Victor Hugo e o Espiritismo Manuel Portásio
O jornal francês Libération publicou, no último dia 13 de dezembro, matéria relativa ao envolvimento do grande gênio literário da França com o espiritismo, enfocando os fenômenos de mesas girantes ocorridos na ilha de Jersey, no Canal da Mancha, quando do exílio do extraordinário escritor. Os fenômenos começaram quando chegou à ilha a Sra. Delphine de Girardin, “ancienne muse de la Patrie”, trazendo do continente a novidade, que já era moda nos salões chiques de Paris. “Teria o grande Hugo enlouquecido, aos 52 anos de idade? A atmosfera viva do aequipélado anglo-normando teria provocado nele um delírio teológico?”, pergunta o articulista, ao tomar conhecimento do Livre des Tables, publicado em 1923, muito tempo após a morte de Hugo, e onde ele descreve parte do ocorrido em Jersey. A análise publicada pelo prestigioso diário francês mostra como o ser humano continua cético e distante das coisas do espírito. O fato descrito no artigo jornalístico é de conhecimento público, consta de todas as biografias hugonianas e não tem absolutamente nada de extraordinário. O fenômeno das mesas girantes, ou mesas falantes, ou mesas comunicantes, como se queira dizer, era muito comum nos anos 50 do século XIX. E foi através dele que o Codificador, Allan Kardec, foi levado ao estudo das manifestações dos Espíritos e à elaboração das cinco obras básicas do Espiritismo, além da Revista Espírita e outros textos deixados por ele ao desencarnar. Igualmente, o encontro do Grande poeta e escritor francês com a Sra. Delphine de Girardin vem descrito por J. Malgras, em Os Pioneiros do Espiritismo, que reproduz parte das sessões mediúnicas realizadas na ilha de Jersey. Ela foi uma escritora de renome, no cenário cultural francês do séc. XIX, e seu salão
era frequentado por grandes estrelas literárias, como Théophile Gautier, Honoré de Balzac, George Sand, Alexandre Dumas, pai, Alfred de Musset, Alphonse de Lamartine e o próprio Victor Hugo, entre outros, além do compositor de música erudita Franz Liszt. Ela chegou a Jersey no ano de 1853 e ali ficou por uns poucos dias, o suficiente para iniciar Victor Hugo no contato com a espiritualidade e permitir-lhe comunicar-se com o Espírito Léopoldine, filha muito amada do escritor, desencarnada em 1843 juntamente com seu marido, num naufrágio. O grande literato e poeta, dramaturgo e homem público, acadêmico e intelectual, que escreveu dezenas de obras, entre elas Les Misérables e Notre-Dame de Paris, é considerado um dos maiores gênios da literatura francesa de todos os tempos. Era reconhecido e admirado pelo povo francês e seu funeral foi seguido pelas ruas de Paris por mais de dois milhões de pessoas. Eis o porquê do inconformismo do articulista do Libération, que ignora, certamente, que os outros grandes ícones da literatura francesa, que frequentavam o salão da Sra. de Girardin, acima citados, tinham lá também sua intimidade com os Espíritos. E o que dizer dos eminentes homens de ciência, como Gabriel Delanne, Camille Flammarion, Charles Richet e Gustave Geley? Como entender o interesse do Coronel Albert de Rochas pelos fenômenos paranormais e pelo Espiritismo? Enfim, que mal há em ser médium, ou comunicar-se com os Espíritos, se isso é a coisa mais natural de todas as culturas do mundo, em todas as épocas. Sabe, acaso, o articulista que o Codificador da doutrina foi um grande pedagogo, discípulo de Pestalozzi, e que o Espiritismo nasceu e floresceu justamente na capital cultural do mundo, a sua Paris, em meados do séc. XIX? Sabe ele que o movimento espírita colocou figuras muito ilustres da sociedade parisiense da época em torno daquela mesma espécie de mesa? Certamente não! Daí sua crítica acerba, seu inconformismo, sua incompreensão... Nós, porém, o compreendemos perfeitamente.