Volume 02 - 12

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12 OMISSÃO DE SOCORRO

_____________________________ 12.1 CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO CRIME O art. 135 do Código Penal: “deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública”. A pena é detenção, de um a seis meses, ou multa. A solidariedade que deve existir entre todos os homens e mulheres é o bem jurídico tutelado. Todos têm o dever de prestar auxílio a seus semelhantes que estiverem em situações de perigo para a sua vida e sua saúde. É, não só moral, mas um dever jurídico, decorrente dessa norma penal incriminadora, que manda qualquer pessoa atuar positivamente no sentido de contribuir para evitar a situação de perigo em que se acha o outro. O sentido da incriminação é conferir maior proteção à vida e à saúde daqueles que estiverem atravessando uma situação perigosa. Sujeito ativo é qualquer pessoa, porque todos têm o dever geral de solidariedade para com seu próximo. Sujeito passivo é a criança abandonada, a criança extraviada, a pessoa inválida ao desamparo, a pessoa ferida ao desamparo e a pessoa em grave e iminente perigo.

12.2 TIPICIDADE As formas típicas simples estão contidas no caput. No parágrafo único estão descritas as formas qualificadas pelo resultado. O art. 304 da Lei nº 9.503/97 contém tipo

2 – Direito Penal II – Ney Moura Teles especial de omissão de socorro em acidente de trânsito. O art. 97 da Lei nº 10.741/2003 descreve a omissão de assistência ao idoso.

12.2.1

Formas típicas simples

O caput descreve duas formas típicas simples. Na primeira há o dever de prestar assistência pessoalmente, diretamente, à vítima, quando for possível fazê-lo sem risco para o agente. Se houver esse risco, manda a norma que o agente procure ajuda à autoridade pública. Há, pois, duas formas de realização do tipo: deixar de prestar assistência, e deixar de pedir o socorro da autoridade pública. O dever de pedir o socorro só existirá na hipótese de não ser possível, em face do risco pessoal, prestar assistência à vítima. Logo, o agente não pode escolher uma das formas de solidariedade. Deve realizar a primeira, e só quando houver riscos pessoais, não patrimoniais, nem morais, deverá agir. Se não o fizer, sua conduta será típica. Em determinadas circunstâncias a atuação do agente pode significar um risco de lesão pessoal, isto é, lesão física ou mental, de modo que a lei não lhe pode exigir a ação. Mas, neste caso, impõe-lhe o dever de procurar o socorro da autoridade pública.

12.2.1.1

Conduta

A conduta é omissiva. Deixar de fazer aquilo que a norma manda: prestar assistência à vítima. Estando esta numa das condições descritas no tipo, é dever de todos procurar proporcionar os meios para afastar o perigo ou pelo menos minorá-lo. Ou pedir o socorro da autoridade pública. A conduta consiste, pois, na abstenção de um movimento corporal dirigido para a assistência à vítima, ou para o chamamento de quem tem o dever de atender, em nome do Estado, a quem, numa situação perigosa, está necessitando de socorro. É um crime omissivo próprio, em que o tipo, descrevendo uma conduta negativa, determina ao sujeito um comportamento positivo que ele, podendo, não realiza.

12.2.1.2

Elementos objetivos

Omissão de Socorro - 3 Criança abandonada é aquela vítima do crime do art. 133 ou do art. 134, incluído, é óbvio, o recém-nascido. Criança extraviada é a que se perdeu de quem a guardava. Criança, consoante a norma do art. 2º da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, é a pessoa que tem até 12 anos de idade, incompletos. Pessoa inválida ao desamparo é aquela que, por uma razão de natureza física ou psíquica, ou por uma doença ou uma condição anatômica, natural ou adquirida, não está em condições de enfrentar a situação de perigo. Deve estar, é certo, desamparada, para que surja o dever, para o agente, de prestar-lhe assistência. Se alguém a estiver assistindo, faltará esse elemento, daí que a omissão não será típica. Pessoa ferida é a que teve sua integridade corporal lesionada, ainda que por uma causa natural. Não basta que esteja ferida, mas que também esteja desamparada, deixada à própria sorte, e por isso carente da assistência. Pessoa em grave e iminente perigo é aquela que, ainda que não inválida nem ferida, encontra-se numa situação em que sua vida ou sua saúde está na iminência de ser lesionada. Havendo várias pessoas obrigadas a prestar socorro, porque conscientes do perigo por que passa a vítima, todas têm o mesmo dever, daí que, se omitirem, responderão pelo crime, mas se uma delas agir, as demais ficarão desobrigadas.

12.2.1.3

Elemento subjetivo

Crime doloso. Deve o agente ter consciência da situação de perigo em que se encontra a vítima, e vontade livre de abster-se, com a finalidade de que o perigo permaneça. Dolo de perigo, portanto, que pode ser direto, quando o agente quer que ele ocorra, ou eventual, quando nele consentir. Para realizar o tipo o agente deve estar, portanto, presente no local onde a vítima enfrenta o perigo. Ali não estando, dele não podia saber, logo não pode omitir-se. Entretanto, se o agente está nas proximidades, é avisado da situação de perigo e deixa de prestar o socorro, aí sim terá agido com dolo. É o caso do médico que, na sala de descanso, é avisado pelo auxiliar da presença de um paciente em grave e iminente perigo e não age para prestar o socorro devido. Se o agente atuar com dolo de matar, o crime será de homicídio, tentado ou

4 – Direito Penal II – Ney Moura Teles consumado. Não há forma culposa. Se o agente omitiu-se por negligência, por imaginar que a vítima não estava em perigo, não era inválida, nem estava ferida, ou que não se tratava de uma criança, errando, ainda, sobre o estado de perdida ou de abandonada, crime não terá havido por erro de tipo. Também não haverá dolo, por erro de tipo, se o agente imagina a possibilidade de sofrer risco pessoal caso realize a conduta exigida pela norma.

12.2.1.4

Consumação e tentativa

Consuma-se o crime no momento em que o agente deixa de prestar o socorro ou de pedir a ajuda à autoridade pública, ocorrendo, então, a situação de perigo, concreto ou abstrato, conforme seja a exigência típica. Quando a vítima for criança extraviada ou abandonada, ou pessoa inválida ou ferida ao desamparo, há perigo presumido pela norma. É o perigo abstrato, que não precisa ser demonstrado. Nesses casos, consuma-se o crime simplesmente com a omissão do agente. Porque aí o perigo já vem presumido no próprio tipo legal de crime. É presunção absoluta, contida na norma. Quando se tratar de pessoa em grave e iminente perigo, cuida-se de perigo concreto, daí que precisa ser provado. Neste último caso, consuma-se o crime quando se tiver verificado a real situação de perigo. A tentativa é impossível, pois a simples omissão já aperfeiçoa o crime.

12.2.2

Formas qualificadas pelo resultado

No parágrafo único estão previstos dois crimes preterdolosos, o primeiro qualificado por lesões corporais de natureza grave, com pena aumentada de metade, e o outro pela morte da vítima, quando a pena será triplicada. O agente deve ter-se omitido dolosamente e, por negligência, dado causa ao resultado mais grave. É indispensável que se prove que o resultado qualificador decorreu da ausência de assistência por parte do agente. Provando-se que se ele tivesse prestado o socorro a vítima não sofreria a lesão grave ou não morreria, a ele será atribuído o resultado, a título de culpa. Mas, sem nexo causal, o resultado não lhe pode ser imputado.

Omissão de Socorro - 5 Atente-se ainda para as hipóteses em que, consumada a omissão que contribui para a produção do resultado mais grave, ocorrer causa superveniente, relativa ou absolutamente independente da conduta do agente, que, por si só, venha a produzir o resultado. Nestes casos, igualmente, o resultado mais grave não poderá ser atribuído ao omitente. Provando-se, igualmente, que não atuou culposamente na produção do resultado, também por ele não responderá.

12.2.3

Omissão de socorro em acidente de trânsito

O Código de Trânsito, Lei nº 9.503/97, definiu, no art. 304, um tipo especial de omissão de socorro, assim: “deixar o condutor do veículo, na ocasião do acidente, de prestar imediato socorro à vítima, ou não podendo fazê-lo diretamente, por justa causa, deixar de solicitar auxílio da autoridade pública”. A pena cominada é a de detenção, de seis meses a um ano, ou multa, se o fato não constituir elemento de crime mais grave. É mais severa a pena, portanto, que a do tipo fundamental do art. 135 do Código Penal. Conquanto os arts. 302 e 303 do mesmo Código de Trânsito – que definem, respectivamente, o homicídio culposo e a lesão corporal culposa praticados na direção de veículo automotor – tenham considerado a omissão de socorro à vítima, por parte do condutor, uma causa especial de aumento de pena, o tipo do art. 303 não pode estar-se referindo aos agentes daqueles crimes. No caso daqueles agentes, a omissão de socorro funcionará como causa de aumento de pena. A única conclusão a que se pode chegar é a de que o tipo do art. 304 só pode ser realizado pelo condutor de veículo que, envolvido no acidente de trânsito, não tenha agido culposamente quanto à produção da situação de perigo para a vítima. Se tiver agido culposamente, responderá por lesão corporal ou homicídio culposo, com o aumento de pena, pela omissão do socorro. Em outras palavras, pelo simples fato de ter-se envolvido em acidente de trânsito, ainda que agindo sem culpa nenhuma, o condutor de veículo estará obrigado a prestar assistência à vítima, com pena maior que a aplicada a qualquer outro que não se tenha envolvido no desastre. É essa a norma. O condutor de veículo que não se tenha envolvido em acidente de trânsito e que não presta socorro à vítima deste responde pelo tipo fundamental do art. 135 do Código Penal.

6 – Direito Penal II – Ney Moura Teles O tipo do art. 304 do Código de Trânsito não prevê as formas qualificadas pelo resultado mais grave, lesão corporal ou morte, como o faz o art. 135 do Código Penal. Essa lacuna leva a um caso concreto cuja solução é complexa. Se o condutor sem culpa envolvido no acidente deixa de prestar socorro, provando-se que da omissão resultou a morte da vítima, responderá por qual crime? Antes do advento do Código de Trânsito, responderia por omissão de socorro seguida de morte, art. 135, parágrafo único, última parte. Mas, com a nova lei, a dúvida se instalará, porque nesta não há previsão da forma qualificada pelo resultado. Penso que, nesse caso, o agente deve responder pela norma do art. 135, parágrafo único, porque é a norma que se ajusta com perfeição ao fato.

12.2.4 Omissão de socorro a idoso O art. 97 da Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (o Estatuto do Idoso), contém o seguinte tipo especial: “deixar de prestar assistência ao idoso, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, em situação de iminente perigo, ou recusar, retardar ou dificultar sua assistência à saúde, sem justa causa, ou não pedir, nesses casos, o socorro de autoridade pública: Pena – detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa”. A realização dos elementos desse tipo especial afasta a incidência do art. 135. Aqui as penas – detenção e multa – serão aplicadas cumulativamente. É, pois, crime mais grave. O parágrafo único descreve as mesmas formas qualificadas pelo resultado previstas no art. 135. Idosa é a pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos (art. 1º da Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003). A vigência dessa lei ocorre 90 dias após sua publicação, que se deu no DOU de 3-102003. O art. 100, inciso III, da mesma lei, contém outro tipo penal: “recusar, retardar ou dificultar atendimento ou deixar de prestar assistência à saúde, sem justa causa, a pessoa idosa”. A pena é reclusão, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa. Esse tipo é idêntico a uma das formulações típicas do art. 97 e nada justifica sua existência nem a cominação de pena de reclusão. Uma incoerência do legislador.

Omissão de Socorro - 7

12.3 ILICITUDE E CULPABILIDADE Inadmissível a convivência da omissão de socorro com a legítima defesa, mas é possível que o agente, ao omitir-se, tenha agido em estado de necessidade. Se, para salvar um outro bem, próprio ou alheio, de uma situação de perigo não houver outro meio senão deixar de prestar socorro à vítima, sua conduta será lícita. A culpabilidade poderá ser excluída por inexigibilidade de conduta diversa quando o agente estiver, por exemplo, diante da iminência de sofrer um risco patrimonial relevante, caso preste o socorro à vítima. A norma só releva a omissão quando o risco for pessoal, todavia, sendo patrimonial ou moral, pode-se concluir que, nas circunstâncias, não se podia exigir do agente conduta positiva. Será desculpado, ainda, por erro de proibição, quando tiver suposto situação de fato que, se existente, tornaria legítima sua conduta omissiva. É o caso de um estado de necessidade putativo.

12.4 AÇÃO PENAL A ação penal é pública incondicionada. A competência para qualquer das figuras típicas, com exceção da omissão de socorro seguida de morte, é do juizado especial criminal, permitida a suspensão condicional do processo penal, conforme preceitua o art. 89 da Lei nº 9.099/95.

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