Volume 03 - 71

  • December 2019
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71 FALSIDADE IDEOLÓGICA

_____________________________ 71.1 CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO CRIME A falsidade ideológica está assim tipificada no art. 299 do Código Penal: “Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.” A pena será reclusão de um a cinco anos e multa, se o documento é público. Será reclusão de um a três anos e multa, se a conduta recair sobre documento particular. Mais uma vez a proteção recai sobre a fé pública, a confiança que as pessoas depositam nos documentos, públicos ou particulares. Sujeito ativo é qualquer pessoa que realizar a conduta. Sujeito passivo é o Estado e também o particular que sofrer lesão a seu direito em decorrência da conduta.

71.2 TIPICIDADE O caput descreve o fato típico. O parágrafo único contém causas de aumento de pena.

71.2.1

Conduta

A primeira conduta incriminada é omitir, em documento público ou particular, declaração que nele devia constar. Omitir é deixar de inserir. O agente deixa de inserir a

2 – Direito Penal III – Ney Moura Teles declaração que deveria ser inscrita no documento. Também realiza o crime quando insere, inclui ou apõe no documento ou faz outra pessoa inserir, incluir ou colocar declaração falsa ou diferente da que deveria ser aposta.

71.2.2

Elementos objetivos e normativos

O objeto sobre o qual recai a conduta do agente pode ser um documento público ou um documento particular, dos quais se falou nos itens 72.2 e 73.2, quando se analisaram os delitos de falsificação material. Na falsidade ideológica o documento, público ou particular, é verdadeiro em sua forma e em sua exteriorização, mas, em razão da conduta do agente, é intelectualmente falso, inverídico em sua essência, por não expressar a verdade. A primeira forma de execução da conduta é através da omissão, no momento em que o agente cria o documento, de uma declaração que estava obrigado a fazer dele constar. Essa forma típica traduz um crime omissivo puro. O agente simplesmente deixa de inserir no documento que elabora a declaração que, pela natureza do documento, lhe era exigido apor. Trata-se da ocultação de uma informação juridicamente relevante no contexto do documento produzido pelo agente e não de qualquer informação. A omissão será típica quando, pela qualidade do documento, era exigível sua presença. Na forma comissiva o agente, sobre o documento público ou particular, insere ou faz inserir, apõe ou faz com que outro aponha, coloque ou consegue, enfim, que seja colocada uma declaração falsa ou diferente da declaração que no documento era exigível constar. A declaração pode ser falsa ou, se verdadeira, não aquela que deveria constar do documento. Falsa é a declaração inverídica, não verdadeira. Diversa é a declaração outra, embora verdadeira, que não devia constar do documento. No documento em que o agente deve declarar seu estado civil, insere a declaração de que é casado, quando é, na verdade, solteiro ou, ao contrário, afirma ser solteiro, quando é casado. Esta é uma declaração falsa. Na certidão sobre a diligência efetuada o oficial de justiça insere a declaração de que o citando não foi encontrado por se achar em lugar incerto ou não sabido, quando, na verdade, estava viajando. Essa é uma declaração diversa da que devia constar do documento.

Falsidade Ideológica - 3 A omissão da declaração ou a inserção de declaração falsa ou diversa da que devia constar do documento deve ser idônea, apta a iludir, a enganar as pessoas a quem o documento possa ser apresentado. Falsidades grosseiras, como as que derivam de declarações absurdas ou estúpidas e, portanto, inidôneas para o fim de ludibriar alguém, não autorizam o reconhecimento da tipicidade. Além disso, como em todo delito de falso, a falsidade que resulta da conduta deve importar em relevante modificação jurídica da verdade. Se, da omissão ou da inserção, não resulta apresentação de um fato importante para a relação entre as pessoas, o falso será inócuo e, portanto, atípico. Há incidência do tipo em comento quando o agente, numa folha de papel em branco, contendo uma assinatura de alguém, insere, antes dela, declaração diversa da que o firmatário autorizara-o a inserir ou quando é, nela, colocada declaração falsa. Se, porém, o papel assinado em branco foi à posse do agente por meio ilícito, como o furto ou apropriação indébita, a inserção de escrito que ele venha a fazer será considerada falsidade material, descrita no art. 297 ou 298.

71.2.3

Elementos subjetivos

A conduta incriminada é a dolosa. O agente, ao omitir ou inserir a declaração no documento, deve fazê-lo com vontade e sabendo, antes, que ela deveria constar do documento como expressão pura da verdade. Sabe, portanto, que tinha o dever de inseri-la quando não o faz ou que a inserção que faz ou leva alguém a fazer é de uma informação falsa ou diversa da que deveria ser inserida. Não basta o dolo, genérico, de omitir ou de inserir ou fazer inserir a declaração. É indispensável, para se considerar típico o fato, que o agente tenha atuado com a finalidade de prejudicar algum direito ou criar uma obrigação ou imbuído da motivação de alterar a verdade sobre um fato juridicamente relevante. A falsidade contida no documento, fruto da conduta do agente, omissiva ou comissiva, deve ser a causa de um dano para um direito de alguém ou importar a criação de uma obrigação para outrem. Ou então, deve alterar a verdade sobre algum fato juridicamente relevante. E essa conseqüência da falsidade deve estar alcançada pela consciência do agente, que a deseja.

4 – Direito Penal III – Ney Moura Teles Se o fim é a supressão de tributo ou contribuição social, incidirá a Lei nº 8.137/90. Quando a falsidade é realizada como meio para o cometimento do crime de estelionato, será por este absorvida, se não restar potencialidade lesiva para outros crimes. A esse respeito, sugiro a leitura do item 72.2.7.

71.2.4

Consumação e tentativa

A consumação, entretanto, não depende da realização do fim pretendido pelo agente. Ocorre no exato momento em o agente conclui a formação do documento, dele não fazendo constar a declaração que deveria ser aposta ou no momento em que insere a declaração falsa ou diversa da que nele deveria ser inserida. Também não é necessário que o próprio agente utilize o documento ideologicamente falsificado. Se usá-lo, cometerá apenas o crime desse art. 299, porque o uso será post factum impunível. A tentativa é perfeitamente possível apenas na forma comissiva de realização do tipo quando, por circunstâncias alheias a sua vontade do agente, não consegue inserir ou fazer inserir a declaração no documento.

71.2.5

Aumento de pena

O parágrafo único descreve duas causas de aumento de pena. A primeira delas é quando a falsidade ideológica é cometida por funcionário público que se prevalece, para realizá-la, do cargo que ocupa. A segunda é a falsificação de assentamento de registro civil, tal como o de nascimento, casamento, óbito, emancipação, interdições, inclusive as averbações à margem desses registros. O aumento é, nos dois casos, de um sexto da pena.

71.3 AÇÃO PENAL A ação penal é de iniciativa pública incondicionada. A suspensão condicional do processo penal é possível, salvo na hipótese de crime cometido por funcionário público que se prevalece do cargo ou quando a falsificação é de registro civil.

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