23 EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE
____________________________ 23.1 PUNIBILIDADE 23.1.1 Conceito Tendo ocorrido um crime – um fato típico, ilícito e culpável –, deve ser, de conseqüência, uma pena criminal. Haverá, a princípio, a possibilidade de o Estado aplicar a sanção penal ao agente do crime. Essa possibilidade de punir o agente do crime, de exercer o jus puniendi, chama-se punibilidade. A punibilidade é a conseqüência jurídica do crime1. Ensina FRANCISCO MUÑOZ CONDE: “Com a constatação da tipicidade, da ilicitude e da culpabilidade pode-se dizer que existe um delito completo em todos os seus elementos. Em alguns casos exige-se, contudo, para a punição de um fato como delituoso, a presença de alguns elementos adicionais, que não podem ser incluídos nem na tipicidade, nem na antijuridicidade, nem na culpabilidade, porque não correspondem à função dogmática e político-criminal dessas categorias.”2 No passado, os melhores doutrinadores consideravam a punibilidade um quarto elemento do crime, o que, hoje verifica-se, é incorreto, pois que ela se situa fora do crime, consequência que dele é. A punibilidade é, em síntese, a possibilidade jurídica da imposição da pena ao agente do crime. Trata-se de uma categoria que não integra o conceito de crime, mas que, como sua conseqüência jurídica, vai condicionar a imposição da resposta penal e que só
1
JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 389.
2 CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral do delito. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1988. p. 169.
2 – Direito Penal – Ney Moura Teles existirá quando estiverem presentes algumas causas, as condições objetivas de punibilidade, e ausentes outras causas, umas chamadas escusas absolutórias, outras denominadas extintivas da punibilidade. Por exemplo: Flávio, maior, imputável, tendo subtraído para si dinheiro de seu pai, terá cometido um crime de furto, não militando, em seu favor, nenhuma causa de exclusão da ilicitude, e tampouco de culpabilidade; no entanto, não sofrerá sanção penal, porquanto, apesar de típico, ilícito e culpável, esse fato não será punível, porque o direito entende não dever incidir sobre esse agente a pena criminal, apesar de o crime ter-se aperfeiçoado integralmente. Num crime de ação de iniciativa privada exclusiva, por exemplo, na injúria, a queixa deverá ser proposta no prazo de seis meses contados da data em que o agente tomou conhecimento de quem foi o agente do fato. Transcorrido esse prazo, sem que a ação penal tenha sido proposta por meio de queixa, não mais poderá ser iniciada, por força da decadência do direito de agir, pelo que, mesmo tendo havido crime – fato típico, ilícito, culpável –, não será mais possível a imposição da pena, porque a punibilidade já estará extinta. Diante de um crime, para haver a punibilidade, pode, às vezes, ser necessária a presença das chamadas condições objetivas de punibilidade e, a um só tempo, devem estar ausentes as escusas absolutórias e as causas extintivas da punibilidade, que constituem o objeto do estudo a seguir.
23.1.2
Condições objetivas de punibilidade
Condições objetivas de punibilidade são circunstâncias que se situam fora do crime, isto é, do fato típico – do dolo – da ilicitude, e da culpabilidade; sem elas não pode ser imposta a pena, como resposta do direito. É o que acontece, por exemplo, quando Maria, brasileira, em viagem à Dinamarca, realiza ali o tipo legal do crime de aborto, violando o preceito do art. 124 do Código Penal brasileiro. Segundo estabelece o art. 7º, II, b, do Código Penal, a lei penal brasileira aplicar-se-á a crimes cometidos no estrangeiro por brasileiros. Para a imposição da pena, todavia, é indispensável que o fato praticado seja “punível também no país em que foi praticado” (art. 7º, § 2º, b). Ora, se na Dinamarca Maria realizou um aborto lícito, permitido, o fato típico por ela realizado não é punível no país em que se realizou. Logo, a lei penal brasileira não poderá ser aplicada. Esta é uma condição objetiva de punibilidade. Situa-se fora do
Extinção da Punibilidade - 3 crime, fora do dolo do agente, extrinsecamente, e impede a imposição da sanção penal apesar de o crime ter-se aperfeiçoado. Outra condição objetiva de punibilidade, também relativa a crimes cometidos no estrangeiro, é a constante do mesmo art. 7º, § 2º, alínea c, que exige, para a aplicação da lei brasileira, “estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição”. Verifica-se que, nessas situações, apesar de ter havido um crime, a pena não poderá ser imposta ao agente, pela ausência dessas condições de punibilidade, que são objetivas.
23.1.3
Escusas absolutórias
Já as chamadas escusas absolutórias são situações concretas previstas na parte especial do Código Penal que impedem a aplicação da pena ao agente de um fato típico, ilícito e culpável, de um crime. Não se confundem com as causas de exclusão da ilicitude – legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular de direito – nem com as dirimentes – descriminantes putativas, erro de proibição inevitável, coação moral irresistível, obediência hierárquica – que excluem o próprio crime. São situações ditadas por princípios ou interesses de política criminal, que impedem a imposição da pena, atingindo a possibilidade jurídica de punir, a punibilidade. São duas as escusas absolutórias previstas no Código Penal. Dispõe o art. 181 do Código Penal, que se refere aos crimes contra o patrimônio, exceto os de roubo e extorsão e os praticados com violência ou grave ameaça: “É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo: I – do cônjuge, na constância da sociedade conjugal; II – de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.” Esta escusa absolutória impede a imposição de pena ao filho que furta do pai, ao marido que pratica estelionato em prejuízo da mulher, na constância do casamento, do pai que se apropria indevidamente de coisa de propriedade do filho. São razões de política criminal que inspiram a construção da escusa absolutória. Note-se que o crime existe, não havendo apenas a punibibilidade, tanto que o estranho que dele participa não é beneficiado com a isenção da pena criminal (art. 183, II, CP).
4 – Direito Penal – Ney Moura Teles A outra escusa absolutória diz respeito ao crime de favorecimento pessoal, definido, assim, no art. 348 do Código Penal: “Auxiliar a subtrair-se à ação de autoridade pública autor de crime a que é cominada pena de reclusão.” Se o agente desse crime, o que auxiliar o autor de crime a subtrair-se à ação da autoridade pública, for seu ascendente, descendente, cônjuge ou irmão, estará isento da pena (§ 2º, art. 348, CP). Trata-se, outra vez, de uma escusa absolutória que não exclui a existência do crime, impedindo, apenas, a imposição da pena. É uma medida imperiosa que leva em conta a relação familiar, de intimidade, entre o agente e o beneficiado pelo crime, determinando ao Estado abrir mão da imposição da pena, por uma questão de compreensão do comportamento do indivíduo revelador de seu espírito de coragem e de solidariedade, merecedor, assim, de um benefício do direito.
23.1.4
Efeitos da extinção da punibilidade
As causas extintivas da punibilidade, em geral, atingem apenas o jus puniendi, permanecendo o crime em sua integridade, com todos os seus demais efeitos e, quando operarem após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, atingirão a primariedade do agente. Em algumas situações excepcionais, a causa de extinção da punibilidade atinge o crime em sua totalidade, eliminando-o simplesmente, como ocorre na hipótese da abolitio criminis e da anistia. Quando a causa operar antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, extinguindo o direito estatal de punir o infrator da norma, este não será julgado e, de conseqüência, garantirá a situação de primariedade, se existente até então.
23.1.5Extinção da punibilidade nos crimes acessórios complexos e conexos O art. 108 do Código Penal estabelece: “A extinção da punibilidade de crime que é pressuposto, elemento constitutivo ou circunstância agravante de outro não se estende a este. Nos crimes conexos, a extinção da punibilidade de um deles não impede, quanto aos outros, a agravação da pena resultante da conexão.”
Extinção da Punibilidade - 5 Há crime que é pressuposto de outro crime. Em outras palavras, um crime é acessório em relação a outro, como, por exemplo, acontece com o furto (art. 155, CP) e a receptação (art. 180, CP). A norma diz que a extinção da punibilidade de um crime não alcança a punibilidade do outro. Nos crimes complexos, um crime é circunstância qualificadora de outro, ou então um deles é elemento constitutivo de outro, como, por exemplo, na extorsão mediante seqüestro, definida no art. 159, composta dos tipos de seqüestro (art. 148, CP) e de extorsão (art. 158, CP). Extinta a punibilidade de qualquer dos crimes elementares, ou daquele que é qualificadora, nem por isso estará extinta a punibilidade do crime complexo. Nos crimes conexos – unidos por um nexo teleológico, conseqüencial ou ocasional –, a extinção da punibilidade de um deles não impede a agravação da pena do outro, que resulta da conexão. Exemplo de crimes conexos é o homicídio cometido para assegurar a ocultação de um crime de apropriação indébita. Se, quanto à apropriação indébita, a punibilidade extinguir-se, o agente continuará respondendo pelo homicídio em sua forma qualificada.
23.2 CAUSAS DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE A punibilidade do fato poderá ser extinta quando estiverem presentes algumas causas estabelecidas na lei. Algumas delas podem aplicar-se a todo e qualquer crime, outras a alguns em particular. Estão previstas no art. 107 do Código Penal: A “retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso”, prevista no inciso III do art. 107, não é, em verdade, uma causa de extinção da punibilidade, mas de extinção do próprio crime, a já conhecida e estudada abolitio criminis, extinguindo, quando ocorrente, o processo ou a execução penal. Quanto às demais, são objeto do estudo a seguir. A prescrição, por sua importância, natureza e complexidade, será estudada em capítulo à parte, isoladamente, o mesmo ocorrendo com a suspensão condicional do processo penal, causa extintiva da punibilidade estabelecida na Lei nº 9.099/95, que é tratada no próximo capítulo. A seguir, a análise das causas de extinção da punibilidade previstas no art. 107 do Código Penal.
6 – Direito Penal – Ney Moura Teles
23.2.1
Morte do agente
Morrendo o acusado da prática de um crime, antes, durante ou após o término do processo, a possibilidade de o Estado exercer seu direito de punir extingue-se automaticamente, até porque a Constituição Federal assegura que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado” (art. 5º, XLV). Com a morte do agente, desaparece a relação jurídica existente anteriormente entre ele e o Estado, que autorizava este a pedir ao poder judiciário a condenação penal. Apesar de algumas opiniões favoráveis, é certo que a morte presumida, de que trata o art. 10 do Código Civil, não pode equiparar-se à morte real, extinguindo a punibilidade. Assim, somente à vista de certidão de óbito, poderá ser decretada a extinção da punibilidade. Doutrina e jurisprudência dominantes são uniformes ao afirmar que, na hipótese de certidão de óbito falsa, não é possível, após o trânsito em julgado da sentença que declarou extinta a punibilidade, rever-se a decisão, reabrindo-se o processo, porquanto o Direito brasileiro não admite a revisão do processo em desfavor do réu. Nessas situações, somente poderia haver processo pela falsificação e pelo uso do documento falsificado. Nada obstante a inexistência da chamada revisão criminal pro societate, no caso de falsidade demonstrada e comprovada, a sentença que declarou extinta a punibilidade se terá assentado numa premissa inexistente, a morte do acusado. Se esta é a condição para a extinção da punibilidade, e verificou-se não ter ocorrido, não pode, igualmente, perdurar a perda do direito de punir do Estado. A verdade não pode quedar-se diante de uma simples formalidade, pelo que, excepcionalmente, deve-se admitir a revisão contra esse réu, que teve extinta sua punibilidade pela declaração falsa de sua morte.
23.2.2
Anistia, graça e indulto
Anistia é o esquecimento do fato, a renúncia, pelo Estado, de exercer o jus puniendi; daí que, concedida, fica automaticamente extinta a punibilidade. Dispõe o art. 48, VIII, da Constituição Federal que a anistia será concedida pelo Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, por meio de uma lei cujo efeito será apagar o crime, extinguindo a punibilidade e os efeitos penais, já que os
Extinção da Punibilidade - 7 de natureza civil não são alcançados pela renúncia estatal. A anistia é geralmente concedida para crimes de natureza política, como gesto de pacificação dos espíritos de um país, um povo, como aconteceu recentemente no Brasil após o regime autoritário instaurado com o golpe militar de 1964. Atingiu, é sabido, os crimes políticos e os com eles conexos. Nada impede, todavia, que a anistia seja concedida para crimes outros. A anistia é geral, alcançando os fatos por ela referidos e, de conseqüência, as pessoas neles envolvidas. O inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal mandou a lei considerar insuscetíveis de anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes chamados hediondos. Graça e indulto em muito se assemelham, embora a diferença seja clara. São formas de indulgência, clemência, reservadas ao arbítrio do Presidente da República, e atingem apenas a execução das penas, não alcançando quaisquer dos efeitos civis da condenação. Diferem no sentido de que a graça é individual – daí ser chamada indulto individual – e, em regra, é solicitada pelo condenado, e o indulto é coletivo e resulta de ato espontâneo do Presidente da República. A Lei de Execução Penal trata desses institutos nos arts. 188 a 193. O indulto coletivo pode ser total ou parcial, extinguindo ou diminuindo as penas. Neste último caso, não haverá extinção da punibilidade, mas tão-somente a comutação da sanção penal. O indulto coletivo dirige-se a um grupo de condenados, que se enquadrem na situação jurídica prevista no ato que o concede (decreto), que estabelecerá os requisitos para sua obtenção. Os requisitos poderiam, por exemplo, ser os seguintes: (a) condenados a penas inferiores a quatro anos; (b) primários, de boa conduta social; (c) de bom comportamento carcerário; (d) que tenham cumprido 1/3 da pena; (e) que não tenham sido anteriormente indultados. O Presidente da República, pelo Decreto nº 1.860, de 11-4-1996, concedeu o que chamou de “indulto especial e condicional” a condenado a pena privativa de liberdade inferior a seis anos, primário e de bons antecedentes, que tivesse cumprido no mínimo 1/6 da pena, condicionado a subsistência da condição de primário do condenado, e a seu bom comportamento – durante 24 meses após a obtenção da liberdade. Trata-se, como se vê, de um indulto que não visava à extinção, imediatamente,
8 – Direito Penal – Ney Moura Teles da punibilidade, mas apenas se decorrido o período de prova de 24 meses, sem revogação. A doutrina tradicional entende que o indulto só é possível após o trânsito em julgado da sentença condenatória, não beneficiando os condenados com sentença recorrida. A jurisprudência, todavia, vem entendendo que, se a sentença transitou em julgado para o Ministério Público, o acusado tem direito ao indulto. Esse é o entendimento correto.
23.2.3
Decadência
Tratando-se de ação penal de iniciativa privada – aquela incoada pelo ofendido ou seu representante legal – ou de ação penal de iniciativa pública condicionada, a queixa, peça inaugural do processo, ou a representação, no segundo caso, deve ser oferecida, dentro do prazo de seis meses, contados da data em que o querelante teve ciência de quem seja o autor do fato típico, e no caso de ação penal de iniciativa privada subsidiária de pública, da data em que expirou o prazo para o Ministério Público oferecer a denúncia. É a norma do art. 103 do Código Penal. Se a queixa ou a representação não tiverem sido apresentadas no prazo de seis meses, o ofendido decairá do direito de ação ou de representação. Terá perdido o direito de acionar ou delatar o infrator da norma penal. Esse prazo é fatal e não se prorroga. A instauração de inquérito policial, para apurar a materialidade da infração, ou a realização de qualquer diligência, não suspende, nem interrompe, o prazo decadencial. Extinto o direito de ação ou de representação, extinto estará igualmente o direito de punir do Estado. Nos crimes definidos na lei de imprensa, o prazo decadencial é de três meses da data da publicação ou da transmissão, e não se interrompe com eventual pedido de explicações. No crime de adultério, o prazo é de um mês. Na ação privada exclusiva e na ação pública condicionada, começa a fluir o prazo da data em que o ofendido ou seu representante toma conhecimento da autoria do crime, e não da data em que o crime ocorreu, salvo, é óbvio, se o ofendido ou seu representante dele tiver tomado conhecimento no mesmo momento. Se for ação privada subsidiária de pública, o prazo começa a contar do dia em que expirou o prazo para o Ministério Público oferecer a denúncia.
Extinção da Punibilidade - 9 Conta-se o dia do início do prazo, que é a data em que se tomou ciência do fato. Se o ofendido tem menos de 18 anos, só seu representante legal pode oferecer a queixa, e, quando tem mais de 18 e menos de 21 anos, a queixa poderá ser proposta por ambos (art. 34, CPP). Supondo que o crime é praticado quando o ofendido tem 17 anos, só seu representante legal pode oferecer a queixa. Se ele não o faz, no prazo legal, terá perdido o direito de agir, pela decadência. Mas o próprio ofendido poderá, após completar 18 anos, exercer o direito de queixa. Assim, para ele, o prazo decadencial somente começará a fluir da data em que completar 18 anos. Se o representante legal da vítima menor de 18 não tiver conhecimento de quem seja o autor do crime e ela, após completar 18 anos, deixa transcorrer o prazo decadencial, perdendo o direito de agir e, passados dois anos, quando ela já tem 20 anos, o representante legal vem a descobrir o autor do crime, poderá, a partir dessa data, e dentro de seis meses, oferecer a queixa.
23.2.4
Perempção
Perempção é a perda, pelo ofendido ou seu representante legal – chamado processualmente de querelante –, do direito de prosseguir na demanda contra o agente do fato – dito querelado – em razão de inércia ou desídia no curso do processo instaurado. Dispõe o art. 60 do Código de Processo Penal: “Nos casos em que somente se procede mediante queixa, considerar-se-á perempta a ação penal: I – quando, iniciada esta, o querelante deixar de promover o andamento do processo, durante 30 dias seguidos; II – quando, falecendo o querelante, ou sobrevindo sua incapacidade, não comparecer em juízo, para prosseguir no processo, dentro do prazo de 60 dias, qualquer das pessoas a quem couber fazê-lo, ressalvado o disposto no art. 36; III – quando o querelante deixar de comparecer, sem motivo justificado, a qualquer ato do processo a que deva estar presente, ou deixar de formular o pedido de condenação nas alegações finais; IV – quando, sendo querelante pessoa jurídica, esta se extinguir sem deixar sucessor.” Trata-se de uma sanção imposta ao ofendido que, como titular do direito de agir, inicia o processo e, depois, não cumpre com seus deveres processuais, salvo se houver motivo justo para tanto; daí que a perempção deve ser decretada pelo juiz, não ocorrendo automaticamente.
10 – Direito Penal – Ney Moura Teles Só há perempção quando se tratar de ação penal de iniciativa privada exclusiva, não ocorrendo quando a ação for de iniciativa privada subsidiária de ação de iniciativa pública. Perempta a ação penal, extinta, de conseqüência, a punibilidade.
23.2.5
Renúncia
Esta causa de extinção da punibilidade aplica-se apenas aos casos de ação penal de iniciativa privada, exclusiva ou subsidiária de pública. Renúncia é a desistência do direito de acionar o agente do crime. Se o ofendido e seu representante legal são os titulares da ação, por força de lei, e não desejam, por ato voluntário, promover a persecução penal, o Estado, que lhes concedeu esse direito, não poderá punir, ficando, de conseqüência, extinta a punibilidade. É entendimento doutrinário dominante o de que a renúncia deve preceder ao início da ação penal, antes, pois, do oferecimento da queixa. Se tiver sido apresentada a queixa, não mais poderão, ofendido e representante, renunciar. A renúncia pode ser expressa ou tácita. Expressa quando constar de declaração assinada pelo ofendido ou seu representante legal, podendo ser firmada também por procurador, ainda que não advogado, com poderes especiais para renunciar, como preconiza o caput do art. 50 do Código de Processo Penal. Renúncia tácita é a que decorre da prática de um comportamento, um ato qualquer, que seja induvidosamente incompatível com o exercício do direito de ação. “Importam em renúncia tácita fatos inequívocos, conscientes e livres. Cumpre que traduzam uma verdadeira reconciliação, ou o positivo propósito de derrelição do direito de queixa. Não têm relevância, por exemplo, as continuadas ou supervenientes relações de necessidade, de subordinação, de civilidade, ou de conveniência social, intercedentes entre o ofendido e o ofensor, nem os meros atos de humanidade praticados por aquele em favor deste. Se o ofendido ainda ignora a existência do crime, nenhuma significação tem, no tocante à renúncia, a continuidade dos laços de estima entre ele e o ofensor. Quando obtidos por coação ou fraude, os atos de reconciliação carecem de qualquer valor jurídico.”3 O recebimento, pelo ofendido, qualquer que seja o meio ou a forma, do valor da
3
HUNGRIA, Nelson. Comentário ao código penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1955. v. 4, p. 120.
Extinção da Punibilidade - 11 indenização do dano causado pelo crime, não implica renúncia tácita, como dispõe expressamente o parágrafo único, in fine, do art. 104 do Código Penal. Dispõe o parágrafo único do citado art. 50 que “a renúncia do representante legal do menor que houver completado 18 anos não privará este do direito de queixa, nem a renúncia do último excluirá o direito do primeiro”. A queixa, quando o ofendido é menor de 21 e maior de 18 anos, pode ser oferecida por ele próprio ou por seu representante legal, como diz o art. 34 do Código de Processo Penal. Se um renunciar, o outro poderá propor a ação.
23.2.6
Perdão do ofendido, aceito
Dispõe o art. 105 do Código Penal: “O perdão do ofendido, nos crimes em que se procede mediante queixa, obsta ao prosseguimento da ação.” O inciso V do art. 107 determina que o perdão aceito, nos crimes de ação privada, extingue a punibilidade. Perdão é a desistência, pelo ofendido ou seu representante legal, de prosseguir na ação penal. Difere do perdão judicial, porque este é concedido pelo juiz, em certas situações em que a pena se torna desnecessária. O perdão do ofendido diz respeito apenas à ação penal de iniciativa privada exclusiva, até porque, nas ações subsidiárias de pública, o Ministério Público, se o queixoso desistir, pode prosseguir no pólo ativo da relação processual, demandando a condenação do agente do fato. O perdão do ofendido ocorre após o início da ação penal privada, devendo ser oferecido até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (§ 2º, art. 106). O perdão concedido expressamente nos autos da ação penal é o chamado processual, podendo, todavia, ser concedido fora dos autos do processo, de modo expresso ou tacitamente. Nesse caso, diz-se perdão extraprocessual. O perdão é expresso quando constar de declaração escrita assinada pelo ofendido, seu representante legal ou o procurador com poderes especiais. Tácito é o perdão que decorre da prática de um comportamento, ou de um ato incompatível com a vontade de prosseguir no processo. O perdão é, necessariamente, um ato bilateral, pelo que, se o agente não o aceitar, recusando-o, não produzirá qualquer efeito. A aceitação, do mesmo modo, pode ser processual, extraprocessual, expressa ou tácita.
12 – Direito Penal – Ney Moura Teles
23.2.7
Retratação do agente
Nos crimes de calúnia e difamação, tipificados no Código Penal (arts. 138 e 139), e nos crimes contra a honra praticados por meio da imprensa, inclusive o de injúria (arts. 20, 21 e 22 da Lei nº 5.250/67), bem assim nos crimes de falso testemunho e falsa perícia (art. 342, § 3º, CP), a retratação cabal do ofensor extinguirá a punibilidade. A retratação é a atitude do ofensor consistente em desdizer a afirmação feita. É “voltar atrás”, desculpando-se pela afirmação proferida anteriormente. Só excepcionalmente a lei admite a retratação como causa de extinção da punibilidade. Diz o art. 143 do Código Penal: “O querelado que, antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou da difamação, fica isento de pena.” Nessas hipóteses, a retratação deve ser feita antes da sentença que decidir sobre a ação, e o juiz deverá considerá-la idônea e adequada a reparar a ofensa causada, não dependendo de aceitação do ofendido. Já o art. 26 da Lei nº 5.250/67, a Lei de Imprensa, abrangendo também a injúria, assim dispõe: “A retratação ou retificação espontânea, expressa e cabal, feita antes de iniciado o procedimento judicial, excluirá a ação penal contra o responsável pelos crimes previstos nos arts. 20 a 22. § 1º A retratação do ofensor, em juízo, reconhecendo, por termo lavrado nos autos, a falsidade da imputação, o eximirá da pena, desde que pague as custas do processo e promova, se assim o desejar o ofendido, dentro de 5 (cinco) dias e por sua conta, a divulgação da notícia da retratação. § 2º Nos casos deste artigo e do § 1º a retratação deve ser feita ou divulgada: a) no mesmo jornal ou periódico, no mesmo local, com os mesmos caracteres e sob a mesma epígrafe; ou b) na mesma estação emissora e no mesmo programa ou horário.” Poderá o agente retratar-se nos crimes de falso testemunho e falsa perícia, conforme estabelece o § 3º do art. 342 do Código Penal: “O fato deixa de ser punível, se, antes da sentença, o agente se retrata ou declara a verdade.” A dúvida é saber se a retratação, nesses casos, deve ser feita antes da sentença prolatada no processo em que foi cometido o crime de falso testemunho ou falsa perícia, ou se no processo instaurado contra o agente do falso.
Extinção da Punibilidade - 13 A retratação, ensina DAMÁSIO E. DE JESUS, “só é possível até a sentença final do procedimento em que foi praticado o falso testemunho”4. Tratando-se de processo de competência do tribunal do júri, o agente pode retratar-se até o julgamento final, pelo júri popular.
23.2.8
Perdão judicial
Perdão judicial é o ato pelo qual o juiz, apesar de condenar o agente, deixa de aplicar a pena. Diz respeito a certas situações especiais, em que a aplicação da sanção penal é absolutamente desnecessária ou não é recomendável, por motivos de política criminal, ou em face do princípio da intervenção mínima. São as seguintes as hipóteses em que o juiz deve aplicar o perdão judicial. Art. 121, § 5º, Código Penal: “Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.” Esta hipótese aplica-se, também, ao crime de lesão corporal culposa, por força do que estabelece o § 8º do art. 129 do Código Penal. A pena criminal tem como fim a prevenção e a reprovação do crime, não podendo ultrapassar os limites da necessidade e da suficiência. Se, em certas circunstâncias, a pena mostrar-se desnecessária, não deve ser imposta. É o que acontece quando, por exemplo, o agente causa culposamente a morte do próprio filho, ou a lesão corporal de pessoa querida, a esposa, companheira, mãe, uma irmã, o próprio pai. Não tendo agido com dolo, nem eventual, o agente se vê diante da lesão a um bem jurídico importantíssimo de uma pessoa queridíssima, sofrendo profundamente com seu comportamento negligente. Esse sofrimento, por si só, é já suficiente para causar-lhe uma aflição indizível, de modo que a imposição de uma pena criminal se tornará absolutamente desnecessária, em face de as conseqüências do fato terem, já, imposto ao agente sofrimento muito mais grave que a sanção penal pertinente. Outra hipótese de perdão judicial é a prevista no § 1º do art. 140 do Código Penal, que se refere ao crime de injúria, assim preconizada: 4
Op. cit. p. 620.
14 – Direito Penal – Ney Moura Teles “O juiz pode deixar de aplicar a pena: I – quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria; II – no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.” Tratando-se de injúria recíproca ou de reação a comportamento reprovável da vítima, a resposta penal torna-se desnecessária. Não é justa, mas a pena seria um exagero, pelo que a lei manda o juiz perdoar o agente, vale dizer, isentá-lo da pena criminal. Outra situação em que o juiz pode perdoar o agente, isentando-o de pena, por desnecessidade da reprovação, é a preconizada no parágrafo único do art. 176, que assim tipifica: “Tomar refeição em restaurante, alojar-se em hotel ou utilizar-se de meio de transporte sem dispor de recursos para efetuar o pagamento.” Permite a norma que o juiz, conforme as circunstâncias, deixe de aplicar a pena. É certo que deverá levar em conta condições particulares do agente, sua situação pessoal, dificuldades que atravessava, para, apesar de condená-lo, isentá-lo da pena, aplicandolhe o perdão judicial. O perdão judicial é concedido apenas na hipótese de o juiz condenar o réu, e, verificando seus pressupostos, deixar de aplicar-lhe a pena. Poderá a sentença ser executada no juízo cível, pois reconhece a prática de um fato típico, ilícito e culpável, um crime. Apenas o Estado não aplicará a pena, renunciando a seu direito de punir. Fica, todavia, excluído o efeito penal de gerar a reincidência, como determina o art. 120 do Código Penal: “A sentença que conceder perdão judicial não será considerada para efeitos de reincidência.”