Uma Morte E Diferentes Lutos

  • June 2020
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LONGE DOS OLHOS... ...E TÃO PERTO DO CORAÇÃO!

“E nesse desespero em que me vejo,já cheguei a tal ponto De me trocar diversas vezes por você, Só pra ver se te encontro”.(Bruno M. e Odair J.) Quando o assunto é a morte, o coração sofre muito com a ausência, que se configura como algo que os olhos jamais voltarão a ver. PERÍODO DE BUSCA A dor psíquica, provocada pela perda, acarreta grandes alterações na vida daqueles que ficam e que buscam, incessantemente, quem partiu, na tentativa de trazê-lo de volta para o real. O impacto da perda de alguém a quem se ama desencadeia uma série de mudanças temporárias, tanto no comportamento das pessoas quanto na forma de elas perceberem as situações do dia-a-dia. Essas mudanças podem gerar certo estranhamento nos familiares e nas pessoas mais próximas. A dor que acompanha a perda tem características peculiares e é descrita como uma “saudade que dói dentro”. De fato, a perda traz uma sensação física de vazio, de falta, de um buraco no ser. Essa dor tem momentos agudos, especialmente nos primeiros meses. Surge com uma intensidade tão forte que, muitas vezes, provoca choro incontrolável. A dor é tão penosa que o enlutado – mesmo sabendo que a morte é irreversível – começa a procurar a pessoa que morreu, ou até mesmo a aguardá-la, na esperança de sua volta. Alguns relatos de enlutados revelam esta procura: “Entro no quarto e tenho a impressão de que vou encontrá-lo lá”. (relato de uma mãe que perdeu seu filho adolescente) “Parece que ouço a voz dela, às vezes, dentro de casa”. (relato de um viúvo) “Durmo abraçada às roupas dele... parece que ele fica mais perto assim”. (relato de uma viúva) Para quem acompanha o enlutado, estes comportamentos podem parecer estranhos, pois dão a entender que a pessoa não compreendeu a morte, não assimilou o acontecimento. Contudo, isto não é necessariamente verdade.

A DIFÍCIL ADAPTAÇÃO O processo de luto é um período de muitas mudanças, mas completamente atípico e diferente de pessoa para pessoa, de tal forma que cada uma precisa encontrar algumas formas especiais de lidar com a dor e evitar mais sofrimento. A morte pode ser instantânea, mas o processo de luto é longo. É necessário muito tempo para o enlutado se “convencer” da realidade dos fatos, compreender o acontecimento e adaptar-se às conseqüências da morte. No primeiro mês após a morte, o enlutado tem

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a sensação de estar vivendo um sonho do qual acordará. A idéia da morte ainda é difícil de ser aceita, mesmo que se tenha consciência dela. É como se a cabeça não pudesse se adaptar à perda, rapidamente, e agisse como se a pessoa falecida estivesse ainda viva. Neste período inicial do luto, os momentos de saudade são muito intensos e causam sofrimento ao enlutado que, em busca de alívio, sai à procura da pessoa falecida, mesmo sabendo que não a encontrará. Assim, ainda que parecendo “sem sentido”, o grande motivador dessa busca é o sentir-se um pouco mais próximo da pessoa que morreu.

ALGUMAS ATITUDES DE PROCURA Pode-se reconhecer esta atitude de procura em alguns comportamentos: -

carregar fotos e objetos pessoais do falecido

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usar suas roupas

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ir aos locais que o falecido costumava freqüentar

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manter roupas, móveis e objetos pessoais nos mesmos lugares

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conversar com o falecido

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procurá-lo pela casa, sentar-se na cadeira que ele ocupava, folhear seus livros, tocar seus objetos.

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chamar pela pessoa na hora em que costumavam estar juntos

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sentir o cheiro da pessoa, como se ela estivesse por perto

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fazer visitas freqüentes ao cemitério

Essas atitudes, muito comuns nos primeiros meses, revelam a procura pela pessoa amada. Procura que também pode ocorrer através dos sonhos. Neles, a pessoa falecida geralmente aparece viva, conversa, anda e age como antes. Os sonhos são mais uma forma que a mente encontra para rever a pessoa perdida e, gradualmente, adaptar-se à perda. Contudo, “não importa se o sonho é feliz, haverá sempre um triste despertar”. (Colin M. Parkes, 1998) Com o passar do tempo, a realidade se incumbe de mostrar a situação, e o enlutado vai se modificando internamente para dar conta de viver sem a pessoa amada. FUGINDO DO SOFRIMENTO Assim como algumas pessoas fazem da procura pelo morto uma forma de não sucumbir à dor da perda, outras utilizam recurso diferente, como o afastamento de tudo que lembra a pessoa

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falecida. Para estas pessoas é como se, afastando-se das lembranças, elas pudessem também se afastar da situação de morte. Alguns relatos revelam essa atitude: “Desde que meu marido se foi, não consigo entrar em minha casa e rever nossas coisas”. “Eu não quero que falem sobre isso (a morte da esposa), porque quanto mais falarem, mais me farão acreditar que ela morreu”. Geralmente, esse comportamento, com o tempo, dá lugar à vivência da saudade. A pessoa vai se permitindo, lentamente, entrar em contato com os fatos da perda e pode dar continuidade ao seu processo de luto.

CUIDADOS IMPORTANTES É preciso dar atenção especial àqueles que vivem um processo de luto. Sabemos que não é possível evitar a dor do outro. Contudo, é importante acompanhar o movimento do enlutado em sua tentativa de aplacar a dor, e saber avaliar o quanto esse movimento está contribuindo para ele, aos poucos, religar-se às pessoas de seu convívio e retornar aos afazeres cotidianos. Tanto os comportamentos de procura pela pessoa que se foi, quanto os de fuga, são formas não intencionais, que o enlutado assume para lidar com sua dor. Contudo, é preciso lembrar sempre de que estas atitudes são temporárias e funcionam como uma proteção inicial para quem perdeu alguém e sofre com esta ausência. Se, passados vários meses, a pessoa continua “vendo”, “ouvindo” e procurando o ente querido, e ainda não consegue ligar-se ao trabalho e às pessoas que ficaram, ou adotou uma postura de distanciamento contínuo do fato, será importante buscar uma ajuda médica e psicológica, para um atendimento especializado.

Ana Lúcia Naletto e Lélia de Cássia Faleiros Oliveira são psicólogas clínicas do Centro Maiêutica de Psicologia Aplicada , especializadas no trabalho com enlutados, desenvolvem projetos de apoio à família no Cemitério Primaveras, por meio de palestras e grupos. www.centromaieutica.com.br

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