16 PENA DE MULTA
____________________________ 16.1 ASPECTOS HISTÓRICOS E GERAIS A pena de multa – cuja origem pode ser vista na antiga composição do Direito Penal dos germânicos – já constava das Ordenações Filipinas no famigerado Livro V, como pena principal e acessória e, após revigorada por Lei de 1823, esteve em vigor até o Código Criminal do Império, de 1830, que assim regulava o instituto: “Art. 54. A pena de multa obrigará os réus ao pagamento de uma quantia pecuniária, que será sempre regulada pelo que os condenados puderem haver em cada dia pelos seus bens, empregos, ou indústria, quando a lei especificadamente o não designar de outro modo. Art. 55. As multas serão recolhidas aos cofres das Câmaras Municipais; e os condenados que, podendo, as não pagarem dentro de oito dias, serão recolhidos à prisão, de que não sairão sem que as paguem.” O Código Penal Republicano, de 1890, manteve a pena de multa, compatível com os ganhos do condenado, destinando-a ao Tesouro Federal ou dos Estados, conforme a competência, e prevendo sua conversão em prisão celular, na hipótese de seu nãopagamento injustificado. A conversão não se daria se qualquer pessoa efetuasse o pagamento ou prestasse fiança idônea. O Código Penal de 1940 manteve a multa entre as penas, admitindo a conversão em detenção apenas em casos excepcionais, quando o condenado buscasse ludibriar a justiça. A pena de multa, modernamente, vem constituir-se em mais uma das necessárias penas alternativas às penas privativas de liberdade de curta duração. Com efeito, temse verificado que condenados por crimes menos graves, a penas pequenas, quando levados à prisão, longe de receberem qualquer tratamento ressocializador, experimentam, ao revés, a convivência com condenados mais experimentados na senda do crime, com penas elevadas a serem cumpridas; dá-se então o fenômeno da contaminação carcerária, que transforma o presídio em escola do crime.
2 – Direito Penal – Ney Moura Teles A solução é evitar a prisão de curta duração, e a multa é uma das formas mais adequadas para o alcance desse objetivo. MIRABETE mostra as vantagens e desvantagens da pena de multa: “Apontam-se como vantagens de tal tipo de sanção: (a) não retira o condenado do convívio com a família; (b) não o afasta do trabalho, com o qual mantém a si próprio e a família, nem de suas ocupações normais lícitas, evitando o desajustamento social; (c) não o corrompe, por evitar sua inserção no meio deletério da prisão; (d) não avilta, pela ausência de caráter infamante dessa espécie de pena; (e) atinge um bem jurídico de menor importância que a liberdade; (f) preserva intacta a personalidade; (g) possui força intimidativa, ao menos nos crimes patrimoniais, ao recair sobre bens econômicos que, na sociedade capitalista, são tidos como de considerável valor; (h) possibilita melhor individualização judicial, por se fundar principalmente na situação econômica do condenado; (i) não sobrecarrega o erário público, podendo até constituir uma fonte de recursos para o Estado. Por outro lado, apontam-se como desvantagens: (a) é uma forma de enriquecimento do Estado às custas do crime; (b) é raramente executada porque a maioria dos condenados é absolutamente insolvente; (c) é inócua como prevenção ao menos com relação aos crimes mais graves; (d) tem sentido aflitivo desigual, pois, para quem muito pode, o pagamento da multa tem pouco significado prático e, para quem pouco tem, atinge fundamente o condenado; (e) alcança os familiares do condenado, privados de parte do ganho daquele que lhes provê o sustento; (f) pode representar inclusive um incitamento à prática de novos delitos para que o condenado obtenha as condições necessárias ao pagamento.”1 É verdade, a pena de multa apresenta essas vantagens e desvantagens, e deve continuar sendo discutida sua cominação, aplicação e execução, para o encontro de medidas que visem a seu aperfeiçoamento.
16.2 CONCEITO A pena de multa é a obrigação de pagar “ao fundo penitenciário” a “quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa” (art. 49, CP). A multa é, assim, a obrigação de pagar quantia certa, ao fundo penitenciário.
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Execução penal. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1991. p. 418.
Pena de Multa - 3 Conquanto o país tenha experimentado, por longos anos, o convívio com o fenômeno inflacionário, o valor das multas aplicadas tornava-se irrisório com o passar de pouco tempo, o que levou à busca de solução que possibilitasse a fixação de multa que significasse, efetivamente, perda para o condenado. Adotou-se o chamado “dia-multa” como critério para o cálculo da multa. Segundo determina o § 1º do art. 49, cada dia-multa terá um valor, que o juiz fixará levando em conta o valor do salário mínimo mensal em vigor no país, no tempo do fato, não podendo ser inferior a 1/30 (um trigésimo), nem superior a 5 (cinco) vezes o valor do salário mínimo. Exemplo: no dia do fato, o valor do salário mínimo era R$ 415,00 (quatrocentos e quinze reais). O valor de cada dia-multa deve ser fixado pelo juiz entre, no mínimo, 1/30 de R$ 415,00, que é R$ 415,00/30 = R$ 13,83, e 5 x R$ 415,00 = R$ 2.075,00. Voltando a inflação e a correção monetária – recomposição, por correção de índice inflacionário, do valor da moeda –, o valor do dia-multa deverá ser corrigido, quando da execução da pena. O art. 33 da Lei nº 11.343/2006 (entorpecentes) comina a pena de reclusão de 5 a 15 anos e o pagamento de 500 a 1.500 dias-multa. Ao fixar a pena, o juiz poderá aplicar uma pena de 700 dias-multa, fixando o valor do dia-multa em 1/30 do salário mínimo. Se este é de R$ 415,00, a pena de multa será de 700 x R$ 13,83 = R$ 9.681,00. A pena mínima para esse crime seria de 500 dias-multa (500 x R$ 13,83 = R$ 6.915,00), e a pena máxima seria de 1.500 dias-multa, calculado esse no valor de cinco vezes o salário mínimo, em R$ 2.075,00 (1.500 x R$ 2.075,00 = R$ 3.112.500,00).
16.3 COMINAÇÃO Nem todas as normas penais incriminadoras, ao cominar penas de multa, fazemno como a do art. 12 da Lei nº 6.368/76, que especifica o valor em dias-multa. Basta ver na norma do art. 155 do Código Penal: “Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.” A sanção fala simplesmente em “multa”, pelo que se poderia entender não quantificada a pena. O art. 58 do Código Penal, todavia, traz regra geral determinando: “A multa, em cada tipo legal de crime, tem os limites fixados no art. 49 e seus parágrafos deste Código.” O art. 49, na segunda parte, estabelece que a pena de multa “será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa”. Isso significa que todas as normas penais incriminadoras cuja sanção, a exemplo
4 – Direito Penal – Ney Moura Teles do art. 155, mencionar apenas a “multa”, alternativa ou cumulativamente, deverá ser assim entendida: “multa, de 10 (dez) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa”. O art. 155 do Código Penal deve, pois, ser assim lido: “Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de 10 (dez) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.” A pena de multa pode ser aplicada, independentemente de cominação, como substitutiva da pena privativa de liberdade, cumulativamente com pena restritiva de direitos, no caso de crimes culposos cuja pena privativa de liberdade seja igual ou superior a um ano (art. 44, parágrafo único). A multa pode, ainda, ser aplicada em substituição à pena privativa de liberdade não superior a 6 (seis) meses, observados os critérios dos incisos II e III do art. 44, vale dizer, se o réu não for reincidente e a culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente, motivos e circunstâncias do crime, indicarem a suficiência da substituição (art. 60, § 2º, CP).
16.4 PAGAMENTO DA MULTA O pagamento da multa deverá ser feito dentro do prazo de dez dias após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (art. 50, CP). Dentro desse prazo, o condenado pode requerer ao juiz o parcelamento da multa, que poderá ser paga mediante o desconto na folha de pagamento do vencimento ou salário do condenado, mediante, é claro, sua autorização formal. Tal desconto não pode ser feito sobre os recursos indispensáveis ao sustento do condenado e de sua família (§§ 1º e 2º, art. 50, CP). Se o condenado não efetuar o pagamento, nem requerer e obtiver seu parcelamento, a pena de multa, segundo determina o art. 164 da Lei de Execução Penal, deverá ser executada por meio de pedido, pelo Ministério Público, da citação do condenado para, no prazo de dez dias, pagar o valor da multa ou nomear bens à penhora. Instalar-se-ia, a partir daí, procedimento de execução por quantia certa, regulada pelo Código de Processo Civil. Dispunha o art. 51 do Código Penal, com a redação da Lei nº 7.209/84 – a da Reforma Penal –, que, se o condenado solvente deixasse de pagar a multa ou frustrasse sua execução, seria ela convertida em pena de detenção, correspondendo cada diamulta a um dia de detenção, observado o máximo de um ano. Essa conversão só podia ser feita após a instauração do processo de execução.
Pena de Multa - 5 Com a vigência da Lei nº 9.268, de 1º-4-1996, o art. 51 do Código Penal passou a ter a seguinte redação: “Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhe as normas da legislação relativa a dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.” Dessa forma, já não se pode falar em conversão da pena de multa em privativa de liberdade, tornando-se a pena de multa, pura e simplesmente, uma dívida de valor, da qual o condenado é o devedor, e credor o Estado. Doravante, não paga a multa, deve ser instaurado o executivo fiscal para o recebimento do crédito do Estado. Doravante, já não caberá ao Ministério Público requerer a citação do condenado para pagá-la, conforme dispõe o art. 164 da Lei de Execução Penal – revogado –, mas à procuradoria do Estado, ou à advocacia geral da União, promover a ação de execução fiscal, com o rito próprio dos executivos fiscais, de que trata a Lei nº 6.830, de 22-9-80.
16.5 SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA MULTA Se o condenado à pena de multa vier a ser acometido de doença mental, a execução da pena de multa será suspensa. Se a doença for curada, ou regredir, a execução prosseguirá. Enquanto permanecer acometido da moléstia, a execução da pena permanecerá suspensa. ALBERTO SILVA FRANCO ensina que, se a doença for irreversível, “não caberá, por falta de previsão legal, a substituição da pena pecuniária pela medida de segurança, tal como ocorre em relação à pena privativa de liberdade (art. 183 da LEP). Por outro lado, não teria sentido uma suspensão, por tempo indefinido, do cumprimento da pena pecuniária. Nessa situação, a solução mais correta é a de declarar extinta a pena imposta a partir do momento em que o tempo da suspensão equivaler ao prazo exigido para o reconhecimento da prescrição do título penal executório”.2
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Código penal e sua interpretação jurisprudencial. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 659.