619), Garcês Ferreira (1731), José Agostinho de Macedo j1820), Dr. José Maria Rodrigues (1905), Epifanio da Silva Dias (1908), Alfredo Pimenta (1931) e ainda outros a comentaram e interpretaram segundo o sabor das suas opiniões . . . (O) Saud. pag. €8. (Ie) Saud. pag. 95.

ferido a atenção dos antigos exploradores, sendo então concedida a preferencia ao chefe da primeira colonisação rnadeirense. Estendia-se da orla do oceano até o elevado planalto do Paúl da Serra, tendo portos de desembarque, lombas e encostas abrigadas dos ventos, serras de matagais e florestas, dguas cristalinas e abundantes, que lhe davam os fóros duma propriedade privilegiada e certamente apetecida por um grande número de povoadores. Compreendia então o sitio que hoje propriamente se chama a Lombada dos Esrneraldos, o sítio do Jangão e o sítio do Lugar de Baixo, em que ao presente vivem cêrca de quatro mil e duzentos habitantes, em casais dispersos e distanciados uns dos outros, cuja vasta área correspondia aproximadamente as duas tercas partes da actual freguesia da Ponta do Sol, estendendo-se <<domar a serra., no dizer de vários documentos antigos. Pelo lado oriental tinha cornolimite a Ribeira da Caixa, na partilha da freguesia- da Tabiia, e pelo lado ocidental a Ribeira da Ponta do Sol, confinando, ao norte, como já fica dito, com os acidentados montes que entestam com a planicie do Paul da Serra e, ao sul, com as águas do Oceano Atlântico. Toda a Lombada coube em doação a Rui Gonçalves da Câmara, segundo filho varáo do capitão-donatirio do Funchal João Gonçalves Zargo, ficando ao primogenito João Gonçalves da Câmara a sucessão na donatária com todos os privilegios que lhe andavam anexos. Embora nos escasseiem elementos seguros para o afirmar, parece indubitavel que Rui Gonçalves não se dedicou com grande entusiasmo ao cultivo das suas terras, das quais fez venda ou antes aforamento ao fidalgo flamengo João Esmeraldo, como abaixo mais largamente se dirh. Foi êste que procedeu ali a uma larga exploração agricola, atraindo um número consideravel de colonos e cultivadores, fundou a s capelas de Santo Amaro e do Santo Espirito, instituiu os dois importantes morgadíos do Santo Espirito e do Vale da Bica e fez construir a primeira casa solarenga da Lombada. Não repugna acreditar que o grande navegador Cristovão Colornbo, amigo devotado de João Esmeraldo e de quem foi hospede na então vila do Funchal, houvesse honrado este lugar com a sua presença, embora não tivesse ainda adcluirido o nome ilustre que o havia de imortalisar. Apro-

ximadamente por essa época, ter-se-ia dado o celebrado rapto de D. Isabel de Abreu, que teve seu epílogo nesta Lombada, nas casas de João Esmeralda, cunhado da principal protagonista dessa façanha. Estes terrenos permaneceram intactos, eni regimen de vinculação, na posse e usufruto dos sucessivos administradores dos dois morgadíos, sendo seus íiltimos senhorios directos o segundo Conde do Carvalhal, com a Lombada dos Esmeraldos e o Lugar de Baixo, e o conselheiro Aires de Ornelas, com o sítio do Jangáo. Os primeiros foram vendidos em hasta pública, no ano de 1893, a firma comercial do Funchal A. Giorgi & C?, e os segundos cedidos em 1920, por venda arnigavel, aos respectivos caseiros e meeiros. Em 1923 surgiu uma proposta de compra das terras da Lombada e do Lugar de Baixo, destinada a revenda das glebas aos colonos e rendeiros delas. Essa revenda, simulada ou ficticia, foi-se realisando pelo pretenso comprador, vendo-se os proprietários, que eram subditos estrangeiros, compelidos a recorrer ao govêrno da sua naçáo, para haver o valor ou a entrega das suas propriedades. O govêrno português, depois dum prudente e conciencioso estudo do assunto, resolveu expropriar aquêles terrenos e indenisar os seus senhorios dos graves prej~iizosque Ihes tinham sido injustamente causados. Conserva-se o estado na disposição de ceder essas terras, por venda e em condi~óes favoraveis, aos antigos cultivadores, aguardando-se apenas o preenchimento de certas formalidades, para a celebração dos respectivos contratos. Por ocasião dessa expropriação, o govêrno português cedeu gratuitamente a Junta Geral do Distrito e à Câmara Municipal da Ponta do Sol alguns tratos de terrenos, destinados a construçáo de estradas, e a Diocese do Filnchal, na pessoa do respectivo prelado, a capela do Santo Espirito para sêr aplicada ao exercicio do culto, como sempre o fora em todos os tempos, ficando reservado ao Ministério das Colónias e para uso das nossas missões ultramarinas as diversas dependencias que constituiam o antigo solar dos morgados Esmeraldos. Dos diversos pontos, sumariamente expostos nêste capítulo, nos ocuparemos, com o devido desenvolvimento, em capítulos subsequentes.

.

Rui Gonçalves da Câmara Não são concordes as opiniões dos linhagistas com respeito ao lugar do nascimento de Rui Gonçalves da Câmara, dando-o alguns como natural do continente português e afirmando outros que foi o primeiro filho de João Gonçalves Zargo iiascido na Madeira (ll). Não andará muito distanciado da verdade quem fixar, nos fins do primeiro quartel do século xv ou nos principios do quartel seguinte a data aproximada do seu nascimento. Nas nossas lutas com os mouros, no norte de Africa, tomou parte em vários recontros com seu irmão João Gongalves da Câmara, çegundo donatario do Funchal, e encontrou-se nos cêrcos d e Arzila e Tanger, distinguindo-se sempre como valente e esforçado cavaleiro (12). A sua vida agitada de soldado ou quaisquer outras circunstancias para nós desconhecidas não o deixaram entregar-se afanosamente a cultura d a extensa Lombada, cujas terras virgens, de relêvo muito. acidentado e quási totalmente cobertas de basto e fechado arvoredo, exigiam um prolongado e gigantesco esforço, que mal se compadecia com os minguados recursos de que poderia dispor-se nos primeiros anos da colonisaçáo madeirense. Pouco se sabe acêrca da primitiva exploraçáo agricola emprendida por Rui Gonçalves da Câmara, q u e era, por certo, homem de mais largas aspiraçbes, cabendo sem duvida ao seu sucessor o estado de grande prosperidade, que rápidamente atingiu a Lombada da Ponta do Sol. O segundo capitão-donatário da ilha de São Miguel (11) O primeiro capitão-donathrio do Fuiichal João Gonçalves Zargo, aú iniciar o povoamento da sua capitania, vinha casado com Dona Constança Rodrigues de S i ou de Almeida, trazendo o s filhos mais velhos João Gonçalves da Câmara, sucessor no govêriio da donatiíria, Helena Gonçalves da Câmara e provavelmente Rui Gonçalves da C&mara,que alglins nobiliários tambem dão conio nascido na Madeira. (I?) Vid. * A Madeira e as Praças de Africa*, 1933, pelo tenente-cororiel Alberto Artur Sarmento.

João Soares de Albergaria, sobrinho de Gonçalo Velho Cabral, veiu à Madeira pelos anos de 1470 acompanhar sua iii~ilherD. Beatriz Godiz, que se achava atacada de grave enfermidade e que faleceu pouco tempo depois da sua chegada ao Funchal. Informa-nos o doutor Gaspar Frutuoso que Soares de Albergaria, em virtude dos .muitos citstosD que fizera e em atenção aos servic;os que lhe dispensaram o capitáo-donatario da Madeira e seu irmão Rui Gonçalves da Câmara, resolveu vender a êste a capitania de Sáo Miguel <<porseiscentos mil reis, seguiido uns, e por setecentos mil reis e cem mil reis de sócos, segundo o~itros, tendo-se por mais certo que a compra se efectuou por dois mil cruzados em dinheiro de contado e quatro mil arrobas de assuear. Esta venda foi confirmada, a 10 de Março de 1474, pela infanta D. Beatriz, como tutora e curadora de seu filho o duque D. Diogo, grão-mestre da Ordem de Cristo. Passou-se entáo Rui Gonçalves da Câmara, com sua mulher, filhos e outros individuos que o quizerarn acompanhar, a i[ha de São Miguel a assumir o govêrno da sua capitania, sendo ali donatário no periodo aproximado de vinte e quatro anos, vindo a falecer em Ponta Delgada em 1497 ou 1498. Deixou boas tradiçóes na administração da sua donatária e foi tronco das casas nobres dos condes da Ribeira Grande, de Vila Franca e ainda outras. Antes, porém, de abandonar a Madeira fez a João Esrneraldo o aforamento perpetuo da Lombada da Ponta do Sol, como abaixo vamos vêr. De Rui Gonçalves da Câmara, traça o padre G. Frutuoso este rápido e pitoresco perfil : .Era bem a p e ~ s o a d o ~ grande e grosso, descreto e solicito em fazer cultivar e povoar a terra, visitando-a pessoalmente muitas vezes, s6, a cavalo, vestido com uma peliça de martas e uma touca na cabeça, como naquêle tempo se costumavam.. . e com um cão grande detraz de s i . . . e algumas vezes andava em mula . . .>L (13).

(I3)

Saudades da Terra, (Ponta Delgada, 1926) Livro

IV, Cap.

6õ.

v

João Esmeralda E sabido que os descobrimentos e conquistas maritimas iniciadas no alvorecer do século sv despertaram o interesse e a curiosidade da Europa inteira. Náo faltaram então espiritos ambiciosos e irrequietos, que, deixando o rincáo natal, se arriscassem aos azares da sorte, procurando nas longinquas terras descobertas a glória e as vantagens materiais, que a pátria não podia de modo algum dispensar-lhes. Se a muitos impulsionava apenas o amor da aventura, o desejo do imprevisto e do desconhecido, o ardor pelas empresas e façarilias arriscadas, é todavia indubitavel que a niaior parte ia atraída pela sede das riquezas, pela conquista do vélo cie ouro, qiie mais tima vez ponha em sobresalto a s ainbiqões cluin tão grande número de audaciosos aventiireiros. Sendo a Madeira o mais importante empório coiiiercial, qiie nos tempos primitivos da colonisaçáo s e forniou rios iiossos daminios iiltramarinos, foi tambem o mais apetecido ponto de atracgáo para os forasteiros que demandavani as novas plagas descobertas ("1. Uin d2les foi João Esmcraldo. Não gosando os privilegios de prirnogenittira, que era o grande apanligio das casas ilohres, lançou-se rios riscos duma suspirada fortuna a teiitar litinia ilha afastada, qLie já então mantinha relações conierciais com a Flandres, especialmente pela exportação do precioso e apreciado produto, que era o açucar madeirensc. Conjecturamos que tivesse aportado ao Funchal por meados do terceiro quartel do séciilo XV. (I4) De i~iuilosíiesses estraiigeiros se çoiiservariiili os iioines na Iiistória da coloriisaçr'io riiadeirerise e alguns dêles foriii~i traticos de distintas famílias, setidct-llies reconhecidos o s fóros de riohrcz;i de qiie gosavaiii iios seiis p;*tses. F%tfcnios ~iicncionarSitiiZo Acciiiioli, Jo3o e Heiiriqiie de Heteiicoirrt, Pedro de Lciiiilliaii;~Hcre.tigiier, Joi7o I>riirnoiid, Aiittiiiio Espiiiolrt, IJrbano Loriielir-io, Antotiio i,c.ii.ic., jo&) I
Decorrendo então um dos periodos mais rnovirnentados da colonisação e povoamento do arquipelago, eram bem recebidos todos os nacionais e estrangeiros que viessem colaborar na exploração das terras incultas mas feracissimas, arrancando pelo trabalho e pela inteligencia a riqueza e a prosperidade que elas lhes ofereciam. Se a essas apreciaveis qualidades viiiha juntar-se a condição de origem fidalga, tão exageradamente apreciada na época, tinham os novos colonisadores campo aberto para a satisfação das suas mais largas aspirações. Assim teria sucedido a João Esrneraldo. Da sua proveitosa e esclarecida actividade, dão-nos eloquente testemunho os importantes haveres adquiridos, dos quais conhecemos o aforamento da Lombada, a instituição dos dois morgadios, com a sua igreja e solar, a casa apalaçada da rua do Esmeraldo e a larga exploração agricola, com muitas dezenas de colonos e escravos, dos vastos terrenos da Ponta do Sol. Dos seus titulos de nobreza são provas concludentes a concessáo dos fóros de fidalgo, outorgados pela Carta Regia de 13 de Agosto de 1511, e mais ainda o alvarh de Brazão de Armas, mandado passar por D. Manuel a 16 de Maio de 1522, ein que se faz referencia a Carta anterior e etn que se reconhecem e ratificam os privilégios de nobreza de que gozavam os seus antepassados ('" Tinha no seu pais de origem o nome de Jeanin Esmeraut, que depois se aportuguesou no de João Esrneraldo, cujo apelido se transmitiu aos seus numerosos descendentes, sendo tronco ('9)Dotil Maniiel, por graca de Deus, Rei de Portligal e dos Algarves, d'aqiiem e d'aldm tiiar eni Africa, Seiihor da Guiné e da Conqtiista Navegação e Comércio da Etiopia, Arhbia, Pérsia e India, a quanto<; esta nossa carta virem, fazemos saber que joão Esmeraido, fidalgo da nossa casa e morador na nossa ilha da içladeir*a,rios fez informação como êle descendia da linhagem e geração dos Esrneraldos e dos Daliavaigne e da casa Fienes da geração dos de Nodouchel, os quais todos rias partes da Picardia, Flandres e Brabante são nobres e fidalgos da antiga linhagem, pedindo-nos, por mercê, que pela memória clos seus antepassados se não perder, gouvir e gozar da honra das armas que pelos merecimentos de seus serviços ganharani e lhe foram dadas e assini dos privilégios, honras, graças, mercês que por direito por bem delas lhe pertencem, lhe mandassernos dar nossa carta das ditas armas que estavam registadâs em os livros dos registos das armas dos nobres e fidalgos dos nossos reinos que tem Portugal nosso principal Rei de Armas, a qual informação vista por nós e como nós somos certos o conteúdo nela sêr verdade por uma carta patente asselada com o sêio do Império, pendente e assinado por os do seu Conselho e com outra carta de Armas patente assinada por Tosão de Ouro Rei de Armas, e assetada, na qual se contem como direitamente êle João Esmeraldo descende das ditas geraçbes e linhagens, que as suas armas lhe pertencem de direito a s quais lhe

de algumas das mais distintas famílias desta ilha. Parece ter nascido na provincia da Picardia, que juntamente com as de Artois, Hanaut, etc. conservavam entáo a denominação generica de Flandres e desta circunstancia provém o sêr conhecido pelo Flarnengo. A sua família era aliada com a s nobres casas de Delavaigne, Fienes, Nedouchel e outras, possuindo o importante senhorio de Fraxelles. A Lombada da Ponta do Sol, que começou a chamarse do Esmeraldo e depois dos Esmeraldos, era nos fins do século sv, e continuou a sêr ate os nossos dias, a mais vasta e rica propriedade rústica de todo o arquipélago, apesar dos cerceamentos que sofreu em diversas épocas. Rui Gonçalves da Câmara, o seu primeiro possuidor, náo se alargou muito, como já ficou acentuado, na expansáo cultural e fabril do seu latifundio, porque a s naturais tendencias do seu espírito a isso o não compeliam ou porque dificuldades insuperaveis o impedissem de realisa-lo, ou ainda porque aspirava as mais altas honrarias, deixando a outros a activa e fecunda exploração, que essas terras estavam imperiosamente exigindo. Rui Gonçalves da Câmara aforou a João Esmeraldo toda a Lombada, propriedade ainda entáo intacta e compreendida entre as ribeiras da Caixa e da Ponta do Sol, alargando-se desde a orla do Oceano até as mais altas eminencias da serrania. O aforamento realisou-se pela irnportaiicia de 600.000 rs. e a renda vitalicia anlial de 150.000 rs., o que representava uma soma muito avultada inandaiiios dar cri1 esta iiossa carta coni seti brrizr?o, eltno e timbre, como em nieio desta carta são divisadas, e assim cotiio fiel e verdadeiramente se acharam divisadas e registadas nos livros do dito Portugal Hei de Armas, a s quais armas são a s seguintes : *O campo esqitartelado, o primeiro de prata com tima banda preta ; o segundo de azul com uma faxa de ouro carnelea ; o terceiro de prata com um leão preto e por cima dêle um filete vernielho em banda, de redor dêle bilhetas pretas; o quarto de azul e iima banda fimbrada de vermelho: Elino de prata aberto giiarriecido de ouro, paquife de ouro e de azul e por timbre linl leso preto, o quaI esctido, arriias e sinais possa trazer e traga o dito João Esmeraldo, assim como as trouxerriin e delas usaram seus antepassados ... queremos e rios apraz que haja êle e todos seus descetidentes todas a s honras, privilégios e liberdades, graças, tnercês, isenções e fr;inqiiezas que hão e devein ter o s fidalgos nobres de antiga linhageni ... Dada ein a tiossa e sempre lial cidade de Evora a dezaseis de Maio. El-Rei o mandou pelo bacharel António Hodrigiies Portugal seu Rei de Arrnas Principal, Pedro de Utra escrivão dii nobreza a fez. Ano de Nosso Senhor J c s ~ i sCristo de n i i l cliiinhentos vinte e dois.. (Do *Nobiliirio*, de tlenrique tlcririqite de Noroiihrt, Manuscrito existente na Hibliotécii Mlinicipal do Fuiichid).

para o tempo. Sendo ponto averiguado que Rui Gonqalves da Câmara transferiu a sua residencia para São Miguel no ano de 1474, deve supor-se que aquêle aforamento se teria realisado antes da sua partida para aquela ilha, havendo muitas probabilidades que militam a favor desta hipótese, embora se indiquem outras datas para a celebração do referido contrato. E esta a opinião do douto conselheiro Agostinho de Ornelas, sucessor na administração dum dos vinculos instituidos por João Esmeraldo, que estudara este caso com o maior interesse e a vista de documentos existentes no importante cartório da sua casa, assinalando o ano de 1473 como o do aforamento, que alguns chamaram venda, feito por Rui Gonçalves da Cârnara a João Esmeraldo O fidalgo flamengo consagrou-se diligentemente a valorisaçáo das terras aforadas, que na realidade constituiam uma posse perpetua e incontestada, tornando-as um centro de grande e produtiva actividade agricola e fabril, com o largo amanho das glébas incultas, o cuidadoso aproveitamerito das águas e a montagem de vários engenhos e alçapremas. O autor das Saudades da Terra, embora hiperbb licamente e como já fica referido, afirma que Joáo Esrneraldo chegou a produzir vinte mil arrobas de açucar em cada ano, para o que dispunha de oitenta escravos,casas de fabrico e de purgar, abegoarias e outras indispensaveis instalações, sem contar com os muitos cultivadores e colonos livres, que seriam certamente os seus melhores auxiliares nesta tão grande e lucrativa empreza. Esmeraldo comprou ou edificou na vila do Funchal e na rua que tomou e ainda conserva o seu nome uma grande casa de moradia, que o cronista diz sêr <
(16) Esta renda anual e perpetua de 150.008 rs. ficou encorporada no usufruto do morgadio de Agua de Mel, na freguesia de Santo António do Funchal, instituido por D. Maria de Betencourt, mulher de Rui Gonçalves da Câmara, na pessoa de seu sobrinho Gaspar de Betencourt. Na sucessão de vários administradores coube esta casa vinculada a D. Guiomar Madalena de Vilhena Betencourt de Sá Machado, de quem foi universal herdeiro e sucessor João Carvalhal Esmeraldo de Atouguia e Câmara, décimo administrador do vinculo do Santo Espirito da Lombada dos Esrneraldos, como adiante se ver&, passando assim essa renda de 150.000 rs. a fazer parte dos rendimentos deste iiltimo morgadio-

çáo da casa solarenga da Lombada, da edificaçáo das capelas e da instituição dos morgadíos, devidas a fecunda iniciativa do fidalgo flamengo, nos ocuparemos em capítulos especiais. Constituiti família e foi tronco de larga descendencia, ("1 tendo morrido, em idade muito avançada, a 19 de Junho de 1536 e sido sepultado na capela do Santo Espirito, por êle fundada no ano de 1508.

João Esrneraldo e o futuro descobridor da América Existe na cidade do Funchal uma via pública, que desde séculos conserva o nome de Rua do Esmeraldo. Ate os principios do ano de 1877, erguia-se nela uma casa apalaçada, com a arquitectura caracteristica das edificações do século xv, que era uma ampla construção de dois andares, encimada por um vasto eirado, e que tinha para o tempo o aspecto duma suntuosa habitação aristocratica, destinada a residencia de nobres e opulentos moradores. Dessa aparatosa construção, que em grande parte se conservou até a idade contemporanea, ficaram interessantes fotografias, inumeras vezes reproduzidas em muitos livros e revistas, existindo ainda uma caracteristica janela bipartida, em estilo renascença, que hoje se encontra artistica e devotadamente colocada nos jardins da magnifica Quinta da Palmeira, na Estrada da Levada de Santa Luzia, propriedade do inteligente e benemérito industrial Henrique Hinton, que ali conserva com a maior veneraçáo e apreço (17) João Esmeraldo contraiu primeiras nupcias com D. Joana Gonçalves da Câmara, neta de Jo%oGonçalves Zargo e filha de Martim Mendes de Vasconcelos e de D. Helena Gon alves da Câmara, e casou segunda vez com Agueda de Abreu, filha de joão Jernandee de Andrade, mais conhecido pelo nome de João Fernandes do Arco, por sêr senhor de muitas terras no Arco da Calhêtai, ande tinha casa solarenga e ali instituiu itm morgadío. Do primeiro matrimónio nasceu Jo%oEsmeraldo e do segundo Cristováo Esmeraldo, que foram os primeiros administradores dos vinculos do Vale da Bica e d o Santo Espirito.

aquela preciosa reliquia do passado. Ainda existem contemporaneos que viram e conheceram de perto essa casa, que se levantava entre as ruas do Sabão e do Esmeraldo, com as suas frontarias para as mesmas ruas e no local em que actualmente se abre a Travessa ou Rua de Cristovão Colombo. O flamengo João Esmeraldo foi possuidor e provavelmente o proprio edificador dessa antiga e nobre residencia, segundo vários livros de linhagens o atestam, náo podendo aduzir-se serios árgumentos, que contradigam essa afirmativa. Diz uma antiga e ininterrupta tradição, corroborada pela autoridade do vários escritores, que o futuro descobridor da América foi, nessa histórica casa, hospede de João Esmeraldo, com quem manteve relações da mais afectuosa estima. O caso vem especialmente tratado, com larguesa e com mestria, na interessante Memória sobre a residencia de Crisfovâo Colornbo na Ilha dil Madeira, devida a pena culta e elegante do ilustre madeirense Agostinho de Ornelas, distinto diplomata e membro da Academia das Ciencias de Lisboa. Anteriormente a Agostinho de Ornelas, abundando na mesma opinião e coin a grande autoridade do seu nome, tambem se ocupou dêste assunto o abalisado professor e acadernico dr. Alvaro Rodrigues de Azevedo, o escritor que mais larga e proficientemente se tem ocupado das cousas histhricas dêste arquipélago, de que são prova incontestada as preciosas e eruditas anotações que acompanham a ediçáo das Saudadt7s da Terra de 1873, além de outros valiosos trabalhos. Quisi todos os autores, que escreveram acêrca da vida misteriosa e aventureira de Cristovão Colombo, afirmam que êle casara com D. Filipa Moniz, filha de Bartolorneu Perestrelo, prinieiro capitão-donatário da ilha do Porto Santo, e que ali nascera, por 1475, o seu filho primogénito e sucessor Digo Colombo, sustentando tambern que o navegador tivera uma permaneiicia mais ou menos demorada na Ilha da Madeira, como é natural que houvesse acontecido, sendo então, porventura, que estreitaria relações amistosas com o fidalgo flamengo que deu o nome ii rua do Esmeraldo. Não ha motivos para engeitar a afirmativa do veneravel bispo D. Bartolomeu de Las Casas, que, na sua conhecida obra Historia de las Indias, publicada

ha cêrca de ciiicoenta anos, nos diz que Diogo Colombo nasceu na ilha do Porto Santo, acrescentando que recebera esta informaçao da própria boca do filho do descobridor da A~nérica. Muitos outros autores teem sustentado igiial opii~ião,iiáo sendo para estranhar que a pessoa, que agora traça estas linhas e quando exerceu um cargo oficial iiayuela ilha iio iiltimo yuartelo do século X I X , houvesse recebido vários pedidos da cópia autentica do assento d e iiascime~itode Diogo Colombo, tão generalisada se tornara essa plausivel opiniáo. Conio já atrás fica dito, era a Madeira, nessa época, náo só o mais importante empório comercial que se formara nas novas terras descobertas e portanto o mais apetecido ponto de atracção para os forasteiros que deixavam os seus países em busca de ambicionada fortuna, mas tambem o centro quási forçado a que convergiam todos o s que afariosamente se entregavam á s explosaçóes maritimas, tornando-se o Funchal uma verdadeira escola de navegacão e onde se podiam colher as mais exactas informações e as mais detalliadas noticias àcêrca dos mares, ilhas e continentes, que muitos pretendiam avidamente devassar e descobrir. É muito de presumir que Cristovão Colombo. tendo vivido largo tempo em Lisboa e feito o seu tirocinio de navegador coin marinheiros portugueses, procurasse tallibem visitar a Madeira, afim de obter novos elementos para a realisação do gigantesco plano, que certamente ha muito lhe assediava o espirito. A data mais provavel da permaiiencia de Colombo nêste arqiiipélago está compreendida no periodo decorrido de 1743 a 1745, sendo no primeiro dêstes anos, que João Esmeraldo aforou ou comprou a Rui Gonçalves da Câmara, como já fica referido, as terras da Lombada da Ponta do Sol. Não seri, pois, inteiramente inverosimil aceitar-se a possibilidade de ter o futuro descobridor da America visitado aquela propriedade, a admitir-se as estreitas relaqões de amisade, que entre os dois se mantinham, chegando a afirmar-se que João Esrneraldo dera ao seu seg~indo filho o nome de Cristovão, como homenagem ao ainigo, que, ao ternpo. já era o ilustre e festejado descobridor do Novo Mtitlcl!~.

O rapto de D. Isabel de Abreu Vários nobiliários e antigas crónicas referem pormenorisadamente o conhecido episódio do rapto de D. Isabei de Abreu, a que Gaspar Frutuoso tambem consagrou seis estiraçadas páginas, (18) o que prova a grande retumbancia que o caso teve na época, havendo ate sido aproveitado alguns séculos depois, por poetas e novelistas, para assunto de diversas composições em prosa e verso (I@).A principal protagonista dessa cavaleirosa e tomantica façanha foi D. Isabel de Abreu, irmã de D. Agueda de Abreu e cunhada de Joáo Esmeraldo, e teve seu epilogo nas terras da Lombada, que serviram de teatro a essas cenas de puro feudalismo, que hoje, vistas a luz dos costumes da nossa época, nos causam tamanha admiração e assombro. Seguindo a larga descrição das Saudades da Terra, deixámos nas páginas do Elucidario Madeirense uma breve narrativa dêsse episbdio, da qual vamos trasladar alguns periodos, que ponham mais em relevo a acção dramática desse curioso sucesso, ocorrido a pequena distancia da Idade Media, época fertiljssima em acontecimentos de semelhante natureza. D. Isabel de Abreu, que era viuva de Joao Rodrigues de Noronha, filho do terceiro capitao donatário do Funchal Simão Gonçalves da Câmara, vivia na sua casa do Arco da Calhêta, possuidora duma avultada fortuna, quando Antonio Gonçalves da Câmara, sobrinho do mesmo capitáo donatrlrio e que ali morava próximo, se introduziu violentamente e a desoras nas casas de D. Isabel, com o fim de a levar a contrair casamento com ele. D. Isabel conseguiu convencer António Gonçalves Câmara da inconveniencia (te)

Saud. pag. 197 e seg.

Entre outros, Silva Lial, no vol. 7.' do Panorama, com o titulo de *Bemquerer e mal fazer.. (19)

duma proposta de casamento em tais condições e convidou-o a comparecer no dia seguinte, para se tratar entáo das formalidades do matrimonio, a que ela de boa mente acederia. Fez-se António Gonçalves da Câmara acompanhar duma comitiva de cêrca de cincoenta cavaleiros da Ponta do Sol e Ribeira Brava, dirigindo-se a casa de D. Isabel, que no dizer dum cronista se fez .forte em suas casas com sua gente que muita tinha, e achando-se António Gonqalves zombado, injuriado e afrontado se tornou para sua fazenda, embarcando-se dali a poucos dias para Lisboa*. Decorridos alguns anos voltou António Gonçalves da Câmara a sua casa da Madeira, sem perder de vista o velho intento de casar com D. Isabel de Abreu. Dirigindo-se esta a vila da Calhêta, em companhia de alguns parentes, e passando em frente da moradia de António Gonçalves, tomou este a s redeas do cavalo em que ela montava e auxiliado por gente armada obrigou-a a entrar violentamente em sua casa. Dado conhecimento do estranho caso ao ouvidor do Funchal, por estar ausente o capitao-donatdrio, compareceu êste com uma numerosa força armada, tendo esta que defrontar-se com a resistencia que ia op6r-lhe António Gonçalves, pois se preparava para desobedecer ás ordens do ouvidor, conservando D. Isabel de Abreu presa em sua casa. Estava iminente uma encarniçada luta, em que de ambos os lados havia partidários, parentes e amigos, quando António Gonçalves da Câmara e D. Isabel de Abreu assomando a uma varanda da residencia declararam que tinham chegado a um amigavel acordo e que podiam retirar-se o ouvidor e a força que o acompanhava. Quando êstes se dispunham a partir, fez D. Isabel de Abreu sentir ao seu prometido esposo que avindo com o Ouvidor muitos parentes seus e amigos, não era razáo que sem comer se tornassem por tão comprido caminho e jii que tudo estava em paz os convidasse.. Acatando os desejos de D. Isabel de Abreu, mandou António Gonçalves, que .entrasse o ouvidor com a sua gente, alcaides, meirinhos e juizes de todas as vilas e logares daquela capitania na sala, e arremeteu D. Isabel e apegou-se a êle dizendo e queixando-se que António Gonçalves forçosamente a tinha naquela casa e que lhe valesse com j u s t i ~ a ~Na. companhia do ouvidor e dos cento e cincoenta homens que compu-

nham a força armada, seguiu D. Isabel de Abreu para os Funchal, indo, porem, pelo adiantado da hora, pernoitar nas casas de seu cunhado João Esmeraldo, que ficavam na Lombada da Ponta do Sol e eram a séde do rnorgadio do Santo Espirito. António Gonçalves da Câmara não era homem para resignar-se a sofrer um novo ludibrio, que êle considerava a maior das afrontas, por parte da mulher que queria conquistar, levado pela violencia do amor, pelo orgulho ofendido ou pela ambição de possuir a sua fortuna. Logo se preparou para a desforra e desta vez resolvido ás .mais extremas violencias. Reuniu imediatamente vários parentes e amigos e muitos homens armados das freguesias visinhas, sem exclusão de ladróes e assassinos que por ali andavam homisiados, preparado tambem com dois falcões, que eram peças de artilharia do tempo, afim de atacar as casas onde se encontrava D. Isabel de Abreu com os 08ciais de justiça. Pôs-lhe apertado cerco, ate que, no fim de oito dias, considerando os parentes de D. Isabel os males que podiam resultar desta luta sangrenta, resolveram que o casamento se realizasse, pondo-se dêste modo termo a uma contenda em que entravam, além de muitos outros, quatro irmãos, dois de cada lado, prestes talvez a mutuamente se darem a morte. Chegados D. Isabel de Abreu e António Gonçalves da Câmara, diz Gaspar Frutuoso, a sua fazenda, e recebendo-se ambos, foram feitas grandes festas e bodas, em que comeram todas aquellas pessoas que os acompanharam. Estavam na sala primeira dos seus paços quatro potes de prata fina em quatro cantos della, que levaria cada hum delles tres almudes d'agua, com quatro pucaros de prata, cada pote com o seu, presos com cadeyas do mesmo : e toda aquella gente honrada que se achou naquelle banquete, que seriam mais de duzentas pessoas, fóra outras, e servidores que eram mais de outros tantos, comeram todos em baixella de prata, sem se entremeter no serviço cousa de barro, nem estanho, onde se gastaram ricos e exquesitos manjares de toda a sorte, como os sabem fazer a s delicadas mulheres da Ilha da Madeira, que além de serem mui bem assombradas, mui fermosas, e discretas, e virtuosas, sáo extremadas na perfeição delles, e em todas a s inven-

çbes de ricas cousas que fazem, não tão sómente em pano com polidos lavores, mas tambem em assucar com delicadas fructas >>. D. Agueda de Abreu, irmã de D. Isabel de Abreu, não se conformando com o casamento nem com as violencias que o precederam, apresentou suas queixas ao monarca, que mandou a Madeira o desembargador Gaspar Vaz sindicar do estranho caso, resultando serem alguns condenados A morte e outros a desterro. Ant6nio Gonçalves da Câmara homisiou-se e fugiu depois para Canárias, emquanto sua mulher se recolhia ao convento de Santa Clara. Das Canárias dirigiu-se a Africa e aí prestou valiosos serviços, assinalando-se pela sua bravura e coragem. Isto e mais ainda, por certo, a interferencia de sua mãi D. Joana de Eça, que era camareira-mór da rainha, junto do monarca, alcançaram-lhe o perdão e p8de voltar a paitria, onde ainda viveu alguns anos com sua mulher D. Isabel de Abreu.~(9 O estranho e pitoresco episódio, que fica sumariamente narrado, deve ter ocorrido pelo ano de 1531,segundo as indicaçdes fornecidas por alguns antigos nobiliários madeirenses. Não sabemos se Joáo Esmeraldo o Velho, que ao tempo era homem de idade muito avançada, se encontrava então no seu solar da Lombada, mas algures se diz que o filho Cristovao Colombo estava ausente, batalhando no norte de Africa, onde se distinguiu como esforçado cavaleiro. E' de presumir que estas circunstancias aconselhassem D. Isabel de Abreu e os que a acompanhavam, naquela arriscada e porventura trágica aventura, a ceder a brutal imposiçao do orgulhoso e tresloucado pretendente, consentindo-se, por fim, no casamento, que talvez se tivesse realisado na capela do Santo Espirito, sede e centro do morgadío na Lombada, ainda posta em apertado cerco pelas forças aguerridas de Antdnio Gonçalves da Câmara. (ao) D.Joana de Eça, mãi de Antúnio Gonçalves da amara, era camareiramór da rainha D. Catarina e gosava de grande prestigio e irffiuencia na corte, tendo sida por sua indicação que o padre Luiz Gonçalves da Câmara, seu próxinio parente, fâra nomeado mestre e aio do rei D. Sebastiao. D. Joana de Eça foi a restauradora e padroeira do comenta da Esperança em Lisboa,e ainda ha poucas anos se encontrou nas ruinas da respectiva igreja a pedra que cobria a sua sepultura, tendo nela gravado o seu nome com o titulo de padroeira.

A industria sacarina Embora as vastas e fertilissimas terras da Lombada náo podessem produzir, no tempo de João Esmeraldo e ainda mesmo em epoca muito posterior, as vinte mil arrobas de açucar de que tão hiperbólicamente nos fala Frutuoso, e todavia indubitavel que a Ponta do Sol, não só foi um dos primeiros lugares em que mais largamente se procedeu ao plantio da cana sacarina, como tambem em breve se tornou um dos maiores centros industriais no fabrico do açucar, graças ao notavel desenvolvimento que o distinto fidalgo flamengo soube imprimir a cultura agricola e á s industrias suas derivadas. As referencias do autor das Saudades veem apenas confirmar a importancia dêsse movimento industrial e fornecer-nos interessantes noticias ácerca dos meios de que geralmente naquela epoca se lançava mão para a cultura das terras e outros elementos de colonisação. Haja vista o que posteriormente se deu, em mais larga escala, com o povoamento e as exploraçbes agricolas nas terras brasileiras. Como já atrás referimos, os escravos africanos foram os melhores auxiliares que tiveram os sesmeiros continentais no amanho das terras que lhes eram coricedidas. E não admira que chegasse a oitenta o numero desses pobres negros sujeitos á servidão, existentes nas fazendas da Lombada e de que Esmeraldo se servira para o rêpido desenvolvimento agricola que elas chegaram a atingir. Eram muito rudimentares os processos empregados no fabrico do açucar, quando, por meados do século xv, se desenvolveu largamente a cultura da cana sacarina. Umas prensas manuais, construidas de madeira e conhecidas pelo nome de alçapremas, constituiain as primitivas maquinas em que eram esmagadas as canas e obtidas as respectivas garapas. Vieram depois os a engenhos. com cilindros feitos de troncos de til, de dificil e penoso manejo

braçal, a que os fortes musculos dos escravos davam um vagaroso mas continuado movimento. O primeiro engenho movido a 5gua data do ano de 1452, em que foi feita a Diogo Teive uma concessão para o construir (P*) e levantado na margem duma das nossas ribeiras, mas em local que hoje se desconhece. Havia então o açucar chamado duma e de duas cozeduras, sendo o primeiro de qualidade superior ao segundo. No livro do doutor Manuel Constantino, publicado em Roma no ano de 1599, encontram-se o s seguintes interessantes pormenores : ...a garapa passa por cinco recipientes sucessivamente, de modo que a primeira a entrar, logo que chega a ferver até um certo ponto vai sendo baldeada para outros recipientes, onde coze a fogo brando, separadamente, até chegar aquêle ponto preciso, que permite a sua condução em recetaculos feitos d e terra ou barro. A segunda espuma, pois a primeira 6 deitada fóra, que na continuação da fervura ou cozedura vai aflorando, é guardada em pipas e é muito parecida com o mel, se bem que um pouco mais liquida e escura. Os madeirenses chamam-lhe *melaço. e dêle se servem apenas para a engorda de cavalos misturado com farelo e palha. Os comerciantes franceses e ingleses, porem, exportam-no para os seus países, usando-o em lugar de mel Era nas chamadas .casas de purgar. que os açucares se depuravam e recebiam os últimos aperfeiçoamentos de fabrico, sendo ali convenientemente preparados para o consumo local e sobretudo para a exportaçáo. Quando João Esmeraldo, nos fins do século XV, desenvolveu um grande movimento fabril e agricola nos seus domiiiios da Lombada, jB teria entao a industria açucareira atingido um relativo estado de perfeiçao nos seus processos de fabrico, sendo todavia muito provavel que Esmeraldo houvesse notavelmente concorrido para que essa lucrativa ind~istriafosse ainda melhorada e aperfeiçoada nas qualidades da sua produçáo, se atendermos ao seu genio empreendedor e ao alto de grau de prosperidade a (21)

Saudades, ed. de

1873, pag. 66!5.

(12) lfistdria da ftha da Madeira pelo Doutor Manuel Constantino, vertida do latim pelo padre J. Baptista de Afonseca e prefaciada e anotada pelo autor dêste *pusculo. Funçhal, 19.3.

que soubera elevar a cultura daquelas terras, que então constituiam a mais vasta e rica propriedade de todo o arquipklago. As <
IX

As instituições vinculares João Esrneraldo, nobre de origem, com fóros de fidalguia confirmados pelo rei de Portugal, senhor abastado de extensos dominios territoriais, quis transmitir êsses direitos e regalias aos seus descendentes e assegurar-lhes a perpetuidade dos titulos e bens de fortuna de que largamente usufruia. As instituições vinculares, com a intacta transmissão de haveres inalienaveis em sucessivos administradores e entre membros da mesma família, perpetuavam os nomes dos seus fundadores e permitiam manter com prestígio e por vezes com brilho os privilégios e honrarias inerentes a essas instituições, tão ambicionadas na 6poca e que gosavam da maior consideraçáo social, ainda mesmo acima da virtude, do saber, do talento e da riqueza. Foi assim que João Esmeraldo, destinando a vinculação as terras da Lombada da Ponta do Sol, que correspondem aos actuais sítios da Lombada propriamente dita, do Jangao e do Lugar de Baixo, e ainda outros haveres que possuia, instituiu os dois morgadíos do Santo Espírito e do Vale da Bica, que foram dos mais importantes que existiram em todo o arquipélago. Por escritura pública de 12 de Junho de 1522, na presença e com pleno assentimento de sua mulher D. Agueda de Abreu e seus filhos João Esmeraldo e Cristovão Esmeraldo, fez João Esmeraldo o Velho, já entáo assim conhecido, a divisão da Lombada em duas grandes propriedades, estabelecendo uma linha divisória,

que se estendia do Pico das Pedras, junto do Paul da Serra, pelo chamado Caminho do Concelho até a Cova do Pico da Amendoeira e dêste ponto até entestar com a s gguas do mar. Pela inorte de João Esmeraldo vriam lançadas sortes e caberia a cada filho a parte que os azares das rnesrnas sortes houvessem de indicar. Esta escritura, porem, iiao criava ainda a s instituições vinculares, que foram estabelecidas por iilstrumentos públicos de datas posteriores, se é que foram, por êste meio, instituidos o s dois vinculos e não sómente um, como adiante teremos ocasiáo de dizer. O morgadío do Saiito Espirito teve a sua fiindação no ano de 1527, por escritura pública de 12 de Dezembro do mesmo ano, sendo aprovado e confirmado por carta régia de 28 de Janeiro de 1528, a qual, apezar da sua grande extensão, vamos transcrever aqui textualmente, não só pelo particular interesse que oferece ao assunto desta memória histórica, mas ainda como um subsidio de informação para o estudo dos costumes e da mentalidade dos homens dessa época. Trata-se dum manuscrito origiginal, em pergaminho, lançado com bela caligrafia e em excelente estado de conservação, que s e encontrava no copioso cartório da casa do segundo Conde de Carvalhal, ultimo sucessor na administraçáo do morgadio do Santo Espirito. Ei-10 : ~ D o i nJohã por graça de Ds. Rey de Portugal e dos algarves daquem e dalein mar em Africa Snôr da Guinee e da conquista navegaçám comercio da Ethiopia, Arabia, Persia e da India a quantos esta minha carta virem: faço saber que por parte de Joahm smeraldo fidalgo de minlia casa e Agueda dabreu sua molher moradores na minlia illia da madeira Me foy apresentado hum p~iuricostormento de iristituiqirn de morgado que ora fizeram dua parte de seus bees: no qiial o trelado he o seguinte. Em nome de Ds. Amen. Saibam quatitos este stormento de instituiçam e vinculaçam de bees assim dizirneiros como foreiros em fatiota para sempre virem que no ano do nascimento de nosso Sn6r Jhu Cristo de niil quinhentos e vinte sete anos em doze dias do mez de dezembro ria ilha da Madeira na Lombada e assentamento de Joham smeraldo o Velho que he no termo da cidade do Funchal : sendo elle hi presente e Agueda dabreu sua inltlher presente mi notario pruuico e testemunhas ao diante scriptas: estes ambos dixeram que elle Joham smeraldo tinha aforada ri dita lombada em fatiota a Ruy Gonçalves que foy capitam da ilha de Çam Miguel e a dona Maria de Betancor sua molher: e assi na Lombada tinhá comprado muita terra outra por carta de compra que era dizemeira: e mais tinhã dizemeiras outras terras e casas e

cngenlios pegados com a villa lia Ponta d o Sol : E assim tintiã um niiiito tionrado aponsentametito na cidade d o Fuiichal corri outras casas pequenas: e que sua vontade fora sempre por serviço d e Ds. e salvaçam de suas almas: e pelo grande amor que teni a seu filho Christovam smeraldo lhe fizeram morgado da legitima pte d a fazenda que tem na dita illia assi dizemeira como foreira: e porque lia tnuitos dias que eles Joliaiii snieraldo e Agueda dabreii sua niolher tem feita partillia de toda sua fazenda assi forcira como patrirnoniaf antre o dito Christovam smeraldo e Joliarn smeraldo seus fillios : por ;ião terem outros filhos iiern herdeiros legitimos e naturais : nem OS speram por via de natureza a ter por serem já velhos, a qual partilha tem feito antre elles para depois da morte de qualquer delles sews pais: elles ditos seus filtios lançarem sortes e tomarem cadaurn seu quinharn que por sorte lhe acontecer da partillia que eles sews pais tem feita: por consentimento e aprazimento delles dictos seus filhos a qual partilha Iie confirmada por El-Rey nosso Snbr segundo milhor e mais cotnpridamente tudo consta no stormento da partilha confirmada pelo dicto Snôr. E porque os passados deste mundo por memoria de suas boas obras vivem: deixando casas e bees de morgado suas almas podem receber de seus sucessores obras caritativas porque mereçam : temendo ads. e querendo-lhe dar gracyas das muitas merces que Ilie tem feitas: querem ordenar como ordenado tem este morgado: d o qual se seguem muitos proveitos a seus sucessores: por que quando fica cabeça nas linhagens se pode inillior conservar a nobresa e o s fidalgos e liomeês nobres ainda que em rniiitas fadigas se uissetn : tendo morgado sempre seus fillios ficaão repairados e seiis parentes tem abrigo e meltior emparo do que poderiam ter seiido a fazenda dividida por partes : F'orque se viram muitos Iioiiieês de niuito grandes fazendas e rendas por deixarem muitos filtios e siias fazetidas serem por eles repartidas o s dictos seus filhns ficarern pobrcs e fenece a rnemQria dos dictos defuntos e de setis Iierdeiros coelles : e portanto eles sempre tiveram e tetn voiitade a viriciilar o s ditos bees: para que etn nenliiini tempo possam ser vendidos trocados escáibados e sempre andeni em o Iierdeiro legititiio prinio geiiito barrim e seus descendentes. D o qual rnorgado cóstittieni ao dito Christovam smeraldo seu fillio ern atnetade de todos (1s bees de raiz que direitamente lhe pertencem por bem da dita partillia; e que aqueles bees que acontecerem ao dito Christovam smeraldo seu fiiiio em sorte e partillia segundo forrna d o stormento das partiliias acima dicto e relatado: desses diçrram que faziam o dicto morgado: e aqiiella metade que assi Ilie acontecer nos ditos bees: essa será a que sempre andará junta e avinculada e em morgado: da maneira que dito tem e nó outros algiilis. E quanto Iie aos bees d o Arco que ella Agueda dabreu tem lierdado por tiiorte de seu pay e tnay, estes ficam de fora para ela Agueda dabreu, delles despoer o que bem Ilie vier: segundo se contem no dito stormento e contrauto das partilhas: e por esta causa o melhoram ern parti: de suas terças alem de sua legitima: segundo s e contem no dicto stormento d e

partilhas. E na socessam d o dicto morgado s e tem a maneira seguinte: avendo o dicto Christovam smeraldo fill~osbarões legitimos d e legitimo matrimonio herdam o primo genita sendo abile e idonio para isso: porque não o sendo o que Ds. não mande herdará então o segundo e ficari por primo genito: e emquanto houver filho macho não herdará femea: e sendo caso que não haja filhos machos antani herdarA femea a mayor e primo genito sendo abile para casar porque quando não for abile e idonea para casar o averá a segunda filha de sorte que o dicto morgado seja possuido e administrado por pessoas idoneas e autas para isso. E quando hi nõ houver mais que hum macho e nõ for idoneo e abile para herdar o dicto morgado: querem que em tal caso que venha a femea mayor sendo para isso abile e quando o não for vira a segunda: e se não ouver segunda entam ficará com o primo genito macho sem embargo de n õ ser abile e idoneo: porque assi querem que lhe fique sendo caso que nõ aja senó hum filho. E sendo caso que não seja para isso abile e idoneo lhe ficará o dicto morgado e sempre andará o dicto morgado por linha direita de ascendente em descendente de filho a neto ou neta nó avendo neto como dicto he: E nõ havendo hi descendente d o dito Christovam smeraldo d e legitimo matrimonio o que Ds. nõ mande nem queira: sendo elles constituintes falecidos herdar8 o dicto morgado o parente seguinte em grao pela maneira d a socessam acima dicta porque querem q avendo hi parente em grao macho nõ herde femea. E porque nossa vontade he enquanto for possivel que o dicto morgado ande em nossos descendentes para sempre por linha direita: sendo caso que o dicto Christovam smeraldo nosso filho n õ aja filhos ou filhas legitimos de sua molher avendo algum filho ou filha bastardo de mollier solteira sendo legitimado por El-Rey nosso Snôr Ihes apraz que o herde tendo-se nelles a maneira d a sucessam acima decrarada. E querem e Ihes apraz qiie esta maneira d a sucessarn por eles acima decrarada com todalas clausulas que dictas tem em seu filho Christovam smeraIdo s e tenha em todos os socessores deste morgado para todo o sempre. E assim querem e mandam que os socessores do dicto morgado para o averem de herdar s e chame e nomeem para sempre do apelido e alcunha de smeraldo. Aos quaes mandam que cumprão e paguem o f ô r ~d a dita fazenda foreira ao tempo que elles são obrigados paguar segundo forma do stormento do aforamento: o qual foro pagaram muito bem ao senhorio que pellos tempos forem da dita fazenda foreira: e mais os socessores d o dito morgado seram obrigados comprir para sempre os carregos da capela que elles Joham Esmeraldo e sua molher tem ordenado : segundo se contem no stormento das ditas partílhas. E porque El-Rey nosso Snôr aprouve dar outorga a este morgado e para milhor declaraçam e ordenaçam delle foi necessario declarar o que dito he: E por que o dicto Christovam smeraldo seu filho ainda nõ tem filho nem filha a que periodiq na socessam e o dito morgado ser j& feito e elles Joham smeraldo e sua mulher serem ainda possuidores de toda a dita fazenda e assi dela senhores como sempre foram e porque suas vontade he cornprir se esta instituiçam e vinculaçam n o

milhor modo e maneira, que poder ser e por direito mais valer. E pedem por mercê a sua Alteza que a confirme e a ella dê todo o poder e firmeza para que sempre seja valiosa e firme e com todas estas declarações a confirme: E se aqui falecer alguma crasula ou: crasulas que necessarias sejam para se cumprir e afirmar a dita instituiçam as aviam aqui por expostas e declaradas: e que sua Alteza as possa por elles soprir e declarar. E se tambem aqui ha algii8 ou algiias crasulas que empidam a dicta instituiçam e vinculaçam elles as aviam nenhiias nem expressas porque suas tenções são o dito morgado ficar hiia vez firme e valioso para sempre. E o dicto Christovam smeraldo que a isso presente estava dixe que era muito contente de os dictos seu pay e rnay fazerem o dito morgado da maneira acima dicta e que ainda que no dicto morgado entrassem os beês e fazenda que elle avia de herdar de sua legitima por morte dos dictos seu pay e may: elle todavia era contente e lhe prazia que delles se fizesse o dicto morgado e nisso consentia expressamente e pormeteo de em todo comprir o neste stormento conthiudo : por si e por seus socessores decendentes: pede por merce a El-Rey nossa Snôr que o confirme da maneira que o s dictos seu pay e may o pedem e requerem. E bem assi a esto presente estava Dona Lionor datouguia molher do dito Christovam smeraldo: ouvio ler de verbo a verbo este storrnento; e eu tabaliarn lhe perguntei se consentia ella e avia por bem o nelle conthiudo e por eila foy dicto que neste caso nom era necessario seu consentimento : porquanto ella casara com o dicto Christovarn smeraldo per dote e arras e nos dictos beês que assi o dicto Joham smeraldo fazia morgado ella nãc avia d e herdar nem meeyra: porque somente a via daver seu dote e suas arras no caso em que as vencesse. Porem ella por mais abastança: se seu consentimento aqui era necessario ella consentia nisso e o aprovava e avia por bem assi como nelle era conthiudo e queria que se guardasse e comprisse em todo. E em todo o tempo se obrigaram elles partes ter e comprir este storrnento e condiçõeS delle, e nenhum se nom arrepender nem afastar a fora per nenhuã razam: sobre obrigaçam de todos seus bees moveis e de raiz avidos e por aver que pera ello obrigaram e em testemunho de verdade mandaram e outorgaram assi ser feito este stormento e pediam cadauu o seu e os que Ilie cumprissem deste theor. Testemunhas que ao presente foram Christovam Fernandes crelego de missa seu capeHam e Manuel Simaáo outrossy crelego de missa stantes na dicta Lombada e Rui pires moleiro do moinho delles Joáo smeraldo e sua molher: e as dictas Agueda dabreu e dona Lionor datouguia per s e per suas rnaãos a firmaram por saberem screver e eu Joham liz escorceo notario pubrico por El-Rey nosso Snôr na dicta cidade e seus termos que este stermonto de contrauto e instituiçam e vinculaçam de morgado em meu livro de notas notei e delle tirey e escrevi aqui em dezoito folhas pera o dicto Christovam smeraldo e com o próprio original concerteí e de meu puuico sinal assinei. Pedindo me por merce os ditos Joáo smeraldo e Agueda dabreu sua molher que lhes aprouasse e confirmasse o dicto stormento d e instituiçam de more

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gado com todas as crasulas e condições em elle decraradas asi e tarn inteiramente como em elle se contem: e visto por mim o dicto stormento vendo que a tençam e fundamento dos dictos Joham smeraldo e Agueda dabreu he justo e honesto e assi mesmo que he muito meu serviço e dos Reys que pelos tempos ao diante forem Tenho por bem e Ilie aprouo e confirmo o dicto stormento e instituiçam de morgado assi e tam inteiramente como em elle se contem e com todalas crasulas e condições em elle conthiudas. E isto nom se dimenuindo as legitimas doutros herdeiros legimos dos dictos instituidores se os ouurer. E assi quero e mando que em tudo se cumpra e guarde e seja firme e valioso sem embargo de quaesquer leis e ordenações direitos façanhas e oupeniões de doutores e de quaesquer outras cousas que em contrario nisso sejam e possam ser per qualquer' guisa modo e maneira que seja e todo ey por reuogado e anulado e quero que seja nenhum e de nenhum vigor nem força emquanto contra a dicta instituiçam de morgado forem. E posto que sejam ties que de feito ou de direito se devesse fazer aqui dellas ou de cada huua dellas expressa mençarn por que assi como se aqui expressamente fossem decraradas quero que haja lugar esta minha derogaçáo. E porém mando a todos meus corregedores desembargadores juizes justiças e a todos outros oficiais e pessoas a que esta minha carta for mostrada e o conhecimento dela pertencer que em todo a ci~mprã e guardem e façam comprir ter manter e guardar o dicto stormento de instituição de morgado como se em elle contém sem duvida nem embargo ne contradiçam algua que a ele seja posto porqiie assi he minha merce. Dada em a minha villa dalmeirim a xxbnr das de Janeiro Antonio Godinho a fez de ibcxxb111. E isto ey por bem e mando que se cumpra pelo modo sobredito nõ prejudicando a qualquer direito que os senhorios direitos das terras foreiras que nesta carta de morgado vam metidos nela púderiá ter assi por rezam do direito dominio como por qualquer outra maneira que seja e como se neste nó fossem postas ne fosse esta carta por mim confirmada EZ-Rey S.

Era verosimil e até muito provavel o admitir-se que João Esmeraldo e sua mulher D. Agueda de Abreu, logo após a celebração da escritiira de partilha das terras da Lombada em dois grandes lotes, a favor de João Esmeraldo e Cristovão Esmeraldo, e ainda tambem depois de feita a instituição dum morgadio na pessoa deste último, se seguisse a criação doutro rnorgadio, que vinculasse a parte restante das mesmas terras, as quais sómente por morte dos instituidores seriam divididas, por meio de sortes, entre OS dois filhos de João Esmeraldo o Velho. Da instituição vincular, que teve Cristovão Esmeraldo por primeiro administrador, deixamos acima transcrita a respectiva escritura e a confirmacáo do rei, mas do morgadio de que João Esmeraldo foi

o primeiro administrador não temos conhecimento do instrumento público que o instituiu, e até num processo judicial de meados do século xvir, havido entre os morgados do Santo Espirito e do Vale da Bica, se alega que êste último náo chegára nunca a sêr criado e que portanto não podiam &r alegadas a favor dêle as leis que regulavam as instituiçaes vinculares, no que dizia respeito a sucessão dos seus administradores. Parece que os senhorios directos dos terrenos do Vale da Bica se consideravam dentro do regimen e dos privilégios inerentes aos morgadíos, porque tinham a primeira escritura de partilhas feita por João Esmeraldo na conta e com a força duma verdadeira institui@o vincular. Foi esta a doutrina que prevaleceu, apesar da falta dum documento autentico, que sem vislumbres de dúvidas provasse a existencia legal dessa criação.

Casa Solarenga Era sem duvida a mais ampla e aparatosa casa solarenga dos campos da Madeira, que ainda situada numa cidade populosa náo deshonraria a jerarquia dos seus mais ilustres moradores. A grande e apalaçada frontaria, de aspecto nobre e senhoril, os seus três espaçosos pavimentos, o numero e largueza das suas salas, os vastos pateos e eirados, a sua invejavel situação sobranceira aos terrenos circunjacentes, tendo ao lado a rnagnifica capela, tornavamna uma suntuosa vivenda de ricos e antigos fidalgos, que ali ostentassem o fausto e a grandeza da sua opulencia, de par com o brilho e o aparato dos seus armoriados brazões e pergaminhos. Volvidos uns tantos anos, como exemplo eloquente da caducidade das cousas terrenas, vemos a asa negra da miseria roçar sinistramente por estas paredes, que foram testemunhas mudas das ilusórias vaidades humanas, que por ali delirantemente se estadearam . . . Presume-se que o primitivo solar da Lombada tivesse sido edificado pelo flamengo João Esrneraldo, em época

coeva da construção da capela do Santo Espirito, isto 6 , na primeira década do século XVI. Não seria inicialmente de proporções tão aparatosas e teria no decorrer dos tempos recebido ampliações e melhoramentos, a medida que a instituição vincular, por êle criada, fora crescendo em riqueza, prestigio e importancia social. No último quartel do séciilo s v r , ai por 1590, diz o historiador açoreano #que.. . foi esta a maior casa da ilha e tem grandes casarias de aposentos, casas de purgar, igreja.. .>),como já atrás fica referido. Por essa época, era administrador dos dois vinculos João Esmeraldo de Atouguia, que conjecturamos ter sido o que ampliou a casa solarenga, a que alude o doutor Gaspar Frutuoso. A administraçao dos dois morgadíos separou-se, mas as casas de habitação ficaram pertencendo a ambos, com grandes inconvenientes para os dois usufrutuArios, ate que, no ano de 1679, Luiz Carvalhal Esmeraldo, morgado do Santo Espirito, trocou, por oito dias de água, a parte que nas mesmas casas tinha António de Carvalhal Esmeraldo, morgado do Vale da Bica. A essa troca se refere a seguinte inscriçáo lapidar, que se encontra no pateo interior e sobre o limiar da porta, que dava entrada para o salão nobre :-<<Estas casas reedifcou Luir Esrneraldo de Atouguia possuidor legitimo do morgado do Santo Espirito que venceu a primeira demanda por sete votos conformes e a segunda por três todos confirmaram ser o legitimo sucessor e proprietário e de oito dias de rigua ao morgado da Bica 1679- Troquei por metade destas casas arruinadas a dita água.. Pelos dizeres transcritos se vê que Luiz Esmeraldo de Atouguia restaurou a velha casa solarenga, que então se achava já em adiantado estado de ruina. A inscriçáo tambem se refere ao grave e prolongado pleito judicial, havido entre os administradores das duas casas vinculadas, com respeito ao direito de administração e sucessão das mesmas, da qual nos ocuparemos em outro capítulo dêste opúsculo. Na porta exterior do solar, que dá acesso ao primeiro pateo, encontra-se no alto do limiar uma pedra lavrada com um escudo esquartelado, tendo no primeiro quartel as armas dos Ciimaras e nos outros tres as dos Esmeraldos e lendo-se nessa pedra a data de 1672 e o nome de Luiz Esmeraldo.

Junto da inscrição, que se acha sobre a porta que comunica o salão nobre com o eirado, encontra-se gravada na cantaria da mesma porta a data de 1780, que parece recordar a ligação então estabelecida entre o referido eirado e o sobredito salão, e tambem a realisação de importantes melhoramentos executados naquela parte do grande solar. Ficaram na tradição as noticias das deslumbrantes festas, que em diferentes épocas se realisaram no vasto solar da Lombada dos Esrneraldos, sobresaindo a todas as que o segundo Conde do Carvalhal e último administrador dêste vinculo ali estadeou, com o seu costumado brilho e aparato, nas rápidas passagens que fazia por estas casas, pois 6 sabido que o mais tempo vivia no estrangeiro, na sua casa de Lisboa e ainda no palácio de São Pedro ou na suntuosa quinta do Palheiro do Ferreiro. Estas arruinadas casas pertencem hoje (23) ao Ministério das Colónias com a faculdade de cede-las para a instalação duma escola, que eduque e prepare o pessoal missionário destinado ás nossas colonias ultramarinas.

XI

As Capelas Deve supor-se que na grande propriedade da Lombada, quando a sua exploração agricola atingiu um apreciavel desenvolvimento e se tornou o fóco dum importante centro de população, se levantaria sem demora uma pequena capela, como geralmente sucedia nos recintos das fazendas povoadas, espalhadas em diversos pontos da Madeira. Teria sido, porventura, Rui Gonçalves da Câmara, o flamengo Joáo Esmeraldo ou talvez os próprios habitantes dêste povoado os edificadores da modesta edicula, cuja existencia remontamos aos primeiros anos do terceiro (23) A T ~ 8.0-S
quartel do século XV, sendo hoje impossivel determinar com precisa0 o local em que fora construida e o nome da sua invocação. C a p e l a de S a n t o Amaro. Diz-nos o ilustre anotacior das Saudades da Terra que João Esmeraldo o Velho instituiu a capela de Santo Amaro antes do ano d e 1500, havendo ponderosos motivos para supôr que esta foi posteriormente edificada aquela de que acima fazemos menção. Da primeira não restam vestigios e talvez tivesse sido demolida, afim de erguer-se, no seu próprio local, a igreja do Santo Espirito, como abaixo mais largamente se dirá. Da segunda existem ainda uns montões de antigos escombros, que bem denunciam a sua incontestavel vetustêz. Os restos de velhas paredes e umas caracteristicas seteiras nelas abertas indicam-nos a antiguidade destas venerandas ruinas. O abandono a que foi votada e a sua quási completa destruição devem atribuir-se especialmente a construç&o da igreja do Santo Espirito, na primeira decada do seculo xvr, que pela sua situação e largueza oferecia maiores' comodidades dos habitantes do lugar. Não é para causar estranheza que havendo Joáo Esmeraldo mandado edifimr uma ampla e bem ornada igreja, fizesse convergir para ela as suas mais cuidadas atenções com prejuizo da capela de Santo Amaro, que anteriormente mandara construir. O mesmo aconteceu com os diversos sucessores na administração do vinculo do Santo Espirito, porque, desde ha seculos, não se acha ela consagrada ao exercicio do culto. Capela do Santo Espirito. Como já deixámos dito, conjecturamos que tivesse sido, no próprio local da antiga ermida, que João Esmeraldo levantasse a nova capela, nos principios do século XVI, que Gaspar Frutuoso, nos fins do mesmo s ~ c u l o ,chama enfaticamente igreja, e que, na verdade, como tal poderia ser considerada, se atendermos a certas condiçbes do meio. O novo templo não recebeu apenas a ordinária e costumada benção do Ritual, ministrada por um presbitero, mas teve a aparatosa sagraç8o episcopal, o que deve atribuir-se à sua amplidão, à relativa irnportancia do lugar e tambem, por certo, a categoria social do seu fundador. Foi o bispo de Tanger Dom Joáo Lobo que procedeu no ano de 1508 a sua sagração, dizendo-se algures que viera expressamente a Madeira presidir a cele-

bração dessa ceremónia religiosa, o que nos parece destituido de todo o fundamento ("1. Numa das paredes interiores da actual igreja, conserva-se uma lápide, porventura a mesma que se encontrava na antiga construção, onde se leem as palavras seguintes : Esta Igreja foi consagrada por D õ Joam Lobo Bispo de Tãiere aos 27 de Agosto de 1508.. Teve capelão privativo desde o tempo do seu fundador, como se vê dum documento atrás transcrito, constituindo a manutenção do seu culto um dos mais obrigatórios encargos pios do morgadío do Santo Espirito, havendo sempre os seus administradores guardado inalteravelmente os deveres que lhes eram impostos como padroeiros desta capela. Decorridos dois séculos, era administrador da instituição vincular Cristovão Esmeraldo de Atouguia e Câmara, moço fidalgo da casa real e uma das pessoas mais prestigiosas do meio social madeirense, que resolveu alargar as proporçbes da pequena igreja e orna-la com o mais aprimorado esmero, imprimindo-lhe a autentica feição duma capela de antigos paços reais, apesar do isolamento do lugar e da distancia a que se achava da cidade do Funchal. Demoliu a velha capela, que foi totalmente reedificada, dando-lhe maior amplidáo, levantando-se nela cinco altares e sendo dotada com as mais primorosas decorações interiores no precioso trabalho de talha dourada, nas belas telas que revestem as paredes, no rico e artistico lambris de azulejos que cobre o roda-pes do templo e na magistral esculturaçáo das figuras que adornam os altares. J8 alguem chamou a esta capela um pequeno museu de arte, e sendo na verdade um templo da fé cristã, não deixa de sêr tam'

(24) D. João Lobo, bispo de Tanger, era membro qualificado da Ordem de Cristo, a que pertenciam no espiritual as novas terras descobertas e conquistadas, em virtude das várias doações feitas pelos monarcas portugueses. Antes da criação da Diocese do Funchal, aquela Ordem enviava para êste arquipélago os sacerdotes que aqui exerciam os actos do ctilto, mandando em 1508 o bispo D. João Lobo desempenhar nesta ilha as funções do ministério episcopal, afim de satisfazer os instantes pedidos dos habitantes, pois que havia já cêrca de oitenta anos que se iniciara o povoamento e ainda nenhum prelado viera a Madeira, o que constituis um grave prejuizo para os interesses religiosos dos seus moradores. No interessante livro do dr. Vieira Guimarães, intitulado A Ordem de Cristo, lemos:-aja em 1508 para satisfazer os desejos destes reclamantes, o Vi ario de Tomar (superior eclesiastico da Ordem) Ihes enviou o bispo de anel João Lobo, que foi esperado elo mestre Frei Nuno com toda a cíerezia e lhe fizeram muitas festas*. D. Jogo Lobo demorou-se mais dum ano nesta ilha, percorrendo todas as freguesias e exercendo solicitamente a s diversas funções do seu cargo.

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sido reparada foi benzida novamente em 10 de Junho de 1894 com as solenidades do estilo pelo prelado diocesano D.Manuel Agostinho Barreto~,que se encontra numa das paredes interiores da mesma capela. Todas a s instituições vinculares estavam oneradas com os chamados <<encargospios., a maior parte dêles d e caracter perpetuo e que principalmente consistiam na celebração de missas e na satisfação de certas obras de piedade e beneficencia, que os instituidores estabeleciam como sufragio de suas almas e descargo de suas consciencias. Não faziam excepção a esta regra os morgadios da Lombada. Na capela do Santo Espirito foram impostas certas obrigações aos seus administradores e tendo o primeiro Conde do Carvalhal, sucessor na administração dêste vinculo, pedido a remodelação e reduçáo dessas obrigações ao prelado diocesano D. Frei Joaquim de Menezes e Ataíde, obteve deste, por sentença de 23 de Maio de 1814, que os encargos pios inerentes a mesma capela consistissem, a partir desta data, em manter ali um capelão privativo, que dicesse a missa ao povo em todos os domingos e dias santificados e na celebração de cento e trinta e tres missas por várias intenções Queremos pôr em relevo uma circunstancia digna d e ponderação. A igreja do Santo Espirito ou do Espirito Santo, segundo a forma mais comum de linguagem, sómente é conhecida por esta denominação nos diplomas oficiais, documentos ou livros que a ela se refiram, dando-lhe em geral o povo o nome de Capela de São João e tambem da Conceição ou ainda a maneira mais simplificada de Capela da Lombada. E bastante antiga a denominação popular de Sáo João e talvez devida ao facto de celebrar-se nesta (25).

(25) As 133 missas deveriam ser aplicadas pela seguinte maneira : 10 por alina de Francisco do Couto, 20 por João de Mouia Rolini, 2 por Pedro Ribeiro Esmeraldo, 1 por D. Maria de Vasconcelos, 1 por Beatriz de Andrade, 20 por João Esmeraldo o Velho, 10 por D. Guiomar do Couto, 1 por D. Maria da Câmara, 1 por Francisco Manuel Moniz, 2 por Rui Mendes de Vasconcelos, I por Gaspar de Vascoticelos, 2 por D. Maria Figueiroa, 1 por D.Bernardo d e Betencourt de Sá Machado, 1 por D. Serafina de Menezes, 2 por D. Guiomar de Moura, 1 por D. Guiomar de Sá, 10 por João Rodrigues Mondragão, 10 por Manuel Fernandes Tavares, 8 por D. Isabel Correia, 5 por Afonso Enes, 1 por João de Ornelas e Vasconcelos, 1 por Baltazar Machado de Miranda, 11 por D. Maria de Betencourt, 7 por Gonçalo Dias, 1 por Luiz António Esmeraldo Teles de Menezes, 1 por D. Lourença de Mondragão.

capela, com grande brilho, a festa do Percursor do Messias, ali representado por uma primorosa estátua esculpida em madeira, objecto de especial veneraçáo por parte dos habitantes daquelas vizinhanças. A capela de Santo Arnaro ou antes o montáo de ruínas que dela resta e a magnifica Igreja do Santo Espirito, ambas de propriedade particular e pertença do antigo moro gadio da Lombada dos Esmeraldos, foram cedidas pelo governo da metropole a Diocese do Funchal, com os seus respectivos anexos, para o livre exercicio do culto, ficando sob a direcção imediata do pároco da freguesia da Ponta do Sol. Capela de Nossa Senhora da Piedade, É mais vulgarmente conhecida por capela do Jangao, tomando o nome do sítio em que se encontra edificada. A parte oriental da grande propriedade constituia o morgado do Vale da Bica e sendo dêle 8." administrador António de Carvalhal Esmeraldo, mandou construir, no sítio do Jangão, uma capela consagrada a Nossa Senhora da Piedade, nos primeiros anos do Último quartel do skculo XVII, isto 6, pouco anteriormente ao ano de 1679, data em que, num documento autentico, se faz referencia a dita capela, então recentemente edificada. Em 1777 o morgado Francisco Xavier de Ornelas de Vasconcelos procedeu nela a várias reparaçóes, sendo novamente benzida no mês de Agosto daq~iêleano. No ano de 1879, o conselheiro Agostinho de Ornelas de Vasconcelos, 15." administrador da casa vinculada do Vale da Bica ou do Jangao, mandou tambem executar nela alguns trabalhos de restauração, por se encontrar e m estado já adiantado de ruina, tendo procedido a sua benção, no dia 12 de Outubro do referido ano, o arcebispo de Goa D. Aires de Ornelas de Vasconcelos, irmão do proprietário da capela. Capela de Santo Antbnio. Os vastos terrenos, que constituiam a Lombada da Ponta do Sol, foram divididos em duas partes distintas, por ocasiáo da institui(-1;)

(21;) Art." 7."-São cedidas para exercicio do culto, a favor da diocese d o Fiinchal, as capelas denominadas Nossa Senhora da Conceição ou Santo Espirito, no sítio da Carreira, na Lombada dos Esmeraldos, Concelho da Ponta do Sol ; e Santo Amaro, no dito sitio da Lombada com os seus anexos (Decreto 11.'' 19268, de 24-1-1931).

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çáo dos morgadios do Santo Espirito e do Vale da Bica ou Jangao, ficando pertencendo a êste último o importante sítio do Lugar de Baixo, mas em virtude duma divisão amigavel feita entre os dois primeiros administradores daqueles vinculos, passou poucos anos depois a sêr pertença do rnorgadío do Santo Espirito. Presumimos que tivesse sido João Esmeraldo de Atouguia, terceiro administrador dêste último vinculo, o fundador da capela de Santo António, no sítio do Lugar de Baixo, pelos primeiros anos do século xvir. Os últimos proprietários destas terras, a firma comercial A. Giorgi & C?, demoliram a capela e a casa adjunta, já então bastante arruinadas, fazendo-as substituir por uma construção inteiramente nova, com uma excelente moradia e uma pequena capela anexa, tambem dedicada a Santo António, que foi solenemente benzida a 25 de Fevereiro de 1906 pelo prelado diocesano D.Manuel Agostinho Barreto. Os encargos pios da antiga capela de Santo António tambem foram reduzidos por sentença episcopal de 5 de Abril de 1819, ficando os respectivos padroeiros obrigados a manter o serviço dum capelão permanente, que diria a missa aos habitantes do sítio em todos os domingos e dias santos, e h celebração perpetua de quarenta missas conforme as intenções exaradas na referida sentença. (27)

XII

A administração dos vinculos Como já fica dito e repetido, o fidalgo flamengo João Esmeraldo quis transmitir aos seus descendentes com caracter de perpetuidade os vastos dominios territoriais d e (27) Seriam as 40 missas celebradas pelas almas de Afonso Enes Colunibreiro, António Malheiro o Velho, Francisco Aurélio da Câmara Leme, Pedro Leme, D. Antónia Maria de Menezes, Sebastião de Morais o Velho, Sebastião de Morais o Moço, João Gomes de Andrade, D. Antónia de Morais, João Nunes, f). Mariana de Menezes, D. Catarina Leme, João Gomes da Ilha, D. Catarina d e Barros, João Lopes, Henrique Moniz, D. Isabel de Andrade, D. João José de S& e Francisco Fertiandes.

que era possuidor e tambem as honrarias e privilégios de que gosava como nobre de origem e que o rei de Portugal confirmara e ampliara nos diplomas atrás referidos e transcritos. As instituições vinculares, tão ambicionadas na época, satisfaziam absolutamente êsses desejos, dando-se a criação do vinculo do Santo Espirito ou da Lombada e o do Vale da Bica ou do Jangão, no tempo e nas condiçbes, que já deixámos descritas em capítulos anteriores. Tendo João Esrneraldo falecido no ano 1536, logo os seus dois filhos João Esmeraldo e Cristováo Esmeraldo, em observancia das disposições paternas, procederam ao sorteio dos dois morgadíos, cabendo a João Esmeraldo, filho mais velho e do primeiro matrimonio, as terras do lado oriental que confinavam com a Ribeira da Caixa, isto é os sítios do Jangão e do Lugar de Baixo, e caindo em sorte a Cristovão Esmeraldo, filho do segundo matrimónio, os terrenos do lado ocidental, que tinham como limites a Ribeira da Ponta do Sol. Por pouco tempo se guardaram a s últimas vontades do velho João Esmeraldo, com respeito a divisão dos bens territóriais da Lombada, por isso que a viuva D. Agueda de Abreu e o filho Cristovão Esrneraldo, considerando-se lesados, persuadiram o enteado e irmão a consentir em uma nova partilha, ficando o importante sitio do Lugar de Baixo fazendo parte do dote da viuva e fóra dos bens que constituiarn as áreas dos dois morgadios. Parece que mais uma vez se repetiu a conhecida partilha da fabula, em que Cristovão Esmeraldo fez o papel de leão, sendo manifesta a inferioridade do vinculo do Vale da Bica com relação ao do Santo Espirito, ainda mesmo antes do cerceamento das terras do Lugar de Baixo. Mas essa inferioridade reveste as proporções duma injusta e violenta extorsão, se considerarmos a situação, natureza e extensão dos terrenos que formavam o morgado do Santo Espirito, comparadas com a s do Vale da Bica. A este propósito, deparámos com a seguinte interessante informação, que temos por fidedigna : .. . Cristovão Esrneraldo, já então Provedor da Fazenda Real e homem prático e positivo levou a part du lion, deixando ao irmão, homem de genio folgasão e gastador, uma parte muito menor do que na primeira partilha~.A propriedade do sítio do Lugar de Baixo, por morte de D.Agueda de Abreu, ocorrida em 1545, foi integrada

no morgadío do Santo Espirito e nêle permaneceu até 6. abolição das instituições vinculares. João Esrneraldo, diz-nos o conselheiro Agostinho d e Ornelas, pouco tempo sobreviveu Bquêle contrato leonino e deixou uma filha única, D. Antónia Esrneraldo, que o tio Cristovão Esmeraldo, logo tratou de casar com seu filho António Esmeraldo, ainda irnpubere. Obtida a necessária dispensa de Roma, celebrou-.se o casamento em Lisboa no ano de 1539, sendo o contraente representado por seu pai como procurador. O rei D. João 3.0 levou muito a mal que para esta aliança se não pedisse o seu consentimento, mandando logo tirar a noiva da casa de seu tio D.Pedro de Moura, onde se achava, e recolhe-la no Paço, condenando Cristovão Esrneraldo em duzentos cruzados de multa e dois anos de degredo para Africa. Este degredo não era então o que e hoje e cumpria-se servindo o degredado nobre, na guerra, com todas as honras e liberdades que lhe competiam. Apesar do poder real, Cristovão Esrneraldo apelou para Roma e obteve uma Bula, expedida ao arcebispo do Funchal D. Martinho de Portugal, mandando entregar a noiva ao marido e tirá-la do poder de quem quer que a retivesse por mais elevada que fosse a sua jerarquia (2s). O casamento de António Esmeraldo com sua prima D. Antónia Esmeraldo, filhos dos dois primeiros administradores dos morgadios do Santo Espirito e do Vale da Bica, determinou a reunião das duas casas vinculadas. D. Antónia Esrneraldo morreu sem descendencia e nomeou seu marido António Esmeraldo na sucessão do Vale da Bica, o qual, falecendo tambem sem geração, teve como sucessor na administracão de ambos os morgados a seu irmão João Esmeraldo de Atouguia, que morreu em 1618. Nêste ano entrou D. Ana Esrneraldo, irmã do precedente, na sucessão do Santo Espirito e Francisco Gonçalves da Câmara, sobrinho e genro do mesmo João Esmeraldo de Atouguia, na administraçao do vinculo do Vale da Bica, Não tornaram a reunir-se as duas casas, de que nos dois capítulos seguintes, daremos a relaçao completa dos respectivos administradores. (28) Informa-nos o conselheiro Agostinho de Ornelas que os documentos respeitantes a êste interessante caso se encontram no Arquivo Nacional da Torre do Tambo no Corpo Cronologico, parte lea, maço 62, doc. 12 e seg.

XIII

Administradores do mor~adio do Santo Espirito u

O primeiro administrador desta casa vinculada foi Cristovão Esmeraldo, filho do instituidor Joao Esmeraldo o Velho e de sua segunda mulher D. Agueda de Abreu. Nasceu por 1498, tendo-se afirmado que Joáo Esmeraldo dera ao filho o nome de Cristovão, como preito de homenagem e de devotada estima ao descobridor da America, a o tempo já celebrado navegador, havendo então realisado a sua terceira viagem as terras do Novo Mundo (*).De Cristovao Esmeraldo refere pitorescamente o historiador das Ilhas que < c . . .o mais do tempo andava na cidade do Funchei sobre uma mula muito formosa, com oito homens detrdz de si, quatro de capa e quatro mancebos em corpo, filhos de homens honrados muito bem tratados; e trazia grande contenda com o capitam do Funchal sobre quem seria Provedor d'Alfandega d'El-Rey, que he uma rica cousa de renda de sua Alteza, e ricas casarias.. Segundo nos informa o Elucidário Madeirense (I- 33) obteve Cristovão Esmeraldo a nomeação de Provedor da Alfandega no ano de 1550 e teria certamente moradia no actual e ainda aparatoso e&ficio daquela repartição, construido no primeiro quartel do século s v i e cujo andar nobre era destinado a residencia dos Provedores, sendo certamente a esta construçiio que Gaspar Frutuoso, nos fins do século XVI, chamava .ricas casarias.. Cristováo Esmeraldo casou com D. Leonor de Atouguia, neta de Luiz Alvares da Costa, fundador do convento de Sáo Francisco. Combateu em Marrocos, distinguindo-se como valente soldado. Tentou reunir os vinculos do Santo Espirito e do Vale da Bica, casando o seu filho primogenito e sucessor António Esmeraldo, que ainda nao atingira a puberdade, com sua sobrinha D. Antónia Esme(-9) Vid Merndria sobre a residencia de Chrisfovam Colombo na flha da Madeira por Agostinho de Ornelas, Lisboa, 1892.

raldo, filha herdeira de João Esmeraldo, como fica descrito no capitulo anterior. Segundo Administrador: António Esmeraldo, filho d o precedente, que casou com sua prima D. Antónia Esmeraldo, filha herdeira e sucessora do administrador do morgado do Vale da Bica, ficando assim reunidas as duas casas vinculadas. Este casamento, que se realisou em Lisboa, provocou um ruidoso processo, como já deixámos referido. Não houve descendencia. Terceiro Administrador: João Esrneraldo, irmáo do anterior, sucedeu nesta administração, tendo tido tambem a do vinculo do Vale da Bica. Casou cum D. Ana Correia, filha de António Correia o Grande e morreu sem geraçao legitima, sendo seu sucessor no vinculo do Santo Espirito sua irmã D. Ana Esmeraldo. Quarto Administrador: D. Ana Esmeraldo, irmã dos dois precedentes, que casou com António Carvalhal, conhecido pelo Sansão madeirense, em virtude da grande força muscular de que era dotado (m). Tinha muitas terras na freguesia da Ponta Delgada, que vinculou a favor de seus descendentes e aos quais se transmitiram, sendo o Último possuidor delas o segundo Conde do Carvalhal. Com este casamento, entrou na descendencia dos Esmeraldas o apelido Carvalhal, nome pelo qual se tornou mais conhecida esta antiga e nobre família madeirense. Quinto Administrador: Pedro Ribeiro Esmeraldo, filho dos anteriores, cuja posse foi contestada e pleiteada nos tribunais, seguindo-se longas demandas. Casou com D. Joana de Noronha, filha herdeira de Francisco Gonçalves da Câmara. Sexto Administrador: Francisco Gonçalves da CAmara, filho do precedente, que casou com a sua parenta D. Isabel Esmeraldo, filha bastarda do 3." administrador. Não deixou descendencia e morreu em 1630. Setímo Administrador: Luiz Esmeraldo de Atouguia, (:#o) Gaspar Frutuoso, com aquela conhecida prolixidade que ás vezes dedica a assuntos de pequena monta, ocupa-se com largueza dos actos de valentia muscular praticados por António Carvalhal, pondo tambem em relêvo aias acções de generosa liberalidade com que recebia todos os que procuravam a sua casa, que era então a mais afamada e acolhedora existente em todo o norte & ilha. Era cavaleiro de Cristo e fidalgo escudeiro, tendo morrido no ano de 1598 e sido sepultado na Igreja do Senhor Bom Jesus da freguesia da Ponta Delgada.

e Câmara, sobrinho de Francisco Gonçalves da Câmara,

6." administrador, que tomou posse do morgadío depois de renhidos processos judiciais e a que já nos referimos nq

capitulo Casa Solarenga. Matrimoniou-se com sua prima D. Isabel Esrneraldo e Câmara. Oitavo Administrador :Cristováo Esrneraldo de Atouguia e Cimara, fidalgo da Casa Real, que nasceu em 1665 e casou em 1697 com D.Helena Teresa de Castro, natural de Goa e filha de Aires Teles de Menezes, da casa dos Condes de Vila Pouca de Aguiar. No capitulo referente A capela do Santo Espirito, já nos ocupamos dêste oitavo administrador do vinculo, por ter sido o reedificador dessa capela com a magiiificencia que deixamos descrita. Nono Administrador: Luiz António Esmeraldo de Atouguia e Câmara Teles de Menezes, filho dos precedentes. Nasceu no Funchal a 10 de Maio de 1703 e casou em 1730 com D.Leonor Josefa de Vilhena, filha de Luiz de Vasconcelos de Betencourt, morgado do Loreto. Decimo Administrador: João Carvalhal Esmeraldo de Atouguia e Câmara, filho do nono administrador, tendo nascido a 3 de Setembro de 1733 e casado com D.Isabel Maria de Sá Acciaioli, filha do morgado Francisco Aurelio da Câmara Leme. Foi herdeiro da casa vinculada de sua tia D. Guiomar Madalena de Vilhena Betencourt de Sá Machado, possuidora de vdrios morgadios e a mais rica proprietária da Madeira e uma das maiores de todo o país. Morreu a 7 de Agosto de 1790 e foi sepultado na capela do Santo Espirito da Lombada dos Esrneraldos. Décimo Primeiro Administrador: Luiz Vicente de Carvalha1 Esrneraldo de Atouguia e Câmara, que casou com D. Ana Inácia Henriques de Vilhena, tendo falecido em 1798 sem deixar descendencia. Lemos a seu respeito, num livro de linhagens, que foi <> Décimo Segundo Administrador: João José Xavier de Carvalhal Esmeraldo Vasconcelos de Atouguia Betmcourt Sá Machado, irmao do precedente e primeiro Conde do Carvalhal da Lombada. Nasceu no Funchal a 7 de Março de 1778 e morreu na mesma cidade a 1 1 de Novembro d e 1837, sendo sepultado na capela de São JoBo Baptista da

Quinta do Palheiro Ferreiro e tendo sido feita a trasladaçáo dos seus restos mortais para o jazigo da família Carvalhal no cemitério das Angustias, pouco depois no ano de 1882. Em outro lugar deixámos exaradas a seu respeito a s linhas que vão transcrever-se : Sucedeu na importante casa de seu irmao Luiz Vicente de Carvalhal Esmeraldo de Sá Machado, o qual, segundo afirma um distinto linhagista, .era senhor de mais de doze morgadios grandes, que o constituiam o vassalo mais rico em bens patrimoniais de Portugal*. O conde de Carvalhal foi, não s6 o mais abastado proprietliris da Madeira, mas a sua casa era uma das primeiras do país, em que se tinham reunido muitos vinculos e morgadios, possuindo vastas propriedades em quasi todas a s freguesias desta ilha e ainda no continente do reino e nos Açoreq deixando além disso, por sua morte, mil e tantos contos dt reis em vdrios estabelecimentos de crkdito ingleses. Num curioso documento oficial, dirigido pelo corregedor desta comarca ao governo d a , metropole em 1823, se diz que o conde do Carvalhal tem <>,o que para a epoca re* presentava lima renda verdadeiramente colossal para este arquipélago. Vivendo sem fausto nem ostentação, era no entretanto um homem de animo generoso e liberal, de que deu sobejas provas, sobretudo por ocasião de algumas crises por que passou a Madeira, tenda sido uma verdadeira providencia para esta terra, contribuindo poderosamente para debelar essas crises com a força do seu prestigio, da sua influencia e da sua grande fortuna. Arcou por vezes com a ganancia desmedida dos negociantes de vinho, principalmente estrangeiros, que, mancomunando-se, faziam baixar o s preços dos mostos com grande prejuizo dos pobres lavradores. Afecto as ideias liberais, teve que emigrar para Inglaterra na corveta de guerra inglesa Alligator a 22 de Agosto de 1828, quando a Madeira foi ocupada pelas tropas miguelistas. Em Londres foi não só o desvelado protector dos madeirenses ali emigrados, mas socorreu generosamente todos os compatriotas que a êle se dirigiam, afirmando-se que nisso dispendera muitas dezenas de contos de reis.

Estabelecido o governo constitucional, regressou a esta ilha em fins de 1834, e por carta regia de 13 de Setembro de 1835 foi nomeado governador civil dêste arquipelago, tendo sido pouco antes, a 5 do mesmo mês e ano, agraciado com o titulo de conde do Carvalhal da Lombada. Os cuidados da administração da sua grande casa e mais ainda as doenças de que ha muito sofria, afastaram-no dentro de poiicos ineses do governo do distrito, que muito violentado aceitara e únicamente para aceder aos desejos dos principais proprietários e influentes desta ilha. Dt;cinzo Torceiro Administrador : João Francisco da Câmara Carvalhal Esmeraldo de Atouguia Betencourt Sá Machado, sobrinho do primeiro Conde do Carvalhal, era filho de D. Ana Josefa da Câmara Carvalhal Esmeraldo, irmá do mesmo conde, e do morgado João Francisco da Câmara Leíne. Nasceu êste décimo terceiro administrador a 2 de Julho de 1801 e casou em 1822 com D.Teresa Xavier Botelho, filha do distinto escritor e governador e capit8ogeneral da Madeira Sebastião Xavier Botelho, da casa dos condes de Sáo Miguel. João Francisco da Câmara Esmeraldo era oficial do exercito, moço fidalgo da Casa Real, comendacior da Ordem de Sáo Tiago e foi eleito deputado e senador por este arquipelago nos primeiros tempos do constitucionalismo. Morreu no mês de Abril de 1854. Decirn o Quarto e Ultimo Administrador: Ant óiiio Leandro da Câmara de Carvalhal Esmeraldo Atouguia Betencourt S i Machado, segundo conde do Carvalhal, que era filho dos precedentes, nasceu no Funchal a 6 de Abril de 1831, tendo falecido no Palácio de São Pedro da mesma cidade a 4 de Fevereiro de 1888. Herdeiro duma das mais op~ilentascasas nobres de Portugal e das maiores em bens territoriais, veiu a falecer numa situaçáo próxima da pobreza, chegando talvez a sentir os primeiros rebates da indigencia, que se aproximava a passos agigantados. Foi O último administrador das terras vinculadas do Santo Espirito, que ainda em sua vida foram vendidas em hasta pÚblica, como consequencia duma administração insensata e ruinosa. Vamos tarnbem transcrever aqui as palavras que no Efucidíirio Madeirense, da nossa co-autoria, deixámos consagradas à sua memória: <<Semse notabilisar em nenhum ramo do saber humano, nem se ter evidenciado em

acontecimentos que ficam registados na história, foi contudo, no dizer dum seu admirador e amigo, <
casa, onde representaram notabilidades e onde concorria a primeira sociedade da capital. Em Paris gastou fortunas com o deslumbramento da sua vida faustosa e perdulária.. . Ficaram celebres a s brilhantes festas do Palheiro do Ferreiro, em que a mais alta e requintada distinção se reuniam as prodigalidades dum poderoso nababo. O conde do Carvalha1 veiu expressamente a Madeira para receber o infante, depois rei, D. Luis, e tanto no palácio de S. Pedro como na quinta do Palheiro, admirou o futuro rei de Portugal os dotes de estremada fidalguia e da mais inexcedivel distinção dum genuino representante da velha aristocracia madeirense. Na casa Carvalhal tinham-se reunido diversos vinculos ou morgadíos, sendo o mais importante o do Santo Espirito, na Lombada da Ponta do Sol. Dêste morgado foi o 14.0 e último administrador o 2." conde do Carvalhal, que tambem herdára a casa vincular instituida na freguesia da Ponta Delgada por Manuel Afonso Sanha e sua mulher D. Mecia de Carvalhal nos principias do século xvr, e ainda os vinculos de Agua de Mel, do Paul do Mar, dos Lemes, etc., não contando com outros situados em diversos pontos da illia e tambem nos Açores e no continente do reino. Possuia vastas propriedades em todas as freguesias da Madeira, chegando a sêr a casa Carvalhal a segunda ou terceira do pais em bens territoriais. O conde de Carvalhal, entre outras comissões de serviço público, exerceu o lcgar de presidente da Câmara Municipal do Funchal e tinha a gran-cruz da ordem de Isabel a Católica e outras condecoraçóes estrangeiras. Casára em 1854 com D. Matilde Montufar Infante, filha dos marqueses de Selva Alegre, em Espanha, e dêste consorcio nasceram D. Maria da Câmara, que casou com o conde de Rezende e D. Teresa da Câmara, condessa do Ribeiro Real, Depois duma vida tão agitada, vieram a ruína, o infortunio, a saudade e a doença defrontar-se com o heroi de tantas aventuras. Lutou e lutou nobremente, mas.. . a morte derrubou-o ainda na idade pujante dos 56 anos. Bulhão Pato, nas suas Memdrias, e ainda outros escntores contemporaneos do Conde do Carvalhal referem-se "várias vezes ao ilustre titular e sempre com grande elogio e com o mais subido apreço.

XIV

Administradores do morgadío do Vale da Bica Primeiro Administrador: Joáo Esmeraldo, filho do instituidor Joáo Esmeraldo e de sua primeira mulher D. Joana Gonçalves da Câmara. Consentindo depois da morte de seu pai em fazer novas partilhas com sua madrasta D. Agueda de Abrea e com seu irmão Cristovão Esmeraldo, perdeu a grande propriedade do Lugar de Baixo, que fazia parte integrante da instituição vincular do Vale da Bica, ficando esta num grande plano de inferioridade relativamente a outra, como já se acha referido noutro capitulo. Distinguiu-se no norte de Africa como valente guerreiro e dele falam com louvor Gaspar Frutuoso nas Saudades da Terra, Faria e Sousa na Africa Portuguesa e Manuel Tomás na Insulanu. Casou com D. Filipa de Brito, filha de João Mendes de Brito, herdando de seu pai a administração do importante morgadio da Apresentação, na Ribeira Brava. Segundo Administrador: D. Antónia Esmeraldo, filha do anterior, que casou com seu primo António Esmeraldo, segundo administrador do morgado do Santo Espirito, ficando dêste modo reunidas as duas casas vincttladas. Não deixou descendencia. Terceiro Administrador: Antonio Esmeraldo, marido da precedente, que herdou este morgado por morte de stia mulher, continuando na administração dos dois vinculos e morrendo, sem geraqáo, no ano de 1545. Quarto Administrador : Cristovão Esrneraldo, pai do anterior, que entrou nesta administração por morte de seu filho e teve tambem a do morgadio do Santo Espirito. Quinto Administrador : Joáo Esrneraldo de Atouguia, filho segundo do precedente, que foi terceiro administrador do Santo Espirito, usufruindo ambos os vinculos. Entrou e m 1555 na administração do morgado do Vale da Bica. Sexto Administrador: Francisco Gonçalves da Câmara, genro e sobrinho do anterior, que casou com D. Isabel Esrneraldo, não deixando descendentes.

Setimo Administrador: Jorge da Câmara Esmeraido, irmão do precedente administrador Francisco Gonçalves. A posse de Jorge da Câmara foi impugnada e por esse motivo correram loiigas demandas, vindo finalmente a suceder nesta administração o seu fillio, que se segue. Oitavo Administrador: Antonio de Carvalhal Esmeraldo, filho do anterior, que morreu no ano de 1699, sem sucessor legitiiiio. Foi êste que construiu a capela de Nossa Senhora da Piedade, no sitio do Jangão, pouco antes de 1679. No120 Administrador: Aires de Ornelas de Vasconcelos (1 677-1 737) sobrinho do precedente, que era o oitavo administrador do importante morgadio do Caniço, cuja instituição data dos fins do século XV. Era moço fidalgo da Casa Real e Patrão-Mór da Ribeira. Casou com D. Cecilia Maria Madalena de Aguiar França, herdeira duns vinculos no Porto Moniz e na Calheta. O morgadio do Vale da Bica entroii na casa vinculada dos Ornelas no ano de 1699. Décimo Administrador: Agostinho Antbnio de Orneias de Vasconcelos, (1 71 8-1 774) filho do anterior. Mostrandose hostil a politica de Pombal, que tinha como representante nêste arquipélago o sobrinho do marquês o gover-e nador e capitão-general João António de Sá Pereira, foi por este desterrado para as terras do Caniço e ali faleceu iio ano de 1774, sendo sepultado na capela de Nossa Senhora da Consolação de que era padroeiro. Dkcimo Primeiro Administrador: Francisco Xavier d e Ornelas de Vasconcelos, (1 746-1 796) filho do precedente, que foi pessoa rnuito considerada no meio social madeirense pelas suas qualidades de caracter e vasta cultura iiitelect~ial. Dc;cimo Scgízndo Administrador: Agostinho de enelas de Vascoiicelos (1774-181 O), sendo filho do anterior e tendo casado coin D. Luisa Júlia de Castelo Branco. D~;cimo Terceiro Administrador: Aires de Ornelas, (1801-1828) filho do anterior e que foi casado com D. Ana da Câmara Leme. DPcimo Quarto Administrador : Aires de Ornelas de Vasconcelos, tio do anterior (1779-1 852). Décimo Quirzto Administrador: Conselheiro Agostinho de Ornelas de Vasconcelos, filho do precedente, que nasceu no Funchal em 1836 e morreu na Alemanha em 1901.

bacharel elii direito, deputado, par do reino, diplomata, escritor e académico, foi um dos mais distintos madeirenses do século XIX. Da pequena biografia que dêle deixámos escrita no Elucidário Madeirense, vamos extratar alguns periodos: <
alcançado um nome honroso na história do seu país, se de todo se houvera dedicado ii carreira das letras. A obra prima de Goethe, a famosa tragédia o Fausto, era pouco menos do que desconhecida entre n6s. O conseliieii-o Agostinho de Ornelas abalançara-sa A arriscada empreza d& ti+asladar em vernaculo o mais admiravel produto d n litcrnt~iraalemá. Arduo e dificil trabalho era esse para o nosso ilustre biografado, que não sendo um poeta quis traduzir em verso portugues a obra genial do maior poeta da Alemanha. A versáo ressentiu-se dessa circunstancia, e força é cniifessar que a forma poetica nem sempre saiu isenta de irnperfeiqóes. Muitas vezes essas imperfeições obedeceram ao desejo, elevado ate ao mais apurado escrupulo, de traduzir fielmente o pensamento de Goethe, embora com evidente sacrificio da forma. A traduçiio de António Feliciano de Castilho, que apareceu mais tarde, é sem duvida correctissirna e ornada de verdadeiras galas poeticas, inas feita sobre uma imperfeita versa0 francesa e com os arrojos e liberdades do seu estro de prirnorosissirno poeta, distaricia-se com alguma frequencia do original aleináo, parece~idoá s vezes, antes uma parafrase do que uma verdadeira trriduçáo. Niio faltam criticas que prefiram a vcrsao do conselheiro Ornelas à de Castilho, por sêr feita sohrc o original alemão e com um inexcedivel escrupulo. E sem duvida e apesar dos seus defeitos um trabalho de valor, qiie muito abona os seus meritos literhrios. Em 1881 publicou-se no Porto um grosso volume intitulndo Obrrrs do D. Ayrc's dc Ornellas de Vasconcellos, que c0nti.m os diversos escritos do antigo e inolvidavel bispo dcstn diocese, que era irmão do c»nselheiro Agostinho de Ornelas. Esses belos escritos veem precedidos de uma larga e primorosa biografia do ilustre prelado, que ocupa perto de 200 páginas do livro, e que no dizer dum distinto escritor e abalizado lente da Universidade, foi escrita com pena de oitro. Traçou essa biografia verdadeiro modêlo de linguagem e que tem um acentuado sabor clássico, o conselheiro Agostinho de Ornelas. Em 1892, por ocasiao do centenlirio de Colombo. publicou uma interessante Memdria sobe a rt3sidrncE;I d~ Christovam Colornbo na Ilha da Madeira, que foi incluida no volume Memdrias, que u Academia Real das Cieiicias

de Lisboa fez publicar para celebrar aquêle centenárioPor todos êsses titulos, foi eleito membro daquela Academia, teiido sido um dos sócios por ela nomeados para organizar a publicação das citadas Memórias. Era tambem membro de outras sociedades cientificas e literárias, tanto nacionais como estrangeiras. Desempenhou distintamente diversas comissóes de serviço público de alta importancia, como a de representar Portugal nas festas do centenário de Colombo em Madrid, e a de delegado do nosso pais na celebre conferencia da Haia realizada em 1898. Tinha, entre outras, as seguintes condecoraçóes : a s gran-cruzes de Carlos 3.", de Espanha, de S. Gregório Magno, de Roma, da Corôa de S. Estanislau, da Prussia, grande oficial da Legião de Honra, comendador e cavaleiro de S. Tiago, comendador da ordem de Alberto o Valoroso, da Saxonia, da Aguia Vermelha, da Prussia, da Imperial Ordem da Rosa, do Brasil, etc. Morreu a 6 de Setembro de 1901 em Niedervalluf, Alemanha, quando exercia o importante cargo de ministro plenipotenciário de Portugal, na Russia. Ulfimo Administrador: O conselheiro Aires de Ornelas de Vasconcelos foi o último possuidor das terras do morgadío do Vale da Rica, mas não teve propriamente a adrníilistração dêste antigo vinculo, porque ao tempo da morte de seu pai já estavam abolidas todas a s instituiçdes vinculares do nosso país. Filho primogenito do décimo quinto administrador Agostinho de Ornelas de Vasconcelos e D. Maria Joaquina Saldanha da Gama de Ornelas, filha dos (31) Menibro duma das niais ilustres famílias madeirenses e irmão do 15." administrador dêste morgadío do Vale da Bica foi o arcebispo de Goa D. Aires de Ornelas de Vasconcelos, que nasceu no Funchal no ano de 1837 e faleceu em Lisboa a 28 de Novembro de 1880. Pelas suas eminentes virtudes, talento superior, vasta cultura e acendrado zelo apostolico era considerado um dos ~ilaioresprelados do seii tempo, não só de Portugal como de toda a cristandade. Abalisado teologo, distinto poligolota, escritor primoroso, dotado do mais fino e cativante trato, generoso e hospitaleiro, sempre esquecido dos seus pergaminhos e da alta jerarquia do sei1 cargo, conquistou em Goa e na India Inglesa as mais gerais simpatias e admirações, que ainda hoje, passado já meio século, são relembradas com o maior respeito e carinho no meio das populaç6es indianas. Reunidos os seus escritos, foram publicados num volume de 538 pag., sob o titulo de #Obras de D. Ayres de Ornellas de Vasconcellos~,Porto, 1881, e precedidos dum brilhante estudo bografico, escrito pelo conselheiro Agostinho d e Or~ielas,irmão do arcebispo, de quem no texto nos ocupamos.

condes da Ponte, herdou todos os bens que constitui& êste morgadio, tendo sido o último representante da famflia que os possuia, pois que no ano de 1920 procedeu B vendatotal dêsses mesmos bens aos caseiros e meeiros que os agricultavam. Nasceu na freguesia da Camacha desta ilha a 5 de Março de 1866 e faleceu em Lisboa a 14 de Dezembro de 1930. Seguiu a carreira das armas, em que notavelmente se distinguiu, e foi deputado, par do reino, ministro de estado, revelando sempre os fulgurantes dotes duma inteligencia privilegiada e duma vasta cultura intelectual de par com as mais firmes e austeras qualidades de caracter. Deixou vários livros e opusculos, especialmente consagrados a assuntos militares e coloniais, em que era um mestre consumado. No Elucidario Madeirense, (I1-250 e seg.) deixámos esboçada uma ligeira biografia do conselheiro Aires de Ornelas.

A venda das propriedades Como já ficou ligeiramente esboçado, a casa dos condes do Carvalhal da Lombada, apesar de sêr uma das mais opulentas de todo o país, náo pôde suportar o choque da vida perdulária e faustosa do seu chefe e mais ainda talvez os desencontrados embates duma pouco cuidada e escrupulosa administraçáo. Recorria-se com frequencia ao emprestimo, e a Companhia de Credito Predial Portugues, que era um grande credor a temer, p6s em praça judicial a maior parte das propriedades, que aquela grande casa possuia em quási todas as freguesias da Madeira. Nessa altura, afirmam-no vários contemporaneos do facto, teria sido relativamedte facial conjurar a derrocada, se uma administraçáo mais sensata e esclarecida fizesse sentir a sua benefica acçao na gerencia dos diversos negocios que que lhe estavam confiados. As terras que formam os importantes sítios da Lombada dos Esmeraldos e do Lugar de Baixo foram arrematados em hasta pública, no dia 17

de Dezembro de 1893, pela firma comercial estrangeira da praça do Funchal A. Giorgi & C.a, por uma quantia pouco superior a cem contos de reis. Atravessava então o arquipélago uma grave crise económica com grande falta de numerário e de suficientes créditos na praça, e não tendo havido o previdente cuidado de evitar que a s propriedades da casa Carvalhal fossem praceadas em vastas extensdes de terrenos, poucos poderam aventurar-se a licitação dessas terras, sendo por isso quási todas vendidas por preços milito inferiores ao do seu verdadeiro valor. As propriedades da Ponta do Sol, que durante um periodo de tempo superior a quatro séculos, estiveram na administração e usufruto dos sucessores de João Esmeraldo transitaram para a posse de pessoas estranhas, como então aconteceu com tantas outras terras que os Carvalhais possuiam nesta ilha, no continente português e nos arquipelagos dos Açores e das Canárias, sendo caso para recordar o velho proloquio latino : Sic fransit g!oria mundi. O conselheiro Aires de Ornelas de Vasconcelos, último representante da casa vinculada do Vale da Bica ou do Jangáo, resolveu vender as terras que constituiam o antigo morgadio, as quais, como as do Santo Espirito, estiveram tambem durante séculos na posse dos seus antepassados. Para êsse fim, organisou-se uma sociedade de vários individuos, que realisou a compra total da propriedade, fazendo em seguida a revenda das diversas parcelas aos próprios parceiros agricolas que as cultivavam. O conselheiro Aires de Ornelas não teve a vida brilhante e aparatosa do segundo Conde do Carvalhal, mas a sua situação especial no nosso país como Lugar-Tenente do rei D. Manuel, abrigando-o a frequentes e dispendiosas viagens ao estrangeiro, apressou a ruína da importante casa que herdara de seus maiores e que desinteressadamente pusera a favor da causa, que êie julgara um indeclinavel dever defender a todo o transe. Esta inconfidencia, se como tal pode ser considerada, só serve para honrar e enaltecer a memória do conselheiro Aires de Ornelas, que ainda os adversários das instituições monarquias não deixarão de admirar e respeitar devidamente.

XVI

Uma compra imaginária. . . Não querendo imprimir ao nosso ligeiro estudo a feisão caracteristica dum panfleto, daremos a este último capitulo o moderado titulo de Compra imaginária.. ., embora esteja êle a exigir uma epigrafe mais expressiva c mais energica, para classificar com verdade e com justiça os factos que vamos sumariamente narrar. Delineou-se e pretendeu-se levar a cabo uma arriscada e temedria èn)i preza, em que a uma audácia sem limites andoli sem@* ligado o mais descarado e revoltante cinismo. Nela encontramos, por vezes, traços do genio de Maquiavel, niio ~ d d e tambem dificil descobrirem-se vestigios duma acentuada demencia. Teve a projectada façanha, desde a sua origem, um plano inteiramente preconcebido e esboçado nos ses$ mais detalhados pormenores ? Ou, concebida a ideia inicial, ir-se-ia a pouco e pouco arquitectando a famosa trama ate a sua final execução e conforme as circunstancias ocor-' rentes foram aconselhando ? E mais plausivel aceitar-se a' última hipotese e admitir-se tambem que vdrios colabora-. dores houvessem entrado com o seu concurso para a realisação do famigerado plano. O importante acontecimento; além dos individuos a êle se achavam mais ou menos proximamente ligados por quaisquer interesses, passou quiisi despercebido para o grande público, tendo a imprensa periodica guardado a tal respeito um cauteloso e sistemático silencio, e ate o governo central, nas diversas <<demarches. que empreendeu para dar ao caso uma definitiva solução, julgou acertadamente faze-10 com as mais prudentes reservas, como a gravidade e o melindre da situação entao criada estavam imperiosamente exigindo. Realisada a venda das terras que constituiam o vinculo do Vale da Bica, vulgarmente conhecido pelo nome de Jangão, como fica referido no capítulo anterior, surgiu a

ideia da compra total dos sítios do Lugar de Baixo e da Lombada dos Esmeraldos, que eram os domínios territoriais do morgadio do Santo Espirito, com o fim de preceder-se a revenda parcial dessas terras aos parceiros agricolas, que desde séculos e de geração em geração a s vinham cultivando no conhecido e generalissdo regimen de colonía. Um individuo residente na vila da Ponta do Sol, que era ali empregado de justiça e cotado influente politico, propôs aos proprietários A. Giorgi & C.a a compra dessas propriedades, tendo êstes feito uma promessa verbal de venda pela importancia de trezentos mil <<dollaresn,que. deveriam* ser depositados num banco de Nova Iorque até o dia 31 de Dezembro de 1924. No entretanto ia o negociador pontasolense, realisando, sob palavra, a cedencia de muitos tratos de terreno e ao mesmo tempo recebendo quantias avultadas, que fizera colocar, em seu nome, numa casa bancairia do Funchal. Não faltou quem, desde logo, agoirasse mal d o resultado dessas transaçóes, pelo conhecimento que havia das pessoas e das coisas, mas a negociata decorria normalmente e sem os protestos dos que nela se achavam interessados. Na 6poca aprazada, o dinheiro não deu entrada nos cofres da casa de crédito dos Estados Unidos e o que se achava depositado no Funchal continuava A ordem do proponente da já famigerada compra. Começaram então a circular insistentemente boatos reveladores de suspeitas e d e duvidas, acompanhados de asperos e pouco abonatórios comentários. Os ingenuos colonos, na fundada esperança de alcançar a posse imediata das terras, lá iam entregando as importancias totais ou parciais das supostas compras, recebendo apenas em troca umas ilusórias quitaçbes, que náo valiam mais do que o simples papel em que estavam escritas. E, a muitos dêles, nem essa fugaz esperança lhes foi permitido gosar, porque não conseguiram obter um pequeno retalho de costaneira com a indicação da entrega dos pobres escudos, que tão laboriosamente lhes custara a ganhar. Começa agora a parte mais interessante da grande façanha. Esboçada um pouco a medo, mas revestindo logo um caracter ostensivo e profundamente hostil, inicia-se uma

campanha de descrédito, a que várias pessoas se assocíaram, contra os proprietários das terras, criando-se entre os caseiros e meeiros uma atmosfera de ódios e vinganças, em que a danificação e a destruição da propriedade se fizeram largamente notar. Por uma continua e sistemática propaganda, fez-se acreditar aos colonos que êles ficariam legitimos possuidores das terras, se dentro do periodo de cinco anos não pagassem aos actuais proprietários as rendas e as demedias, que desde todos os tempos nunca tinham deixado de sêr satisfeitas aos antigos administradores do morgadio da Lombada. Por toda a parte se encontra sempre um estado latente de revolta dos colonos ou rendeiros contra os ~ s e n h o r i o s ~ ou donos das propriedades rústicas, não sendo para estranhar que indivíduos sem escrúpulos descobrissem nus pobres e rudes camponeses da Ponta do Sol terreno de facil germinação para as suas ideias, embora se tratasse de levar a prática os principios mais diametralmente opostos ao direito, razão e ao bom senso. E essas perniciosas ideias desenvolveram-se e cresceram rápidamente e ate largamente frutificaram, produzindo tal perturbação e desordem, que em breve se transformaram na mais completa anarquia. Os proprietários da Lombada e do Lugar de Baixo, como 6 natural que tivesse acontecido e no uso do mais legitimo direito, recorreram aos tribunais da comarca, que tem a sua séde, paredes meias, com o fóco do incendio que alastrava sempre. A sua situa~áoera simplesmente esta: não realisaram a venda, não recebiam um ceitil das rendas das suas vastas propriedades e estavam ainda ameaçados de sêr espoliados da sua posse. Instauraram-se diversos processos judiciais, que em geral não atingiam um andamento apreciavel ou não tinham execuçao as sentenças proferidas. Ia decorrendo o tempo e os interessados no eficaz resultado da audaciosa proeza, apoiados na força de três mil habitantes com centos de homens validos e dispostos as maiores violencias, julgaram ganha a partida e comideravarn-se jB senhores absolutos das terras dos antigos morgados Esmeraldos. Era ate certo ponto justificada essa suposiçtio a vista da impotencia ou fraqueza dos tribunais r

e mais ainda dos que superintendem nas cousas públicas do nosso país . . . A politica mesquinha de aldeia tambem lançou seu manto protector sobre os insignes negociadores, que já contavam com a impunidade para a s suas arriscadas mas lucrativas façanhas. Até chegou a espalhar-se, com certos visos de verdade, que um ilustre advogado, professor de leis numa universidade, tinha emitido opinião favoravel a dos supostos compradores da Lombada, podendo ainda êstes exigir da firma comercial A. Giorgi 6r Coauma indenisaçáo de mil e quinhentos contos pelo prejuizo rnorat e material de que ela fora causante ! ! ! Esta situação não podia protrair-se indefinidamente e lá veiu uma tardia e arrastada ordem de prisão contra o principal protagonista desta comédia, que se não efectuou, porque, mais uma vez ainda, a politica local cobriu o s prevaricadores com a protectora capa da misericórdia. E certo que algumas prisóes se fizeram, mas de individuos que tinham uma responsabilidade muito atenuada nos acontecimentos e que eram apenas instrumentos de ocultos mandatários, não se tendo mantido tais prisóes e não havendo contra êsses indivíduos qualquer procedimento criminal, que correspondesse a um sério correctivo para os desmandos praticados. No entretanto receava-se fundadamente que se dessem novas e mais eficazes tentativas d e encarceramento, seguidas de outras violentas mas necessárias medidas, que teriam como epilogo as celulas da penitenciiiria, e tomou-se então a resolução heroica de par o cabecilha a salvo e a bom porto, procurando-se em país estrangeiro um asilo seguro contra a s importunas investidas d o s beleguins da justiça . . . Assim se fez. Talvez seja desnecessário acrescentar que os dois mil e trezentos. contos depositados numa casa bancaria do Funchal não foram entregues aos donos das terras, não foram restituidas a o s colonos e caseiros e não foram postos a ordem de qualquer entidade oficial, como garantia de futuras transaçóes que viessem a realisar-se. Tudo caiu no insondavel abismo .. , da grande proeza, seguindo a marchas forçadas para as distantes terras de além fronteiras. Por uma triste ironia do destino, estava o caso solucionado com respeito aos autores da façanha, mas apresentava um aspecto inquietador e sombrio com relacáo aos

proprieiários das terras e aos seus respectivos cultivadores. Esses proprietarios, ainda no uso dum legitimo di-

reito e como bom subditos ingleses que sáo, solicitaram a interferencia do governo do seu país, depois de esgotados os meios que as leis portuguesas lhes facultavam para assegurar a posse dos seus haveres, que durante largos anos tinham adquirido e usufruido a sombra das mesmas leis. O nosso goiieriio, na conjuntura ocorrente, seguiu a lei do menor esforço como a s circunstancias de ocasião o persuadiam. Podia impor o exacto cumprimento das leis, levar os tribunais a fazer justiça inteira, compelir as autoridades locais a sustentar o respeito devido pela propriedade alheia e a restabelecer a tranquilidade e a ordem no meio de populações assoladas por um vento de anarquia., Como o estado de espirito, mantido em alta tensáo por vis especuladores, excluia todas as tentativas suasórias e de conciliaçáo, e como tambern os magistrados judiciais e os representantes do poder se consideravam impotentes para debelar ou ao menos atenuar o mal, s ó restava ao governo da metropole o emprego da violencia em p6 de guerra ou a adopção de medidas suaves, conducentes a assegurar a posse legitima da propriedade e a restaurar o socego e a paz, embora estabelecendo algumas sanções para os erros e desvarios coinetidos, prestigiaiido deste modo a acção directa do mesmo governo na soluçáo de tão momentoso assuiito. Foi o que sensata e criteriosamente se fez. Para a s resoluçúes tomadas pelo nosso governo e para a liquidaçrío final desta grave e complicada questão muito concorreu o distinto madeireiise dr. José de Almada, encarregado pelas esta~óessuperiores de propor as bases em que deviam assentar essas resoluções, depois de proceder a um aturado e consciencioso estudo, tendo-se pdviamente ouvido as reclamações de todas as classes interessadas. O ilustre funciontírio, que no desempenho de importantes comissbes de serviqo público no estrangeiro e nas nossas colonias ultramarinas, tem dado sobejas provas duma rara competencia e do mais atilado criterio, solucionou o caso da Lombada dos Esrneraldos, dentro dos limites da possibilidade e sem desprestigio algum para o estado, nas condiqóes mais favoraveis para todos, sem esquecer o melindre e a gravidade da situação politica, social e económica

do nosso pais. O ilustre ministro dos iiegocios estrangeiros, o dr. Betencourt Rodrigues, aceitou nas suas linhas gerais êsses ponderados alvitres, que serviram de fundamento à redacção definitiva dos decretos que derain por resolvida essa importante questão. A reclamação apresentada pelo embaixador inglês em Lisboa foi considerada e aceita nos melhores termos, adoptando-se em principio a expropriação amigavel das terras pelo governo português e a venda delas aos caseiros e meeiros nas condições que seriam posteriormente estudadas e decretadas. Em virtude das disposições daquêles decretos, que (:j2)

(12) Considerando que se impõe a expropriação por utilidade pública e urgente das propriedades denominadas do Lugar de Baixo e da Lonibada dos Esmeraldos, sitas 110 Concelho da Ponta do Sol, distrito do Funchal, pertencentes a firma A. Giorgi & C.a, conio meio de solucionar as questões a que a exploração delas tem dado lugar e de realisar, sem prejuizo para o estado e com a prévia concordancia da firma proprietária, a aspiração dos povos do concelho de adquirirem as terras que cultivam e que têm valorisado coni o seu trabalho e capital ; Considerando que os tramites iisiiais do processo de expropriação iião s e compadecem com a i~aturezaespecial deste caso, nem com a conveniencia da siia rápida regularisação ; Atendendo ao disposto no art.0 2.', n." 2, da lei de 26 de Julho de 1912; . Usando das faculdades que me confere o n.O 2." do artigo 2." do decreto n . O 12740, de 26 de Novembro de 1926. Hei por bem, por proposta das Ministros de todas as repartições, decretar, para valer como, lei, o seguinte. Artigo 1.0-E declarado de utilidade pública e urgente a expropriação, pelo Govêrno Português, das propriedades denominadas Lugar de Baixo e Lombada dos Esmeraldos, sitas na freguesia e concelho da Ponta do Sol, distrito d o Funchal, Ilha da Madeira, pertencentes a firma A. Giorgi & C.", com todos os direitos que lhe são inerentes. Artigo 2.0-0 Governo Portiiguês tomará imediatamente posse das ditas propriedades indenizando pelo seu valor a firma expropriada coni dispensa d a s formalidades e praxes estabelecidas nas leis. Cj único-O contrato sobre o valor da indenisação será celebrado por escritura pública na cidade do Funchal entre um representante do Estado e a firma expropriada, executando-se a transmissão nêsse mesmo instruniento. Artigo 3.0-Serão isentos do imposto de sê10 e oiitras quaisquer taxas ou emolumentos os actos e contratos, documentos ou outras quaisquer formalidades necessárias para se efectivar a transmissáo das propriedades mencionadas para a posse imediata do Estado. Artigo 4.0-0 Govêrno Português poderá alienar em hasta pública as referidas propriedades, no todo ou em parte, tomando como base minima o custo da expropriação e tendo preferencia os actuais colonos, rendeiros, meeiros ou caseiros que tiverem pago a s rendas vencidas. F J 1.0-0 Governo poderá estabelecer o pagamento das terras em três prestações anuais, vencendo juros de 8 por cento ao ano. $j2.0-As prestações em divida serão garantidas por hipoteca legal. Artigo 3.0-0 Governo fará avisar todos os colonos, rendeiros, meeiros ou caseiros para virem pagar nos cofres da Fazenda a s rendas em atrazo, executando pelo processo das execuções fiscais, os remivas. (Decreto n.O 14832, de 26 de Dezembro de 1927).

vieram embora tardiamente restabelecer a ordem, fazer acatar o direito de propriedade e assegurar os legitimos interesses de milhares de indivíduos, o governo do nosso pais, depois dum prévio acordo, procedeu a imediata expropriação ou compra das terras dos sítios da Lombada e do Lugar de Baixo, mediante o pagamento de trezentos mil ~ d o l l a r e s ~ , quantia esta aproximadamente igual a da promessa de venda feita em 1923 pelos respectivos proprietários ao celebre negociador da vila da Ponta do Sol, e mais o valor das rendas atrazadas e ainda não recebidas. Na cidade do Funchal e nas notas do tabelião Valentirn Pires, no dia 26 de Janeiro de 1928, celebrou-se a escritura pública da cedencia ou venda daquelas propriedades ao governo português, representado nêste acto pelo dr. José de Almada, feita pelos seus legitimos possuidores, os membros da firma comercial A. Giorgi & C.a, realisando-se então o pagamento daquelas importancias, que ascenderam à soma de seis milhões e trezentos e setenta e sete mil escudos. Estava arrumada a questão diplomática e solucionado o assunto como relaçáo aos ~~senhorios>> directos das terras, mas faltava resolve-lo com respeito aos seus colonos e cultivadores, que tinham ingenuamente lançado na voragem da celebre negociata quantias superiores a dois milhóes d e escudos. Era êste o ponto que oferecia maiores dificuldades e exigia uma mais demorada e ponderada solução, para não trilhar-se o caminho dos vexames e das violencias, que convinha por todos os motivos evitar. Diremos a titulo de informagão, que os sítios da Lombada e do Lugar de Baixo compreendiam cêrca de dez mil lotes de pequenos tratos de terreno, cultivados por oitocentos caseiros e meeiros, tendo iim número dêles superior a setecentos, isto e, quhsi a totalidade, apresentado mil e cem documentos, passados pelo chefe das << transações >> de venda, de várias importancias pagas e destinadas à compra desses terrenos, que deveria realisar-se na ocasião mais oportuna . . . 0 decreto n." 15174, de 14 de Março de 1928, que vem acompanhado do respectivo regulamento, foi alterado, em muitas das s u a s disposições, pelo decreto n." 19268, de 24 d e Janeiro de 1931, tendo êste, por sua vez, sido retificado e novamente publicado no Dicirio do Gov~rnode 24 de Fe-

vereiro do mesmo ano. Constituem êstes diplomas legislativos as directrizes que hão-de orientar as diversas entidades oficiais na resolução definitiva do grave problema, cabendo principalmente ao director de finanças do distrito do Funchal a execução dessas disposições, que foi iniciada com o maior acerto e cornpetencia pelo dr. JUlio Gonçalves, que ao tempo exercia êsse melindroso cargo. Como actos preparatórios e de segura apreciação, para realisar a venda equitativa das terras aos colonos, preceder-se-ia a um levantamento topografico de todas elas e em seguida se faria a classificaçáo das suas qualidades produtivas, estabelecendo-se a distinção em terrenos de primeira, segunda e terceira classe. Realisou-se já nas melhores condiçdes o levantamento da carta topografica do Lugar de Baixo e da Lombada e não tardará que se inicie o trabalho meticuloso da qualificação das glebas, quanto aos seus elementos de produção e fertilidade. Seguidamente se precederá a avaliação das terras, segundo a natureza delas, de cujo resultado se dará inteiro conheciinento aos interessados, recebendo-se destes as reclamaçóes que entenderem dever apresentar com respeito a essas mesmas classificaqbes e avaliações. Serão então os caseiros e meeiros convidados a comprar, em condições favoraveis de pagamento, as terras que cultivam, devendo sòmente sêr vendidas em hasta pública aquelas que esses colonos náo pretenderem adquirir. No entretanto foi promovida a venda judicial dos haveres pertencentes ao principal fautor da já decantada proeza, tendo produzido uma importancia total superior a quinhentos mil escudos, que o estado arrecadou e ficou servindo de caução ás rendas atrazadas dos últimos anos, Essa importancia ha-de sêr proporcionalmente descontada aos caseiros e rendeiros, quando êstes realisarem a compra definitiva das terras.

I-A

primitiva colonisaçáo da Madeira ..................

7

............ dos Esmeraldos ......

9

I I.Lugar.

Freguesia e Vila da Ponta do Sol

I I I-Lombada

da Ponta do Sol ou

I1

........................ V- João Esrneraldo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

15

Esrneraldo e o futuro descobridor d a América ...

21

I V-Rui

Gonçalves da Câmara

V I-João

17

..................... 24 V I I I-A industria Sacarina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 i X-As instituições vinculares ........................... 30 X-A Casa Solarenga ................................. 36 X i- As Capelas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 V 11-0

rapto de D . Isabel de Abreu

X I I-A

administração dos vinculos .....................

44

...... ......

47

X I I I-Administradores

do morgadio do Santo Espirito

X I V-Administradores

do morgadio do Vale da Bica

X V-A

X V I-A

venda das propriedades compra imaginária

54

........................ 59

..............................

61

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