Volume 02 - 16

  • December 2019
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16 DIFAMAÇÃO

_____________________________ 16.1 CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO CRIME O tipo de difamação está no art. 139 do Código Penal: “difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação”. A pena é detenção, de três meses a um ano, e multa. Em relação ao crime de calúnia, já analisado, são duas as diferenças fundamentais. Não se trata, aqui, de fato definido como crime, mas tão-somente de um fato ofensivo à reputação da vítima. E a imputação não precisa ser falsa, como na calúnia. Protege-se, tanto quanto na calúnia, a honra objetiva da pessoa. Qualquer pessoa humana pode ser sujeito ativo do crime. Sujeito passivo é também a pessoa humana, não havendo qualquer dúvida, como no crime de calúnia, acerca de também o inimputável poder ser vítima desse crime. Ultimamente surgem cada vez mais opiniões no sentido de que a pessoa jurídica também pode ser sujeito passivo da difamação, sob a argumentação de que também ela possui uma reputação, uma honra objetiva, que deve ser protegida pelo Direito Penal. Nada obstante essas ponderações perfeitamente corretas, é de ver que os crimes contra a honra estão contidos no Título I do Código Penal – Dos crimes contra a pessoa – que dizem respeito, a meu ver, exclusivamente ao ser humano. Por isso que o tipo utiliza a expressão alguém, equivalente à utilizada no tipo de homicídio, significando ser vivo nascido de mulher. Se é verdade que a pessoa jurídica também tem honra objetiva, que precisa ser tutelada, cabe ao legislador criar o tipo incriminador, para que possa o Direito Penal estender-lhe a sua proteção, hoje apenas existente na esfera civil. É esse o

2 – Direito Penal II – Ney Moura Teles entendimento do STJ (RESP 493.763, DJ de 29-9-2003, p. 318).

16.2 TIPICIDADE O caput contém o tipo básico. O parágrafo único cuida da exceção da verdade na hipótese de a vítima ser funcionário público. O art. 141 descreve causas de aumento de pena.

16.2.1

Conduta

A conduta é a de imputar, que significa atribuir a alguém a prática de um fato ofensivo, por meio de palavras, escritas ou orais, gestos ou qualquer meio simbólico.

16.2.2

Elementos objetivos

A difamação é a imputação de um fato certo, determinado, capaz de macular a honra objetiva da pessoa. Não pode ser um fato típico de crime, pois aí haverá calúnia, mas, imputada a prática de um outro ilícito, uma contravenção penal ou um ilícito civil, poderá constituir difamação desde que tal fato seja ofensivo. Não é necessário que o fato seja ilícito, todavia deve ser daqueles que martirizam a reputação da vítima. Dizer que determinada pessoa dá-se a práticas homossexuais com seu motorista é, evidentemente, um fato lícito mas que ofende a honra até do homossexual que mantém, perante o seu meio social,uma imagem de heterossexual. O fato imputado pode, por isso, ser verdadeiro, diferentemente do que ocorre na calúnia. Apenas quando se tratar de difamação praticada contra funcionário público em razão de suas funções é que a imputação deve ser necessariamente falsa, por isso que, neste caso, admite-se a exceção da verdade.

16.2.3

Elementos subjetivos

Tanto quanto na calúnia, exige-se, para a caracterização do crime de difamação, o dolo – a consciência da ofensividade da conduta e a vontade livre de realizá-la – bem assim o ânimo de ofender.

Difamação - 3 Valem aqui, a respeito, as observações feitas quando da análise dos elementos subjetivos do crime de calúnia, exceto, é claro, as relativas à consciência da falsidade da imputação que aqui não é pertinente, porque pouco importa, na difamação, se o agente dela sabia ou não sabia.

16.2.4

Consumação e tentativa

Consuma-se a difamação quando terceira pessoa toma conhecimento da imputação. Possível a tentativa na forma escrita. Valem aqui as observações feitas no item 15.2.1.4, para onde se remete o leitor.

16.2.5

Aumento de pena

As causas de aumento de pena são as mesmas da calúnia, aplicáveis aos crimes de difamação: ter sido praticada contra a honra do Presidente da República ou de chefe de governo estrangeiro, ou quando cometida na presença de várias pessoas ou contra maior de 60 anos ou portador de deficiência. O aumento será de um terço. Também quando cometida mediante paga ou promessa de recompensa a pena será aplicada em dobro (ver item 15.2.2).

16.3 EXCEÇÃO DA VERDADE Somente se admite a exceção da verdade quando a difamação é contra funcionário público em razão de suas funções. Tratando-se de imputação a funcionário público, interessa para a administração que a verdade seja apurada. Se o fato ofensivo tiver efetivamente ocorrido, e praticado por funcionário público, em razão de suas funções, prevalece o interesse estatal de conhecê-lo, e, caso verdadeiro, aplicar as sanções administrativas e penais cabíveis a seu servidor. Valem, a propósito, os comentários feitos no item 15.2.3.

16.4 IMUNIDADE PARLAMENTAR Os parlamentares federais, estaduais e municipais também não cometem o crime

4 – Direito Penal II – Ney Moura Teles de difamação, pelas mesmas razões expostas quando do exame do delito de calúnia, no item 15.2.4, para onde deve ir o leitor.

16.5 ILICITUDE O art. 142 do Código Penal contém três causas de exclusão da ilicitude dos crimes de difamação e de injúria. São elas: a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou seu procurador; a opinião desfavorável de crítica literária, artística ou científica; e o conceito desfavorável emitido por funcionário público.

16.5.1

Ofensa irrogada em juízo e imunidade do advogado

Estabelece o inciso I do art. 142 que não constitui injúria ou difamação punível “ a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador”. O art. 133 da Constituição Federal de 1988 dispõe: “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. Diferentemente do tratamento conferido aos parlamentares, a Constituição Federal, ao consagrar a inviolabilidade do exercício da advocacia, mandou que a lei a limitasse. A Lei nº 9.806, de 4 de julho de 1994, o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, cumprindo a ordem do constituinte, dispôs, no art. 7º, § 2º: “o advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis, qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer”. Com base na norma constitucional, é preciso distinguir a imunidade do advogado da causa de exclusão da ilicitude prevista no Código Penal para os crimes de difamação e injúria. O exercício pleno da advocacia, indispensável à administração da justiça, requer a mais ampla liberdade de expressão do pensamento. Na defesa dos direitos legais e constitucionais de seu constituinte, necessita o advogado, muitas vezes, lançar mão de expressões mais ácidas, menos suaves e elegantes, como se desejaria.

Difamação - 5 Seja na narração dos fatos constitutivos do direito postulado, como na emissão de comentários acerca de pessoas sobre as quais é deduzida a pretensão, torna-se, em certas situações, imprescindível a manifestação de pensamento ofensiva à honra. Por isso não cometerá os delitos de difamação, injúria e desacato. A imunidade do advogado não abrange o delito de calúnia, nem poderia, porque sendo a calúnia uma imputação falsa, dela não precisa nem pode valer-se o advogado para defender os direitos de quem lhe confiou a causa. Não há defesa ética assentada em mentiras. A imunidade é exclusiva do advogado e alcança qualquer manifestação sua, desde que no exercício da sua profissão, em juízo ou fora dele. Manifestação no exercício da profissão, em juízo ou fora dele, deve ser entendida como toda e qualquer palavra, escrita ou oral, em defesa dos direitos constitucionais e legais de seu cliente. Assim todas as petições escritas, ou manifestações orais, em audiências ou nas sessões de julgamentos. Manifestações do advogado através dos meios de comunicação, imprensa escrita, rádio e TV, também estão alcançadas pela imunidade judiciária, quando o assunto tiver sido levado, não pelo advogado, que deve abster-se de buscar a promoção pessoal, à discussão pública. Nos tempos atuais, os processos judiciais ganham as páginas dos jornais e as telas das TVs, como se esses veículos de comunicação constituíssem um outro foro no qual, infelizmente, não há regras, nem o respeito aos princípios constitucionais que informam a busca da verdade. O escândalo do processo penal rende muitos frutos para as empresas de comunicação. Nesse “foro”, o simples suspeito ou indiciado é, quase sempre, acusado, processado, julgado, condenado, perante o tribunal da opinião pública, recebendo a pena da execração, não prevista no ordenamento jurídico penal. Sem defesa, na maioria das vezes. Aí também se faz necessária a presença do advogado como única voz dos direitos constitucionais de seu cliente e é exatamente aí que, quase sempre, se faz necessária a defesa mais aguerrida, que deve estar acobertada pela imunidade profissional. A imunidade do advogado não é, todavia, ilimitada, e deve ser reconhecida apenas quando necessária para a defesa dos direitos e interesses de seu constituinte. A necessidade da difamação ou da injúria é o fundamento da exclusão do crime e deve ser examinada no caso concreto. Os temas controvertidos, em juízo ou fora dele, e relacionados com os interesses defendidos pelo advogado, é que determinarão a presença ou não da necessidade

6 – Direito Penal II – Ney Moura Teles do emprego de argumentação mais tórrida. Não incidirá quando o advogado utilizar expressões ofensivas que não sejam necessárias para a defesa de seu cliente, como, por exemplo, quando numa ação judicial de cobrança tece comentários sobre a sexualidade do réu. Ou quando, numa ação de divisão judicial de terras, faz referências à desonestidade de um dos condôminos. Os fatos controvertidos nessas ações não autorizam a utilização de ofensas pessoais às partes, daí porque, se o advogado proferi-las, não estará acobertado pela imunidade, respondendo pelo crime. A imunidade é material, mas não absoluta, desaparecendo quando desnecessária. Não se harmoniza com a prepotência, com o arbítrio, nem com a arrogância que, às vezes, move um ou outro advogado, que, por isso, deve responder. Quando as ofensas forem necessárias restará excluído o crime, mas deve o advogado comportar-se com moderação e, caso se exceda, sofrerá as sanções disciplinares previstas no estatuto da OAB. O preceito constitucional e a sua norma legal regulamentadora têm amplitude maior do que a causa de justificação do art. 142, I, do Código Penal, que continua em vigor e aplica-se, todavia, apenas às partes e seus procuradores, e exclusivamente em juízo e na discussão da causa.

16.5.2

Direito de crítica

Exclui a ilicitude da difamação a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica (art. 142, II). Conquanto a Constituição Federal tenha consagrado como direito fundamental a liberdade de manifestação e expressão, não poderia a lei considerar ilícitas as exteriorizações das idéias acerca das obras literárias, artísticas ou científicas, ainda quando elas sejam desfavoráveis. Evidente que a opinião crítica deve dirigir-se à obra e não a seu autor, porque a permissão é para criticá-la e não à pessoa que a produziu. Se, entretanto, das críticas emanar a inequívoca intenção de ofender, a excludente não incidirá, permanecendo a ilicitude do fato. É o que acontece quando o agente, a despeito de tecer comentários sobre determinada obra literária, deixando de limitar-se a formular crítica a seu conteúdo,

Difamação - 7 externa afirmações extremamente exageradas e utiliza expressões pejorativas, reveladoras não da vontade de criticar, mas de ofender. A crítica verdadeira não necessita de afirmações baixas ou de frases vulgares. Como em qualquer excludente de ilicitude, todo excesso, doloso ou culposo, a descaracteriza e, por ele, o agente será punido.

16.5.3

Conceito desfavorável

A terceira excludente de ilicitude está descrita no art. 142, III: “o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever do ofício”. É uma espécie de estrito cumprimento do dever legal. Se para cumprir seu dever de ofício prestando informações ou exarando parecer o funcionário público necessitar emitir conceito desfavorável acerca de determinada pessoa, deverá fazê-lo sem qualquer constrangimento. Havendo um dever para o funcionário há, é óbvio, um interesse público, que se sobrepõe ao interesse privado do possível ofendido. Não há excludente quando o emitente do parecer ultrapassar os limites da razoabilidade, deixando de cumprir o dever para tripudiar sobre a honra alheia.

16.5.4

Publicidade de ofensa lícita

Quando a difamação for lícita por constituir ofensa irrogada em juízo ou conceito desfavorável no cumprimento de dever de ofício, aquele que lhe der publicidade cometerá crime de difamação. A primeira excludente diz respeito tão-somente às partes e seus procuradores, desde que em juízo e na discussão da causa, não podendo, por isso, alcançar outros comportamentos de terceiros, fora do âmbito do processo. A segunda é própria do funcionário público e apenas no âmbito do procedimento administrativo em que exara parecer ou presta informações. A publicidade, de ofensa lícita nos termos do art. 142, I e III, do Código Penal é crime autônomo, realizado pelo responsável pela publicação da imputação ofensiva justificada.

8 – Direito Penal II – Ney Moura Teles

16.6 AÇÃO PENAL, PEDIDO DE EXPLICAÇÕES E RETRATAÇÃO A ação penal é, em regra, de iniciativa privada. Será, entretanto, de iniciativa pública, condicionada à requisição do Ministro da Justiça, quando o sujeito passivo for o Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro, e à representação quando o ofendido for funcionário público e a difamação tiver sido em razão de suas funções. Valem, aqui, as mesmas observações feitas nos itens 15.4, 15.5 e 15.6, inclusive quanto ao pedido de explicações e à retratação, e à suspensão condicional do processo penal nos casos de ação penal de iniciativa pública condicionada.

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