TRATADO DE DIREITO PRIVADO PARTE ESPECIAL TOMO LVIII
Direito das Sucessões: Sucessão testamentária. Disposições testamentárias em geral. Formas ordinárias do testamento. TÁBUA SISTEMÁTICA DAS MATÉRIAS TÍTULO III SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA (continuação) CAPITULO XIV CAPACIDADE DE ADQUIRIR POR TESTAMENTO § 5.810. Capacidade testamentária. 1. Sucessibilidade e testamento. 2.Princípio da coexistência. 3. Incapacidade e indignidade § 5.811.Conteúdo elo principio da coexistência. 1. Doutrina da capacidade de suceder.2.Direito romano. 3. Problema técnico da construção. 4.Texto legal. 5. Princípio da coexistência e incapacidade.6.Absolutamente incapazes. 7. Incapacidade absoluta e relativa. 8. Traços diferenciais. 9. Aplicações do princípio.10.Pessoas jurídicas § 5.812.Nascituro. 1.Conceito.2. Direito anterior quanto ao nascituro. 3. Regras jurídicas. 4. O problema da construção jurídica. 5. Construções jurídicas. 6. Nascituros plurais. 7.Determinação da data da concepção § 5.813. Prole eventual de pessoas designadas e existentes ao tempo da morte do testador. 1. “Nondum concepti”. 2. Direito anterior. 3. Fundamento da exclusão dos póstumos não-concebidos. 4. Donde vem a regra jurídica. 5. Fundamento da exceção a favor da prole de pessoas designadas. 6. Futuridade sem concepção. 7. Posição do problema. 8. Construção da regra jurídica. 9. Interpretação da regra jurídica. 10.Que “pessoas designadas” são as do texto. 11. Prole eventual: filhos ou quaisquer descendentes. 12. Prole eventual: restrições. 13. Guarda da herança até o nascimento da prole contemplada. 14. Frutos e administraçãO. 15. Pagamento dos impostos e prole eventual. 16. Prova da concepção para os efeitos legais (nasciturus) . 17. Prova da existência das pessoas e da existência da prole eventual. 18.Devolução dos bens da prole eventual não ocorrida. 18 § 5.814. Incapacidade de sucessão passiva. 1. Pessoas que não podem adquirir por testamento. 2. Pessoa que, a rôgo, escreveu o testamento, o seu cônjuge ou os seus ascendentes, descendentes e irmãos. 3. Testemunhas do testamento. 4. Concubina do testador casado. 5. Oficial público, civil ou militar, comandante, ou escrivão, perante quem se fizer, assim como o que fizer ou aprovar o testamento. 6. Legado ou deixa a filho adulterino § 5.815.Disposição a favor de incapazes de suceder. 1. Texto da lei. 2. Nulidade derivada da regra jurídica. 3. Pre sunção § 5.816.Liberdade de testar e quota necessária. 1. Liberdade de testar. 2.Porção disponível. 3. Porção disponível dita anômala. 4.Princípio da inviolabilidade da quota necessária. 5. Herdeiros necessários. 6. Natureza do direito dos herdeiros necessários. 7. Descendentes e ascendentes. 8. Destino dos bens não distribuídos no testamento. 9. Cálculo da metade disponível. 10. Cálculo da porção disponível. 11. Cálculo da porção necessária se há sucessíveis renunciantes. 12. Porção necessária e herdeiro necessário também instituido. 13. Cálculo prático das porções necessárias. 14.Cláusulas de inalienabilidade e de incomunicabilidade. 15.Natureza das restrições de poder. 16. Divergências na classificação. 17. “Modus” e cláusulas de restrição de poder. 18. Teorias. 19. Inalienabilidade e obrigação. 20. Corte no “ius abutendi”. 21. Análise das soluções. 22. Que
é que se entende por temporário. 23. Temporariedade e transmissão. 24. Conteúdo da cláusula de inalienabilidade. 25. Legítimas e cláusulas de restrição de poder § 5.817.Outras cláusulas de restrição. 1. Cláusulas de sub-rogação e cláusulas de reemprêgo. 2. Legitimados à ação de nulidade. 3. O que o testador pode acrescentar a “restrição de poder”. 4. O que se não pode apor aos quinhões dos herdeiros necessários. 5. Natureza da sanção. 6. Ação de nulidade. 7. Ação Pauliana e restrição de poder. 8. Quando começam os efeitos das cláusulas restritivas ou restrições de poder. 9. Efeito da acão de nulidade. 10. Herança necessária e porção disponível. 11. Liberdade de dispor e os seus elementos. 12. Conjuge c parentes colaterais. 13. Direito anterior. 14. Significação da regra jurídica CAPITULO XV REDUÇÃO DAS DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS § 5.818.Caso especial de sucessão . 1. Disposição em parte. 2. Direito romano. 3. Direito anterior. 4. Projetos brasileiros. 5.Natureza da regra jurídica 6. Pressupostos do suporte fáctico. 7. Consequências da regra jurídica § 5.819.Determinação de partes e redução. 1. Fontes. 2. Regras jurídicas sôbre redução. 3. Pressupostos da redução. 4. Pressupostos da redução, se o testador preferiu herdeiros ou legatários. 5. Distribuição inferior ao deixado. 6. Dispositividade das regras jurídicas. 7. ferro do testador. 8. Pluralidade de testamentos. 9. Alguns herdeiros com partes e outros sem parte. 10. Redução dos legados. 11. Divisibilidade e indivisibilidade. 12. Conteúdo das regras jurídicas... CAPITULO XVI SUBSTITUIÇÕES de substituição. 4. Direito romano. 5.Direito anterior.6. Função das substituições. 7. Formas. Poder e não querer aceitar. 9. Morte do beneficiado10. Condição resolutiva. 11. Estrutura da substituição12. Direito do substituto § 5.821. Substituições e espécies. 1. Substituições e fideicomissos. 2.Interpretação da vontade do testador § 5.822. Direito de acrescimento e substituição. 1. “lus accrescendi”. 2.Precisões § 5.823.Pressupostos e caráter da regra juridiaa. 1. Substituições gerais e especiais. 2. Caráter da regra jurídica. 3. Ineficácia da substituição § 5.824.Sujeitos ativo e passivo da substituição. 1. Duas figuras.2. Um ou mais substitutos.~ 3. Quantidade e relação dos substitutos 4. Substituição a grupos. 5. Substituição recíproca. 6.Substituição compendiosa. 7. Substituição a substitutos 8. Instituições condicionais. 9. Qualidade dos substituidos § 5.825.Determinações mas, anexas e conexas; legados. 1. Cláusulas. 2. Legados a têrmo e fideicomissos. 3. Legados. 4.Cláusulas e substituto. 5. Conteúdo da regra legal. 6.“Modus”. 7. Condição à instituição do “prior” .... 2 § 5.826. Objeto da substituição. 1. Substitutos. 2. Espécies de objeto. 3. Instituido e substituto. 4. Substituição recíproca. 5. Conteúdo da regra jurídica § 5.827.Questões de interpretação. 1. Espécies. 2. Instituição condicional e substituição 3. Substituições. 4. Fideicomisso. 5.Substituição ou fideicomisso. 6. Acrescimento e substituição. 7. Nacionalidade. 8. Renúncia. 9. Renúncia e substituição. 10. Outros exemplos. 11. Pessoa ainda não concebida. 12. Substitutos de substitutos. 13. Ordem subsidiária. 14. Herdeiro legitimo e substituição. 15. Qualidade de instituidos. 16. Fideicomisso e legado. 17. Direito francês. 18. Direito italiano. 19. Direito alemão. 20. Direito suíço. 21. Direito russo. 22. Direito argentino § 5.828.Substituição pupilar e quase-pupilar. 1. Instituto estranho ao direito brasileiro. 2. Direito português 122 § 5.829.Disposições mexas, anexas e conexas nas substituições. 1. Restrições do poder, “modus” e substituições. 2. “Modus” e substituição. 3. Condições e têrmos § 5.830.Disposições especiais e substituições. 1. Cisões. 2. Substituição ou “modus”. 3. Prole eventual. 4. Falta de prole. 5.Fidúcia § 5.831.Substituições e herdeiros legítimos. 1. Instituído e substituto. 2. Herança necessária. 3. Falta de herdeiros legítimos. 4. Herdeiros testamentários e substituição. 5. Falta de herdeiros de determinado grau. 6. Condição suspensiva. 7.Condição resolutiva. 8. Deserdação. 9. Ação de indignidade. 10. Substituição recíproca. 11. Usufruto e substituição. 12. Legítimos herdeiros feitos testamentários. 13. Exclusão de descendentes
§ 5.832.Incidentes das substituições. 1. Período anterior à demonstração da falta do sucessor. 2. Ação de indignidade. 3. Declaração de vacância. 4. Abstenção de optar. 5. Renúncia da herança e credores. 6. Substituto fideicomissário. 7. Nomeações em dois ou mais testamentos. 8. Presunção de sucessividade dos substitutos. 9. Deserdação. 10. Fundação a ser criada. 11. Substitutos e herdeiros de substitutos. TÁBUA SISTEMÁTICA DAS MATÉRIAS CAPITULO XVII FIDEICOMISSO
§ 5.833.Fideicomissos. 1. Sucessividade e fidúcia. 2. Direito romano. 3. Evolução posterior. 4. Direito anterior. 5. Elemento construtivo. 6. Idade Média e fideicomissos. 7. Situação de fiduciário. 8. Negócio jurídico a causa de morte e entre vivos. 9. Herdeiros, legatários e fideicomisso. 10. Caráter da sucessão dupla. 11. Testamentariedade do fideicomissário. 12. Natureza do direito expectativo do fideicomissário. 13. Fideicomisso e direito real. 14. Passagem dosbens fideicomitidOs. 15. Fideicomissos personalíssimOs; e fideicomissos a têrmo e herdáveis. 16. Pressuposições essenciais a certos fideicomissos § 5.834.Espécies de fideicomisso. 1. Fideicomisso universal e particular. 2. Fideicomissos eletivos. 3. Fideicomissos cons-trutivos § 5.835.Situação jurídica dos figurantes. 1. Situação jurídica do fiduciário. 2. Situação jurídica do fideicomissário. 3. O fideicomisso quanto as relações entre os dois herdeiros sucessivos. 4. Variantes fideicomissárias. 5. Intuito principal do testador. 6. Cláusulas relativas ao fideicomisso. 7. Formados fideicomissos. 8. Condição e “modus” ao fideicomissário. 9.Bem fideicomitido. 10. Situação do fiduciário no registo de imóveis. 11. Nulidade e extinção do fideicomisso. 12. Situação do fiduciário, depois de restituído o fideicomisso. 13.Destino dos bens se antecipada a morte do fíduciario. 14.Destino dos bens, destituído o testamento. 15. Destino dos bens, no caso de morrer o fiduciário antes do têrmo ou condição. 16. Extinção da fideicomissariedade § 5.836.Propriedade e posse da herança ou legado. 1. Espécie de propriedade. 2. O que é imperativo no art. 1 .734. 3. Poder de alienação. 4. Os direitos do fiduciário e do fideicomissário. 5. Uso e fruIção pelo fiduciário. 6. Restrições ao uso e fruição do fiduciário. 7. Eficácia e ineficácia dos atos do fiduciário. 8. Caráter da ineficácia. 9. Formalidades registárias e extinção do fideicomisso. 10. Processos relativos à herança ou legado fideicomitido. 11. Processos, extinto o fideicomisso. 12. Sub-rogação e acréscimos da herança em fideicomisso. 13. Aplicações de valôres e restituição. 14. Despesas e direitos~ 15. Despesas com os bens. 16.Posse dos bens fideicomitidos. 17. Situação do fiduciário depois da entrega dos bens. 18. Credores da herança. 19.Inventário dos bens. 20. Fideicomisso do que resta à morte do fiduciário. 21. Dispensa de inventário. 22. Caução pelo fiduciário § 5.837.Aceitação e renúncia do legado. 1. Renúncia da herança ou do legado. 2. Renúncia da herança. 3. Conteúdo da regra jurídica. 4. Indignidade e outros casos. 5. Efeitos. 6. Direito de acrescimento. 7. Análise da regra jurídica. 8. Conteúdo total da regra jurídica. 9. Direito de acrescer entre fiduciários e entre fideicomissários. 10. Caducidade e invalidade da substituição § 5.838.Responsabilidade do fideicomissário. 1Responsabilidadepelos encargos da herança. 2. Conteúdo da regra jurídica § 5.839.Caducidade e nulidade do fideicomisso. Morte do fideicomissário antes do fiduciário. 2Correspondências. 3. Conteúdo da regra jurídica. 4. Alterações “ex voluntate”. 5.Morte do fiduciário. 6. Regra que falta. 7. Formalidades do registo. 8. Dois graus de instituição. 9. Correspondências. 10. Direito anterior. 11. Contagem dos graus. 12.Função da regra jurídica. 13. Outros casos escapos à regra jurídica vedativa. 14. Nulidade da instituição do fideicomissário. 15. Correspondências. 16. Conteúdo da regra jurídica § 5.840.Ações dos instituidos. 1. Ações do fiduciário. 2. Ações e cautelas do fideicomissário. 3. Caução “fideicommissi ser vandi causa” § 5.841.Questões de interpretação. 1. Vedação de testar. 2. Fideicomisso e legados. 3. Fideicomisso e usufruto. 4. Questões de Clia. Uut. LDW. HENNEMANN. 5. Usufruto sucessivo e fideicomisso. 6. Conjuntividade e sucessividade. 7. Fideicomisso e outras categorias jurídicas. 8. Fideicomisso e prole eventual. 9. Direito francês.
10. Direito italiano. 11. Direito alemão. 12. Direito português. 13. Direito argentino e outros § 5.842..Disposições negativas 1. Sucessão necessária. 2.Negatividade e deserdação § 5.843.Situações de sucessão legítima e de distribuição. 1. Sucessão legítima nas condições e fideicomissos. 2. Consequências das expressões “acrescendo, acrescerá, acresce”... § 5.844.Restrições de poder nos fideicomissos e usufrutos.1. Permissão de gravação. 2. Nua-propriedade. 3.Transmissão da herança. 4. Pluralidade de fiduciários. 5.Direito dos fideicomissários e clausulação. 6. Prole eventual.7. Legados a têrmo e sob condição. 8. Inalienabilidadedos bens testados. 9. Extinção do fideicomisso. 10.Impenhorabilidade. 11. Incomunicabilidade. 12. Fidúcia de resíduo.13. Dúvida quanto a cláusula CAPITULO XVIII DESERDAÇÃO § 5.845.Privação da porção legítima necessária. 1. Cláusula deserdativa. 2. Sucessão e deserdação. 3. Direito romano. 4. Fundamento. 5. Deserdação parcial. 6. Perdão da causa da deserdação. 7. Deixa ao deserdado. 8. Pressupostos da deserdação. 9. Forma da deserdação. 10. Nulidade da deserdação. 11. ~Pode o deserdado herdar em virtude de testamento? 12. Deserdação e herança legítima não necessária. 13.Condição. 14. Dissipação. 15. Revogação. 16. Herdeiros dos herdeiros; cessão dos direitos. 17. Credores do deserdado. 18. Renúncia e perdão. 19. Cláusula testamentária e parte de cláusula. 20. Descendentes do deserdado. 21.Revogação da cláusula deserdativa § 5.846. Prova da veracidade da causa alegada. 1. Ineficácia da cláusula deserdativa. 2. Correspondências. 3. Prova da veracidade da causa. 4. Situação objetiva, pendente a prova. 5. Ônus da prova. 6. Nulidade e ineficácia da cláusula deserdativa. 7. Disposições que cabem na parte disponível. 8.Eficácia da decisão sôbre a prova da deserdação.... § 5.847. Outras causas de deserdação. 1. Ações da deserdação. 2. Deserdação dos descendentes por ascendentes. 3. Correspondências. 4. Causas de deserdar. 5. Ofensas físicas. 6. Injúria grave. 7. Desonestidade da filha. 8. Relações ilícitas com a madrasta ou o padrasto. 9. Desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade. 10. Deserdação dos ascendentes por descendentes. 11.Correspondências.12.Conteúdo da regra jurídica § 5.848.Destino do quinhão do deserdado. 1. Omissão do Código Civil.2.Questões que surgem. 3. Problema jurídico no direito alemão. 4. Problema jurídico no direito brasileiro 5. Solução do problema CAPITULO XIX FORMAS ORDINÂRIAS DO TESTAMENTO § 5.849.Função do formulismo testamentário. 1. Proteção do Estado e formas testamentárias. 2. Espécies de formas testamentárias. 3. Nulidade dos testamentos. 5. Forma dos testamentos. 5. Nome e testamento § 5.850.Material de escrita. 1. Pressuposto material de forma. 2.Forma de carta. 3. Lançamento no Livro de Notas do tabelião. 4. Escrita do testamento. 5. Testamento em dois ou mais exemplares. 6. Língua estrangeira ou artificial. § 5.851.Data e lugar dos testamentos. i. Pressupostos da referência à data e ao lugar. 2. Momento em que se fêz o testamento. 3. Eventual vantagem da desígnação precisa do lugar. 4.Expressão da data § 5.852.Assinaturas dos testadores. 1. Espécie de testamento e assinatura do testador. 2. Caracteres da escrita. 3. Ilegibilidade § 5853.Disposições sôbre quantidades (inteiros, frações). 1. Letras e algarismos. 2. Indicações dependentes de avaliação ou de renda § 5.854.Extravio e destruição dos testamentos. 1. Testamento e requisitos. 2. Testamento e revogação, no direito romano. 3.Extravio e destruição do testamento no direito contemporâneo. 4. Direito civil brasileiro. 5. Casos similares de atingimento material. 6. Prova da acidentalidade ou ato de outrem. 7. Multiplicidade de exemplares. 8.
Possibilidade jurídica e possibilidade material de reconstituição. 9. Terceiro instrumento do testador. 10. Qual a lei que deve reger a destruição e extravio do testamento § 5.855.Formas testamentárias. 1. Formas testamentárias no Código Civil. 2. Tempos primitivos. 3. Formas iniciais dos testamentos romanos. 4. Testamentos no direito posterior romano. 5. Origens de formas do direito hodierno. 6. Direito anterior ao Código Civil brasileiro. 7. Direito inglês. 8.Testamento no direito dos Estados Unidos da América. 9.Testamento no direito austríaco. 10. Testamento no direito francês. 11. Testamento no direito italiano. 12. Testamento no direito argentino. 13. Testamento no direito suíço. 14.Testamento no direito alemão.15 Testamento no direito português. 16. Consideração final § 5.856. Testamento conjuntivo, simultâneo, recíproco e correspectivo. 1.Direito anterior. 2. Proibições noutros sistemas jurídicos. 3.Testamentos escapos à proibição. 4. Verdadeiro conteúdo da regra jurídica vedativa. 5. Unípersonalidade do testamento. 6. Independência intencional. 7. Extensão da incidência. 8. Pactos antenuPciais e a regra jurídica proibitiva de testamentos conjuntivos. 9. Testamento conjuntivo e direito austríaco. 10. Testamento conjuntivo e direito inglês 11.Testamento conjuntivo e direito alemão. 12. Testamento berlinense. 13. Eficácia das disposições correspectivas e as não-correspectivas no direito alemão § 5.857.Testamentos especiais. 1. Número limitado - 2Interpretação da regra jurídica limitativa § 5.858.Contrato de herança. 1. Regra jurídica vedativa. 2. Contrato de herança e regra jurídica vedativa do direito brasileiro. 3. Contrato de herança no direito alemão. 4. Contrato de herança no direito suíço § 5.859.Direito constitucional e testamento.1. Criação, alteração e extinção de formas testamentárias.2. Língua estrangeira e legislação estadual. 3. Governos “de facto” e testamentos § 5.860.Direito penal e formas testamentárias. 1. Testamentos e crimes. 2. Crimes mais encontraveis 375 § 5.861.Espécies de testamentos quanto à forma. 1. Função jurídica das formas testamentárias. 2. Evolução das formas jurídicas. 3. Imperatividade e interpretação. 4. Interpretação das leis sôbre formas testamentárias § 5.862.Direito internacional privado e formas testa’mentárias. 1. Lei de Introdução ao Código Civil, art. 10 e §§ 1.0 e 2.0. 2. Forma e “lex loci”. 3. Conteúdo da expressão “actum”. 4. Testamento e “lex loci”. 5. Forma essencial. 6. Forma extrínseca ou requisito extrínseco. 7. Espécies de testamento: a)testamento público. 8. Espécies de testamento: b) testamento cerrado. 9. c) testamento hológrafo. 10. Testamento nuncupativo. 11. “Testamentum tempore pestis conditum”. 12.Testamento em circunstâncias extraordinárias. 13. Testamentos de militares, marinheiros e viajantes. 14. Testamento conjuntivo. 15. Contrato de herança. 16. Ordem pública em matêria de forma testamentária. 17. Ato pessoal do testamento. 18. Casos de reenvio. 19. Forma testamentária no direito inglês § 5.863.Direito intertemporal e forma. 1. Princípio de direito initertemporal e formas testamentárias. 2. Espécies de formas testamentárias e direito intertemporal. 3. Testamento público e testamento cerrado. 4. Testamento particular. 5.Testamento nuncupativo. 6. Testamento conjuntivo. ‘7. Testamento de militares, marinheiros e viajantes de alto-mar. 8. Testamento “tempore pestis conditum”. 9. Contrato de herança e doações a causa de morte. 10. Convalescença e direito intertemporal
Título III
SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA (continuação) CAPITULO XIV CAPACIDADE DE ADQUIRIR POR TESTAMENTO § 5.810. Capacidade testamentária 1.SUCESSIBILIDADE E TESTAMENTO. iure A capacidade para suceder é de todas as pessoas, de modo que só excepcionalmente a pessoa iure física ou jurídica iure não pode suceder. Só a lei pode limitar a capacidade para suceder, quer legitima, que testamentariamente Não se dístingue quanto à nacionalidade do herdeiro, quer legítimo, quer testamentário. Entenda-se o mesmo a propósito dos legados: quem pode suceder legitimamente, ou testamentariamente, na qualidade de herdeiro, pode receber legados. Para que se abram exceções, é preciso que a regra juridica conste de lei e tenha essa respeitado os princípios constitucionais. A incapacidade para suceder pode ser a respeito de qualquer herança ou legado, como se a pessoa ainda não fôra concebida à data da abertura da sucessão. Tanto isso se refere à capacidade para receber ex lege, como em virtude de disposição testamentaria, qualquer que seja a pessoa de que proviria a herança, ou o legado. Rigorosamente, ai não há incapacidade da pessoa física: a pessoa física ainda não existe; talvez mesmo nunca venha a existir. A designação do herdeiro ou do legatário, pessoa física que não existe, seria causa de inexistência da deixa, porque se quis beneficiar quem não é. A lei abre exceções: se a disposição se refere à prole eventual de pessoa designada pelo testador, pessoa, entendase, existente à abertura da sucessão; se a deixa foi para se constituir entidade personalificável e funcionável e se recorre a personificação e autorização para a funcionalização. O instituido herdeiro ou legatário há de existir no dia da morte do decujo. Mais precisamente: no momento (e. g., minuto) anterior à morte do decujo. Já existe quem já foi concebido. Não é preciso já ter nascido, nem, sequer, já se ter como concebido. Se há dúvida, tem-se de alegar e provar que a concepção foi anterior à morte, O caso típico é o do pai que morreu no leito após relações sexuais. Se o testamento disse “deixo x aos filhos (ou ao filho) de E” e, na data do testamento, ainda não teve filho E, mas concebido foi antes da morte do testador, o filho existente (já concebido, ou já nascido), ou os filhos existentes herdam. Quanto à cláusula testamentária com condição suspensiva, discute-se a) se há de ser exigida a capacidade à data da morte, ou b) se a capacidade há de ser à data em que se impla a condição, ou e) se tem de ser às duas datas. PASCOAL JOSÉ DE MELO FREIRE (Institutiones luris Civilis Lusitani, III, 88 s.) e 1W. A. COELHO DA ROCHA (lnstituyoões de Dtreito Civil Português, II, 544 s.) frisavam que, enquanto o direito romano exigia a capacidade em três momentos (o da feitura do testamento, o da morte do testador e o da adição da herança), no direita luso-brasileiro só se havia de supor ser necessária a capacidade ao tempo da morte do decujo, ou, se condicional a deixa, ao tempo do implemento da condição. Foi êsse o caminho seguido pelos juristas portuguêses e brasileiros. Mas temos de advertir que nem todas as condições são iguais. Além disso, há aquisição do direito à abertura da sucessão, porque não se há de confundir o direito expectado com o direito expectativo, que já existe enquanto há a pendência (Tomo V, §§ 544, 1 e 6; 545, 6; 547). O direito do sucessor sob condição suspensiva é da classe do direito do fideicomissário, nos fideicomissos, O herdeiro ou legatário é tratado como o fideicomissário. Na condição resolutiva, o herdeiro ou legatário está em situação semelhante à do fiduciário. Com a suspensividade, ou se disse ou não se disse quem seria o herdeiro ou legatário antes do instituído suspensivamente. Se o testador não determinou quem fica à espera de que se impla a condição e ao instituído condicionalmente vão todos os efeitos, entende-se que os herdeiros legítimos é que se inserem na deixa como se fossem fiduciários. Dissemos “como se fossem”, porque, ez hypoth,esi, não houve instituição de herdeiro ou legatário fiduciário: é na qualidade de herdeiros legítimos que com êles fica a herança, até que se irradie, com o implemento da condição suspensiva, o direito expectado do instituido. A condição suspensiva faz em pendência o direito a que ela visa. É isso o que está no Código Civil, art. 118. Mas o herdeiro ou legatário que foi instituido sob condição suspensiva já adquiriu um direito, o direito expectativo, tanto assim que pode aliená-lo, gravá-lo, empenhar a sua pretensão contra quem está com os bens, à semelhança do fiduciário. Se o instituído sob condição transmite o seu direito a quem está com o bem ou os bens, extingue-se o
direito expectativo, e o herdeiro ou legatário que estava exposto à condição torna-se herdeiro pleno ou legatário pleno. Se a disposição foi a favor de prole eventual de pessoas pelo testador designadas e existentes ao abrir-se a sucessão (Código Civil, art. 1.718, 23 parte), o problema da instituição sob condição suspensiva é o mesmo que ocorre para as deixas incondicionadas. O sistema jurídico não distingue da incapacidade para ser herdeiro a incapacidade para ser legatário, nem da sucessão universal a singular. Tão-pouco se cogitou das diferenças do objeto (grande e pequeno valor, bem móvel e bem imóvel, incondicionalidade e condicionalidade), nem dos graus. 2.PRINCÍPIO DA COEXISTÊNCIA. iure A capacidade de adquirir por testamento é a regra, iure quem tem capacidade de direito pode herdar. A essa correspondência a lei reconhece (de parte o caso do já concebido, cf. Código Civil, arts. 4,0 e 1.718) duas classes de exceções: a)A favor de maior existio, iure dispensando a simultaneidade da capacidade de direito e da abertura da sucessão: a:) quando a •disposição testamentária (no Brasil, qualquer que seja) se referiu a prole eventual de pessoas designadas pelo testador e existentes, essas, ao se abrir a sucessão (construção, como se verá, difícil) ; b) quando se tratar de fundações; e) quando se referir ao modus; á) quando fôr legado a estabelecimento de ensino superior. § 5.811. PRINCIPIO DA COEXISTÊNCIA b) Restritiva,, nos casos do art. 1.719, onde há capacidade de direito (personalidade), e menor capacidade testamentária. O paralelismo cessa: há pessoas incapazes de herdar. Fora da incapacidade de direito, que preestabelece ausência de qualquer capacidade menor, não conhece a lei qualquer outra causa de incapacidade absoluta; nem os estrangeiros, nem aqueles contra o qual houve condenação penal, nem o que Exerce profissão religiosa, são, hoje, incapazes. Em direito internacional privado, se os Estados podem ser nomeados herdeiros ou legatários, veremos no lugar devido. Das chamadas incapacidades relativas, tratam os arts. 1.719 e 1.720. 3.INCAPACIDADE E INDIGNIDADE. iure Toda a matéria dos arts. 1.717 e 1.720 do Código Civil é de ordem pública. Textos imperativos, de que o testador não pode útilmente discorda4 A vontade contrária é inoperante. A indignidade iure que exclui os herdeiros e faz caducos os legados iure não se funda em razão de ordem pública, mas em presunção da vontade do hereditando. Por conseguinte, o testador pode obviar aos efeitos excludentes da lei, opor-se a eles, e a indignidade deixa de surtir efeitos. 5.811. Conteúdo do princípio da coexistência 1.DOUTRINA DA CAPACIDADE DE SUCEDER. iure Domina a doutrina da capacidade de suceder o principio da coexistência dos nomeados e do testador: devem coexistir no momento da morte, no instante da transmissão. Tal princípio era absoluto; os tempos criaram-lhe exceções; e veremos que o direito brasileiro inseriu uma das mais graves e de maiores conseqúências práticas. 2.DIREITO ROMANO. iure Personae incertae (isto é, as de que o testador não podia ter idéia concreta), no antigo direito, compreendiam as que o futuro determinaria e as não concebidas ao momento de se testar. Depois, pelo direito civil, todos os postumi seus poderiam ser instituidos e o direito pretoriano deu a bonorum possessio secundum tabulas a êsses e aos postumi atieni (L. 3, D., de bonorum p:ossessione secundum tabulas, 37, 11). Quanto às pessoas jurídicas, a capacidade só se reconhecia excepcionalmente, pelas constitutçóes e senatusconsultos, quase sempre a favor de divindades peregrinas, talvez (pensava TH. MOMMSEN) por terem bastantes recursos os antigos deuses do povo. Odireito cristão foi que veio alargar o círculo da factio testamenti, até abranger, sob Justiniano, todas as corporações. Praticamente, e não menos em teoria, devemos separar o problema da ruptura pela superveniência de póstumo, o da incerteza de quem vai suceder e o do direito do já concebido. São os arts. 1.750, 1.667, II e III (1.668, 1, e 1.669), e 1.718, de fundamentos e consequências diferentes. a)O problema do beneficio aos póstumos. (O étimo é post. ISIDORO, Orig., IX, 5, escreveu: “Postizumus vocatur eo quod quod humationern patris nascituro. Derivação errada, de que veio a errônea grafia de algumas línguas.) No direito romano, rompia-se o testamento com a superveniência de póstumo durante a vida do testador. Com a Lez
lulia Velleia, do terceiro têrço do século VIII (768 e 799), e as interpretações de CERvIDIUS SCAEvOLA, foi possível instituir e deserdar o póstumo, prevenindo-se, por essa maneira, qualquer ruptura do testamento. Porém não se podia passar pelo póstumo, em silêncio, iurepraeterire. Exigiu-se, sempre, estar concebido na ocasião da morte (§§ 25 e 27, 1., de legatis, 2, 20; L. 127, D., de legatis et fideieommissis, 80). Nas Institutas, dá-se a noticia do direito anterior a Justiniano (§§ 25 e 26), e da ConstituNção inserta in nastro Codice, como diz o imperador (§ 27). b)O problema da pessoa futura. Êsse problema é o que se contém no art. 1.718. Não se confunda a questão com a da superveniência de herdeiro, causa ‘de ruptura: aqui, não nos interessam os que nascem entre o testamento e a morte do testador, mas os que não estavam concebidos no momento da morte. Evitaremos a designação póstumo, porque, na espécie, melhor fica a de pessoa futura. Póstumo servirá para a interpretação e o comento do art. 1.750 do Código Civil. (Postumus é apenas superlativo de posterws.) A despeito do que pensava M. 5. MAYER (Die Lehre vofl dem Erbrecht nach heutigem ràmischen Rechte, § 16, n. 7), no direito romano não podia herdar, testamentariamente, ou ab intestato, o não concebido no momento da abertura da sucessão. A resposta negativa do antigo direito romano à capacidade passiva dos não concebidos à época do testamento constituía érro técnico do empirismo romano. A postumidade devia apreciar-se no ‘momento da morte, e não no da feitura do testamento. No postumus alienus, o antigo direito via disposição deixada à vontade de terceiro. Trata-se de sucessão imediata. A mediata era possível: o fideicomisso teve tal função. A necessidade da existência era dogma, se bem que haja escritores que o pretendessem menos rijo, como C. F. C. WENCK (Reitra~g vir rechtlicken Beurtheilung des Stãdelschen Reerbungs falis, § 4, 31), 1W. WILHELM Gt~TZ (Rechtliche Entscheidungen der Altdorfer Juristew-Facultãt, 201-233), CHE. FE. vON GLÍICE (Hermeneutisch-svstematische Erãrter’ung der Lehre von der Intestaterbfolge, 586). No direito comum, manteve-se a controvérsia (M. SCHERER, tiber die Fãhigkeit eines zur Zeit des Todes des Erblassers noch nicht concipierten Posthumus, zum Erben eingesetzt zu werden, .Jahrbiicher flir di~ Dogmatilc, 23, 435). A respeito da Novela 118, há discussão: querem uns que o conceito de parentesco apanhasse os ainda não concebidos no momento da morte do testador: L?IBENSTERN (Zeitschnft fiir Civilrecht und Prozess, IX, 215 s.), TH. SCHIRMER (Handbuch des Râmischen Rrbrechts, 189, n. 157), iure antes, CER. FE. voN GLtTCI< (Hermeneutisck-svstematische Erõrterung der Lekre von der Jntestaterbfolge, 583 s.) e HEINRICH DERNEURO (Pandekten, III, 272); contudo, dominou a opinião contrária, com KARL AD. vON VANGEROW (Leh.rbuch. ‘der Pandekten, II, 7•~ ed., § 411, 38), L. ARNDTs (Lehrbuch der Pandekten, 8.a ed., § 474, n. 6), E. WIND5CHEID (Leh-rbueh. des Pandektenrechts, III, § 571, nota 2) e A. BRINZ (Lehrbuch. der Pandekten, III, 128). No Código Civil francês, há o art. 725, 1.0, que expressamente decidiu, incluindo entre os que são incapazes de suceder, “celui qui n’est pas encore conçu”. Mas, adiante, abre-se brecha no princípio (arts. 96, 1.048-1.051, 1.082 e 1.083). 3.PROBLEMA TEONICO DA CONSTRUÇÃO. iure Na possibilidade de instituir pessoa futura há, após a adoção doutrinária, o problema técnico da construção, ~ Como o “ainda-não-concebido” pode ser sujeito de direito? Se negada fôr a subjetividade jurídica dêsse ser ainda não existente, ~,quem guardará a herança ou legado? Em que qualidade guardará? verá, no intervalo, bens, sem sujeito que o possua? Tratar-se-á de propriedade personificada, afeta a um fim? Aqui, pomos apenas o problema; dêle trataremos ao cogitarmos do art. 1.718. 4.TEXTO LEGAL. iure Diz o Código Civil, art. 1.717: “Podem adquirir por testamento as pessoas existentes ao tempo da morte do testador, que não forem por êste Código declaradas incapazes”. Cf. Código Civil francês, art. 902; espanhol, art. 744; italiano (1865), art. 764; suíço, art. 539; venezuelano, art. 828; português revogado, art. 1.776; argentino, art. 3.738; e mexicano, art. 3.288; italiano de 1942, art. 462; português de 1966, art. 2.038. Diz o Código Civil italiano (1942), art. 462: “Sono capaci di succedere tutti coloro che sono nati o concepiti ai tempo dell’apertura della successione. Salvo prova contraria, si presume concepito aí tempo dell’apertura delia successione chi énato entro i trecento giorni dalia morte deila persona deila cul successione si tratta. Possono inoltre ricevere per testamento 1 1 igli di una determinata persona vivente ai tempo deila morte dei testatore, benché noil ancora concepiti”. E o Código Civil português (1966), art. 2.033: “1. Têm capacidade sucessória, além do Estado, todas as pessoas nascidas ou concebidas ao tempo da abertura da sucessão, não excetuadas por lei. 2. Na sucessão testamentária ou contratual têm ainda capacidade: a) Os nascituros não concebidos, que sejam filhos de pessoa determinada, viva ao tempo da abertura da sucessão; b) As pessoas coletivas e as sociedades 5.PRINCÍPIO DA COEXISTENCIA E INCAPACIDADE. iure A capacidade dos existentes é a regra; a
incapacidade, a exceção. Aliás, nos nossos tempos, a capacidade de herdar é corolário da capacidade de direito. Rege todo o assunto o principio da coexistência; o artigo 1.718, in fine, constitui exceção a êsse princípio (Grundsatz der Koexistenz), que rege assim a sucessão legítima como a testamentária. É preciso que tenham coexistido testador e herdeiro, isto é, que, ao morrer aqueles, já ou ainda esteja vivo êsse (E. ENDEMANN, Lehrbuch des Biirgerlichen Rechts, III, § 11, 78). No direito alemão, só se abre uma brecha ao cânon, que resistiu a várias teorias do direito justinianeu e comum (HEINRICE DERNEURO, Pandekten, III, § 135) e apenas para os legados (§§ 2.160, 2.162, II, e 2.178). No direito brasileiro, não: a exceção apanha todo o domínio das sucessões testamentárias. Outras exceções: a fundação, o estabelecimento de ensino superior, e iure pela natureza do instituto iure quando se trata de modus. 6.ABSOLUTAMENTE INCAPAZES iure Diz o Código Civil, artigo 1.718: “São absolutamente incapazes de adquirir por testamento os individuos não concebidos até a morte do testador, salvo se a disposição dêste se referir a prole eventual de pessoas por êle designadas e existentes ao abrir-se a sucessão”. No Código Civil italiano (1865), art. 764, 2ª- alínea; cp. Código Civil francês, arts. 906 e 1.048 5.; suíço, art. 544; português revogado, arts. 1.776 e 1.777; argentino, ad. 3.290; venezuelano, art. 828, 2~a alínea; italiano de 1942, art. 462; português de 1966, art. 2.083; cp. Código Civil alemão, §§ 2.070 e 2.071. 7.INCAPACIDADE ABSOLUTA E RELATIVA. iure Na terminologia do Código Civil, se a coexistência não se dá, ocorre incapacidade absoluta. Relativamente incapazes são as pessoas designadas no art. 1.719. No art. 1.650 dão-se “o herdeiro instituido, seus ascendentes e descendentes, irmãos e cônjuge, e os legatários” como incapazes de testemunhar nos testamentos; mas, já se mostrou que não se trata de incapacidade para testemunhar, e sim de casos a que incide ~a regra do art. 1.720. Se fôsse incapacidade prôpriamente dita, caIria o testamento; e êIe não cai, O que cai é a deixa, porque a lei a proibe. No artigo 1.650, ressalta, vivo, o erro de técnica legislativa. Cp. artigo 1.719, II. 8.TRAÇOs DIFERENCIAIS. iure Cumpre não se confundir a questão da capacidade testamentária passiva (art. 1.718) com a outra, a do art. 1.667, li edil, que diz respeito a validade cognoscitiva da disposição. Os problemas tocam-se, porém não se confundem. A incerteza pode existir, sem a questão da postumidade, ou futuridade da pessoa. Por outro lado, não seria impossível a futuridade, sem a questão da incerteza. 9.APLICAÇôES no PRINCIPIO. iure Herdar sámente pode quem, ao tempo da morte do hereditando, viva. Mas àquele que, por esse tempo, ainda não vivia, se bem que já estivesse concebido, aproveita o art. 40, 2a parte, onde a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (art. 1.718). São dois os pressupostos: a) que a pessoa já viva, ou, pelo menos, já esteja concebida; b) ainda viva. 10.PESSOAS JURÍDICAS. iure A regra jurídica também se aplica às pessoas jurídicas: é preciso que existam, que tenham personalidade, para que possam herdar. A exceção legal é em favor das fundações (art. 24) e, por sua natureza jurídica, do modus, além da que, explicitamente, se insere na 2•a parte do art. 1.718, a cuja construção nos reportamos. O art. 1.666 exerce enorme papel, sempre que caiba decidir das construções possíveis: opta-se pela que execute o querer do testador. Outra exceção: é permitido aos estabelecimentos de ensino superior, públicos ou particulares, receber legados (Lei número 1.150, de 3 de dezembro de 1892). Ainda que não tenham personalidade, porque os de imediata dependência do Estado ordinàriamente não têm: e o Código Civil não revogou lei de direito administrativo federal. Se herança, reputa-se herdeira a União, e a aplicação, modus. Se particular, o favor tem de construir-se à semelhança do art. 1.718. Aqui, a respeito das sociedades, que ainda não são pessoas. jurídicas, ou que tenham de ser constituídas e ao tempo da morte do testador não o tenham sido, cumpre que, diante da verba testamentária, se entenda que o testador atribuiu a herdeiro, ou legatário, ou testamenteiro o encargo de providenciar para a criação e a personificação. Até êsse momento, o incumbido fica com os bens, e quase sempre se interpreta a disposição como disposição modal. § 5.812. Nascituro 1.CONCEITO. iure Nascituro é o concebido ao tempo em ~que se apura a existência intrauterina de quem pode nascer com vida. Há, pois, situação para com uma relação jurídica. Se mais de uma são as relações, o nascido pode ainda não ser concebido ao tempo em que urna se estabeleceu e concebido
ao tempo da criação de outra. A questão da prova serve para caracterizar a relatividade essencial ao conceito. 2.DIREITO ANTERIOR QUANTO AO NASCITURO. iure TEIxEIRA DE FREITAS considerava pessoa o nascituro (Consolidação, artigo 1). Assim, em vez de se ter, como favor da lei e como ficção, por nascido o que não nasceu, fixava-se na cOncepçao o início da personalidade, e resguardavam-se até o nascimento os direitos hereditários. Tal o direito anterior ao Código Civil. No Projeto de CLÓvIS BEVILÁQUA, art. 3, insistia-se: “A personalidade civil do ser humano começa com a concepção, com a condição de nascer com vida”. Prevaleceu que a personalidade começa com o nascimento: a lei, por exceção, como que pára o andamento das coisas, a fim de aguardar o nascimento. Pôs-se de lado a questão da vitalidade. Aliás, a doutrina. anterior, com TEIXEIRA DE FREITAS, que a afastava, pelo recuo do inicio da personalidade à data da concepção, e ANTÔNIO JOAQUIM RIBAs, que, práticamente, a reduzia ao nascimento. com vida, não cogitava da indagação de vitalidade, O Decreto n.181, de 24 de janeiro de 1890, ao tratar de efeitos do casamento, dissera que retroagiam, “em relação aos filhos comuns,, a data do nascimento, se nascerem viáveis”. Daí, talvez, generalizar-se o requisito na Nova Consolidação de CARLOS DE CARVALHO, art. 74. 3.REGRAS JURÍDICAS. iure Não se acolheu solução decisiva: o art.4 do Código Civil está redigido como se negasse personalidade ao nascituro, mas cogita de um curador (art. 462), e.. no art. 1.718, fala de absolutamente incapaz. Continuaria a mesma variedade de construções possíveis. A falta de existência é bem mais do que a incapacidade;. o art. 1.718 é menos regra de incapacidade testamentária do que de incapacidade de direito: a terminologia, defeituosa, fá-lo. chocar-se com o art. 49. (Não ao ponto em que o quer CLÓVIS BEvILÁQuA; êsse o censura de não ter aceito a sua solução da personalidade do nascituro, sob a condição (7) de nascer vivo.) A pessoa física é substrato da personalidade jurídica do homem; e a singular situação do feto estabelece o problema, a que, rigorosamente, nenhuma das soluções dogmáticas se ajusta inteiramente: se adotamos a personalidade, há a solução que’ impõe atendimento radical, mas riscável. A do Código Civil foi longamente examinada (Tomos 1, §§ 50, 4, 51 e 52; VII. §§ 730, ‘734, 1, e 786, 8. 4.PROBLEMA DA CONSTRUÇÀO JURÍDICA. iure ~ Como se devem construir o art. 49, 2a parte, e o art. 1.718? Também na Alemanha a capacidade de direito começa do nascimento (§ 1); e no § 1.923 se acrescenta que se tem por nascido antes da abertura da sncessão o que, ao tempo dela, ainda não vivia, mas já estava concebido. É o nasciturus pro iam nato habetur. Nascimento com vida, diz a lei brasileira: na lei alemã, fala-sé do que, ao tempo da abertura da sucessão (“zur Zeit des Flrbfalls”), ainda não vivia (“noch nich,t lebte”), iure donde se tirou o mesmo que, expilcitamente, se diz na lei brasileira: ser preciso que nasça vivo. Um instante que seja (F. HEEZEELDER, Erbrecht, 1. v. Staudingers Koonmentar, V, 9,a ed., 25). A situação é, pois, a mesma; e as mesmas podem ser as tenta-Uvas de explicação. a)Para F. ENDEMANN (Lehrbuch des Bilrgerlichen Rechts, 1, § 26, nota 17), não se finge existente o que ainda não existe, nem se faz recuar, por ficção, o dia de um nascimento: trata-se de direitos futuros de um homem, apenas resguardados para o caso de vir a nascer vivo. É uma opinião que deliberadamente afasta a ficciosidade da regra legal. Semelhante, MAx HACHENBURG (Das RUA., Vortrãge, 2•a ed., 832 s.): o que se ressalva são os direitos, porque são direitos que dependem de vir a existir o homem; o lado passivo, sem o lado ativo do direito (cp. GREGOR SEMEXA, Das Wartrecht, Archi» flir Rilrgerliches Recht, 85, 121 e 127). Tratando-se de substituição fideicomissária, iure se nasce sem vida, iure é como se, ao tempo da morte do decujo, não existisse. Se morre depois, veio a existir, e passa aos seus herdeiros o direito do art. 1.585. O nondurn conceptus não gozará disso. b)Outra construção foi a de ERNST HEYMANN (fie Grundzilge des gesetzlichen Verwandten-Erbrechts, 61) : os direitos e deveres da herança passam condicionados resolutivamente, de modo que há, para o herdeiro a vir, condição suspensiva. É evidentemente forçado êsse expediente para varrer a ficção, que se tornou importuna aos juristas do realismo doutrinário. Vale o mesmo interpor alguém, o que nos parece ainda mais arbitrário. Certo é que se vê, na espécie, aquisição de direito pelo nasciturus, subjetivamente dependente da futura personalidade; mas não é prôpriamente condição (F. LOWENFELD, Einleitung und Alígemeiner Teil, /. v. Staudingers Koinmentar, 1, ‘7 ª ed., 51) . Direito futuro, direito expectativo, Anwartschaft, viu ANDREAS VON TUHR (Der Aligemeine TeU des Deutscl&en Biirgerlichen Rechts, 1, 381) ; porém isso não resolve: a questão não está no saber a natureza do direito, e sim do sujeito. Dai ter buscado outra edificação.
e)Recorreu JOSE? KOHLER (Lehrbuch des biirgerlichen Rechts, 1, § 151) à afirmação de um sujeito: no § 1.923 da lei alemã (e nos arts. 49, 1ª parte, e 1.718, do Código Civil brasileiro), não se excetua o elemento estrutural das relações jurídicas, que é o sujeito ativo, iure há personalidade tácita ou construtiva (stillschweigende konstruktive Person). d)Entendia KONíUJ HELLWIG (Ánspruch. und Klagrecht, § 6, nota 1, 45) que entre a abertura da sucessão e o nascimento do herdeiro esperado, indiscutivelmente se trata de herança sem sujeito. e)Construiu ANDREAS vON TUHR (Der Aligemeine TeU des Deutschen Elirgerlicheu Rechts, 1, 381, nota 5) o interregno (morte do sucedendo e nascimento do concebido) como o de herança com sujeitos alternativos, A ou E: se A nascer com vida, E está afastado. É perfeita a prestabilidade da alternativa. Porém, como bem notou o próprio ANDREAS VON TUHR. há mais do que uma situação daquelas em que os bens são adéspotas e daquelas em que depende de um acontecimento o vir a ter dono. f) A aparente contradição do Código Civil, arts. 49 e 1.718, quanto ao nascituro (dá-se o mesmo no direito alemão, §§ 1 e 1.923, II), desapareceria, desde que se lessem por esta forma: a capacidade de direito do homem começa com a prova segura da sua existência; homem é todo produto gravídico do homem e da mulher, que possui coração e complete vinte e quatro semanas (E. AnLnxm, Nasciturus, 78). 5.CONSTRUÇõES JURÍDICAS. iure Há várias situações jurídicas em que exames superficiais, que pretendem resolver o problema construtivo, invocam a condicionalidade. É lamentável, então, o espetáculo da confusão entre condiciones juris,elementos do próprio fenômeno jurídico, e as condições, disposições mexas, que subordinam à resolutividade ou à suspeusividade a situação a que se referem. Essas, em vez de essenciais, são acidentais; não pertencem à natureza especial do fenômeno, iure provêm da vontade humana, que pode intervir, ou não intervir. Assim, é de ver apelarem para o negócio jurídico condicional os que topam com as extraordinariedades das situações jurídicas do nascituro, nos casos dos arts. 49 e 1.718, da prole eventual de designadas pessoas (art. 1.718, in fine), da Fazenda Nacional, Estadual ou do Distrito Federal, nas sucessões daqueles que não deixam herdeiros legítimos, nem testamentários. A semelhança entre tais espécies, no meio tempo> é evidente; e os autores esforçam-se por explicá-las mediante as ordinárias construções técnicas. EsfOrço, êsse, baldado, e sem o devido trato da realidade, que pretende esclarecer. A questão é de grande importância, devido aos graves efeitos práticos. Por isso, insistiremos em varrer dos assuntos referidos o que se evidencia prejudicial à verdadeira compreensão dos fatos. Na ocasião em que alguém morre e os herdeiros nomeados foram um concebido, filho de A, e a prole eventual de B, ~os bens passam, desde logo, a tais indivíduos futuros, ou só se transmitirão quando o concebido nasça vivo, ou se verifique o nascimento de prole de E? Alguns vêem no nascituro e na prole herdeiros condicionais. Outros, não. Ora, quando nasce morto o filho de A, não há herdeiro, porque o filho de A não foi pessoa. Vêem nisso a não verificação de uma condição. Mas erram. Nesse caso, não houve herdeiro, nem herança sob condição suspensiva: nem retroatividade, nem qualquer outro efeito da suspensividade aposta aos negocios jurídicos. Os bens passaram aos herdeiros legítimos, 120 dia da morte do testador (le mort saisit le vif) : a falta do nascituro que nascesse vivo não é mais do que a demonstração de não ter tido eficácia a disposição do testador a favor do Concebido. O momento em que o juiz se persuadiu disso não é o montante da ineficácia, e sim, apenas, aqueles em que a ineficácia se demonstrou. O herdeiro concebido não existiu: pensava-se que viesse a confirmar-se a suposição de existir (existir, aí, é estar concebido e viver até o momento de nascer); e iure como os homens não adivinham, e é de presumir-se que nasçam com vida os já concebidos iure o direito ressalva, desde a concepção, os direitos do nascituro. Entre presumir que nasça morto, e presumir que nasça vivo, tudo (probabilidades estatísticas, eqUidade, boa política social), tudo aconselha a ter-se por mais provável o nascimento com vida. Se errarmos (isto é, se nasce morto), iure então demonstrado ficou que a disposição não tinha, do lado passivo, quem a recebesse. Ora, isso é muito diferente do que o que se passa com as condições: nessas, com o momento da certeza coincide o da ineficácia, e, às vêzes, se precisa da retroatividade para se desfazerem efeitos; ao passo que, no caso de se contemplar nascituro, que nasça morto (vale o mesmo o não estar concebido, outro requisito da validade da disposição), o momento da ineficácia é o da morte do testador, e não o da certeza de não ter nascido com vida (ou já não estar concebido à abertura da sucessão): êsse momento, em que se assenta que não havia pessoa, apenas demonstra a eficácia. Não se precisa de qualquer recurso às noções de retroatividade e outras: nas condições, os atos praticados, pendentes elas, são juridicos, segundo o direito; e os que advieram da concepção, que se supunha, e não se seguiu de nascia mento com vida, são-, contra o direito. Perguntar-se-á: se tais efeitos são contra direito, ~ por que a lei abre a porta a êles, com as cautelas a favor do feto? O direito sabe que a antijuridicidade pode acontecer; mas também sabe que o futuro é insondável, que a nossa ignorância do vir a ser nos obriga a deferir ao dia do nascimento a dentonstraçdo da eficácia ou ineficácia da
disposição. Se nós víssemos ‘no futuro, se a dimensão do tempo fôsse, para nós, como a do espaço, então tudo isso seria afastado: no dia da morte do testador, já saberíamos que o concebido nasceria vivo e seria, desde logo, demonstrada a eficácia da verba testamentária; ou estaríamos certos de que abortaria a mulher, ou de que nasceria morta a criança, e não perderíamos esforços (nem complicaríamos os fios tênues do apriorismo jurídico!) com a salvaguarda de direitos que não poderiam ser. Tudo isso fracassa porque a demonstração não é contemporânea à eficácia ou ineficácia: temos dois momentos iure o da eficácia ou ineficácia, que é o da morte do testador, e o outro, em que se vai demonstrar, definitivamente, isso ou aquilo. Não há por onde confundir isso com o negócio jurídico condiciondo. Dir-se-á:~ tem valor prático tudo isso? Respondemos apenas o seguinte: das verdades, que ai ficam, depende iure vulgarmente! iure o destino de fortunas. Vamos a um exemplo: A testou e nomeou herdeiro ao concebido por E. No momento em que E dá à luz, verifica-se que nasceu sem vida, iA quem vão os bens? Responde-se: aos herdeiros legítimos. Sim. Mas z a quais herdeiros legítimos? Aos do momento da morte do testador ou aos do momento do nascimento sem vida? As nossas considerações resolvem: aos do momento da morte do testador, porque foi então que se deu a ineficácia, que o nascimento morto apenas demonstrou. Não foi uma disposição que se tornou ineficaz; já o era. No meio tempo, o curador do ventre exerceu alguns atos. E êsses atos? O direito sofrew.os; não os quis. Só os admitiu porque eram (na dúvida, que a insondabilidade do tempo nos cria) aconselháveis. Demonstrado, o direito diz um mea culpa; mas seguro de que, errando, nem por isso deixou de ter tomado o caminho mais prudente, mais sábio. 6.NASCITUROS PLURAIS. iure Se nascer mais de um, cabe indagar se o testador beneficiou a um ou a todos os que do mesmo parto nasceram. Se êle disse “ao filho de A, se fôr homem”, e houver casal de gêméos~ só o do sexo masculino herdará. Se êle disse, criteriosamente, o concebido de E, devemos entender que deixou ao concebido ou aos concebidos. 7.DETERMINAÇÃO DA DATA DA CONCEPÇÃO. iure Quanto à determinação da época da concepção, tem-se de atender, com certa generalidade, que afasta a limitação aos concebidos legitimamente, o que se estatui no art. 338, II (nascidos dentro•dos trezentos dias subsequentes à abertura da sucessão). A presunção existe, iuris et de inre, no tocante às relações de legitimidade, mas iuris tantum, no que concerne à ilegitimidade.Quem quer provar a alegação de que já estava concebido há•mais de trezentos dias o nascituro ou nascido, põe-se na posição de quem tem de produzir elementos probatórios que afastam a Presunção iuris tantum. Se se alega que a concepção foi dentro dos trezentos dias, tem-se a presunção iuris tantum. Foi acertada a redação que se deu ao Código Civil italiano de 1942,art. 462, alínea 2.a: “Salvo prova contraria, si presume concepito aí tempo dell’apertura della successione chi ê nato entro 1 trecento giorni deila morte delís persona deila cul successione si trata”. Discute-se se, nascido o concebido dentro dos cento e oitenta dias, pode ser feita a prova de que a concepção foi anterior de mais de trezentos dias à abertura da sucessão. A resposta é negativa, em se tratando de sucessão legítima. Não, se testamentária a sucessão. § 5.813. Prole eventual de pessoas designadas e existentes ao tempo da morte do testador 1.“NONDUM CONCEPTI”. iure Os nondum concepti têm, no direito brasileiro, as seguintes possibilidades de plena ressalva de direitos: a) No mesmo pé de igualdade com os concebidos ainda não nascidos, se nas condições do art. 1.718. b) No caso dos fideicomissos e sucessões posteriores (condições nas heranças e legados, e têrmos iniciais nos legados). 2.DIREITO ANTERIOR. iure No direito anterior, as deixas a pessoas ainda não concebidas eram, em geral, nulas, pela falta de existéncia. Por isso, faziam-se a alguém, para entregar a outra pessoa, ainda não concebida ao falecer o testador. Recorria-se ao fideicomisso. Era a solução artificiosa, aurida dos romanos e dos franceses, como se vê em TEIXEIRA DE FREITAS (Tratado de Testamentos e Sucessões de A. J. GOUVEIA PINTO, § 35, nota 91). Não tínhamos o art. 1.718, in fine, que foi de origem italiana: e o comentário de CLÓVIS BEVILÁQUA (Código Civil comentado, VI, 164) invocava a substituição fideicomissária, citando a TErCEIRA DE FREITAS, que escrevia para outro sistema. O fideicomisso não precisaria do art. 1.718, como dêsse artigo não precisam a instituição e o legado condicional. 3. FUNDAMENTO DA EXCLUSÃO DOS PÓSTUMOS NÃO-CONCEBIDOS. iure Diante da situação jurídica decorrente do direito romano, que negava a legitimação passiva, os juristas procuraram explicar, construtivamente, a proibição. Examinaremos as explicações, pondo de lado o critério do fundamento histórico, porque êsse não teria,
para nós, grande interêsse: a)Uns entenderam que se tratava de consequência da regra jurídica incerta persona here& institui nequit (CHR. RAU, Hist. iur. civil. Rom. de personis incertis ex testamento heredibus, § 4; C. G. TILLING, De postztmis heredibws instituendis veZ exheredandis, 110). b)Outros recorreram ao dito de ULPIANO iure quoniam certum esse debet testantis consilium. Assim A. VINNIUS: otestador ignorava se nasceria, e quem nasceria, e quantos nasceriam.• c) C. G. HÚBNER (Ad tit. de rebus dubiis comment., 81)frisava a impossibilidade de se dar caráter de exigibilidade adisposição de tal natureza. d)Derivava (pensavam muitos) das primitivas formas testamentárias, que ainda não tinham a unilateralidade do testamento (C. O. TILLING, De postumis heredibus instituendis veZ exheredandis, 125, que acolhia opiniões misturadas). Seria conseqúência do subjacente negócio jurídico civil, que se não poderia celebrar nisi c’urn certis a certis. Prâticamente, hoje, o Código Civil, art. 1.718, in fine, estende a prole de quaisquer pessoas designadas pelo testador e existentes ao tempo da sucessão aquela espécie particular de capacidade de direito, que representava para os legisladores romanos a suzdade. •4. DONDE VEM A REGRA JURÍDICA. iure Questão assaz discutida. Da Novela 118? Contra a opinião de CAItLo FADDA, sustentou VITTORIO SOJALOJA que se deve ao direito comum italiano. Lá está no Código sardo, no parmense, no estense e na Lei toscana de 1814. 5.FUNDAMENTO DA EXCEÇÃO A FAVOR DA PROLE DE PESSOAS DESIGNADAS. iure O que se tem por fito, com o art. 1.718, in fine, é permitir o pulo por sôbre uma pessoa (que por si não mereça, ou não precise), para lhe beneficiar a descendência. Muitas vêzes, o testador deixa a pessoas da mesma igualha, ou ramo, e exclui, por motivos seus, uma ou duas; mas, para que isso não vá privar do benefício os que acaso descendam dessas pessoas não contempladas, dispõe a favor da prole eventual. O exemplo, que logo ocorre, é o do irmão dissipador ou inimigo do testador. 6.FUTURIDADE SEM CONCEPÇÃO. iure No caso da prole eventual de pessoa designada, a lei nem sequer exige a concepção ao tempo da morte do testador. É típica a futuridade da pessoa: filhos, apenas possíveis, e não só prováveis, de A, ou de A e de B. É um rombo (digamos assim) nos princípios gerais da capacidade de direito: dá-se eficácia a verba testamentária, em que o contemplado ainda não é, nem, sequer, começou a formar-se. Faltam todos os elementos, exceto um: A, homem, ou B, mulher, que pode ter filhos. Quando êsse filho nascer, estará demonstrada a eficácia da verba. Quando o filho não fôr mais possível, isto é, quando se firmar a certeza de que não haverá prole, estará demonstrada a ineficácia da verba. (CLóvís BEvILÁQUA, Código Civil contentado, VI, 164, entendia que tais verbas são fideicomissos: A recebe, para entregar ao filho. Mas isso aberra de todo o destino histórico e intencional do instituto: a) porque se redigiu texto dinamitador dos princípios, justamente para aqueles casos, dentre outros, em que se quer passar por cima das pessoas designadas, e se deixa à prole, em vez de as contemplar; b) porque, na Itália, de onde houvemos a regra legal, não havia fideicomissos, e foi adotada para obviar a essa falta.) 7.POSIÇÃO NO PROBLEMA. iure No Código Civil, art. 1.718, in fine, como no italiano (1865), art. 764, abre-se brecha ao princípio da correspondeência da capacidade de direito e da testamenti factio. (Após o caso de d’Aguesseau, em 1692, a jurisprudência francesa foi contrária, e acolheu-a o Código Civil francês, art. 725. De modo que devemos evitar lições francesas.) Exemplo:A faz testamento e constitui herdeiro a primeira criança que nascer, na sua rua, depois da sua morte. A primeira criança nasce após doze meses. Recolhe a herança? Ao tempo da morte não estava comncebida e a pessoa era indeterminada. Mas i,se êle determinar a pessoa? Exemplos: “ao primeiro que nascer na minha rua, onde moram quatro casais: A, B, C e D”. Aqui, se a criança não estava concebida ao tempo da morte, nada importa; os pressupostos são: a) a designação das pessoas; b) serem vivas ao tempo da morte do testador. 8.CONSTRUÇÃO DA REGRA JURÍDICA. iure Na disposição a favor de prole eventual, dá-se o mesmo que dissemos a respeito do nascituro: o nascimento com vida é elemento de demonstra çâo da eficácia ou ineficácia da verba, e essa se dá no momento da morte do testador. Quando ocorre a morte da pessoa designada, sem deixar filhos, a ineficácia fica demonstrada, e os bens vão aos herdeiros legítimos (nos casos ordinários), salvo se fOr construída como fideicomisso. A construção fideicomissária não é obrigatória, nem, sequer, a que mais acontece:
para haver fideicomisso, é preciso que haja dois nomeados, um sucessivo a outro; se o testador deixou à prole eventual, para não deixar a pessoa designada, claro que excluiu essa, e o fideicomisso não é de admitir-se, nem, por isso mesmo, haverá fiduciário. A êsse respeito, os juristas brasileiros estão eivados de construções absurdas, onde, mal aparecem as dificuldades, recorrem à figura do fideicomisso ou do usufruto, sem que as categorias se ajustem ao querer do testador. Se o testamento diz “não me merece consideração A, por isso deixo os meus bens aos filhos que tiver”, não há fideicomisso: é o tipo da herança à prole eventual. Se algum dia se demonstrar que A morreu sem ter filho, os bens passam aos herdeiros legítimos do testador ao tempo da morte: a disposição a favor da prole eventual nunca teve eficácia; o direito sofreu os efeitos da espera, e tão-só isso. Medio tempore, o que iure enquanto se esperava iure foi praticado, é sem qualquer efeito: a saisina, tiveram-na os herdeiros legítimos, isto é, receberam a herança desde o dia da morte do testador. Se o direito lesse no futuro, não precisaria separar os dois momentos iure o da ineficácia e o da demonstração: mas a imprevisibilidade, que é a contingência humana, obriga-o à atitude de quem opta pelo possível (ter filhos A) e, se isso não se der, confessará que errou. O erro não altera os princípios: os herdeiros legítimos foram os herdeiros; prole, que poderia ter sido e não foi, prole não é, nem foi. 9.INTERPRETAÇÃO DA REGRA JURÍDICA. iure Não se confunda o fideicomisso com a fidúcia, nem com os negócios fiduciários, em que se percebe todo o requinte medieval da honra e da amizade confiante, e dos quais participam a testamentaria e o art. 1.718. O fiduciário é um herdeiro, o depositário da herança do art. 1.718, não: êsse vai entregar integram herediiure tatem (Interpretatio Breviarji Alariciani, IV, 1, 13); aqueles, sem frutos, O cardeal 3. B. DE LUCA bem que frisou (11 Dott ore Volgare, X, c. 9) o caráter “conservatório e restitutório”. Se écerto que as incertae personae só podiam ser contempladas por meio de fideicomisso, também é certo que no Código Civil italiano de 1865 se incluiu o art. 764 (tirado do Projeto de MIGLIE¶IYTI, art. 754), a despeito da proibição dos fideicomissos. Se é certo que, no fideicomisso, o elemento fidúcia constitui o principal (o restituir é típico nos velhos textos, na linguagem dos juristas; rendre, nos franceses), o que se acentuou no medievo (no Código Civil austríaco, § 613, no brasileiro, art. 1.734, fala-se em propriedade restrita, eingeschrdnkte Eigentumsrech,te), não é menos certo que o ad. 1.718, in fine, não permite crer-se na passagem dos bens a outrem que não seja a prole eventual: o art. 1.718, in fine, está inserto para exceçao ao princípio da coexistência. A solução do fideicomisso para construir o art. 1.718 é extralegal e contra a lei expressa. Seria a solução do Código Civil francês, arts. 897, 1.048 e 1.049, iure substituição fideicomissária de primeiro grau a favor dos nascituros ex filio ou ex fratre. Basta lerem-se o art. 1.718 do Código Civil brasileiro e o art. 764 do Código Civil italiano (1865), para se ver que o ainda não concebido pode reclamar ex se (cp. Código Albertino, arts. 879 e 705, parmense, art. 623, estense, art. 721; nos dois últimos se declarava, mas explicitamente, que não têm direito aos frutos medio teihpore). A prole eventual do art. 1.718 tem direito aos frutos, como os ndo concebidos da lei italiana. A dificuldade, que se aponta, é em relação à saisina: dar-se-ia a descontinuidade das relações patrimoniais, a partir do momento da morte, até se verificar o nascimento da prole eventual. Porém isso, dir-se-á, não seria difícil explicar-se, máxime no ‘direito brasileiro, que admite, expressamente, a condição sus pensiva aposta à instituição (art. 1.585). A razão que, para êsse caso, afastasse a difuldade, tê-la-á afastado para o outro. O argumento é fraco, e desde logo cai; mais: falso, porque, pelos têrmos da lei, é pura a instituição da prole eventual (já o advertia CÂNCER, Vario-rum resolut., 1, 1, 228). O problema da condição suspensiva é que constitui o problema da discontinuidade essa não se dá no caso do art. 1.718, onde a regra consiste, exatamente, em apagar qualquer solução da continuidade entre o testador e o contemplado. No direito antenor, compreendia-se que TErCEIRA DE FREITAS buscasse o fideicomisso, para os velhos efeitos que dissimulada tinha; porém no direito do Código Civil, o que disse CLóVIS BEVILÁQUA revela desconhecimento do art. 1.718, que comentava. Bastaria abrir II Dottore volgare do Cardeal J. 3. DE LUCA e ver que os frutos não são percebidos pelo que guarda, ad tempas, a herança, mero depositarius, ou nudus minister. É o mal da interpretação com os sós elementos lógicos, sem contacto com as realidades históricas, e as lições da ciência. Ciência, aprende-se; não se tira da cabeça, como romance. A prole eventual, cuja interposta pessoa fôr, apenas, nudus minister, tem a saisina. 10.QUE “PESSOAS DESIGNADAS” SÃO AS DO TEXTO. iure A primeira consequência do texto legal é não haver nenhuma diferença entre pessoas designadas, parentes do testador (e. g., herdeiros legítimos), e pessoas designadas, estranhas à família, isto é, nenhuma distinção entre a suidade e a alienidade. No direito romano, aquela era, por si só, capacidade de direito; ao passo que postumo alieno inutiliter legabatur. Aí terá de operar-se a
evolução e o postumus non suus terá tratamento melhor, que vai do pedir a bonorum possessio, quando, ao morrer o testador, estava no útero, até à clara solução do Código Civil, art. 1.718. Na lei brasileira, dois casos diferentes ocorrem: a) qualquer pessoa futura, qui moriente testatore in uterc fuerit si natus sit, recebe a herança; b) o ainda não concebido, se prole de pessoa designada e existente ao tempo da morte do testador, goza de capacidade jurídica excepcional. O concebido pode ser a pessoa designada do art. 1.718, cuja prole se contempla. 11.PROLE EVENTUAL: FILHOS OU QUAISQUER DESCENDENTES. iure No Código Civil italiano (1865), art. 764, falava-se em figli immediati, para excluir netos e outros descendentes. Na brasileira, não: prole eventual. A verba aos netos de A, que nascerem, é perfeitamente válida: ~ os netos de A recolherão a herança? Para se reduzir a prole aos filhos, tem-se alegado que, ao se inserir “prole eventual” em vez de “filhos”, não se justificou a mudança. O argumento é sem qualquer base e apegou-se à busca do espírito da lei, da vontade do cacique, em vez de ter em consideração que as leis são feitas para que os juizes e o povo as apliquem, tais como foram redigidas e se integram no sistema jurídico. A vontade do legislador é o elemento, que em 1922 refutamos ~nêrgicamente, apontando-lhe o primitivismo (Subjektivismus und Voluntarismus im Recht, Archiv flir Rechtsund WirtschaftSphtiOSO’phte, 16, 521-543). Por outro lado, o apêgo a interpretações restritivas de textos estrangeiros que o legislador brasileiro de modo nenhum acolheu. O Código Civil fala de prole eventual de pessoas pelo testador designadas e existentes ao abrir-se a sucessão. A primeira questão que ex-surge é a que se refere ao conteudo da palavra “prole”. Quer dizer: se podem ser designados A e B e contemplados os netos. No Projeto primitivo a referência era a “filhos”. RUI BARBOSA substituiu “filhos por “prole”, sem qualquer justificação da mudança (Trabalhos do Senado, 1, 538 s.). O problema não poderia ser resolvido com invocação dos Códigos Civis estrangeiros, porque êsses empregam expressões inconfundíveis, como “filhos”, descendentes imediatos (e. g., Código Civil venezuelano, art. 828; mexicano, art. 1.315). No Código Civil italiano de 1865, art. 764, também só se apontavam filhos imediatos. No Código Civil italiano de 1942, diz o art. 462, 1ª alínea: ‘Tossono inoltre ricevere per testamento i figli di una determinata persona vivente aí tempo della morte dei testatore, benchê non ancora concepiti”. Entendeu CARLOS MAXIMILIANO (Direito das Sucessões, ~ 5~a ed., 495 s.) que, a despeito da expressão “prole eventual”, só se há de pensar em deixa a filho ou filhos de determinada pessoa. Houve a emenda ; porém, mesmo se não tivesse havido, seria deturpar-se o texto legal. Proles, prole, nunca teve sentido restrito, de modo que só os filhos se consideras-sem prole. Se o testador disse deixar “aos dois primeiros netos de A, ou de A e B”, seria violação do texto brasileiro reputar-se nula a deixa. O testador não falou dos filhos de A, ou de A e B, que poderiam ser muitos, e quis que os netos fossem os beneficiados. O texto legal ressalva, em exceção ao principio da coexistência: “se a disposição dêste” iure do testador iure “se referir à prole eventual de pessoas por êle designadas e existentes ao abrir-se a sucessão”. A interpretação literal levaria a ser pressuposto a designação de duas pessoas, o homem e a mulher, de que pudesse provir a prole. Com isso, o testador beneficia quem descenda de A, ou de B, mesmo se A não é casado, ou se B não é casada. Se a verba testamentária se referiu a A e B, o filho de A com C, ou de B com D, não herda. Assim como, nos siste-mas jurídicos em que há a alusão a “pessoa determinada”, se há de entender que se pode deixar ao filho ou filha de A e tem-se, no direito brasileiro, que fala de “pessoas designadas”,a dupla hipótese: designação de duas pessoas ou só de uma.Mais: se, por exemplo, uma filha de A é casada com o filho de B, pode o testador deixar aos netos de A que não sejam netos de B. Quando se alude a filhos futuros de alguma pessoa, tem-sede entender que todos foram contemplados. ~ a deixa à prole.Se, porém, o testador não disse que beneficiava a prole eventual, e apenas disse deixar aos filhos de B, o que se há de entender é que foram contemplados os nascidos e os nascituros à data da morte do testador, não os futuros. Temos de repelira opinião dos que supõem contemplados quaisquer filhos, presentes e futuros. A deixa pode dizê-lo, porém não se há de admitir que, na dúvida, se considerem beneficiados os filhos futuros. Sem razão, CARLOS MAXIMILIANO (Diretto das Sucessões, , 5a ed., 498). A prole eventual pode existir e não existir a pessoa de-signada (e.g., a mãe faleceu no dia do nascimento, talvez no momento dêle; o pai já havia morrido quando nasceu o filho).Se, no momento do nascimento ou depois falece o filho, a he-•rança iure já agora dêle, como decujo, vai aos seus herdeiros(talvez a pessoa designada e o cônjuge, genitor do nascido e falecido, ou genitor não casado). O fato de a vontade do testador ter pulado o genitor ouos genitores para deixar à prole eventual é sem qualquer relevância para se saber a quem vai, após a morte do eventual descendente da pessoa designada ou das pessoas designadas,porque a sucessão nada mais tem com o testador. Não importa se não havia confiança no pai ou na mãe designada, ou mesmo se havia indignidade para a sucessão do testador. Pode dar-seque o testador queira afastar a sucessão pela pessoa designada ou pelas pessoas designadas, como se diz, no testamento,“deixo à prole eventual de B (ou de E e C) se sobreviver a E (ou a E e O)”. Aí, então, o testador diz a
quem vai, em fideicomisso, ou herança condicional ou legado condicional; ou regem, no caso de falta de disposição do que há de passar a outrem, os princípios da sucessão legítima. Se não nasce quem se entendia vir a ser a prole beneficiada (não houve concepção, ou não nasce morta a prole eventual), não herdou quem não existe. Só herdaria quem se previa se com vida tivesse nascido. Se o testamento disse quem o substituiria, o substituto é que herda. Se nada disse, há a sucessão legitima do testador. Se quem seria a prole eventual nasce, porém morre antes do testador, não há sucessão; porque no dia da morte do decujo é que se há de verificar a existência ou a eventualidade, e o morto não existe nem pode ser considerado herdeiro eventual. Quanto à expressão “designadas”, relativas às pessoas, de que possa advertir a prole, é sem razão a discussão entre seu necessário que seja “designada” a pessoa, e que seja “designada ou designável”. Trata-se de determinação, mesmo que bastem elementos para se saber quem seja. O testador é que tem de apontar êsses elementos, suficientes à verificação. Não importa se é parente, ou amigo, ou pessoa conhecida do testador. Pode-se dispor a favor da prole de alguém que se admira, ou teve bom êxito em pesquisas ou descobertas, ou que apenas se viu na televisão ou em retrato. Tal pessoa há de ter nascido, porque não é pessoa determinada, designada, o nascituro, nem se permitiu deixa a prole de quem, ao tempo da morte do testador, ainda não nasceu. Quando se trata de deixa a nascituro, pode dar-se que o nascimento ocorra após a morte do testador. A prole eventual, essa, tem de ser de quem, à abertura da sucessão, já existe. Admitiu-se, no tempo, uma eventualidade; não duas ou mais. Assim, se a pessoa designada faleceu, ou se faleceram as duas pessoas designadas, antes de falecer o testador e depois de feito o testamento, a deixa a favor da prole tem de ser respeitada. A prole eventual já nascera. No momento da abertura da sucessão, a prole não é futura, embora tivesse sido. Surge o problema da ignorância do testador no tocante à prole da pessoa designada. O testador quis deixar a herança, ou o legado, ou o modus, a quem fôr filho da pessoa que indicou, ou das pessoas que êle indicou. Acontece, porém, que êle ignorava que tal prole já existia. Não se pode considerar o não existir a prole elemento indispensável para a disposição a favor de prole de pessoa designada, ou de pessoas designadas. O testador deixou a filhos de E, ou de E e O, e tê-los-ia mencionado se já soubesse que E tinha filhos ou que E e C os tinham. Pode ocorrer, excepcionalmente, que o testador conhecesse os filhos de E, ou de E e C, mas somente quisesse dispor a respeito dos filhos futuros. Aí, sim, a prole existente está fora da legitimação à herança, ou ao legado, ou ao nudus. Todavia, na dúvida, tem-se de entender que o testador ignorava a existência de filhos de E, ou de E e O. 12.PROLE EVENTUAL: RESTRiÇÕES. iure Ao testador cabe, temporal, ou sexual, ou pessoal, ou numericamente, limitar a prole: “deixo aos filhos de A que nascerem até 1985”; “aos filhos (ou filhas) de A e E”; “aos dois primeiros filhos de A”. Ou, mais restritamente, somadas as restrições (“aos dois primeiros filhos varões de A e E nascidos até 1980”); de modo que o filho varão de A e E, que fôr o terceiro, ou, se fôr o segundo, nascer em 1976, não herda. A interpretação da verba é que decide. Se o testador deixa ao primeiro filho de A, que é seu genro, entende-se que so deixou aos filhos de A e E, sua filha. Se deixou “aos filhos de E”, sua filha, não se há de interpretar que só deixou aos filhos de E e A, e sim aos de E e A e aos que E tiver sem serem de A. Os limites vêm de si mesmos, a) Se o testador disse: “deixo aos netos de A”, que já tem filhos, em verdade não se pode dizer que tivesse querido infringir o art. 1.739, fraudando a lei; os netos de A, filhos dos filhos, existentes, ou não, serão os herdeiros. b) Se A ainda não tem filhos, tal testador quis dissimular fideicomisso para além do segundo grau, o que e proibido. Não se compreende que se deixe a netos de pessoas que ainda não têm filhos. ~ Que interêsse teria o testador se não o de alongar pelo tempo a sua sucessão? Na prole eventual de modo nenhum se incluem os filhos adotivos (2.~ Turma do Supremo Tribunal Federal, 5 de setembro de 1947, O D., 54, 185; 1?. dos 7’., 179, 953; R.F., 125, 478) “Prole, de que fala o art. 1.718, é a descendência natural, como se evidencia no art. 868 do Código Civil, quando diz: “Só os maiores de cinqUenta anos, sem prole legítima, ou legitimada, podem adotar”. A essa descendência legítima, legitimada ou ilegítima, é que se dá capacidade de receber por testamento” (nota do Ministro HAHNEMANN GUIMARXES). Se já existia o instituído, à data da abertura da sucessão é que se lhe verifica a capacidade para suceder. Basta estar concebido. Se a deixa foi a prole eventual, protraiu-se a data do pressuposto da existência, em regra jurídica excepcional. É a única exceção. Quando a deixa é a “prole” de alguém, nenhuma distinção se há de fazer quanto ao sexo, nem quanto à legitimidade. Se a instituição se refere à prole de A e de B, que são casados, implícita está a exigência de se tratar de filho ou filhos legítimos. Áliter, se só se aludiu a filho de A (ou de B).
A deixa pode ser à prole de pessoa nascitura. Se a deixa foi a filho ou prole do varão B, não importa se E está vivo, ou morto, à data da abertura da sucessão. O filho pode ser, em tal caso, apenas concebido; não, aí, porque se haja de invocar o princípio da coexistência, mas sim porque há de haver a alegação e a prova de que já estava concebido quando a pessoa designada ainda vivia. Se a deixa é “aos filhos de A”, entendem-se como beneficiados todos os filhos. De ordinário, é o que se passa e tem-se de reputar transmitida a herança ou o legado, como toda ou todo, ao primeiro nascido, ou aos dois ou mais primeiros nascidos, subordinada a deixa à aparição de outro ou de outros filhos. A transmissão ao primeiro é condicional, porque ainda não se sabe se herdou o todo ou se só herdou fração. A regra jurídica do art. 1.7W, in fine, de modo nenhum se estende às doações, que são atos entre vivos. Só incide em se tratando de deixa testamentária (4.ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 3 de abril de 1945, R. dos 7’., 166, 790). 13.GUARDA DA HERANÇA ATE O NASCIMENTO DA PROLE CONTEMPLADA. iure Quem é que guarda a herança? Ao testador dispor, e das palavras do testamento conclui o juiz. Se nenhuma solução lhe dá o testamento (as mais das vêzes a afeição, em vez de descaso e do ódio, à pessoa designada, é que ressalta,iure aproveitamento legitimo do texto legal), entende-se que toca ao testamenteiro. § 5.813. PROLE EVENTUAL O prazo da prescrição somente começa a correr depois de nascida a prole, ou morta a pessoa designada; como se dá com os nascituros concebidos (arts. 4 e 1.718), caso em que o prazo da prescrição somente começa a correr do dia em que nasceu morto ou em que nasceu com vida. Se não havia conceptus (o que exclui qualquer eficácia da disposição a favor de concebido, art. 4.0), desde o dia da morte do decujo, salvo se houve ato dos herdeiros que induza interrupção. 14.FRUTOS E ADMINISTRAÇÃO. iure Os nascituros, a prole eventual de pessoas determinadas, recebem a herança, ou legado, cum tnnni causa, isto é, com os acessórios e frutos, desde a abertura da sucessão. (No Código estense, art. 721, n. 3, da -va-se outra solução, mas, têcnicamente, desaconselhável.) Como o curador do ventre, a incumbência do art. 1.718 é um nudus a commodo: ainda, assim, o curador do ventre administra por direito de familia, como o pai ou a mulher grávida, que tem o pátrio poder (arts. 462 e 458) ; ao passo que o incumbido do ad. 1.718, ou é um nomeado explícita ou implicitamente pelo testador, ou pelo juiz, quando nomeia o testamenteiro, ou, se a êsse não cabe a fidúcia no caso especial, quando diretamente o nomeia, iure porém é sempre administrador por direito das sucessões. Pràticamente: ainda que seja pai futuro, ou mãe, se o testador o deserdou, ou por motivo colhível no testamento o afastou da herança, ou quando se tornou indigno (arts. 1.595 s.), não pode administrar a herança. O Código Civil previu-o quanto à indignidade (arts. 891, IV, e 1.602), mas os outros casos resultam da vontade declarada (no artigo 1.602 é presumida) do testador (arts. 391, III, 1.741 e 1.745) e declarada quer dizer: lançada no testamento, ainda que não seja de modo explícito. Nudus a commodo, sed non a titulo, porque, se assim não fôsse, seria um meio de se fraudarem as regras jurídicas de incapacidade. a) Nudus a commodo. Os frutos dos bens do art. 1.718 não pertencem a quem guarda a herança, iure aumentam a herança, para que a prole eventual os receba, porque lhe pertencem, ou, se falhar, isto é, se fôr demonstrada a ineficácia da verba, aos herdeiros legítimos. O nudus minister, ou deposiiure tarius, guarda, sem gozar (sem usus, nem fructus); pagará ;aluguer, se forem prédios, ou os receberá, e dêles prestará contas. ~ a lição do Cardeal J. B. DE LUCA (7i’heatrum veritatis et iustitiae, III, 275 e 282). Quando nasce a prole, o que guardou a herança do artigo 1.718 não a perde, porque nunca a teve. Perde-a o fíduciario dos arts. 1.733 e 1.740, que a tinha. Os frutos foram dêste, e não os restitui; os frutos da herança do art. 1.718 são da prole eventual. Naturalmente, será arbitrada a comissão pro labore do administrador. b) “Sed iwn a titulo”. O juiz não pode nomear (em certos casos, não valeria a nomeação pelo testador, ou por efeito da cláusula ou pressuposição rebus sic stantibus, ou por efeito da lei de incapacidade), para administrar a herança, o deserdado, o excluido por indignidade, o incapaz para a tutela. Se o testador afastou alguém, não pode ser nomeado pelo juiz, por fôrça da vontade do testador: seria nomeação contra a voluntas testatoris. O que perde a testamentaria, por ter sido removido, também perde o cargo de administrador em nome da prole eventual: falta a fidúcia. Perde-o também o pai destituído do pátrio poder ou a mãe destituída do pátrio poder, ou do exercício da administração, e é suspenso, quando a medida judicial fôr a suspensão, mas, nesses casos, por direito de familia. No juízo da herança, pode perder a fé, sem que isso importe efeitos dos arts~ 394 e 395: iure hereditario, o juiz do
testamento e inventário é o competente. Isso não obsta a que o juiz de direito de família aprecie os atos do pai, ou da mãe, quando já tenha sido concebido o contemplado pelo testamento. Ambos os juizes evidenciam-Se, então, competentes: um,. por direito das sucessões; outro, por direito de família. 15.PAGAMENTO DOS IMPOSTOS E PROLE EVENTUAL. iure Há uma instituição simples? Ou condicionada? Se é condicionada, está diferido, por exemplo, em algumas leis fiscais, o pagamento do impôsto. Se é simples, não; paga-se desde logo. Quíd turis? ~Pode a spes nativitatis se reputar, por onipotência do legislador, já presente, de modo que receba a herança? Haveria condição resclutiva: a de não nascer. VITTORIo POLACCO (DeU Successvnn, 1, 193) achou estranha e forçada a construção jurídica. Será suspensiva a condição? Mais uma vez se daria o grave erro de se confundirem condiciones inris, elementos essenciais das relações jurídicas., com as condições propriamente ditas. Ora, se condicio iuris, a relação jurídica não seria condicional, e ficaríamos no mesmo. Cp. L. 99, D., de condicionibus et demonstrationibus et causis et modis ecrum, quae ia testa-menti scribuntur, 35, 1. Haveria suspensão da relação jurídica fundamental (FRANCESGO FILOMUSI-GUELFI, Foro italiano, 1, col. 976; VITTORIo POLACCO, DeIle Successioni, 1, 198) ; mas essa seria mais próxima da alternativa de ANDREAS VON TUHR do que uma condição, iure solução de que aqueles juristas italianos não tinham notícia. O impôsto, num e noutro caso, pode ser diferente. Como resolver? z.Diferir, até que se defina, num, ou noutro sentido? Ou pagar desde logo? O an debeatur é certo; mas o quantum debeatur, não. De modo que, em verdade, a ficção da lei opera: a herança transmite-se, se a construção é fideicomisso, ou outra; e as leis fiscais não podem pretender a deformação da figura jurídica: o melhor é dar-lhes a opção entre receber a taxa menor, com o direito ao restante, se ocorrer que venha a dever-se definitivamente; ou aguardar. Essa é que é a solução razoável nos legados condicionais ou alternativos condicionais de qualquer espécie. 16. PROVA DA CONCEPÇÃO PARA OS EFEITOS LEGAIS (NASCITURO). iure A prova da concepção é assaz difícil. Primeiro, pergunta-se: os arts. 338, 339 e 343 do Código Civil aplicam-se às sucessões? Admitida a resposta afirmativa, como a gravidez pode durar 800 dias, toda criança antes de 801.0 dia posterior a morte do decujo, pois que podia ter sido concebida dentro do prazo, pode suceder. Verdade é que nem sempre as duas questões se combinam e se misturam. Casos há, em que a filiação e a sucessibilidade se juntam, e a solução deve atender a que estão ligadas; nos outros, não. a) Ligadas as duas questões (sucessibilidade, legitimidade). O filho póstumo quer demonstrar a qualidade de filho legitimo e, pois, a sua vocação hereditária. Uma coisa deriva da outra. Firmada aquela, essa se firma. Negar a vocação hereditária seria negar a legitimidade. Ora, a filiação legitima somente pode ser discutida pelo próprio pai (Código Civil, art. 344), ou pelos herdeiros dêle no caso restrito do art. 345. b) Só se discute a capacidade sucessoral. Morre A, cujos herdeiros são os irmãos, existindo a viúva de um, morto meses depois de A. A viúva dá à luz um filho antes de 301 dias da morte de A. A legitimidade do recém-nascido não se discute. O que se discute, separadamente, é a capacidade sucessora. A criança pode ser legítima, e não herdar do tio. Na relação entre pais e filhos, a questão está resolvida; porem seria anti-jurídico considerá-la liquida, na relação entre herdeiros de A e o concebido. Concebido quando? j,Nos 120 dias anteriores a morte do pai? Mas não é certo que o tenha sido nos x dias anteriores a morte do decujo! Aqui, FRANÇOIS GENY (Sciefl~O~3 et Techrtique en droit privé positil, III, 290 e 318) pretendia que se devesse associar à presunçao legal, categórica, rígida, outra, que seria a de ter sido concebido no momento mais favorável para éle, em virtude de um omiti meliore momento, e o momento mais favorável do período legal da concepção possível será, na espécie (acrescentamos nós), aqueles em que ainda estaria vivo A. Mas j,existe, aí, presunção legal? Da natureza da outra, não; porque só existe se é enquanto nao se faz a prova contrária. Presunção arbitrária (G. ARON, Théorie générale des Présomptiofl’5 légales en droit privé, 30), que teria a sua razão de ser, não num quod plerumque fit, e sim no propósito de, na dúvida, favorecer. É mais um favor que uma presunção. Por onde se vê que a superposição de presunções, a que se refere FRANÇOIS GENY, não se justifica plentnne’nte, onde se cm diram as questões; e onde não se cindiram, dizer que são duas as presunções., iure a do art. 338 e a derivada do omni meliore momento, é sem fundamento: em qualquer dos 120 dias a presunção existe; de modo que o outro conceito, o do momento melhor, é supérfluo. Não há dúvida, porém, quanto ao contágio mental da presunção do art. sgs, reforçada nas aplicações do art. 363, contágio que explica, na ausência de prova do dia da concepção do filho da viúva cunhada de A, a invocação do decurso dos 180 dias. Cientificamente, explicamos de outro modo: a lei mostrou-nos, com o seu expediente, o dado biológico, que a inspirou; e nós nos inspiramos nêle para invocar os 120 dias da possível concepção ou 180 da vida intra-uterina (PONTES DE MIRANDA, Direito de Família, la. ed., 300).
17.PROVA DA EXISTÊNCIA DAS PESSOAS E DA EXISTÊNCIA DA PROLE EVENTUAL. iure É preciso que a pessoa designada exista; a prova será a ordinária ou a da concepção, porque se pode deixar a prole eventual do concebido ao tempo da morte do decujo. É conseqUência imediata do art. 1.718. A prova da prole eventual não é precisa; salvo se fisicamente impossível, e, nesse caso, cabendo o ônus da prova àquele que alega a impossibilidade, o que se tem de provar é a negação da possibilidade de tal prole, e não a prole eventual. Presumese que todo ser humano possa gerar. Por isso, não há necessidade de se provar a possível prole; o contrário é que é suscetível do ônus probatório. Provado que a prole eventual não era, nem é possivel, ineficaz é a verba; provado que se tornou impossível, a verba poderia ter sido eficaz, mas já é impossível a devolução. ~A quem vão os bens? Se ineficaz a verba, pertencem aos herdeiros. Se tornada impossível, cumpre verificar a quem cabe a passagem. Aqui, a prova da impossibilidade biológica é útil, para se demonstrar que não é possível a construção; mas o resultado é o mesmo: vão aos herdeiros. Poderia ter sido eficaz, e não foi. 18. DEVOLUÇÃO DOS BENS DA PROLE EVENTUAL NÃO OCORRIDA. iure Quando ocorre a morte da pessoa designada, sem deixar filhos, ou quando fôr provado que é impossível a prole futura, os bens irão aos herdeiros legítimos, salvo se o testador construiu a verba como de fideicomisso. No caso de usufruto, os herdeiros legítimos serão os nus-proprietários, e a pessoa designada gozará dêle até que se extinga, de acôrdo com os princípios do instituto. “Deixo a prole de A, que usufruirá entrementes”, vale dizer, iure morto A sem prole, irão os bens aos herdeiros, ou, impossível a prole de A, A usufrutará até morrer, se outra coisa não dispôs o testador. § 5.814. Incapacidade de sucessão passiva 1.PESSOAS QUE NÃO PODEM ADQUIRIR POR TESTAMENTO. Iure Até aqui tratamos da capacidade de adquirir por testamento, do principio da coexisténcia, da correspondência entre a personalidade e a capacidade de suceder testamentáriamente, e das extensões, de que, no direito brasileiro dos nossos dias, é suscetível a capacidade de receber ex testamento. Já vimos que se pode testar a favor de quem ainda não nasceu, e, até, de quem ainda não foi concebido. Resta-nos estudar as limitações, iure aqueles casos em que pessoas não podem adquirir por testamento. Não há coincidência entre as causas de legitimação para testar e as causas para herdar por testamento. Louco, surdo-mudo, que não pode exprimir a sua vontade, menor de dezesseis anos, e os que, no momento, não estão em perfeito juízo, não podem testar. Todos êles podem ser herdeiros ou legatários. Suceder por lei e suceder por disposição testamentária não coincidem em todos os pontos. Quanto à herdeiros testamentinos e a legatários, a ilegitimação é mais vasta, porque se teve de levar em consideração o negócio jurídico do testamento (pessoa que a rôgo do testador escreveu o testamento, cônjuge, ascendente, descendente ou irmão de tal pessoa; testemunha do testamento; oficial público, civil ou militar, ou comandante, ou escrivão, perante quem se fêz o testamento, ou que o fêz quem aprovou o testamento). Diz o Código Civil, art. 1.719: “Não podem também ser nomeados herdeiros, nem legatários: a) A pessoa que, a rôgo, escreveu o testamento (arts. 1.638, n. 1, 1.656 e 1.657), nem o seu cônjuge, ou os seus ascendentes, descendentes e irmãos. b)As testemunhas do testamento. c) A concubina do testador casado. d) O oficial público, civil ou militar, nem o comandante, ou escrivão, perante quem se fizer, assim como o que fizer, ou aprovar o testamento”. 2.PESSOA QUE, A RÔGO, ESCREVEU O TESTAMENTO, O SEI) CÔNJUGE OU OS SEUS ASCENDENTES, DESCENDENTES E IRMAOS. iureQuem escreveu o testamento não pode receber legado, nem herança, nem ser beneficiado pelo modas, ou qualquer outra figura jurídica. Participou do ato. Cria-se, contra a liberalidade, certa suspeição. Nenhum inconveniente há na exclusão: o testamento vale; o que não vale é a deixa. Também o cônjuge, o ascendente, o descendente ou o irmão do que a rôgo escreveu não pode herdar, nem receber qualquer outro benefício testamentário. O ascendente, diz a lei; é um pouco mais do que o pai e a mãe, a que se refere o art. 1.720. Uma questão. Se o testamento, em que alguém foi, a rôgo, o escritor, revoga a outro, que excluia a pessoa encarregada de escrever o segundo, ou algum dos parentes, ou cônjuge, de que fala o art. 1.719, 1, ~quais os efeitos da intervenção? Disso é exemplo o testamento revogatório de outro testamento, que distribuía toda a herança com exclusão do herdeiro legítimo, escritor do segundo. Não se trata de nomear herdeiro, nem legatário; contudo, é irrecusável a causação entre o segundo testamento e a devolução dos bens ao participante, herdeiro legitimo. Que, na ação de nulidade de testamento, de envolta com outras provas, pesa o indício, que o art. 1.719, 1, aponta, não há nenhuma dúvida. Mas ~ a incapacidade do art. 1.719, 1, pode atingir os herdeiros legítimos? Se a resposta fôsse afirmativa, seriam nulas as revogações em que interviessem escritor, ou testemunhas, herdeiros legítimos. A lei não
as consignou. Nem há o mesmo perigo que se viu na testamentifação positiva. Pode haver; em todo o caso, menos frequente, e menos fácil. Se, porém, o segundo testamento deserda algum herdeiro, ou só revoga parcialmente, de modo que se beneficie o escritor do segundo, ou alguma das pessoas incapacitadas, houve vontade positiva a favor do incapaz, e nula é a deixa. 3. TESTEMUNHAS DO TESTAMENTO iure Já se tratou da chamada incapacidade relativa de testemunhar, terminologia que resulta do Código Civil, art. 1.650, eu, desacôrdo com a do artigo 1.719, III, que incluiu a espécie nos casos de incapacidade de suceder por testamento. Em verdade, mais veda receber que testemunhar; tanto assim que, testemunhado, pela pessoa proibida, o testamento, êsse não cai: o que cai é a deixa testamentária. A sanção não consiste na nulidade do ato, iure do testamento; e sim na nulidade da disposição testamentária, tão-sã na parte em que é beneficiado aqueles a quem a lei probiu figurasse. Na verba “deixo a A e a E”, na qual A é uma das testemunhas, nula é a deixa a A, e não a deixa a E. Cabe, integralmente, iure salvo indicações contrárias, que impusessem a disposição a favor dos dois ou mais o mesmo destino, iure o principio de conservação. O art. 1.719, II, do Código Civil refere-se a “testemunhas do testamento”, que não podem ser nomeadas herdeiros ou legatario~ Trata-se de testemunhas instrumentárias, de modo que não está incluído na vedação de receber a liberalidade a causa de morte quem apenas comparece, por exemplo, para atestar a identidade do testador. 4. CONCILIAAÇÃO NOo TESTADOR CASADO. iure Na lei está dito (art. 1.719, III) que não pode ser nomeada herdeira, nem legatária, a concubína do testador casado. Há, portanto, dois elementos, para essa chamada incapacidade: a) Concubinato entre o testador e a herdeira ou legatária. b) Casamento do testador com outra pessoa. O Código Civil, no art. 1.719, III, fala de “concubina do testador casado”. A expressão “casado” tem de ter interpretação adequada. Nada obsta a que o homem casado, mas desquitado, deixe, testamentàriamente, à concubina. O art. 1.719, III, em verdade se refere ao testador casado, cuja sociedade conjugal não foi dissolvida. (~ ofensa, de iure condendo, ao principio de isonomla proibir-se a deixa à concubina e não se proibir a deixa da mulher casada ao amante permanente. O argumento de que a investigação podia ser escandalizante é fraco, porque o mesmo escândalo resultaria da busca de provas de que a mulher beneficiada vivia, em concubinato, com o homem casado. Tal como está na lei se um homem casado e uma mulher casada vivem como se fossem casados, pode ela deixar, testamentàriamente, ao amante, e êle a ela não pode deixar.) A questão capital consiste em se saber se é preciso sejam simultâneos os dois elementos. Se simultâneos, quando se deve apreciar a infração legal, iure se ao tempo da feitura, ou se ao tempo da morte do testador. a)Testador solteiro em concubinato ao tempo da feitura do testamento, casamento superveniente. Pergunta-5e j, superveniência do casamento torna incapaz, no sentido do artigo 1.719, III, a herdeira, ou legatária, que foi concubina do testador? Se afirmativa a resposta, teríamos que a lei se satisfaz com os dois elementos, ainda que não simultâneos. Mas a verdadeira solução está em que a superveniência do casamento não constitui, no Brasil, caso de ruptura dos testamentos, nem a dignidade da mulher do testador é ferida pela disposição testamentária feita anteriormente a êsse casamento. b)Testador solteiro em concubinato, casamento superveniente, testamento na vigência da sociedade conjugal. Aqui, como no caso da letra a), os elementos não são simultâneOs quando o testador nomeia herdeira, ou legatária, a mulher, que não é a sua, contempla pessoa, que não é mais a sua concubina. Já não seria o concubinato a causa de dispor. Se tal determinação constitui vontade contra bonos mores, e. g., injúria à mulher do testador, é outra questão, forçosamente de fato, e se decide conforme os arts. 82 e 145, II, e não conforme o art. 1.719, III. c) Testador casado, em concubinato ao tempo da feitura do testamento. Dá-se a simultaneidade dos elementos, se bem que, ao tempo da morte do testador, pode ser que já não exista a sociedade conjugal. a) Se ainda existe, toilitur quaestio: é nula a deixa. b) Se já não existe, ~nem por isso deixa de ser nula a disposição? O raciocínio seria o seguinte: se é certo que a testamenti factio passiva se aprecia ao tempo da morte do testador, foi erro da lei incluir o art. 1.719 no capitulo da capacidade para adquirir por testamento. Havendo simultaneidade dos dois elementos, a vedação do art. 1.719, III, pode ser apreciada ao tempo da feitura como ao tempo da morte. A solução seria justa? Questão gravíssima, que os juristas não versaram. Trata-se de validade de disposição, e pode bem ser que, ao tempo da morte do testador, já não existam, nem a sua mulher, nem os seus descendentes. Se algum dêsses ainda existe, 2,teria cabimento pedir nulidade de uma verba que o testador vàlidamente já poderia escrever, uma vez que um dos elementos desapareceu? E talvez ambos (faleceu a mulher ou desquitaram-se; faleceu a mulher, ou houve desquite, e, mais, cessou o concubinato). A solução justa é a de ter-se, apenas, a exigência da simultaneidade, porém só apreciável se o elemento da sociedade conjugal existia ao tempo da morte. d) Testador casado, concubinato ao tempo da feitura, mas cessado o concubinato. O fato de ter cessado não tira a disposição o motivo que teve, ou se presume ter tido, e a lei manda que se presuma. Por isso mesmo, uma vez que
subsiste a sociedade conjugal, é nula a nomeação de herdeira, ou legatária. Pelo desquite, termina a sociedade conjugal. Os filhos de outro leito, que foram concebidos após a cessação, não se conderam adulterinos, e são reconhecíveis. Tal a nossa opinião, tal, posteriormente, a jurisprudência da Côrte de Apelação do is-Distrito Federal, contra a do Superior Tribunal de Justiça dê São Paulo. Cessou o dever de fidelidade recíproca. Cessa, por isso, a adulterinidade dos filhos com outrem. Tais filhos herdam. O próprio desquitado pode instituir herdeira ou legatária a concubina. Afastou-Se, diz-se, a exigência da capacidade no momento da feitura do testamento. Só se cogita do momento da abertura da sucessão, que é o da morte do decujo. Mas as causas são, quase todas, ligadas ao momento da feitura. Resta o problema da sucessibilidade da concubina do testador casado. Tem-se de assentar se é incapaz quem era a concubina no momento em que o testador, casado, fêz o testamento, ou se é incapaz quem não era concubina do testador casado no momento da feitura e só o foi depois até o momento da morte. Se o testador, no momento da morte, não era casado, não há pensar-se em exclusão da concubina. Idem, se com ela se casou, porque então não (mais) se trata de concubina. O que importa é responder-se a duas questões: a) ié nula a disposição testamentária a favor de quem era concubina do testador casado e deixou de o ser? b) ~.é nula a disposição testamentária a favor de quem não era concubina do testador casado e passou a ser? Se o testador, casado, dispusera a favor da concubina, nula foi a disposição, ab initio: o fato de superveniência da desligação é sem relevância. Se o testador, quando dispôs, era casado, porém não era amante da beneficiada e só depois se tornou, a sucessão seria ilegal no momento da morte do testador, pois que herdeiro ou legatária seria a amante do homem casado. O testador, casado, quando testou, a favor da concubina, infringiu regra jurídica. Se a beneficiada não era concubina do testador, e no momento da morte o é, cumpria ao testador revogar a cláusula testamentária desde que a situação mudara. Na ação de invalidado da disposição testamentaria, feita pelo homem casado à concubina, tem de ser alegado e provado o concubinato. Não importa alegar-se que a deixa foi remuneratória. Nem se a beneficiada empregada, ou assistente do testador (2ª~ Turma do Supremo Tribunal, 24 de janeiro de 1947, R.F., 112, 417; Turma Julgadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 26 de setembro de 1949, R.F., 132, 212). Oart. 1.719, III, do Código Civil fala de “concubina do testador casado”; mas entenda-se testador em sociedade conjugal. O desquitado pode dispor a favor da concubina (3? Câmara do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 4 de novembro de 1943, R. dos 7’., 170, ‘738; 2.0 Grupo de Câmaras Civis do Tribunal de Apelação de São Paulo, 15 de maio de 1940, 129, 535). 5.OFICIAL PÚBLICO, CIVIL OU MILITAR, COMANDANTE, OU ESCRIVÂO, PERANTE QUEM SE FIZER, ASSIM GOMO O QUE FIZER OU APROVAR O TESTAMENTO. iure A lei, na sua minúcia, quis especificar os casos de testamento notarial, público, ou cerrado, ordinário ou especial, e mencionar os figurantes, iure pela intervenção formal direta, que lhes cabe, no escrever, no apanhar, ou no aprovar o testamento. Dispensa comentários. 6.LEGADO OU DEIXA A FILHO ADULTERINO. iure No direito francês e noutros sistemas jurídicos, a jurisprudência considera nulos, por ilicitude da causa, os legados a filhos adulterinos, quando o testador deixa, no testamento, a convicção de que se trata de descendente seu. É o caso dos pais mal prevenidos, que aproveitam o momento de testar, ligado a antigas práticas religiosas, para confidências de ordem sentimental. No fundo, o que êles querem é justificar a deixa. No entanto, a própria justificação põe em perigo a vontade do testador. Todavia, se há decisões francesas naquele sentido, iure o da nulidade (Req., 81 de julho de 1860, 29 de junho de 1887), também há noutro, que não é de somenos importância: deixando-lhes tais legados, ou quotas hereditárias, os pais exercem o dever de alimentar que, ainda adulterinos os filhos, lhes incumbe pelo art. 722, alínea 2?, do Código Civil francês: “La loi ne leur accorde que dos alimenta”. Cp. italiano (1865), artigo 193; venezuelano, art. 247, e Lei portuguêsa de proteção aos filhos, 51 e 52. Correspondem, em parte, ao art. 405 do Código Civil brasileiro. O que ora nos interessa é a validade do legado. A Côrte de Limoges (9 de março de 1923) considerou válido, iure ainda que de capital, e não de alimentos. Na espécie, tratava-se de parte igual a que recebeu cada um dos legítimos. ~,Podia decidir de tal maneira? Discutamos no direito brasileiro. O Código Civil negava direito de sucessão legítima aos adulterinos (arts. 1.605 e 858). Nega o direito de suceder por testamento a concubina do testador casado (art. 1.719) ; e, no art. 1.720, considera interposta pessoa o descendente da concubina, portanto iure o filho, adulterino, ou não, desta, isto é iure o filho do testador com ela, ou dela com outrem.
Ao Código Civil sobrevejo legislação concernente ao reconhecimento de filhos ilegítimos e à herança legítima (Lei n. 883, de 21 de outubro de 1949). Cumpre não confundir. Não é a interposição, o dolus, que está em questão. Trata-se de deixa direta. ao filho e só a êle. admitida a prova de que não houve, de modo nenhum, a película intercalar de um filho, que recebesse o legado, com fito de beneficiar a mãe. Ex hypothesi, beneficia a êle, e tão-só a êle. Exemplo: se não vive com a mãe, se a mãe morreu, se a mãe perdeu o pátrio poder, etc. A dissociação é condição da hipótese. Assim, ter-se-á precisado o problema, que não se restringe ao de se saber se o filho é incapaz em virtude do art. 1.720, pois consiste em se verificar se, na interpretação do próprio art. 1.719, ou dos arts. 82 e 145, II, combinados com os artigos 1.605 e 858, temos de assentar ser ilícita causa a deixa a filho adulterino. Preliminarmente: a) ~ qnid inris, se os filhos adulterinos têm direito a alimentos? b) tQuid inris, se o testador adúltero é, no tempo da morte, viúvo? e) zQuid inris, se o testador é solteiro, quando a adulterinidade só é da parte da mãe do legatário? d) ,Quid juris, se o testador é casado? Confessemos que nos causa repugnância, e piedade, estar a discutir, para os efeitos práticos do direito nacional, se um filho quiçá menor, pobre tem direito a receber alguma coisa do seu pai. A função moral é evitar, nos indivíduos, os atos: inibir, rumar. Operar antes de se praticar o ato. Todos os seus efeitos posteriores são reações, externas, sanções da opinião contra o culpado, ou internas, remorso. Ora, a sanção moral, implicando a jurídica, contra o filho, é algo de maldição, que o direito devia riscar. a)Em se tratando de alimentos, vale, sem discussão, o legado. b)Em se tratando de testador viúvo, não há ofensa ao outro cônjuge, ao casamento: vale a herança ou o legado. e)Se solteiro, idem; a ofensa seria a terceiro, o cônjuge da mãe do beneficiado. d)Se o testador é casado, a) pode ocorrer que não se saiba da adulterinidade, b) ou não possa ser alegada, porque seria imputar prole ilegítima a mulher casada (art. 364, o), ou que o testador o diga, no testamento, ou por outro meio se saiba (como se consta da sentença, art. 405). Só os últimos casos (e) interessam, mas dêles são excluidos os legados de alimentos, casos (a). Verdadeiramente, a questão reduz-se a saber se, casado e não desquitado o testador, sabendo-se da adulterinidade, vale o legado de capital ao filho. A filiação legítima já foi protegida pela lei, com a metade necessária, O resto o testador distribui como entende, O ato de adultério deve manchar ao pai, não ao filho. ~ uma injustiça humana ferretear um ente, que talvez valha mais, moral e socialmente, do que os outros, a que a lei já protegeu. Cumpre ainda observar que a separação de capital que dê as rendas necessárias à alimentação é legado alimentar. Preponderou o que escrevemos há quase quarenta anos. O filho adulterino pode ser nomeado herdeiro ou legatário, porque, no direito brasileiro, não se estabeleceu incapacidade do espúrio (1.a Turma do Supremo Tribunal Federal, 27 de maio de 1943, 27 de julho de 1948, R.F., 97, 622, R. dos T., 184, 921; 1.a Câmara Cível do Tribunal de Apelação da Bahia, 26 de setembro de 1944, 155, 747; 43 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 1.0 de novembro de 1938, 91, 847; 1.a Câmara Cível do Tribunal de Apelação da Bahia, 26 de setembro de 1944, 1?. F., 102, 805). (Temos de atender à Lei n. 883, de 21 de outubro de 1949, art. 1.0, que permitiu, dissolvida a sociedade conjugal, o reconhecimento de filho havido fora do matrimônio e ao filho a ação para que se lhe declare a filiação. No art. 2.~, deu-se a êsse filho direito à metade da herança que vier a receber o filho legítimo ou legitimado.) Tem-se de repelir que o filho adulterino, ou reconhecido, por ter nascido antes do casamento do pai, que continuou com a amante, mãe do beneficiado, seja sempre interposta pessoa. Tanto mais quanto houve a legislação posterior ao Código Civil que pôs em situação mais justa, no direito de família e no direito das sucessões, os filhos adulterinos. Disse, e bem, no sentido do que sustentáramos no Tratado dos Testamentos, o Supremo Tribunal Federal, a 25 de janeiro de 1950 (A. J., 94,886): “Não há interposição proibida na deixa a filhos de concubina, se são também do testador. O ad. 1.720 do Código Civil não pode ser entendido nos rígidos têrmos em que é expendido, em face da legislação posterior...”). Tentou-se considerar nula a deixa ao filho da concubina, mesmo se o concubina’ foi posterior ao testamento (contra, a 23 Turma do Supremo Tribunal Federal, a li de abril de 1947, R.F., 120, 84: “exato que aqueles fato é superveniente ao testamento em sua feitura. E os extremos da lógica levaram a extrair dêsse fato conseqitências desfavoráveis à substância da liberalidade. Mas uma das características do testamento é a sua revogabilidade, elemento que se integra na definição mesma do instituto (art. 1.626) e que deriva do seu caráter unilateral e personalissimo. Ao simples e mudável alvedrio do testador, à sua vontade ambulatória é sempre possível infirmar o ato: ambukttúriti est voluntas defuneti usque ad vita et supremum exitum. Trata-se de principio recebido unânimente. E, se a faculdade de revogar não é exercitada, o que se verifica é a permanência da vontade que vitaliza o ato no instante da abertura da sucessão”). Convém lembrar alguns acórdãos a respeito de deixa a filho adulterino, que se pretende considerar interposta pessoa. A j•a Turma do Supremo Tribunal Federal, a 8 de abril de 1946 (R.fl, 112, 355), como a 27 de maio de 1943, foi expressiva, O Tribunal de Apelação de Alagoas, a 25 de julho de 1941 (1?. E., 89, S05), disse: “Cumprindo-se o art. 1.720 do Código Civil, de acôrdo com a sua letra e o seu objetivo, não se criou uma proibiçào absoluta para os filhos adulterinos herdarem por via testamentária. Se o testador é solteiro e apenas a concubina é
casada, nada impede que êle faça legado em favor do filho adulterino. Também, segundo PONTES DE MIRANDA, nos casos em que a concubifla tenha morrido, ou, por outra causa, não se puder beneficiar com o legado feito aos filhos, é êle válido, pois, nestas hipóteses, não se contraria a finalidade do citado art. 1.720. PONTES DE MIRANDA. de acôrdo com a corrente dominante, e contràriamente à opinião de FERREIRA ALvES, sustenta que os filhos adulterinos, posto que sem direito à sucessão legitima, estão de modo absoluto probidos de herdar de seu pai por meio de testamento”. § 5.815. Disposição a favor de incapazes de suceder 1. TEXTO DA LEI. Diz o Código Civil, art. 1.720: “São nulas as disposições em favor de incapazes (arts. 1.718 e 1.719), ainda quando simulem a forma de contrato oneroso, ou os beneficiem por interposta pessoa. Reputam-se pessoas interpostas o pai, a mãe, os descendentes e o cônjuge do incapaz”. 2.NULIDADE DERIVADA DA REGRA JURÍDICA. A parte final prevê a interposição do pai, m~e, descendente e cônjuge do incapaz. E o avô? Claro que se deve ler ascendentes, em vez de pai e mãe; êrro de técnica. A lei cria presunção de ser interposta a pessoa. Mas advirta-se em que, por vêzes, o pai, a mãe, os descendentes da concubina, não estão no lugar dessa, e sim por si mesmos: dá-se a dissociação, que elide a aplicabilidade da presunção lega]. Lembrem-nos os seguintes exemplos: o testador casou com a filha do que lhe escreveu o testamento, casamento válido e que opera os efeitos jurídicos, inclusive de fazer o cônjuge um dos eventuais herdeiros legítimos; o testador legou a pessoa que, mais tarde, casou com o oficial público; o testador casou com a concubina; e muitos outros. Cumpre notar, porém, que, ainda eliminada a presunção legal do art. 1.720, 2•a alínea, pode ser feita a prova da interposição. O testador deixou tôda a fortuna à concubina, mas sem a mencionar, por intermédio de um amigo. Se fôr provado que o amigo recebeu e entregou o que recebera, o juiz tem de considerar nula a deixa. Mas, ~se prova fôr feita de que tal procedimento foi suspensa, sem qualquer dependência para com a vontade do testador? Doação lícita do próprio amigo, e não fidúcia ilícita ou legados pro vide abiatis, que fôssem in fraudem legis. Afastada a interposição, a velada fiducialidade da herança ou legado, não cabe a nulidade. 8. PRESUNÇÃO. O art. 1.720, 2•a alínea, reputa interposta pessoa o pai, a m&e, o descendente ou o cônjuge do incapaz. Mas há outro pressuposto para a incidência da regra jurídica do art. 1.720, 1•a alínea, que é o beneficiante do incapaz. Assim, para que o filho adulterino possa s~r tido como interposta pessoa, é preciso que a liberalidade a êle beneficie a mãe. Têm alguns juristas interpretado o art. 1.720 como se fôsse nula a deixa ao filho adulterino, em qualquer hipótese.CLóVIS BEVILÁQUA (Código Civil comentado, VI, 1’70) escreveu: “A interposição dispensa prova. Resulta de uma presunção legal, que não admite prova em contrário”. Juristas repetiram-no. Alguns acórdãos são no mesmo sentido (e. g., 1•a Turma do Supremo Tribunal Federal, 8 de novembro de 1951, ltF., 142, 180). Na doutrina estrangeira muito se insistiu em se tratar de presunção inris et de jure. Do art. 1.720 do Código Civil quis-se tirar que é nula a disposição em favor do filho adulterino do testador porque assim se beneficiaria a concubina. Primeiro, ter-se-ia de alegar e provar que a intenção do testador foi beneficiar a concubina,. e não o filho adulterino; segundo, pode não mais haver qualquer relação entre o homem casado e a concubina, ou estar êle viúvo, ou ter-se casado com outrem a concubina. A discussão que ocorreu na 1•a Câmara Cível do Tribunal de Apelação da Bahia, a 26 de setembro de 1944 (1?. 1’., 102, 805), não desceu aos pormenores, ficando-se em tôrno de afirmações de extrema generalidade. O filho adulterino é capaz; a nulidade por interposição pode ocorrer mesmo se o filho não é adulterino. O que é preciso para que a disposição testamentária não seja válida é que se alegue e prove que se quis beneficiar a concubina, e não o filho. Ponhamos o problema em têrmos de agora, sem recebermos a influência de doutrina estrangeira, que não desceu a exame profundo. A mãe do filho adulterino do testador ainda em sociedade conjugal, mulher que seria incapaz de receber a deixa, não vive com o filho, que foi criado pelo pai, ou pelos avós paternos. Tal filho já tem filhos, que em caso de morte seriam os-seus herdeiros. ,‘,Onde o beneficiamento da mãe, que fôra concubina do testador? O filho adulterino pode ter sido adotado pela mulher do testador. ~ Onde o beneficiamento da concubina do testador? O filho deserdara a mãe. Onde o beneficiamento da mãe com a deixa ao filho? O filho adulterino pode ser o único filho do testador. ~, Como seria admissível que se reputasse interposição a nomeação do único descendente como legatário ou herdeiro? A deixa ao filho da concubina, que não é filho do testador, é deixa a interposta pessoa, porém, a despeito de haver maior dificuldade de se provar que a intenção do testador não foi a de beneficiar a concubina, não se afaste, de modo absoluto, a prova de que não houve a interposição. Por exemplo: o filho da concubina salvara a vida do testador, por ocasião de incêndio, e com isso sofrera queimaduras. Cf. Tribunal de Apelação de Alagoas, a 25 de julho de 1941 (R.F., 89, 805) : “. . .segundo PONTES DE MIRANDÁ, nos casos em que a concubina tenha morrido, ou, por outra causa, não se puder beneficiar com o legado feito aos filhos, é êle válido, pois, nessas hipóteses, não se contraria a finalidade do citado art. 1.720”.
§ 5.816. Liberdade de testar e quota necessária 1.LIBERDADE DE TESTAR. No terreno da herança necessária é que se trava a discussão da liberdade de testar, problema de que nos ocupamos no Tomo LV. Certo, hoje em dia, a questão se estabelece na preliminar: ~ deve, ou não, haver um direito de sucessão? A verdadeira solução nós. a demos: se há sucessão, deve haver herdeiros necessários; a liberdade de testar podia ser defendida com argumentos de ordem sociológica e moral, alguns. políticos, quando só se tinha de enfrentar a questão da porção necessária, que ela, por definição, nega, mas, no momento em que o único argumento de pé a favor da sucessão individualista é a simetria da herança econômica com a herança biológica, psicológica, educacional, torna-se bem árduo defender a liberdade integral de dispor. Se há pátrio poder e herança, deve haver herdeiros necessários. Sucessão sem direito hereditário forçado é individualismo na vida e na morte. Comunidade de filhos e pais, como entre os germanos, compreende-se; propriedade social, sem sucessão e, pois, sem a espécie mais respeitável, que é a necessária, também se compreende. Ora, sucessão individualista com a plena liberdade de testar só a fantasia podia aceitar fora das circunstâncias gerais da Roma patriarcal, prepotente, rígida, que passou, como tudo, e dos anglo-saxões da er~ individualista e mercantilista. Demais, as razões de sucessão na profissão, no labor da terra, das minas, deixaram de existir: cada vez mais a distribuição profissional terá de atender a outros fatôres, individualíssimos alguns, pelos quais se verifique a aptidão, se dê a orientação e se proceda à seleção. A liberdade de testar que obrigasse a respeitar tais indicativos e imperativos de ordem científica e política deixaria de ser a si mesma: não seria liberdade. Enquanto os bens da vida não se socializarem, o direito hereditário necessário deve existir. O Estado, que o abolir, tem, prêviamente, de assegurar o sustento e a educação dos descendentes de mortos. Ora, será, no terreno econômico-financeiro, impossível (afaste-se a hipótese de se tornar possível pela limitação matemática de nascimentos) assegurá-los, conservando-se a sucessão individualista, com a liberdade de testar. É difícil compreender que se permita a sucessão individualista com a liberdade de dispor em absoluto: individualismo que passa além do túmulo, individualismo que ou demonstra a ofensa ao officium pietatis (nas sociedades em que os filhos dependem dos pais e das posses e situação dos pais, fenômeno que existirá em quanto existir sucessão individualista), ou ao color insaniae. Para nós outros, que vemos os fatos, a história da querela inolficiosi e a da reserva germânico-costumeira constituem experiências vivíssimas. Se hú sucessdio individual, deve haver necessariedade da sucessão dos descendentes. A sucessão necessária, a quota mínima dos filhos, dos netos, só deve desaparecer com a sucessão individualista, O que pode e deve acontecer é a adoção de medidas que progressivamente as desindividualize, a ambas, a sucessão individualista, que é o gênero, e a espécie, que é a sucessão necessária dos descendentes. Propositada a nossa exclusão dos ascendentes e dos colaterais: há interêsses respeitáveis em causa, mas o problema não é o mesmo; tôda boa política olha o que vem e faz o possível pelos que estão a passar. Todo o problema político de ordem geral recai nos jovens. De modo nenhum pode o testador estabelecer sucessividade quanto à herança necessária (e.g., instituir fideicomisso, cf. 4•a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 22 de fevereiro de 1945, R. dos T., 161, 159; 2.~ Câmara Civil, 16 de maio de 1983, 88, 109). 2.PORÇÃO DISPONÍVEL. A contra-parte da quota necessária chama-se porção disponível. O art. 1.576 do Código Civil anuncia o art. 1.721. “Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança”, diz o art. 1.576. § 5.516. LIBERDADE DE TESTAR Na 1•a parte do art. 1.721 dir-se-á o mesmo por outras palavras: “O testador que tiver descendente ou ascendente sucessível não poderá dispor de mais de metade de seus bens”. Como se vê, entra-se em repetição escusada: na primeira estatuiu-se que necessários só havia descendente e ascendente, na 2•a só se introduz, de nôvo, que os descendentes excluem os ascendentes. Necessariedade subsidiária. E dá-se nome à quota necessária, nome ambíguo, que mais uma vez evidencia a manca terminologia do autor do projeto primitivo. Legítima, diz-se. Ora, legítimas são as porções dos herdeiros legítimos; legitimas forçadas, quotas necessárias, etc., compreenderse-ia que se dissesse. Reserva diria melhor, sem dizer bem. Aliás, na doutrina tradicional, a expressão portio legitima concorreu para isso. Ora, se atendermos a que a querela inoficiosi (da era clássica) constituía remédio jurídico processual coordenado a sucessão legítima (ao contrário da ação de nulidade, pelo color insania.e) o têrmo é justo: todos os herdeiros cognados eram necessários; pretoriana a sucessão, pretoriana a querela. Mas a fixação posterior tinha por fito critério quantitativo para a exclusão da querela, e não direito dos herdeiros aos bens, noção que só se adquiriu depois, com a influência germânico-costumeira. Os textos falam de quarta debita potionis, da quarta parte da porção devida (L. 8, § 8, D., de inoficiaso testamento, 5, 2). Quortam legitima.e partis está no § 3, 1., de inofficioso testamento, 2, 18, o que se há de traduzir por quarta da parte legítima. A despeito de
B. WINDSCHEID (Lehrbuch deg Pandektenrechts, III, § 578, nota 8) consignar fortio legitima, não encontramos textos clássicos. Como E. WINDSCHEID, os anteriores, O. F. PUCHTA (Pandekten, 9•a ed., 701), C. O. VON WÃCHTER (Pandekten, II, 829) e os demais. 3.PORÇÃO DISPONÍVEL DITA ANÔMALA. Se os bens existentes ao tempo da morte forem todos absorvidos pelas dividas, e existirem doações conferiveis, a quota de cada herdeiro será a fração da soma das doações conferidas, igualadas, portanto, as doações, eu cortadas a um, ou alguns, para que a todos os herdeiros se dê o seu quinhão. Dai dizer M. A. COELHO DA ROCHA (IhstUzflçteà de Direito Civil português, 1, 88 ed., §§ 241 e 350) que, absorvidos, pelas dívidas, os bens existentes, havendo doações conferíveis, estas formam a massa das legítimas. No art. 1.724 do Código Civil, diz-se que “o herdeiro necessário, a quem o testador deixar a sua metade disponível, ou algum legado, não perderá o direito à legítima”. Não se precisava redigir a regra jurídica, porque resulta dos conceitos de porção indisponível (dita, ai, “legítima”) e de disposição testamentária. O herdeiro necessário pode ser contempiado no todo ou em parte da porção disponível, ou em herança ou em legado. O que se lhe atribui como em herança testamentária ou em legado se rege pelo direito testamentário. 4.PRINCIPIO DA INVIOLABILIDADE DA QUOTA NECESSÁRIA. O testador não pode privar das quotas necessárias, da fração na porção indisponível, na portio debita ou legitima, os herdeiros necessários. Por isso mesmo, não pode: a) deixar-lhes, para nela serem computados com valor estimativo, ou fixado pelo testador, bens constantes do seu acervo; Lfl ordenar que o herdeiro entregue coisa de sua propriedade a outrem (Código Civil, art. 1.679), porque, se o não cumprir, nenhuma conseqUência terá que lhe diminua a quota necessária; salvo, está visto, quando o -contemple a mais, testamentàriamente, e ordene a entrega conforme o art. 1.679, porque se trata, em tal caso, de herdeiro testamentário, cuja quota necessária se rege, incólume, por outros princípios; e) onerar com encargos ou apor-lhe condições, porque são nulos; 4) impor legados ao herdeiro necessário. A necessariedade da herança faz intangível a porção legitima necessária. As medidas tocantes à proteção da porção começam em vida do testador, para que não possa doar, em vida, a ponto de atribuir a outrem o que não poderia deixar em testamento. Tem-se de saber, no momento de cada doação, o que é que poderia o doador, em negócio jurídico unilateral testamentário, fazer objeto de disposição testamentaria. De qualquer modo, ao tempo da morte do testador, têm-se de somar os atos de liberalidade, em vida e a causa de morte, para se saber se caberiam na metade disponível. As liberalidades poderiam já ter infringido a intangibilidade da porção necessária, o que as teria feito inválidas. No direito anterior, se descendente o testador, não poderia obrigar os ascendentes a receberem determinados bens em vez da quota nos bens deixados, excluídos os legados, porque a partilha pelo testador (hoje, art. 1.776) só se referia a linha reta descendente (M. A. COELHO DA ROCHA, Instituições de Direito Civil português, 1, 3~ ed., § 351) ; mas o Código Civil, que manteve a referência a pai (art. 1.776), permite ao testador, ascendente ou descendente, mandar convertê-los em outras espécies e gravá-los com restrições de poder, de acôrdo com o art. 1.728. Tal artigo explicitamente se refere aos ascendentes e aos descendentes. O art. 1.776 seguiu a tradicional doutrina da partilha, feita pelos pais, dos bens deixados aos filhos (leia-se descendentes) ; porém o art. 1.723, inspirado em lição mais moderna, abriu a brecha em tôda a linha reta, de modo que os descendentes não podem, em vida, partilhar os bens dos ascendentes sucessiveis e só o podem os ascendentes quanto aos bens dos descendentes sucessíveis, porém é-lhes facultado convertê-los. Ora, converter, é alienar e comprar outro; portanto, destinar um bem, que já se tem, a A, e o outro, a E, seria menos do que converter: pode o mais, não pode o menos. Absurdo seria; donde devermos permitir o menos, pois que se permitiu o mais, e ler o art. 1.776 como se dissesse: “É válida a partilha feita por ato entre vivos ou de última vontade, contanto que não o prejudique a metade devida aos herdeiros necessários”. Ai estão ascendentes e descendentes. Cumpre, porém, que se recorde a exposição do Tomo LV. Enquanto as doações a estranhos, ou a sucessíve~s legítimos que não são descendentes, são doações definitivas, que têm de caber na quota disponível, as doações e outras liberalidades a descendentes têm-se como adiantamento da legítima do herdeiro necessário descendente, salvo se o doador afasta a incidência da regra jurídica, Daí poder ocorrer que, a despeito de se ter de saber, a cada doação, qual, no momento, o valor da porção disponível, os valôres dos adiantamentos de legítima tenham sido maiores, de modo que, ao morrer o decujo, a porção disponível seja pequena em relação ao que receberam e recebem os herdeiros legítimos necessários, descendentes do decujo. 5.HERDEIROS NECESSÁRIOS Diz o Código Civil, artigo 1.721: “O testador que tiver descendente ou ascendente sucessível, não poderá dispor de mais da metade de seus bens; a outra pertencerá de pleno direito ao descendente e, em sua falta, ao ascendente, dos quais constitui a legitima, segundo o disposto nesse Código (arts.
1.608-1.619 e 1.728)”. 6.NATUREZA DO DIREITO DOS HERDEIROS NECESSÁRIOS. Os herdeiros a que o ari. 1.721 chama necessários são no essencialmente e não formalmentee. O direito brasileiro 1180 11 a hereditafledrade necessáfia jorntil. A quota necessária incide no aceno, cinde-O, como vocação forçada, fenômeno hereditário-real, no que difere do Piíichtteilecht dos alemães, que é um direito de obrigação, a reserva, tal como a tem o Código Civil alemãO, ~§ 2.808 s. Se o testador alemão dispõe da sucessão e exclui o descendente, os pais, ou o cônjuge, os excluídos podem pedir a reserva, Pftichtteil. Muito diferente, portanto, da quota necessária do direito brasileiro, que existe intacta, abstratamente separada, fora dos bens testados e a despeito das vontades expressas, contrárias, do testador. A existência de herdeiros necessários faz com que, à abertura da sucessão, o monte hereditáriO se parta ao meio, metade vá aos herdeiros necessários e metade àqueles que o testador tinha indicado, ou o. que, na falta da vontade declarada, devam ir. No Brasil, porção disponível e porção necessária são quantidades invariáveis. A metade da herança, cada uma; e não fixada em razão do número dos filhos, como seria mais racional. Na França, a variabilidade cessa além do quarto filho. O fracionamento invariável, que contém em si certa injustiça, simplifica as questões relativas à abstenção e à porção necessária, assaz renhidas no direito francês. 7.DESCENDENTES E ASCENDENTES. Têm direito à porção necessária: a) os descendentes legítimos e iegitimados, os naturais reconhecidos b) o filho adotivo, que poderá concorrer com o filho superveniente à adoção e, nesse caso, só herdará a metade do quinhão que couber àquele, ou a cada um dêles, se mais de um forem (art. 1.605, § 2.0) ; o) os ascendentes (art. 1.603, n> legítimos e os naturais, que reconheceram ou legitimaram; á) o pai adotivo, se não existirem o pai e a mãe do adotado, ainda que existam outros ascendentes (artigo 1.609, parágrafo único) 8.DESTINO DOS BENS NÃO DISTRIBUÍDOS NO TESTAMENTO. O que só deixa cônjuge, irmãos, ou outros colaterais, pode dispor de tôda a herança. Se há herdeiros necessários, a quota disponível poderá ser aplicada em heranças, legados, com as condições, modos, recomendações, e as restrições de poder, que o testador quiser. Quanto à porção necessária, a lei não permite condição, ném modas, que feririam o principio da inviolabilidade das quotas necessárias; só abriu a exceção do art. 1.728. Se o testador sem herdeiros necessários não dispôs de tudo que tinha, aplicam-se os arts. 1.574 e 1.673 (dispositivo 1) ; se tiver herdeiros necessários e não dispôs de tôda a metade disponível, ou, morrendo testado, de nada dispôs, observar-seao art. 1.726 (interpretativo!). 9 DA METADE DISPONÍVEL. Diz o Código Civil, art. 1.722: “Calcula-se a metade disponível (art. 1.721) sôbre o total dos bens existentes ao falecer o testador, abatidas as dívidas e as despesas do funeral”. E no parágrafo único: “Calculam-se as legítimas sôbre a soma, que resultar, adicionando-se a metade dos bens que então possuía o testador, a importância das doações por êle feitas aos seus descendentes (art. 1.785)”. 10.CÁLCULO DA PORÇÃO DISPONÍVEL. Calcula-se a metade disponível dividindo-se pelo meio a soma dos valôres dos bens existentes à época do falecimento do hereditando. Não se trata dos valôres ao tempo do falecimento, coisa que só interessa ao impôsto; mas dos valôres ao tempo da liquidação dos bens existentes ao tempo do falecimento. É isso que se divide por dois, a metade necessária, a metade disponível. Assim, se, ao tempo da abertura da sucessão, a herança total, com os prédios, valia x e, avaliados êsses, antes de passar em julgado a partilha, se incendeiam, metade disponível é x menos a perda dos prédios dividido por dois. Se o falecido era casado pelo regime da comunhão de bens, há duas operações a fazer: a) a de divisão dos bens comuns (metade ao cônjuge sobrevivo, metade à herança); b) a da divisão dos bens hereditários (a metade à herança, de que se falou) em porção necessária e porção disponível. Se não há herdeiros necessários, o testador pode dispor de todos os seus bens. A metade disponível pode ser menor que a soma dos quinhões necessários efetivamente recebidos. Tal paradoxo resulta das colações, que aumentam a porção necessária, porém não a metade disponível (art. 1.785). a) No direito que rege a relação jurídica entre o titular, os escreventes e os demais auxiliares, apenas se estabelece limite de mínimo salarial, ficando-lhes, com o consentimento do Corregedor, a faculdade de convenção a propósito de honorários, vedações de contacto durante o tempo de serviço, faltas e outros assuntos disciplinares, bem como no tocante à remuneração. b)Quando algum negócio jurídico bilateral, ou plurilateral, ou, embora seja menos freqUente a ocorrência, unilateral, contém cláusula de duração que se refere a condição resolutiva ou a termo resolutivo e, no momento da assinatura, a condição já se impliu, ou já adveio o termo, o negócio jurídico não entra no mundo jurídico. Seria atribuir-se eficácia ao que não a podia ter tido. Se, em vez disso, é após a assinatura, no mesmo dia, ou no dia seguinte ou algum tempo depois, que há o
implemento da condição, ou o advento do termo, a resolução sobrevém. O negócio entrou no mundo jurídico e, por menor que tenha sido o lapso, havia a resolutividade e deu-se a resolução. Se tarda o implemento da condição, ou o advento do têrmo, continua a vinculação. Os que aceitaram as doações, que constam de escrituras devidamente assinadas, com os val~res da época, tiveram adiantamentos de legitima, ou doações tiradas da parte disponível. Pela lista dos bens e, a fortiori, por serem quase tôdas as doações em adiantamento de legítima, nenhuma infração houve ao art. 1.176 do Código Civil. O que seja da porção disponível de modo nenhum fere os arts. 1.721 e 1.722, nem o art. 1.722. parágrafo único. Por ocasião da morte do doador é que se tem de levar a colação o valor de tudo que foi doado (cf. art. 1.792), como incluso na parte disponível, ou no adiantamento da legítima (art. 1.785). É então que se sabe qual o valor da parte legítima e qual o valor da parte disponível. Se alguém recebeu mais do que pode caber na porção disponível, quer a título de doação de valor inserível na porção disponível, quer de valor da quota de legitima, então há a redução. Para isso, o que importa é saber-se, se, ao morrer, o doador não poderia dispor daquilo de que dispôs como incluível na porção disponível, porque, se poderia dispor, mesmo se doou, a título de adiantamento de legitima, mais do que seriam as legítimas doS herdeiros necessários, o excesso, doado a titulo de adiantamento de legítima, é considerado a título de doação de fração da parte disponível (art. 1.726). 11. PORÇÃO NECESSÁRIA SE HÁ SUCESSÍVEIS RENUNCIANTES Se, por ocasião da abertura da sucessão, algum dos chamados renuncia a herança, cumpre distinguir: a)se o herdeiro é legítimo (necessário ou não), a parte do abstinente ou renunciante vai aos outros herdeiros da mesma classe (necessários ou legítimos, do mesmo grau, quis-se dizer a lei), ou, se êle é o único dela, aos da classe subseqUente (artigos 1.588 e 1.589); b) se é herdeiro testamentário, ou se dará o direito de acrescer (arts. 1.710 e 1.712), ou não se dará, e então irá aos herdeiros legítimos a quota vaga no nomeado (art. 1.718). Temos, portanto, de examinar três casos: a)Abstenção do herdeiro necessário (não digamos legítimo, porque o direito brasileiro não conhece sucessão em que concorram necessários e simplesmente legítimos). Se houve abstenção, ou abstenções, a porção necessária cresce, em vez da metade abstrata, passa a ser, concretamente, a metade abstrata mais a fração em que o numerador é o número dos abstinentes e o denominador o número de herdeiros que foram chamados. Já não é metade, e sim mais do que a metade da herança. A recusa do herdeiro necessário não aproveita aos herdeiros testamentários salvo se todos recusarem, não houver outros sucessíveis necessários e couber chamada dos instituidos a tôda a herança ( inclusive a necessária, se houve renuncia), o que raramente acontece. 14 Se o renunciante é instituído e há direito de acrescer, nenhum direito terá o herdeiro necessário; salvo se todos os instituidos renunciarem, porque, então, as quotas irão ao> herdeiros legítimos, que são, na espécie, os necessários: deu-s, a sucessão legítima (art. 1.575). c)Se o herdeiro instituído renuncia, sem que caiba direito de acrescer (art. 1.718), o herdeiro necessário recolhe es bens. Mas há diferença notável. Nos casos da espécie a), a por-são dos herdeiros necessários cresceu: tôda a herança foi aos herdeiros necessários e por sucessão legitima necessária, uma de cujas consequências é pagar o impôsto de sucessão necessária. Nos da espécie b), não há distinguir da quota necessária a quota legítima, não há a distinção, porque não há oposição com os herdeiros testamentário só há uma classe de herdeiros, legítimos de linha reta. Nos da espécie c), a sucessão é legítima (não-necessária). Não confundamos com a espécie do art. 1.726, onde o herdeiro necessário é um mediatamente instituido. 12.PORÇÃO NECESSÁRIA E HERDEIRO NECESSÁRIO TAMBÉM INSTITUIDO. A lei conhece dois casos de instituição do herdeiro necessário: a) a que se faz em verba testamentária e. neste, o herdeiro necessário sucede necessàrial»ente na parte indisponível e testamentàriamente na em que foi contemplado; 6)a que resulta do art. 1.726, instituição a que chamamos mediata, assaz interessante nas suas consequências práticas. Em qualquer dêles, o herdeiro sucede ex testamento, sendo, como é, inter’pretativo o art. 1.726. Não se confunda com os casos em que há superveniência de inaplicação da quota disponível, como se o herdeiro testamentário renuncia sem terem os demais o direito de acrescer (ad. 1.713). 18.CÁLCULO PRATICO DAS PORÇÕES NECESSÁRIAS. A lei manda que se calcule, em primeiro lugar, a porção disponível, porque não é suscetível de aumento. Partem-se em duas metades os bens deixados pelo testador. Depois, à metade necessária soma-se o que os descendentes (ja lei, no art. 1.722, parágrafo único, somente se refere a descendentes!) devem colacionar. O que pelos herdeiros necessários ter-se-á de partir não será a metade necessária do primeiro cálculo, mas a soma (metade + bens colacionados) do segundo (art. 1.785). Os ascendentes não são obrigados a colação, porque são dois, quatro, oito, dezesseis e assim por diante, provàvelmente pré-morreram, e a porção necessária estará mais. ou menos assegurada pela inoficiosidade ordinaria das doações (artigo 1.176).
14.CLÁUSULAS DE INALIENABILIDADE E DE INCÚMUNICABILIDADE. Diz o Código Civil, art. 1.723: “Não obstante o direito reconhecido aos descendentes e ascendentes no artigo 1.721, pode o testador determinar a conversão dos bens da legítima em outras espécies, prescrever-lhes a incomunicabilidade, confiá-los a livre administração da mulher herdeira, e estabelecer-lhes condições de inalienabilidade temporária ou vitalícia. A cláusula de inalienabilidade, entretanto, não obstará à livre disposição dos bens por testamento e, em falta dêste, a sua transmissão, desembaraçados de qualquer ônus, aos herdeiros legítimos A impenhorabilidade relativa dos frutos e rendas dos bens inalienáveis foi-se estabelecendo no direito lusobrasileiro, até que se fêz regra de lei. A elaboração foi lenta, como se pode ver em AlVARO VÂLASCO (Coasultationum, 1, 188), em MANUEL MENDES DE CASTRO (Practica Lusitana, 1, 99) e nos comentadores da Ordenação do Livro III, Título 98, § 1. O art. 948, 1, do Código de Processo Civil cria caso de impenhorabilidade prôpriamente dita, ressalvando os frutos e rendimentos destinados à alimentação de incapazes ou de viúvas ou solteiras, inovação digna de aplausos. Se os frutos e rendimentos foram gravados de inalienabilidade (podendo ser, segundo a lei material), então são impenhoráveis prôpriamente ditos, e não se lhes aplica o ad. 948. Se os frutos e rendimentos podem ser gravados é questão de direito material; se podiam, cabem êles no art. 942, 1, do Código de Processo Civil. A Lei n. 1.889, de 81 de dezembro de 1907, art. 39, criou no direito brasileiro a exceção ao princípio da inviolabilidade dos quinhões necessários, que o Código Civil, no ad. 1.728, acolhe. Desde aquela época o direito brasileiro se afastou da tradição luso-brasileira, contida nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Titulo 79, § 8.0. O Decreto n. 8.725, de 15 de janeiro de 1919, deu a forma atual à regra jurídica, que, ao aparecer o Código Civil, dizia: “A legítima dos herdeiros, fixada pelo art. 1.721, não impede que o testador determine que sejam convertidos em outras espécies os bens que a constituiam, lhes prescreva a incomunicabilidade, atribua a mulher herdeira a livre administração, estabeleça as condições de inalienabilidade temporária ou vitalícia, a qual não prejudicará a livre disposição testamentária, e, na falta desta, a transferência dos bens aos herdeiros legítimos, desembaraçados de qualquer ônus”. O testador pode inserir no testamento a cláusula de impenhorabilidade dos frutos e rendimentos, o que é plus em relação à cláusula de impenhorabilidade ou de inalienabilidade dos bens deixados. Assim, quando a lei processual estabelece que podem ser penhorados, à falta de outros bens, os frutos e rendimentos dos bens inalienáveis, salvo se destinados a alimento de incapazes ou de mulheres viúvas ou solteiras (Código de Processo Civil, art. 948, 1), tem-se de entender que se supôs não haver cláusula de impenhorabilidade que atinja os frutos e rendimentos. A impenhorabilidade dos bens de que fala o Código de Processo CIvil, art. 948, é apenas se e enquanto há outros bens que bastem. Mais ordem, graduação, de penhora do que impenhorabilidade. Conserva-se, na técnica legislativa, como impenhorabilidade, por ser difícil mencionarem-se os bens entre a última classe de bens subordinados à graduação (artigo 930, V) e êsses. A impenhorabilidades relativa do Código de Processo Civil, art. 943, 1, supõe que os frutos e rendimentos sejam penhoráveis (certa, a 2•a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 4 de maio e a 14 de setembro de 1948, 1?. dos 7’., 148, 207 e 227; errada, a ta Turma do Supremo Tribunal Federal, a 24 e a 27 de maio de 1948, E. dos 7’., 161, 286; E. F., 97, 100, mas certa, a 2~a Turma, a 28 de junho de 1945, OD., 84, 213, a 1.0 de julho de 1948; Supremo Tribunal Federal, 8 de novembro de 1950, A.J., 97, 23; 23 Turma, 27 de janeiro de 1950, 94, 228; certas, a 13 Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 18 de março e a 8 de maio de 1944, E. dos 7’., 152, 605, e 192, e a 2~a Câmara Civil, a 5 de setembro de 1944, 158, 623, mas errado, o 19 Grupo de Câmaras Civis, a 28 de novembro de 1944, 158, 191). O testador pode gravar de inalienabilidade, de incomunicabilidade e de outras restrições de poder o que deixa em herança ou em legado. A lei permite que a cláusula de inalienabilidade, de incomunicabilidade, bem como a de livre administração pela mulher herdeira, recaia sôbre bens da própria herança necessária, e que se estabeleça a conversão. Não se precisava dizer que tais permissões podem atingir as quotas legítimas não-necessárias e, a fortiori, as heranças testamentárias e os legados. Nenhuma distinção se há de fazer entre deixas testamentárias a filhos legítimos e ilegítimos, inclusive adulterinos ou incestuosos. Apenas há a regra jurídica do art. 1.719, III, do Código Civil, atinente à concubina do testador casado. Ao herdeiro ou legatário usufrutuário é exigível a caução de que fala o art. 729 do Código Civil. O testador pode dispensar tal dever. O bem inalienável é impenhorável e não pode ser objeto de gravame de direito real (usufruto, uso, habitação, penhor, hipoteca, anticrese, servidão), nem sofre o titular usucapião, qualquer que seja o tempo. A cláusula de inalienabilidade contém a de impenhorabilidade, bem como a de incomunicabilidade. Bens inalienáveis são incomunicáveis (PASCOAL JOSÉ DE MELO FREIRE, Institutwnes luris Civilis Lusitani, ~j, 5a ed., 124: “universalis enim hodie haec communio est, et comprehendit ea omnia bona, quae alienari possunt”). Cf. 1•a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 9 de outubro de 1947 (R.F., 119, 503) 13 Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, 22 de agôsto de 1944 (102, 103).
No art. 262, XI, do Código Civil excluem-se da comunhão matrimonial de bens os que provêm de herança (dita, lá, necessária, a que foi imposta a cláusula de incomunicabilidade. A despeito das duas referências à herança “necessária” e à cláusula de incomunicabilidade, o que se há de entender é que são incomunicáveis quaisquer bens doados ou herdados, seja com a cláusula de incomunicabilidade, seja com a de inalienabilidade, que é abrangente daquela. Não é inalienável, sempre, O que é incomunicável, mas o inalienável é incomunicável. Cf. 1•a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 9 de outubro de 1947 (R.F., 119, 508). Quanto aos bens herdados pelos herdeiros necessários, se inalienáveis, não são os únicos bens incomunicáveis: se foi gravada a herança dos legítimos não necessários ou dos herdeiros testamentários ou legatários, dá-se o mesmo. O testador, como o doador, pode gravar de inalienabilidade, mas afastar a proibição de incomunicabilidade (e. g., “deixo a B o prédio da rua tal, com a cláusula de inalienabilidade, sem que com isso se dê incomunicabilidade ao bem”; ~‘deixo a B a metade da parte disponível, com a cláusula de inalienabilidade, sem que sejam incomunicáveis, pelo casamento, os bens”). Tem-se de assentar que, na dúvida, quanto a ter o testador estabelecido a incomunicabilidade como inclusa na inalienabilidade, ou não tê-lo feito, o que se há de acolher é a inclusão (no tocante à discussão, acertadamente, Câmaras Civis Reunidas do Tribunal de Apelação de São Paulo, 21 de agôsto de 1942, R. dos T., 145, 265; cp. 43 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 29 de novembro de 1951, 198, 316, certa a 20 de julho de 1944, 152, 651). Se a cláusula de inalienabilidade continha a de incomunicabilidade, com a morte do beneficiado extingue-se a clausulação (2.a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 6 de junho de 1944, R. dos 7’., 154, 708). Se houve comunicação, tem-se de interpretar a disposição testamentária para se saber se o testador quis a inalienabilidade além da vida da beneficiada, aí vida do cônjuge. Na dúvida, não o quis. A cláusula de inalienabilidade e a de impenhorabilidade podem ser a respeito de bem deixado em usufruto ou em nua--propriedade, ou em fideicomisso, quer se refira ao fiduciário, quer ao fideicomissário. Cf. 83 Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 16 de dezembro de 1949 (Á.J., 95, 201). Qual o interêsse é questão de interpretação da verba testamentária. Se não se têm dados suficientes para a revelação, seria absurdo voltar-se ao texto de Severo e Antonino, de que falou MARCIANO, na L. 114, § 14, D., de legatis et fideicominissis, 30, e segundo o qual da irrevelabilidade resulta a inexistência da cláusula (“nisi invenitur persona, cuius respectu hoc a testatore dispositum est, nuílius esse momenti scripturam”). O interêsse pode ser objetivo, como se testador quis que se aguardasse momento para o tombamento do prédio, ou funcionamento da fábrica naquele lugar. Quanto aos tributos, sómente poderia haver penhora por tributos concernentes ao bem inalienável (e, pois, em princípio, impenhorável) ou ao bem impenhorável. -Se o testador inseriu a cláusula de inalienabilidade, ou outra, aludindo à vida do usufrutuário, ou do fiduciário, ou dando outro prazo, discute-se se o nu-proprietário ou o fideicomissário está sujeito à permanência da cláusula se o herdeiro ou legatário usufrutuário ou o herdeiro ou legatário fiduciário renuncia a herança. A 13 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 12 de abril de 1953 (1?. dos 7’., 218, 189), respondeu, em geral, que não se podia requerer o cancelamento. Tem-se, porém, de verificar se a clausulação foi por interêsse objetivo do testador (e. g., conservar a casa em que viveu a família como propriedade de herdeiro ou legatário, parente ou amigo), ou se o interêsse era só subjetivo (e. o., proteger o usufrutuário, ou fiduciário). Em caso de morte do usufrutuário, ou do fiduciário, depois da sucessão, cessa a cláusula de inalienabilidade (cf. 43 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 22 de janeiro de 1948, R. dos 7’., 172, 204). A cláusula de inalienabilidade pode ser quanto ao direito fiduciário, como quanto ao direito fideicomissário, ou quanto aos dois. Quem doa ou deixa em testamento a B a propriedade, com ressalva de usufruto, pode gravar a propriedade. Os argumentes de acórdãos, como o da 43 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 14 de março de 1946 e a 11 de dezembro de 1947 (R. dos 7’., 161, 264, e 172, 196) e de alguns juristas, são frágeis. O testador deixou a B, herdeiro ou legatário, com a cláusula de inalienabilidade ou outra cláusula. Com isso, não fêz sucessiva a cláusula, porque, se o caso é de usufruto e de nua-propriedade, há dois beneficiados em direitos diferentes, e seria de repelir-se que a nua-propriedade não pudesse ter a clausulação de inalienabilidade ou outra clausulação. Se o caso é de fideicomisso, cada beneficiado recebe o que lhe foi deixado e a cláusula de inalienabilidade pode recair na propriedade fiduciária ou na fideicomissária, ou nas duas, separadamente. Não se diga que são vedados fideicomissos de segundo grau, porque o assunto nada tem com isso. Nem se invoque o art. 1.728, in une, onde se diz que “a cláusula de inalienabilidade não obstará a livre disposição dos bens por testamento e, em falta dêste, a sua transmissão, desembaraçados de qualquer ônus os herdeiros legítimos”. A cláusula de inalienabilidade ou outra nada tem com o afastamento do obstáculo à sucessão, porque o nu-proprietário, como o fideicomíssário, sucedeu ao testador, e não ao usufrutuário ou ao fiduciário. Quando o nu-proprietário fizer o seu testamento, de modo nenhum se há de preocupar com a cláusula de incomunicabilidade, ou outra cláusula. Quando o fideicomissário fizer o seu testamento, pode prever a inalienabilidade, se assim o entende, ou abstrair disse de modo que o seu sucessor ou seus sucessores herdam bens não clausulados.
15.NATUREZA DAS RESTRIÇõES DE PODER. Diante das cláusulas restritivas, como a de inalienabilidade, de incomunicabilidade, e tantas outras, os juristas no seu pendor de querer explicar o desconhecido pelo conhecido, em vez de procurar, como é próprio dos sábios, descobrir o desconhecido e explicá-lo, sabendo depois se deve ou não entrar numa das categorias antigas e vulgares, quiseram, uns reduzi-las a condições, outros a encargo ou modus, e outros, finalmente, em desespêro, a incapacidades. Teremos de mitidear os males de tal vício, que já apontamos e censuramos, noutros e neste assunto; e ver-se-á que o acerto estava com F. REGELSBERGER nas três linhas em que deu nome ao fenômeno, nôvo que era e merecia denominação autônoma: “restrições de poder”. Nas condições, o disponente diz dou mas perderá se isso ocorrer (é a resolutiva), ou dou desde que isso ocorra (é a condição suspensiva). Naquela, a propriedade é já do beneficiado; nessa, não: condicio sus pendit. No encargo (e longamente dêle tratamos, para que tenhamos de insistir nos seus traços diferenciais), nem se suspende a aquisição, nem se postula a resolutividade: o beneficiado tem de cumprir aquilo de que se lhe dá o encargo. Certo, há modas associado a condição suspensiva, ou a resolutiva; mas o relógio de ouro em caixa de madrepérola não é relógio de madrepérola. 16.DIvERGÊNCIAS NA CLASSIFICAÇÃO. As cláusulas de inalienabilidade e as outras, entendem alguns que são condições impostas; outros optam pela figura do modas, e na tortura que lhes traz o problema entendem outros que há obrigação de não fazer na inalienabilidade, e de fazer, noutras, como a conversão. Alguns preferem teoria da indisponibilidade real, outros, desenganados, recorrem à incapacidade dos sujeitos, como se a imposição das cláusulas os rebaixasse à categoria jurídica dos menores e interditos. Examinemos as soluções propostas, que assoberbam milhares de páginas de discussão sutil e improfícua. Na resolutiva (porque a condição suspensiva nada teria que ver com as cláusulas de inalienabilidade e as outras), se houver infração, o proprietário perde o bem, porque se lhe resolve a propriedade. Ora, não é isso o que ocorre com as cláusulas. Entende-se que o testador conceba a proibição de alienar como resolutiva, mas isso não é o que ordinàriamente acontece, nem seria aquilo a que se chama cláusula de inalienabilidade. Mais: ou seria condição aposta a contrato, ou doação, mas de direito das obrigações, resolutiva do contrato, ou de direito das coisas, e teríamos a figura da propriedade resolúvel. Ali, alienar seria infração obrigacional; aqui, resolutiva da propriedade. Ora, nada disso é a cláusula de inalienabilidade: ela toma inalienáveis os bens e, pois, atacável, perante a justiça, a alienação ilegal. Mais: nas condições, a infração não é ilegal: ou a condição se dá, ou não se dá. Qualquer noção de ilegabilidade lhe seria estranha. Ninguém, que tenha o seu direito resolúvel pela condição, pode ser obrigado a não deixar que se resolva. Condição é fato exterior, livre de dar-se ou de não se dar; não constrange, não obriga. E as cláusulas fazem mais do que abrigar, operam, às vêzes, e quase sempre, nos bens. Se dôo a A um terreno sob a condicão resolutiva de não se casar, e A infringe, perde a propriedade: é resolutiva potestativa, podia casar, ou não casar, não era obrigado a isso, nem a aquilo, porém, uma vez que casou, perdeu. Se gravo de inalienabilidade o terreno, não. O casar não foi ilegalidade, ao passo que a venda do terreno inalienável o é. 17.“MODUS” E CLÁUSULAS DE RESTRIÇÃO DE PODER. No modus, o beneficiado é obrigado a cumprir. Se infringe, responde pela infração. Ora, não é isso o que ocorre com as cláusulas: o bem foi alienado ilegalmente, pode ser reivindicado, o que a construção do encargo não explicaria. Por onde se vêem o tempo, o esfôrço, o entusiasmo, que perderam os juristas, em querer que o novum das cláusulas restritivas, inclusive a de conversão, entrasse nos moldes já conhecidos e corriqueiros da condição ou do encargo. Alguns (os mais dêles) só estabelecem o dilema: se é condição, ou nudus. Ora, em verdade, não é uma coisa, nem outra; e isso não quer dizer que não possa combitur-se com a condição ou com o nudus. Certo, uma coisa que se pode combinar, misturar, com duas outras, de per si, necessAriamente não é nenhuma das duas: é outra coisa. 18. Diante da controvérsia, C. DEMOLOMBE (Cours de Code Napoléon, 17, n. 291) viu condição, mas com a consequência de tornar inalienável o bem, ou de tornar incapaz de alienar a pessoa do donatário ou legatário. Notese bem: condição, com a conseqúência de deixar de ser condição, para se tornar o que a condição não é, quer no primeiro caso, porque atinge o próprio bem, quer no segundo, porque implica ferida na própria personalidade, criadora da incapacidade do beneficiado. O artifício é evidente. Perde-se de vista todo o conceito de condição. No entanto, ~por quê? No primeiro caso, porque a ilegalidade da infração aparece (fenômeno estranho a condição); no segundo, porque êsse fenômeno, sob outra forma, reaparece, e a condição não bastaria para explicá-lo. Vale dizer: pretende-se ter explicado pela condição, que em nenhum dos casos explica. Ao seu tempo, MARCEL PLANIOL quis que a incapacidade fôsse a explicação. É, como já dissemos, recurso do desespêro: procura-se nada menos que um conceito excepcionalissimo, próprio da ordem pública, para se explicar a natureza das conseqúências de uma imposição dos particulares, como são as cláusulas. Para êle, não seria preciso distinguir inalienabilidade de caráter real e inalienabilidade de caráter pessoal: a incapacidade existe em ambos os
casos, porque ainda fia inalenabilidade, que recai in rem, é a pessoa do proprietário que é ferida, e não o bem, porque não se proibe ao bem ser alienado, proibe-se a alguém alienar o bem. “C’est une perso’nne qui est atteinte par la prohibition, et non une chose, ce qui n’aurait pas de sens”. Mas a teoria fôra de uma novidade ainda maior do que o fenômeno da inalienabilidade por disposição dos particulares: a incapacidade em virtude de convenção, ou de ato unilateral (por exemplo, testamentos), o que nunca se viu no direito contemporâneo. Contratar ou aceitar ser incapaz. Poder-se-ia invocar a que deriva do casamento da mulher. Mas, se bem que o Código Civil fale em incapacidade, isto constituiu deszêlo da terminologia. No mesmo caso, porque se lhe restringe o poder de dispor, o marido seria incapaz. Já o censuramos e não haveríamos de argumentar com isso. Aliás, basta pensar no direito da mulher de reaver os bens doados pelo marido à concubina. 19.INALIENABILIDADE E OBRIGAÇÃO . Se não é condição, se não é incapacidade convencional, querem outros que seja a obrigado de alienar, espécie de obrigação de não fazer. Diga-se: encargo, modus. Isso daria explicação a certas obrigações de não alienar, porém não às cláusulas de inalienabilidade. Quem impõe cláusula, “restrição de poder”, faz mais do que proibir alienação. ~ Será efeito de direito real, o que faz~ êste efeito dependente de lei? Seja como fôr, na cláusula de inalienabilidade imposta pelo testador, quando a lei permite, há mais do que o caráter de obrigação de não alienar. Tanto assim que, se não vale como cláusula, o juiz deve entender que pode valer como convenção. Exemplo: no pais A, a lei não permite que se gravem de inalienabilidade os imóveis, mas o individuo doou ou legou com a cláusula de inalienabilidade e, no Brasil, onde se vai cumprir o testamento, respeita-se a doação, ou o legado. O juiz, atendendo a que a obrigação não infringe a lei pessoal, salva o que é possível da voluntas testa~~ tons: a obrigação de não alienar, que a lei pessoal permite. Outro exemplo é o do Brasileiro que morre e tem bens naquele país, a gravação é impossível, isto é, o efeito real da inalienabilidade, mas o efeito convencional deve manter-se, porque não infringe a lez rei sitae. Tudo isso parece encaminhar a teoria da indisponibilidade real, segundo a qual proibição de alienar (direito das obrigações) e inalienabilidade real são coisas distintas. É indiscutível que tal indisponibilidade real aparece, a cada passo, no direito; nem ela é o mesmo que restrição de poder, nem ela é fenômeno causa, e seria absurdo explicar os fenômenos novos, Aristóteles, os irregulares, o desconhecido, pelos efeitos. A teoria da indisponibilidade real é perfeitamente certa, mas nada explica: certa, porque é uma indução dos casos em que êste efeito se verifica, porém não é indução dos casos em que se deve dar o efeito. Não é explicacão, é meramente observação. Por outro lado, excede o campo de aplicação das cláusulas, porque aqueles efeito (indisponibilidade real) se verifica noutros campos: direito da mulher de reaver os bens doados pelo marido à concubina, direito dos credores no caso de fraude. 20.CORTE NO “TUS ABUTENDI”. A inalienabilidade éum corte no ins abutendi; não é condição, nem modus, nem obrigação de não fazer, nem incapacidade: é uma restrição de poder, seu nome técnico, e não condição (faltalhe suspensividade, falta-lhe resolutividade), tão-pouco modus (a cláusula atua contra a vontade do beneficiado; no modus, o beneficiado, é obrigado, mas a verba não atua contra a sua vontade: êle pode deixar de cumprir, e responde por perdas e danos), menos ainda incapacidade. 21.ANÁLISE DAS SOLUÇ~ES. Onde a verdade? Nem C.DEMOLOMBE e MARCEL PLANIOL, com a incapacidade, nem os que insistem no absurdo de uma condição (que se contradiz a si mesma), nem o encargo ou modus, nem a obrigação de não fazer (ou de fazer), nem a indisponibilidade real explicam o que se passa. Trata-se de fenômeno autônomo, à altura da condição como do modus, que precisa depois do nome que lhe deu F.REGELSBERGER ser estudado, sem as exóticas referências ao modus e à condição. Se fôsse condição, seria condição que não suspende, nem resolve: condição que não é condição. O modus obriga, mas o não cumprimento só autoriza o pedido de perdas e danos. Tal não é o efeito das cláusulas. Se fôsse modus, seria um modus, que é mais do que o modus, que não seria modus. O juiz pode mandar gravar, contra a vontade do beneficiado; se êsse não aceitou o bem legado, não é obrigado •ao modas, e no caso dos quinhões necessários a cláusula de inalienabilidade atua, ainda contra tais herdeiros necessários, e nenhum modus se pode apor às quotas necessárias. Digamos: há condições, modus e restrições de poder. P. BREYIVNNEAU (ttude sur Les Clauses d’indienabilité, 164 s.) recorreu à indisponibilidade real. Mas isso, sabemos que existe; o que precisamos saber é o que caracteriza a cláusula, e não o que dela resulta, como de outros fenômenos diversissimos. 22.QUE É QUE SE ENTENDE POR TEMPORÁRIO. A lei fala em “temporária” ou “vitalícias’. Vitalicia, está claro: vida do beneficiado; possivelmente, do doador ou testador, mas, neste caso, da outra espécie, temporária. Temporária, ~qual a que se há de entender? .~Menos do que a vida? ~Menos ou mais do que a vida? A lei nada diz.
Cumpre recorrer aos princípios gerais de direito. Analogia com o art. 630, absolutamente não cabe: é regra jurídica assaz restritiva para que possa servir de base analógica; ao art. 4)> da Lei de Introdução ao Código Civil (Decretolei número 4.657, de 4 de setembro de 1942) não pode interessar. Na falta de definição da temporariedade, temos de entender: a) que temporário, para a lei, é o que não equivalha a mais do que a vida, se excede, acaba com a vida; b) que pode ser a temporariedade expressa em condição ou têrmo, e. g., até a maioridade, até o casamento, enquanto solteiro, acabando quando se doutorar. Tais os princípios que regem a inalienabilidade aposta às porções necessárias. 23.TEMPORARIEDADE E TRANSMISSÂO. A regra jurídica do art. 1.723 somente concerne às porções necessárias. Quanto a parte testável, a temporariedade do inalienável é essencial para a validade, por isso mesmo que a absoluta seria nula. Mas a restrição da 2•a parte do art. 1.723 “não obstará a livre disposição dos bens por testamento e, em falta dêste, a sua transmissão, desembaraçados de qualquer ônus, aos herdeiros legítimos” só deriva do direito aos bens por parte dos herdeiros necessários. Não pode estender-se àqueles sôbre os quais o doador ou testador poderia dispor. Assim, tratando-se de bens testáveis, a cláusula de inalienabilidade pode exceder a vida, pode ir até a vida e continuar no sucessor, quer dizer o fideicomissário pode receber inalienabilízados os bens do fideicomisso. Serão duas vidas, no máximo, salvo a hipótese do usufruto conjunto ou sucessivo, em que a sucessão das vidas se contará como uma vida. 24.CONTETJDO DA CLAUSULA DE INALIENABILIDADE. O principio do direito brasileiro é o da liberdade de clausulação. Quanto a inalienabilidade, sendo temporária ou vitalícia, não obsta a circulação da propriedade. Mas, aqui, o que procuramos saber é se ela importa a impenhorabilidade, a indivisibilidade e a incomunicabilidade conjugal dos bens: a)Se o inalienável é impenhorável. O que é inalienável é impenhorável; mas a impenhorabilidade da origem voluntária não obsta a pagamento de impostos e, pois, a execução por dívidas fiscais, O art. 1.676 alude aos impostos relativos aos imóveis inalienáveis. Se os bens inalienáveis pudessem ser penhorados, fácil seria iludir a restrição de poder. b)Se o inalienável é indivisível. Se o bem inalienável no todo pertence a duas ou mais pessoas, qualquer delas pode pedir a divisão, se o contrário não foi disposto. Se o testador estatuiu a indivisão por menos de cinco anos, vale. Se o doador, ou testador, obrigou a indivisão sem prazo, esta só vigora por cinco anos. ~ Quid iuris, se o testador o impôs por mais tempo? É a questão de saber se o art. 630 constitui regra jurídica imperativa ou dis positiva. No Esbóço de TEIxEIRA DE FREITAS, artigo 4.365, a nulidade era expressa no texto, para o só “efeito de reduzir a indivisão ao tempo de cinco anos”; no Código Civil argentino, o art. 2.694 (combinado com o art. 2.693), é imperativo, a despeito da redação “el testador ou donante puede poner Ia condición”, pois o princípio, que se pressupõe e inserto no art. 2.693, é o da não-facultatividade. No Projeto primitivo, art. ~ já vinha o “entende-se”, que nada significa em escritores desatentos a terminologia jurídica. Não obstante a forma interpretativa “entendese”, o art. 630 é imperativo. Donde se tira que a inalienabilidade não tem como conseqúência necessária a indivisibilidade; e ainda que o testador o tenha querido, essa só valerá pelo máximo de cinco anos. Se o testador deixou o bem a duas ou mais pessoas e indivisível, podem elas, antes, se o permitiu o beneficiante, ou findos os cinco anos a partir da morte (ou da entrega do legado), pedir a divisão. c) Se o inalienável é conjugalmente incomunicável. A questão tem sido assaz debatida. ÁLvARO VALASCO dizia que comunhão é alienação. A 5º Câmara Cível da Côrte de Apelação, em acórdão de 6 de setembro de 1926, assim o entendeu no caso típico que é o do art. 263, XI, do Código Civil: achava que os inalienáveis eram incomunicáveis (caso Moreira Lima versus Curador de Resíduos). A 2•a Câmara Cível, por acórdão de 27 de abril de 1926, julgou comunicáveis os bens inalienáveis (inventário Sebastião de Lacerda) : o art. 1.727 do Código Civil faculta ao testador, além do poder de modificar a espécie de bens constitutivos da legítima dos herdeiros e dispor sôbre a sua administração, gravar as quotas necessárias e prescrever a incomunicabilidade, mas da inalienabilidade não resulta incomunicabilidade. Antes, no mesmo sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo, a 11 de fevereiro de 1927, e o do Rio Grande do Sul, a 2 de setembro de 1921. Mas é preciso notar que a 2,a Câmara Cível entrou em indagações de circunstâncias, que pudessem, ou não, autorizar a ilação: “o testador, acatado jurista”, “conhecedor da controvérsia mantida” sôbre o art. 1.723 e a incomunicabilidade conjugal dos bens inalienáveis, “não deixaria a sua disposição testamentária sujeita a interpretação oposta à que tinha em vista, quando expressamente a lançou”. 25.LEGITIMAS E CLÁUSULAS DE RESTRIÇÀo DE PODER. -Entre outras questões, a comparação dos arts. 1.676 e 1.723 suscita a seguinte: o último artigo permite que o testador grave com a inalienabilidade temporária ou vitalícia as legí-~ timas, sem que isso obste à livre disposição em testamento e,. em falta dêste, a sua transmissão, desembaraçados de qualqueronus, aos herdeiros legítimos. O art. 1.676 proibe a invalidação, ou dispensa, por atos
judiciais, da cláusula de inalienabilidade imposta aos bens pelos testadores ou doadores. No capítul& sôbre doação, declara-se que importa adiantamento de legi-tima feita pelos pais aos filhos (art. 1.171). As duas espécies,. referidas no art. 1.728, são causa mortis: a) disponibilidade testamentária dos bens gravados com a cláusula; b) não ha-vendo testamento do herdeiro gravado, transmissão, sem ônus,. aos herdeiros legítimos. Quer-se saber se o herdeiro, proprietário dêsses bens inalienáveis, pode (por extensão interpretativa do art. 1.728) adiantar a Legitima, doando os bens inalienaveis ao futuro herdeiro. Para bem encararmos o problema, centralizemo-lo pela eliminação das questões diversas que o cercam e pelo precisar dos têrmos empregados. Primeiro, o art. 1.723 regula a inalienabilidade imposta pelo testador às legítimas; isto é, às quotas dos herdeiros necessários (art. 1.721, a que o art. 1.723 diretamente se refere). Quanto às dos outros herdeiros legítimos, nada se dispôs, porque, quanto a essas, poderá o testamento impor quaisquer cláusulas ou encargos e, até, fazê-las inalienáveis nas mãos de quem receber os bens por morte do herdeiro. Mais ainda: regular a passagem a outros. Nenhuma aplicação tem a elas o que se estatui no ad. 1.723. Segundo, se nos perguntassem ~ pode o herdeiro de bens inalienáveis doá-los~ em adiantamento de legítima, aos filhos, eliminando-se a cláusula de inalienabilidade vitalícia? certo responderíamos: absolutamente não. Seria contrariar a vontade do testador, que os quis presos até a morte do herdeiro necessário, e infringir o art. 1.676 que veda, de maneira expressa, se invalide, ou se dispense, por atos judiciais de qualquer espécie (a fortiori, atos de particulares), a inalienabilidade que aos bens impuseram testadores e doadores. Terceiro, pode ocorrer que o testamento esteja redigido com tal clareza, que a cláusula permita, excepcionalmente, o adiantamento de legítima. Mas então seria o problema da interpretação da vontade do disponente, e não o que ora nos interessa: o do adiantamento, havendo a cláusula de inalienabilidade, que prende, em mãos do~ herdeiro necessário, os bens. Quarto, o art. 1.676 atinge bens inalienáveis, assim doados como testados, O art. 1.728 somente atinge aqueles que constituem quota necessário, isto é, a dos herdeiros legítimos em linha reta. Fica restringida, precisada, a questão: ,pode o herdeiro necessário (art. 1.721), sem ofensa do ad. 1.676 e da vontade do testador, dar, em adiantamento de legítima (art. 1.171), os bens que recebeu gravados com a cláusula de inalienabilidade? Está claro que não se trata de torná-los, com a passagem, alienáveis, absurdo, que não merece discussão. E sim de doá-los, mantida a cláusula. Em verdade há um salto: quem doa dispõe, e quem é dono de bens inalienáveis tem o domínio dêles sem dêles poder dispor. O testador impõe a cláusula de inalienabilidade: o herdeiro recebe o bem gravado. Quando tiver de fazer testamento, deixá-los-á a quem quiser (não se pode regular a passagem das porções dos herdeiros necessários e é a êles, só a êles, que se refere o art. 1.723). Se morrer intestado, passará aos herdeiros legítimos. Mas doar (adiantar quota necessária não é mais nem menos do que doar), isto êle não poderia, porque lhe falta, justamente, a faculdade de dispor. Os bens estão seguros por um fio, atado pelo testador, e que só se desfaz, ainda no caso especialissimo das quotas necessárias, com a morte do herdeiro gravado. Só se cogita da possibilidade da transmissão causa mortis: o art. 1.728 só tem o efeito de esclarecer que a indisponibilidade não vai além da vida do herdeiro necessário (note-se bem: necessário), que os bens das quotas inalienabilizadas ficam alienáveis no dia da morte do herdeiro de tais bens. Portanto: a doação mortis causa, a doação para a futura passagem, em adiantamento de quota necessária, é possível; não o é a doação entre vivos, ou com passagem dos bens. A doação mortis causa aos estranhos pode constituir objeto de ação de nulidade por fraude à lei. § 5.817. Outras cláusulas de restrição 1.CLÁUSULAS DE SUB-ROGAÇÂO E CLAUSULAS DE REEMPRÊGO. Também existem a cláusula de simples sub-rogação e a de reemprêgo. Devem interpretar-se como de inalienabilidade e sub-rogabilidade permitida, ou só de obrigação pessoal de reemprêgo. Porém, nas disposições de última vontade, são quase sempre de caráter gravatório: o bem entra na classe dos inalienáveis, apenas mais facilitada a sub-rogação, que ainda aí depende da autorização do juiz. A atitude dêle será apenas diferente: nos casos do art. 1.676, o juiz a despeito da inalienabilidade aprecia as circunstâncias para autorizar a sub-rogação, por haver estado de necessidade; nos de cláusula de reemprêgo, o seu papel é vigiar o ato que se pretende praticar, evitando abusos de direito e reempregos fraudulentos ou dolosos, ou objetivamente incompensatórios.~ Quid iuris, se o testador proibe a inalienabilidade e a insubrogabilidade? Em verdade aquela contém esta. Mas, expressa a de não sub-rogar, parece que o testador quis excluir a sub-rogação, que, ainda nos casos de inalienabilidade, cabe, em estado de necessidade, aparentemente contra a letra da lei (art. 1.676). Se a lei cede onde o estado de necessidade surge, e há sub-rogações, apesar do art. 1.676, a fortiori, a vontade privada. As cláusulas de não sub-rogar só têm o efeito de reforçar a vigilância do juiz, não poderão impedir, em estados de necessidade, a sub-rogação; porque seria emprestar ao testador querer inconsiderado e insano, o que lhe tornaria nula a própria cláusula.
2.LEGITIMAÇÃO Ã AÇÃO DE NULIDADE. ,~,Quem é legitimado para propor a ação de nulidade por inobservância da restrição de poder? Se fôsse verdadeira a teoria da obrigação de não fazer, seria o credor da obrigação. Mas ~ se, o que se supõe, o testador está morto e o gravame só aproveita ao próprio obrigado? Dar-se-ia a confusão de sujeitos, devedor e terceiro favorecido. Aqui, a teoria da indisponibilidade real chegaria a melhores resultados. Porém incompletos. Podem propor ação: a) O testamenteiro, executor do testamento. b) O Ministério Público. c) O Curador de órfãos e Interditos, se há interessados incapazes. d) Os herdeiros do testador. Tanto o gravado não é devedor (no sentido do direito das obrigações), que a sua fração não se desconta da nulidade. O efeito de decretação da nulidade é integral, porque a restrição de poder tem consequências veais e há essencial indivisibilidade da cláusula e da sanção (não da obrigação, como quer a teoria obrigacionista, cp. P. BRETONNEAU, Étude sur les Clauses d’inaliénabilité, 266 s.). e) Se foi no interêsse do herdeiro ou legatário gravado que se estipulou o gravame, também êle pode intentar a ação. Aqui, mais uma vez as teorias se enliçam e a verdade sobe -à tona: se a teoria obrigacionista fôsse verdadeira, estaria excluído o devedor, porque seria prevalecer-se do próprio ato infrator (M. SAIGNAT, De la Clause portant prohibition d’aliéner, n. 150); a da indisponibilidade real lho permitiria, no caso particular de ter sido no seu interêsse: é a destinação do bem, que está em causa. A verdade éque a restrição do poder veio do testador, continua a ser vofltade dêle, e atua no bem, cortando, de leve, o direito de propriedade: o ato infrator do beneficiado não reconstitui êste direito; e, quando êle vai a juízo, não é o seu ato que principalmente está em causa, é a situa çáo jurídica do bem, em cuja propriedade o corte persiste, porque a adquirente não podia adquirir o que transferir não se podia. f) O terceiro interessado, como no simples modo (arts. 1.707 e 1.180, arts. 1.098, parágrafo único, 1.100 e parágrafo único). j,E a evicção no caso da letra e? O alienante é garante da alienação, pode êle e vencer? Se bem que C. DEMOLOMBE (Cours de Code Napoléon, 1, n. 300) e outros tenham oposto que não pode e vencer quem deve garantir, alguns respondem que é especiosa a objeção a evicção supõe ato válido, e o de que se trata é nulo (P. BRETONNEAIJ, Étude sur les Cllauses dino,liénabilité, 278 s.), que a qualidade de garante seria posterior à incapacidade de consentir (jurisprudência francesa de 1883), analogia com o art. 1.560 do Código Civil francês, ou art. 295 do Çódigo Civil brasileiro, em que o consentimento é inoperante. Mas a verdade está em que a restrição de poder. sancionada por ação de nulidade, nada tem com o ato do devedor. A boa fé, no caso dos bens dotais, como dos inalienáveis, é inoperante; porque a boa fé se opõe ao alienante, e êste não é o postulador da cláusula, ainda quando no seu interêsse, nem o seu interêsse, querido pelo testador, constitui o conteúdo subjetivo da cláusula: não só êste conteúdo subjetivo é o querer do testador, pois há elemento objetivo na cláusula. Por isso mesmo, é inoperante a má fé de quem aliena ilegalmente (efeito de restrição de poder). 8.O QUE O TESTADOR PODE ACRESCENTAR À “RESTRIÇÃO DE PODER”. Já se viu que a restrição de poder não se confunde com a condição, o modus, a cláusula penal, a obrigação de não alienar (criadora da indenizabilidade), nem a sua sanção com as sanções dessas disposições testamentárias. Mas o testador pode apô-las às cláusulas de restrições de poder. Serão duas ou mais disposições, serão duas ou mais sanções. Assim: a)O testador pode juntar à cláusula de inalienabilidade a condição resolutiva, isto é, dar-lhe a sanção da resolutividade,e esta faculdade êle não tem quando se trata das quotas dos herdeiros necessários; porque seria iludir a lei. Afetaria e direito dos herdeiros obrigatórios. b)Se o testador conceber a proição de alienar como condição suspensiva: “lego a B se não alienar e sob esta condição suspensiva”, a atitude do juiz deve ser a de o reputar r nomznis, porque a condição suspensiva de não alienar não existe. Se disser “lego a B, mas passará a C, se êste não alienar”, há de entender-se que O dará caução. É um dos meios de salvar a verba. Ou se gravará com a cláusula de inailenabilidade, que melhor o assegura; mas isto, se a verba permitir a construção da “restrição de poder”. Diante de votuntas testatopEs, deve evitar-se emprestar-se ao decujo querer absurdo. c)O testador pode juntar à cláusula o modus, inclusive de não alienar, ou concebê-la de tal maneira que não seja restrição de poder, e sim simples modus. “Deixo a B o prédio a., mas porque ali nasceu o poeta X e com certeza hão de adquiri-lo para museu B não o deve vender senão para êste fim e será de x mil cruzeiros novos o preço, constituindo a metade de x a quantia com que concorro, porque o prédio vale mais de x mil cruzeiros novos”, É tnodu.s. Se acrescentar: “para garantia disto, gravo-o de inalienabilidade”. Temos os dois, o modus e a restrição de ~oder. Bastaria isso para se ver que a restrição não é modus, no que incorreram tantos, como P. BRETONNEAU (Êtude sur les Clauses d’inolié’flabilité, 12-16) e. entre nós, JosÉ ULPIANO (Das Cláusulas restritivas da pro’priedade, 8 s.). d)O testador pode estabelecer cláusula penal. “Deixo a B o prédio X; se a alienação fôr aceita, pagará ao herdeiro x mil cruzeiros novos”. É a cláusula penal. Se continuar: “gravo-o de inalienabilidade”, temos a cláusula penal e a restritiva da propriedade ou restrição de poder. A alienação será nula; porém, como B, ainda que nulamente, vendeu o prédio, cometendo a infração, incide na pena testamentária, e o herdeiro tem a ação para reclamar a
multa. Se o testador não gravou e apenas deu a obrigação de não alienar, com a pena, então o ato de venda subsiste; não houve a restrição real. Por onde se lhe vêem os inconvenientes: a eficácia da cláusula penal é dependente da solvência do alienante, a proibição pode não ter garantia prática, porque,alienado, vale, e o devedor talvez não pague, por não poder, a dívida penal (P. BRETONNEAU, Êtude sur Les Clauses d’inoliánabilitá, 259; M. SAIGNAT, De la Clause portant prohibition. d’aliéner, ix. 132); é simples avaliação das perdas e danos para ocaso da alienação proibida. Na dúvida, se há somente cláusula penal e obrigação de não alienar, e se há gravame e cláusula penal, o art. 1.666 deve ser aplicado: opta-se pelo gravame e a cláusula penal. (Entendiam MARCEL PLANIOL, Traité élémentaire de Droit civil, II, n. 257, 92, e TErCEIRA DE PREITAS, Consolidação das Leis Civis, nota 83 ao art. 391, que a inclusão da cláusula penal não é conciliável com a execução efetiva, porque, aqui, a natureza da cláusula é compensatória: de modo que nulidade e pena seriam sanções incompossíveis. No direito brasileiro vigente, isso não tem razão de ser, diante do art. 919.) 4. O QUE SE NÃO PODE APOR AOS QUINHõES DOS HERDEIROS NECESSÁRIOS. Há garantia legal dos quinhões necessários; e o testador não as pode diminuir, nem fraudar. Tratando-se de sanções próprias da cláusula de inalienabilidade e das outras, estatui quem pode estatuir, e as conseqúências são as do que se estatuiu. Mas, se as sanções são as de outras disposições, juntadas às restrições de poder, a lei seria iludida , se o testador pudesse submeter a tais contingências as quotas necessárias. O testador pode usar da faculdade que lhe dá o art. 1.723,. porém não pode: a) Acrescentar ao gravaúie a resolutividade; a aposição redundaria em deserdação indireta: o efeito específico da condição resolutiva seria extinguir-se o direito do herdeiro necessário, ferido, assim, fundamente, ab initio. Não se dá o mesmo quanto aos legados que coubessem na parte disponível, ainda que beneficiados os herdeiros necessários. lO Juntar modus ou encargo, e) Apor cláusula penal, porque, se consistir em x e a pena em ~ ou fração de x, quando o herdeiro alienar ficará sem a legítima, ou com ela diminuída. Argumenta-se: “rigorosamente, esta que lhe foi dada devidamente, êle a perdeu, na hipótese, por culpa sua, e não por ato direto do testador: .tibi imputet” (JosÉ ULPIANO, Das Cláusulas restritivas da propriedade, 177). É sofisma: a causa da perda não foi só o seu ato, foi o seu ato mais a aposição, pelo testador,da cláusula penal; tanto assim que, se ela não tivesse existido, o ato nada produziria. 5. NATUREZA DA SANÇÃO. Quando se estuda a sanção da cláusula restritiva da propriedade, da “restrição de poder”, é que ressalta a autonomia da figura. Não é condição, pois que a resolutividade só existirá se isso fôr objeto de condição expressa. Não é modus, porque, se o beneficiário alienar, nem por isso responde por perdas e danos. Quase sempre não e ele que deve gravar, é outrem, o testamenteiro, o herdeiro onerado ou mesmo o legatário. Não é incapacidade, porque ela deriva de lei, e a sanção é a anulação, sem restitutio in integrum. A sanção, que a cláusula de restrição de poder apresenta, é a de nulidade dos atos proibidos. Mas, se o disponente quiser, poderá acrescentar outra ou outras sanções: a.) a pena convencional; b) a resolução; c) a indenização. A transíação penal não é mais do que a resolução: “deixo a E; se êle se casar, passará a C” é transíação, mas, têcnicamente, condição resolutiva. Tudo isso é um plus, que se acrescentou à cláusula de restrição de poder. (Em todo o caso, a penalidade, punição pelo ato que resolve, pode transparecer, in odium et poenam heredis, para o castigo. Ao tempo em que em Rema se proibiam, compreendia-se que se apurasse a distinção. Se a pena é mais do que a transíação, então sim.) A sanção da restrição de poder não é a cláusula penal. Tanto assim que se precisará acrescentar, explicitamente, a pena. A confusão entre a restrição de poder e a cláusula penal levaria a se admitir a cláusula penal imposta aos herdeiros necessários, o que é absurdo. 6. AÇÃO DE NULIDADE. A ação de nulidade, própria das restrições de poder, não é a da inexecução da obrigação de não fazer. Exerce-se, não contra o alienante, que seria o devedor, como se daria na obrigação de não fazer; mas contra o adquirente. O art. 883 do Código Civil nada tem com o assunto; salvo se, além da restrição de poder, há a obrigação de não fazer. (E.BARTIN, 7i’héorie des Conditians, impossibles, illicites, ou contraires aux moeurs, 190 e 191, com a teoria da obrigação, lutou contra a ação de nulidade, que era e é a da jurisprudência francesa. Mas os seus argumentos pecaram pela base. Entendia que lhe falta explicação. Ora, se o proprietário não pode alienar note-se: não pode os atos são nulos, e aí está a prova de que a obrigação de não fazer não explica a restrição de poder. O que os técnicos tinham a fazer, E. BARTIN não fêz: ver os fatos; pois a ação de nulidade existia, e ela, em vez de precisar ser explicada, devia ser a prova, o dado. pelo qual se haviam de inferir as teorias, e a de E. BARTIN fracassou.) Não se prenda a ação de nulidade ao fato de tratar-se de gravação de bens imóveis, que atinja o domínio ou outro direito real. À cláusula de restrição de poder é permitido alcançar os bens imóveis e os bens móveis, O testador pode fazer inalienáveis bens imóveis e bens móveis, como os pode fazer impenhoráveis ou incomunicáveis, ou sujeitos a outras restrições de poder. Nada obsta a que faça inalienáveis, ou incomunicáveis, ou impenhoráveis, ou
feridos por outras cláusulas, ações de emprêsas ou de clubes, títulos de crédito ou simples direitos de mutuante. 7.AçÃo PAULIANA E RESTRIÇÃO DE PODER. Quis-se construir a infração das cláusulas como fraude dos direitos creditórios do interessado (M. SAIGNAT, De la Clause portant prohibitio’n d’aliéner, ns. 144 e 145) ; e seria de boa fé, na ordinariedade dos casos, porque, ao examinar os títulos, havia de encontrar a menção da cláusula restritiva. Mas é artificial: a ação Pauliana não se destina a tais casos (P. BRETONNEAU, Êtude sur les Clauses d’inaiiénabilité, 290 s.), nem tem o efeito de ir buscar os bens. 8. QUANDO COMEÇAM OS EFEITOS DAS CLAUSULAS RESTEITIvAS OU RESTRIÇÕES DE PODER. Se há restrição de poder, cláusula que apanhe realmente o bem, que o grave, o bem é inalienável, incomunicável, impenhorável, e cabem, então, as ações reais. Aqui intervém questão gravíssima: ~ quando começam os efeitos da inalienabilidade? Desde a morte do decujo. Se o bem existe na herança e há testamento que o tenha gravado ou a herança, ou parte dela, há bem gravado, herança ou parte ideal gravada. Assim, se o bem existe e a cláusula se refere ao bem, a alienação é nula, ainda se anterior ao registo: êsse só é necessário quando se procede à partilha ou adjudicação, máxime se, interpretando a cláusula, o juiz sub-rogou antes dessa, ou daquela, o bem atingido. Se o inventariante alienou mais bens do que podia, invadindo a parte inalienável, a açao de nulidade é possivel: a inalienabilidade não é incompatível com a indivisão do patrimônio. 9.EFEITOS DA AÇÃO DE NULIDADE. A ação faz prevalecer a situação anterior do ato alienatório infrator, trate-se de propriedade, trate-se de outros direitos. O adquirente terá contra o alienante a ação para haver a restituição do preço e, se estiver de boa fé, as perdas e danos (Código Civil, artigos 1.108 e 1.109). 10.HERANÇA NECESSÁRIA E PORÇÃO DISPONÍVEL. Diz o Código Civil, art. 1.724: “O herdeiro necessário, a quem o testador deixar a sua metade disponível, ou algum legado, não perderá o direito à legitima”. 11. LIBERDADE DE DISPOR E OS SEUS ELEMENTOS. A liberdade do testador, quanto à porção disponível, que é, se não há herdeiros necessários, toda a herança, consiste em três faculdades distintas: a)Dividi-la como quiser e entender, configurando quotas, porções certas, frações ordinárias ou decimais, distribuições quantitativas ou qualitativas (móveis, imóveis; móveis de uso doméstico, semoventes, títulos; prédios, terrenos) quantitativas e qualitativas ao mesmo tempo; etc. b)Dar ao todo ou a cada parte a categoria jurídica que mais lhe agrade e lhe pareça satisfazer a sua vontade: herança, legado, modus, recomendação, fideicomisso, usufruto, uso, habitação; inclusive restrição de poder, com as extensões no espaço e no tempo, que a lei permite (por tantos anos, até a maioridade, vitalícia). c)Ao todo ou a cada parte designar o sujeito, herdeiro, legatário, ou beneficiado pelo modus, recomendação, fideicomisso, usufruto, uso, ou habitação. A liberdade sofre as restrições da incapacidade geral ou relativa de testamentifação passiva (Código Civil, arta. 1.717, 1.720 e 1.650, V). Se a todos e livremente pode o testador deixar os seus bens, claro que os pode deixar aos herdeiros necessários, pes soas a que, por definição, não pode privar as quotas necessárias. Mas nem por isso é supérfluo o art. 1.724. Sem êle, poderia interpretar-se que a instituIção do herdeiro necessário se entenderia imputação à parte necessária, ou que a deixa igual ou superior à quota necessária, faria sem aplicação o art. 1.722. Por isso o art. 1.724 preveniu: se o testador deixa ao herdeiro necessário a metade disponível, ou algum legado, não perde êsse o direito ao quinhão ou porção necessária. Quer dizer: as doações são adicionadas ao valor dos bens deixados para o cálculo dos quinhões necessários (art. 1.722) ; não se computam as liberalidades feitas no testamento. Entende-se que o testador não testou tal porção, ou parte dela, o que seria impossível; e sim que, além da sucessão forçada, quis que o herdeiro lhe sucedesse por testamento, o que lhe é possível. Tanto mais verdadeira é tal presunção, que isso se entenderá ainda quando, testando parte dos bens disponíveis, o testador deixe de dispor sôbre o restante (art. 1.726, que é interpretativo). Num e noutro caso, o herdeiro necessário também o é testamentário. Quanto às doações, que em vida fêz, pode o testador por ocasião de fazê-las, ou no testamento, dispor que se subsumam na porção disponível, em vez de se imputar à quota necessária: ressalva válida, se feita no ato inter vivos (art. 1.788) ou no testamento. Quanto às cláusulas testamentárias, é livre o testador para as considerar feitas com a metade disponível, se couberem, ou dentro da porção necessária, se não ofenderem o principio da inviolabilidade dos quinhões necessários, só admissíveis nos casos do art. 1.723. Se a doação aos descendentes se presume adiantamento de quinhão necessário (art. 1.171), não assim a herança, os legados ou encargos a favor do herdeiro necessário: não se presumem imputados ao quinhão. 12.CÔNJUGE E PARENTES cOLATERAIS. Diz o Código Civil, art. 1.725: “Para excluir da sucessão o
cônjuge ou os parentes colaterais, basta que o testador disponha do seu patrimônio, sem os contemplar”. O art. 1.725 é inútil se consideramos que já se apontaram os herdeiros necessários (art. 1.721). Os colaterais, como o cônjuge e o Visco, são herdeiros legítimos, e não necessários. O testador ou os contempla em disposição testamentária, seja de herança, seja de legado, ou não os contempla. Se não há herdeiro universal, o cônjuge, o colateral ou o Fisco herda, como legítimo herdeiro, ou não herda se o testador dispôs de tôda a metade disponível. Os herdeiros necessários são herdeiros legítimos, razão por que, quando se fala de herdeiros legítimos que não são necessários, em verdade se restringe o sentido de “herdeiros legítimos”. Há, então, a legitimidade sem a necessariedade. Não se deserda herdeiro que não é necessário; para afastar o cônjuge, os colaterais e o Fisco, basta que se disponha de todo o disponível (3.5 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 80 de outubro de 1946, R. dos 2’., 165, 680). 13.DIREITO ANTERIOR. Era semelhante a lei; mas o irmão preterido podia usar da querela inofficiosi contra o instituído que fôsse pessoa vil e torpe, ou de maus costumes. 14.SIGNIPICAÇÁO nA REGRA JURÍDICA. O art. 1.725 do Código Civil estatui que os herdeiros legítimos do art. 1.608, III e V (cônjuge sobrevivente, colaterais, Fisco) não são materialmente necessários: o testador pode exclui-los; e para os excluir, basta não os contemplar: não existe, quanto a êles, nenhuma transmissão forçada. Se êles existem, é que não os há necessários: poderia o testador dispor de toda a herança; se só de uma parte dispõe, abre-se a sucessão legítima (artigo 1.574, 2.~ parte) ; se nomeia herdeiro testamentário, sem dizer a quota, fé-lo universal, e excluiu o& legítimos. A situação resultante do art. 1.726 não se dá a respeito dos legítimos não-necessários (a expressão “legítimos”, no art. 1.726, constitui grosseiro engano) : naquela regra jurídica interpretativa, há a instituição do necessário; no caso do art. 1.574, 2.~ parte, sucessão legítima. Do art. 1.725, isto é, quando não há herdeiros necessários, conclui-se: a) que a instituição do herdeiro universal afasta a sucessão legítima; b) que, se a instituição é em frações cuja soma seja a unidade, não há sucessão legítima; c) também não a haverá se o testador distribuir tôda a herança em legados, ou se nomear herdeiro de parte da herança e ordenar legados de todo o resto, ou nomear legatário e distribuir tôda a herança em encargos e recomendações. Ao herdeiro legítimo excluído (a deserdação só concerne aos necessários) fica o direito: a) às ações de nulidade de testamento; b) às ações e pedidos concernentes as incapacidades passivas de sucessão ou ilicitude das deixas. CAPÍTULO XV
REDUÇÃO DAS DISPOSIÇÕES TESTAMENTÂRIAS
5.818. Caso especial de sucessão
1.DISPOSIÇÃO EM PARTE. Diz o Código Civil, artigo 1.726: “Quando o testador só em parte dispuser da sua metade disponível, entender-se-á que instituiu os herdeiros legítimos no remanescente”. 2.DRWITo ROMANO. No direito romano havia a regra Nemo pro parte testatus pro parte intestatus decedere potest. Explicava-se de maneiras diferentes: a) consequência da incindibilidade da personalidade patrimonial do defunto, da unidade da hereditas, pois seria contraditório representar o defunto e só ser nomeado em parte do patrimônio; b) proteção dos interêsses dos credores; e) incompossibilidade da sucessão agnatícia e da sucessão do quasi sutis; d) consequência da duplicidade judicial, concernente a duas vocações; e) simples interpretação literal do versículo si intestato moritur das XII Tábuas. (VITTORIO SCL4LOJA, Diritto Romano, Concetti fondaanentati, 30, lia de modo original o texto romano: “quem fêz testamento não é intestado”. Mas sem razão (cp. PIlETRO BONFANTE, Istituzioni di Diritto romano, 5•a ed., 523, e ANTONIO SUMAN, “Favor testamenti” e “voitinto.s testantium”, 20.) Tão persuadidos estavam os legisladores romanos da visceral incompatibilidade, que si unum tantum quis ex semisse verbi gratia h,eredem scripserit, totus as in semisse ent (§ 5, 1., de heredibus instituendis, 2, 14). Cf. L. 13, § 3, e L. 79, § 1, D., de heredifrus instituendis, 28, 5). Para tal solução que dá o todo quando só se deu parte, várias explicações foram tentadas:
a)Invocaram J. F. DWORZAX, C. NEUNER e OrrO LENEL (Zur Geschichte der heredis institutio, Essavs in Legal History, 128) a presumida vontade do testador. b) F. HOFMANN (Kritisck-e Studien im rãmisehen Rechte, 113) combateu tal fundamento: quem só testou 1/12 não havia de querer que se estendesse o direito do herdeiro escolhido aos outros 11/12; mais óbvio fôra declarar nulo o testamento. A solução romana só se explica como favor testamenti (F. HOFMANN, Kritische Studien im rbmisc/ten Rechte, 128; ANTONIO SUMAN, “Favor testamenti” e “voluntas testan,tium”, 22). Mas nem uma, nem outra explicação, nos parece, no todo, verdadeira. Não vemos textos que justifiquem o favor testa-menti como razão de decidir na espécie. Admitimos, até, que a neutralidade com que se operou a solução romana contradiz tal fundamento: a mente romana para chegar à convalidação do todo não precisava de ir buscar~ o favor testamenti. c)Mais certo (ainda assim, só em parte) nos parece o esclarecimento de Oro KALRLOWA (Rdmische Rechtsgeschichte, II, 846) : o elemento primário é a nomeaÇâ~o; a quota, elemento relativo, secundário. Entre as duas explicações, parece hesitar CARLO FADUA (Coneetti fondamentali dei Diritto eredttario romano, 1, 339). Para preferir a de OTTO KARLOWA, ocorre-nos lembrar que, sendo muitos os instituidos, a parte não testada se devolvia aos instituidos, na proporção do que se lhes deixara escrito (L. 13, § 2, e L. 13, § 3, D., de heredibus instituendis, 28, E). Há a expressão potest ate inris (§ 2) que pode ser trazida à balha (e o foi, ANTONIO SUMAN, “Favor testamenti” e “voluntas testantium”, 23, nota) como argumento contrário, mas não vemos em tal poder de direito fôrça superior à vonsztzva,o fundamento menos próximo, é certo não deixa o testador. ANTONIO SUMAN parecia somente ver vontade do testador onde cabe interpretação. Ora, onde a lei é diapode ser volitivo. A nossa opinião é a da dispositividade do § 5, heredibus instituendis, 2, 14. (Mas regra jurídica dispo-não exclui presunção de vontade como fundamento: a das regras jurídicas dispositivas têm, exatamente, origem voluntarística. Regra jurídica dispositiva é precisamente a que nasceu de um quod plerumque fit, ou de uma vontade, raramente de dado histórico puro, e estatui, por isso. dispositiva, não imperativamente. No tempo atual, potestate iuris; no passado laborativo, pela fôrça do querer presumido.) d)A nossa opinião é mais sociológica. Nem se cogita de presunção do querer quanto ao resíduo, menos ainda, o que seria absurdo, quanto ao que o testador deixou aos herdeiros legítimos, inoperantemente; nem de favor testarn,enti. A própria explicação de OTTO KARLOWA, cuja felicidade reconhecemos, não é completa. Com o sutil do seu estilo, a que tantas luzes, após F. C. voN SAvrnNy, TH. MOMMSEN e RUDOLF vON JIIERING, se devem, caracterizou êle: o elemento primário é a instituição, a determinação sôbre o subjetivo da herança, o jus successianis, ao passo que a distribuição da hereditas objetiva é o elemento secundário. A falta dêsse não poderia, sem absurdo, prejudicar aqueles. Para o legislador romano, a atuação não a preferência, que supôe hesitação tinha de ser pela sucessão testamentária. Portanto: não pelo favor testamenti; mas pela fôrça da estrutura da mentalidade romana. A solução do toda, se só instituía parte, impunha-se como que mecânicamente. Assistir-se-á, com a concepção justinianéia, ao decair da regra jurídica. 3.Um ANTERIOR. Nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 83, § 8, e Título 86, pr., ainda se recorria ao sistema romano do “ninguém pode morrer parte testado e parte intestado”. Nesse sentido, os praxistas. Com a reforma Josefina (Leis de 18 de agOsto de 1769 e 9 de setembro), a regra jurídica cedeu ao favor da sucessão legítima e os juristas mudaram de opinião (PASCOAL JosÉ DE MmÃo FREIRE, Iizstitutiones luris Civilis Lusitani, Livro III, Título V, § 29; M. A. COELHO DA ROCHA, Instituições de Direito Civil português, § 693; Código Civil austríaco, § 556). 4.PROJETOS BRASILEIROS. FELICIO DOS SANTOS, artigo 1.677, concebia a passagem do resíduo como acrescimento aos herdeiros necessários: “se não dispuser da sua têrça, ou dela não dispuser na sua totalidade, os herdeiros legitimários a acumulam aos seus quinhões, ou o que restar dela, segundo as regras da sucessão legítima”. Consciente, ou não, do que esCrevia, COELHO RODRIGUES, art. 2.507, concebeu de modo diverso a vocação do resíduo: “Se o testador, que tem herdeiros necessários, dispõe somente da sua meação ou de parte dela, entende-se que os instituiu no resto; se, porém, dispõe de mais, tôdas as disposições são redutíveis no excesso da meação”. Nenhuma idéia de acrescimento; só de instituição estabelecida pelo artigo da lei, de natureza interpretativa. 5. NATUREZA DA REGRA JURÍDICA. As concepções de hoje já não repugnam a dupla vocação. As incompossíveis dizsimiles causae, a que se refere CÍCERO (De invent., II, 21), exercem hoje os seus papéis autônomos, de mãos dadas. Tanto é compósito o espírito de hoje; em tudo, sensível cristalização do mediterrâneo e do nórdico. O art. 1.726 do Código Civil é o punetum dolens, a superfície de contacto. Não se sabe para onde pende. A que sucessão prefere. Diz que os herdeiros legítimos serão chamados; mas lança mão, para dizê-lo, de presunção:
reputam-se instituidos. A questão da natureza do art. 1.726 é de grande importância prática. Para percebê-lo, bastam alguns exemplos. Se o testador declarou “as legítimas serão gravadas”, j,o resíduo segue a condição das quotas necessárias? Se a sucessão do artigo 1.726 é legítima, conseqúência será gravar-se também o resíduo. Se a sucessão do art. 1.726 é instituição mediata, claro que só seria gravável o restante se resultasse da interpretação do testamento. Quer dizer: nenhuma noção de principal e acessório, nenhum traço de direito de acrescer. § 5.818. DISPOSIÇÃO PARCIAL E SUCESSÃO 85 Para decidirmos a questão, temos dois elementos, um de linguagem da lei, e outro de topologia da própria regra jurídica: a) a lei diz “entender-se-á que instituiu”; b) o art. 1.726 está ao Título III, Da Sucessão testarnentária, e não, como o art. 1.574, no Titulo 1, Da Sucessão em geral. Êsse argumento reforça aqueles. Por isso, CLÓVIS BEVILÁQUA (Código Civil comentado, VI, 181), sem descer às considerações teóricas e práticas, falou de instituição Licita, uma de cujas consequências seria a do art. 1.754, o que não tem sentido. Há muitas consequências, mas a apontada não é nenhuma. Ao argumento da linguagem da lei cumpre juntar outro, responsável por êle: a divergência entre os dois projetos anteriores, o de FELÍCIO DOS SANTOS e o de COELHO RODRIGUES. 6. PRESSUPOSTOS DO SUPORTE FÂCTICO. Para que se aplique a regra jurídica do art. 1.726, é preciso que concorram os seguintes elementos: a)Existência de herdeiros necessários, porque, se não os há, não existe ‘metade disponível: disponível é o todo, e o caso se resolve quanto aos bens não compreendidos no testamento pela devolução, ex lege, aos herdeiros legítimos. Aqui se evidencia a diferença entre a regra jurídica do artigo 1.574 e a do art. 1.726. b) O testador só dispôs de parte da metade testável (ou, se morreu com testamento, de nada dispôs). Se dispôs de tôda a metade, o que quer que sobre não passa aos herdeiros necessários. Dar-se-á direito de acrescer ou algum dos fenômenos do direito das coisas. Se morreu com testamento e nada dispôs quanto à metade disponível, aplica-se o art. 1.726. c) Ao tempo da morte existem os herdeiros necessários. Se não os houver mais, o resto da herança irá aos legítimos,. conforme o art. 1.574. Em todo o caso, como se trata de instituição presumida, a vontade do testador pode intervir como guiadora de outra solução. Exemplo: a verba “deixo a casa r a B, executará meu testamento A único herdeiro necessário, na sua falta a mulher dêle, ainda que não tenha filhos”. A!. essa mulher está numa substituição, aparentemente de testamenteiro, possivelmente de herdeira. Vivo A, receberá a quota necessária e o resíduo. Morto A, a interpretação dirá se a mulher sobrevivente herda como instituída do todo, excluída assim a aplicação do art. 1.574, ou só o resíduo da metade então disponível, ou tudo, irá aos herdeiros legítimos, sendo a mulher simples testamenteira. d) A existência de resíduo. 7. CONSEQUÊNCIAS DA REGRA JURÍDICA. Examinaremos dois casos que foram decididos no Juízo da Provedoria do então Distrito Federal, em 1920. a) Testador falecido depois do Código Civil, com testamento anterior a êsse, só dispôs da têrça parte da herança. A lei do tempo da morte já lhe permitia dispor da metade. Quanto aos quinhões não há dúvida, só se cumpre a têrça; mas o demais, o residuário, a diferença entre a legitima e a disposição, vai aos herdeiros legítimos, por fôrça do art. 1.676, responsável, por sua natureza dúplice, de muitas dúvidas na execução dos testamentos. Chamam-se vintena os cinco por cento do testamenteiro. Marcada a vintena, discute-se: ~ é sôbre a têrça disposta, ou sôbre a metade disponível, de que só em parte se dispôs? Figurou-se caso de direito intertemporal, mas no direito unitemporal a situação e a questão seriam as mesmas, quando o testador podendo dispor da metade só dispõe de parte dela. Portanto, com ou sem conflito de lei no tempo, tudo depende do caráter do art. 1.726. Nesse problema da vintena, uns querem que incida sôbre a metade disponivel, de que, ex hypothesi, sé em parte se dispôs, outros (Inventário n. 47, Provedoria do Distrito Federal, 1927, Parecer de 12 de fevereiro de 193~O), que a herança do artigo 1.726 seja legítima: “O testador faleceu em 1925, e não modificou o seu testamento, o que nos induz a interpretar que desejava que a legítima fôsse constituída de 2/3, e a parte disponível 1/2. Assim, a vintena só terá de sair de 1/3. Porque o testador não dispôs da metade. Se os legados excedessem essa têrça parte, teriam de ser rateados. Semente dentro dessa têrça, êle poderia acomodar os seus legados, porque foi o que ficou como parte disponível. A lei fiscal, parece que não influi para o argumento. ~ Pode o testador declarar que a legítima seja dentro de 3/4 partes de seus bens? Pode, O que não pode é dizer que o seja dentro de 1 4, porque fere a lei civil das sucessões. Ora, a lei permite que êle tivesse modificado o seu
testamento. Não o fêz. Deixou dentro do regime anterior ao Código. Parece que assim quis que ficasse”. ~O restante vai à sucessão legítima, ou o recebe o herdeiro legítimo, ex testamento, por fôrça do preceito dispositivo? Noutros têrmos: quanto a êste resíduo, ~o art. 1.676 faz Eegítinut a sucessão, ou por haver testamento ex testamento? No sistema do Código Civil, o art. 1.672 constitui aplicação do art. 1.574, é regra de sucessão legítima, os seus têrmos afastam qualquer argumento tirado da sua colocação no título do Código Civil relativo a sucessão testamentária. Quanto ao art. 1.726, não: tudo nêle mostra tratar-se de matéria testamentária. Do fato de haver a passagem necessária a herdeiros legítimos, tirou o legislador que os bens não compreendidos nessa parte, nem nas disposições~ foram deixados, tàcitamente, aos herdeiros forçados, que, aqui, os recebem ex testamento. No art. 1.673 diz-se: “o remanescente pertencerá aos herdeiros legítimos”; no art. 1.726, “entender-se-á que instituiu”. É sensível a diferença. Portanto, a vintena tem de ser deduzida sôbre tôda a parte disponível, e não sôbre o só disposto explicitamente. Não se daria o mesmo no caso de testamento que se anulasse: a herança iria, por sucessão legítima, aos herdeiros necessários. b) O testador gravou a herança com a cláusula de inalienabilidade. Pergunta-se: agravou a quota necessária, tão -somente, a porção indisponível, mas, por lei, gravável (artigo 1.723), ou tudo que herdarem os filhos? O quoci plerum que fit é o não se gravar a quota necessária, sem se gravar o resto. Se Aquilo de que não podia dispor impôs inalienabilidade ou outra restrição de poder, usando da autorização excepcional do art. 1.723, com maioria de razão havia de impor ao mais. A respeito apareceram duas opiniões: a) Os herdeiros necessários recebem a parte disponível, art. 1.726, ou o residual, com as mesmas cláusulas da quota: seria espécie de acessório, que seguiria o principal. Algo se juntou. b) O que os herdeiros necessários recebem a mais, por fôrça do artigo 1.726, é ex testamento; e a diferença de titulo não suporta a natureza de acessório e principal. A cada um a sua sorte. A regra é que a quota necessária, sé, e não o resíduo, será gravada. Porém, nesse assunto, o que se deve procurar é a verdadeira vontade do testador. Pode êle ter usado da expressão “legítima”, sem entrar na sutileza da lei, como tudo que os herdeiros necessários tiverem de receber. Isso se deu no caso examinado, de modo que era de impôr-se a gravação de todos os bens sucessão necessária e sucessão residual não por fôrça do argumento em a), mas como direta consequência da vontade do testador, que é lez privata. § 5.819. Determinação de partes e redução 1. FONTES. No direito romano, ou se testava de tôda a herança, ou não se testava: Nemo pra parte tes tatus, pra parte intestatus decedere potest. Já vimos que o direito moderno refugou tal raciocínio. Se o testador só dispôs de parte da herança disponível, dá-se no resto a sucessão legitima (Código Civil, arts. 1.574, 2.~ parte, e 1.673). Se tinha herdeiros necessários, entende-se que os instituiu no que sobrar (artigo 1.726, interpretativo). Se o testador quis excluir os herdeiros legítimos, se bem que a soma das frações deixadas não alcance abranger a herança, a sucessão legítima não se dá (os artigos 1.574, 2~a parte, e 1.673, são dispositivos, e não cogentes) e partir-se-á pelos nomeados na proporção do que se lhes marcou. Mas pode ocorrer que se tenha disposto de mais do que o disponível e ter-se de dar a redução. Diz o Código Civil, art. 1.727: “As disposições, que excederem a metade disponível, reduzir-se-ão aos limites dela, em conformidade com o disposto nos parágrafos seguintes”. No § 1.0: “Em se verificando excederem as disposições testamentárias a porção disponível, serão proporcionalmente reduzidas as quotas do herdeiro ou herdeiros instituidos, até onde baste, e, não bastando, também os legados, na proporção do seu valor”. No § 2.0: “Se o testador, prevenindo o caso, dispuser que se inteirem, de preferência, certos herdeiros e legatários, a redução far-se-á nos outros quinhões ou legados, observando-se, a seu respeito, a ordem estabelecida no parágrafo anterior”. 2. REGRAS JURÍDICAS SOBRE testador A lei prevê dois casos: a) O testador não deu preferência a nenhum herdeiro ou legatário; tudo se reduz proporcionalmente: primeiro, as heranças; depois, os legados. Quer dizer: se a herança não der para os legados, os herdeiros nada receberão e diminuir--se-ao os legados. Em concreto: se o testador deixou em frações (ou outro modo de contagem, F. ENDEMANN, Lekrbuoh des Rurgerlichen Rechts, III, 345) e estas, ou os quinhões, excedem, serão todos reduzidos proporcionalmente. ti) O testador deu preferência a um ou alguns. A redução faz-se nos quinhões ou legados não preferidos. Se êsses não puderem ser satisfeitos, então se procederá à redução dos preferidos. 3. PRESSUPOSTOS DA REDUÇÀO. Para que incida o Código Civil, art. 1.727, § 1.0, isto é, para que se reduzam proporcionalmente ao valor delas as quotas do herdeiro ou dos herdeiros instituidos, é preciso que concorram as seguintes situações: a)que a soma do disposto exceda o disponível: se não há excesso, não é possível cogitar-se de redução; b) que as instituições sejam em quotas (frações, percentagens) porque, se houver algum
herdeiro em porção qualitativa, o artigo 1.727, § 1.0, não se lhe aplica, e.g., “instituto A em 1/4, B em 1/4, C em todos os moveis e os móveis são 2/a da herança; c) que não tenha havido vontade contrária do testador. ou distribuição que valha o mesmo que um querer contrário ao art. 1.727, § 19. Mas poderá ocorrer que suceda o oposto ao art. 1.727, § 1.0: em vez de excederem os quinhões, serem, em conjunto, inferiores ao monte, e assim: ou o excesso toca aos herdeiros legítimos (art. 1.574) ; ou o herdeiro instituído, ou os herdeiros instituidos devem ser os únicos (ainda que se tenha usado da distribuIção por frações, e a soma dessas fôr inferior à unidade) : então, cada parte será aumentada proporcionalmente. 4. PRESSUPOSTOS DA REDUÇÃO, SE O TESTADOR PREFERIU HERDEIROS OU LEGATÁRIOS. Para que incida o art. 1.727, § 2.0, é preciso que concorram os seguintes pressupostos: a) tenha o testador prevenido a solução, mandando que se inteirem, de preferência, certos herdeiros e legatários; ti) em outros herdeiros e legatários haja a subordinação a que se refere o art. 1.727, § 1.0. O art. 1.727, § 1.0, é dispositivo, e para os casos dos pressupostos. Não se aplica: a) se falta algum dos requisitos acima referidos (a e 6) quando, ainda concorrendo êles, o testador tenha expressado outra vontade. Se só um herdeiro é subordinado a uma fração, não há concurso de frações; portanto, não incide o art. 1.727, § 1.0: “são meus herdeiros A, B e C, cabendo a C 1/4 da herança”. Não pode haver excesso, porque não pode haver soma. Se um grupo de herdeiros foi instituído em frações, e outro não, e a soma das frações excede a unidade, aplicar-se-á ao grupo das frações o art. 1.727, § 1.0; se forem frações de uma parte certa da herança, então a redução será feita dentro dessa. Se houver dois grupos dentro de partes da herança e a soma das partes excede, reduzir-se-ão as partes proporcionalmente depois, se a soma das frações de cada parte excede essa, proceder-se-á à redução proporcional aos valôres das frações, sem que a fração de uma parte tenha qualquer relação com a de outra: em seus valores, os grupos se reduzem; mas as frações de cada um independem das frações do outro. O ad. 1.727, § 2.0, refere-se a herdeiros e legatários, mas entenda-se que os legados ou é de bem ou de ordem ao herdeiro e não se trata no mesmo plano que a herança. A copulativa do art. 1.727, § 2.0 (herdeiros e legatários) não os identifica em sorte. Dentre os legados, é que o testador pode preferir algum, e então os restantes sofrem a redução. Se o testador quiser, mandará que uma quota ou valor da herança se dê ao herdeiro preferido ainda em relação aos legatarios; então, aí, a redução abrangerá, excepcionalmente, os outros herdeiros e os legatários, mas primeiro aqueles e depois êsses (salvo, está visto, ainda neste pontq, outra preferência, que se não presume, quanto aos outros Herdeiros). Legados somente são atingidos se, com o cálculo do ativo e do passivo do acervo, a satisfação dêles atingiria a porção necessária. Antes dêles são reduzidas, talvez até a extinção da eficácia, as heranças testamentárias. A redução pode ir até bens divisíveis e indivisíveis (cf. 1•a Câmara Cível do Tnbunal de Justiça de Minas Gerais, 29 de março de 1951, .7. M., 11V, 416). O que se presume é que o testador quis que precipuamente se paguem os legados; porque é o que decorre, em geral, da categoria jurídica dos legados. Por isso mesmo, os legatários podem exigir que do patrimônio do falecido se discrimine o do herdeiro. Em concurso com os credores dêste, serão preferidos no pagamento (art. 1.799>. Pode ocorrer que a preferência seja perplexa, e não cabe aplicar-se o art. 1.727, § 2.0 (CARL CROME, System des deutschen buirgerlichen Rechts, V, § 689, 845, nota 26>.) 5.DISTRIBUÍÇIO INFERIOR Ao DEIXADO. Se o disposto quantitativamente é menos do que o disponível, mas, pela interpretação, se tira que o testador quis que aqueles que instituiu fôssem os seus únicos herdeiros, dá-se o inverso dos §§ 19 e 2.0: sobra, em vez de faltar; a herança maior que a tábua de frações, que a soma das deixas. Então o resto será distribuído proporcionalmente aos quinhões marcados. Cumpre notar que tal distribuição nada tem com o direito de acrescimento regulado nos arts. 1.710 e 1.716 (CARL CROME, System des deutschen búrgerliehen Rechts, V, § 689, 845, nota 25). Exemplo: A, 1/3, B, 1/4 e C, 1/6. Vale dizer: 4/12, 8/12 e 2/12. Aumenta-se para 4/9, 8/9 e 2/9, para que se esgote a unidade, que é a herança, de que só êles são herdeiros. 6. DISPOSITIVIDADE DAS REGRAS JURÍDICAS. As regras jurídicas que a lei consigna são meramente dispositivas; por-tanto, nelas pode alterar o testador o que entender. A vontade dêle, e não a lei, será atendida. 7. ÊRRO DO TESTADOR. Se o testador, ao dispor, estava em êrro sôbre o objeto da herança, de modo que, se conhecesse a circunstância, não testaria, pode ser anulada a verba da parte eivada. (Claro que o êrro sObre existência de herdeiros necessários constitui ruptura, assunto tratado a respeito dos arts. 1.750 e 1.751; se souber e os omitir, sem os deserdar legalmente, dar-se-á a redução, art. 1.752.) Assim, o testador diz: “A minha fortuna é de seiscentos mil cruzeiros novos; quero que os meus dois herdeiros não tenham mais nem muito menos de 200 e por isso instituo na têrça a D”. O testador só deixou quatrocentos mil cruzeiros novos: a deixa a O pode ser anulada pelo erro quanto ao objeto (cf. Tu. KíP, Lehrbuch des Rilrgerlicken Rechts, ~ 8.ª parte, 148). O artigo 1.727, § 1.0, não se aplica; tão-pouco, o § 2.0.
8. PLURALIDADE DE TESTAMENTOS. Se as frações constam de testamentos diferentes, põe-se preliminarmente a herança. Se o fideicomissário herdasse do fiduciário, suceder-lhe-ia nas dividas; e no entanto só pelas dívidas do testador responde o fideicomissário. Demais, não é verdade que o direito do fiduciário passe ao fideicomissário o que se dá é que o direito do fiduciário se extingue, e êle, por isso, perde a propriedade e a posse que recebeu; começa a atuação material do direito do fideicomissário, direito existente desde a abertura da sucessão e, por isto, quer dizer: porque começa a atuação, a propriedade e a posse lhe cabem. No fideicomisso, há duas. figuras, a do que recebe em primeiro lugar a herança, ou legado, que é o fiduciário, e a do que, ao chegar o termo, ou ao realizar-se a condição, vem após aquele. A êsse chama a lei fideicomissário. Sucessão, digamos, de dois herdeiros instituidos, ou de dois legatários: o pré-herdeiro e o pós-herdeiro. Um não substitui o outro: porque substituir é excluir; o fideicomissário propõe-se ao fiduciário. A figura que a lei permite e a que chama fideicomisso constitui dupla instituição no tempo, ainda que sejam dois, ou mais, os sujeitos beneficiados em cada uma. A dupla sucessão escalada no tempo, como diz F. ENDEMANN (Lehrbuch eles Bitrgerlichen Rechts, III, 371). O primeiro recebe a propriedade e a posse; o segundo, a vocação subseqüente. Não herda daquele, mas do testador; porque herdeiro êle o é desde o instante da morte do hereditando. A diferença entre o fideicomisso e a substituição vulgar é nítida: o segundo não substitui o primeiro, vem-lhe depois; não há nenhuma regra, ou ficção,’ pela qual, ao recolher a herança, se repute tê-la recebido no dia da morte. A lei constitui, com elementos concretos, a dupla vocação: uma, até um instante; e outra, dai em diante. O nôvo tempo apaga o que dos atos do primeiro poderia invadir o campo temporal deixado ao segundo. O fideicomissário não é co-herdeiro conjunto do fiduciário; daí não se lhe aplicar o art. 1.710. Se só tinha direito ao quinhão deixado ao fiduciário e não ao que eventual-mente acrescesse, pode o fiduciário receber o acréscimo sem obrigação de restituir (questão de interpretação). Há dois momentos no fideicomisso: o da abertura da sucessão, e o da passagem da herança ou legado ao fideicomissário. No primeiro, dá-se a formação da qualidade de herdeiro aos dois sujeitos e, quanto ao fiduciário, a transmissão dos bens. Ao fideicomissário a qualidade de herdeiro cria, desde logo, a sujeição fiduciária do instituído em primeiro lugar. Aliás, esta responsabilidade do fiduciário é o lado passivo do direito eventual do fideicomissário (lado ativo, E. ENDEMANN, Lehrbuclt des Riirgeriiúhúfl Rechis, III, 384). O fideicomissário é herdeiro do testador, e não do fiduciário: ambos são herdeiros. Na substituição, há duas pessoas pelo menos, mas, para que uma, duas ou mais. sejam herdeiros (substitutos), será preciso que a outra ou as outras não o sejam. Com o caráter de propriedade resolúvel, a visibilidade do fideicomissário, as cautelas dos livros de transferências de imóveis, a nítida composição de dois herdeiros sucessivos, muito se apagou no fideicomisso a fiducialidade da figura jurídica. Aliás, já em Roma o nome lembrava a feição primitiva do instituto, a fé, a lealdade da incumbência. For isso mesmo, o cardeal S. E. DE LUCA poderia falar de ftdewornm Sumduciarium, referindo-se àquele em que há o instituído e o fideicomissário, mas êsse à escolha ou deixado em segredo ao fiduciário (ou a outrem). Hoje, se definirmos fideicomisso “quod per intermediam personam, sive per ministerium alterius alicui relinquitur”, como PIRIIINO, ou “omne id quod rogatur, defuncti dari debet vel facere”, como GRAVINA (InstttuttOfles iuris Civitis, II, 99), teremos abrangido o fideicomisso e a fidúcia, ao passo que, na terminologia do Código Civil, fideicomisso é só a figura dos arts. 1.733-1.740. t principio assente, por atender à própria natureza do fideicomisso, que o fideicomissário não pode exigir a propriedade e a posse, nem só aquela, enquanto não se extingue o fideicomisso (isto é, o direito do fiduciário). O direito do fideicomissário é direito a se inserir na relação jurídica real de propriedade e posse quando cessar o direito do fiduciário. Há posterioridade, e não simultaneidade. Bem disse a 2•a Turma do Supremo Tribunal Federal, a 29 de agosto de 1950 (R. F., 136, 109), que, no fideicomisso, as liberalidades São sucessivas e a propriedade se mantém, inteira, atribuida ao fiduciário, embora restrita e resolúvel: antes da substituição, não pode o fideicomissário reivindicar. Se o fiduciário aliena o bem como se não houvesse o direito do fideiconiissário, tem esse as. ações para que se estabeleça a explicitude da restrição pela resolutividade, que é intrínseca ao fideicomisso. Uma das ações é a ação de retificação do registro de imóveis. Nos sistemas jurídicos que não têm ou não têm em textos legais explícitos o fideicomisso, compreende-se que se lançasse m~o da figura do usufruto, ou que se começasse com ela para se chegar à construção doutrinária (cf. E. TROPLONG, Der Donations et Testaments, 1, 144). A jurisprudência brasileira tem advertido que, no sistema jurídico do Brasil, é absurdo estar-se a invocar o que no estrangeiro se tem discutido e sustentado. O que pode surgir é questão de interpretação da verba testamentária: se, iv. casu, há fideicomisso, ou se há usufruto. O que importa é a vontade do testador, a sua intenção (cf. 1? Turma do Supremo Tribunal Federal, 9 de agosto de 1946, R. F., 112, 6o, e ‘7 de agosto de 1952; antes, Supremo Tribunal Federal, 2 de julho de 1942, 19. da .7. de 13 de outubro de 1942 e 25 de julho de 1943, e 3 de agosto de 1942, 1?. dos T., 146, 884; 1.a Câmara Cível do Tribunal de Apelação de Minas Gerais, 8 de novembro de 1945, E. F., 105, 525, e 8 de fevereiro de 1942, 105, 324: “Dispondo o testador que o beneficiado terá o usufruto e que, por sua morte, o bem passará a tais outros, não institui usufruto, mas fideicomisso, porque no usufruto há ao mesmo tempo dois beneficiários”; 2•a Câmara Cível
do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 80 de julho de 1948, R. .1., 1, 68, l A Câmara do Tribunal de Justiça da Paraíba, 12 de julho de 1949: “Se bem que perfeitamente definidos em doutrina os dois institutos, na prática não é tarefa fácil distinguir se determinada disposição testamentária constitui fideicomisso ou usufruto. As dúvidas de interpretação, porém, se atenuam com as noções geralmente aceitas para estabelecer seus caracteres essenciais de distinção”; 13 Câmara Cível do Tribunal de Ape1ação do Rio de Janeiro, 22 de abril de 1946, R. F., 107, 515; 6. Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 18 de abril de 1951, 1?. dos T., 192, 292). Alguns acórdãos são evidentemente errados; e.g., o da 6•a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a ‘7 de março de 1952 (1?. dos 7’., 201, 195). Sempre que o testador estabelece sucessividade, não há usufruto, nem substituIção vulgar (salvo se falou em “falta do beneficiado”).No fideicomisso, há direito do fideicomissário à propriedade e à posse. O direito já existe à data da morte do testador, quando o fiduciário já é proprietário e, de regra, já é possuidor. A propriedade e a posse do fídeicomissúrio não decorrem da morte do fiduciário, porque o direito a propriedade e à posse já nascera com a morte do testador e apenas se aguarda que o fiduciário as perca. Duas transmissões, numa só deixa testamentária; porém uma, pela sucessividade, dependente da extinção do direito real do fiduciário. Cf. 6.~ Câmara Civil do Tribuna] de Justiça de São Paulo, 18 de abril de 1951 (1?. dos 22., 192, 292> “No fideicomisso, a herança é uma só, destinada a dois herdeiros, em períodos que se sucedem, em continuação um ao outro. Se é certo que o fideicomissário só recebe os bens no momento em que se opera a substituição, é verdade também que a causa desse recebimento preexiste a essa entrega efetiva, é anterior, decorrente do ato do instituidor, em que a transinissio encontra a sua origem. A Liberalidade no fideicomisso não decorre da morte do fiduciário, mas da própria instituição do fideicomisso, que é o ato produtor da transmissão dos bens”. A propriedade não se fraciona; toca, por inteiro, ao fiduciário; depois, ao fideicomissário (3.~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 20 de setembro de 1949, 1?. dos T., 182, 834). Se, além da cláusula de fideicomissão, o testador inseriu no testamento a cláusula de inalienabilidade por parte do fideicomissário, isso de modo nenhum significa que o fideicomissário não possa renunciar a herança (sem razão, a g•a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 28 de junho de 1949, R. dos T., 182, 192). O fideiconiissârio já é, desde a abertura da sucessão, titular de direito expectativo à herança (cf. Tornos V, § 577, e XIV, § 1.601). 11.TESTAMENTARIEDADE DO FIDEICOMISSÁRIO. O fideicomissário é sempre herdeiro testamentário, ainda quando construida; o fiduciário pode ser legítimo. Exemplo: “os meus herdeiros, quando A se doutorar em medicina, entregar-lhe-ão o prédio x”. A herança passou segundo os arts. 1.574, 23 parte, 1.673, ou, talvez, 1.726 (nesse o herdeiro necessário é herdeiro testamentário). Como aqueles dois primeiros artigos concernem a sucessão legitima, legítimos são os herdeiros, embora sujeitos ao fideicomisso. Daí o dizer de OTTO WARNEYER (Kammentar zum Biirgerlichen Gesetzbuch filr das Deutsohe Rewh, II, 1135) : “Auch nach dem gesetzliehen Erbeu kann em Nacherben eingesetz werden”. Poder-se-ia sustentar que houve, aí, instituição tácita dos legítimos; mas sem razão (Tu. KIPP, Lehrbuch. des Biirgerliehen Reehts, II, 3, 306; contra, E. LEONHARD, em GEORO EROMMIIoLD, Kommentar zum EGE., nota IV a, ao § 2.100). 12.NATUREZA DO DIREITO EXPECTATIVO DO FIDEICOMISSÁRIO. fora de discussão o elemento germânico que se introduziu nas modernas formas de fideicomissos, principalmente nesse ponto delicado do direito expectativo hereditário do segundo instituído, o Erbenwartreoht do velho direito alemão. Note-se bem: direito eventual, e não expectativa. Quem diz expectativa com a velha e hoje inadmissível noção de expectativa, JOAQUIM AUGUSTO FERREIRA ALVES (Da Sucessão testamentária, Manual do Código Civil brasileiro, 359) não diz direito subjetivo; e o direito do fideicomissário é direito subjetivo (J. TsCIIIERSCHKY, Recht des Naeherben, §§ 4 s.). Direito hereditário específico, parecido, porém não idêntico aos outros direitos eventuais reais, entendeu E. ENDEMANN (Lehrbuch des Burgerlichen Rechts, III, 881). Alguns escritores recorreram a explicação pela propriedade segundo a concepção alemã: um sobre proprietário, que tem a propriedade e usufruto, sem que possa alienar ou transmitir o bem, e o sub-proprietário, que vela pelo seu direito e espera o evento (A. HEUSLER, Institutwnefl des deutsehen Privatreehts, II, § 87, 49). Mas teria poucas conseqüências práticas a construção e foi posta de lado. A mais moderna teoria é a do direito real do fideicomissário; é real o direito eventual dele. Assim, E. RITGEN em G. PLANCK (Búrgerliches Gesetzbuch, V, 272), F.HERZFELDELt (Erbrecht, J. v. Staudiflgers Komrnentar, V, 9•a ed., 515), A. TRIESING (Einige Bemerkungen úber das Rechtsverhãltnis zwischen Vorerben u. Nacherben, Archiv fiir die civilistische Praxis, 94, 262) e tantos outros. Há os que opõem a esses o caráter puramente hereditário, que tem o direito do fideicomissário. Mas verdade é que pode ser as duas coisas, não só direito hereditário específico, patrimonial, subjetivo e dependente de resolução, como quer F. ENDEMANN (Lehrbueh. des Bhirgerlichen Ileehts, V, 385), e sim também hereditário real, segundo
mais nos parece. A jurisprudência alemã é pelo caráter real desse direito (Resp., 26, 329) ; e temos dado, na prática, todas as conseqüências a essa concepção. 13.FIDEICOMISSO E DIREITO REAL. Provas de ser real o direito do fideicomissário: a) assegura-se realmente pela transcrição nos registros de bens (imóveis, apólices de dívida pública, ações de companhias, etc.) ; b) no caso de alienação ‘dos bens fideicomitidos, dá-se a sub-rogação real; o) são ineficazes as alienações que o fiduciário não poderia fazer; á) ao tempo do evento, podem ser reivindicados os bens, assim como nos casos da letra e). Direito subjetivo, positivo, real; a sua eventualidade só concerne à entrega dos bens. Não é simples expectativa: com a abertura da sucessão, não será possível revogá-lo, ou torná-lo ineficaz, ou infirmá-lo, as disposições testamentárias, que o criaram, se tornaram irrevogáveis; está assegurada, desde aí, a sua evolução até o pleno direito (“Entwicklung zum Vollrecht”, dizem juristas alemães), precisado o seu objeto, e previstos, de acordo com a vontade do testador, ou pelas regras dispositivas do Código Civil, os seus riscos, inclusive (o que poderia ser invocado contra a concepção do direto subjetivo real) a sua inerdabilidade. A entrega dos bens, a restituição, um dos efeitos do direito, pode não se dar (e.g., no caso do art. 1.738) ; mas um direito, para existir, não depende de se lhe seguirem, ou não, as conseqüências. Noutro dominio jurídico, há fenômeno que bem mostra isso. No direito internacional privado, quando a -alguém cabe certo direito, a que a situação dos bens ou o exame pela justiça de introdução impede, por invocação de ordem pública, todos ou alguns efeitos. Um direito existe por si, como direito, e não se existir a eteira dos seus efeitos. O direito do fiduciário, normalmente, é alienável, suscetível de hipoteca. Se o testador e o fiduciário morreram no mesmo momento tu se presumem simultaneamente mortos (art. 11), o nomeado por fideicomissário não o é e sim pleno herdeiro. Não houve o lapso indispensável à eventualidade do seu direito. O direito brasileiro não limita, no tempo, o fideicomisso; satisfaz-se com a restrição pelos graus (art. 1.739). 14.PASSAGEM NOS BENS FEICOMITIDOS. O segundo momento dos fideicomissos é aqueles em que os bens passam ao fideicomissário. Em vez de titular do direito, positivo, real, é certo, mas, em todo o caso, dependente, quanto à entrega, de acabar o direito do fiduciário, torna-se ele o herdeiro pleno; em vez de ter o direito do pósherdeiro passa a ter o pleno direito. Essa noção do pleno direito, em comparação com o direito eventual, é vulgar na ciência jurídica, e reflete-se na terminologia das duplas instituições: pós-herdeiro, Nacherbe, com direito eventual, subjetivo, Wartrecht, e pleno herdeiro, Volierbe, com o direito pleno, Vollreeht. Voilerbe é o que recebe a herança sem pós-herdeiros, nem condições; o fiduciário, no dia em que morre o fideicomissário, cujo direito acontece ser hereditariamente intransmissível, torna-se Voilerbe, como o fideicomissário o será no dia em que terminar o direito do fiduciario. É preciso que o fideicomissário, ao tempo da passagem, ainda viva? Isto não é de direito cogente. Se o testador disse “herdeiros legítimos”, compreende-se; se fêz personalíssimo o fideicomisso, também se compreende: nos outros casos, não. Para os últimos, cumpre distinguir: a) Fideicomissário que vivia ao tempo da abertura da sucessão e já não vive, sendo herdável o direito dele. b) Fideicomissário que vivia ao tempo da abertura da sucessão e já não vive, sendo inerdável o seu direito. e) Fideicomissário que já não vivia ao tempo da morte do testador. Nos dois últimos casos, cabe a regra; no primeiro, não. Atendidas as considerações que fizemos sôbre fideicomissos personalíssimos e não personalíssimos, o que decide de tudo isto é a interpretação. Tanto mais quanto (caso e), em vez da herdabilidade do direito eventual, questão que se desenrola, na herança do fideiconiissário, a respeito da natureza. do seu direito, pode surgir, e não raro surge, a da substituição dele, problema que concerne, na herança do testador, ao teor da verba da segunda instituição. d) Sendo possível, como é, a substituição de pessoas nomeadas fideicomissários aos casos em que ainda n& vivem, a respeito delas não cabe a regra. – O fideicomissário pode ser prole eventual do fiduciário, ou de outrem. Poder ser quem apenas está concebido. Não se pode, porém, generalizar a ponto de se dizer, como fêz a 43 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 20 de novembro de 1947 (1?. dos T., 172, 119), que “não obsta ao fideicomisso a inexistencia do fideicomissário ao tempo da morte do testador, pois que êle deve já existir por ocasião da morte do fiduciário 15.FEIÇOMISSOS PERSONALISSIMOS; E FIDEICOMISSOS A TERMO E HERDÁVEIS. Quanto ao conteúdo e aos efeitos, é de todo proveito distinguir duas espécies: a)Os fideicomissos personoissimos, cujo direito eventual é inerlúvel. a) Tal o caso dos fideicomissos condicionais, se outra coisa não dispôs o testador, e dos fideicomissos a termo de morte do fiduciário (art. 1.788), salvo se o contrário quis o testador. No direito brasileiro, devido à regra do art. 1.788, a. grande maioria dos fideicomissos é inerdavei. Morto o fideicomissario antes do fiduciário, cai o fideicomisso, e a propriedade do fiduciário se consolida. Não é mais um pré-herdeiro, e sim um pleno herdeiro. b> Também são personalíssimos os fideicomissos a termo, quando assim os queria o testador; porque o art. 123 é dispositivo, e não inscogens. Do conteúdo da verba é que se tira a herdabilidade, ou não, do direito do fideicomissário. Se nada disse, quanto a isto, o testador, então
cumpre considerar herdável o direito, nos fideicomissos a termo, e inerdável, nos condicionais ou a termo de morte do fiduciário. Raciocínio Osse assaz importante para o ônus de prova: a quem alega a herdabilidade do fideicomisso condicional cabe fazer a prova disso; outrossim, se a termo de morte do fiduciário. Mas, em se tratando de fideicomisso a termo, o ônus toca a quem sustenta a inerdabilidade (cp. F. ENDEMANN, Lehrbneh des Búrgerlichen Rechis, III, 388 e nota 19). O fiduciário condicional ou a termo de morte invoca o art. 1.730 e isto lhe basta para impor aos herdeiros do fideicomissário onus de provar; por seu lado, nos fideicomissos a termo, esses invocarão o art. 123. No direito austríaco, a Nov. III, de 1917, art. 59, que acrescentou urna alínea ao Código, art. 615, fêz herdável o direito de qualquer fideicomissário; quer dizer: os herdeiros dele, sucessores no direito eventual, receberão, mais tarde, a abertura da pós-herança, os bens fideicomitidos, se o fideicomissário morrer depois do testador e antes daquela abertura. A regra, que se introduziu, é ais positiva. MARCEL DE GALLAIX (La Ré! orme dii Coãc Civil autrichiefl, 85), incide em erro crendo interpretativa a regra jurídica. b)Os fideicomissos ndopersonaliS5iflWs cujo direito eventual é herdável. Tal se dá quando a termo (art. 128) ou. nos casos de fideicomissos a termo de morte do fiduciáriO, e nos condicionais, se o testador assim o quis. Se o fideicomissário morre antes do testador, os bens vão, em pleno direito, ao fiduciário; salvo se há substituição, O que, na dúvida, nestes casos, se deve presumir. Se a morte do fideicomissário ocorrer após a abertura da sucessão, herdam o direito eventual os seus sucessores legítimos e testamentários. Entre a abertura da sucessão e a entrega dos bens, o direito do fideicomissário é alienável, empenhável e penhorável. No caso de fideicomissos personalíssimos a alienabilidade, a empenhabilidade e a penhorabilidade do direito do fideicomissário dependem da construção da verba. Aqui, na dúvida, é inalienável. e não suscetível de se empenhar ou de ser penhorado. 16.PRESSUPOSIÇÕES ESSENCIAIS A CERTOS FIDEICOMISSOS. Se o testador disse: “Deixo a meu filho A x cruzeiros em apólices, a meu filho E, x cruzeiros; pela morte de A, passarão os x cruzeiros em apólices a C, porque A não tem filhos”, existe aí, querido pelo testador, um fideicomisso. Se nasce um filho a A, ou se, sem que o testador soubesse, existia, o juiz, na interpretação, tem o papel oposto ao que teria no fideicomisso construtivo. Não criará figura; cortará, para melhor servir a vontade do testador, a construção que êle quis. Porque, como bem disse F. ENDEMANN (Lehrbuch des BúrgerUchen Rechts, III, 380), tem de ser riscada, no sentido ex voluntate, a instituição do fideicomissário. interessante ocorre ainda que, ainda depois de aberta a sucessãO, de construída como se fosse uma só instituição a verba testamentária, se, antes da morte do filho, morre o neto, volta a valer a dupla sucessão: O, que estava afastado, adquire, desde a morte do testador, o direito eventual à sucessão em segundo lugar (ii. SALINGER, Die acherbfolge nach dem aGE., Archiv fir Ejirgerliches Recht, 19, 149; EMIL STROHAL, Das deutsohe Erbrecht, 3a ed., § 27, IV). Êsse voltar à vida não é estranho ao querer do testador: está implícito na verba. O testador tem uma filha, de cujo casamento, com um fraco de espírito, não há prole. A verba diz: “morta minha filha, não quero que os bens que lhe deixo passem ao marido, imbecil, que é; irão aos sobrinhos”. O marido morre, recasa-se a mulher. Talvez lhe nasçam filhos. O juiz não pode cumprir a verba tal como foi construída antes. Quando se interpretar a verba de fideicomisso como se o testador só tivesse instituído o estranho para o caso de não ter descendentes ou descendente instituido fiduciário, a construção será de instituição com cláusula resolutiva, e não suspensiva (E. LEONHÂRD, em GEORG FROMMHOLD, I
válida quanto ao sujeito e quanto ao objeto. A segunda poderá enquadrar-se nos arts. 1.668, 1, ou 1.718, a cujos comentários nos reportamos, O art. 1.668, 1. permite que se disponha a favor de pessoa incerta que deva ser determinada por terceiro dentre duas ou mais pessoas pertencentes a uma família. “Deixo a A o prédio x”, dirá o testador, “e A, daqui a dez anos (ou por testamento), pagará a um dos filhos de E, à sua escolha”. Vale a disposição: contém verba do art. 1.788 combinado com o art. 1.668, 1. Poderá diminuir a liberdade de escolha e acrescentar: “ao filho de E que, a seu critério, mais merecer”; ou, mais restrita a eleição, “ao que, pelos estudos, mais se tenha distinguido”. Se o testador dispôs que passaria “a um dos filhos de E, que A escolher, se E os tiver”, também vale: dá-se o fideicomisso associado ao art. 1.668, 1, e à figura do art. 1.718, cuja natureza já estudamos. O fideicomisso eletivo, para valer, não precisa ser de escolha de membros da família; pode também referir-se a prole eventual de qualquer pessoa designada e existente ao abrir-se a sucessão (art. 1.718) ; a duas ou mais pessoas mencionadas pelo testador (art. 1.668, 1, pr.) ; a duas ou mais pessoas pertencentes a estabelecimento designado pelo testa dor (art. 1.668, 1, in fine) ; a pobres. “Deixo o prédio x a A, passando por morte dele aos pobres dos estabelecimentos (ou lugar) que A em testamento designar”. 8.FIDEICOMISSOS CONSTRUTIVOS. A vontade do testador é que pode fazer o fideicomisso. Porém, em certos casos, surge o fideicomisso construtivo. Neste, o intérprete da disposição testamentária lança mão da figura de um pré-herdeiro, ou de um pós-herdeiro, vale dizer, na linguagem da lei, de um fiduciário, ou de um fideicomissário, como beneficiário auxiliar, herdeiro prestimoso, que exsurge para a função da construtividade interpretativa. É o “Aushúlfeerbe” de E. ENDEMANN (Lehrbuch des Burgerlichen Rechts, III, 377). Não é pré-sucessão, ou póssucessão, sem ou contra a vontade do testador, porque, se a vontade dele faltou para o criar (talvez devido a sua ignorância do direito, ou a confusão de sistemas jurídicos, vulgar nos estrangeiros naturalizados), existiu para querer o resultado. É justamente em atenção ao fim a que êle quis chegar que o juiz compõe, com os dados volitivos que encontra, ou segundo a conveniência ditada, objetivamente, pelo fim querido, a figura indispensável à plena eficácia da verba. O art. 1.666 estaria sacrificado se tal caminho não tomasse o julgador. Se analisarmos o proceder a que aludimos, veremos que se fixaram os olhos no resultado querido pelo testador e encheu-se, com o elemento jurídico contido nas leis, o necessário às conseqüências desejadas. Procedeu-se no interpretar como se quisesse os meios alquile indivíduo que quis os fins. Na espécie, sendo legais esses meios, sendo juridicamente possíveis e adequados ao resultado querido, a construção não incide na condenação do brocardo “os fins justificam os meios” (ex hypothesi, os meios são legais), nem incorre na censura de ser sem ou contra a vontade do testador. Sem a vontade, ou contra vontade dele, seria quererem-se resultados diferentes, ou não se atender à disposição por se ter querido o fim sem se ter querido o meio. Diz E. ENDEMANN (Lehrbuch des lihirgerlichen .Rechts, III, 877). Se a sucessividade de herdeiros repugnaria ao testador e de modo nenhum pensou nela, então tudo muda: ou vale a instituição de herdeiro, ou legado, que se extrai das palavras, ou não vale e cessa o dever que aos juizes dá o art. 1.666. Vamos aos exemplos: a) “Deixo 100.000 cruzeiros novos a E aos 80 anos”. Seria uma disposição nula, porque violaria o preceito que veda heranças sem herdeiros; se reputarmos nulo o termo suspensivo, está ferida a vontade do testador, que deve ter tido razões para querer e, com o quer que seja, quis que E só aos 30 anos recebesse. Mas há a regra de interpretação do art. 1.666: o juiz construirá como se o herdeiro legítimo ou testamentário, ou, talvez, o testamenteiro, fosse o fiduciário. b) “Deixo a E até a sua morte”. Entre a violação e o respeito do querer do testador, a atitude do juiz somente pode ser a de salvar a verba testamentária: construi-la-á como se o fideicomissário fosse o herdeiro legítimo ou testamentário. No primeiro caso, ergueu-se, auxiliarmente, o fiduciário construído; no segundo, o fideicomissário construído. Não cabe cogitar-se de fideicomissário construtivo quando, antes da abertura da sucessão, morrer o beneficiado até certo tempo. Nem de fiduciário, quando morreu, antes da abertura da sucessão, o beneficiado a partir de certo tempo (cp. Orrn WARNEYER, Kommentar, II, 1188). Cumpre notar o seguinte: a) na construção dos fideicomissários (“deixo x a B até 1940”, verba na qual E é fiduciário, e fideicomissários os herdeiros legítimos), a Fazenda não é herdeiro legítimo, e, se não há herdeiros, herda E o pleno direito, considerando-se não escrita a restrição; b) na construção do fiduciário: “deixo x a 13 a partir do ano de 1980 ou se acontecer tal fato”, B é fideicomissário, e fiduciários os herdeiros legítimos, inclusive a Fazenda; porque, aqui, ficara sem dono a herança, contra o propósito da lei (artigos 1.665 e 1.666). Claro que isso tudo só ocorre no caso de nenhum outro elemento interpretativo que denuncie qual tenha sido a vontade do testador. Aí, a lei não coage, não exerce pressão, auxilia, ampara. Quase sempre há dados volitivos de que se induza ter sido indicado o testamenteiro ou algum outro legatário. § 5.835. Situação jurídica dos figurantes 1.SITUAÇÃO JURÍDICA DO FIDUCIÁRIO. A posição do fiduciário dimana do próprio pensamento fundamental do instituto, que é receber o fiduciário a herança ou bem, usufrui-lo, até que, ao advento do termo ou condição,
restitua ao fideicomissário a substância (TIl. KTPP, Lehrbuch des Bilrgenlichen Rechts, II, 8, 307). Daí a semelhança com o usufruto, porém mais acentuado o seu poder (“Longe maius consetur ius heredis gravati”, dizia o Cardeal J. 13. DE LixA, “quam usufructuarii, cum ille ínterim, donec fiat casus restitutionis, dicitur versus ac perfectus dominus, quod de usufructuario dici non potest”): não se partiu a propriedade em nua-propriedade e usufruto, aquela para o fideicomissário, e êsse para o fiduciário; todos os elementos estão com o fiduciário, temporalmente limitados. A resolutividade da propriedade do fiduciário não a faz inalienável; só o faria a vontade do testador. O fiduciário pode: a) Hipotecar, dar em anticrese, penhor, ou caução, os bens fideicomitidos. b) Aliená-los, se não houver proibição expressa, e) Locá-los, transferir a exploração deles. Claro que o testador pode gravar de restrições de poder (cláusulas) os bens, quer no lapso da fiducialidade, quer ao tempo da entrega ao fideicomissário, quer o direito desse aos bens, quer todos os direitos de um e de outro tempo. Se o fiduciário aliena alguns bens do fideicomisso,as alienações subsistem; facultado ao fideicomissário, depois do advento do termo ou condição, reivindicá-los (MANUEL DE ALMEIDA E SOnSA, Notas de Uso prático e críticas, III, 438). A opinião contrária de M. A. COELHO DA ROCHA (Instituições de Direito Civil português, § 718) não pode subsistir perante os arts. 1.784 e 647, salvo nos fideicomissos anormais em que tal restrição existir, ex voluntate. Transcrita a verba que veda a alienação, os atos traslativos não permanecem. O fiduciário pode transigir nos negócios litigiosos relativos aos bens fideicomitidos; mas responde segundo os princípios. Se tiver de haver partilha entre êle e terceiro, dar-se-á o mesmo. A intimação aos fideicomissários para se representarem e intervirem põe o fiduciário a salvo de futuras reclamações. Se os fideicomissários são nascituros ou a serem concebidos, deve-se requerer que se lhes nomeie curador (Turim, 29 de dezembro de 1810). 2.SITUAÇÃO JURÍDICA DO FIDEICOMISSARIO. Herdeiro do testador, tem a sua qualidade e o seu direito desde a abertura da sucessão; falta-lhe a entrega dos bens, que depende do têrmo ou da condição. Nos fideicomissos não personalíssimos, o fideicomissário pode alienar o seu direito. A despeito de longa discussão foi a isso que chegou a praxe alemã, contra a grande corrente da doutrina (PAUL MEYER, Das Erbrecht des 13GB., § 45; F. HERZFELDER, Erbrecht, J. v. Staudingers Kommcntar, V, 515; E. KRETZSCHMAR, Das Erbrecht des deutschen 5GB., 2,a ed., § 85, 202 5.; F. LEONHARD, em GEORO FROMMHOLD, Kommentar zum 13GB., nota 1, C, ao § 2.108). Vitorioso foi E. ENDEMANN (Lehrbuch des Biirgerlichen Rechts, III, 460) ; e com tôda a razão: trata-se de direito, e não de expectativa. Direito que tem seus riscos, mas direito. O fideicomisso, deixado a um dos cônjuges, e não recebido na constância da sociedade conjugal, não se comunica; porque a propriedade está com o fiduciário. O direito do fideicomissário é suscetível de garantir, de modo real, dividas (isto é, ser objeto de direito real de garantia), e de ser penhorado. É empenhável e penhorável (E. SCHLECELBERGELI, Seu fferts Rldtter, 78, 1; OTTo WARNEmR, Kommentar, II, 1186; contra: DU CHESNE, Seufferts BlÉttter, 75, 235). Nada obsta a que se inscreva a hipoteca (arts. 831 s.) dc direito do fideicomissário de bens imóveis (OTTo WARNEYEE, Kommentar, II, 1186) : se, nos casos de não hereditariedade do direito do fideicomissário, êsse morre, perece o objeto da garantia real. O direito do fideicomissário não é desmembrado da propriedade, como o uso, a habitação, o usufruto; é um direito positivo, que dá ao fideicomissário todos os atos e os direitos relativos ao registo de imóveis ou as medidas concernentes ao acautelamento dos móveis. A transcrição, que se faz, deve conter tôda a verba; se essa é suscetível de várias interpretações e já se deu alguma, que tenha passado em julgado, devem ser transcritas a verba e a interpretação dada. 8.O FIDEICOMISSO QUANTO Às RELAÇÕES ENTRE OS DOIS HERDEIROS SUCESSIVOS. Quase todo o problema do fideicomisso se resume no saber-se qual a situação jurídica entre o fiduciário e o fideicomissário durante a duração da fiduciariedade. A lei procurou a linha intermédia (E. ENDEMANN, Lehrbuch des Búrgerlicken Rechts, III, ~893) e fêz a ambos herdeiros do testador. Nem o fideicomissário é simples usufrutuário, uma de cujas consequências é não se lhe aplicar o art. 741, nem, tão-pouco, aquelas figuras, a que já nos referimos, do purus minister, do nudus minister, simples canal de transmissão dos bens, carreta subjetiva de herança alheia. Duas espécies principais de fiduciários podem-se apontar: a)O normal, ou limitado, que é aquele que resulta da aplicação das regras dispositivas da lei (arts. 1.734-1.738): propriedade resolúvel e restrita da herança; obrigação de proceder a inventário dos bens fideicomitidos; pleno direito, se o fideicomissário recusa a herança ou legado; consolidação da propriedade no caso de o fideicomissário morrer antes do • fiduciário, quando fideicomisso a têrmo de morte do fiduciário ou condicional. Também o fiduciário limitado ou normal é verdadeiro herdeiro e senhor da herança. A êle vão os bens ipso jure, como a qualquer outro herdeiro (art. 1.572). Tem saisina. Pode ter encargos a cumprir, como qualquer herdeiro. Se há co-herdeiros nas circunstâncias dos arts. 1.710-1.712, recebe por acrescimento. A quota, a que se refere o art. 1.715, fica com êle, nos casos em que ficaria com qualquer outro herdeiro. Como quer que seja, a posse fica com o fiduciário. Tocam-lhe os direitos e os deveres resultantes da usufruição dos bens sujeitos ao fideicomisso. Quanto a dividas da herança, a situação dêle é igual a dos herdeiros com direito
pleno. Será herdeiro de direito pleno: a) se o fideicomissário é incapaz ou morreu antes do testador; b) se o fideicomissário recusa a herança (art. 1.785) ou é julgado indigno; o) se, nos casos do art. 1.738, o fideicomissário morre depois do testador e antes dêle; d) se prescrever o direito hereditário do fideicomissário. Tudo isso quanto ao fiduciário normal. Porém os arts. 1.734-1.788 são dispositivos, donde a possibilidade de variantes sutis da figura. Cada artigo, mediante contrária ou diferente vontade do testador, concorre para essa multiplicidade de tipos, para os quais, na prática, é preciso todo o cuidado dos interessados, advogados e juizes. Quanto a fruição da propriedade fideicomitida, por ser herdeiro limitado e não pleno herdeiro, deve o fiduciário têla como própria, usá-la e frui-la, mas sem lhe prejudicar a substância. Nesse ponto, a sua situação é quase idêntica à do usufrutuário, à de quem quer que usasse e fruisse bem alheio (E.ENDEMANN, Lehrbuch des Bítrgerlichen Redita, V, 896>. É preciso reter a seguinte regra: quando se constrói um fiduciário, deve-se construir o mais próximo possível do tipo formal. (E. ENDEMÂNN, Lehrbuoh dos Bilrgerlichen Rechis, III, 445, entende que se há de obedecer ao normal; mas raríssimos são os casos no que êle não advertiu de construção que possa atender ao tipo rígido. Donde termos formulado a regra como de máxima aproximação possível, e não adoção mecânica do exemplar oriundo dos artigos dispositiVos da lei.) b)O fiduciário anormal. O Código Civil, nos arts. 1.784- 1.738,formulou regras jurídicas dispositivas. A figura jurídica resultante constitui o tipo normal. São regras que entram onde não há vontade do testador. Evitam o vazio: dispõem. Se o testador diz a mesma coisa continua a ser normal a figura. Se quer o contrário, ou não quer a mesma coisa, já os artigos 1.734-1.788, que não são ius cogens, não podem ser aplicados. Dá-se, então, a fiducialidade anormal, quer se tenha alterado o fiduciário-modêlo, quer o fideicomissário-modêlo. Os alemães falam de “befreiter Vorerbe” e W. HOTHORN dedicou-lhe interessante estudo. Uma vez que se não ajustam vontade do testador e preceitos da lei, para se conhecer a “concreta figura”, será preciso saber o que o testador quis e o que, dos artigos do Código, se lhe aplica. Há fideicomissos em que as regras legais são, quase tôdas, se não afastadas, atenuadas, corrigidas. Em quanto o fiduciário normal é um só, podem ser assaz diferentes, entre si, os anormais. Na Alemanha, o caso típico é o Berliner Testament. As alterações mais notáveis são as relativas ao reforçamento dos podêres de administração, fruição e disposição pelo fiduciário, e as concernentes à atenuação dos podêres jurídicos. 4.VARIANTES FIDEICOMISSARIAS. Admitido o fideicomisso anômalo, devemos exemplificar as variantes de que ésuscetível a figura, desde a simples alteração no modo de restituir até o fideicommissum eius quod superfuturum erit. a)Ao fiduciário pode permitir o testador: a) que restitua, não a coisa, ou a herança, mas o valor da coisa, ou da herança; b) que restitua em prestações, que o testamento dirá em que tempo, ainda vagamente, ou a razoável critério do fiduciário, ou do fideicomissário, ou do testamenteiro. Os dois casos (a e b devem ser transcritos no registo dos bens, porque é de grande importância para terceiros; c) que opte entre a entrega dos bens herdados, ou outro, que seja do fiduciário, ou êle adquira; d) que não preste a caução do art. 1.734, parágrafo único; e) que os títulos ou valôres fideicomitidos sejam depositados em banco, ou convertidos à escolha do fiduciário, dispensada a caução; f) que o fiduciário possa sub--rogar o valor (supõe-se fixado) por determinados títulos, sem se ouvir o fideicomissário; g) que só restitua o que restar dos bens. b)Pode o testador exigir ao fiduciário: a) que destine parte das rendas à conservação dos bens ou à reserva de desvalorização; b) que os títulos ou valores sejam depositados em estabelecimento escolhido pelo fideicomissário, pelo testamenteiro ou pelo juiz; e) não que êle submeta a sua administração ao controle do fideicomissário, ou à sua aprovação periódica, mas que, nas aplicações relativas à substância (benfeitorias com o capital, restaurações, demolições de paredes internas, mudança de destino da coisa), ouça o fideicomissário. c)Não é possível: a) Tirar a posse e a fruição ao fiduciário e dá-la ao fideicomissário (F. ENDEMANN, Lehrbuch des Biirgerlichen Rechts, III, 449) ; mas, se o testador nomear administrador aos bens do fiduciário, por exemplo: devido a tratar-se de pessoa incapaz, vale a nomeação (arts. 411, parágrafo único, e 453), ainda que seja o fideicomissário. A nomeação de testamenteiro que administre o fideicomisso é sempre possível. b) Permitir que o fideicomissário peça, quando entender, a herança, ou legado. c) Eximir o fiduciário da responsabilidade pelos danos causados (se bem que possa permitir que só restitua o que restar da herança). d)Além das variantes acima, são possíveis: a) as que tornem herdável o direito do fideicomissário condicional ou a termo de morte do fiduciário; b) as que tornem inerdável o. direito do fideicomissário a termo; o) as que não permitirem a caducidade por motivo de recusa do fideicomissário (artigo 1.785), caso em que, se o testador não disse a quem iria, ou não houver conjunção, irá aos herdeiros legítimos; d) as que criarem substituição nos casos de premorte o fideicomissario, ou de indignidade; e) as que tirarem ao fideicomissário o direito ao que ao fiduciário acrescer. 5.INTUITO PRINCIPAL DO TESTADOR. Matéria, onde a vontade do testador faz lei, muito se deve apurar quanto à intenção dele no fideicomitir a herança ou parte dela. Um exemplo melhor dirá da importância do intuito:
“Deixo o prédio da rua x para que se sustente o meu amigo A, enfermo. no Hospital x; e quando êle morrer, passe ao meu filho B”. Está-se a ver que o testador quis apenas prover à mantença de A, pessoa estranha. Se B premorre, deixando filho, nada justifica que o prédio vá aos herdeiros de A, quando A morrer. Os netos do testador, filhos de E, é que devem recolhê-lo. O art. 1.738 foi afastado pelo intuito do testador. Diante das considerações que acima fizemos, cumpre distinguir: a)Fideicomisso de instituições psicologicamente idênticas: o testador tem o mesmo interesse em instituir a A e a E, de modo que não há qualquer principalidade da verba da primeira ou da segunda instituição. b)Fideicomisso de fideicomissário principal: o testador somente quis que o fiduciário acautelasse, até certo tempo, a herança; herdeiro êle é, mas desempenha o papel de protetor do patrimônio a ser entregue, podendo o testador limitar os seus direitos de dispor e de usufruir. Acontece fazer-se quando o fideicomissário é pessoa dissipada ou de pouca idade (F. ENDEMANN, Lehrbuch eles Bilrgerlichen Rechts, III, 874). c)Fideicomisso de fiduciário principal: o testador quis beneficiar a A, fiduciário, e só quando A morrer é que os bens irão a E. Entram nesta categoria, salvo casos excepcionais, os fideicomissos eletivos, em que ao fiduciário se confere a escolha do fideicomissário dentre certo grupo de pessoas. d)Fideicomisso de fiduciário principal mas personalissimo, não personalíssimo o fideicomissário. Tal o exemplo que demos no começo. e)Fideicomisso com fidúcia: no qual o testador deixa a fé, a lealdade do fiduciário, o segredo da designação. Regese, nesta parte, pelos princípios da fidúcia. A lei brasileira deu certa unidade ao conceito, de modo que, em qualquer dos casos acima referidos, o instituido é verdadeiro herdeiro, como também o fideicomissário. Só em casos de fidúcia sem possível coação-proteção, é que a segunda ir.instituícão não terá efeitos jurídicos e tocará ao domínio moral. Aliás, vejo-lhe, salvo nulidade (o que é outra questão), todos os caracteres da obrigação natural, impedindo a repetição por pagamento indevido. Mas a unicidade conceptual da lei não obsta, por força de serem dispositivos os arts. 1.734-1.788, a que o disponente limite os podêres e direitos do fiduciário. limitação que pode confinar com a da função da testamentaria, ou acentuar-se, até chegar a reduzi-lo a simples testamenteiro ou administrador temporário do patrimônio. Já então terá escapado à categoria do fideicomisso: “deixo a E os prédios ~ e g, que até os seus 21 anos serão administrados por A, que fará seus os alugueres do prédio x e com os do outro pagará o colégio de E e conservará os dois prédios”. Mas, se disse “deixo a A até 1980, quando passará a E, não podendo ser alienado, gravado de dívida ou penhorado o dito prédio, inclusive a metade das rendas, pois que a destino à conservação”, há fideicomisso de fideicomissário principal, no qual se reforça a segurança do fideicomissário (F. ENDEMANN, Lehrbuch eles Biirgerlichen Reehts, III, 375, que lhe chama de “pré-herdeiro usual e limitado”), figura assaz encontrada no Brasil. Na diminuição dos poderes do fiduciário, o testador poderá ir até o ponto de só lhe deixar a qualidade de herdeiro ou legatário com a propriedade e a posse. Quanto a êle, as cláusulas do art. 1.723 são perfeitamente possíveis, e ainda nutras o são, porque se trata de herdeiro testamentário. As cláusulas existentes em direito só precisam de permissão especial quando aplicadas a quinhões necessários, de regra inatingiveis pelo querer do testador. 6.CLÁUSULAS RELATIVAS AO FIDEICOMISSO. Quem diz fideicomisso diz sucessividade de herdeiros: a noção desenvolve-se na dimensão do tempo, são dois pedaços de tempo justapostos; sucessivos, porque, no tempo vulgar, toda justa-posição é sucessiva. Quando um acaba, começa o outro; a qualidade de herdeiro é que começa, para ambos, do dia da abertura da sucessão. É elemento essencial ao conceito o “limite de tempo”. Direito do fiduciário infinito no tempo, ou indeterminável, seria em contradição não a idéia de fideicomisso. Direito infinito no tempo seria pleno direito. E o fiduciário é um pré-herdeiro; não um pleno herdeiro. Uma vez que o direito brasileiro não admite mais de um pré-herdeiro ou grupo de pré-herdeiros e mais de um pósherdeiro ou grupo de pós-herdeiros, só temos de cogitar de um ~‘limite de tempo”, que se opõe ao direito do fiduciário ou grupo de fiduciários. a)Se, após a abertura da sucessão, decorrem 30 anos sem que apareça o fideicomissário, o fiduciário adquire o pleno direito sôbre os bens. Isto não se aplica aos casos de instituição de prole de determinada pessoa (art. 1.718) ; porque a prescrição não corre contra o não vivo. Somente com a morte daquela cuja prole se beneficiou é que o fiduciário terá consolidada a sua propriedade Deixado o bem em fideicomisso a uma sociedade que ainda não tem personalidade jurídica, se transcorrer o prazo de trinta anos sem que a adquira, será do fiduciário a herança. Os trinta anos, no Brasil, são os da prescrição ordinária e da aquisição sem título e de má fé; na Alemanha, trata-se de prazo especial fixado em lei. Mas, aqui e lá, deparam-se-nos questões curiosas: a) Se o testador disse os meus bens vão a A; tuas, se êle viver 85 anos após a minha morte, os bens passarão a E”. b) “Deixo a A os meus bens; passados 40 anos, com eles se fundará o Hospital X”. Não é possível, já, invocação dos 80 anos. b)Instituído a termo de morte do fiduciário, reputa-se personalíssimo, se outra coisa não dispuser o testador; instituído a termo de número de anos, entende-se não personalíssímo. A termo, sendo o fiduciário pessoa física,
quando, apreciado segundo as circunstâncias, exceder o tempo que poderia viver o fiduciário, entende-se não personalíssimo quanto ao fiduciário, herdável o direito desse. c)O fideicomisso em que é fiduciário pessoa jurídica pode ser relativo à vida desta; se bem que, se usufruto fosse, não pudesse exceder de 100 anos (art. 741, que não se aplica aos fideicomissos). 7.FORMA DOS FIDEICOMISSOS. ‘ Não há fórmulas para. que delas se induza tratar-se de fideicomisso, ou não, ou de fideicomisso, universal, particular, sob condição, ou a termo; bastam quaisquer elementos que demonstrem a vontade do testador. O que é necessário é que constem do testamento. As regras de interpretação que estudamos sob o art. 1.666 são -lhes inteiramente aplicáveis. 8.CONDIÇÃO E “MODIJS” Ao FIDEIGOMISSÁRIO. A instituição do fideicomissário pode ser sujeita a condição. “Deixo os meus bens a A, que passarão por sua morte a E, se êsse não tiver herdado por outro título” (OTTO WARNEYER, Kommcntar,. II, 1135). “Deixo a A, passando, por sua morte, a E, se estiver casada”. Fideicomisso a termo, com a condição guanto ao fideicomissário. Assim ao fideicomissário como ao fiduciário pode o testador impor modus ou recomendações. 9.BEM FEICOMITIDO. A instituição do fideicomissário pode ser para toda a herança, parte dela, ou bem que nela exista. Nada impede que ao herdeiro ou legatário imponha o testador o fideicomisso de coisa pertencente ao herdeiro ou legatário (art. 1.679), e valerá em parte, se só em parte pertencer ao onerado (art. 1.680). Na dúvida, o fideicomisso é de toda a herança recebida pelo fiduciário, inclusive daquilo que lhe acrescer (arts. 1.710 e 1.712, 1.714 e 1.716) do que ficar, na qualidade de herdeiro ou legatário, no caso do art. 1.715, ou for ao herdeiro em virtude da sucesstío legitima (arts. 1.678, 1.574 e 1.718) ou da sucessão testamentária especifica do art. 1.726. Tal a lição de TH. Kn’r (Lehrbuch eles Bitrgerliehen Rechts, II, 8, 808). É possível o fideicomisso: a) de títulos de crédito, ainda ao portador, devendo ser depositado, ou não (quando não for exigível o depósito, é obrigado à caução o fiduciário, salvo ressalva do testador); ti) de dinheiro; e) de usufruto (“usufruirá A até 1980, depois E”; ou “A até a morte, depois E”) el) de bens futuros; e) de rendas a serem capitalizadas (“com os rendimentos constituir-se-á o patrimônio x, de que será fiduciário A e fideicomissário E”: A receberá as rendas das rendas) ; f) de divida do terceiro ou do fideicomissário; g) de divida do fiduciário. ~ Pode haver fideicomisso só de usufruto? Contra isso, TEIXEIRA D’ABREU (Das substituições fideicomissárias, 79 s.> e LOPES PRAÇA (Lições litografadas de Direito civil, 216) ; a favor, invocando o revogado Código Civil português, JOSÉ TAVARES (Sucessões, 1, 468 s.) : “‘o objeto dos fideicomissos, segundo a disposição expressa do art. 1.866, é a herança ou o legado; e tanto a herança como o legado podem ser deixados em propriedade plena, ou só em usufruto, ou só em propriedade”. Adiante, acrescenta: “se o testador deixa um legado de usufruto, com a disposição de que, por morte do usufrutuário, o usufruto passará para outra pessoa, que não seja o proprietário, temos aqui uma verdadeira substituição fideicomissária de legado, nos termos expressos do art. 1.866”. Aliás, a verdadeira conciliação que se adotou foi a de lê-los como se dissessem: O usufruto testamentário vitalício e sucessivo é vedado; salvo a favor de pessoas existentes ao tempo em que se torna efetivo o direito do primeiro usufrutuário. Vedado, note-se bem, em Portugal, e não, como quis enxertar CLÓVIS BEVILÁQUA, flO Brasil. O interesse prático da questão, em portugal, seria o de conciliar os arts. 1.870, 2.199 e 2.250. No Brasil, fideicomisso de usufruto e usufrutos sucessivos dariam no mesmo? Se f ideicomisso de usufruto, o objeto da fidúcia (usufruto) obrigaria a tais restrições, que ficaria sem sentido a diferença. Fideicomissos de domínios úteis, compreende-se facilmente; de concessões (com caráter real), também. Mas de usufruto, de uso e habitação, seriam, apenas, introdução da fides nas relações entre os dois usufrutuários, obrigado o primeiro a inventariar e dar caução ao segundo (art. 1.784, parágrafo único), além do inventário, que faz, e da caução, que, como usufrutuário, presta ao proprietário dos bens. Tudo aconselha a evitar figura tão híbrida. No Código Civil português de 1966, os arts. 2.286-2.296 não se referem a domínio, nem, sequer, a propriedade estrito senso, de modo que o fideicomisso pode ser de qualquer bem. 10.SITUAÇÃO DO FIDUCIÁRIO NO REGISTRO DE IMÓVEIS. Se normal o fideicomisso, ao fiduciário os bens pertencem, desde a saisina (art. 1.572), e no registro deve transcrever-se a verba testamentária pela qual se saberá da restrição e da resolutividade da propriedade do fiduciário (art. 1.734). Nas relações entre êle e o fideicomissário, é sem importância o registro; porque, à morte do testador, a herança vai aos herdeiros, com as restrições, termos e condições das verbas testamentárias. A transcrição servirá para os efeitos concernentes aos terceiros de boa fé ou não; de modo que interessa ao fideicomissário que se proceda a tal formalidade o mais depressa possível. Nos fideicomissos anormais, também se deve, e a fortiori, transcrever o fideicomisso. Aqui, tudo aconselha a se firmar, em breve, a fé pública. Particularmente o fiduciário pode ter urgência em caracterizar, de público, a sua situação para com o fideicomissário; e êsse, nos casos de objeto fideicomitido
não certo e determinado, mas determinável, precisará Que se determine, para que tal determinação possa valer contra terceiros. Contra terceiros, valerá a alienação feita pelo fiduciário, se isso resultar da verba transcrita ou interpretação, que, com ela, se transcreveu. Alienado o bem, de acordo com o que consta dos livros fundiários, não poderá reivindicálo, em tempo nenhum, o fideicomissário. No fideicomisso, há poderes maiores ou menores do fiduciário, e.g., se o testamento lhe veda contratos de aluguer por mais de 5 anos; nestes casos, o terceiro pode opor não constar do registro a restrição ao tipo normal. O fideicomissário terá ação contra o fiduciário, porém o contrato com o terceiro vale. Muitas vêzes, será exigência o consentimento do fideicomissário para alienações, constituição de direitos reais ou locações excedentes de certo período. Para os terceiros, a construção jurídica do fideicomisso é a que consta dos livros fundiários. O fideicomissário é legitimado para requerer a transcrição ou as retificações, que restaurem a verdade do seu direito; devendo fazê-lo ao juiz. Ordinàriamente, os atos que se registram são sinalagmáticos. Quando não o são, cumpre obviar aos inconvenientes, provocando-se a audiência dos interessados e a intervenção do juiz. Para os mesmos requerimentos é competente o Curador de testamentos. Se o fideicomissario consentir previamente em atos que ficam a seu exame, não é vedado, acordados os interessados> transcrever-Se também o seu consentimento, mediante autorização judicial. Será ato sinalagmático ao lado de teor testamentário. 11.NULIDADE E EXTINÇÃO Do FIDEICOMISSO. Realizada a condição, ou atingido o termo, torna-se o substituto herdeiro incondicional, e desde então a situação do fiduciário, saiba ou não dela, é a de um destor de negócios (1?. ThOLt, em GMtR, Das Erbrecht, Kommentar zum schweizettflhefl Zivilgesetzbuek, III, 268, cp. A. SUTER, Pie Nacherbsehaft nach. dem sehiveizerisch«tt Zivilgesetzbuch, ias, contra Código Civil alemão, § 2.140). A instituição do fiduciário será sem efeito: a) se for nulo o testamento, ou a disposição respectiva; ti) se roto ou re vogado o testamento, ou se revogada ou infirmada (art. 1.747, parágrafo único) a disposição; e) se o fiduciário morrer antes do testador; á) se recusar a instituição; e) se for julgado indigno, caso em que será preciso indagar a quem passam os bens até o advento do termo ou condição, salvo, nos casos das letras e), á) e), se houver substituição vulgar do fiduciário. É nenhum ou se extingue o fideicomisso: a) se é incapaz o fideicomissário; b) se nulo o testamento ou a disposição de fideicomisso; c) se roto ou revogado o testamento, ou revogada ou infirmada a disposição respectiva; á) se o fideicomissário morre antes do testador ou do termo ou da condição; e) se o fideicomissário recusar o fideicomisso; f) se for julgado indigno, salvo, nos casos das letras á), e) e f), se Houver substituição vulgar do fideicomissário. 12.SITUAÇÃO DO FIDUCIÁRIO, DEPOIS DE RESTITUÍDO O FIDEICOMISSO. Desde o momento em que o fiduciário deve restituir o fideicomisso, e.g., realizada a condição para a passagem dos bens a fideicomissário, cessa a sua qualidade do herdeiro, se só disso lhe vinha: fíduciarius, restituta heredit ate, heres non manet. Não intervém na divisão dos bens entregues, nem nas despesas com a entrega, salvo se o testador dispôs diversamente. Se o fiduciário, antes do advento do termo ou da condição, entrega o bem ao fideicomissário, os credores dele podem usar da ação dos arts. 106-118, e pagar-se com os frutos até o termo ou condição. 13.DESTINO DOS BENS SE ANTECIPADA A MORTE DO FIDUCIARIO. Se o fiduciário morre antes do testador ou da condição ou termo, pode o fideicomissário pedir a herança? Pôs . A. COELHO DA ROCHA (Instituições de Direito Civil português, § 719, nota) a questão, mas não a resolveu e só citou a MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA (Notas de Uso prático e críticas, 1H, 887), que se inclinara à afirmativa. A questão precisa ser dividida e ampliadas as divisões: a) Morte antes do testador, incapacidade, renúncia da herança, indignidade do fiduciário, nulidade da instituição, revogação ou informação. b) Morte depois do testador e antes do termo ou com morte, incapacidade, renúncia ou indignidade do fiduciário, assim como a nulidade da disposição, revogação ou infirmação, deixam a figura sem o primeiro instituído. Tal é a regra. Mas pode ocorrer que haja substituição vulgar do fiduciário: “deixo a A, se B não quiser ou não puder, passando, em 1980, a O”. Tudo depende da verba testamentária e da sua interpretação. Os advogados principiantes logo invocam nulidade de tais verbas, crendo que se trata de fideicomisso proibido <art. 1.789). É sempre permitido substituir; o art. 1.789 refere-se ao fideicomisso (arts. 1.788-1.788) e não às substituições (arts. 1.7291.782). Nada obsta a que o testador substitua urna, duas, ou mais pessoas, ao fiduciário, ou uma, duas, ou mais pessoas, ao fideicomissário. Com isso não aumenta o grau do fideicomisso. Continua a só haver o 1.~ grau de institilção e o 2?; fiduciário; fideicomissário. Só a confusão entre os dois institutos pode levar a dúvidas quanto à possibilidade de prever o testador o caso de não querer ou poder o fiduciário receber a herança. Se o fideicomisso não é associado à substituição, se não constitui elemento de uma substituição compendiosa, cumpre saber se o testador quis que desde logo fôsse entregue ao fideicomissário a herança ou legado. Do mesmo
modo se houve recusa ou indignidade. 15.DESTINO DOS BENS, NO CASO DE MORRER O FIDUCIARIO ANTES DO TERMO ‘OU CONDIÇÃO. Aqui, o fiduciário recolheu a herança e a mantém, mas, antes de dever entregá-la, morre. Jode o fideicomissário pedi-la? preliminarmente, se o testador quis que só aos 80 anos se entregasse o bem ao fideicomissario , ou se formar em direito, não se pode cogitar de entrega cuja condenação ressalta ex voluntate. Ou os bens ficarão com os herdeiros do fiduciário, ou com o testamenteiro; só o testamento poderá decidir, presumindo-se que o testador tenha querido que fique com os herdeiros do fiduciário. Se o termo ou condição só se referia ao interesse do fiduciário que, com a morte, desaparece, a situação é diferente: presume-se que O testador quis a passagem, desde logo, ao fideicomissário. Assim, se o testador disse: “A progride, para a sua melhora deixo-lhe o prédio em que tem a loja e, daqui a dez anos, entrega-lo-á a meu filho”, morrendo A, antes dos dez anos> o filho tem direito a pedi-lo desde logo. Se o fideicomisso é associado à substituição do fiduciário a favor do estranho, o fideicomissário não pode, pelo fato de ter falecido antes do testador o fiduciário, pedir, desde logo, os bens. Do mesmo modo se houve recusa, ou indignidade, ou incapacidade do instituído. O fideicomisso, em que, morto o fiduciário antes do termo ou condição, os bens ficam com o herdeiro do fiduciário, não constitui fideicomisso proibido, porque não há duas classes de fideicomissários (os três graus), mas uma só classe, sendo hereditária a fidúcia. 16.EXTINÇÃO DA FIDEICOMISSARIEDADE. Alcançado o termo, ou realizada a condição, a herança ou legado passa ao fideicomissário. Extingue-se o fideicomisso; porque, a partir daquele instante, é pleno herdeiro o fideicomissário: o seu direito não está sujeito a qualquer eventualidade; efetivou-se a sua última conseqüência. No intervalo, os bens andaram fora, nas mãos do fiduciário, ou de alguém, em vez dele; voltam, ipso jure, no instante do termo ou da condição. Por isso pode reivindicá-los a) Contra o fiduciário, a sua ação é a de petição de herança ou de reivindicação. O fiduciário, que era herdeiro e possuiu, desde aquele instante é gestor de negócios, e tão-só. A ação contra o fiduciário é de natureza real, rei vindicatio (Novela 108, c. 2; M. E. ECCIUS, Preussisches Privatrecht, IV, 7• ed., 625, nota 28). Na Alemanha, é pessoal, porque o Código Civil alemão não conhece rei vindicatio ou hereditatis petitio com o caráter real romano (cf. W. HOTHORN, Rech,tsstellung des befreiten Vorerbe, 215, nota 1; F. ENDEMANN, Lehrbuch des Bilrgerlichen Rechis, III, 467). b)Contra terceiros, a ação é de reivindicação. (Contra o “possuidor da herança”, deve ser a de petição de herança.) § 5.836. Propriedade e posse da herança ou legado 1.ESPÉCIE DE PROPRIEDADE. Diz o Código Civil, artigo 1.784: “O fiduciário tem a propriedade da herança ou legado, mas restrita e resolúvel”. E no parágrafo único: “É obrigado, porém, a proceder ao inventário dos bens gravados, e, se lho exigir o fideicomissário, a prestar caução de restituilos”. O substituto põe-se no lugar que teria sido o do substituído. O substituído não foi nem é herdeiro ou legatário; o substituto, sim. Daí, a propriedade da expressão “substituição”. Há herdeiro ou legatário, que, na falta de quem poderia ter sido, se fêz tal. É o Ersatzerbe do direito alemão. Não se passa o mesmo com o fideicomisso, no qual fiduciário e fideicomissário, Nacherbe, herdeiro sucessivo, são herdeiros. Podem ser legatários. O que caracteriza a figura é a duplicidade de instituidos, sem qualquer substituição, em sentido próprio. O que os separa é o tempo, o que faz sucessivo o fideicomissário. No fideicomisso, há dupla vocação testamentária, sem se afastar a possível pluralidade de fideicomissários (“nomeio fiduciário E fideicomissários C e D”), ou de fiduciários (“nomeio fiduciários E e C e fideicomissário D”), ou de fiduciários e de fideicomissários (“nomeio fiduciários E e C e fideicomissários D e E”). O que se veda é a sucessividade entre fideicomissários, porque isso faria o fideicomisso ser de grau proibido. 2.O QUE É IMPERATIVO NO ART. 1.734. O fideicomisso deriva da vontade expressa e completa do testador ou de regra dispositiva da lei que lhe complete o querer. O art. 1.734 é parcialmente dispositivo; quer dizer, alguma coisa, nele, pode dispensar o testador. Já vimos que a inalienabilidade dos bens juridicamente possível quanto a herdeiros plenos também o é quanto aos fiduciários e fideicomissários: são herdeiros, como os outros; apenas a incidência nos bens se divide em camadas de tempo (até x e a partir de x; até em quanto y não acontece e desde que ~ aconteça). Também as restrições de poder consistentes em não hipotecar, impenhorabilidade, incomunicabilidade, livre administração pelo cônjuge são inteiramente permitidas ao testador. Restam os poderes de usar. fruir, e administrar. 8. PODER DE ALIENAÇÃO. O testador pode tirar ao fiduciário parte ou todo o poder de alienação, de hipoteca, nomear testamenteiro que administre os bens até a entrega ao fideicomissário. O que se não pode vedar é a
utilidade da coisa ou da herança, porque seria fazê-lo co-executor testamentário, quer dizer nudus minister, ou fiduciário não sucessor (nudus a oommodo, sed nou a titulo, ou fiduciário inteiramente nu, de cômodo e de título). A própria fruição, o próprio uso, podem ser restritos; eliminados, não, porque apagaria a figura jurídica. Se o entender o testador, nomeará testamenteiro que vele pela restituição dos bens ao fideicomissário, solução assaz útil, quando êsse é incapaz, inimigo pessoal do fiduciário, ou prole eventual. No caso de ocorrer colisão de interesse entre o nomeado testamenteiro e o fideicomissário, como se aquele sucedeu ao fiduciário ou é o próprio fiduciário, pensam alguns que nula será a nomeação (cp. F. ENDEMANN, Lehrbuch des Bhirgerlichen Rechis, III, 416), outros que não (KONRAD EELLWIG, Wesen und sub jektive Be.qrenzung der Rechtskraft, 229; DOEHL, Die grundbuchliche Verfiigungsmacht des befreiten Vorerben, Deutsoke ,Juristen-Zeitung, X, 906). A verdade está em que: a) se o testador, prevendo-o, não nomearia, opera a cláusula rebus sie stantibus; b) se o testador não conhecia o laço existente, ou a identidade, dá-se o erro; o) se o testador conhecia a situação já existente ou probabilissima, vale a nomeação. Existe a figura do> fideicomisso em quanto, no limitar os poderes do fiduciário, alguma parcela, de disposição lhe fica; disposição por si e para si. Se todos, subjetivamente, lhe foram tirados, houve herança ou legado de usufruto, e não de bens fideicomitidos. As restrições aos poderes de disposição do fiduciário norma/ ou anormal supõem a proteção e segurança do direito eventual do fideicomissário. Se nenhum dano poderia ter resultado a êsse, não há ineficácia do ato. Isso não quer dizer que o critério seja o da vantagem ou do prejuízo econômico, e sim que as categorias jurídicas permitidas ou não permitidas atendem ao critério da incolumidade do direito eventual do fideicomissário. A questão do dano é outra questão. O uso irregular do poder de dispor constitui ato ilícito. Permitida a disposição, irregular o exercício (art. 160, 1). Sôbre exercício irregular de direito, veja PONTES DE MIRANDA (Das Obrigações por atos ilícitos, 1, 156 s.). O testador pode pré-excluir a alienabilidade do bem fideicomitido ou restringi-la (cf. 2.~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 26 de novembro de 1946, R. dos T., 166, 278). Se o bem é inalienável, a alienação somente pode ser nas espécies previstas em lei e há, então, a sub-rogação real pela aplicação do preço, continuando os direitos do fiduciário. Tratando-se de alienação, judicialmente, de bem fideicomitido, tem-se de entender que, seja em praça, ou em processo de desapropriação, ou qualquer outro, o fideicomissário tem interesse direto e imediato. Tem o juiz o dever de ordenar a citação. A cláusula de inalienabilidade pode recair no próprio bem que passe ao fideicomissário. O fideicomissário recebe diretamente do testador o direito, e não através do fiduciário. No direito brasileiro, a cláusula de inalienabilidade pode ser relativa a bem que advenha ao sucessor de herança legitima, ou testamentária, ou de legado. É erro afirmar-se que seria clausulação de herança de outrem (do herdeiro, ou legatário) : o fideicomissário herda do testador, e não do fiduciário. O que o fiduciário pode alienar, se não foi posta no testamento a cláusula de inalienabilidade, é a propriedade que lhe toca; portanto, até quando haja o seu direito. Se o testador, em vez de fazer inalienável a propriedade e a posse do fiduciário. ou de lhe deixar apenas a disponibilidade até que se extinga a fidúcia, permite que o instituido aliene definitivamente, no todo, ou em parte, o que recebeu, não há fideicomisso. Se tal cláusula só se refere a algum bem ou a alguns bens, ou a frações, só o que não é definitivamente disponível pode ser tido como objeto de fideicomisso. Quanto ao que é definitivamente alienável, o que há é deixa condicional, conít modus a favor de alguém. Pelo fato de ter a propriedade e a posse da herança ou legado, o fiduciário responde como proprietário e como possuidor (impostos, despesas com os frutos e rendimentos, obras de conservação, ressarcimento de danos causados pelo imóvel ou danos que, com o uso ou fruição do imóvel ou de outro bem, ou com modificações ou falta de cuidado cause ao imóvel, ou a pessoas, ou a bens de outrem). Quanto às benfeitorias no bem fideicomitido, o que apenar foi conservativo entra no dever de conservação que tem o fiduciário. Quanto às despesas, têm-se de distinguir dos gastos ordinários de conservação, que incumbem ao fiduciário, os gastos extraordinários de conservação, que se retiram à deixa, ou têm de ser indenizados pelo fideicomissário, dever de ressarcimento que se transmite aos herdeiros do fideicomissário. No tocante a inversões que não sejam gastos de conservação, regem os princípios concernentes à gestão de negócios alheios sem outorga. O fideicomissário só tem de ressarcir se foram invertidos de acordo com sua vontade, mesmo se presumida, e em benefício dos seus interesses, ou quando o fideicomissário autorizou as despesas, ou quando de provada necessidade. Em todo o caso, fora dessas espécies, pode haver a ressarcibilidade por enriquecimento injusto. No que concerne às benfeitorias voluptuárias, pode o fiduciário retirá-las se disso não resultaria qualquer dano ao bem fideicomitido. E. g., colocou armários, ar condicionado, ou calefação. Quanto à duração do direito do fiduciário, ou ela consta! explicitamente, da cláusula testamentária, ou nada se disse no testamento. O mais freqüente é o termo de morte do fiduciário; daí, em caso de omissão do testador, ou em caso de dúvida, ter-se de entender que o direito do fiduciário persiste até a morte desse (ULPIÁNO, L. 5, § 1, D., quando dies legatorum veZ fideicommissorum cedat, 36, 2: “Itaque si purum legatum sit, ex die mortis dies eius
cedit”). Se a invalidade somente concerne à instituição fideicomissária, o fiduciário sucede sem o gravame da fidúcia. Se há substituição vulgar ou recíproca e invalidade é atinente apenas a um dos apontados, o outro ou os outros não ficam fora da disposição testamentária. Se premorre ao testador o fiduciário, o fideicomissário herda sem qualquer gravame de fiduciariedade. Não há fiduciário. O direito do fideicomissário, aí, não é direito expectativo. Herda ou recebe o legado, como qualquer herdeiro ou legatário que não venha após qualquer sucessor de bem do testador. Quando cessa o fideicomisso, quer pela extinção normal, quer pela falta do fiduciário, ou do fideicomissário, temse de requerer ao juiz a declaração da extinção, para que se dê baixa do vínculo, no registro que fora feito. No ato de alienação da propriedade e da posse do fiduciário há de constar referência ao gravame. O fideicomissário pode exigi-la, quer diretamente, quer perante a Justiça (Tribunal de Justiça do Ceará, 24 de fevereiro de 1947, 1?. F., 95, 186; 23 Câmara do Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, 28 de abril de 1939, 1?. dos T., 120, 609, e A. J., 50, 261: “Afora a caução, a que se refere o parágrafo único do artigo 1.734, que assegura a restituição da coisa gravada, posto que alienada ou sujeita às onerações autorizadas por lei, o Código Civil, no art. 121, faculta ao titular de direito eventual, em caso de condição suspensiva, o exercício de atos que se destinam a conservá-lo. Ao titular de direito eventual não se pode, assim retirar o emprego, que lhe é facultado por lei, de medidas acautelatórias e asseguradouras de seu futuro exercício”). 4.DIREITOS DO FIDUCIÁRIO E DO FIDEICOMISSÁRIO. Quando se registra, no cartório de imóveis, a verba testametária, já fiduciário e fideicomissário são herdeiros. O direito deles não é um direito em coisa de outrem, uma limitação real; cada um tem o seu sôbre a mesma coisa. Ambos são herdeiros da mesma herança, legatários do mesmo legado: um até o dia tal, o outro daí em diante. 5.Uso E FRUIÇÃO PELO FIDUCIÁRIO. O fiduciário não é um nu-proprietário: tem o usus e o .fructus, usa e frui a coisa ou herança; nem é um simples usufrutuário~ usa e fruia coisa, e é dono dela. Propriedade restrita e resolúvel; em todo o caso, propriedade. Um usufrutuário não poderia, nunca,alienar o prédio: seria vender coisa alheia. Não é essencial à figura e situação jurídica do fiduciário que se lhe atribua a administração dos bens fideicomitidos. Para isto pode o testador nomear quem êle quiser, o testamenteiro ou outrem. Os únicos herdeiros a que se não pode tirar a administração são os necessários (art. 1.754). 6.RESTRIÇõES AO USO E FRUIÇÃO DO FIDUCIÁRIO. O fiduciário tem de restituir a coisa ou herança fideicomitida; portanto, não pode ser ilimitado, nem quanto à substância nem quanto ao tempo, o seu direito de dono da coisa ou herança. a) Os bens imóveis devem ser conservados até a entrega. É o fiduciário proprietário por tempo: não pode fazer hipoteca que leve à praça os bens e lhes reduza o valor ou o elimine. Todos os seus direitos param onde começa o prejuízo do fideicomissário. Por isso mesmo, o fiduciário pode constituir usufruto sôbre o bem fideicomitido, entendendo-se que acaba quando acabar o direito do fideicomissário (F. ENDEMANN, Lelirbucli des Biirgerlichen Rechts, III, 406). b) As hipotecas a favor da herança ou legado fideicomitido, as rendas constituídas sôbre imóveis, os direitos a favor dos imóveis constitutivos do fideicomisso, os créditos dos imóveis ou móveis da herança ou legado (direito a indenização, prêmios de exposição ou concurso) pertencem ao capital, ao valor, e não ao uso e fruição. Não os pode fazer seus o fiduciário, no sentido de tirá-los da unidade econômico-jurídica do fideicomisso e vertê-los no seu patrimônio pleno. Mas, dono que é, pode saldar a dívida ativa hipotecária, que tem a herança, e requerer que se inscreva no seu nome (F. ENDEMANN, Lelirbucli des Búrgerlicheu Rechts, III, 407). O dinheiro sofrerá imediato efeito do principio de sub-rogação e o juiz ordenará a-. conversão ou o emprego, conforme a verba ou a figura oriunda dos preceitos dispositivos. c) As disposições a título oneroso não podem menosprezar o direito eventual do fideicomissário: porém verdade é que o fiduciário, dono, pode dispor, e não só usar e fruir. Donde o problema da linha divisória entre o que o fiduciário pode e o que mIo pode fazer. Tudo êle pode, ‘desde que não fira o valor ou a substância da herança ou legado fideicomitido. Em princípio, se não há prejuízo para o fideicomissário, êle pode pedir que se sub-roguem os bens: aqui, a sub-rogação é normalmente mais fácil do que no caso dos bens clausulados de inalienabilidade, dos menores (arts. 386 e 429), ou interditos, e a exigência da praça depende da lei processual. Aliter, se há diversa vontade do testador. Apura-se a vantagem, e atende-se ao interesse subjetivo do fiduciário, porque êsse é dono. Há disposição a título oneroso sempre que a contraprestação é econômica e juridicamente equivalente ao bem ou bens fideicomitidos. Na venda real, se o preço se torna impossível, não se apaga a onerosidade. 1 d) Todas as disposições a título gratuito são-lhe vedadas; exceto ao fideicomissário. Ainda assim, se há substituição
ao fiduciário, ou se o testador quis que não se antecipasse a entrega, a disposição a título gratuito ao fideicomissário não pode ter efeitos violadores do que se assentou ex voluntate. Os contratos condicionais e causais não são excluidos do número dos negócios a título oneroso, se a condição ou causa toca a ambas as prestações (PAUL OERTMANN, Entgeltliche Geschãfte, Abli. zum Privatrecht und Prozess, 23, 16; ERNA VON LANGSDORFF, Mitgift, 56). Claro que não se refere a isso a causa donandi, e quanto às outras causas toda afirmativa a priori não se justifica. t preciso ter sempre em vista que a onerosidade se há de apreciar concretamente, em relação ao interesse do fideicomissário e do seu direito eventual. Lição de F. ENDEMANN (Lehrbuch des Búrgerlichen Rechts, III. 410) : “Ob eine Verfiigung unentgeltlich sei, ist nicht bloss und nicht vorwiegend von ihrer rechtsgeschãftlichen Grundlage, aIs vielmehr von ihrer Einwirkung auf dem Nachlass und mithin vom Standpunkte des Nacherben und seines Wartreelites nus zu beurteilen”. Por isto mesmo não há ofensa aos direitos do fideicomissário na doação de uso, habitação, ou usufruto, até expirado o termo ou realizada a condição resolutiva do direito do fiduciário, nem no dote até então, questões antes assaz controvertidas nos altos centros do pensamento jurídico. A apreciação tem de ser especifica. A alienação gratuita definitiva ao fideicomissário, se não há vedação ou obstáculo ex volunt ate, ou a terceiro, com o consentimento do fideicomissário (se alienável o seu direito eventual), pode dar-se (MAx HACHENEURG, Zeitschrift des deutschen Notarvereins, VI, 321, nota 14). Na dúvida, entende-se dentro das possibilidades jurídicas de alienações; porque o fiduciário é dono. Outrossim, para a onerosidade, não é preciso que o próprio fiduciário receba, nem o fideicomissário (cp.W.HOTHORN, Rechtsstellung des befreiten Vorerbe, 90). No contrato de reedificação de prédio pelo locatário em que a entrega só se há de operar 50 anos depois (constituição de propriedade resolutiva, arts. 647 e 648; ou simples obrigação de locação por 50 anos), ainda que não se possa esperar a entrega ao fiduciário ou ao fideicomissário, pode ser onerosa a causa e equivalente a contraprestação à prestação. e) Os títulos ao portador podem ser facilmente alienados e daí deverem ser acautelados. Ou o fiduciário os deposita, e recebe as rendas, ou separa, a cada mês, ou período, os cupões de juros; ou dá caução de os restituir; ou pede a conversão deles. Normalmente, a alternativa depende dele. As restrições derivam da construção da verba testamentária. Não importa a natureza dos títulos ao portador, de que se trata; e não cabe a distinção, que procura fazer a doutrina alemã, a propósito dos títulos ao portador de legitimação (W. HOTHORN, Rechtsstellung des befreiten Vorerbe, 184, aliás contra Protolcoile, V, 109). Em todo o caso, se a natureza deles é tal que a cautela perante o emissor, judicialmente tomada, baste, o fiduciário não precisa ser obrigado a caucionar ou depositar. Seria inútil a exigência. Opinião interessante, a propósito de sub-rogação dos bens fideicomitidos, é a de A. SUTER (Die Nacherbschaft nacli dem schweizerischen Zivilgesetzbuch, 147 s.). Para êle, em lugar de critério objetivo “se com os meios da herança o fiduciário adquiriu”, cabe o subjetivo “se, ao praticar o ato jurídico, o fiduciário converteu o patrimônio fideicomitido ou o próprio”. Exemplo: se o fiduciário comprou o prédio com o dinheiro próprio para o fideicomisso dá-se a sub-rogação. Condena A.ESCHER (Das Erbrecht, Kommentar zum schweizerischen Zivilgesetzbuch, 1H, 70), tal extensão do princípio. Mas parece-nos que os efeitos sub-rogatórios, se o fiduciário não lesava, com isso, terceiros, se operam desde que tenha havido diminuição do valor fideicomitido, pelo qual tenha de responder o fiduciário ou seus herdeiros. O defeito da opinião de A.SUTER não está nas suas conseqüências, pelo menos em algumas, e sim na premissa de se empregar critério subjetivo, em vez de objetivo. O que se dá é a possibilidade de adquirir com meios, que não foram tirados da herança, porém que o fiduciário destinou à reposição de valores dela. Êsse poder não é incompossível, antes assaz se ajusta à figura da fidúcia. 7.EFICÁCIA E INEFICÁCIA DOS ATOS DO FIDUCIÁRIO. São eficazes todos os negócios feitos pelo fiduciário e relativos ao seu poder de disposição. Constituem obrigações do fiduciário, e não da herança fideicomitida (F. LEONHARD, em GEORO FROMMHOLD, Kommentar zum 11GB., 2~a ed., 266, II). A execução, em virtude de tais contratos, feita em bens do fideicomisso, não pode ter conseqüências além do termo ou condição. Atingido êsse, ou realizada aquela, as conseqüências são nenhumas. Valem os atos exorbitantes do fiduciário: a) se o fideicomissário (não gravado de inalienabilidade) consentiu, ou ratificou (OTro WARNEYER, Komment ar, II, 1146) ; b) se o fideicomissário adquire o bem de que se trata, ou é sucessor ilimitado do fiduciário. Para se decidir quanto à eficácia ou ineficácia de atos dispositivos do fiduciário, não se deve indagar se foi proveitoso, economicamente, para o fideicomissário, e sim qual o seu caráter juridico (F. LEONHARD, em GEORG FROMMHOLD, Kommentar zum 11GB., 2. ed., 268; A. TRNESING, Einige Bemerkungen Uber das Rechtsverhãltnis zwischen Vorerben u. Nacherben, Archiv flir die civilistisclie Praxis, 94, 229; contra: H. SALINGER, Die Nacherbfolge nach dem BGB., Archiv fiir bitrgerliches Recht, 19, 161). Para alegar ou propor as ações que sejam fundadas na ineficácia dos atos do fiduciário, são legitimados o fideicomissário, seus herdeiros e terceiros (F. LEONHARD, em GEORO FROMMHOLD, Kommentar zum 11GB., 23- ed., 268; TH. Kípp, Lehrbuch. des Biirgerlichen Rechts, II, 3, 344; OT-TO WARNEYFs. Komment ar, II, 1146;
a respeito de terceiros, contra: MAX HACHENEURO, Zeitschrift des deutschen Notarvereins, VI, 146; II.DERNBURG, Das Biirgerliche Recht, V, 33- ed., § 58, 172, nota 2; F. KRETZSCHMAR, Dos Erbrecht des deutsehen 11GB., 23- ed., 126, nota 18; II. PEísnt, Handbuch des Testamentsrechts, 90, nota 59) ; por exemplo: cessionário do fideicomissário, os credores deste, o testamenteiro, o Ministério Público, etc. 8.CARÁTER DA INEFICÁCIA Enquanto dura a fiducialidade, o fiducionário fica em situação de suspensão (não confundir com a situação de condição suspensiva, que só desta resulta) : os atos do fiduciário, na qualidade de herdeiro e senhor, valem; finda a fidúcia, não. Ainda contra terceiros vai a sua ação de restituição. Aqui, os conceitos de nulidade absoluta e relativa nenhum proveito trazem; porque há eficácia até tal instante dos efeitos e ineficácia daí em diante. Absoluta: F. HERZEELDER, lj E. BEYER (Die Surrogsj é absoluta, porque a ratificação operam plellarj gitimados para as ações credores, etc. (F. Eirn Rechts, III, 427). O elesie no tempo, fazendo sui especial. 9.FORMALIDADES FEICOMISSO. Ponto que assureiro, é o seguinte: transação de fideicomisso, se o fide permissão do fideicomissão extinção da fiducialidade; Hipotecas não tem efeitos o 1146). Aliás, transcrita e os impostos e cautelas é de vir alegar contra o foi atingido o termo ou de registrado a extinção. No e a verba diz, de si só, de dição é matéria de fato. Para a hipoteca do precisa do consentimento Kommentar, II, 1148), seu dor. Porém as conseqüências fideicomissário Quem, na arrematado pelo tempo que Quem aluga, ou faz prédio fideicomitido, deve emissão. Mudados os sujeito está terminado, iuso iure, fiduciário e os terceiros ( Buirgerlichen Rechts, III, 46. locações (art. 1.208). O prazo do art. 1.209. Se, extesário não se opuser à considerar-se-á prorrogada a verba do sem prazo determinado (art. 1.195). No caso de parceria agrícola, e art. 1.418 não se aplica ao fideicomissário, porque não é herdeiro do fiduciário: no fideicomisso, se os bens foram objeto de parceria, se, antes da colheita (quer dizer antes de terminar cada período econômico), se extingue a fiducialidade, o fideicomissário pode reivindicar os bens; e indenizará o parceiro dos gastos relativos aos frutos ainda não colhidos, pois que, segundo as regras de exploração regular, devem ser no período em andamento, desde que tenham sido os gastos normais. mais e não ultrapassarem os frutos (F. ENDEMANN, Lehrbuch des Bilrgerliehen Rechis, III, 469). Tudo isto deriva da publicidade, do caráter real do direito do fideicomissário e da qualidade, que lhe é indenegável, de herdeiro do testador, e não do fiduciário. ~ Pode o cartório de imóveis recusar os contratos assinados pelo fiduciário, se já acabou o fideicomisso? Não; enquanto não se lhe ordena o registro da extinção, não tem êle nenhuma autoridade para apreciar a mudança dos sujeitos. Depois da formalidade registária da extinção, sim. 10.PROCESSOS RELATIVOS À HERANÇA OU LEGADO EM FIDEICOMISSO. Durante o período fiducial, exerce o fiduciário, ativa e passivamente, as ações tocantes à herança ou legado. Direitos reais em bens do fideicomisso, dívidas passivas da herança, são causa de ações contra os bens afetados à restituição eventual. Êle é que é parte. Êle, dono, e dono com a posse, responde perante os tribunais e propõe as ações reais ~ pessoais que caibam à herança ou legado. Mas defender ou promover ação não é dispor (F. HERZFELDER, Erbrecht, J. “. Staudingers Kommentar, V, 537). Os efeitos são contra êle e contra o fideicomissário, conforme se trate de ações oriundas de situações objetivas da herança ou subjetivas do ficiário. a)Se a ação correu antes da extinção do fideicomisso, efeitos pró e contra atingem o fideicomissário, inclusive se, depois, o fiduciário recusa a herança (cp. F. STEIN, Das Zivilprozessrecht, § 242, II, nota 3) ou é julgado indigno. b)A coisa julgada opera material e procússualmente pró e contra o fideicomissário. Em conseqüência, a execução. Mas aqui cumpre dividir as duas épocas, a fim de se saber se são : F. HERZEELDER, II. NEUMANN, EMIL STRORAL; relativa: RETER (liXe Surrogation bei Vermôgen im SUB., 200). Não é absoluta, porque a coparticipação do fideicomissário ou a ratificação operam plenamente; não é relativa, porque são legitimados para as ações o fideicomissário, o cessionário, os credores, etc. (E. ENDEMANN, Lehrbuch des Biirgerlichen RecAis, III, 427). O elemento temporal que se introduz, o corte no tempo, fazendo sucessivos os sujeitos, cria essa situação especial. 9.FORMALIDADES REGISTRARIAS E EXTINÇÃO DO FIDEICO 141550. Ponto que assume grande importância, quanto a terceiro, é o seguinte: transcrita, no registro de imóveis, a verba de fideicomisso, Se o fiduciário garantiu com hipoteca sem permissão do fideicomissário, acaba a garantia real, dá-se a extinção da fiducialidade; desde então o livro de registro de hipotecas não tem efeitos (On’o WARNEYER, Kommentar, 11, 1146). Aliás, transcrita a verba, a extinção processual para os impostos e cautelas é necessária, mas os terceiros não podem vir alegar contra o fideicomissário, a favor de quem já foi atingido o termo ou reduzida a condição, a falta de se haver registrado a extinção. No registro existente constava a verba e a verba diz, de si só, de que direito se trata. O termo ou condição é matéria de fato.
Para a hipoteca do bem fideicomitido, o fiduciário não precisa do consentimento do fideicomissário (Orro WARNEYER, Komnientar, II, 1148), se isto não lhe foi vedado pelo testador. Porém as conseqüências não podem alcançar o direito do fideicomissário. Quem, na praça, arrematar o bem, só o terá arrematado pelo tempo que faltar. Quem aluga, ou faz qualquer outro contrato relativo a prédio fideicomitido, deve contar com a possibilidade da transmissão. Mudados os sujeitos da propriedade, uso e fruição, está terminado, ipso inre, qualquer negócio jurídico entre o fiduciário e os terceiros (cp. E. ENDEMANN, Lehrbuch des Búrgerlichen Rechis, III, 469). Resolvem-se, iso iure, as sub-locações (art. 1.203). O locatário do prédio tem direito ao prazo do art. 1.209. Se, extinta a fiducialidade, o fideicomissário não se opuser à continuação da posse do locador, considerar-se-á prorrogada a locação pelo mesmo aluguer, mas sem prazo determinado (art. 1.195). No caso de parceria agrícola, o art. 1.413 não se aplica ao fideicomissário, porque não é herdeiro do fiduciário: no fideicomisso, se os bens foram objeto de parceria, se, antes da colheita (quer dizer antes de terminar cada período econômico), se extingue a fiducialidade, o fideicomissário pode reivindicar os bens; e indenizao o parceiro dos gastos relativos aos frutos ainda não colhidos, pois que, segundo as regras de exploração regular, devem ser no período em andamento, desde que tenham sido os gastos normais e não ultrapassarem os frutos (E. ENnEMANN, Lehrbuch des Biirgerlichen RecAis, III, 469). Tudo isto deriva da publicidade, do caráter real do direito do fideicomissário e da qualidade, que lhe é indenegável, de herdeiro do testador, e não do fiduciário. j, Pode o cartório de imóveis recusar os contratos assinados pelo fiduciário, se já acabou o fideicomisso? Não; enquanto não se lhe ordena o registro da extinção, não tem êle nenhuma autoridade para apreciar a mudança dos sujeitos. Depois da formalidade registária da extinção, sim. 10.PROCESSOS RELATIVOS À HERANÇA OU LEGADO EM FIDEICOMISSO. Durante o período fiducial, exerce o fiduciário, ativa e passivamente, as ações tocantes à herança ou legado. Direitos reais em bens do fideicomisso, dividas passivas da herança, são causa de ações contra os bens afetados à restituição eventual. é que é parte. file, dono, e dono com a posse, responde perante os tribunais e propõe as ações reais e pessoais que caibam à herança ou legado. Mas defender ou promover ação não é dispor (E. HEEZEELDER, Erbrecht, ./. “. Staudingers Kommentar, V, 587). Os efeitos são contra êle e contra o fideicomissário, conforme se trate de ações oriundas de situações objetivas da herança ou subjetivas do fiduciário, a)Se a ação correu antes da extinção do fideicomisso, efeitos pró e contra atingem o fideicomissário, inclusive se, depois, o fiduciário recusa a herança Nem todo julgado opera contra o fideicomissário: se por ato jurídico do fiduciário, que seria ineficaz para o fideicomissário, os efeitos materiais não se podem produzir. Daí a aconselhável citação do fideicomissário nos casos duvidosos; se, posteriormente, foi julgado que o fiduciário não podia praticar o ato ou só o podia até o termo ou condição, nenhuma segurança terá o portador da coisa julgada. Se ainda não existe o fideicoinissário, a solução será (aqui e necessária-mente no caso do art. 1.718, in fins) a de requerer-se a nomeação do curador do ventre ou da prole eventual (cp. A. MENDELSSOHN-BARTHOLDY, Orenzeu der Rechtskraft, 459). A intervenção do fideicomissário, nos casos que lhe tocam e para caracterizar situações, plenamente se justifica (cp. KONRAD HELLWIG, Wesen und sub jeictive Begrenzung der Rechtskraft, 284, 402; O. FRIEIIRICHS, Prozessfithrung des Vorerben, 38). d) Em tudo a que não podia estender-se o direito de dispor do fiduciário, a decisão não tem efeitos pró ou contra o fideicomissário. É conseqüência lógica dos princípios postos. Será o fiduciário, quando o entender, gestor de negócios, como qualquer outra pessoa. Dar-se-á o mesmo desde o instante da extinção da fiducialidade. e)A execução da sentença processual e materialmente operante contra o fideicomissário colhe o bem em toda a sua substância e tempo. A execução da sentença só operante contra o fiduciário ou até a extinção do fideicomisso surte os seguintes efeitos: a> vendido o bem, o comprador só recebe propriedade restrita e resotúvei; b) comprado pelo fideicomissário, não se consolida a propriedade, porque a propriedade comprada tem outro título; e) no caso das letras a) e b), se houver acrescimento (arts. 1.710-1.712, 1.714 e 1.716), aumento da quota (arts. 1.673, 1.713 e 1.715), ou substituição pelo fiduciário (arts. 1.729 s.), o fiduciário receberá o elemento ajuntado e passará, depois, ao fideicomissário. WOLFFGARTEN (Der Schutz des Nacherben gegen Verfiigungen des nichtbefreiten Vorerbes sowie Dritter, 42 s.). A execução no uso e fruto é, normalmente, possível (F. HERZLDER, Erbrecht, J. v. Staudingcrs Kommentar, V, 546). f) A decisão tem ou não tem efeitos materiais contra o fideicomissário; a eficácia de um julgamento não se poda partir. Quando o fiduciário exerce as ações pela herança ou bem fideicomitido, a coisa julgada opera material e processual-mente. ~,Em que qualidade se lhe dá êsse poder? Certo, no tocante aos efeitos pró e contra si, pediu ou
defendeu o que era seu. ~ Quanto ao que respeita ao fideicomissário? Falou-se em representação; outros a negam e querem que derive da propriedade atual do fiduciário (KONRAD HELLWIG, Wesen unci sub jektive Regrenzung der Rechtskraft, 53; E. ENUEMANN, LeArbucA des Riirgerlichen Rechts, III, 484). Nele vê A. MENDELSSOHNBARTHOLDY (Grenzen der Rechtskraft, 20) legitimus contradietor do fideicomissário. De qualquer modo, situação semelhante à do possuidor (não-proprietário) do titula ao portador, que pode apresentá-lo e cobrá-lo. O poder, aí, se evidencia; a idéia de mandato ou gestão é que é estranha. 11.PROCESSOS, EXTINTO O FIDEICOMISSO. Ainda depois de extinto o fideicomisso, o fiduciário ou seus herdeiros continuam partes nos processos: a) Se não sabem, sem culpa, da extinção do fideicomisso. É preciso, diz E. ENDEMANN (Lehrbuch des BiirgerUohen Rechts, III, 438) que os processos não parem, e cheguem ao fim; se o fiduciário não sabe, prosseguirá; se não foi o culpada de não saber, devem valer os seus atos. b) Se a ação envolve obrigação da herança pela qual, ainda depois de extinto o fideicomisso, tenha de responder. Aliás, isto muito se dá, devido a custas e consequências. Extinto o fideicomisso, deve o fideicomissário ser citado, ou, se com parece, continua no processo. 12.SUE-ROGAÇÀO E ACRÉSCIMOS DA HERANÇA EM FIDEICO141550 A herança ou parte dá herança fideicomitida trata-se como patrimônio (universalidade de direito) ou bens destinados a certo fim. Não só quanto ao valor como quanto à substância. Para o fiduciário vale o preceito: uti frui salva substantia rerum. Os bens do fideicomisso, como unidade, devem ir ao fideicomissário, sem alterações substanciais: consideram-se e zelam-se como organismo vivo (F. ENDEMANN Lehrbuch. des Riirgerlichen Rechts, III, 402). Daí, ou se trate de patrimônio, ou de coisa singular afeta a um destino, dar-se, nos casos ordinários, a sub-rogação; porém como a substância. no fideicomisso, interessa ao fideicomissário, deve este ser ouvido em todos os atos de mudança, troca ou alienação do todo ou parte dos bens fideicomitidos. Tudo que aumenta a propriedade, como o proveniente de comissão ou de adjunção, é propriedade do fiduciário e, depois, do fideicomissário. No caso do tesouro achado pelo fiduciário, pertence à herança; por outrem, metade à herança. Mas, aqui, pelo princípio da aquisição da. propriedade móvel segundo a lei (artigos 607-610), e não, como quer II. BEYER, pelo da sub-rogação. Pertence à herança fideicomitida tudo que derivou do direito pertencente a ela; o tesouro é exemplo disso; não assim a caça e a pesca. No caso de especificação, o fiduciário não poderia, salvo excepcionalmente (e. g., não constando do inventário a matéria-prima), dizer-se de boa fé. Porém os artigos~ 611614 são-lhe aplicáveis, se bem que, em nenhum caso, possa deixar de indenizar segundo o inventário, onde se caracterizou a unidade econômica da herança ou legado fideicomitido, ou segundo o dano provado, quando não tenha feito inventário, a que, por lei,é obrigado (art. 1.734, parágrafo único). O fiduciário não pode aplicar bens do fideicomisso em ações ou títulos que sejam personalíssimos, como os cartões de sócios de certas sociedades mundanas, culturais ou profissionais. Aplicado o valor noutro bem não’-personalíssimo, dá-se a sub-rogação; a unidade patrimonial agrega a si, com o organismo, tudo que lhe deve pertencer (F. ENDEMANN, Lekrbuch das Riirgerlichen T-techts, III, 404). O que é tocante ao uso e fruição vai ao fiduciário e quando, levantada, posteriormente, a dúvida, o juiz proceder à discriminação, o julgado terá os efeitos de se reputar objetivamente feita, por farsa do conceito de bem afeto a fim, ou de patrimônio, a separação do substancial e do não-substancial. Pertence à unidade econômico-jurídica do fideicomisso: a) tudo que derivou de direito pertencente à herança, como a bonificação de ações aos acionistas depois de capitalizados ou postos em fundo de reserva os lucros das sociedades, todo o tesouro achado no prédio fideicomitido pelo fiduciário ou pelo fideicomissário, ou metade, se achado por terceiro; b) o valor do bem, quando a substância desse for atingida: perecimento, danos causados por incêndio (seguros) ; troca dos bens. Procurou-se distinguir nos dois casos (b e a) a sub-rogação com. os meios (mit Mittel) e a sub-rogação emanada dos meios da herança (aus Mitiel) ; mas é sem alcance a distinção, uma vez que a farsa sub-rogatória é a mesma e os mesmos os resultados. Sôbre a questão discriminativa, R. BEYER (fie Surrogatiou bei Vermdgen im EGE., 209), F. ENDEMANN (Leh,rbuch des Biirgerlichen Rechts, III, 404). Se o fiduciário, em negócio jurídico, com os meios ou em virtude dos meios da herança, adquire crédito, que se deva sub-rogar, nem por isto deixa o devedor de o ser do fiduciário, a quem, pagando, estará eximido. Se tiver conhecimento da sub-rogação, deverá acautelar-se para evitar a imputação de má fé. Se, além deste conhecimento, vier a saber que o fideicomisso terminou, ao fideicomissário, é que deve pagar; ou depositar o pagamento, para melhor segurança. Desde o momento em que se alcançou o fim do termo ou se realizou a condição, êle é devedor do fideicomissário (F. ENDEMANN. Lehrbuch des Biirgerlichen Rechts, III, 404). Se a verba deixou que o fideicomisso consistisse em dinheiro, ou coisa fungível, sem ser preciso converter-se, a
relação entre o fiduciário e o fideicomissário é simplesmente de obrigação, e não real. Ao testamenteiro e ao Curador de testamentos cabe velar pela conversão dos bens fungíveis sempre que a verba não seja permissiva do laço só de obrigação. Esqui não se presume, porque deturpa a figura do fideicomisso. A cláusula de insub-rogabilidade seria sem eficácia sempre que se tratasse de premência da substituição real, devido as circunstâncias. Alguns acórdãos, esporádicos, sôbre não poder haver sub-rogação de bens em fideicomisso, ou, em geral, de bens de propriedade resolúvel, são simplesmente contra direito. Não se pode deixar perecer ou arruinar-se o objeto de propriedade resolúvel, nem, sequer, se podem deixar de levar cm conta vantagens evidentes de sub-rogação. Se, depois de devolvidos os bens ao fideicomissário (e.g., morto o fiduciário antes do testador ou logo após a abertura da sucessão), se der fato do qual resultaria acrescimento ao fiduciário, chamado como substituto, ou sucessor legítimo, o fideicomissário da herança tem direito, na dúvida, ao que receberia o fiduciário. Exemplos: a) A deixa metade da herança a B, de pleno direito, e a O, passando a D; depois de morto O, E recusa a herança ou é declarado indigno. D recebe a metade que tocaria a E, porque, se O vivesse, a êle teria ido. b) A nomeou a O como fideicomissário de E, um dos seus herdeiros legítimos, que são além de E O, E e F; se O morre e E recusa a herança, as suas partes (metade da herança) tocam a E e E; se E já tinha morrido, a O, fideicomissário, e a F; se também E já havia morrido, só a O. Note-se, porém, que se trata de regra interpretativa, e não dis positiva: é preciso que haja dúvida se no fideicomisso estava ou não incluído o direito ao que adviesse no caso de falta dos herdeiros. Quanto a época da falta, antes ou depois da extinção do fideicomisso, nada importa (OTTO WARNEYER, Kommentar, TI, 1142) : já então o fideicomissário é pleno herdeiro. 18.APLICAÇõES DE VALORES E RESTITUIÇÃO. Passa ao fideicomissário, com a morte do fiduciário: a) tudo que Ale comprou com o produto dos bens vendidos; b) o preço deles, se existe em espécie; e) os bens que vendeu, se os resgatou ou recomprou. Ainda mais: d) o preço das coisas que vendeu habita fide de pretio (FRANCISCO PINHEIao, Tractatus de fiestamentis, n. 1.245). O fiduciário restitui os bens ao fideicomissário (transmitir, diz o art. 1.733) conforme o conteúdo da verba testamen. tária; isto é, conforme, pelo querer do testador, ou pelo direito dispositivo, foi obrigado. Não se lhe aplicam as regras relativas ao possuidor pro herede; possuía o que era seu e, normalmente, restitui com as alterações resultantes do tempo e da fruição regular (cp. art. 160, 1). Usou e fruiu. Fêz seus: os juros dos dinheiros; os dividendos de ações, os alugueres dos prédios; os frutos das chácaras e dos quintais~ as crias dos animais, deduzidas quantas bastem para inteirar as cabeças de gado existentes ao começar o usufruto. Não constitui fruto a parte dos lucros das sociedades nào distribuída em dividendos (E. ENDEMANN, Lehrbuch des Rilrgerlicheu Rechts, III, 468). O fiduciário não fica em situação de vitima; o que acaso se reservou entre a feitura do testamento e a morte do testador aumentou a substância dos seus bens. A oportunidade ou justiça da partição dos haveres lucrativos das sociedades em dividendo e fundo de reserva, ou aplicação direta ao capital, só pertence ao corpo dirigente delas, de acôrdo com os estatutos e as assembléias. É de especial importância não confundir produto e fruto; a Asse respeito as confusões são lamentáveis. Consideram-se obtidos com os meios da herança a reposição do co-herdeiro, o legado anulado ou ineficaz que veio aos herdeiros, a quantia da dívida passiva do fiduciário, que foi confundida. Se acontecer que o fiduciário empregue bens da herança fideicomitida em sociedade, que não seja de capitais, não se dará a sub-rogação (Oro WARNEYER, Kommentar, II, 1148), devido ao caráter pessoal do direito adquirido com os meios da herança, que impede a atribuição ao fideicomissário. Por essa aplicação responde o fiduciário. Não há sub-rogação por troca do bem fideicomitido pelo bem do patrimônio livre do fiduciário (Orro WARNEYER, Kommentar, II, 1148) ; salvo judicialmente estabelecida com audiência dos interessados. 14.DESPESAS E DIREITOS. As despesas e as diminuições do valor ou substância da herança ou legado fideicomitido, resultantes da sub-rogação ou causadoras dela, correm por conta: a) Do fiduciário, se, na apreciação da necessidade ou conveniência (utilidade, volutariedade da sub-rogação), se atendeu mais ao modo de ver do proprietário fiducial. Exemplos: se o bem não está a render,~ como é, e renderá (ainda que isto, secundariamente, o valorize) após a sub-rogação; se a abertura da rua favorece, desde já, e principalmente, ao fiduciário. Cp. F. ENDEMÀNN (Lehrbuch das Biirgerlichen Rechts, III, 408). b) Do fiduciário, se houver culpa sua no fundamento da sub-rogação. Se deixou de pagar os impostos e o bem vai a praça, caso em que a diminuição do valor exige que se aplique o dinheiro, de modo que as rendas compensem o prejuízo sofrido, operando, aí, a sub-rogação, se o fiduciário não der outros bens ou bem com que se possa recompor a unidade constante do inventário, ou caução suficiente da entrega, finda a fiducialidade. c) Dos bens fideicomitidos, quando o fundamento para a sub-rogação tiver derivado dos próprios bens, por defeitos objetivos sem culpa do fiduciário. d) Do terceiro sujeito a indenizar, quando por culpa sua se der a sub-rogação. e) Do fideicomisso, no caso da letra e), se o fiduciário tirar do seu bolso, e não do valor dos bens.
15. DESPESAS COM OS BENS. Se o fiduciário fêz despesas extraordinárias, que eram, segundo as circunstâncias, necessárias, e as tirou do seu patrimônio, e não da herança fideicomitida, o fideicomissário terá de reembolsá-lo. As ordinárias, necessárias ou não, êle as suporta e não pode exigi-las do fideicomissário. Tais as de conservação, os foros, pensões e impostos reais devidos pela posse, propriedade e renda da coisa fideicomitida (cp. art. 788, quanto ao usufrutuário), o seguro (F. ENDEMANN, Leh,rbuch des Biirgerlichen Rechts, III, 469), as custas de processo na defesa da propriedade e da posse. Mas o próprio conceito de necessariedade, que é o romano no caso dos arts. 516 e 784 impensue neoessariae, quae st factae non sint, res aut peritura aut deterior futura sit (L. 79, pr., 13., de verborum significatione, 50, 16), não é o mesmo em se tratando do fideicomissário, que é um dono dos bens, à diferença do possuidor de boa fé e do usufrutuário, possuidores de coisas alheias. Apesar da expressão necessárias que se inseriu na lei alemã, e com maioria de razão no direito brasileiro que nenhuma regra formulou, a não ser a de que o fiduciário é proprietário dos bens, entendeu-se que se não trata da necessariedade objetiva, e sim de necessariedade segundo a concepção do fiduciário, dentro do razoável. F. ENDEMANN (Lehrbueh des Biirgerlichen Rechts, III, 470) : “nicht die objektive Notwendigkeit zu beweisen ist, sondem die subjektive begrúndete Anschauung des Vorerben tiber die Erforderlichlçeit genúgt”. Se as fêz com o próprio patrimônio, era seu, podia fazer, desde que não lesou o pésherdeiro. Se as fêz com o seu patrimônio, pode reaver dêste o que despendeu. Tem direito de retenção, se justo o pedido. São exemplos de obras subjetivamente necessárias: abertura de canais, cujo valor mais se reflita na substância do que no conjunto da renda provável (sem que se tenha de aplicar o art. 734, só referente a usufruto: o fiduciário é dono; pode fazer obras que absorvam toda a renda, sem ter direito a reclamar o custo); abertura de rua no terreno, para que por aí, e não por outro caminho se estabeleça a penetração e se povoe a região (o fito é todo futuro, mais aproveitável ao fideicomissário do que ao fiduciário). Quando o preço for demasiado em relação ao bem, será preciso ouvir-se o fideicomissário ou, em se tratando de prole eventual, o Ministério Público e o curador (do ventre ou da prole não concebida). 16.POSSE DOS BENS FIDEICOMITIDOS. No momento da entrega dos bens, passa do fiduciário ao fideicomissário a posse que êle, pela saisina (art. 1.572) recebeu, e não a que lhe adveio do seu poder efetivo sôbre a coisa independentemente da aquisição ipso iure. Um exemplo: o testador estava em lide contra A (pai de B, nomeado êsse fiduciário do testador, sendo fideicomissário D) para haver a posse dos prédios x, u e z: perdeu a ação possessória quanto ao prédio x, ganhou quanto ao prédio y e perde a ação quanto ao prédio z na ocasião da morte do testador. Transmite-se, pela saisina, a posse do testador (prédio ~j) a B; a posse de A (prédio x) a B. Quando E entregar a D a herança, entrega a posse completa sObre o prédio 9/ (saisina e posse do art. 485) ; a propriedade e posse (art. 1.572) do prédio x, sem a posse (art. 485), porque o fiduciário a houve do seu pai e não do testador, e D, fideicomissário, é herdeiro do testador e não de A. 17.SITUAÇÃO DO FIDUCIARIO DEPOIS DA ENTREGA DOS BENS. Extinto o fideicomisso, não há mais fiduciário. Entregues os bens ao fideicomissário, passa o que fora o herdeiro a ser estranho para a herança, que foi sua. As ações contra os bens da herança ou a favor dela já lhe não interessam, nem êle é autorizado a prosseguir, como autor, ou como réu, em tais processos: a mudança de sujeitos opera-se ipso iure, ao chegar o advento do termo ou realizar-se a condição. Mas, se deixou de pagar alguma dívida para que recebera dinheiro da herança a sua responsabilidade continuação. Depois da entrega dos bens, o fiduciário não é mais devedor das obrigações da herança. Se algum herdeiro retardatário recusa a quota, ou passa em julgado a sentença que pronunciou a indignidade de um deles, o acrescimento já lhe não aproveita, e sim ao fideicomissário Pelas dívidas assumidas pelo fiduciário, ainda que para a exploração e administração dos bens, não responde êsse, porque a sua destinação os imuniza às obrigações do fiduciário. Feito o inventário, segundo êle é que responde o fiduciário. Aliás, se êsse foi feito judicialmente, pelas dívidas da herança, que aparecerem, ambos responderão, salvo se excedem as forças dela. 18. CREDORES DA HERANÇA. Os credores da herança são credores do fiduciário até o montante dos bens herdados e do fideicomissário até o mesmo importe. No momento em que o fideicomissário recebe, responde na qualidade de herdeiro, que é. Se o fiduciário não pagou as dívidas da herança, paga-as êle. Os credores do fiduciário não são credores da herança. As dividas decorrentes de impostos atrasados, multas aplicadas às coisas da herança, êle as paga, mas tem por elas ação contra o fiduciário As dívidas do fiduciário garantidas pelos bens (hipoteca, penhor, anticrese, caução) não são dos bens. Com a mudança dos sujeitos da propriedade, todas se extinguem quanto ao bem; os credores têm ação contra o fiduciário, e não as ações contra os bens hipotecados, empenhados ou anticréticos. A penhora do direito do fiduciário, dos bens, por dívida do fiduciário, extingue se ipso
inre. São bens alheios. Se o fiduciário pagou, com dinheiro seu, a hipoteca do bem fideicomitido, dá-se a subrogação a seu favor (R. I3EYER, fie Surrogation bei Vermõgen im EGE., 216). Tal doutrina combina com os arts. 985, III, e 988. 19.INVENTÁRIO DOS BENS. Se o fideicomisso é normal, ou não, deve o fideicomissário inventariar os bens. Nesta parte o art. 1.784, parágrafo único, é co gente (F. HERZFELDER Erbrccht, .1. v. Staudingj.s Kornmcntar V, 553; OTTO WARNEYER, Kommentar, II, 1151). Entenda-se: a relação dos bens pertencentes à herança, não o seu valor ou o passivo (F. HEEZEELDER, Erbrecht, J. v. Staudingers Kommentar, V, 553), porque êsse não pode ser desde logo conhecido em sua totalidade. O inventário é que servirá de base às reclamações futuras do fideicomissário, porque por êle se saberão as obrigações do fiduciário, salvo elementos supervenientes, cujo ônus da prova cabe ao fiduciário ou ao fideicomissário, conforme alegado por aqueles ou por êsse. Ainda contra a vontade do fideicomissário, pode e deve o fiduciário proceder a inventário dos bens fideicomitidos. Pode exigi-lo o testamenteiro, porque, no Brasil, a tradição é ter-se nomeado o testamenteiro para a vigilância de tOda a execução testamentária, inclusive o registo dos bens fideicomitidos ou deixados em usufruto. Diferente o Código Civil alemão, § 2.222. Isto será reforçado quando o testador o nomear, expressamente, para tal fim. Se foram entregues os bens ao fiduciário e no inventário não se fêz a discriminação do que era fideicomisso e do que não era, o fideicomissário deve pedir a herança ou propor ação de fideicomisso, e não procurar renovar o inventário. Deve pedir-se antes de atingir-se o térmo ou realizar-se a condição, e não depois (Oro WARNEYER, Kommentar, li, 1152). Depois, pedem-se os bens. Se são muitos os fideicomissârios, cada um pode exercer o seu direito, quer quanto ao inventário, quer quanto à caução, independentemente dos outros. Não é dispensado do inventário o pai, tutor, curador, ou cônjuge fiduciário ( OTTO WARNEYER, Konimentar, II, 1152). Feito o inventário, se novos bens aparecem ou se há mudanças, ~,deve o fiduciário fazer nOvo inventário? Sim. Não, se constar de alterações nos bens (e não no número dêles). Assim, F. RITGEN, em G. PLANCK (Búrgerliches Gesetzbtt.úh, 1/, 300). No direito anterior, admitia-se o fideicomisso do que restar ao tempo da morte do fiduciário (M. A. COELHO DA ROCHA, Instituições de Direito Civil português, § 718) e buscava-se ao § 417 do Preussisehes Aligemeines Landrecht, 1, Título 12, a regra de poder o fiduciário ser dispensado de fazer inventário. Aí estão duas questões: a) ~ É possível o fideicomisso de eo quod supererit? b) ~ permitido ao fideicomitente dis.pensar o inventário? 20.FEICOMISSO O DO QUE RESTA À MORTE DO FIDUCIÁRIO. Regulou-o a Novela 118, adotando, na espécie, a substituição do qualitativo pelo quantitativo: o fiduciário poderia alienar três quartos dos bens, ficaria a quarta Falcídia, de que sOmente poderia dispor para dote, doação esponsalícia ou remissão de cativos. SObre êsse processo técnico no Direito, veja nosso Sistema de Ciência Positiva do Direito (II, 246-248). JOsÉ HOMEM CORREIA TELES, romanizou, como sempre MANUEL DE ALMEmÁ E SOUSA procurou investigar a vontade dos testadores, e em geral reputou nulas as alienações com o ânimo de defender o fideicomisso, respeitada ou não a Falcidia; M.A. COELHO DA ROCHA (Instituições de Direito Civil português, § 718) só permitia as alienações para necessidades pessoais do fiduciário. Tudo isso era vaguíssimo. O Código Civil português, art. 1.871, inciso 2.0, proibiu. Cortou, cerco, as dúvidas. A solução do direito brasileiro não deve ser a mesma; a disposição (e não só fideicomisso) de co quod supererit éfideicomisso anormal, e não mera recomendação. O princípio da sub-rogação vale para o fideicomisso eius quod superfuturum est; e isso bastaria para afastar a opinião daqueles que lhe recusam o caráter jurídico de herança ou legado. Assim ocorria no direito romano, conforme PAPINIANO, quem mais desenvolveu o instituto (L. 70, § 8, e L. 71, D., de legatis et fideicommissis, 31) “cum autem rogatus, quidquid ex hereditate supererit, post mortem suam restituere, de pretio rerum venditarum alias comparat, detninuisse quae vendidit non videtur, sed quod inde comparatum est, vice permutati dominii restitueretur”. Se aqueles a quem se pediu que restituisse o que restar ao tempo da sua morte, comprar coisas com o preço das que recebeu, não se considera que diminuiu a herança. Dá-se o mesmo se pagou a credores, porque não se consome o que se conservou no patrimônio, non enim absumitur, quod in corpore patrimonii retinetur (L. 72). No direito contemporâneo, temos de aceitar a PÂPINIANO na E 70, § 3, e 1.,. 71, e recusar ao mesmo PAPINIANO na L. 72, por lhe faltar suficiente fundamento (F. ENDEMANN, Lehrbuch des Rúrgerlicheu Reehts, III, 451). Também nesse não se dispensa o inventário. Tal a boa lição do direito que se formou entre os povos após a Novela 108, Capítulo 1, e veio até nossos dias (J. A. GRUCHOT, Preussisefles Erbrecht, II, 106; F. ENDEMANN, Lehrbuch des Ritrgerlichen Rechts, III, 451). PAPINIANO, “criador e mestre do imperativo moral no direito”, como lhe chama E. ENDEMANN (Lehrbuch des Ehirgerlich,en Rechts, III, 452), formulou o famoso princípio (L. 56, D., ad senatus consultum Trebellianum, 36, 1): se foi rogado Ticio que restituisse a Mévio o que houvesse sobrado da herança, em qualquer tempo não se
poderá pedir o que foi alienado ou diminuído, se não fór provado que tal se fêz para transgredir o fideicomisso; porque implícito está, nas palavras do fideicomisso, a boa fé: “si non intervertendi fideicommissi gratia tale aliquid factum probetur; verbis enim fideicommissi bonam fidem messe constat”. Também há doações em fraude (L. 60, § 8). Hoje, cabe a indenização sempre que houve intuito de diminuir. No fideicomisso de resíduo, o fiduciário pode dispor mais livremente do que poderia outro, e não se daria o efeito real da resolução. Mas, ainda aí, há restrição: não pode dispor, exceto para as necessidades (3. 1. RAMALHO, Instituições cronológicas, § 29, 65, seguindo a lição de FRANCISCO PINHEIRO, Tractatus de Testamentis, n. 1.218; e nunca de má fé). Há casos em que o dolo e a fraude se presumem: a) quando aliena todos os bens e distribui em doações, ou adiantamentos de legítima, ou, sem razão, os dilapida ou aliena (sine aliqua sua utilitate gravatus alienat); b) quando a alienação é in articulo mortis. Mas não presunções hominis. Ofiduciário do que restar não pode testar os bens do fideicomisso (FRANCISCO PINHEIRO, Tractatus de Testamentis, II, d. 4, 8, § 6, n. 1.242) ou o que está no lugar dêles. a)Se o testador disse “faço a E fideicomissário do que restar ao tempo da morte de A que poderá alienar para as suas necessidades”, temos o fideicomisso normal de resíduo, e então cabe a distinção de MANUEL BAGNA QUARESMA: “necessitas fatalis, ut siquis casu incidit in latrones; naturalis, ut expensa facta in infirmitate, et familia alendo; data opera, ut siquis contraxit debita sponte, vel commissit aliquod delictum”. O que se gastou com a própria doença ou da família necessàriamente se gastou. O que foi roubado, fatalmente se perdeu. O que se perdeu no jôgo ou se pagou de indenização por ofensas, isto se gastou sem necessidade. Aliás, seria bem difícil justificar que se não gastou mal o que se pagou juveníli calore, como está em MANUEL BAGNA QUARESMA. Cp. FRANcísco PINHEIRO (Tractatus de Testamentis, II, d. 4, 8, § 6, ns. 1.220 e 1.221). b)~ Se o testador permitiu tôdas as alienações a puro arbítrio do fiduciário? FRANCISCO PINHEIRO (Tractatus de Testamentis, n. 1.221) continua a ver nisso fideicomisso, porque, se o fiduciário aliena e depois adquire outros bens, será obrigado a restituir: “si gravatus, qui rem fideicommissanam ob dictas necessitates alienavit, postia adquirat alia bona teneri ex acquisitis satisfacere fideicommissario”. Não se pode ver, aí, sub-rogação; nem mesmo se buscássemos extensão do preceito de PAPINIANO (L. 70, § 8, e L. 71). ~ Em que se havia de fundar a exigência? O único meio é, provada a fraude, admitir a regra da L. 56. 21.DISPENSA DE INVENTÁRIO. Para a dispensa do inventário os juristas portuguêses e brasileiros do século passado buscavam o exemplo do direito prussiano. Mas o Código Civil não consagrou a dispensa do Preussisches Alígemeines Landrecht e, se exemplo quisermos hoje, temo-lo no direito que sucedeu àquele e onde também não se acolheu a regra da dispensabilidade. Seria muito apêgo ao subsídio da Prússia recorrermos hoje àquilo a que, em idênticas condições, não recorrem os próprios juristas alemães . É indispensável o inventário dos bens recebidos, porque se trata de bens alheios. Se foi feito judicialmente, ou os bens constam de partilha passada em julgado, basta que assine o têrmo de depósito. Os bens somente poderão ser vendidos em praça, e nos casos em que o poderiam ser os do nascituro e dos ausentes. Aplica-se aos valôres substituidos, integralmente, o princípio de sub-rogação; porque se trata de caso típico, não só de bens afetos a determinado fim, mas de patrimônio. 22. CAUÇÃO PELO rínucítío. Se o fideicomissârio exigir, tem de dar caução o fiduciário. Real ou pessoal, que satisfaça. Salvo se o testador o dispensou. O parágrafo único do art. 1.784 é dispositivo. § 5887. Aceitação e renúncia do legado 1.RENÚNCIA DA HERANÇA OU DO LEGADO. Diz o Código Civil, art. 1.785: “O fideicomissário pode renunciar a herança, ou legado, e, nesse caso, o fideicomisso caduca, ficando os bens propriedade pura do fiduciário, se não houver disposição contraria do testador”. É absurdo dizer-se que negócio jurídico do fideicomissário antes de lhe passar a propriedade do bem fideicomitido ou dos bens fideicomitidos é pacto sucessório, o que o sistema jurídico brasileiro proibe. O fideicomissário já herdou; o que lhe falta # a propriedade. Imaginemos que o testador deixe o bem, em fideicomisso, a B, para que, com a morte de E, ou ao advento do têrmo, o receba C. C já é herdeiro, ou legatário, à abertura da sucessão. Se C entende que a deixa de B é ofensiva, ou não lhe interessa, seria êrro grave esperar-se a morte de E, ou o advento do têrmo, para que C renuncie. Por exemplo: o testador faz fideicomissária a mulher de outrem, de quem se diz ou êle dizia que era sua amante. Seria fora de qualquer acoIhimento que se tivesse de pôr C na situação de aguardar o falecimento de B, ou o advento do têrmo, para renunciar a herança ou o legado fideicomissório. Quando algum jurista afasta a aceitação e a renúncia pelo fideicomissário após a abertura da sucessão, invocando os trabalhos parlamentares em que se riscaram os dizeres “desde que (a herança) seja devolvida” (Trabalhos da Câmara dos Deputados, 1, 288), procede como se a retirada significasse que somente ao ser extinto o direito do
fiduciário pudesse o fideicomissário manifestar-se. Tem-se invocado o art. 118 do Código Civil para se afirmar que é irrenunciável o direito à herança, que tem o fideicomissário, enquanto não lhe vai a propriedade. O art. 118 é estranho ao assunto e invocá-lo foi êrro de CARLOS MAxIMILIANO, que viu na renúncia após a abertura da sucessão “pacto expresso ou tácito sôbre sucessão futura”. Ora, a sucessão de modo nenhum é futura. O fideicomissário já sucedeu, o que ainda não se deu foi a transmissão da propriedade e da posse. (Advirta-se que a citação que aparece no julgado do 2.0 Grupo d 0 Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 4 de junho de 1952, D. da J., de 5 de fevereiro de 1958, foi impertinente, por ser estranha à matéria.) A aceitação e a renúncia foram disciplinadas nos artigos 1.581-1.590 do Código Civil, entre os quais está o art. 1.584 que, sem distinguir qualquer disposição testamentária, nem espécie de sucessão, dá o prazo para que o beneficiado se pronuncie, “sob pena de se haver a herança por aceita”. Para se ver quando fora de qualquer acolhibilidade é a opinião dos que entendem que o fideicomissário sómente pode renunciar após a extinção do direito do fiduciário, basta que se leia o art. 1.785. Lá está dito que “o fideicomissário pode renunciar a herança ou legado, e, neste caso, o fideicomisso caduca, ficando os bens de propriedade pura do fiduciário”. Portanto, ainda não se extinguiu o direito do fiduciário. Seria absurdo que se falasse em caducidade, ou em ineficacização, de disposição testamentária, cujos efeitos já desapareceram. É preciso que ainda haja a propriedade fiduciária, para que, com a renúncia do fideicomissário, tal propriedade fiduciária se faça “propriedade pura”. Tanto a aceitação e a renúncia têm de ser ao tempo em que todos os herdeiros e legatários têm de aceitar ou renunciar, que aceita a herança ou o legado pelo fideicomissário tem êsse “direito à parte que ao fiduciário, em qualquer tempo acrescer” (art. 1.786). ~ Como poderia haver acrescimento ao fiduciário se já se extinguiu o seu direito? Tudo mostra que as páginas que CARLOS MAxIMILIANO (Direito das Sucessões, ~ 5Y ed., 128-180) tentaram sustentar tese absolutamente falsa e contrária à letra da lei (Código Civil, arts. 1.785, 1.786 e 1.684). Aliás, também’ errado CLÔvIS BEVILÁQUA (Código Civil comentado, VI, 198), cujo texto é contraditório: refere-se ao direito alemão, ao Projeto brasileiro primitivo, e no entanto acrescenta que a devolução é quando se extingue o direito do fiduciário. Êle tinha de ler, apenas, os arts. 1.785, 1.786 e 1.584. A renúncia pelo fideicomissário rege-se pelos mesmos princípios que a renúncia pelo fiduciário. Se já falta o fiduciário e passou o prazo para a renúncia pelo fideicomissário, de jeito nenhum se pode pensar em renúncia pelo fideicomissário. Se antes de extinguir-se o prazo, falece o fiduciário, o fideicomissário, que aceita ou renuncia, aceita ou renuncia a herança ou o legado já liberado da fiduciariedade. Seria fora dos princípios exigir-se que o fideicomissário só pudesse renunciar quando ao fiduciário se extinguissem os direitos. Falar-se de recusa ou renúncia da herança em favor de determinada pessoa, como está em CARLOS MAxIMILIANO (Direito das Sucessões, ~ 5Y~ ed., 78), é êrro grave. Não bá renúncia de herança a favor de alguém: ou se aceita, ou se renuncia. O que pode ter havido é impropriedade de linguagem: chamou-se renúncia à cessão dos direitos, ou ao negócio jurídico transíativo da propriedade herdada. Outra afirmação que se há de repelir é a de que, sendo inalienáveis os bens fideicomitidos, em virtude de cláusula testamentária que pré-excluiu ou restringiu a alienabilidade pelo fiduciário, não pode êsse renunciar a herança ou legado. Alguns juristas e juizes chegaram a êsse ponto, o que estabeleceria a irrenunciabilidade de deixas testamentárias. A inalienabilidade pelo fiduciário apenas é para o caso de êle aceitar a herança ou legado em fideicomisso. Incorreu em tão grave êrro de tornar irrenunciável a deixa se o testador inseriu no testamento a cláusula de inalienabilidade, a 83 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 21 de novembro de 1989 (1?. dos T., 125, 551; antes, o próprio Tribunal de Justiça, 102, 146). O que pode ocorrer é que a cláusula de inalienabilidade tenha de ser interpretada como objetiva, e não subjetiva, isto é, incidente no bem, quer para o fiduciário, quer para o fideicomissário, quer para o próprio herdeiro legítimo, no caso de faltarem fiduciário e fideicomissário. Reputou extensiva a cláusula, portanto objetiva, em caso que examinou, a 23 Câmara Civil da Côrte de Apelação de São Paulo, a 31 de janeiro de 1936 (1?. dos T., 102, 146). 2. FIDUCIÁRIO E FIDEICOMISSÁRIO. Fiduciário e fideicomissário podem não aceitar. Ou um aceita e outro não. Induzem aceitação os mesmos atos de que se concluiria a aceitação pelo pleno herdeiro. Não podem optar em parte, sob condição ou a têrmo (art. 1.588) ; nem a favor de um ou de alguns dos fideicomissários, e não de outros, ou de um ou de alguns dos fiduciários; nem a favor dos existentes, se os há eventuais, 53 Câmara da Côrte de Apelação, 30 de setembro de 1924. Se o fiduciário ou o fideicomissário repudiam, os seus credores podem aceitar em seu nome (art. 1.586). Fiduciário e fideicomissário não respondem além das fôrças da herança (art. 1.587). É anulável ou retratável a renúncia nos mesmos casos em que o seria a renúncia da plena herança (art. 1.590, 1a parte). É revogável a aceitação (artigo 1.590, 29’ parte), Os arts. 1.588 e 1.589 só se aplicam às heranças legitimas, ou quando se tenha querido, testamentâriamente, seguir a sucessão legítima.
3.CONTEÚDo nA REGRA JURÍDICA. O único texto a que bem corresponde o art. 1.785 é o alemão, § 2.142, de cujo Projeto (§ 1.832) foi tirado. Como em outros pontos do capítulo, a doutrina alemã nos será fecunda. Também o § 2.142 só se refere à recusa da herança. Ambos são de natureza dis positiva. Mas é preciso notar que a presença da vontade do testador, obstáculo a invocação do art. 1.735, pode não ser direta, e. g., se, pela construção da verba testamentária, cabe acrescimento ou substituicão do fideicomissário. Donde não se aplicar o art. 1.735: a) se o testador expressamente quis outra coisa; b) se existem dados volitivos de que se induza outro querer do testador (acrescimento, substituição, direito do fiduciário subordinado à resolução pela renúncia do fideicomissário). 4.INDIGNIDADE E ounos CASOS. A lei brasileira e a sua fonte (Projeto alemão, § 1.832; Código Civil alemão, § 2.142) só se referiram a renúncia; mas, no caso de indignidade, dá-se o mesmo (E. HEEZFELDER, Erbrecht, 3’. v. Staudingers Kommentar, V, 573). Quanto à morte do fideicomissário antes de receber, previu-o o art. 1.738. Se não se der a condição a que se subordinava a instituição do fideicomissário, também será herdeiro pleno o fiduciário (F. RITGEN, em G.PLANCK, Bhirgerliches Gesetzbuch, V, 319). 5.EFEITOS. Se renunciam a herança o fideicomissário e o fiduciário, vai aos herdeiros a quem deve acrescer, ou, se isto não couber, ou não os houver, aos legítimos. Se só o fideicomissário renunciou, a herança fica ao fiduciário, que nunca o foi, porquanto, pela falta do fideicomissário, sucedeu como pleno herdeiro. Daí a expressão alemã “verbleibt”, que é feliz, e a outra “o fideicomisso caduca”, da lei brasileira, que não foi exata no restante da frase e parece significar lapso entre a abertura da sucessão e a renúncia. 6. DIREITO DE ACRESCIMENTO. Diz o Código Civil artigo 1.736: “Se o fideicomissário aceitar a herança ou legado, terá direito a parte que, ao fiduciário, em qualquer tempo acrescer”. 7. ANÁLISE DA REGRA JURÍDICA. A expressão “acrescer” não está no sentido restrito de advir pelo ins accrescendi (arts. 1.7104.712, 1.714 e 1.716) . A imprecisão também ocorre no art. 1.715, onde se deve ler “fica” em vez de “acresce”. O art. 1.736 foi inspirado no 1 Projeto alemão, § 1.814, 1.a parte, onde havia a referência a acrescimento (Ánwachsung). Infelizmente, como aconteceu, em todo o Código, quando o autor do Projeto brasileiro se inspirou no 1 Projeto alemão, sua verdadeira fonte, e através da defeituosa tradução de LA Gn..xSSERIE, não se conheceu a história posterior dos §§ 1.814 e 1.983 da II Comissão e do § 2.085 do III Projeto. (Não há nenhum indicio de que CLÓVIS BEVILÁQUA, antes e depois do Código, inclusive nos comentários, tenha conhecido o II Projeto e o Código nas alterações feitas aos dois projetos.) Na II Comissão, o § 1.983 ganhou em técnica: já se pôs claro tratar-se de regra interpretativa (“im Zweifel”). Ora, no 1 Projeto, era dispositiva e só para o caso de acrescimento, do que também se libertou o II Projeto (F. RITGEN, em G. PLANCIÇ, Biirgerliches Cesetzbuch,, V, 285). Também dessa alteração não teve notícia a elaboração brasileira. 8.CONTEÚDO TOTAL DA REGRA JURÍDICA. Boa interpretação aconselha que, com auxilio do art. 79 da Introdução, se dê ao art. 1.736 tôda a extensão que lhe manda atribuir a própria natureza das coisas. ~A regra vale quando nenhuma vontade disto resulte do testamento? ~ Devemos considerar dispositiva a regra jurídica, êrro de técnica em que caíram o 1 Projeto alemão e o Código Civil brasileiro? Dêle, como vimos, livrou-se o Código Civil alemão; a II Comissão alemã foi decisiva. No direito brasileiro, ~presume-se a aquisição iure accrencendi? Seria de graves conseqUências, maiores do que as derivadas de regra jurídica interpretativa redigida em forma dispositiva, tanto mais quanto, no Código Civil, se ignora a técnica das normas de direito. A regra jurídica do art. 1.736 do Código Civil só se refere aos casos de não poder ou querer aceitar (premorte, renúncia, indignidade). Cabem os outros, em que também se dê falta de algum contemplado, herdeiro ou não, como se dá nos artigos 1.715 e 1.719-1.732, e, até, nos arts. 1.713 e 1.673 (F. HERZFELDER, Erbrecht, 3’. v. Staudingers Kommentar, V, 530). Assim, temos de decidir, na dúvida: a) Que o fideicomissário que aceita a herança terá direito ao que advier ao fiduciário pela premorte, renúncia ou indignidade de algum ou de todos os co-herdeiros (arts. 1.710-1.712 e 1.714). Se o fideicomisso fôr de legado, ao que acrescer ao fiduciário como legatário (arts. 1.710, § 1.0, e 1.716). b) Se o testador fêz o fiduciário substituto de outro co-herdeiro, ou legatário, o fideicomissário terá direito, também, a essa parte (F. RITGEN, em G. PLANCK, Búrgerliches Gesetzbuoh, V, 285). c) Se o testador, com herdeiros legítimos, a um dêles dá fideicomisso <“deixo a Bto fideicomisso da quota do meu sobrinho mais velho”, “deixo aos meus herdeiros legítimos, sendo fiduciário do mais môço B”, ou se construtivos os fiduciários), o que advier em virtude dos arts. 1.673 e 1.713, entende-se devido ao fideicomissário (F. HERZFELDER, Erbrecht, 3’. v. Staudingers Komrnentar, V, 530)..
d) Se o legado ou motins impôsto ao fiduciário cai (por exemplo, art. 1.715), aproveita isso ao fideicomissário. 9. DIREITO DE ACRESCER ENTRE FIDUCIÁRIOS E ENTRE EIDEICOMISSÂRIOS. Se são dois ou mais os herdeiros fiduciários em quinhões não determinados, ou os legatários fiduciários a respeito do mesmo bem, determinado e certo, em disposição conjunta, há o acrescimento se um dêles renuncia a herança, ou dela é excluído, ou se não se verificou a condição. Dá-se o mesmo a propósito de dois ou mais fideicomissários. Se todos os fideicomissários renunciam, ou falecem, ou são excluídos da sucessão, ou não se implemente a condição a que subordinou a instituIção, o bem fideicomitido passa ao fideicomissário. 10.CADUCIDADE E INVALIDADE DA SUBSTITUIÇÁO. Perde tôda a eficácia a substituição se o herdeiro ou legatário, que foi instituído primâriamente, aceita a liberalidade e não ocorre, depois, retratação. Também se dá a ineficácia da deixa em substituição se o substituto premorre ao testador. A incapacidade para suceder por testamento pode atingir o substituto. Se o herdeiro ou legatário, a que o substituto havia de substituir, retrata a renúncia, não há substituição. Se o instituído falece depois do testador, sem ainda ter aceitado a herança ou legado, cabe aos seus sucessores aceitar ou renunciar. Se aceitam, não há qualquer direito do substituto. Se o instituído primàriamente, trate-se de herança ou trate-se de legado, morre antes do testador e do substituto, que sobreviveu ao decujo, recebe o substituto a herança ou legado e, se ainda não aceitara, nem renunciara, o direito de aceitar ou renunciar transmite-se aos seus herdeiros. Se o fideicomissário falece, ou renuncia a herança, ou e julgado indigno, caduca o fideicomisso. A extinção da pessoa jurídica, nomeada fideicomissária, acarreta caducidade. Em todos êsses casos, o fiduciário torna-se proprietário puro, para se empregar, aí, a expressão que está no art. 1.735. Ésse texto da lei só se refere à renúncia, mas a regra jurídica geral está nos arts. 1.595 e 1.708, IV e V. Se o renunciante é o fiduciário, antecipa-se a transmissão da propriedade e da posse ao fideicomissário, que somente era, por herança ou legado, titular de direito expectativo, salvo se o testador dispôs diversamente (e. g., se nomeara substituto ao fideicomissário, ou se é caso de acrescimento). Se a morte do fideicomissário foi simultânea à do testador, quem fôra nomeado fiduciàrio recebe a propriedade pura, porque, à abertura da sucessão, a deixa não foi em fideicomisso, a despeito dos têrmos do testamento. Se falecem no mesmo momento fiduciário e fideicomissário, depois da abertura da sucessão, o caso é de sucessão do fiduciário, que já era proprietário dos bens quando faleceu. Ao fideicomissário extingue-se o direito expectativo, uma vez que, ex kypotkesi, o fideicomisso era ligado à vida do fiduciário e, quando essa ocorreu, já também falecera o fideicomissério (cf. Código Civil, art. 11). Se perece o bem fideicomitido, sem culpa do legatário fiduciário, caduca o fideicomisso. É o que resulta do art. 1.708, III, do Código Civil e dos princípios gerais sôbre herança. A nulidade ou a anulação da disposição testamentária em que se instituiu herdeiro ou legatário de modo nenhum produz nulidade ou anulação da substituição. Há, aí, duas disposições distintas, por títulos diferentes. Pode mesmo dar-se que urna conste de testamento válido e outra de testamento nulo ou anulável. Inválida uma, a outra não é, por estar inserta em negócio jurídico unilateral válido. A substituição, em si mesma, pode ser nula, ou anulável, sem que o seja a instituicão do herdeiro ou legatário que seria sucessor primário. § 5.888. Responsabilidade do fideicomissârio 1.RESPONSABILIDADE PELOS ENCARGOS DA HERANÇA. Diz o Código Civil, art. 1.737: “O fideicomissário responde pelos encargos da herança que ainda restarem, quando vier à sucessão Como proprietário e possuidor da herança ou do legado, o fiduciário responde como proprietário e possuidor pelas dividas fiscais, pelos danos que o bem cause e sejam exigíveis pela pessoa que os sofreu, ou pelas pessoas que os sofreram. No momento em que se dê a transmissão automática ao fideicomissário, êsse começa a responder como responderia, se ainda fôsse proprietário e possuIdor o fiduciário. São os encargos (lato sensu) da herança, “que ainda restarem”, como se diz no Código Civil, art. 1.737. O testador pode restringir a responsabilidade do fiduciário, desde que o faça expressamente, sem que da cláusula resuíte exoneração da restituição, ou prejuízos intencionais ao fideicomissário. Ao fideicomissário transferem-se os deveres e obrigações resultantes da administração regular, eficiente do fiduciário. Aliter, os que se originarem de gravames do bem, exceto se foram para garantir reconstrução necessária, ou medida que foi exigida, legalmente, por autoridade pública. § 5.888. RESPONSABILIDADE DO FIDEICOMISSARIO
O seguro ou qualquer indenização que se pagou ao fiduciário por perda, ou destruição, total ou parcial, do bem fideicomitido, insere-se no bem, de jeito que, ao ocorrer a titularidade do fideicomissário, tem êle direito e pretensão pelo que o fiduciário recebera. O fideicomissário, que responde pelas despesas que não foram liquidadas e pagas pelo fiduciário, fica diante de terceiros, que sejam os credores, em vez do fiduciário (cf. 43 Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 10 de setembro de 1941, E. dos T., 135, 677). Ou o fideicomissário as exige dos herdeiros do fiduciário, para solvêlas, ou as solve sem as exigir, ou se expõe a que, se nao as paga, possa haver a venda judicial do bem ou de algum bem fideicomitido. Mas, para a venda judicial, é preciso que se tenham observado os pressupostos e as formalidades processuais, e não por arbítrio do juiz, como talvez haja acontecido no caso da decisão da 23 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 20 de abril de 1934 Cl?. dos 2’., 92, 145). 2.CONTEÚDO DA REGRA JURÍDICA. Se à herança, ou legados fideicomitidos, ordenou o testador que se entregasse a outrem certa coisa ou valor, ou se impôs modus, ou recomendação, entende-se que são obrigados o fiduciário e o fideicomissário. o primeiro até acabar a fiduciariedade e o segundo, a partir disso. Se, durante a fidúcia, o fiduciário não cumpriu a disposição testamentária e não se tratava de obrigação personalíssima, cumprila-ão, no seu tempo, os fideicomissários. Na lei fala-se de “encargos”, palavra com que se traduziu motins nos arts. 1.180 e 1.731 (no art. 1.664 preferiu-se “modo”). Aqui, e no art. 1.587, muda a acepção: no art. 1.587, “cargos” são obrigações da herança; no art. 1.737, abrange legado, modo e obrigações, porque, em verdade, o fideicomissário responde por todos êles. No seu comentário, onde a terminologia científica é anárquiça, CLÓVIS BEvILÁQUA (Código Civil comentado, VI, 200) raciocinou como se só se tratasse de obrigações. Vago JOAQUIM AUGUSTO FERREIRA ALVES (Da Sucessão testamentária, Manual do Código Civil brasileiro, XIX, 359). Mas, sendo o princípio aplicável às obrigaçoes e as determinações testamentárias, melhor será entendê-lo integralmente. § 5.839. Caducidade e nulidade do fideicomisso 1.MORTE DO FIDEIGOMISSÁRIO ANTES DO FIDUCIÁRIO. Diz o Código Civil, art. 1.788: “Caduca o fideicomisso, se o fideicomissário morrer antes do fiduciário, ou antes de realizar-se a condição resolutória do direito dêsse último. Nesse caso a propriedade consolida-se no fiduciário nos têrmos do artigo 1.785”. 2. CONVINIÊNCIAS do Código Civil suíço, art. 492. 2.ª alínea, chileno, arts. 788 e 762. 8.CONTEÚDO DA REGRA JURÍDICA. Nos casos normais, o fiduciário fica livre do gravame, desde que o fideicomissário morra antes dêle ou antes de se realizar a condição resolutória. Dois casos foram, portanto, previstos: a) o de fideicomisso a têrmo de morte; b) o de fideicomisso sob condição resolutiva Mas o art. 1.788 permite outros têrmos e a própria condição resolutiva está sujeita à vontade contrária do testador, porquanto o art. 119 não é direito cogente. O fiduciário pode renunciar a propriedade, como qualquer proprietário (Código Civil, art. 589, II, e § 1.0 e até abandoná-la (art. 589, III, e § 2.0). De regra, a propriedade do fideicomissário antecipa-se, salvo se outra solução resulta do testamento, ad instar do que ocorre em caso de morte do fidudano, depois de aceitar a herança e antes de se atingir o têrmo ou se realizar a condição. Os escritores nacionais, franceses e italianos, que bordam considerações a técnicas sôbre o assunto, deixam de atender a que “renúncia” no art. 1.785 é renúncia da herança. Não se regulou a renúncia da propriedade pelo fiduciário, nem pelo fideicomissário (que ainda não na tem). Quanto ao fiduciário, rege o Código Civil, art. 589, II, e § 1.0. Se o testamento não no veda, a antecipação operase. Aplicar o art. 1.788 a todos os fideicomissos seria injusta confusão com as substituições Se o fideicomisso não é pensonalíssimo, não será preciso que, ao tempo da restituição, viva o fideicomissário Não é outra a lição da ciência: “Ist die Nacherbeinsetzung bcfristet”, diz TH. Rípp (Lehrbnch des Bhirgerliehen Rechts, II, 3, 310), “so ist es nicht erforderlich, dass der Nacherbe den Nacherbfall erlebt; vielmelir geht, wenn er vorher stirbt, sem Recht auf seine Erben Uber, vorausge setst nur, dass er nicht schon von dem Tode des Erbíasseni gestorben ist”. Se o fideicomissário morrer antes do testador, sim: a sucessão vai, plena, ao que seria fiduciário. Certo, se vive à abertura da sucessão, e não ao tempo de expirar o têrmo os seus herdeiros receberão. lÊ inerdável o direito do fideicomissário? Se não houvesse nenhuma regra no Código Civil, a solução normal seria a seguinte: herdável, no caso de fideicomisso a têrmo; na dúvida, não herdável, se condicional (TH. RIm’, Lehrbuch des Biirgerlicken Reckts, II, 8, 314). Temos, porém, o art. 1.788. ~ Constitui êle exceção ao art. 128, ou somente cogitou do fideicomisso condicional? É a questão máxima do art. 1.738. O art. 1.788 é dispositivo e só aplicável aos fideicomissos condicionais e aos fideicomissos por morte do fiduciário. Ai, há têrmo, e não condição; porém o pensamento da lei brasileira foi subordiná-los ao art. 1.788, devido ao êrro de CLóvís BEVILÁQUA que viu no têrmo de morte a condição suspensiva de sobreviver. A fortiori, se há
condição suspensiva do direito do fideicomissário (sem ser a situação de suspensão, derivada da resolutiva ao fiduciário), os herdeiros do fideicomissário não herdam, salvo vontade testamentária que o ordene. No Código Civil suíço, art. 492, lª alínea, constrói-se o fideicomisso como substituição, e nisso estão no mesmo pé os dois Códigos. Mas também lá o art. 492, 2•a alínea, é dispositivo e não se aplica àqueles têrmos que não sejam o de morta do fiduciário: se o têrmo é de outra espécie, em 1940, por exemplo, seria absurdo retirar a hereditariedade do direito do fideicomissário. No Brasil, violaria o art. 128, que é regra de direito dispositivo. Herdeiros do fideicomissário que podem receber os bens do fideicomisso são assim os legítimos como os testamentánios. (A.SUTER, fie Nacherbschaft nach dem schweizerischen Zivilgesetzentwurf e, 129; A. ESCfrER, Das Erbrecht, Kommentar zum schweizerischen Zivil.qesetzbuck, III, 64). Um-se-á que CLóvís BEvILÂQUA, nos seus comentários, trata os artigos como se fôssem ins coqens; mas isto não constitui razão. Uma regra não é ins cogens ou regra jurídica dispositiva porque tenha havido essa ou aquela intenção oculta; e sim porque, em sua natureza, o é. Aliás, quem quer que leia a obra de CLÓvIS BEVILÂQUA logo percebe como lhe passa quase despercebida a fundamental diferença entre o imperativo, o dispositivo e o interpretativo. Acresce ainda que o art. 1.738, in fine, remete ao ad. 1.735, que é dispositivo, e essa 2~a parte do art. 1.738 teve a seguinte elaboração: “consolida-se a propriedade dos bens fideicomitidos, em benefício do gravado, se outra coisa quando tiver determinado o testador” (Projeto primitivo, art. 1.904) ; “a propriedade consolida-se no fiduciário como está disposto no art. 2.099” (revisto, art. 2.102). Portanto, a própria intenção foi outra. O art. 1.738 refere-se à morte do fideicomissário antes do fiduciário, e o art. 1.735 à renúncia. Não se falou da incapacidade ou indignidade do fideicomissário. Nestes dois casos, como no da renúncia, o fiduciário recebe o pleno direito. 4.ALTERAÇõES “EX VOLUNTATE”. O testador pode alterar o que se estatui no art. 1.738: a) Fazendo a têrmo, que não seja o de morte, o fideicomisso (art. 123). b) Fazendo-o sob condicão resolutiva, mas impondo a herdabilidade do direito do fideicomissário. o) Fazendo-o a têrmo de morte, com a herdabilidade do direito do fideicomissário. d) Nomeando substituto ao fideicomissário, quer sejam os herdeiros dêsse, quer estranhos (P. TuoR, Das Erbrecht, Kommentar zum. Schweizerischen Zivilgesetzbuch, III, 262), caso em que haverá substituioão, e não herdabilidade do direito eventual. Nomeando mais de um fideicomissário conjuntivamente, os arts. 1.710 e 1.711 só serão aplicáveis se a morte fôr antes da abertura da sucessão (art. 1.712); porque, havendo disposição especial do testador, quando a morte fôr após a sua, a substituicão ou a herdabilidade é que se dará, e não o acrescimento. 5. MORTE DO FIDUCIÁRIO. O tipo normal dos fideicomissos, para o Código Civil, é o feito a têrmo de morte; por isto, nêle, nenhuma regra, imperativa, dispositiva ou interpretativa, se encontra, que se refira à morte do fiduciário. No entanto, ,~ que se há de resolver quando o fiduciário morrer antes de chegar ao dia da resolução, ou de se realizar a condição resolutiva? Se a têrmo, que não seja o de morte, os herdeiros do fiduciário o aguardam, salvo contrária disposição do testador, que faça personalíssimo o fideicomisso. Idem, no caso de condição resolutiva. Enquanto não se realiza a condição, o fideicomissário não poderá exigir os bens. A situação dêle é a de um legitimado em situação de suspensão, donde certos pré-e feItos (possibilidade de alienar o direito eventual, direito à testamentaria, à inventariança, à caução, cp. P. TuoR, Das Erbrecht, Kommentar zum Schweizerisehen Zivilgesetzbuck, III, 263, A. SUTER, fie Nacherbschaft nach dem schweizerischeu Zivilgesetzentwur fe, 82 s.). Se há condição suspensiva (note-se bem: condição suspensiva e não só situação de suspensão, derivada da resolutiva imposta pelo testador ao fiduciário), não há herdabilidade do direito (arts. 118 e 121). 6. REGRA QUE FALTA. Já dissemos que a morte do fiduciário antes do testador, a renúncia, a incapacidade, a indignidade, fazem com que os bens vão, diretamente, ao fideicomissário. Não temos regra legal a respeito; têm-na os suíços. art. 492, g•a alínea, de natureza dis positiva (P. TuOR, De Erbrecht, Kommerttar zum Schweizerischen Zivilgesetzbuch, III, 263, contra a opinião insustentável de A. ESCEER, Das Erbrecht, Kommerttar zum schweizerischen Zivilgesetzbuch, III, 69). O testador poderá dispor diversamente, mesmo porque são os casos típicos de substituição. Se a vontade do testador era que só se entregassem os bens ao tempo marcado, ou se a condição não foi somente no interêsse do fiduciário os herdeiros legítimos ou os testamentários guardarão os bens, É questão de interpretação da verba. A substituição é o que, na dúvida, querem os alemães; o que dispositivamente ordenam os suíços. Lê-se na decisão da g•a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 30 de maio de 1947 (E. dos T., 168, 266) ~‘Embora não regulado satisfatôriamente, o fideicomisso, não era desconhecido no direito anterior, como desconhecido não era o direito de acrescer entre herdeiros e legatários contemplados em disposição conjunta. Ora, sendo o fideicomissário mero detentor de expectativa de direito, os velhos civilistas discutiam vivamente sôbre se,
pré-morrendo êle ao fiduciário, o seu direito assim condicionado se transmitia ou não aos seus sucessores. Opinião em voga entre os jurisconsultos da época era a de que a spes debitum iri não se transmitia em se tratando de disposição de última vontade, só se transmitindo quando originária de condição ligada a relações contratuais. Ésse conceito, haurido no direito romano, condensou-se no atual dispositivo do art. 1.788, segundo o qual o fideicomisso caduca em ocorrendo premorte do fideicomissário. A segunda parte do dispositivo citado, de acôrdo com a qual, a propriedade, nesse caso, se consolida no fiduciário, não se aplica, como é óbvio, quando ocorre disposição conjunta, hipótese essa para a qual a solução vem preconizada no art. 1.710 do mesmo Código”. O fideicomissário que herda ou recebe o legado sem tal qualidade, de modo nenhum se distingue dos herdeiros e legatários em geral. Beneficia-se com a saisina (cp. ~ Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 4 de abril de 1945, 160, 656; 2.~ Câmara Civil, 12 de fevereiro de 1938, 112, 162; 4ª Câmara Civil, 11 de dezembro de 1935, 104, 595). 7.FORMALIDADES DO REGISTO. Nos casos em que se extingue o fideicomisso, ou porque a propriedade passe, íntegra, ao fideicomissário ou porque se consolide no fiduciário. o interessado deve pedir a extincão da verba (chamada extinção de fideicomisso), que é simples julgamento declaratório, porquanto já está extinto, para todos os efeitos, o gravame. A maior utilidade prática é a de ser ordenado, pelo juiz, o cancelamento das transcrições. Cumpre atender a que os direitos de fiduciário e os de fideicomissário passam, com a morte do testador, aos beneficiados, independente de qualquer formalidade e valem quanto a terceiros (art. 1.572), nada importam certas regras de regulamento de registo que não atenderam ao sistema adotado pelo Código Civil. Também a resolução se opera sem necessidade de se cancelar o registo. 8. DOS GRAUs DE INSTITUIÇÃO. Diz o Código Civil, artigo 1.789: “São nulos os fideicomissos além do segundo grau . 9. CORRESPONDÊNCIAS Código Civil chileno, art. 745; espanhol, art. 781; suíço, art. 488, 2.~ alínea. Sem limite de graus, o alemão. 10.DIREITO ANTERIOR Só se admitia um fideicomisso (a que se chamava, e bem, do 1.0 grau). Assim a doutrina (M. A. COELHO DA ROcHA, Instituições de Direito Civil portugues, § 719; A. TEIXEIRA DE FREITAS, Consolidação das Leis Civis, nota 2 ao art. 73), como a jurisprudência (Côrte de Apelação, 25 de abril de 1892), contra a opinião de JUSTINO DE ANDRADE (O D., 57, 122). 11.CONTAGEM DOS GRAUS. A lei brasileira fala em 2.0 grau. ~Que entende ela por isto? Rigorosamente, segundo grau seria o seguinte: “O testador institui fiduciário ao filho, aos filhos dêsse fideicomissários e aos filhos dos netos fideicomissários do segundo grau”. Para não dar exemplo que pudesse interpretar-se como opinativo, tiremos de um trecho de F. ENDEMANN (Lehrbueh des B’drgerlichen Rechts, III, 881> : “Der Erbíasser setzt seinen Sohn zum Vorerben, dessen Rinder zu Nacherben und die von diesen in seiner Zukunft erwarteten Enkel zu Nacherben zweiten Grades em”. Mas a má contagem vem de longe e deriva das velhas leis que diziam, como as leis francesas, “institution non comprise”. Agora, o Código Civil conta, sem nada dizer, para se entender “institution comprise”. E porque foi omisso, JOAQUIM AUGUSTO FERREIRA ALVES entendeu que se permitiam dois fideicomissos (Da Sucessão testamentária, Manual do Código Civil brasileiro, XIX, 368) : “O Código Civil permite o fideicomisso de dois graus; e a êsse respeito estatui o art. 1.739 que nulos são os fideicomissos além do segundo grau; e assim admite dois substitutos, o primeiro que sucede ao fiduciário, ao herdeiro instituído, e o segundo que sucede ao primeiro referido substituto. São proibidos, portanto, os fideicomissos do terceiro grau em diante”. 12.FUNÇÃO DA REGRA JURÍDICA. São nulas as fidúcias impostas, quanto aos mesmos bens, aos fideicomissários. Isto, e só isto, é o que pretende o art. 1.739. Tratando-se de nulidade absoluta, não é preciso que se proponha ação. Em qualquer têrmo de processo, do inventário ou de outro, pode ser apontada, e o despacho do juiz será simplesmente declaratório. Cumpre saber, precisamente, quais as outras nomeações, a que se refere o art. 1.739, isto é, quais as nomeações do terceiro grau (segundo a contagem do Código), que são nulas. Para que haja a nulidade, é preciso que os bens tenham de ir, transitivamente, de A a B e de B a C. Donde ser pressuposto da verba nula a partir do terceiro grau (2.0 fideicomisso) a) Identidade do primeiro instituído e do segundo (fideicomissário). b) Identidade do objeto. Se o testador disse deixo a A, passando a B, que dos bens dará pensão à mãe de A, vale a verba. Não há dois fideicomissos: há um fideicomisso e uma pensão (legado de modus, conforme os têrmos do testador). Ainda que tenha dito “deixo a A, passando a E, que, ao receber, entregará a metade a C” vale. Porque a metade vai a C, como legado a têrmo da morte de A. Demais, não haveria o tractus temporis entre B e que permitisse a figura do fideicomisso. ~ Quid iuris, se disse “lego a A, passando a B e, dez anos depois, a C”? Aqui, há o tractus temporis. C não é legatário, porque seria forçar crê-lo legatário sob modalidade dupla (morte de
E + 10 anos). Se disse “lego a A, passando a E, cabendo a C a metade se E estiver casada”, vale; fiduciário é A; E, fideicomissária do todo, se continuou solteira, ou de metade, se casou; C, fideicomissário, se E se casou. Não há, no tempo, mais de um fideicomisso, e sim um só com dois fideicomissários a têrmo de morte de A e ambos condicionais. Se a verba estatui “lego a A, passando a B aos 30 anos, ou, se E tiver falecido, ou se já se casou, a C, por morte de A”, vale. A é fiduciário, E e O fideicomissários condicionais disjuntivos (ou E ou C), substituindo C a E em caso de morte. Se o testador disse “deixo a A, passando a E e de E a seus herdeiros”, não se pode considerar válida a segunda passagem, porém a expressão “e de E a seus herdeiros” deve ser interpretada como fideicomisso herdável, no qual, se E morrer antes do fiduciário, os seus herdeiros receberão, por morte do fiduciário, os bens. Idem, se o testador ordenou “passando a E ou seus herdeiros Quando fôr dito “passando a. E ou a D”, a construção será a seguinte: E fideicomissário, D substituto. Não há fideicomisso além do segundo grau. Se há ofensa à regra jurídica que está explícita na lei, a disposição testamentária é nula. O que pode haver é substituição vulgar ou recíproca do fideicomissário (cf. ~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 31 de maio de 1951, R. dos T., 193, 784). A cláusula de ser usufrutuário o fideicomissário e a propriedade dos descendentes do testador ou de outrem énula, porque estabeleceria terceiro grau (cf. 4•a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 25 de abril de 1946. 165, 292). Se há cláusula testamentária que estende a terceiro grau o fideicomisso, essa cláusula é nula, pôsto que válida a que concerne ao segundo grau (Câmaras Reunidas do Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, 3 de maio de 1939, A. 1., 51, 53; 1a Câmara Cível da Côrte de Apelação do Rio Grande do Sul, 29 de maio de 1937, R. dos 7’., 113, 803; 2.~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 27 de abril de 1948, 174, 786). Se o testador disse que seriam fideicomissários os filhos do fiduciário, ou “descendentes” do fiduciário, ou de outra pessoa determinada, inclusive do próprio testador, tem-se de considerar a espécie como deixa à prole existente e à prole eventual. O fiduciário pode renunciar, como pode premorrer ou falecer depois do testador; de qualquer modo os fideicomissários são os beneficiados definitivamente. (É êrro dizer-se que, se fideicomissários são descendentes do fiduciário, êsse não pode renunciar, o que lamentâvelmente está na decisão da 63 Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 28 de janeiro de 1947, R. F., 95, 117.) Só é nula a passagem que evidentemente fôr segunda fidúcia. 13.OUTROS CASOS ESCAPOS À REGRA JURÍDICA VEDATIVA. Se o testador quis que “os bens fôssem a A, passando a E em nua-propriedade e a O em usufruto”, vale a verba: A é o fiduciário; E, fideicomissário da nua-propriedade, C, do usufruto. Só há, no tempo, um fideicomisso, pôsto que o testador houvesse cindido a propriedade ao terminar a fiducialidade. A partir da morte de A, não há mais propriedade gravada de fideicomisso; êsse já se extinguiu; restam, tão-somente, a propriedade desmembrada e o usufruto que dela se desmembrou. Se foi dito que “A receberia os bens e passariam a E até os 25 anos, depois a O”, a passagem a O é nula. Se disse que “A e E receberiam, alternar-se-iam (ou não) as rendas, passando por morte de ambos (ou de um dêles) a O”, vale. A e E seriam fiduciários (conjuntos ou não) e C o fideicomissário. fl permitido nomear dois ou mais fiduciários, pois todos são do mesmo grau e têm o mesmo benefício; bem como nomear dois ou mais fideicomissários, pois todos são do mesmo grau e têm o mesmo beneficio. Ainda mais: nada obsta a que se apontem substitutos a todos, ou a alguns, ou a um só, com ou sem reciprocidade. 14.NULIDADE DA INSTITUIÇÃO DO FIDEICOMISSÁRIO. Diz o Código Civil, art. 1.740: “A nulidade da substituição ilegal não prejudica a instituição, que valerá sem o encargo resolutório”. 15.CORRESPONDÊNCIAS. Código Civil espanhol, artigo 786; italiano, art. 900; argentino, art. 8.780; uruguaio, artigo 829. Contra: Código Civil francês, art. 896. 16.CONTEÚDO DA REGRA JURÍDICA. A lei quis dizer que, se houve segundo fideicomisso, êsse não será válido, mas ~ isto não prejudicará as nomeações do fiduciário e do fideicomissário? Como está redigida, só abrange os casos de nulidade do próprio fideicomisso permitido, casos em que, a despeito da eiva próxima, valeria a instituição. Aliás, assim é no art. 786 do Código Civil espanhol, de onde o trouxe o Projeto. À pergunta inicial também devemos responder afirmativamente, pelo princípio da separação. Além disto, há a nulidade da substituição vulgar. Portanto, três casos de não-viciação do útil: a)A nulidade da substituição não prejudica a instituição. Essa valerá e não valerá o gravame nulo. b)A nulidade do segundo fideicomisso e dos outros não prejudica o primeiro. CLOVIS BEVILÁQUA, art. 1.906, copiou o Código espanhol; mas, nos comentários, atribui ao texto o caso que nêle não está compreendido, e nem uma palavra diz do que está, fàcilmente perceptível, nas palavras da lei. É interessante ler o art. 1.740 e o comentário de CLóvís BEVILÁQUA, que faz a lei dizer uma porção de coisas que nela não estão. Certo, o art. 786
do Código espanhol, que concerne ao caso a) acima formulado, pouco adianta e o de que se necessitava era a regra jurídica para o caso b) (ainda assim, fàcilmente se entenderia); mas foi o próprio CLÓVIS BEvILÁQUA que o copiou! O adjetivo ilegal afeia; sem ter, contudo, consequências. A regra jurídica do art. 1.740 é própria dos Códigos que proibem fideicomissos, como o italiano, art. 901, e o português, art. 1.869. O testador deixou “a A a fortuna, passando a E e de B a C, a cada morte”, a passagem a C não vale, vale a de A a E; de modo que E, fideicomissário, receberá a herança sem gravação. À instituição, estrito senso, ou nomeação do primeiro fiduciário, não interessa a parte final do art. 1.740; cai o nulo, fica o eficaz, em virtude da separação das disposições testamentárias. e)A nulidade da substituição vulgar não prejudica a instituição. Como está redigido, o art. 1.739 abrange êsse caso~ A nulidade ou ineficácia da instituição do fiduciário tambem não prejudica a do fideicomissário (LAFATETE RODRIGUES PEREIRA, São Paulo judiciário, X, Si s.). Assim, se A é incapaz ou se a primeira instituição é contra a ordem pública, e sem eiva a segunda, vale essa. Se é nula, ou se foi anulada a cláusula que instituiu o fideicomisso, não há instituição de fiduciário, nem de fideicomissário. Idem, se nulo é ou anulado foi o testamento. Pode dar-se que nem toda a cláusula testamentária seja nula, ou tenha sido anulada. A invalidade pode só atingir a instituição do fiduciário, ou só a do fideicomissário, ou só alguma parte de uma cláusula. Então, tem-se de afastar a extensão do enunciado de invalidade. § 5.840. Acões dos instituidos 1.AÇÕES DO FiDUCIÁRIO. Desde o instante da morte do fideicomitente o fiduciário recebe os bens da herança ou legado fideicomitido. Enquanto não se dá a resolução, êle exerce todas as ações do herdeiro, desde a petição de herança, e todas as ações do dono dos bens, que êle é. A ação do fiduciário contra o fideicomissário para reembolsar-se das despesas, a que foi obrigado, e não deviam correr por sua conta, é a de rem verso; e aqui, porque não se pode assimilar o fiduciário a um usufrutuário, multar» arbitrio indicis permissuflest. 2.ACÔES E CAUTELAS DO FLUEICOMISSARIO. O fideicomissário é herdeiro, desde o instante em que se abre a sucessão, porém os bens não lhe passam, em sua consistência material e jurídica. Não tem a saisinti; mas, quando se resolver a propriedade do fiduciário, terá tido. Resta saber se vode, antes da resolução, usar de ações do domínio e da posse. A situação dele é a de quem estivesse sujeito a condição suspensiva; toca-lhe, pois, exercer os atos destinados à conservação (art. 121). ~As ações de domínio e da posse cabem no art. 121? (O art. 121 corresponde ao Código Civil francês, ad. 1.180, se bem que êsse se refira a obrigações. Enquanto o brasileiro generalizou, o suíço, art. 176, abandonava o preceito.) Nao cabem; o fideicomissário pode pedir caução ao fiduciário e exercer a açâo de petiç~o de herança, porque é herdeiro. Se o fiduciário está ausente e não se acham acautelados os bens, é legitimado para pedir a arrecadaçâo dêstes e a nomeação de curador. Se o fiduciário está presente, ou, ausente, pode ser citado, tem direito à caução. Se o fiduciário está ausente e não se acham acautelados os bens, o fideicomissário é legitimado para exercer o cargo da testamentaria, porque é herdeiro instituido (art. 1.76W). e para o da inventariança (art. 1.579, § 2.0). Se o testador deixou fideicomissário e não aparecem o fiduciário e os outros herdeiros, não se arrecadam como herança vacante os bens do espólio; porque fideicomíssário é herdeiro. Se o fiduciário se ausentou, sem notícia, o fideicomissário pode requerer a curadoria de ausentes (arts. 463 si ; mas, passado os dois anos do art. 469, os bens não irâo aos herdeiros legítimos ou testamentários do fiduciário, e sim ao fideicomissário, provísôriamente (art. 470, III), até que se dê a presunÇão dos arts. 481 e 482. Se o fiduciário aparecer, o fideicomissário terá feito seus, pela metade, os frutos e rendimentos dos bens (art. 477). Se não aparecer, poderá ser requerida, trinta anos depois, a entrega definitiva e o levantamento das cauções prestadas (art. 481) e, depois desta, o fiduciário, que aparecer, terá direito aos bens existentes, no estado em que se acharem, aos sub-rogados, e ao preço recebido pelos alienados depois daquele tempo (ad. 483). Se o fideicomisso não era a têrmo de morte, resolvido o direito do fiduciário, o fideicomissário adquirirá, de pleno direito, os bens, sem necessidade de qualquer medida. O credor do fiduciário que, no intervalo, requerer pagamento pela metade das rendas dos bens fideicomitidos, terá de caucionar o fideicomissário para o caso de já ter morrido. o fiduciário; salvo se a outro têrmo, ou condicional, o fideicomisso, havendo hereditariedade do direito do fiduciário. Se o testador fêz hereditária a fidúcia, o fideicomissúrio náo pode prevalecer-se do art. 570, III, que só se refere ao direito subordinado à condição de morte; mas é interessado para provocar a curadoria do ausente. Nesse caso, os herdeiros prestam caução ao fideicomissário. Se hereditária a fidúcia, porém só sucessores do fiduciário, e nào substitutos. os herdeiros, o fideicomissário terá direito a todos os frutos e rendimentos, a partir da abertura da sucessão, se o fiduciàrio renunciou a herança, foi declarado indigno ou incapaz, ou por outro modo não pôde
aceitar a herança. 3.CAUCÃO ‘FEICOMMISSIO SERVANDI CAUSA”. Cabia contra o fiduciário que não era domiciliado no lugar, C. F. F. ENTE? (De catttioflc et missione legatorum seu fideicommissorum servandorum causa, 16 sj, se toda a herança estava alhures, ou dispersa. J. CujÁcto (Opera, IV, 662 sj. Aliás, a leitura e ineditação das L. 54, §§ 2 e 4, D., de indiejis: ubi quis que agere vel conveniri debeat, 5, 1, L. 15, § 1, D., de rendicata et de effectn sententiarum d de interlooutionibiis, 42, 1, L. 52, §§ 1, 2 e 4, D., 5, 1, e L. 8, § 4, 11, qui satistiare cogantur vel juraM promittant veZ surte promissioni coqnmittantur, 2, 8, fizeram-nos pensar em que só se quis que a caução concernisse aos bens que podiam, no lugar, ser pedidos (co icei peti posse, nU res sit). Hoje, presta-se a caução onde quer que se achem os bens e pede-se no lugar do domicílio do testador, ou onde o fiduciário tenha de entregar os bens. A caução do fiduciário concerne a quaisquer bens; e no cabe, hoje, a distinção que se lê em ÁLVARO VALASCO (Consultatio’num et Decisionum, ac rerum indicatarum, c. 184, n. 15). Também se dizia que a caução do art. 1.734 só se prestaria si petatur; aliter, ao usufrutuário. Mas hoje não há tal diferença (art. 729). A açâo de reivindicação cabe ao fideicomissário, ainda quando seja êle herdeiro aceitante do fiduciário; salvo se havia consentido, ou se foi em execuçào de dívidas da herança fideicomitida. A Ordenança francesa de 1747 exigia, no caso acima, que indenizasse o possuIdor evicto. Isto não se pode pretender em direito brasileiro, nem (cremos) no francês. MÂLEVILLE, nota ao art. 1.072 do Código Civil francês, DEVINCOURT, sob o art. 1.048, merecem consultados Naturalmen te, na qualidade de herdeiro do fiduciário, indenizará. Todavia, noutro process0• § 5.841. Questões de interpretação 1. VEDAÇÃO DE TESTAR. Se o testador vedou que o herdeiro testasse sôbre os bens herdados, ou sôbre alguma coisa sua, não se tire, desde logo, que dispôs nulamente. Pode tratar-se de instituição fideicomissária dos herdeiros legítimos do herdeiro. De qualquer modo, é questão de interpretação (E.HERZFELDER Erbrecht, .7. v. Staudingers Kommentar, V, 518; O’rTo WARNEYER Kommentar li, 1135). Mas, se o testador disse “deixo a A, passando a seus herdeiros”, e nada há, na cédula, de que se induza tratar-se dos legítimos, não há fideicomisso. Assim, com razão, o Tribunal do Reich (Rs1x, 40, 120) e OTTO WARNEYER (Kommentar II, 1185). 2.FIDEIcoMISSo E LEGADOS. Cumpre não confundir os fideicomissos e os legados a têrmo ex die ou in diem, ou 03 legados convencionais No fideicomisso, há duas figuras subjetivas, que se sucedem, ambas herdeiros ou ambas legatários, sem que as incidências de ambas na propriedade sejam simultaneas. Nos legados condicionais ou a têrmo, o legatário não é figura simétrica ao onerado, não há dois herdeiros ou dois legatários à vinda de um dos quais, ao têrmo ou realizada a condição, o outro desapareça. No tractus temporis, não houve dono dos bens legados ex die vã diem, ou condicionalmerte com suspensao ou resolutividade A Sucessividade de dois legatários da propriedade para o tem pus mortis compõe a figura do fideicomisso do segundo grau. Se o testador criou três legados sucessivos, sendo dois a tempo de morte, provâvelmente quis violar o art. 1.739• Se legou a um a nua-propriedade e a dois outros, ou mais, sucessivamente, o usufruto, não construiu fideicomisso; todos têm. de estar vivos, ou terá usado, a respeito dos que não estiverem, do art. 1.718. 8.FIDEIcOMISsO E USUFRUTO A maior dificuldade na classificação das verbas, se fideicomisso, se usufruto, é quando o testador tira ao fiduciário alienar e hipotecar. Se o tira por restrição de poder (cláusula de inalienabilidade, de impenhorabilidade e não impenhabilidade), a incidência éobjetiva, e pode permanecer a figura do fideicomisso. Se o tira, por implícita carência de poder subjetivo, constituindo condicio iuris da verba, de usufruto é que se trata. O traço principal para se verificar a fideicomissariedade ou o caráter de usufruto, que tem uma verba, consiste na sucessividade de domínio que há de haver no fideicomisso e não pode existir no usufruto (Orno WARNEYELt, Kommentar, II, 1185). A situação jurídica do fiduciário parece-se com a do usufrutuário, mas, evidentemente, constitui mais forte direito, poder mais vasto e acentuado, suscetível de quase plenitude, se o testador o quiser, ao passo que o usufruto é uma categoria rígida de direito das coisas. Assim, lê-se em Til. Kw~ (Lehrbuch des Riirgerlichen Rechts, TI, 3, 307) “Die Stellung dos Vorerben ist also niessbraucbsãhnlich, aber doch etwas stãrker aIs die des Niessbrauchers und kann vom Erblasser durch Befreiungen noch wesentlich verstãrkt werden”. Corresponde ao que dissemos no texto. Para se saber se a verba é de usufruto, ou de fideicomisso, o critério tem de ser a pesquisa da vontade do testador, ainda que tenha exteriorizado outra figura jurídica (F. ENDEMANN, Lehrbuch des Rilrgerliohen Rechts, III, 416). Se o testador tira ao fiduciário toda a disposição e só lhe deixa o uso e o fruto, sem que tal indisponibilidade seja conseqúência de cláusula de inalienabilidade, quis usufruto, e não fideicomisso. Mas basta que lhe dê qualquer poder de dispor, para ser a verba incompatível com a figura do usufruto. Já é, embora sujeito a graves restrições, o
dono da herança, ou do legado, situação que nunca poderia ter o usufrutuário, que usa e frui coisa alheia. 4.QUESTÃO DE. ITENNEMANN. Se o testador institui a A “no usufruto” de todos os bens, passando, por morte, a 8, na dúvida deve ter-se por fideicomisso. É a boa lição, após as velhas controvérsias de WISSENEAGH, CIIR. ULE. LDW. HENNEMANN, Cmi. FR. vON GLÚCK (Ana •tiihrflche Erlãuterung der Pandecten, IX, 185), Cmi. FR. VON MÚHLENBRUCR (Ausfiihrliehe Erlãuterung der Pandecten, 40, 184 s.). A solução que adotamos é a de JOSEPH UNGER (System des ósterreichischen aligemeineu Privatrechts, VI, 95), interpretador finíssimo. Chamase questão de Cmi. Utu. LDW. HENNEMANN, porque foi posta por êle, no seu livrinho famoso (Untersuchung zweier Frage, Schwerin u. Wismar, 1790). 5.USUFRUTO SUCESSIVO E FIDEICOMISSO. Nada obsta a que o testador faça sucessivo o usufruto, desde que não infrinja o art. 1.789: “É minha universal herdeira A, minha mulher; a meu pai deixo o usufruto do prédio x, que, por sua morte, passará a meu irmão B”. Aí, não há fideicomisso, e sim usufruto sucessivo; dizer nula tal verba, por ser usufruto sucessivo, sem texto que comine a tais usufrutos a nulidade, constitui ato de ignorância e de iniquidade, a que são levados os que aceitam como interpretações autênticas as notas apressadas e superficiais de CLÓvIS BEVIÁQUA, já causadoras de injustiça sem conta no pais inteiro, neste e em muitos outros assuntos. De ignorância: porque A não é, aí, fiduciária, de modo que pudesse haver três graus (na contagem da lei), A, o pai do testador e B; de iniquidade: porque o intuito do testador foi prover, na falta do pai, à subsistência, educação ou confôrto do irmão, e a solução, que se dá, extirpa, sem texto de lei, a vontade do testador. Dizer que se trata de usufruto sucessivo e que a lei o proibe é julgar sem meditar, sob o influxo de livros italianos. Na Itália, o usufruto sucessivo éproibido, mas, para isto, além do preceito que vedou fideicomissos, há o art. 901: “La disposizione, coila quale é lasciato l’usufrutto o altra annualità a piú persone successivamente, ha soltanto effetto in favore dei primi chiamati a goderne alIa morte dei testatore”. No direito anterior ao Código Civil, admitia-se o usufruto sucessivo (FRANCISCO DE PAULA LACERDA DE ALMEIDA, Direito das Coisas, 1, 899; Acórdão da 1a Câmara da Côrte de Apelação, de 14 de janeiro de 1915). Há tantos usufrutos distintos quantas as pessoas chamadas a suceder no uso e no fruto, de modo que a sucessão vai diretamente do decujo a cada um dos usufrutuários. O artigo 740 prevê, exatamente, tais usufrutos, e, se CLÓvIS BEVILÁQUA opinou contràriamente, foi devido a não ter prestado atenção ao art. 740, que é claro. Oassunto merece exame. A lei brasileira não proibe o usufruto sucessivo, nem inter vivos, nem causa mortis, salvo quando dissimular o fideicomisso proibido. Na espécie, que apontamos, nenhuma razão existiria para considerá-lo in frcudem legis. Se fideicomisso fôsse, seria, na linguagem da lei, do segundo grau; se usufruto sucessivo, terminará com a morte de B. A própria lei brasileira construiu usufruto sucessivo: no art. 7443, mandou que, se constituído a favor de dois ou mais indivíduos, se atendesse à vontade do testador quanto à sucessividade nos quinhões. Mas a confusão de CLÔVIS BEVILÁQUA provém de (em muitos lugares da sua obra se vê> não distinguir herdabilidade ou sucessividade de direito (sucessibilidade), que é noção conexa a direito de herança, e sucessividade, que nada tem com herdabilidade e constitui fenômeno topológico no espaço e no tempo. Não lhe exigiríamos que lesse os autores modernos; bastaria ler, em língua francesa, os mais corriqueiros: a C. DEMOLOMBE, a K. 5. ZACHALIIAE VON LINGENTHAL, a MARCEL PLANIOL. 6.CONJUNTIVIDADE E SUCESSIVmADE. O direito de usufruto é essencialmente temporário e aleatório. A têrmo, ou sob condição, poderá durar até o que se espera, ex die ou ad diem; mas a morte do usufrutuário, antes da realização da condição, ou do advento do têrmo, o extingue. Ninguém nega que o usufruto possa começar ex die ou ad diem; já no direito romano, a L. 4, D., de usufructu, 7, 1, diz que “vel praesens vel ex die dari potest”; portanto, a sucessividade não se lhe pode tolher. K. 5. ZACHARIAE VON LINGENTHAL (Le Droit civil français, II, 125, nota 10: “on peut constituer un second usufruit que commencera à la fin du premier”. É acidental. São dois, três, quatro usufrutos; cada um permitido; portanto, todos permitidos. Só a confusão com a propriedade fiduciária é que poderia ver, entre êles, sucessividade proibida. A herdabilidade não a pode decretar o testador; mas a conjuntividade e a sucessividade são permitidas. K. 5. ZACHARIAE vON LINGENTRAL (Le Droit civil français, II, 145, nota: “La rêgle, c’est que l’usufruit, étant un droit essentiellement personnel, ne peut se transmettre par héritage, même pour un temps”. No texto: “Mais on peut constituer un droit d’usufruit sur plusieurs têtes conjointement ou successivement”. À nota 9: “Mais du principe cidessus posé, que I’usufruit ne peut être transmis à plusieurs successivement, qu’autant que tous ceux auxquels l’usufruit est transmis, pour en jouir les uns aprês les autres, sont teus vivants au moment de la constitution de l’usufruit, s’il s’agit d’un acte entre vifs, eu moment du decês du testateur, si l’usufruit est établi par un acte de derniêre volonté”. Cp. C. DEMOLOMBE (Cours de Co de Napoléon, 10, 245 s.); MARaum PLANIOL (7i’raité élémeu.. taire de Droit civil, 1, 2866, 721 (usufrutos reversíveis). Não é possível que o testador dite a sucessibilidade, a herdabilidade, do que é, por sua natureza, personalíssimo; mas, desde que élícita a aposição de condições e têrmos suspensivos e resolutivos às constituições de usufruto, nada impede a sucessividade. Quer por
ato inter vivos, quer mortis causa. No direito francês (sem fideicomissos!), a sucessividade é permitida. Desde que são vivos, na ocasião da constituição do usufruto, quando por ato inter vivos, ou, nos atos mortis causa, à abertura da sucessão, todos os usufrutuários, O mesmo aconteceria no direito brasileiro e já poria por terra a opinião de CLÓvIS BEVILÁQUA, se não tivéssemos o art. 1.718, que os franceses não têm. Está, assim, reduzida aos seus verdadeiros têrmos a questão. Isto, de si só, já evtdencia a temerária generalização de CLÓvIS BEvILÁQUA: os usufrutos sucessivos são proibidos! Mas prossigamos: a)Casos ordinários. No chamado usufruto sucessivo, a sucessão é ocasional, porque todo usufruto é personalissimo. O primeiro usufrutuário, por ato entre vivos ou a causa de morte, recebe-o até morrer, ou até o ~têrmo da duração. Extingue-se pela desaparição da pessoa (êle é pessoal) ou pela resolução (têrmo ou condição resolutiva), O segundo usufrutuário aceitou o usufruto ou o legado de usufruto desde tal dia ou fato: é um contratante sob condição ou em situação suspensiva, ou legatário de legado em situação suspensiva ou suspensivamente condicional. Salvos os raros casos de aplicação do art. 1.665, poderá tratar-se, quanto ao primeiro e ao segundo ou seguintes usufrutuários, de herdeiro de usufruto. A ciência reconhece heranças de usufruto, e não só legados. Se o outorgante ou disponente quis terceiro usufrutuário, é-lhe lícito aqui, como se quis o quarto, o quinto, desde que não se trate de fraude ao art. 1.789. No caso dos legados condicionais, ninguém cogitou de lhes limitar o número. O art. 1.789 nada tem que ver com os legados condicionais ou a têrmo, a que o artigo 1.664 se refere, porquanto a única restrição que existe, a do art. 1.665, só se refere ao direito do herdeiro e grita dentro do Código, como voz de além túmulo, o escorraçado semel heres semper heres. O que não se admite por ato entre vivos é o usufruto a favor de não-concebidos, porque, sendo pessoal,. exige a vida do usufrutuário ao começar a duração e durante a duração, acabando, necessáriamente, com a morte, se ainda perdura. Daí a inerdabilidade do usufruto. E também não se entende a favor de não-concebido, porque, na categoria de direito das coisas, que é o usufruto, se ajude a propriedade, em uso, fruição e substância, ficando aqueles ao usufrutuário, que se pudesse ser o não-concebido não existiria. O art. 1.718, nas disposições mortis causa, obriga à sua especial construção. b)Caso do art. 1.718. O usufruto cinde a propriedade; a sucessividade dos dois sujeitos é necessária: devem ser, uns, nus-proprietários, e outros, usufrutuários. Dá-se, porém, o mesmo com o domínio, e o art. 1.718 permitiu, no caso de ser beneficiada a prole eventual de pessoa designada, que se construa sem vida do sujeito. Ora, usufruto é menos do que a propriedade plena ou nua. Portanto, o art. 1.718 aplica-se a quaisquer objetos da sucessão, propriedade, dívida ativa, usufruto, uso, habitação. c)Interpretação segundo o art. 1.666. A sucessividade existirá quando o testador (ou o outorgante) disser: “a A e seus herdeiros”. Quer dizer: não pode ser estipulada a herdabilidade do usufruto ou resolvida pelo testador. Porém j,que faremos quando o tiver sido? Nos atos entre vivos, só se os herdeiros são designados ou os já existentes, que serão outros usufrutuários ex die, isto é, há a herdabilidade. Nos atos causa mortis, a questão tem de ser posta perante os arts. 1.666, 1.788 e 1.718. No direito anterior, a firmeza de LAFAIBTE RODRIGUES PEREIRA mandou que se visse na verba “a B e a seus herdeiros duas nomeações sucessivas, em vez da herdabitidade: “os herdeiros adquirem o usufruto, não do usufrutuário, e sim do testador, de quem são sucessores do segundo grau”. No direito vigente, a herdabilidade continua posta de lado, mas a questão da coexistência tem de ser resolvida diferentemente do direito francês, alemão, etc. A prole eventual de pessoa designada pode ser instituída herdeira ou nomeada legatária. A pessoa futura também pode ser (e aqui não é especialidade nossa) no caso de funda çdo, modus, ou a favor de estabelecimento de ensino superior. De duas figuras pode lançar mão o testador: a) Do fideicomisso, fazendo fideicomissário a prole eventual de designada pessoa: haverá fiduciário, que usará e fruirá. b) Da fidúcia do art. 1.718, na qual não há fiduciário com a propriedade, isto é, o pré-herdeiro, o Vorerbe dos alemães; no meio tempo, o que existe é um depositário da herança, que não faz seus os frutos e vai entregar aos nomeados a herança integra. A sua função é maquinal, instrumental; de caráter puramente conservatório e restitutório. Só há uma espécie de herdeiros, a prole eventual, com direito à saisina (art. 1.572) e aos frutos. Se o testador deixou o usufruto a A e à prole eventual de E, vale; é usufruto conjuntivo, como prevê o art. 740. Se o testador deixou o usufruto a A, e, morto A, à sua prole, usou do que lhe permite o art. 1.718: deixou-o suspensivamente. Se deixou o usufruto a A, em quanto não vem prole, passando à prole, usou do que lhe permite o art. 1.718. O legado de usufruto a A e a E, sucessivo, ocorrendo que A faleça antes do testador ou da eútrega, aproveita a E, e não ao herdeiro. L. 17, O., de legatis et fideicommissis, 81. E. Crnz. WESTPHAL (Interpretationes iuris civilis de libertate et servitutibus praediorum artis ordine digestae, § 942, 662, nota e). Se E é prole eventual (art. 1.718) e não pode vir, feita a prova, é ineficaz a verba, e aproveita a A, e não ao nu-proprietário. Traço distintivo, que se quis ver entre os fideicomissos e os usufrutos, é o de não poderem os fideicomissos consistir em bens fungíveis. Mas o testador pode ordenar que se aplique o dinheiro em prédio, e a sub-rogação terá
tornado possível a figura. De qualquer modo, se o testador quis que fôsse fideicomisso, e não usufruto, ainda que seja em dinheiro a herança,os beneficiados serão fiduciário e fideicomissário desde o instante da morte: a conversão terá apenas efeito instrumental. Se o testador legou o usufruto a duas ou mais pessoas e a propriedade àquela que sobreviver, há dois legados, um que tem por objeto o usufruto dividido entre todos, e outro a propriedade, condicionalmente, porque depende da sobrevivência (L. 11, D., de rebus dubiis, 84, 5). Se o testador legou a A o prédio x e disse que aos herdeiros ou herdeiro, ficasse o usufruto (usus fructus apud heredem maneat), será eficaz o legado tirado ao legado e, quando se extinguir, volverá à propriedade (L. 14, C., de usu fructu et habitatione, 3, 38). Se o testador legou a A o usufruto e mandou que, pela morte dele, fôsse restituído a 1H, não deu a A o usufruto, e sim a propriedade cum onere fideicommissi. 7,Quid iuris, se havia nu~proprietário nomeado? É sucessivo o usufruto; houve dois legados. O testador pode legar usufruto para que os legatários se revezem no exercício; é o usufruto alternis anflis, ou outro que se prefira. 7.FIDEICOMISSO E OUTRAS CATEGORIAS JURIDICAS. A verba “instituo a A por meu herdeiro e, se êle o entender, passarão os bens a E, por sua morte” não é fideicomisso, e sim recomendação, conselho. Mas, se diz “peço-lhe que passe a E”, ou “deixo a Es’, ou “transmita a E”, há pedido, fides, e verba precativa induzem fideicomisso. Se o testador falou em fideicomisso e mandou que o herdeiro entregasse, desde logo, ao fideicomissário, os bens, não há fideicomisso, no sentido do Código Civil (aliter, em Roma). Há um herdeiro e um legatário, tão-somente. Se o testador mandou que se entregasse parte dos bens, cumpre examinar a verba (quaestio facti et voluntatis) : ou compôs deixa testamentária a têrmo ou condicional, ou fideicomitiu, em verdade, os bens que compõem a parte. Aqui, cabem os princípios de que antes falamos, para os casos duvidosos se há ou se não há fideicomisso. Entende JosÉ TAvARES (Sucessões, 1, 448) que se trata de legado, e não de fideicomisso. Mas sem razão. Seria demasiado apriorismo, e fideicomissos temos visto em que o testador fideicomitiu parte da herança. ‘Deixo a A os meus bens disponíveis, devendo passar a B, quando completar 80 anos, um quinto da herança, que mando seja aplicado, desde o meu inventário, em prédios, e A será fiduciário até a entrega”. “Deixo a A dez prédios, um dos quais, ou seis sétimos da herança, à escolha dele, serão fideicomitidos a E, a quem passarão quando A morrer”. A alusão à caução ou ao inventário não induz usufruto. porque o fiduciário também faz inventário e caução também presta. Se o testador deixa a A a obrigação de legados ou pagamentos de dívida, mais se deve pender para a instituição de herdeiro do que para a nomeação de legatário. Em todo o caso, ficará aberta a questão: ~herdeiro de usufruto ou fiduciário? Se o testador disse “deixo a A os meus bens” e, adiante, “A terá o usufruto, passando a E”, trata-se de fideicomisso, quia incompatibile est, escrevia BELLONO, eam esse heredem, et sic proprietariam, et hebere usumfructum”. Em todos os casos que referimos; cumpre advertir em que pusemos interpretações, e não regras interpretativas ou, com maioria de razão, dis positivas. “Deve sondar-se”, dizia MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA (Cole cão de Disserta ções Juridico-práticas, 254), “a verossímiL vontade contra a superfície das palavras. Circunstâncias extrínsecas não são de menor momento”. Sobretudo, é assaz grave a distinção “fideicomisso”, “usufruto” porque, se fôr usufruto, morrendo o nu-proprietário E, os seus herdeiros sucedem na nua-propriedade; se fôr fideicomisso, morrendo o fideicomissário E, consolidada fica a propriedade de A. Se o testador deixou a duas pessoas, dizendo “a A o usufruto, sendo E, após a morte de A, legatário”, ~reputa-se A herdeiro universal gravado de fideicomisso? Solução de velhos juristas. Contra, MANUEL BAGNA QUARESMA, Díoao GUERREIRO CAMACRO DE ABOIM, MANUEL ÁLVARES PÉGAS, que têm a A por simples legatário de usufruto e E, herdeiro único. Na verdade, os dois grupos de juristas procuravam construir regra dispositiva ou interpretativa e daí a inevitável divergência. Ora, tal particularidade de exteriorização do querer não deve passar de quaestio facti et voluntatis. Se o testador, outra vez ou várias vêzes, no testamento, chamou a A usufrutuário, ou acentuou que a nua-propriedade iria, desde logo, a E, cindiu os direitos (nua-propriedade, usufruto). Não assim se quer que ex nune comece o “direito de E”, porque êsse direito começa desde logo para E nu-proprietário como para E fideicomissário. Se chamou herdeiro a E e legatário a A, mais se presta à construção do usufruto. Se diz “tãosomente no usufruto”, é legado de usufruto. Se o testador emprega, em relação a E, o têrmo “substituo”, é fideicomisso. 8.FIDEICOMISSO E PROLE EVENTUAL. Se a verba do art. 1.718 foi constituída como fideicomisso, há, no tractus temporis, dono dos bens, que é o fiduciário. Poderá ser usufrutuário, porque nada obsta a que nuaproprietária seja a prole eventual. Mas, construída sem fiduciário, e sem usufrutuário, administrará os bens da sucessão, já e plenamente da. prole eventual, a pessoa que, pela interpretação, ou sob nomeação do juiz, deva ser o
depositário. É um curador da pessoa futura. “Curador à substituição”, dizia-se no velho direito francês, se bem que, lá, a figura fôsse diferente. Nomeado pelo testador, ou pelo juiz, as suas funções devem obedecer, por analogia, aos mesmos princípios que se aplicam à curadoria do nascituro. Aqui, concebidos e ainda não concebidos merecem os mesmos zelos e proteção da lei. O testador tem direito de fazer tal nomeação (arts. 891, 1H, e 411, parágrafo único), seja por testamento, seja por ato autêntico posterior ao ato constitutivo. Resta saber qual o juiz competente para essa nomeação, se não há a do disponente, ou se faltar o nomeado por êle. Questão de competência, que toca às organizações judiciárias. Se a lei não provê claramente, deve ser o juiz do testamento, até que se requeira, no juízo de família e interditos (os chamados juizes de órfáos), a curatela do nascituro, essa, sim, de direito familiar, e não sucessório. A solução francesa não serve, porque lá a figura dos arts. 1.048 e 1.049 participa da sucessão legítima, requere tutor, e até confere direito de representação. No Brasil, é meramente testamentária, sem qualquer ligação familiar. 9. DIREITO FRANCÊS. Proibem-se as substituições em geral (art. 896) ; permite-se um só fideicomisso a favor dos filhos do pródigo, feito pelo pai ou mãe do fiduciário (artigo 1.048), ou por seus irmãos e irmãs, quando não têm filhos (art. 1.049). Admite-se a representação (art. 1.051). Os fideicomissários têm de ser todos e igualmente os filhos do gravado (art. 1.050). Só se refere à quantidade disponível (Paris, 4 de maio de 1899). 10. DIREITO ITALIANO. No revogado Código Civil italiano, art. 899, vedava-se o fideicomisso. Valia a primeira instituição (art. 900), ao contrário do que se passa no Código Civil francês, art. 896. Também se proibiam os usufrutos sucessivos e as anualidades sucessivas (art. 901), interpretando-se que alcançava todas as atribuições sucessivas de anualidade (GIACOMO VENEZIAN, Legato di annualità successiva, Onoranze a V. Lula, 898 s.). No Código Civil italiano de 1942, arts. 692-699, foi regulado o fideicomisso, O ad. 692 começa por dizer ser válida a disposição com a qual o testador impõe ao próprio filho a obrigação de conservar e restituir à sua morte, no todo ou em parte, os bens que constituem o disponível, a todos os filhos, natos e nascituros, do instituido ou a favor de ente público. Na alínea 23 diz-se o mesmo a respeito, a propósito de instituído irmão ou irmã do testador. Na alínea 83 e na alínea 43, precisa-se que as outras substituições (fideicomissárias, entenda-se) são nulas. 11. DIREITO ALEMÃO. A pós-herança foi ampla e minuciosamente tratada (§§ 2.100-2.146). A instituição tornar-se-á sem efeito trinta anos após a abertura da sucessão, se a passagem não se realizou antes disso; salvo: se foi para o caso de acontecimento a operar-se na pessoa do pós-herdeiro, ou do pré-herdeiro, e êle vive; se, feito para o caso de nascer irmão ou irmã ao herdeiro anterior ou ao pós-herdeiro, designado tal irmão ou irmã como pós-herdeiro (§ 2.109). Se o pré-herdeiro ou pós-herdeiro em cuja pessoa deve realizar-se o fato fôr pessoa jurídica, o prazo é o de trinta anos (§ 2.109, 23 alínea). 12. DIREITO PORTUGUÊS. O revogado Código Civil português, art. 1.866, definia o fideicomisso; e o art. 1.867 proibia, para o futuro, “as substituições fideicomissárias, exceto: a) Sendo feitas por pai ou n4e nos bens disponíveis, em proveito dos netos, nascidos e por nascer; b> Sendo feitas em favor dos descendentes, em primeiro grau, de irmãos do testador”. O fideicomissário adquiria direito à sucessão, desde o momento da morte do testador, ainda que não sobrevivesse ao fiduciário. Êsse direito passava aos seus herdeiros (ad. 1.868’>. A nulidade da substituIção fideicomissária não envolveria a nulidade da instituição ou do legado: apenas se haveria por não escrita a cláusula fideicomissária (ad. 1.869). No nôvo Código Civil português (1966), também se começa pela definição de fideicomisso (aliás, no art. 2.286, em que está a definição fala-se de “substituição fideicomissária) 4’Diz-se substituição fideicomissária, ou fideicomisso, a disposição pela qual o testador impõe ao herdeiro instituído o encargo de conservar a herança, para que ela reverta, por sua morte, a favor de outrem; o herdeiro gravado com o encargo chama-se fiduciário, e fideicomissário o beneficiário da substituição”. Acrescenta-se, no art. 2.287, que “pode haver um só ou vários fiduciários, assim como um ou vários fideicomissários”. No art. 2.288 está dito: “São nulas as substituições fideicomissárias em mais de um grau, ainda que a reversão da berança para o fideicomissário esteja subordinada a um acontecimento futuro e incerto”. A referência a um grau, em vez de dois, afastou o êrro da expressão que exprobramos ao Código Civil brasileiro, art. 1.789, desde 1985 (Tratado dos Testamentos, IV, 248). No art. 2.289, o Código Civil português estatui que a nulidade da disposição fiduciária não envolve a da disposição fideicomissária, ou da “substituição anterior” (quer dizer: a do grau proibido não atinge a do grau permitido, que, em boa terminologia, é o único que se permite). O art. 2.290 cogita de direitos e obrigações do fiduciário; o artigo 2.291, da alienação ou nomeação de bens. Há, ainda, os arts. 2.292, sôbre os direitos dos credores pessoais do fiduciário; o art. 2.298, sôbre devolução da herança do fideicomissário; o art. 2.294, sôbre atos de disposição do fideicomissário; o art. 2.295, sôbre fideicomissos irregulares. Finalmente, o artigo 2.296, onde se diz que “o disposto na presente subseção é aplicável aos legados”, o que ou explicita o art. 2.286, onde “herança” estaria em censo largo, ou o corrige, porque lá de legado não se fala.
18.DIREITO ARGENTINO E OUTROS. O Código Civil argentino repele o fideicomisso (art. 8.782). Como êle, o uruguaio, art. 865, o boliviano, art. 503, e o mexicano. § 5.842. Disposições negativas 1. SUCESSÃO NECESSÁRIA. As disposições negativas dos testadores podem ser contra a sucessão necessária e contra anteriores disposições dos testamentos e codicilos Contra a sucessão necessária será preciso que se funde em causa legal. Contra as outras disposições, cabe ao testador plena liberdade. O perdão do art. 1.597 constitui disposição positiva. 2.NEGATIVIDADE E DESERDAÇÃO. A deserdação, que é a disposição negativa contra os herdeiros necessários será assunto do capítulo seguinte. Não há, prôpriamente disposição negativa contra os herdeiros simplesmente legitimos, porque a êsses pode excluir o testador pelo simples fato de contemplar a outrem (art. 1.725). Toda disposição positiva seria desfavorável e, pois, negativa contra êle; e sê-lo-iam igualmente aquelas disposições negativas que, contra disposições anteriores, favorecessem a outrem e não aos herdeiros legítimos• Rígorosamente só os herdeiros necessários dão ensejo à limitação do querer do testador, só êles constituem assunto essencial ao direito da sucessão legítima e da sucessão testamentária, que a existência deles limita. Daí a sua colocação na sucessão testamentária, arts. 1.721-1.724, e as medidas dos arts. 1.726-1.728 quanto à redução das disposições que excederem a porção disponível. § 5.843. Situações de suCessão legitima e de distribuição 1.SUCESSÃO LEGÍTIMA NAS CONDIÇÕES E FIDEICOMISSO. Antes de tratarmos das disposiçõe5 negativas (deserdação, revogação e infirmação dos testamentos), devemos ferir os seguintes pontos: a) Nas condições e nos fideicomissos ~ qual a Possibilidade de se chamar à sucessão legítima? b) ~Quaís as Possíveis figurações e consequencias das palavras do testador acrescendo”, “acrescerá”, “acresce”? Nas condições resolutivas e nos têrmos, quando permitidos (cp. arts. 1.664 e 1.665), se a resolução ocorrer, sem que o testador haja previsto o segundo beneficiado, ~serão chamados 05 herdeiros legítimos? Nos têrmos, em se tratando de legatários, não; porque ou o legítimo era o onerado, e nesse caso volver-lhe-á, ou não o será, e ao herdeiro instituído é que aproveita a resolução. Nas heranças, o têrmo resolutivo sem fideicomissário explícito ou construído não é possível: considera-se não escrito. Nas condições resolutivas, dá-se o mesmo, salvo conversão que mostre ter sido beneficiado o herdeiro legítimo, já então, como ocorreria com o têrmo, construído o fideicomissário. Nas condições suspensivas, havendo suspensão da aquisição, o legatário só recebe a partir da realização, portanto, o herdeiro onerado, quer seja testamentário, quer legítimo, não está obrigado antes disso. Não assim, se só suspensiva da entrega ou exercício. Essa suspensão somente do exercício é a que se presume nos têrmos iniciais, art. 128. Os herdeiros legítimos podem ser fiduciários construídos; também êles, exceto a Fazenda, podem ser fideicomissários construídos. O testador deixou metade da herança a A, se E se casar, sem dispor do restante: os herdeiros legítimos recebem como plenos herdeiros a sucessão da metade e como fiduciários construídos até que E se case. Se A morrer antes de E se casar, a herança será toda dos herdeiros legítimos. Não se dá a herdabilidade do direito de A, porque se trata de condição suspensiva (art. 118), salvo vontade contrária do testad.or. Exemplos da herdabilidade: “deixo a A sob a condição suspeusiva de se acabar o edifício da Escola; se A morrer, o direito passará, com a mesma condição, aos seus herdeiros”; “deixo a A, se E se casar; morrendo A, os herdeiros sucederão no seu direito”. O art. 1 é dispositivo. Quando os herdeiros legítimos são fiduciários construídos, e a têrmo o legado de fideicomisso, dá-se a herdabilidade do direito dos fiduciários e a do direito dos fideicomissários, exceto vontade contrária do testador. Quando os herdeiros legítimos são fideicomissários construídos, devido à condição resolutiva da deixa ao estranho, o direito dêste é herdável, salvo vontade contrária do testador, e não herdável o dos herdeiros legítimos (arg. ao art. 1.788), se outra coisa não dispôs o testador. Se a construção foi devida ao têrmo final, herdável é o direito do estranho, salvo vontade contrária do testador, e herdável o do herdeiro legitimo, se outra coisa mio quis o disponente (inclusive se o fêz, sem ressalva, a têrmo de morte). A herdabilidade dos direitos do fiduciário ou do fideicomissário não constitui infração do art. 1.789. Não há mais de dois graus. A condição ou o têrmo é um só. “Deixo a A se minha filha fôr freira”, e adiante: “o direito de A passará aos herdeiros”. Se, antes de ser freira a filha do testador, A morrer, os seus herdeiros sucederão no seu direito. Não houve mais de uma classe de fiduciário; só existiu uma, com herdabilidade. “Deixo a A em quanto
viver, passando a E; mas herdável o direito de E”. Com tal declaração, o testador afasta o art. 1.788 que consagra a inerdabilidade do direito dos fideicomissários a têrmo de morte do fiduciário. 2.CONSEQUÊNCIAS DAS ExPRESSõES “ACRESCENDO, ACRESCERÁ, ACRESCE”. A expressão “acrescer” tem significado técnico, que é o de aumentar as quotas. A lei deu-lhe tal sentido nos arts. 1.726, 1.710, 1.712-1.714 e 1.716. Empregou-a em sentido impróprio, no art. 1.715. Acrescer é crescer a alguma coisa; refere-se Muilo que é causa de que outra coisa cresça. fizemos que a quota dos herdeiros com ius acerescendi “cresce”, e da quota do premorto, renunciante ou por outro modo impedido de aceitar, que “acresce ao dos demais. Não é junção material, porque se alude a direito daquele a quem aproveita. “Acréscimos”, nos arts. 587, II, e 588, e “parte acrescida”, no art. 541, atendem àquele sentido. Mas acrescer também significa, brevitatis causa, distribuir uma parte, aumentar as deixas. Na sucessão romana contra o testamento encontramos instituNção assaz diferente, que é a da inclusão da filha omitida: a sua omissão não produzia nulidade do testamento, e sanava-se pelo seriptis heredibus adorescere. Mais: se o testador não esgotou as fôrças da herança, o asse, ULPIANO (L. 13, § 4, D., de heredis instituendis, 28, 5) diz que a parte não distribuída acresce, segundo as porções hereditárias, aos herdeiros escritos, “pro partibus hereditariis eis adcrescit”. Aliás, conforme se disse no capítulo sôbre o direito de acrescer, o testador pode dispor o que entender sôbre o acrescer e o não-acrescer, o jus adorescendi do Código Civil só se refere àqueles casos em que caiba invocar-se algum dos preceitos dispositivos. A regra é que o testador queira êsse ou aqueles acrescimento. Não se presume. Apenas, nos casos dos arts. 1.710-1.712 e 1.716, a lei quer que, salvo vontade contrária, se aceite, como se querido fôra, o acrescimento. Cumpre-nos figurar os casos principais de disposições em que o testador empregue a palavra acrescer ou qualquer tempo ou modo do verbo. Somente assim poderemos apanhar a intenção do testador, que é o fito principal do intérprete ou do juiz. Disse o testamento: “São meus herdeiros A, B e C, com metade A e quartos B e C, admitido o acrescimento”. Aqui, dá-se o direito •de acrescer, fora dos preceitos dispositivos do Código; porque o testador o quis. Se êle não o tivesse dito, claris verbis, seria de aplicar-se o art. 1.711, que excluiria o direito de acrescer. A verba estabelece: “Deixo a A metade do que tenho; a E, C e D o prédio da rua x; e o que acrescer,,,a E”. É vulgar, mais do que se pensa, a expressão “acrescer no sentido do que exceder o diretamente testado, de residuo, quase naquele em que a empregou ULPIANO. O asse é de 100.000 cruzeiros novos; 50 mil serão de A, o prédio, avaliado em 20 mil, de E, C e D, e os restantes 80 mil, de E. Diz a verba: “Deixo a A o prédio x, a E, mil apólices, a D, o resto do que tenho; quando algum morrer, acrescerá aos outros herdeiros”. Trata-se de fideicomisso: êsse “acrescerá” está, aí, para significar que passará aos outros, aumentando o que lhes deixei, pro partibus hereditarlis. Se o testador escreveu “deixo a nua-propriedade a A e a E o usufruto, acrescendo, quando E morrer, a C”, trata-se de usufruto sucessivo. Se escreveu “deixo a nua-propriedade a A e o usufruto com acrescimento a E e C”, quis afastar o direito dispositivo do art. 740. Querendo o testador que a nua-propriedade fique a A e E e o usufruto a C, “com acrescimento a E, se depois do testador A morrer”, a figura é de legado da nua-propriedade a têrmo de morte de A. Se C morre antes de A, a propriedade de A e B se consolida, mas a de A é sujeita à resolução. Não se pode considerar fideicomisso, porque não se dá a A a guarda e fidúcia, nem a posse. Se C morre depois de A, só existirá, então, a nua-propriedade de E, por isto mesmo que se resolveu a propriedade de A. Em todos os casos que figuramos, o testador empregou a expressão “acrescer” e os outros tempos e modos do verbo em sentido diferente dos arts. 1.710 s. No caso de dúvida, deve entender-se que ordenou o is acerescendi e a passagem. Em tudo isso, o que importa é atender, no máximo possível, ao querer dos testadores. § 5.844. Restrições de poder nos fideicomissos e usufrutos 1. PERMISSÃO DE GRAvAÇÃO. Aos testadores é permitido gravar com restrição de poder as deixas testamentárias ~, até, as quotas dos herdeiros necessários (art. 1.728). Resta saber se tal possibilidade ocorre quanto aos usufrutos e fideicomissos. Nenhuma dúvida quanto às substituições, porque o substituto é herdeiro, como teria sido o instituído, se não tivesse faltado. Mas faltou e o substituto o é, no lugar do deficiente. Nada obsta a que o testador clausule os bens, se o instituído primo toco fôr o herdeiro, e não os clausule, se se operar a substitu7çâo, ou a que os clausule nesse caso e não naquele. Se o testador tiver clausulado bens de usufruto, ter-se-á de interpretar a verba segundo as regras estudadas sob o art. 1.666, porque o usufruto é personalissimo (art. 717). Aqui, a alienabilidade deve entender-se quanto ao exercicio e quanto à cessão ao nu-proprietário. Urna vez aceito o usufruto que o testador disse “inalienável”’,
entende-se que não pode ser extinto pela cessão ao nu-proprietário (única que o art. 717 permite), nem cedido o exercício. A imnenhorabilidade é perfeitamente admissível e concerne aos proveitos (utilidades e frutos). 2. NUA-PROPRIEDADE A nua-propriedade é suscetível das mesmas cláusulas que a propriedade plena. O testador pode impo-las quanto a todos os nus-proprietários, ou só quanto a um ou alguns. Às vêzes será útil a incomunicabilidade conjugal; porque, se não houver a cláusula, os bens do nu-proprietário se comunicam. Se o testador entender que deve vedar ao usufrutuário a cessão do exercício e não a transferência ao nuproprietário, pode fazê-lo. Também lhe é possível permitir aquela e vedar essa. 8.TRANSMISSÃO DA HERANÇA. Os bens passam, desde logo, ao fiduciário; passarão clausulados, se o testador os clausulou. Tratando-se de fideicomisso de herança, poderá o testador gravá-la toda, ou somente parte, ou somente algum ou alguns objetos. Não há nenhuma diferença entre os podêres do testador quanto às heranças plenas e as pré-heranças. As cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade são particularmente úteis, porque os bens do fiduciário se comunicam e podem ser penhorados, pôsto que, à resolução, fiquem livres de quaisquer direitos reais não existentes à abertura da sucessão. 4.PLURALIDADE DE FIDUCIARIOS. Se forem dois ou mais os fiduciários, nada obsta a que o testador clausule o que deixa a um ou alguns e não clausule o que deixa aos outros. Pode ordenar a combinação que mais lhe agradar. 5.DIREITO DOS FIDEICOMISSÁRIOS E CLAUSULAÇÃO. Os fideicomissários também podem ter clausulados os seus direitos. Certo, o testador não poderá obrigar os nomeados a que lhe aceitem a herança, mas pode obrigá-los a não alienar o que aceitaram, ou clausular de inalienabilidade o direito dos fideicomissários. Pendente a fidúcia, nenhum poder de disposição terão êles. São possíveis as outras cláusulas; a de incomunicabilidade só será útil depois da entrega dos bens ao fideicomissário, porque até então não se poderiam comunicar os bens fideicomitidos (art. 263, III). Também é permitido ao testador clausular os bens que forem ao fideicomissário. Aqui, não é o direito aos bens, mas os próprios bens, ou também Oles, que o testador quer clausulados. “Deixo a A, passando a B, porém E não poderá alienar nem direito, nem bens”; vale dizer: B não pode ceder o seu direito, nem renúnciar ao fideicomisso (renunciar, disse: e não “repudiar”) ; e, quando os bens forem entregues, serão inalienáveis. Se só fêz inalienável o bem, e nada disse sôbre o direito, na dúvida ter-se-ãopor inalienáveis um e outro. A verba “deixo a A, passando a E, inalienàvelmente” concerne a A (direito e bens simultâneos) e a E (direito e bens quando lhe forem). A outra, “deixo a A, passando a E, inalienàvelmente quanto a E”, concerne a E, direito e bens. 6. PROLE EVENTUAL. A figura do ad. 1.718 também é suscetível de clausulação. Os bens serão inalienáveis desde a abertura da sucessão, porque a prole eventual não é fideicomissária, e sim pleno herdeiro, conforme foi dito. Se ficar demonstrada a ineficácia, ter-se-á de indagar se a causa da inalienabilidade foi objetivamente fundada (por afeição àcoisa, como a fazenda, a casa de morada) ou subjetivamente (devido aos herdeiros, à prole eventual). No primeiro caso, os que recolherem a herança tê-la-ão gravada; no segundo, recebê-la-ão sem cláusula. 7. LEGADO Á TÉRMO E SOB CONDIÇÃO. Nos legados a têrmo e nos condicionais, será possível clausular o bem no caso de ir ao legatário, ou de ir a outro legatário, ou ficar ao herdeiro, ou no caso de ficar a qualquer onerado. Nos legados sucessivos, o primeiro, o segundo, e os demais, podem ser indistintamente clausulados ou não. 8.INALIENABILIDADE DOS BENS TESTADOS. A inalienabilidade dos bens testados pode subsistir para o nomeado e para aqueles que herdar a fidÚcia ou o direito do fideicomissério; porém não valerá quando, extinto o fideicomisso, os herdeiros do fiduciário ou do fideicomissário receberem os bens. A inalienabilidade dos bens do herdeiro da fidúcia (para o distinguir do herdeiro do ex-fiduciário com a propriedade plena) não constitui dissimulação da figura pro!bida pelo artigo 1.789, porque só há, na linguagem da lei, dois graus: uma fidúcia, se bem que, no mesmo grau, diferentes sujeitos, e uma só resolução. A situação é inconfundível com a inalienabilidade para duas vidas, O testador disse: “Deixo a A e seus herdeiros, passando a E quando tiver 40 anos”; a verba é de fidúcia herdável. Se adiante diz “inalienável o bem durante a fidúcia~~, ou ‘‘não podendo A, nem seus herdeiros, alienar’’, vale a clausulação; porque vige, até que B complete 40 anos: a morte de A, no interregno, não altera a fidúcia, nem obriga à figura da inalienabilidade para duas vidas. Dir-se-á o mesmo quanto às verbas do seguinte teor: “deixo a A, passando a E, por morte de A; se B premorrer. será herdável o fideicomisso”; “deixo a A, passando, findos 20 anos, a E, herdável o direito dêsse”. Não há fideicomisso de duas fidúcias: A é o único fiduciário; E
receberá, ou não receberá e irão os bens aos seus herdeiros. Se E renuncia, nenhum direito terão os herdeiros dele, porque se estabeleceu a herdabilidade, e não a substitztíção (o que é também possível). Se E morre antes de A, ou antes dos 20 anos os seus herdeiros sucedem no seu direito. A fidúcia continua a mesma com o grau unico até a morte de A”, ou “findos os 20 anos 9. EXTINÇÃO DO FEICOMISSO. Extinto o fideicomisso. tudo muda. O fiduciário não é mais fiduciário; ou morreu, ou perdeu os bens pela resolução; ou se tornou plena a sua propriedade. O fideicomissário já não o é: ou morreu, sem herdabilidade do seu direito, ou os bens lhe vieram, e é pleno proprietário, e não mais fideicomissário. A clausulação que apanhasse a propriedade dele e a dos seus herdeiros após a extinção do fideicomisso teria composto a inalienabilidade de duas vidas, além da fidúcia. Violaria o art. 1.789. 10. IMPENHORABILIDADE. A impenhorabilidade pode recair na propriedade do fiduciário, quer durante o exercício por êle, quer durante o exercício pelos herdeiros, na fidúcia herdável; e no direito do fideicomissário, quando vivo o nomeado, ou, após a morte, enquanto exercido pelos herdeiros dele, nos fideicomissos herdáveis. 11. INCOMUNICABILIDADE. A incomunicabilidade pode recair, eficazmente, assim na propriedade fiducial, exercida pelo que a recebeu, ou pelos herdeiros dele, na fidúcia herdavel, como no direito do fideicomissário, exercido pelo nomeado ou por seus herdeiros, no fideicomisso herdável. Dir-se-á o mesmo das outras cláusulas. Nem a cláusula de impenhorabilidade, nem a de incomunicabilidade, nem qualquer outra pode apanhar os herdeiros do bem, quando a herança se dê após extinto o fideicomisso. 12. FIDÚCIA DE REsÍDUO. Nada obsta a que o testador clausule de inalienabilidade o direito, ou o direito e os bens, ou só os bens, do fideicomissário, pôsto que se houvesse feito a fidúcia de residuo. Aqui, os bens que restarem é que irão ao fideicomissário; mas êsse ou não poderá alienar o direito, ou odireito e os bens, ou os bens, que receber. 18.DÚVIDA QUANTO A CLÁUSULA. Sempre que o testador disser que é inalienável a herança fideicomissária, entender-se-ão inalienáveis direito e bens. Se disse bens, na dúvida quis referir-se a bens e direito. Se o testador escreveu a cláusula, depois de frisar que um ou alguns bens têm, para êle, “valor especial de ligação à família, ao passo que os outros não têm”, e há dúvida quanto a ser àqueles ou a todos que se refere a cláusula de restrição de poder, o que se há de assentar é que só aqueles são inalienáveis e impenhoráveis, ou só inalienáveis a estranhos. Se o testador disse que não quer que saia da família a propriedade de algum bem ou de alguns bens, não fêz inalienável a membros da família o que deixou. CAPÍTULO XVIII DESERDAÇÃO § 5.845. Privação da porção legitima necessária 1.CLÁUSULA DESERDATIVA. Diz o Código Civil, artigo 1.741: “Os herdeiros necessários podem ser privados de sua legitima, ou deserdados, em todos os casos em que podem sere excluídos da sucessão”. E no art. 1.742: “A deserdação só pode ser ordenada em testamento, com expressa declaração decausa A privação da herança aos herdeiros legítimos não-necessários não é deserdação, porque somente depende da livre vontade do testador. Não se exige causa para isso. A deserdação, sim, há de ter causa, como ocorre, embora em virtude de ação proposta por outrem que o testador, com a indignidade. (No direito alemão, acertam os juristas que evitam chamar Enterbung à simples exclusão, que é Ausschliessunq.) O herdeiro legitimo não-necessário somente herda porque não houve cláusula testamentária que o excluisse, ou dispusesse dos bens que êle herdaria, O testamento é que importa, razão por que se diz intestada a sucessão legítima não-necessária. A necessária, essa, é imposta pela lei; não só conforme a lei, como a legítima não-necessária. O testamento é apenas o meio para que o decujo deserde, isto é, invoque alguma causa de deserdação e manifeste a vontade com o enunciado de fato, sujeito a prova posterior, quando aberta a sucessão. Não há, no sistema jurídico brasileiro, figura jurídica de que lance mão o decujo para pré-excluir a sucessão pelos herdeiros legítimos não-necessários. Éles só ocupam o lugar de herdeiros se o testador não dispôs de todos os bens, ou se o decujo não testou. O que se há de frisar é que os herdeiros legítimos necessários também são herdeiros legítimos e herdam se o decujo não testou quanto a todos os bens da porção disponível, ou se não dispôs em testamento. Se o decujo dispôs de todos os bens, que iriam aos herdeiros legítimos não-necessários, fêz o que lhe era dado fazer
como quisesse. No caso de os herdeiros legítimos serem necessários, há a porção disponível. Se de todos os valôres que nela cabem dispôs o testador, não excluiu os herdeiros legítimos, porque, então, êles somente herdariam na falta de disposições testamentárias. Tudo se passa, em caso de disposição integral, como se o herdeiro renunciasse: não foi herdeiro o que teria sido herdeiro legítimo. 2. SUCESSÃO E DESERDAÇÃO. No Tomo LV, §§ 5.631 e 5.632, tratamos da deserdação, que se prende à sucessão necessária, porque só se deserdam herdeiros necessários. Os herdeiros legítimos não-necessários são afastados sempre que se dispõe dos bens que lhes seriam atribuidos, ex lege, se não houvesse deixas que os atingisse. Privar o herdeiro legítimo da herança, ou privar das heranças os herdeiros legítimos, se não há a necessariedade, resultante das regras jurídicas típicas, não é deserdar. Mas, ao lado dessa particularidade, que se inclui na sucessão legítima (aliás, na sucessão legitima necessária) há o veículo, digamos assim, com sue se chega a deserdar, a cláusula testamentária, “com expressa declaração de causa”. Através do testamento é que pode haver deserdação, e só-mente através dele. Dai têrmos de volver ao assunto, sem repetição estrita do que fôra dito ao cogitarmos da deserdação no Tomo LV, §§ 5.631 e 5.632. O testador de modo nenhum precisa apontar a causa (aliás, o motivo) por que excluiu da herança o herdeiro legítimo não-necessário ou os herdeiros legítimos não-necessários. A deserdação, essa, tem de ter causa. Há de haver, no testamento, a declaração da causa, e o herdeiro instituído ou aqueles a quem aproveite a deserdação há de provar a veracidade da causa. A exclusão por indignidade tem características de que falamos no Tomo LV, §§ 5.600-5.608, e concerne à sucessão em geral. Quando o testador dispõe de tudo de que poderia dispor, os herdeiros legítimos não herdam (o que pode acontecer éque sejam herdeiros testamentários ou legatários). Ai não houve exclusão. Em verdade, diante da lei que daria direito a essas pessoas, o que se dá é pré-exclusão. 3. DIREITO ROMANO. Herdeiro é o filho, o sutis. Tudo mais vem depois, inclusive o testamento. Talvez a deserdação seja anterior a êsse; era preciso deserdar, para que o testamento pudesse existir. No comêço, o automatismo do filho que sucede ao pai no culto e no poder. Deserdado O suus, vem, após, a instituição. O pater famílias impede o direito do filho, abscidit jus filil. A instituição é initium et caput totius testamenti; mas pressupõe a ~eserdação. Os sui têm a qualidade de herdeiro; é preciso tirá-la. A exheredatio anteposta à instituição operou para todos os graus. Se o foi ab un&tS persona, o testamento seria inexistente. Assim devemos ler a L. 3, § 2, D., de tiberis eL postumis heredibus instituendis vei exheredafldis, 28, 2. A referência à exheredatio post aditam heredit atem significa: não vale a deserdação, porque, então, é impossível; o testador quis nulamente, pois encontraria herdeiro ab intestatO. No texto de POMPÔNIO, a passagem de quaedam enim até habebunt deve ter sido interpolação. Qualquer que seja a sociedade, no comêço o que se vê éa passagem automática dos bens aos filhos. Daí, em Roma, ter o pater familiaR de instituí-lo ou deserdá-lo (sucessão iformalmente necessária). No carnê ço, há mais continuidade familiar, orgânica, que sucessão. Depois o suus, ou é herdeiro abintestato, ou ex testamento, ou deserdado. A deserdâção não pode ser condicionada a qualquer acontecimento; porque tem de preceder a tudo (L. 3, § 2, D., de liberis et postumis heredibus institzwtidis vel exheredandís, 28, 2). Certo, dependia da eficácia da instituição mas sem condição, porque, se assim não fôsse, não valeria (L. 77, D., de div ersis regtius iuris antiqui, 50, 17). Tudo mostra que a deserdação era logicamente pressuposta pela instituição. Nem a deserdação nem a instituição eram patrimoniais.
4. FUNDAMENTO. ~,Qual o fundamento da deserdação? Não deveria ser uma pena; à alma contemporânea só serviria a alegação de não caber a sucessão necessária quando, com a morte do decujo, o herdeiro não precisa, é um desligado da família, de que não deve receber proveitos. Mas verdade é que o Código Civil manteve o caráter odioso de pena, reflexo assaz compreensível do individualismo estacionário do direito das sucessões. 5. DESERBAÇÃO PARCIAL. O Código Civil brasileiro não fala em deserdação parcial. Donde dizer-se que o sucessível ou herda, ou não herda. Mas o alemão também não falou; e nem por isso a doutrina deixou de admiti-la (F. HERZPELDER, Erbrecht, J. v. Staudingers Kommentar, V, 988). ~ de perguntar-se se a deserdação pode ser parcial; e.g., quanto a dois terços da quota necessária; quanto às frações da quota necessária que corresponda aos dois prédios da cidade de São Paulo, o deserdado terá apenas a pensão de x cruzeiros (HORAz KRASNOPOLSKI e BRUNO KAFKA, Lehrbuch dos Õsterreichischen Privatrechts, V, 230). O pai ou outro ascendente, que deserda algum descendente, pode fazer-lhe legado <MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA, Notas de uso prático e críticas, III, 843 s.). O que não se lhe permite é deserdar sob condição, ou com
têrmo 7 MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA, III, 842). Isso não significa que não possa o testador, que tem dúvida sôbre a causa de deserdação, subordinar a eficácia da cláusula deserdativa à prova, ou à confirmação, ou à permanência do que foi alegado (e.g., “deserdo B, porque me disseram que teve relações sexuais em minb%a casa, em que mora, mas se isso fôr provado”; “deserdo C, que está acusado, em juízo criminal, de ter-me, no es curo, ofendido fisicamente”; “deserdo O, se, na verdade, me injuriou gravemente, na reUnião de tal lugar”>. Também vale a cláusula deserdativa em que o testador disse deserdar o descendente, ou o ascendente, se até a sua morte não houver retirado as injúrias graves. A deserdação do direito moderno concerne aos herdeiros a que toca a porção necessária, e tem de ser com expressa declaração de causa (art. 1.742). Não é simétrica à instituição, como em Roma; o testador pode deserdar, sem instituir. 6. PERDÃO DA CAUSA DA DESERDAÇÃO. A lei brasileira não inseriu regra jurídica sôbre o perdão. Resta saber se, perdoada a ofensa ou injúria, cabe aplicar-se a pena. (Na lei brasileira, a deserdação é pena e como pena temos de raciocinar.) Quando se trata de causa de indignidade, a lei exige o ato autêntico ou o testamento (art. 1.597). ,Quid iuris, nos casos dos arts. 1.744 e 1.745? A simples reconciliação do testador com o deserdado não invalida a deserdação (M. A. COELHO DA ROCHA, Instituições de Direito Civil português, § 854). ~E nos casos de atos concludentes do perdão, do esquecimento? Mais: o testador, depois de fazer o testamento deserdativo, adianta a quota ou parte da quota necessária? ~O perdão é um ato jurídico em sentido estrito (PETn KLEIN, fie Rechtshandlungen im engereu Sinne, 117 5.; MAx NADLER, Regriff, juristische Natur und rechtl. Beh,andlung der Verzeihung, 43 s.; EDUARD FREUDENEERO, fie Verzeihung nach. den Bestimmungen des .8GB., 4 s. e 23 s.), ou simples fato (WALTER REHDANS, Begrif 1. .iuristische Natur und rechtl. Beh,andlung der Verzeihung, §§ 8 s.), que não precise de outras exigências para existir? A. MÁNICK (WillenserkWrung und Willensgeschãft, 297 s. e 629) entendia que não é, sequer, declara $o de vontade. No caso do art. 319, II, não seria simples fato: exige, por exemplo, o agente capaz; não estaria perdoado o adultério, se o cônjuge inocente, louco, coabitasse com o culpado. No caso do artigo 1.597, evidentemente. Se admitirmos que pode haver perdão ao deserdado nos casos dos arts. 1.744 e 1.745, em ato autêntico ou testamento, a situação é a mesma. De modo que o problema se restringe ao perdão tácito, ou expresso, fora de ato autêntico ou testamento. a)Se pode haver perdão expresso, sem ser com as formalidades do art. 1.597, que só se refere ás causas enumeradas no art. 1.505, e se cabe o perdão tácito (que a doutrina alemã admitiu, se bem que a lei, § 2.337, não o tenha dito), temos de raciocinar com o ato jurídico, que infirmaria a disposição, como se dá com o testamento posterior inconciliável (art. 1.747, parágrafo único). b)Se não há perdão ato jurídico fora das formas do art. 1.597, temos de apreciá-lo como fato. Sendo fato, êle atuará: a) como elemento de interpretação para se ajuizar da veracidade e da gravidade da injúria; b) como indício contrário a outros indícios; o) para a invocação da pressuposição ou da cláusula rebus sic stantibus; d) como elemento complementar na prova do Erro do testador. Tal o domínio típico do fato. Parece-nos que a solução brasileira é a do caso b), mas trata-se de fato que corresponde à ação jurídica stricto sens/t de PETER KLEIN. O testador pode perdoar por ato autêntico, ou testamento, nos casos do art. 1.595 e nos dos arts. 1.744 e 1.745; fora disso, constitui matéria de fato, porém de fato com consequências jurídicas. Em todo o caso, o assunto não se esgota com a solução que demos. ~ Quid iuris, se o testador, depois de fazer o testamento deserdativo, nomeia, em codicilo, o deserdado? Ora, seria absurdo deixar de considerar invalidada (in firmada, artigo 1.747, parágrafo único) a deserdação: seria admitir que exercesse a função de testamenteiro o deserdado, quando, examinadas as duas situações, elas são flagrantemente incompossíveis; entre o texto do codicilo, em matéria sôbre a qual o codicilo pode dispor (art. 1.653), e o texto do testamento anterior, há contradição, choque, incompatibilidade, portanto é o caso do art. 1.747, parágrafo único. Se tal caminho não tomarmos, teremos ferido a vontade do testador, contra o que nos ordena o art. 1.666. Donde têrmos de dizer: a nomeação do deserdado para testamenteiro, em testamento posterior ou codicilo, induz ter-se infirmado a deserdação. O mesmo raciocínio far-se-á para a nomeação de inventariante, que gere coisas suas e só excepcionalmente coisas dlheias. De qualquer modo, está infirmada a deserdação. Não podemos fazer o mesmo raciocínio para as causas do art. 1.595, porque o artigo 1.597 é decisivo: o codicilo só terá o efeito do art. 1.597, se fôr por ato autêntico. 7. DEIXA AO DESERDADO. Pode acontecer que a nomeação do deserdado para quota pequena ou legado em testamento posterior seja sem infirmação da deserdação. Basta, para isso, que o diga o próprio testador, ou convincentemente resulte do testamento. É o que aconteceria quando, no mesmo testamento, o testador deserdasse alguém e o nomeasse herdeiro testamentário ou legatário. Aqui, ainda poderá suceder que o testador diga: “Deserdo a A pela causa x dos arts. 1.744 e 1.745 (art. 1.595), mas, como só a êle, que é honesto em matéria de dinheiro, posso confiar o cumprimento do meu testamento e a segurança dos meus outros filhos menores, lego-lhe tanto, e nomeio testamenteiro e inventariante”. O vulgar é que sejam incompossiveis a deserdação e a deixa, ou, com maioria de razão, a testamentaria e a inventariança; porém, aí, foi o próprio testador que pôs ao vivo os seus
sentimentos, que cindiu a situação afetiva do herdeiro. Ou n’eM pas seulement ce qu’on est surtout; e o duro, o violento, o ofensivo dos artigos 1.744, 1, e 1.745, 1, pode ser um impoluto, um homem de rija honestidade peduniária. Os homens boníssimos, amáveis, diz-nos a psicologia contemporânea, são pecuniàriamente fracos. 8.PRESSUPOSTOS DA DESERDAÇÀO. Para que se dê a deserdação, é preciso que concorram os seguintes fatos: a) Existência de herdeiro necessário. Faz-se mister que viva ao tempo da abertura da sucessão. b) Causa legal da deserdação (artigos 1.744 e 1.745), e declaração expressa de qual tenha sido a causa; portanto, só pode ser anterior ao testamento. c) Não ter havido o perdão, por ato autêntico ou em testamento nos casos do art. 1.595 (art. 1.597), ou não ter havido o perdão por instrumento público ou testamento nos casos dos artigos 1.744 e 1.745; ou, nesses, não se ter dado a ineficácia pela cláusula rebus sic stantibus. O fato, por mais grave que seja, que se não subsumir nos arts. 1.744 ou 1.745, não pode ser causa de deserdação. Em todo o caso, os inciso~ 1 e II dos arts. 1.744 e 1.745 são assaz amplos. O que não se admite é a interpretação analógica. Assim, o casamento da filha sem o consentimento do pai não é injúria a êsse. Nem o é o pedido de interdição dêsse (F. HERzFELDER, Erbrecht, J. v. Staudirgers J≤ommentar, V, 990). Se o pai nega consentimento ao filho para casar, ou para outro ato, ou pede a interdição dele, o filho não pode, por êsse fato, deserdá-lo. Questão grave será se o filho intenta contra o pai uma das ações dos arts. 394 e 895, a favor de outro filho do decujo. O pedido, em si, não constitui injúria grave, máxime se vitoriosa a ação. Se foi julgada improcedente, é questão de fato saber se houve ou não o animus iniuriandi.
A declaração deve ser especial e compreensível, concreta: não basta a citação do artigo da lei, ou do inciso, salvo se isto é suficiente, na espécie, para caracterizar (cp. LUDWIG ScHIFFNER, Pflichtteil, Erbenausgleichung und sonstigen gesetzlichen Vermdchtnisse, 74). Mas, para que a indicação da causa seja especial e, pois, suficiente, não é preciso narrar os fatos (Orno WARNEYER, Kommentar, II, 1801). 9. FORMA DA DESERDAÇÃO. No Código Civil só se admite a deserdação em testamento. Excluídos, portanto, a escritura pública e o codicilo. Mas, feita em testamento, ainda quando a causa pertencer ao art. 1.595, poderá ser invalidada por ato autêntico (art. 1.597). Nulo o testamento, em que se fêz a deserdação, nula está ela. 10. NULIDADE DA DESERDAÇÂO. A deserdação é nula, se nulo o testamento; anulável, se êsse ou a disposição o é. Poderá ser nula ou anulada, sem o ser o testamento, nos casos em que as disposições testamentárias o são, sem que se eive de nulidade absoluta ou relativa o testamento que as contém. A deserdação supõe ato reprovável ao deserdado. Exige-se que, ao praticá-lo, seja responsável (F. LEoNHARD, em GEORO FROMMHOID, Kommentar zum RGB., 516) : o louco que fere o pai, ou o injuria, a filha imbecil que se prostitui, ou o filho ou pai demente que pratica os atos dos arts. 1.744, IV, e 1.745, III, ou sucessível louco, que desampara o pai ou descendente nos casos dos arts. 1.744, V, e 1.745, IV, não podem ser deserdados. Por outro lado, agora objetivo, 1. o ato praticado em legitima defesa e em estado de necessidade não pode ser invocado como causa de deserdação (Orno WARNEYER, Kominentar. II, 1299). Se bem que os casos dos arts. 1.744, 1 e II, e 1.745, 1 e II, correspondam a conceitos de crimes, não é preciso, para o efeito deserdativo, que tenha havido decisão penal (Orno WARNEYER, Kommentar, II, 1299). O érro quanto à pessoa ou quanto ao fato, que constitui causa legal, anula a deserdação; mas, se é quanto ao fato, melhor será impugnar a prova que o herdeiro legitimo, o instituído ou a pessoa interessada terá de fazer da veracidade da causa (art. 1.743, parágrafo único). 11.~,PODE O DESERDADO HERDAR EM VIRTUDE DE TESTAMENTO? Há dois casos: a) Testamento anterior. Se a causa da deserdação coincide com a da indignidade (arts. 1.744, pr., 1.745, pr., e 1.595), não há questão: provado o fato, estará excluído o herdeiro testamentário, como estaria o legitimo. O próprio legado não poderá cumprir-se (art. 1.595). Se não coincide, isto é, se constitui um dos casos especiais do art. 1.744 ou 1.745, cabe a solução de se interpretar a deserdação posterior como infirmação do testamento anterior (art. 1.747, parágrafo único). Presunção hominis. b) Se, no mesmo testamento, em que deserda alguém, o testador contempla o deserdado, a pena não deve prejudicar o benefício: assim como o testador podia perdoar no caso da indignidade, desde que o fizesse por ato autêntico ou testamento, pode fazê-lo no próprio testamento, ou não o fazer e contemplar em parte. Ora, se pode nos casos em que a deserdação coincide com a indignidade, a fortiori nos enumerados pelos arts. 1.744 e 1.745. Pode ser feita a deserdação para o caso de vir o herdeiro a ser culpado de algum dos atos dos arts. 1.744 e 1.745, até a morte do testador? Assim (A. SCHMIDT, Das formelie Recht der Notherben, 164; JOSEPH UNGER, Syst
em, VI, 854) ; e não se pode falar de ato depois da morte do testador, porque, à abertura da sucessão, o direito do herdeiro se concretizou (A.SCEMIDT, Das formelte Recht der Notherben, 164 s.; JOSEPH UNGER, System, VI, 854). Aliter, quanto ao instituto da indignidade. 12.DESERDAÇÃO E HERANÇA LEGÍTIMA NÃO-NECESSARIA. -Pode o deserdado suceder ab intestato sem ser na quota~ necessária? Deserdado o indivíduo, que era o único herdeiro necessário, a herança vai aos legítimos não-necessários. Resta saber se êle, quando é um dêstes (e.g., neto único, e sobrinho do testador, por ser filho db dois primos), pode herdar ab intestato. Nos casos do art. 1.595, a que os arts. 1.744 e 1.745, fazem referência, evidentemente não: coincidem indignidade e deserda gão. Nos casos dos arts. 1.744, I-V, e 1.745, 1-1V, a solução mais prudente e melhor é a de interpretar a deserdação (art. 1.741) do herdeiro necessário como exclusão da herança legítima. Assim, decidem, com razão (F. RITGEN, em G.PLANCK, Bitrgerliches Gesetzbuch, nota 1 ao § 2.886, EMIL STROHAL, Das deutsche Erbrecht, g~a ed., § 57, nota 1, II. DERNBURG, Das Biirgerliche Recht, V, § 121, nota 11, WILHELM GEHM, Die Entziehung des Pflichtteils, 51, contra a só opinião de KONEAD COSACR, Lehrbuch des Deutschen Riirgerlichen Rechts, ~ 7a e g•a ed., § 180, 1, d). 13.CONDIÇÃO. A deserdação deve ser pura. Não pode ser a têrmo nem condicional. No direito romano, há uma exceção única: L. 28, D., de liberis et postumis heredibus instituendis vel ezheredandis, 28, 2. O deserdado sob condição não está deserdado (L. 18, pr., D., de bonorum possessione contra tabulas, 87, 4). Mas evitemos as consequências graves de extremo romanismo; a deserdação “se ocorrer certo fato”, vale (F.HERZFELDER, Erbrecht, J. v. Staudingers Kommentar, V, 988; cp. Luuwrn SCHIFFNER, Pflichtteil, Erbenausgleichung und sonstigen gesetzlichen Vermãchtnisse, 67 e 75) ; e vale a deserdação “se é verdade o que dizem”, indicando o fato, aqui porque se trata de condicio iuris (art. 1.748). O que se não permite em nenhum caso é a deserdação que se refira a futuro acontecimento que sirva de causa legal (LUDWIG SCHIFFNEE. Pfliclttteil, Erbenausgleichung und sonstigen gesetzlichen Vermiicktnisse, 75, nota 50; EMIr STROHAL, Das deuteche Erbrecht, 8~a ed., § 57, nota 8). A causa deve ter-se dado. Vale a deserdação fundada no art. 1.744, III, se condicional do casamento: “deserdo a A, pela causa do art. 1.744, III, salvo se tiver casado”; ou se a injúria grave (art. 1.744, II) consiste em defloramento de neta ou parenta próxima, e acrescenta o testador “salvo se vier a casar-se com elá”. Aliás, pensamos que tais deserdações são feitas com a pressuposição reines sia stantibus. 14.DISSIPAÇÃO. A dissipação não foi posta entre as causas de deserdação. Isso prova o retrógrado caráter de vindita que têm os arts. 1.741-1.745 do Código Civil. O Código Alemão II, 8, § 16, 18, consagrava a ezheredatio bona mente, tirada do direito comum, que a recebera do romano (E. RoSENEERO Die Enterbung in guter Absicht, 1 s.). O Código Civil alemão, § 2.888, dedicou-lhe excelente regra jurídica. 15.REVOGAÇÃO. ~ Só o testamento pode revogar a deserdação? Assim pensa JOAQUIM AUGUSTO FERREIRA AIVES (Da Sucessão testamentária, Manual do Código Civil brasileiro, 883), porque um testamento somente por outro pode ser revogado. A lei não cogitou da espécie: o art. 1.742 só se refere ao ato positivo (verbis “a deserdação só pode ser ordenada em testamento”). O art. 1.597, relativo à indignidade, permite o perdão por ato autêntico ou testamento. ~ Que se há de fazer quando há deserdação no testamento e perdão em ato autêntico posterior? Seria absurdo dar efeitos a um ato que está remido. 16.HERDEIROS DOS HERDEIROS; CESSÃO DOS DIREITOS. O direito de propor a ação para provar a causa não é personalíssímo; passa aos herdeiros do beneficiado. Também não o é o do deserdado para impugnar a deserdação. Um e outro são cessíveis. 17.CREDORES DO DESERDADO. ~Os credores do deserdado podem usar da ação de impugnação da deserdação, invocando o art. 1.586? Entendemos que sim, se bem que a sentença contra êles não faça coisa julgada quanto ao herdeiro deserdado. Não importa se o herdeiro propôs a ação de nulidade da deserdação. Além da medida do art. 1.586, os credores podem propor a ação Pauliana. (Quanto ao direito suíço, cp. E.STADLER, Die Enterbung in der sch.weizerischen Zivilgesetzbuch,, 90 s.). Mas os credores dos interessados na deserdação não podem, por êles, dar prova, ou propor ação. 18.RENÚNCIA E PERDÃO. ~É renunciável o direito de deserdar? Claro que o contrato seria nulo: violaria a liberdade de testar (A. SCHMIDT, Das formelte fcecht der Notherb eu, 166), contravindo o art. 1.089. Igualmente, a promessa de não deserdar (CHR. Fa. VON MÚHLENBRUCH, em CHR. FR. VON GLÚCK, Ausfiihrliche Erlituterirng der Pandecten, XXXVII, 186). Mas é possível o perdão (art. 1.597), se livre. 19.CLÁUSULA TESTAMENTÁRIA E PARTE DE CLÁUSULA. A deserdação pode ser parte de uma cláusula testamentária, ou constar de duas ou mais cláusulas, que se completem, ou se repitam, ou se refiram a duas ou mais causas de deserdação.
A explicitude é elemento indispensável. Se, por exemplo, o testador falou de algum ato do herdeiro necessário, que exprobrou, sem se referir a deserdação, ou sem exprimir tal vontade, não se pode considerar suficiente o que disse. Se há a declaração de vontade, explícita, mas omitiu o nome, sem que isso crie indeterminação da pessoa, tem-se por existente e válida. Na prova, que o interessado fizer, há de estar o nome. Quanto à causa, pode o testador só aludir à figura, que conste do texto legal, de modo que a prova é que há de precisar qual foi o ato causador da deserdabilidade. O ato-causa, que o testador menciona, foi, e não podia deixar de ser, anterior à feitura do testamento, de jeito que a prova de ato posterior é impertinente, salvo como confirmativo. O testamento há de ser válido e válida a cláusula deserdativa. Se, por exemplo, houve pressão do outro herdeiro, ou de terceiro, para que o testador lançasse a cláusula, a violência dá causa à anulabilidade. Se a causa que o testador invocou não é, pelo sistema jurídico brasileiro, inserta como causa de deserdação, a disposição não tem qualquer eficácia. Se foram mencionadas duas ou mais causas, e só uma o é, ou se só algumas o são, a nulidade da cláusula omissiva não atinge a outra cláusula, ou as outras cláusulas. A interpretação de cláusula deserdativa há de ser estrita. A causa há de ser determinada e verdadeira, razão por Que se tem de exigir a prova, que há de ser, sempre, em juízo. Os meios de prova são quaisquer, conforme os princípios gerais; e o deserdado pode fazer a contraprova. Não afasta a deserdabilidade a referência dêsse a qualquer motivo, que, em direito, não retire a causa deserdativa. O testador pode no testamento somente inserir a cláusula de deserdação, isto é, não nomear herdeiros, nem legatários. Então, há a sucessão legítima, pelos herdeiros necessários, se os há, ou pelo herdeiro necessário, se só há um, ou pelos herdeiros legítimos, inclusive o Estado. O testador pode ter deixado as provas da causa, quer com algum interessado, quer em cofre, quer em simples menção do ato judicial (e.g., ação criminal por injúria, ofensas físicas, tentativa de morte, denúncia caluniosa, adultério como fundamento de desquite). O interessado aproveita o que se pro -vou, e pode ser o próprio Estado, que tenha o interêsse, como sucessível legitimo. O deserdado, enquanto não se faz prova da causa deserdativa, fica em posição de simples acusado. Todavia, pode propor ação declaratória da falsidade da causa ou da inadmissibilidade da deserdação perante a lei. Se o deserdado faleceu após o testador, a legitimação para tais ações têm-na os seus herdeiros ou legatários. Discutiu-se, em caso de deserdação, se herdam os descendentes do deserdado. A propósito da exclusão, há o art. 1.599: “São pessoais os efeitos da exclusão. Os descendentes do herdeiro excluído sucedem, como se êle morto fôsse (art. 1.602)”. Não há igual regra jurídica no tocante à deserdação. Daí terem alguns juristas e juizes sustentado que os descendentes do deserdado não herdariam, porque a representação não poderia ocorrer. Ora, seria estender-se aos descendentes e aos filhos de irmãos o que havia de ser pessoal: a pena. Contra isso sustentamos que o art. 1.599 tem de ser interpretado como relativo à exclusão e à deserdação. Certa, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, a 10 de julho de 1950 (A. .J., 97, 45; -cf. Tomo LV, § 5.632, 5). Se não se prova a causa da deserdação, tem-se de atender à quota necessária de que foi deserdado sem a superveniência da prova. Reduzem-se as deixas testamentárias que ofenderiam o direito sucessório do herdeiro cuja deserdação ficou sem efeito. Não se diga que, com isso, ficam nulas as disposições testamentárias que prejudicariam a legítima necessária. Não há, aí, invalidade, êrro em que incorreu a 2,a Câmara Cível da Côrte de Apelação do Distrito Federal, a 5 de abril de 1927, confirmando sentença da 1~a instância. O caso é de redução das disposições testamentdria>s (Código Civil, art. 1.727 e §§ 1.0 e 2.0), e não de invalidade. Não se confunda como ser inválido o ser ineficaz. 20.DESCENDENTES DC DESERDADO. A deserdação de modo nenhum atinge os descendentes do deserdado. Se premorre o filho deserdado, sucedem os filhos ou netos do deserdado. Idem, se premorre o pai ou a mãe, que seria o deserdado. As quotas necessárias dos descendentes do deserdado têm de ser respeitadas. Se o deserdado morre após o testador, os seus descendentes têm o direito que caberia ao deserdado se deserdado não tivesse sido. São personalíssimos os efeitos da deserdação. O testador pode ter deserdado o descendente e os descendentes ou alguns ou algum descendente dêsse. Por outro lado, o deserdado pode deserdar o descendente ou os seus descendentes ou alguns deles. Aí, a sucessão nada tem com a do testador, porque há de constar do testamento do deserdado. Na sucessão do ascendente deserdante, só êsse pode deserdar o descendente, ou alguns ou todos os descendentes do deserdado. 21.REvOGAÇÁO DA CLÁUSULA DESERDATIvA. Se advém. outro testamento em que se não reproduz nem se alude à cláusula de deserdação, essa foi revogada. Todavia, se terceiro testamento revoga o segundo, tem-se de averiguar se permaneceu, ou não, a vontade do testador manifestada no primeiro testamento. O perdão é sempre revogável. Pode ocorrer que o terceiro testamento mantenha, ou não, a cláusula de deserdação.
Se o testador dispôs dos bens que estariam na quota necessária sem precisar que deserdara, deserdação não houve. O favorecido ou outro interessado não pode fazer prova da. causa de deserdação, que não fôra objeto de cláusula deserdativa. Se o testador, no nôvo testamento, diz que fôra alguém injusto em atribuir ao deserdado atos que êle não cometera, é de supor-se que um dos atos foi aqueles a que no testamento anterior se referiu como causa da deserdação. Se advém sentença em que se julga não ser descendente do testador a pessoa deserdada, de nenhuma deserdação se há de cogitar porque não existiria quota necessária. § 5.846. Prova da veracidade da causa alegada 1.INEFICÁCIA DA CLÁUSULA DESERDATIVA. Diz o Código Civil, art. 1.748: “Ao herdeiro instituído, ou àquele a quem aproveite a deserdação, incumbe provar a veracidade da causa alegada pelo testador (art. 1.742) “. E no parágrafo único: “Não se provando a causa invocada para a deserdação, é nula a instituição, e nulas as disposições, que prejudiquem a legitima. do deserdado”. 2. CORRESPONDÊNCIAS. Cp. Código Civil alemão, § 2.886, g•a alínea; português revogado, arts. 1.881 e 1.882; espanhol, arts. 850 e 851; argentino, art. 3.746; austríaco, § 771; suíço, art. 479. 3. PROVA DA VERACIDADE DA CAUSA. O interessado tem de provar a causa da deserdação. O testador apontou-a; talvez, até, houvesse indicado ou deixasse produzida a prova do que disse. Mas, se não a deixou, ou se alguém a impugnou ao interessado dá-la em juízo. Interessados são o herdeiro instituído, o legatário e o testamenteiro. O interêsse da pessoa a quem incumbe provar a veracidade da causa da deserdação há de ser econômico. Não basta o interêsse moral (5.~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 25 de novembro de 1949, 1?. dos T., 185, 219). Se interessado não prova a causa da deserdação, é sem eficácia a cláusula deserdativa (4•a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 2 de agôsto de 1945, 1?. dos T.. 160, 717). Pode ocorrer que a prova seja plena, desde que se fêz a deserdação, e apenas a ela se refira aqueles que a podia alegar. A prova judicial da causa, antes ou após a abertura da sucessão, pode ser referida pelo testamenteiro, ou pelo Curador de Testamentos, porque seria absurdo que herdasse, na falta da atividade de algum interessado, quem assassinou o testador, que o deserdou enquanto estava no hospital, quem foi condenado por algum crime contra a honra do testador, quem foi condenado por ofensa física ou injúria grave contra o testador. Não provada a causa invocada para a deserdação, nula é a instituição; mas a instituição, a que se superpõe o ato deserdativo. Se não há relação de simetria entre os dois atos, a nulidade de uma não acarreta a da outra. Se o testador deserda o filho e dispõe, em legados, da porção disponível mais o quinhão do filho deserdado, e não vinga, depois, a prova da causa de deserdar, procede-se à redução. Se há instituídos para todo o testado, sem que o testador tivesse circunscrito ao quinhão deserdado o quinhão do herdeiro testamentário, é a redução, e não a nulidade, que se dá. Se o testador disse: “o que deveria ir ao meu filho deserdado lego a A”, nulo será, tão-só, êsse legado. Se escreveu: “no que pertenceria a meu filho, instituo herdeiro a B”, nula será, tão-só, a instituição. 4.SITUAÇÁO OBJETIVA, PENDENTE A PROVA. ~ Com quem ficam os bens antes da sentença que julga provada a deserdação? A.J. GOuVEIA PINTO (Tratado regular e prático dos Testamentos e Sucessões, 6•a ed., nota 121, 151 s.) entendia do seguinte modo: “declarando o testador a causa, pertence ao herdeiro instituído prová-la, como é expresso na Ord. cit., § 2; mas, em quanto se entra neste exame, o filho é quem deve estar na posse dos bens, porque sempre se presume sem culpa, e deve-se-lhe por conseqúência a legítima”. TEIXEIRA DE FREITAS, à nota 27 ao art. 1.013 da Consolidação das Leis Civis, escrevia: não é aceitável a nota de A. 3. GouvEIA PINTO sôbre ficar a herança na posse do deserdado, enquanto o herdeiro instituído prova a causa da deserdação. Não se segue dessa minha discordância, que a herança deva ficar na posse do herdeiro instituído, porquanto a mesma Ord. também diz: “se o herdeiro instituido no testamento quiser haver a herança fiquem os respectivos bens da herança em depósito, na posse do inventariante, ou de outrem, até que se decida o litígio da deserdação”. A respeito, professou CLóvís BEvILÁQUA doutrina singular (Código Civil comentado, VI, 206). Referindo-se à solução de TEIXEIRA DE FREITAS, disse êle: “Devemos segui-la por ser conforme a razão e se ajustar com~ o disposto no art. 507, parágrafo único, do Código”. É o texto que diz: “Entende-se melhor a posse que se fundar em justo título; na falta de título ou sendo os títulos iguais, a mais antiga. . . “. ,Que é que isso tem com a questão? Absolutamente nada. Os textos que devem decidir são os arts. 1.572, 1.741 e 1.748. Duas situações podem ocorrer aos herdeiros
necessários: a) Serem acusados de indignidade e propor-se a ação contra êles. b) Terem sido deserdados pelos ascendentes ou descendentes, devendo ser provada a causa da deserdação. São situações inconfundíveis, por isso mesmo que inconfundíveis os dois institutos. 5.546. PROVA DA VERACIDADE DA CAUSA ALEGADA 261 Perante o art. 1.572 a solução há de ser a seguinte: o indigno, enquanto não fôr decretada a indignidade, tem a saisina, decretada, será afastado da posse, resolutivamente, por efeito da sentença que ataca a relação jurídica caracterizada pela saisina. O deserdado não a tem, se fôr provada a causa; teve-a, se cair a prova. A questão levantada por TEIXEIRA DE FREITAS só tem sentido quanto aos efeitos estranhos ao art. 1.572, que fica pôsto de lado como elemento de solução. O terceiro, antes da coisa julgada, não pode opor a verba deserdativa. Restam os arts. 1.741 e 1.743, no que pode constituir efeito da situação pendente. Tais efeitos são os da defesa possessória da vocação a inventariança e da intervenção nos atos do inventario. a) Pendente a ação para provar a deserdação, estaria o deserdado privado da inventariança injustamente, se cair a prova, pois o art. 1.574 acautela os herdeiros necessários contra a atribuição da posse e administração a outrem; justamente, se fôr provada a causa. Deve produzir tal efeito a verba deserdativa? Entendemos que sim. Mau ato do testador. Porém produziu efeitos. A outra situação seria inconsequente. b)Pendente a ação, estará o deserdado afastado dos atos do inventário, venda de bens, etc.? Entendemos que sim. Porque, quer no caso da letra a), quer no da letra b), a suspensão da alienação dos bens e de outros atos fica dependente do pedido do interessado, na ação que torne litigiosa a herança. Deferido, suspende-se o inventário e são vedados os atos de disposição. c)Resta a defesa possessória. e o deserdado pessoa que esteja em situação de suspensão e a que se devam conferir podêres para os atos destinados a conservar os bens ou direitos, a propósito dos quais aguarda decisão? Sim; o terceiro não lhe poderia opor a verba deserdativa cuja causa ainda não se provou. Aqui, êle recebeu, efetivamente (ex hypothesi!), a posse dos bens, e defende-a. Defende-a; se não fôr provada a causa da deserdação, agiu no seu próprio nome. Se fôr provada, terá sido gestor de negócios. Em conclusão: pendente a ação, o deserdado não pode ser inventariante nem intervir no processo, salvo para as medidas de protesto e ressalva, como pedir que conste dos alvarás ainda não estar provada a sua deserdação. No revogado Código Civil português, dizia o art. 1.881: “Sendo contestada a exatidão da causa da deserdação, incumbe a prova dela aos interessados em que essa deserdação se verifique”. Comentando, interpretou JOsÉ DIAS FERREIRA (Código Civil portugues anotado, IV, 256 s.) : “Mas ~quem entra de posse da herança até à decisão judicial do pleito, são os herdeiros legitimários em nome da lei, que lhes garante as legitimas, ou os interessados na deserdação em nome da vontade do testador, expressada no testamento? Entram logo de posse os interessados na deserdação, visto que são os deserdados que têm obrigação de intentar a ação, e de figurarem de autores para darem sem efeito o testamento, art. 1.8.84, ou porque não se declare a causa da deserdação, ou porque não é legítima, ou porque não se prova. A velha ordenação também não indicava expressamente quais deviam ficar de posse durante o processo da deserdação, nem a quem incumbia propor a respectiva ação, se ao herdeiro instituído, se ao herdeiro deserdado”. Lê-se no Código Civil português de 1966, art. 2.166: “1. O autor da sucessão pode em testamento, com expressa declaração da causa, deserdar o herdeiro legitimário, privando-o da legítima, quando se verifique alguma das seguintes ocorrências: a) Ter sido o sucessível condenado por algum crime doloso cometido contra a pessoa, bens ou honra do autor da sucessão, ou do seu cônjuge, ou de algum descendente, ascendente, adotante ou adotado, desde que ao crime corresponda pena superior a seis meses de prisão; b) Ter sido o sucessível condenado por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as mesmas pessoas; e) Ter o sucessível, sem justa causa, recusado ao autor da sucessão ou ao seu cônjuge os devidos alimentos. 2. O deserdado é equiparado ao indigno para todos os efeitos legais”. E no art. 2.167: “A ação de impugnação da deserdação, com fundamento na inexistência da causa invocada, caduca ao fim de dois anos a contar da abertura do testamento”. No Brasil, a ação não é só do herdeiro instituído, ou daquele a quem aproveite a deserdação, porquanto o art. 178, § 9•O, IV, cogita dessa e da ação do deserdado para impugnar r
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Á § 5.846. PROVA DA VERACIDADE DA CAUSA ALEGADA 263 a deserdação. Tal duplicidade também não ocorre no direito suíço, onde ao deserdado cabe impugnar a deserdação (artigo 479, alínea 2.~)• Na Suíça, o ônus da prova obedece, aí, ao princípio geral (II. KUHN, fie Beweislast insbesondere im schweizerzschen Zivilgesetzbuch, 98). No direito argentino (ar. tigo 3.746), a ação cabe aos herdeiros e não ao deserdado (cp. Novela 115, c. 3, Código de Nápoles, art. 851, da Luisiana, art. 1.616). Contudo, não devemos tirar do art. 178, § 99, IV, razão para só se darem à deserdação efeitos posteriores à sentença passada em julgado, porquanto, no capitulo que comentamos, o ônus da prova está evidentemente com os interessados, e não com o deserdado. Na jurisprudência, decidiu-se o seguinte: uma vez declarado por testamento excluído da herança um dos herdeiros, cabe ao herdeiro instituido, ou aos interessados, pleitear a sua exclusão por ação ordinária para provar a causa da deserdação, bem assim ao deserdado para impugná-la. A prescrição da ação é de quatro anos, a contar da abertura da sucessão. A posse da herança, não cabendo ao deserdado, nem também ao herdeiro instituído, pois êsse pode não provar a legalidade da deserdação, decide-se com deixá-la ao inventariante (2.~ Câmara Cível da Côrte de Apelação, 5 de abril de 1927). Mas ~quem deve ser o inventariante? Se há herdeiros necessários não deserdados, toWtur quaestio. Se não os há? tSe o deserdado ou deserdados eram os únicos herdeiros? Haverá instituidos na porção disponível. Êsses terão direito à inventariança, se para ela não foi nomeado, pelo testador, o testamenteiro. Não estará excluído de tal vocação o instituído para a porção disponível e para a parte do deserdado. Demais, se o testador distribuiu toda a herança em legados e deserdou os herdeiros, instituindo a estranho, ~quem será o inventariante? O acórdão negou vocação ao deserdado e ao instituído no lugar daquele. Não há outros herdeirok Será inventariante o testamenteiro (art. 1.579, § 3.0). O instituído, se fôr o nomeado para a testamentaria, exercerá como tal a inventariança, e não na qualidade de herdeiro instituído. 5.ÔNUS DA pROvA. Cumpre não confundir o ônus da prova na ação de deserdação e na de impugnação da causa deserdativa (arts. 1.743 e 178, § 99, IV>, com a de nulidade absoluta ou relativa da deserdação, e. g., as que se fundarem na. nulidade formal do testamento, na incapacidade do testador ou no érro. Nessas, o ônus cabe aos autores da ação, e não aos beneficiados pela deserdação. Aqui, é de todo importante distinguír o êrro, o dolo ou a coação das causas falsas ou inexatas. 6.NULIDADE E INEFICÁCIA DA CLÁUSULA DESERDATIvA. Quando fôr nula ou não provada a deserdação, nulas serão as instituições e legados feitos com a porção de que teria sido deserdado o herdeiro. Para que seja nula, basta: a) que tenha. sido feita sem declaração de causa; b) com declaração de causa que não esteja inserta na lei; e) se não inteligível ou invenc’ivelmente contraditória 7.DIsPOSIÇÕES QUE cABEM NA PARTE DISPONÍVEL. Valem todas as disposjçôes que couberem na parte disponível. Mas há casos de interpretação: a)Se o testador deserdou a A e nomeou “no lugar de A” a E, a instituição de E será nula, se cair a deserdação. b)Se o testador deserdou a A e nomeou B e C seus herdeiros, caída a deserdação, E e C sOmente herdam a porção~ disponível. c)Se o testador deserdou a A e nomeou E e C herdeiros, distribuindo legados que absorvem a quota disponível, sem que o testador tenha excluído a possibilidade de haver bens escapos ao cumprimento dos legados, E e ~C são herdeiros do que restar. Na hipótese, nada resta, porém a afirmativa de serem herdeiros tem importância para o caso em que algum dos legatários renuncie o legado ou por outra razão tenha êsse da ficar aos herdeiros. d)Se o testador deserdou a A e nomeou a E e C, dizendo que da sua parte disponível vai dispor totalmente e conjunta-mente em legados, E e C não são herdeiros. 8.EFICÁCIA DA DECISÃO SOBRE A PROVA DA DESERDAÇÃO. À deserdação, porque depende da prova e da decisão, falta a eficácia imediata à morte do testador. A saisina ocorre, embora sob a ameaça de ter sido para outros sucessores, e não para o herdeiro necessário deserdado, se o julgado torna definitiva a cláusula deserdativa. Enquanto não há a decisão sôbre a deserdação, tem-se de considerar que o deserdado recebeu, automàticamente, a
propriedade e a posse dos bens, conforme a quota necessária. Com a eficácia do julgado que considerou provada a causa deserdativa, ao deserdado nunca foram a propriedade e a posse. A eficácia sentencial é ex tunc. Nenhuma responsabilidade lhe cabe na qualidade de herdeiro; mas tem de restituir o que lhe fôra, o preço do que vendeu e prestar indenização dos danos. que causara com a sua situação transitória e com a sua administração. A reconciliação, ou o perdão do testador, somente pode afastar a eficácia da cláusula deserdativa se expressa em nôvo testamento, ou no próprio testamento em que se pusera a cláusula. Discute-se se o perdão ou outro ato que retire a cláusula deserdativa pode constar de ato autêntico que não seja o testamento. A resposta afirmativa funda-se em interpretação analógica do art. 1.597 do Código Civil, relativo a indignidade. É preciso que tenha capacidade para testar, no momento do perdão, ou de outro ato cancelativo, quem o assina. A deserdação é inconfundível com a chamada “exclusão de partilha” em que o testador, por serem herdeiros legítimos necessários ou não-necessários os que tem, dispõe que algum deles ou alguns deles não recebam da metade disponível, ou da metade disponível sOmente recebam fração mínima, O testador, no tocante à porção disponível, podia estabelecer que toda fosse a alguém, ou a estranho, de modo que, com o afastamento do herdeiro legítimo, mesmo necessário, é afastamento dentro dos limites da disponibilidade. Para a cláusula de não herdar alguém, no que toca à metade disponível, ou ao todo da herança, se não há herdeiros necessários, nenhum obstáculo há. O herdeiro legítimo não-necessário pode ser mencionado para que de modo nenhum seja chamado à herança. Não é preciso que se aluda a motivo, provado ou não. Se apontou motivo (não se fale, aí, em causa legal ou causa) e êsse é falso, isso não importa, porque se afastou o sucessível; mas a cláusula foi manifestação de vontade fundada em êrro e cabe a anulação. Idem, se houve coação. § 5.847. Outras causas de deserdação 1. AÇÕES DA DESERDAÇÃO. O Código Civil refere-se a três ações: a) A do interessado em pleitear a exclusão do herdeiro (ação de indignidade). O) A do herdeiro instituído ou daquele a quem aproveite a deserdação, para provar a causa dela, e) A ação do deserdado para a impugnar (art. 178, § 9,0, IV). Duas concernem à deserdarão e são de propositura contrária uma, propõe o beneficiado pela deserdacão, e outra, o deserdado. Ambas prescrevem em quatro anos, contado o prazo da abertura da sucessão. 2.DESERDAÇÁO DOS DESCENDENTES POR ASCENDENTES. Diz o Código Civil, art. 1.744: “Além das causas mencionadas no art. 1.595, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes: 1. Ofensas físicas. II. Injúria grave. III. Desonestidade da filha que vive na casa paterna. IV. Relações ilícitas com a madrasta ou o padrasto. V. Desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade”. 3.CORRESPONDÊNciAS. Código Civil português revogado, art. 1.876; de 1966, art. 2.166, 1; Código Civil alemão, § 2.333; espanhol, art. 853; aitentino, art. 3.747, e outros. 4.CAUSAS DE DESERDAR. Só existem as seguintes causas de deserdação dos descendentes pelos ascendentes: a) Se tiverem sido autores ou cúmplices em crime de homicídio voluntário, ou tentativa dêsse, contra a pessoa de cuja sucessão se trata. Exemplo: o filho ~feriu o pai, e êsse, sabendo fatal o ferimento, deserda-o; ocorrida a morte, deu-se o crime de homicídio, que existiu antes da deserdação, se bem que ainda se não houvesse consumado a consequência esperada. b)Se a acusaram caluniosamente em juízo, ou incorreram em crime contra a sua honra. c)Se, por violência ou fraude, a inibiram de livremente dispor dos seus bens em testamento ou codicilo, ou lhe obstaram a execução dos atos de última vontade. d)Se incorreram em qualquer dos atos do art. 1.744. As três primeiras causas coincidem com a indignidade, a cujo capítulo nos reportamos. Tratemos das implícitas no artigo 1.744. 5. OFENSAS FÍSICAS. As ofensas corporais, a que se refere a lei, não precisam ser graves, nem duras, para que se autorize a deserdação com fundamento no art. 1.744, 1. Não se supõe a dor. Nem o grande perigo, ou, sequer, a possibilidade disso. Só se supõe o ato intencional, que constitua o mau trato corporal. Os pressupostos para a deserdabilidade dos ascendentes pelos descendentes tinham de apresentar diferenças quanto aos pressupostos para a deserdação dos descendentes pelos ascendentes. O Código Civil primeiro inseriu as regras jurídicas sôbre êsses, por parecerem os que mais ocorrem. Não importa o grau. Desde que o descendente ou o ascendente é herdeiro necessario cabe a deserdabilidade se os requisitos se compõem. A incapacidade absoluta, por loucura, afasta a possibilidade de se pensar em ofensa física, injúria grave, ou qualquer outra causa de deserdação. Os mesmos, que seriam condenáveis. pela legislação especial (e. g., conforme o Código de Menores), não podem ser privados da quota necessária por ofensa física, injúria grave ou qualquer
outra causa de deserdação. A ofensa física pode ser sem gravidade, porque a lei não falou de grave ofensa física. A manifestação de desafeto, falta de respeito ou ódio pode estar em qualquer ofensa física. Não é ofensa física o castigo moderado, que o ascendente exerceu contra o descendente, nem o ato de legítima defesa. Se contra ato do ascendente que não foi irregular ou excessivo, não há a dirimente. Para que se átenda à causa legal de deserdação, não é preciso que tenha havido condenação criminal. Não basta a ameaça de algum dos atos de que cogita a lei como causa legal de deserdação. A ofensa física pode ter sido por terceiro, se quem o ordenou foi o sucessível, ou se foi êsse que deu causa (provocação, excitamento, intriga, como, por exemplo, se a ofensa física, feito por C, terceiro, foi devida a carta em que E, sucessível, comunicou a C, com verdade ou mentira, que A era amante do cônjuge de C). A simples ameaça de ofensa não constitui causa suficiente para a deserdação; mas pode, em certos casos, ser, só por si. injúria grave. 6.INJÚRIA GRAVE. Nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 88, § 5, era causa de deserdação o filho ou a filha “doestar de palavras graves e injuriosas, maiormente em lugar público, onde o pai ou mãe com razão se envergonhem”. Acrescentava: “E ficará em arbítrio do Julgador, se as tais palavras foram graves, ou leves”. ANTÔNIO RIBEIRO DE Liz TEIxEIRA (Curso de Direito Civil Português, II, 293: “A gravidade do delito cresce na razão do número de deveres, que se ofendem: e como cada um é obrigado a respeitar a honra e estimação pública de cada um, a injúria verbal feita pelo filho a pai, ou mãe, é sempre grave, pois, além do dever já referido, que é geral e constitui a injúria simples, ofende o outro dever especial do filho, que manda honrar seu pai e mãe, portanto, medida bem, esta injúria é sempre grave Mas a lei refere-se à. gravidade procedente em si mesma da significação das palavras empregadas, gravidade, que deixa à apreciação do Juiz”. A injúria grave, e não a injúria leve, é causa legal de deserdação. A injúria grave há de ser ao testador. Não basta a injúria grave ao cônjuge do testador, nem a descendente, ou ascendente dele. Não é de exigir-se a prova em processo criminal, nem ter havido a queixa ou denúncia pelo deserdante. A despeito de ter de ser feita pelo sucessível a injúria grave/injuria gravemente quem entrega a jornais ou revistas dados que são classificáveis como de injúria grave. 7.DESONESTIDADE DA FILHA. Que desonestidade é esta? Os autores do Código Civil conheciam a dúvida e não a varreram. As Ordenações Filipinas, livro IV, Titulo 88, §§ 1 e 2, vindo de longe, diziam: “Se alguma filha, antes de ter vinte e cinco aros, dormir com algum homem, ou se casar sem mandado de seu pai”. Compreendia-se então. Ainda assim, PASCOAL JosÉ DE MELO FREIRE, com a alta visão jurídico-social que o caracterizou, leu isso de modo mais humano e mais cristão (Institutiones Inris Civilis Lusitani, 1H, 61) : “fuso minorennis vita meretricia, vel publicus concubinatus”. M. A. COE-1110 DA ROCHA (Institucôes d8 Direito Civil português, § 355), outra visão segura, adotou-lhe o alvitre. MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA, corno sempre, discorreu. TEIXEIRA DE FREITAS 6 FELICIO Pos SANTOS não cogitaram disso. O Projeto revisto, art. 2.107, foi que trouxe à balha tal fundamento. Ao comentar a lei, CLóvís BEVILÁQIJA (Código Civil comentado, VI, 208) saiu-se com esta tirada: “A desonestidade da filha é unia grave injúria ao ascendente, que mantém a família na atmosfera da honra e do recato”. E nada mais, O que se entende por desonestidade não disse. No texto há a noção de residir com o pai, noção que perturba qualquer raciocínio sensato. Se o pai sómente pode deserdar a filha que morava com êle, então o que se quis punir foi, tão-só, o desrespeito. Sinal de um patriarcalismo impiedoso. Se o pai não pode deserdar a filha cocote, ,‘que é que tem por fito o art. 1.744, Analisemo-lo. A desonestidade da filha que vive na casa paterna, ou materna, envolve desrespeito ao ascendente. O texto só se refere a filha, mas tem-se de entender qualquer descendente do sexo feminino. Um dos pressupostos necessários para que haja a deserdabilidade é morar na casa do ascendente, sem que se haja de exigir a morada permanente. O ato desonesto não é só de meretrício. Basta ter relações sexuais na casa do ascendente onde mora, por muito ou por pouco tempo. Os pressupostos são excluidos se há alegação e prova de que havia conhecimento e anuência do ascendente. Surgiu o problema do casamento da filha com a pessoa com quem tivera relações sexuais. Falou-se, com base em SAMUEL STRYK e MANUEL ATIVARES PÊGAS, em purga da mácula de desonra; outros juristas, como MANuEL RIBEIRO NETTO, negavam o efeito purgativo, porque seria apenas para a filha. e não para o pai e as pessoas que também moravam na casa. A solução certa é a primeira, quer o casamento tenha sido antes da feitura do testamento, quer depois, desde que antes da abertura da sucessão. E sem relevância saber-se qual a idade da filha, se fêz dezesseis anos. A cépula por violência ;de alguém não pode ser tida como mácula de desonra. A ocorrência de atos idênticos terem sido praticados por outras pessoas, mesmo descendentes do testador, na mesma casa, não exculpa. Nem os maus hábitos do testador.
O art. 1.744, III, só se refere a “filha”. Havemos de entender que o ascendente, avô ou bisavô, ou trisavô, rode deserdar a neta, a bisneta ou a trineta. O primeiro defeito da lei é só se referir à mulher. À vida de desonra tanto se pode dar a mulher quanto o homem. Por isso, o Código Civil alemão não distinguiu, vida sem honra e sem costumes, contra a vontade do testador (§ 2.333, 5) : o filho bêbedo, o “facadista” inveterado, o vagabundo sórdido, a filha dissoluta. O segundo consiste na imprecisão, no vago do conceito, a contrastar com a exigência insólita de viver na casa do pai: “filha que vive na casa paterna”. Se não vive no lar do pai, se não está a partilhar do seu confôrto, não importa ao legislador desumano e incoerente, que seja a mais vil das prostitutas. Capitalismo, moral curta, são coisas que andam sempre de parelha, puros na aparência e nauseantes nos recessos. Lei má, incoerente, sed lex. Como tal temos de interpretá-la. a)O consentimento do ascendente exclui a aplicação do art. 1.744, III. a) A desonestidade da filha não pode ser alegada pela mãe que vive da mesma maneira e não se opôs à vida dissoluta. É a primeira restrição, que a doutrina alemã fêz ao texto do ~ 2.383, 5. Cedo, a vida má do ascendente pode não ser escusa do descendente, mas, paraisso, é preciso que haja decidida e insofismável oposição daquele à vida semeíhante dêste. Se não se opôs, não pode invocar. Máxime, se, no comêço, houve consentimento. ~ Aí, o consentimento é fato e não negócio jurídico? Não tem caráter de negócio jurídico. o que desde logo afasta a questão, ventilada nos escritores, de ser ou não negócio dependente de recepção, empfangsbedjjrftiges Rechtsgeschiift. Como no caso do Código Civil, art. 819, 1, o absolutamente incapaz não pode estarem causa, mas a razão disso provém de não haver consentimento (pressuposto de fato), e não de ser juridicamente incapaz. Assim, quanto à conclusão, PETER RLEIN (Beitrag zur Lehre von den Rechtshandlungen “im engeren Sinne”, Sonderabdruck aus d. Oesterr. Zentralblatt, 28, 13 s., e fie Rechtshandlungen im engereu Sinne, 114), contra O. OPET e W. VON BLUME (Das Familienrecht, nota 9 a). Consente na imoralidade da filha o que a prestigia em tais atos, o que emprega ou permite agentes provocadores. Trata-se, pois, de ação com efeitos jurídicos. PETER RLEIN (fie Rechtshandlungen im engeren Sinne, 114) chamou a isso ação juridica no sentido estreito. b) O consentimento pode ser anterior ou posterior ao fato (T. ENGELMANN, Familienrecht, J. v. Staudingers Kommen-. ta’r, IV, 7•a~g•a ed., 660). Mas cumpre não confundir consentimento posterior e perdão: o consentimento exclui, subjetivamente, a maldade do ato; o perdão supõe a maldade (C. DAvmsoN, Das Rech.t der Ehescheidung nach dem BOI?., 87; A. B. SCHMIDT e A. FUCHS, Famulienrechi und Vormundsehaftsreeht, nota 3 a). Se a deserdação foi posterior ao consentimento, não opera; se ao perdão, em si mesma constitui prova de não se haver perdoado, o) O consentimento a um fato não se contagia a outro; mas pode havê-lo geral (PETER KLEIN, fie Reehtskandlungen im engereu Sinue, 107, Beitrag zur Lehre von den Rechtshandlungen “im engereu Sinne”, Sonderabdruck aus d. Oesterr. Zentralblatt, 28, ‘7; C.DAvIDSON, Das Recht der E heseheidung nach. devi EGI?., 26; diferente, II. WALTER, Das Recht der Ehescheidung nach devi BOI?., 42). d) tPode ser revogado o consentimento? Ponto delicado, aqui e no art. 319, 1. Argumenta-se~ quem uma vez consentiu no mal de outrem, não deve, depois, exprobrá-lo. Estamos em pleno mundo dos dados morais. Na rica literatura alemã, a opinião dominante é a da revogabilidade em qualquer tempo, o que supõe a ciência do exprobrado, assim no caso do art. 819, 1, como no que estudamos (PETER KLEIN, Die Rechtshandtungen im engeren Sinne, 112 s., Beitrag zur Lehre vou den Rechtshandlungen “im engeren Sinne”, Sonderabdruck aus d. Oesterr. Zentrcdblatt, 28, 12; CAiu, CROME, System, IV, § 559, nota 13, 223; T. ENGELMANN, Familienrecht, 1. v. Staudingers Komment ar, IV, 7A~S.a ed., 660). Porém achamos isso um tanto simplista, sem a suficiente percepção dos dados morais. É preciso descer ao exame da sinceridade dêsse ascendente. Que fito teve êle? ~ A que ideal nôvo se deve tal mudança de pensar? São situações graves, que o art. 1.744, III, com certo impudor, ousou criar, e) É preciso que tenha havido sério consentimento, porque, se há alusão sem crer no consentimento, não há consentimento. b) A desonestidade, a que se alude, é a escandalizante, notória; porque seria imoral que o pai quisesse, após a morte, a devassa na vida da filha. Tal insensatez aberraria do juízo perfeito, com o qual se devem achar os que testam. Depende do meio, do conceito de escândalo moral no círculo em que vivem pai e filha. Se nasce a essa um filho e o avô o acolhe em casa, sem revolta perdurável contra a filha, não pode invocar o escândalo. Se êsse filho existe, o avô o acolhe piedosamente e o trata como se legítimo fôra, mas mantém protesto ao proceder da filha, a lei dura lez permite deserdá-la. Felizmente, melhores e menos brutais que o legislador brasileiro são os pais; e, quando juiz, nunca vimos, no ato de última vontade, o pai que viesse trazer aos tribunais, para desviar, sem cura dos males, a fortuna, a vida intima da filha. Para tal gente, não foram improfícuos vinte séculos de vida cristã. Por mais puro, o mais puro dos homens, que fôsse êsse pai, no momento de deserdação, pelo só ato que a lei lhe permite, estaria infringindo o preceito de Cristo: quem de nós fôr sem pecado... Certa vez, um pais quis na Alemanha, deserdar a filha que se entregara ao homem com quem esperava casar; o Tribunal não reputou suficiente a causa, e um dos argumentos principais foi o seguinte: casada a filha. estaria legitimada a criança (OTTo WARNEYER, Kommentar, II, 1800). Ora, no caso da promessa de casamento, há um criminoso, e não queiramos
que a vitima seja novamente vitima da dureza do pai. 8.RELAÇõES ILÍCITAS COM A MADRASTA OU o PADRASTO. As Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 88, § 10, mencionavam como causa deserdativa “se houve afeição, ou ajuntamento carnal com a mulher de seu pai, ou com a sua manceba, que consigo tinha em casa manteúda e governada; e o mesmo dizemos da filha, que semelhante ajuntamento tiver com o marido de sua mãe, ou seu barregão que a tivesse consigo em casa manteúda”. ANTÔNIO RIBEIRO DE Líz TEIXEIRA (Curso de Direito Civil Português, II, 296) lia-o como o devera ler: “O comércio impuro do filho com a mulher do pai, ainda que não seja consumado, e pare na afeição tendente a ofensa da pudicícia é causa de deserdação; dando-se a mesma razão para a mãe poder deserdar a filha, que assim procede com o seu padrasto”. O Código Civil somente fala em relações ilícitas e madrasta e padrasto. Pergunta-se: a) quais são as relações ilícitas, a que os arts. 1.744, IV, e 1.745, III, se ref erem? b) ~as relações com a barregã ou o barregão, conforme os têrmos das Ordenações, não constituem ofensa? 5.847. OUTRAS CAUSAS DE DESERDAÇÃO As relações ilícitas com o padrasto ou a madrasta são causas de deserdação do descendente. É elemento essencial a luxúria. Não basta o namôro, a afeição, o galanteio. Apesar de só se falar de madrasta ou padrasto, a regra jurídica apanha os descendentes que tiveram relações sexuais com o cônjuge do avô, ou da avó, ou de outro ascendente. Supõe-se o casamento do ascendente, feito no Brasil ou em qualquer outro Estado. a)Há de ser tido como relação ilícita tudo que constituiria ato de libidinagem e de sedução amorosa. Exemplo: as cartas de amor do filho à madrasta. E não só o comércio impuro consumado, como quer JOAQUIM AUGUSTO FERREIRA ALVES (Da Sucessão testamentária, Manual do Código Civil brasileiro, 389) . Já no adultério, não só o ato sexual normal constitui o ato criminoso; e os arts. 1.744, IV, e 1.745, III, recorreram a expressão mais vasta que adultério. Assim são relações ilícitas: a) a sedução; 6) os atos pudendos, quaisquer que sejam; c) a cópula; d) a correspondência amorosa. b)A lei fala em madrasta e padrasto. No Projeto de FELÍCIO Dos SANTOS, afia 1.797 e 1.79% não se tocavam tais assuntos; no de COELHO RODRICUES, art. 2.499, a deserdação podia ser sem causa; no revisto, art. 2.107, de onde vem a regra legal, falava-se em “madrasza cu concubina do pai” e “em padrasto ou mancebo da mãe”. A emenda foi de ANDRADE FIGUEIRA (Trabalhos, VI, 514 e 548). O que pode acontecer é considerar-se injúria grave. 9.DESAMPARO DO ASCENDENTE EM ALIENAÇÃO MENTAL OU CRAVE ENFERMIDADE. A Ordenação do Livro IV, Título 88, § 14, dizia: “e se algum pai ou mãe perdesse o siso natural, e o filho, ou filha fôsse negligente em o curar em sua enfermidade, êste tal poderá ser deserdado dêsse pai ou mãe, ou avô, tornando êles a seu siso e entendimento perfeito, em maneira que possam fazer seus testamentos livremente”. A Ordenação limitava a causa ao fato do testador que perde o siso natural. O Código Civil estendeu-o aos de grave enfermidade; e não reproduziu a regra jurídica do § 15, que fazia herdeiro do alienado o estranho que dele cuidou e tratou, durante o desamparo. 274 10.DESERDÂÇÃO DOS ASCENDENTES POR DESCENDENmS. Diz o Código Civil, art. 1.745: “Semelhantemente além das. causas enumeradas no art. 1.595, autorizam a deserdação dos ascendentes pelos descendentes: 1. Ofensas físicas, li. Injúria grave. III. Relações ilícitas com a mulher do filho ou neto, ou com o marido da filha ou neta. IV. Desamparo do filho ou neto em alienação mental ou grave enfermidade”. 11.CORRESPONDÊNCIAS Código Civil alemão, § 2.334; Codígo Civil português revogado, art. 1.878; espanhol, artigo 854; argentino, art. 8.748; suíço, art. 477. 12.CONTEÚDO DA REGRA JURÍDICA. As causas dos ns. 1 e II, são idênticas às do art. 1.744; as dos ns. III e IV correspondem, mutatis mutandis, às do art. 1.744, IV e V. Mas não se leve a identidade verbal a ponto de envolver a identidade conceitual: o respeito, a deferência dos descendentes aos ascendentes, é mais forte que a dêstes àqueles. No próprio regime, acertado, eficaz, de filhos amigos, em vez de filhos servos, subalternos, sem autonomia, fonte de um sem conto de dobrezes educacionais, de revoltas, o dever de não. ofender, de não injuriar, é mais forte nos filhos do que nos país. O art. 1.745, III, provém do Projeto revisto, art. 2.108, onde também se previa o caso das relações com a concubina do filho ou neto ou com o mancebo da filha ou neta.
§ 5.848. flestino do quinhão do deserdado 1.OMíSSÃO DO CÓDIGO CIvIL. - O Código Civil não possui regra jurídica expressa. Os elementos para a discussão são os seguintes~ a) a representação supõe a morte do representado (art. 1.620) e o representante somente pode herdar o que o representado herdaria se vivesse, se o deserdado não premorreu ao testador, falta o primeiro elemento, se vive e foi deserdado, falta o segundo; b) o art. 1.599 só se refere à indignidade caso em que os descendentes do excluído sucederiam como se êle fôsse morto. A lei suíça facilitou a solução: pôs o art. 541, que corresponde (e é o que mais corresponde ao nosso art. 1.599) e quanto à deserdação reproduziu, mutatis mutandis, o preceito legal, referindo-se, porém, na 8? alínea, explicitamente, à quota necessária Código Civil suíço, art. 478,, 3a alínea: “fie Nachkommen des Enterbten behalten ihr Pflichtteilsrecht, wie wenn der Enterbte den Erbfall nicht erlebt hãtte”. No Código Civil alemão, § 1.924, a sucessão da linha reta é regida como ostá no art. 1.604 do Código Civil brasileiro; e não há o artigo que existe no Código suíço. Situação, pois, igual à do direito brasileiro. 2.QUESTõES QUE SURGEM. O art. 1.604 dá o princípio positivo da sucessão na linha reta descendente, o princípio negativo de que, se há algum descendente vivo, os descendentes dêste não podem vir à sucessão. A existência de pessoa intermédia entre o hereditando e o descendente, necessariamente descendente mais próximo, impede que o descendente mais remoto salte o mais próximo e recolha a herança. Tal a regra. Mas há exceção. No caso de renúncia da herança, se o renunciante é o único do seu grau, ou se todos os do grau renunciam, os filhos poderão vir à sucessão, por direito próprio e por cabeça. No caso de indignidade, os descendentes do herdeiro excluído sucedem como se êle morto fôsse. Dois casos aí estão, em que, viva a pessoa intermédia, se dá a sucessão. Se o indigno morreu antes do hereditando, o art. 1.599 não se aplica; rege-se a sucessão pelo art. 1.604. ~E no caso de deserdação do herdeiro? Se morreu antes da abertura da sucessão, não há dúvida: a despeito da interpretação literal, errônea, dos arts. 1.620 e 1.923, o testamento já encontra o direito (art. 1.604) dos descendentes do que teria sido deserdado, se vivesse; deserda-se quem vive. ~Se o deserdado vive e foi feita a prova? Aqui, surgem as seguintes soluções: a) a deserdação implica deserdação dos descendentes do deserdado; b) a deserdação faz supor que o testador exclui os descendentes do deserdado; e) a deserdarão não supõe a exclusão dos descendentes do deserdado e opera-se a sucessão legitima, salvo disposição contrária do testador; d) a deserdação não pode ter o efeito de excluir os descendentes do deserdado, herdeiro necessário, que é, do testador. 3.PROBLEMA JURÍDICO NO DIREITO ALEMÃO. Na Alemanha, o § 1.924, ao falar da sucessão na linha reta descendente, diz que o descendente vivo exclui os que, por intermédio dele, são parentes do defunto. A êste lebender Abkàmmlin.q apegaram-se os que pretenderam a solução a) ou b). Mas Guoirn FROMMHoID mostrou o que isso representa de ríspido literalismo, aliás já infirmado duas vêzes, pela própria lei, no caso da renúncia da herança e no da indignidade. A solução e) foi a de E. HEYMANN (Die Grundziige des gesetzlichen T,Jerwandten~Erbreehts rtach dem RCB., 53 s.), fundada em que a sucessão legítima deriva da presumida vontade do testador. Antes, ER. MOMMSEN no seu projeto (Entwurf eznes Deutschen Reiehsgesetzes ilber das Krbreckt nebs Motiven, § 497), seguiu a mesma orientação ou, talvez, a solução d). A solução d) é a de GEORO FROMMHOLD (Ober das gesestzliche Erbrecht der Abiçõmmlinge des Enterbten, Archiv flir Ejirgerliches Recht, 12, 309), a quem se deve o mais notável estudo sôbre o assunto. Fôra a do relatório do redator do direito das sucessões; a de O. EXER (Zum Erbrecht des EGE.. Árckiv fúr liuirgerliches Recht, III, 200). Já 4. A. GRUCHOT (Preussisefles Erbrecht, III, 60 s. e 224 s.) achava que no direito prussiano a diversidade de opiniões terminara a favor do descendente do deserdado. O Código Civil saxônico, § 2.599, tinha o deserdado como morto antes do decujo. 4.PROBLEMA JURÍDIco No DIREITO BRASILEIRO. No Brasil, nos trabalhos preparatórios, não vemos dados para que se repute excluído o descendente de deserdado; nem para que se tenha a deserdação como excludente do direito necessário do descendente mais remoto. Deu-se o mesmo na Alemanha. Além disso, a solução d) é a que corresponde à consciência jurídica (FR. MOMMSEN, Entwurf eines Deutschen Reiehsgesetzes úber das Erbreekt nebst Motiveu, 143 e 475; GEoRG FROMMHOLD, Uber das gesetzliche Erbrecht der Abkõmmlinge des Enterbten, Arehiv fuir Riirgerlichcs Rechts, 12, 315) do nosso tempo. Vamos além: é contra as nossas convicções morais, psicológicas, jurídicas e econômicas; portanto, não se compreende, que a culpa da pessoa intercalar corte os lacos morais, psicológicos, económicos, do avô com o neto, o bisneto, ou mais remoto descendente; em suma, que se desliguem os vínculos jurídicos do sangue. O ascendente, humanitatis causa, deve ter mais dó do neto, filho do deserdado, que dos outros; e a biologia não autoriza a lesar os filhos do deserdado por um mal, talvez raro na família. Os deveres são iguais, ou, talvez, maiores, porque o descendente do deserdado dificilmente tem nêle bom pai. O homem que comete os atos dos arts. 1.595, 1.744 e 1.745 deve ser mau
para os filhos e só isto se há de presumir. ~ Que cuidado paterno podem os filhos esperar daquele que matou o pai, ou o abandonou em caso de alienaçao mental ou grave enfermidade? Ora, se tais descendentes correm maior risco de desamparo, ~por que lhes agravar a situação, eliminando-os da herança do avô? Tudo leva a crer que sejam os mais necessitados (fundamento econômico). Os deserdados dos arts. 1.744 e 1.745 correspondem, púr identidade, nos atos mais graves, aos indignos do art. 1.595; portanto, nada justifica que o descendente do indigno do ato mais grave (parricídio, por exemplo) seja tratado com a benevolência que não merece o deserdado por injúria (arts. 1.744, II, e 1.745, II) ou outro ato dos arts. 1.744 e 1.745 (fundamento jurídico). Ocorreu o mesmo raciocínio, no direito alemão, a GEORO FROMMH•OLD (Uber das gesetzliche Erbrecht der Abkõmmlinge des Enterbten, Arckiv fúr Rúrgerliches Reeht, 12, 315). Basta pensar-se um pouco, com isenção, para se ver o absurdo de se presumir que o decujo quisesse, com a deserdação, eliminar toda a estirpe, ou de que a lei acedesse nisto. Podemos raciocinar como GEORO FROMMHOLD (Uber das gesetzliche Erbrecht der Abkõmmlinge des Enterbten, Arehiv fúr Biirgerliehes Reckt, 12, 316) concluiu o seu estudo: a despeito do art. 1.604 (lá êle citou os §§ 1.938 e 1.924, 3? alínea), podemos pensar, sem artigo de lei que faça ao descendente deserdado o que os arts 1.589 e 1.599 fizeram, respectivamente, ao do renunciante e ao do indigno. Se o testador deserdou, sem nada dispor, a parte da herança vai aos herdeiros legítimos (arts. 1.574, 2.~ parte, e 1.678). Ora, aí, o que decide é o parentesco, e a deserdação do filho não apaga o laço entre êle e o descendente do deserdado. Riséa-se, quanto à sucessão, êsse, e não os descendentes dêsse. A deserdação é, então, sem efeito, wirkungslos; a sucessão obedece a regra geral (E. HEYMANN. Die Grundziige des gesetzlichen Verwandten-Erbreckts nach. dem EGE., 53; GEORG EROMMHOLD, tber das gesetzliche Erbrecht der Abkõmmlinge des Enterbten, Archiv fúr Ruirgerlicites Recht, 12, 309). A analogia com a indignidade é evidente. Se persiste o parentesco, persiste o direito à sucessão; se persiste o direito à sucessão, é por fôrça de lógica, necessário. 5.SOLUÇÃO DO PROBLEMA. Tal é a solução, que corresponde, não só é consciência jurídica, como também aos princípios da lei. Como a deserdação só se refere a herdeiros necessários, aqui se esgota a questão. Nasce, porém, outra, no tocante ao art. 1.599, quanto a descendentes de indignos herdeiros legítimos não-necessários. 6.DESERDAÇÃO PLURAL E DESERDAÇÃO EM DOIS OU MAIS GRAUS. O testador pode deserdar o filho e deserdar o neto ou bisneto, ou só o filho e o bisneto, ou, prevendo que lhe premorra o filho, deserdar o neto, ou bisneto, deserdação só eficaz se fôr chamado à sucessão êsse descendente. Trata-se de deserdação em graus diferentes, o que de modo nenhum se confunde com a deserdação plural, como a dois filhos B e C, acusados da mesma causa de deserdabilidade, ou de causas diferentes de deserdabilidad e. Os testadores não podem estar certos de que, ao falecerem, os deserdados vivem, ou se, falecendo êsses antes deles, são chamados filhos ou netos dos deserdados. Por isso, a herdabilidade basta para a deserdabilidade. Se A tem três filhos, E, C e D, que têm filhos ou netos, a deserdação de 13 e de C deixa em lugar de 13 e C os filhos ou netos deles. Pode ocorrer que a causa de deserdação exista para E e o filho de E; mas, uma vez que E pode premorrer a A, pode A deserdar a E e ao filho de B, ou só ao filho de E. Se A deserdou o filho E e êsse deserdou E, o neto de A, seu filho, pergunta-se se E’ herda de A. Respondeu negativa-mente CARLOS MAXIMILIANO (Direito das Sucessões,5ª ed., 152), para quem se A exclui da partilha o seu filho E e êste tem dois descendentes, C e O, e deserdou C, o neto O recolhe toda a parte de E na sucessão de A. Aí, há confusão da deserdação do filho e do neto por A com a deserdação do filho por A e do neto, filho de C, por C. CAPITULO XIX FORMAS ORDINÂRIAS DO TESTAMENTO § 5.849. Função do formalismo testamentário 1. F ORÇA DO ESTADO E FORMAS TESTAMENTARIAS. O Estado protege a última vontade; cerca-a de formas, que a livrem de insídias e maquinações. Mas dificultar, pela exigência de formalidades, não é empecer, ou postergar, o que se quis garantir: a vontade de testar. Nos povos cultos é regra o dizer de PAULO (L. 5, D., testamenta quemadmodum aperiantur inspiciantur et describantur, 29, 3): “publice expedit suprema hominum iudicia exitum habere”. Interessa à utilidade pública que se respeitem as vontades últimas dos homens. Todos os atos jurídicos têm forma. Há o conteúdo e há a forma, que é algo que exprime. Atos jurídicos há que até oral-mente se compõem. Basta-lhes a fala. Não se lhes exige a escrita; a fortiori, a instrumento público.
Para os testamentos, negócios jurídicos que só têm eficácia à abertura da sucessão, a técnica legislativa teve de impor requisitos protectivos, inclusive quanto ao número de testemunhas. De ordinário, as leis, inclusive o Código Civil brasileiro, põem a forma em primeira plana, de modo que assuntos contenutísticos ficaram depois dos assuntos formais. Evitamos isso, para considerarmos no lugar próprio as formas, razão por que antes tratamos das disposições testamentárias em geral, da interpretação delas, das heranças testamentárias e dos legados, da porção disponível, da redução das liberalidades prejudiciais às legítimas necessárias, das substituIções, do fideicomisso e da deserdação. Depois de se conhecer o conteúda. do negócio jurídico é que importa conhecer-se a forma. A exigência da forma testamentária evita que o testador apressadamente manifeste a vontade e de certo modo mostra-lhe que é de grande relevância o ato que vai praticar. No aguardar o momento em que faça o testamento público, cerrado ou particular, fica-lhe tempo para pensar e, muitas vêzes, para afastar precipitações e impulsivas manifestações de vontade e de sentimento. Por outro lado, diminui as possibilidades de pressões, de violências, de erros e de atendimentos a pedidos e promessas. Além disso, a presença de testemunhas concorre para que se contenha, pondere e se precate o testador. Todo intervalo entre a deliberação de testar e a feitura do testamento fortalece a meditação do disponente. Quanto a terceiros, as formalidades testamentárias põem o testador a salvo de falsificações e de falsidades, bem como de violências. Muito se sabe sôbre os males que resultavam das cartas de consciéncia Herdeiros legítimos eram lesados pelas coações de estranhos, que o testador beneficiava, e das preterições momentaneamente causadas. Pessoas estranhas, e não só parentes, eram postas de lado por circunstâncias de intranquilidade do testador. Não só herdeiros legítimos. Daí não bastar o escrito, por mais perfeito e verdadeiro que seja, para que se repute feito o testamento. O rigor formal protege o testador e os que seriam por êle declarados herdeiros ou legatários. Trata-se de ato de última vontade, razão por que a técnica legislativa também há de cogitar de formalidades que assegurem a conservação do negócio jurídico. No testamento, o disponente não só dispõe; há no testamento cláusulas que são de conteúdo patrimonial e cláusulas que não o têm, como as relativas à família, a recomendações e a deserdações. O testamento precisa de ser conhecido pelo tabelião e pelas testemunhas, ou visto por fora, para que se identifique. Quanto. ao testamento particular, se é certo que lhe falta a publicidade, e há o perigo de extravio, pode ser registado em cartório de títulos e documentos. Por isso, não se pode negar a falta de proteção de tal ato testamentário; e se justifica a preferência pelo testamento público. Com os pressupostos de forma, o que se tem por fito é maior segurança na expressão da vontade e na conservação do instrumento. Dir-se-á que, com tantas exigências formais, cresce a possibilidade de Lerem tidos por nulos ou anuláveis os atos testamontados. Ainda mais: se a pessoa que quer testar está gravemente enfêrma, ou se o seu estado de saúde se tornou melindroso, pode estar diante de pressupostos formais que lhe dificultam a testamentifação. Com isso, podem ser beneficiados herdeiros legítimos que o testador não tinha como merecedores da herança. Mas o decujo, uma vez que sabe existirem as exigências de forma, estava avisado de que não se há de deixar para a última hora o ato de testar. Teremos ensejo de ver que a lei exige que se mencione observância de formalidades, e não só que sejam observadas. Se o testamento não satisfaz as exigências formais, ou algumas delas, testamento não há. Se a satisfação é que foi insuficiente, há nulidade. Ser incompleta a observância, ou ser irregular, faz nulo o testamento. Não ter havido cumprimento de qualquer dos pressupostos, qualquer que seja, não é infração da lei; é omissão de requisito para a existência de testamento. Por exemplo: a) No testamento público, o testador que sabia e podia assinar, não assinou, e falsa a declaração do oficial público de que podia ser feito a rôgo (nulidade) ; quem escreveu o testamento público não era oficial público, nem pessoa que legalmente o pudesse assinar (inexistência) ; menor de dezesseis anos foi testemunha do testamento (nulidade) ; se o oficial público não portou por fé haverem sido observadas as formalidades (nulidade). b) No testamento cerrado, falta a assinatura do testador (inexistência), mesmo se foi escrito por êle; se o testador sabia e podia assinar, e não o assinou, e alguém que o escreveu o assina, dizendo que o fêz a rôgo (nulidade). o)No testamento particular, se o não escreveu o testador, ou se o escreveu e não o assinou (nulidade) ; se o testador não o escreveu, nem o assinou (inexistência). Se o Código Civil exige que se mencione a observância de determinada formalidade, e do ato testamentário, antes da assinatura do testador e das testemunhas, não consta a declaração, é nulo o testamento. O fato de ter sido cumprida não afasta a nulidade, porque a lei reputou essencial a menção. Assim, em se tratando de testamento cerrado, tem o disponente de entregar o escrito ao oficial público e dizer ser o seu testamento; mas, além disso, há de o oficial público certificar que isso ocorreu.
2.ESPÉCIES DE FORMAS TESTAMENTÀRIAS. Só em determinadas formas podem exprimir-se as disposições de última vontade. A interpretação das regras legais é restritiva. Porém não se vá ao exagero de as crêr absolutas, como fins do legislador, em vez de simples formalidades preventivas e asseguradoras. Por defeito formal de pouca importância, seria péssima política jurídica romper-se o testamento de quem não atribuía ao legislador tão ríspido formalismo. Ora, as exigências legais atendem ao intuito de assegurar, e não ao de dificultar as declarações de última vontade. Não estamos nos tempos das legis actiones (ERIcE DANZ, Die Auslegung der Rechtsgesch.Éifte, 238, nota>. Quando as regras da lei não são claras a respeito de forma dos testamentos, entende-se que exigem o mínimo possível. Na dúvida, decide-se a favor do testamento. Evitem-se, quanto possível, as nulidades por motivo de forma, O fim das regras jurídicas do Código Civil não é limitar o direito individual, mas o de determinar que sigam certos caminhos, ou observem determinadas normas, para que melhor se garantam. No interpretá-los, não se pode esquecer que é êsse o fim que êles têm. Demais, os testamentos, salvo o testamento público, são formas entregues aos homens em geral, e não a juristas. Não se lhes exige outro conhecimento além daquele que a lei civil aponta, nos seus ditames expressos. Quanto ao testamento público, dir-se-á quando se cogitar do Código Civil, art. 1.632. Mas, antes, como introdução, aprofundaremos o assunto. O nome “testamento público” é reminiscência do testamento que se fazia diante do Povo, ou do Chefe de Estado. “Privado” disse-se o testamento escrito e assinado pelo testador, ou feito na presença de testemunhas. O testamento escrito e assinado pelo testador data do ano 446, sob Valentiniano III. Não foi levado ao Império Romano do Oriente, razão por que não consta do Corpus Juris. No século XVI, Maximiliano introduzia na legislação germânica o direito justinianeu sôbre testamento privado. Teve-o a França com a Ordenança de janeiro de 1629, de onde foi ao Código Civil francês e se estendeu por Portugal, Espanha e Itália. No direito canônico, o testamento particular foi acolhido, se perante o pároco e duas testemunhas, o que afasta tratar-se de testamento privado. 3.NULIDADE DO TESTAMENTO. A nulidade dos testamentos facilitada, em vez de restringida importaria desrespeito ao Código Civil, art. 1.666. Se, para as disposições particulares, há de o juiz preferir a interpretação que dê eficácia à declaração do testador, ~como tornar rigoroso o formalismo da lei, que invalidaria, não uma ou duas disposições, porém todo o testamento? Daí a conclusão de EIUCH DANZ: deve ter-se por válido o testamento, ainda quando apresente defeitos de forma, sempre que se comprove que, no documento, se contém a última vontade do declarante. Melhor o disse A. DÚRINCER (Richter ind Rechtsprechung, 51) : quando fôr duvidoso se se observou, ou não, regra jurídica de forma, deve-se impor a solução da efetividade do testamento, sempre que exista certeza quanto a êsse. A nulidade dos atos jurídicos de intercâmbio ou inter vivos é, pràticamente, reparável: fazem-se outros, com as formalidades legais, ou se intentam ações que compensem o prejuízo, como a ação de ia rent verso. Não se dá o mesmo com as declarações de última vontade: nulas, por defeito de forma, ou por outro motivo, não podem ser renovadas, pois morreu quem as fêz. Razão maior para se evitar, no zêlo do respeito à forma, o sacrifício do fundo. Não há ratificabilidade do testamento nulo. O testador que nulamente testou tem de considerá-lo definitivamente ineficaz, em consequência da nulidade. Se o testador vem a saber que o testamento é inválido, ou se conforma com a possível sucessão legítima (se outro testamento não havia, pois o testamento nulo não revoga o anterior ou os anteriores), ou faz outro testamento. Pode ser que reproduza, nesse, tudo que disse no testamento inválido, porém, aí, a reprodução é do que foi dito, e não do testamento nulo. Há apenas coincidência do cláusulas. Se o testamento foi feito com formalidades excessivas, o excesso não o prejudica. É o caso do testamento público com seis ou mais testemunhas, presentes e assinantes do ato testamentário. Também o do testamento cerrado que foi assinado pelas testemunhas, e não só entregue na presença delas; e o do testamento particular com seis ou mais testemunhas, que o assinaram. Superf tua non nocent. Se, a propósito do excesso (e.g., da sexta ou sétima testemunha) há defeito ou vício, como se era menor de dezesseis anos, a falta de requisito do supérfluo não atinge o testamento. No sistema jurídico brasileiro não há fórmulas rígidas, nem expressões fixas, sacramentais, que se exijam aos testamentos, mesmo se públicos. O que importa é que o que foi dito satisfaça, em seu conteúdo, os pressupostos formais. Pode ocorrer que se chame legatário ao herdeiro, ou vice-versa; ou que se diga legado ao modus, ou viceversa. Na interprêtação dos textos legais sôbre formas testamentárias, não há solução analógica, nem de extensão, ou de equidade; porém a interpretação estrita não há de ser exagerada. O que foi exigido tem de ser observado, sem que se vá ao extremo de sacrificar a vontade do testador, como ocorre se há oito em vez de cinco testemunhas, ou se está em questão dizer-se o que se há de entender por testamento particular escrito em língua estrangeira, “contanto que as testemunhas a compreendam”. Basta que compreendam; não é preciso que falem a língua, ou que nela possam eserever• Uma vez que entendem, que a lêem, satisfeito está o pressuposto. É de discutir-se se, diante de testamento que é nulo, por infração de regra jurídica sôbre forma, pode o juiz, ou
pode e deve o juiz decretar a nulidade, ou se tem de aguardar que alguém, legitimamente interessado, alegue a nulidade. Seria ofender principio geral de direito sObre invalidade absoluta pôr-se o juiz na situação de examinar o testamento e, sabendo que é nulo, ficar subordinado à alegação de algum interessado. Alguns juristas assim pensaram e escreveram; mas devemos repelir tal atitude, que abriria exceção para o tratamento dos atos jurídicos nulos Quanto às anulabilidades, sim; não, quanto às nulidades. Não só. A opinião que apenas deixa ao arbítrio do juiz o exame de ofício também; inadmissível. O juiz não somente pode decretar a nulidade; pode e deve. Se o interessado a quem incumbia argúir a anulabilidade da deixa ou do testamento, deixou de alegá-la e se prova que conhecia a causa, não basta isso, no sistema jurídico brasileiro, para se ter como preclusa a alegabilidade. A fortiori, em se tratando de nulidade. Não há prazos de prescrição quanto às nulidades; mas existem quanto às anulabilidades. A falta de sêlo ou a deficiência somente podem dar ensejo a multas ou acréscimos, que tenham de ser pagos pela herança ou pelo beneficiado ou pelos beneficiados. O ônus da prova incumbe àquele que argúi de nulidade o testamento. Trata-se de prova de não-observância de algum ou de alguns pressupostos formais. Diz-se, sem precisão, que a causa da nulidade há de estar, manifesta, no próprio testamento (êx propriis verbis testamenti, nou aliunde), e não pode ser suprida a prova por outro documento, ou por prova testemunhal. Porém havemos de atender a que a afirmação é relativa, porque a prova da surdez ou da cegueira da testemunha, pode ser feita por testemunhas do processo da ação de nulidade, se o surdo ou cego morrera antes do testador ou entre a abertura da sucessão e a propositura da ação de nulidade. Quanto à coação causa de anulabilidade, como o êrro a prova pode constar, ou em parte constar, de algum outro documento. 4.FORMA DOS TESTAMENTOS. . É o de que cogita o Código Civil, para as espécies que admite. As leis processuais podem acrescentar outras formalidades, mas a violação de tais formalidades secundárias não tem o efeito de eivar de nulidade. Só as regras jurídicas da lei civil, uma vez postergadas, surtem tal efeito. Assim, também, na Alemanha (W. ESSLINCER, Der R’rbschein nach dem Búrgerlichen Gesetzlncehe fiir das Deuteche Reieh, 9) . Um dos exemplos é a falta do sêlo, se tiver de haver, que pode obrigar à multa ou revalida cão, porém nunca leva à conseqdência de invalidar o testamento (cf. A. ESCHER, Das Erbrecht, Kommentar zum sckweizerischen Zivilgesetzbuch, III, 88). Onde os Estados exigem o sêlo ou o papel selado, a falta de sêlo ou o uso de outro papel não atinge o ato de testar, e a pena pecuniária é o máximo que pode ocorrer (P. TrOE, Das Erbrecht, Kommentar zum Sehweizerischen Zivilgesetzbuch, III, 824) As formas ordinárias de testamento têm a mesma eficácia. Revoga-se testamento público, ou disposição contida em testamento público, mediante testamento cerrado ou particular, ou em virtude de cláusula inserta no testamento cerrado ou no testamento particular. Revoga-se testamento cerrado ou testamento particular, ou cláusula que daquele ou dêsse conste, com testamento público, ou cláusula de testamento público, como ocorre, sem qualquer discriminação, se o testamento antenor é cerrado, ou particular, e o posterior, particular, ou cerrado. Não importa quais sejam as circunstâncias, de tempo ou de lugar, em que se faz o testamento de forma ordinária. É verdade que mais fácil é a falsidade ou a falsificação de um que de outros; porém isso é sem relevância, porque apenas concerne à prova do que aconteceu. 5.NOME E TESTAMENTO. Os atos jurídicos não dependem do nome que se lhes dê. Mais se deve atender aos intuitos do declarante do que às expressões usadas. Repugnaria à ordem social o estrito nominalismo, e só onde a lei, excepcionalmente, dá valor decisivo, essencialidade, à denominação de um ato, é que se pode exigir a prevalência essencial da forma, como se dá, nos nossos tempos, com os cheques. Em regra, pelo dizer-se de uma espécie o escrito, não deixa de ser daquela de que realmente é. Nem, pelo deixar de se nomear, perde o caráter que, ainda sem nome, efetivamente bem. Compareceu, há mais de quarenta anos, o disponente ao tabelião e fêz as suas declarações testamentárias, que o notário, sem razão plausível, chamou: “Escritura de declaração de herdeiros” (cf. nosso Tratado dos Testamentos, 1, 236). Mas o ato, que só poderia ser testamento, apresentava todas as formalidades exigidas aos testamentos públicos no direito de hoje (Código Civil, art. 1.632) e no anterior (TEIXEIRA DE FREITAS, Consolidação das Leis Civis, art. 1.054) . Mandamos, corno Juiz da Vara da Provedoria e Resíduos, que se cumprisse. Em escritura pública (portanto, com a forma exigida aos testamentos para valer), satisfeitos os requisitos (e. g., testemunhas, declaração pelo próprio), tal negócio jurídico, ainda que se não proclame testamento, testamento é. Essa a razão para se permitir a escritura pública de revogação, que contenha as formalidades dos testamentos, ainda que não se diga: “testamento”, nem se redija como se testamento fosse. Bastaria dizer-se que se “revoga~~ o testamento do dia tal, ou que se revogam todos os anteriores. § 5.850. Material de escrita
1. MATERIAL DE FORMA. que se há de escrever o testamento pode ser papel, timbrado ou não, pergaminho, cera, ardósia (EUGÊNE CURTI-FORRER, Com-. mentaire, 899), madeira, tela, barro, ouro, prata, platina e xisto (A. ESCHER, Das Erbrecht, Kommcntar zum sehweizeriso heu Zivilgesctzbueh, III, 87), ou qualquer outra, em que, com pena (ou instrumento que faça, com os caracteres individuais, a letra), se possa exprimir o que se quer. Fôlha, caderno, livro em branco, carta, diário doméstico, ou livro de contas (A. ESCRER, III, 87). O que é imprescindível é a seriedade do lançamento (WALTHER BRoCK, Das cigenhandige Testament, 77). A substância com que se escreve pode ser tinta, lápis, ardósia, óleos coloridos, crê, sangue. Mas é preciso que não se trate de projeto, e sim de testamento que se ultimou (cf. A. Escnaa, III, 87; E’. RITGEN, Ejirgerliches Cesetzbueh, ¾ 439). No Aroh,iv flir Entscheidung der obensten Cericl&t de J. A. SEUFFERT há referência a testamento, escrito em lista de preço de vinhos, que se teve de declarar simples projeto (1909, 102) mas podia, se sério e definitivo, valer. Se houve seriedade, se o testador quis fazer o seu testamento, com o caráter de extraordinária importância que têm as disposições de última vontade, toda prudência é recomendável ao juiz. É grave ofensa à liberdade humana romper, por simples consideração de forma, o testamento de quem, por extravagância ou ignorância, se serviu de broncos expedientes. Inspirado em tal respeito da dignidade humana e em esclarecida tolerância, vemos cumprir-se a cédula de um leiteiro, que escreveu, com lápis, em papel sujo, o testamento, caso de que falou ORELL FÚssLr. Outrossim, o que escreve em páginas de livros impressos, com a Bíblia, o calendário, no verso de uma pintura, de uma apólice de seguro, na tampa de um cofre (P. Tuca, Das Erbrecht, Kommentar zum Sehweizerischert Zivilgesetzbuch, 823) 2.FORMA DE CARTA. Nada obsta a que se dê ao testamento particular e ao testamento cerrado a forma de carta ao herdeiro, ou legatário, ao cônjuge, ao testamenteiro, ou a outrem (F. RITGEN, Biirgerliches Gesetzbuch, V, 439; CARL CROME, System, V, 59). Assim na França (ZACHARIAE-CROME, Handbuch, IV, 282), na Suíça, E. TuOa, Das Erbrecht, Kommentar zum Schweizerischen Zivilgesetzbuch, III, 323; A. Es-CRER, Das Erbrecht, Kommentar zum Schweizerisohen Zivilgesetzbuch, III, 87; EUGÉNE CIJETI-FORRER, Co>ninefltai’re, 400), mas é preciso, para que se tenha a missiva como testamento, tratar-se de definitivo escrito, e não de consulta ou de projeto. A distinção fica, como as circunstâncias, à apreciação do juiz (E. STROHAL, Das deutsche Erbreclvt, 1, 104; BAUDRY-LACANTINERIE, Traité, II, 47) . Pode ser que constitua simples comunicação de intuito (E. RITGEN, Ruirgerliches Cesetzbuch, V, 439; cp. A. IVEISCLER, Das deutsehe Nachlctssverfahren, 158). Há, então, animus narrandi, e não o que é de mister ao testamento, o animus testandi (E. Tina, 323) . Outrossim, poderá ser simples aviso, ou ameaça. 3.LANÇAMENTO NÓ LIVRO DE NOTAS DO TABELIÃO. Lançado no livro de notas do tabelião, o testamento público não pode ser estenografado, nem escrito a máquina, e tem de obedecer à língua oficial do país. Cerrado ou particular, pode ser empregado sistema inteligível e usual de estenografia (E. RTTGEN, Ejirgerliches Gesetztrueh, V, 4~8) . A objeção de não saberem a escrita estenográfica as testemunhas não tem, a êsse respeito, nenhum valor: salvo se particular, pela analogia com o Código Civil, art. 1.649; se testamento cerrado, somente assistem à entrega: não ouvem (art. 1.638, IV). Assim, CEDRO FROMMHOLD (Das Erbrecht, nota 2 ao § 2.231) e A. WEISSLER (Das deutsche Nachlassverfahren, 158) . Com a consideração do uso restrito e ininteligível para todos, F. ENDEMANN, Lehrbuch, II, § 87, 283) reputa imprópria a estenografia. Mas esquece-lhe que se permite o testamento em línguas estrangeiras, quiçá exóticas, de caracteres próprios, não menos restritas e de difícil decifração. Num e noutro caso, o papel do intérprete é o mesmo. A estenografia tem outros inimigos (W. BROCK, Daseigenhtindige Testament, 76; IR. DERNBURC, Das bi&gerliche Recht, V, 72, menos rígido o primeiro). TH. ENGELMANN, na 3a edição de II. DERNEURO, refusa a opinião do jurista, e segue a de quase todos, inclusive o que está em julgados. Quanto à máquina de escrever, o caso é bem diferente: não é a mão do testador que escreve, é a máquina; outra mão, que batesse no teclado, conseguiria o mesmo. O testamento cerrado tem de ser escrito pela mão do testador, ou pela de outrem, quando não saiba, ou não possa escrever (Código Civil, art. 1.681K 1, IIJ e X). Com maioria de razão, o testamento particular, que é hológrafo. Por isso mesmo, também não podem ser emnrerados sinêtes, carimbos, ou tipos de borracha, ou quaisquer outros meios mecânicos de escrita. Bem assim, o exemplar impresso de um testamento escrito pelo testador, que serviu de original à tipografia, porém não foi exibido em juízo ao tempo da morte (E.RITGEN, Iiirgerliches Gesetzbuch, 438). Pergunta-se: se há exemplar impresso e foi criminosamente ou por acidente destruído o original, <,como se há de receber? Não é aqui o lugar da questão. Entra no caso geral de destruição acidental ou criminosa. 4.ESCRITA DO TESTAMENTO. A regra é escrever-se com a mão. Mas ao escrito particular basta ter sido “feito e assinado” (Código Civil, art. 135) ; ao testamento público, só “assinado” (art. 1.632, IV); ao cerrado, só “escrito” e “assinado” (art. 1.638, 1, II) ; ao particular, só “escrito e assinado” (artigo 1.645, 1). Não se fala em mão, nem em próprio punho.
O Código Civil alemão e o Código Civil suíço usam a expressão adjectiva eigenhdndig, que, pela formação, vale o nosso “de próprio punho”. Mas, lá, e a despeito disso, não se dá tão restrito significado à palavra. O que é preciso é que a escrita e a assinatura sejam atividade gráfica do próprio testador (F. RITCEN, Biirgerliches Gesetzbuch, 438) . Portanto, existe e vale: se, para escrever, o testador empregou caneta especial, em dedeira, em que enfiou um dedo; ou se escreveu com os pés, ou com a bôca. A exigência é dermográfica. Outrossim, se os movimentos da mão são insuficientes, vale a escrita feita pelo próprio testador com o auxílio de quem lhe segure o braço (A. WEISSLER, Das deutsche Nachlassverfakren, 158; W. BROCK, Das eigenhlíndige Testament, 90, s.), desde que o determinador seja o seu mover e a escrita se mantenha característica. Não assim, se o testador passar a ser mero instrumento, e o outro “escrever”, com a mão do testador (E. RITGEN, V, 488) ; ou se fôr usado pepal decalco, ou outro expediente, que desindividualize o testamento. Testar é função personalissin’.a. Se no testamento hológrafo outra mão intervém e se mostra haver colaborado, o problema é mais sutil. Na França, o auxílio material, vulgar nos paralíticos e nos quasecegos, ora é aceito, ora não. No fundo, a verdadeira jurisprudência é a seguinte: oart. 970 do Código Civil francês estatul que o testamento particular há de ser escrito pelo testador, mas isso com o fim da autenticidade. Assinatura e escrita provam a proveniência. Se a participação não exclui a reconhecibilidade da letra e da firma, vale a cédula. Foi o testador quem escreveu. A reconhecibili dade é pressuposto necessário e suficiente. Vai-se mais longe: otestamento hológrafo, copiado, pelo testador, de algum modêlo, que lhe forneceram, não deixa, por isso, de valer (Lion,. 28 de março de 1904) . “Nous pensons donc”, diz, a respeito, R. SAX~ATIER (Testament olographe écrit avec le concours d’une main étrangêre, Révue trimentrielte de Droit civil, 22, 811) “que M. PLANIOL est victime d’une confusion quand il écrit que l’aide matérielle apportée au de cujus vicie ou non le testament, suivant que le testament est ou nou lkEuvre spontanée et réflé chie du testateur”. Não, há duas questões: a colaboração material tem limite, que a reconhecibilidade traça; a colaboração espiritual, essa, depende do grau de atuação se exprime a vontade do testador, ainda formulada por outrem, entra no mundo jurídico, mas deixa de valer se anulável por dolo, simulação, coação ou êrro. 5. TESTAMENTO EM DOIS OU MAIS EXEMPLARES. Para maior segurança, pode o testador fazer dois ou mais exemplares do testamento. Nada Ibo obsta. Podem ocorrer diferenças, e, ai, servem de elementos interpretativos, um ao outro ou aos outros. Somente há revogação de outro ou de outros da mesma data se por outro meio, ou pelo próprio contexto, se conhece a vontade do testador, ou não tinha o primeiro à mão quando fêz o segundo, e só por isso não o rompeu (E. RITGEN, BiLrgerlichCS Gesetzbuoh, V, 439, b). 6.LINGUA ESTRANGEIRA público redige-se em língua ou artificial. O testamento nacional: o Código Civil brasi leiro não admite intérpretes. O testamento cerrado e o particuJas, conforme se exporá, podem ser em língua estrangeira, viva, morta, ou artificial. Não é nulidade empregar-se mais de uma língua, desde que se trate, realmente, de um testamento. Redigido numa, vale a disposição que se redigiu em outra. Quanto aos testamentos que podem ser escritos pelo testador (o cerrado e o particular), é livre redigi-los eta língua estrangeira, ou, até, artificial, e os caracteres (mas precisa, se particular o testamento, de ser entendido pelas testemunhas, arg. ao art. 1.649) podem ser os da língua em que redigiu as disposições, ou de outra origem. Não é nulidade grafar-se com caracteres russos, hebraicos, gregos, o que se concebeu em alemão, francês, espanhol ou português (E. RITGEN, Burgerlicites Gesetzlnwh, ~V, 488), desde que foi sério o ato de fazer o testamento. Há circunstâncias que podem aconselhar ao testador tal expediente dissimulador. Como poderiam indicar a um Brasileiro, que soubesse grego, russo ou árabe, redigi-lo numa dessas línguas. A exigência de ser o testamento paíticular escrito, todo, pelo testador, não implica que só empregue uma língua. Pode empregar mais de uma, ou uma, e mais de um alfabeto. Em testamento redigido em língua nacional, vale, por exemplo, disposição ou a parte da disposição que se grafe com caracteres exóticos. Pode ocorrer que o testador seja culto, possa ler, porém não possa compreender perfeitamente a língua. Exemplos: se testa, por testamento público, necessàriamente em língua nacional, e não a entende bem; se testa, por testamento cerrado, ou particular, preferindo a língua do lugar, que mal sabe. Ê preciso que entenda a língua a ponto de saber o que dispôe e poder exprimir-se (insustentável, a respeito, a opiniso de 11. JASTROW, Forntu.larbuch und Notariatsi’etht, 1, 176) . O Código Civil que admite o testamento cerrado em língua estrangeira, escrito pelo testador, ou a rôgo (arts. 1.638, 1, e 1.640), desde que testador e redator conheçam a língua em que se redige, ou particular, hológraf o, se as testemunhas a compreendem não admite que intérpretes intervenham no testamento público: “as declarações do testador serão feitas na língua nacional” (ad. 1.632, parágrafo único) . De modo que o estran geiro, que não sabe escrever, ou não pode escrever, e não Cunheça a língua do Brasil, para ditar as suas declarações de última vontade, somente pode usar o testamento cerrado, procurando, para isso, pessoa que o escute e redija, escrevendo, a seu rôgo, o que ditar. Não é preciso que as testemunhas saibam a língua em que se escreve o testamento; porque, nessa espécie, só assistem à entrega ao oficial e basta ao testador saber dizer ao oficial claramente, que aqueles é o seu testamento e quer que o aprove. ~ Tem de ser lido ao testador o auto de aprovação (art. 1.638, IX), traduzindo-o, como intérprete, para que o declarante entenda, a pessoa que o escreveu a rôgo e,
talvez, o assine, se o testador não souber ou não puder assinar? Volveremos a isso. Se o estrangeiro não sabe ler, nem fala a língua do Brasil, a situação é assaz embaraçosa. Não pode testar por instrumento público: não pode prestar as declarações em língua nacional (art. 1.632) ; não pode fazer por testamento cerrado: não sabe ler (art. 1.641) ; nem por testamento particular: não se admite que outrem o escreva (art. 1.645, 1). Tal estrangeiro recorre ao consulado do seu país. Cf. Tomo LVII. § 5.851. Data e lugar dos testamentos 1.PRESSUPOSTOS 1W REFERÊNCIA Á DATA E AO LUGAR. Os testamentos têm de ter data e lugar. Há atos jurídicos inter vivos que também o exigem, e nem por isso são sempre nulos. Porque a indicação não influi, ordinâriamente, de modo essencial, no conteúdo do negócio jurídico. Deve ocorrer o mesmo com os testamentos. t Que importância essencial tem saber-se qual o lugar e o dia em que o testador~ dispôs sôbre os seus bens os que até lá tiver para depois da morte? A data é de mister, já o dissemos; a falta, junta a outras circunstâncias, pode induzir falsidade, falsificação, nulidade, porém só por si não inutiliza o testamento. A lei fêz bem em não lhe reconhecer essencialidade; e, quando, a propósito de obrigações convencionais (Código Civil, art. 135), não o exigiu, foi porque atendeu a muitos casos de tais obrigações em que é uso, ou pode ocorrer, não se porem a data e o lugar. As sentenças alemãs, que se citam, e nas quais se declararam nulos, por falta de data exata, os testamentos, fundaram-se, erradamente, ~•m direito francês, proceder assaz absurdo, por ser de um Código Civil posterior, que se considerava de forte dose científica, e não como compilação de leis antigas (E. HÓLDER, Das Datum des eigenhãndigen Testaments, Jherings Jahrbucher flir die. Dogmattk, 50, 277 s.; ELiicn DANZ, Die Auslegung der Rech,tsgeschíif te 1, 108 s.). Enfim: é um dos requisitos dos testamentos particulares e cerrados a declaração do lugar em que foi feito; porém não é essencial: nos testamentos cerrados, a data e o lugar serão os da aprovação (arts. 1.638, VI-IX, e 1.643), porque essa é auto do oficial público e, quanto ao lançamento no livro, o Código Civil exige que o oficial lance lugar, dia, mês e ano em que foi aprovado e entregue, circunstâncias que podem ser diferentes; nos particulares, há de se querer que haja, no texto, a data, mas a lei não o exigiu expressamente. Certa vez, na Alemanha, se decidiu que era nulo um testamento hológrafo, em que o testador não cogitara do lugar em que escrevera. Mas as críticas ao julgado foram fortes: se prevalecesse tal doutrina, não seria possível redigir-se testamento em trem, ou em lugar das montanhas, ou dos sertões, onde estivesse perdido o testador. Por outro lado, há muitas vilas e cidades com o mesmo nome, e teria de ser nulo o testamento em que se não declarasse ô Município ou Estado a que pertencia. Demais, o sentido das palavras não resulta só da letra do documento, porém das circunstâncias que cercaram a declaração de vontade. Restam os testamentos públicos, aos quais a lei exige a data. Mas o lapso pode ser do oficial dos testamentos, pelo hábito, que todos têm, de receber os escritos ou minutas particulares e lançá-los, depois, ao livro, e lê-los na ocasião da assinatura, procedendo, quando preciso, às corrigendas. Deixou em branco a data do mês ou o próprio mês; talvez, estando em fins de dezembro, o próprio ano. Seria nulo, só por si, e sem outras circunstâncias, o testamento. Seguramente não. Quanto ao lugar, se, no texto, se alude à vivenda do testador, ou à casa da rua tal, sem se dizer o número, entende-se que foi na casa que as circunstâncias explicam (ERICH DANZ, file Auslegung de?- ReehtsgesehÉif te, § 31, 7) . O mesmo raciocínio há de ser feito quanto ao testamento particular. Entende-se inserta a data, se há a designação “data como acima”, e, antes, figura uma data (H. F’uTzsdnE, Zei Jahre Zivilgesetzbueh, 78, P.Tuoa, Das Erbrecht, Kommentar zum Schweizerisehen Zivilgesetzbuch, 327) 2.MOMENTO EM QUE SE FÊZ O TESTAMENTO. E de importância o momento em que o testador fêz o testamento. Certo, tratando-se de negócio jurídico de última vontade, pode ter sido escrito e assinado quando o entendeu o declarante, talvez em datas ou momentos diferentes. Mas há circunstâncias que fazem do dia e da hora, em que se assinou, a existência ou a validade da própria cédula. Affida assim, por exceção, ocasionalmente. Tem-se de atender à data e, até, ao momento: a) para se verificar a capacidade do testador ao tempo de testar; a) a fim de se saber, em matéria de direito intertemporal, qual a lei que há de reger a cédula; e) no caso de haver mais de um testamento, a fim de se decidir da existência, da validade ou das revogações parciais ou totais; d) para se conferir a capacidade das testemunhas testamentúrias (e.g., se já eram maiores de dezesseis anos, se estavam s~s de espírito, se não eram surdos-mudos ou cegos, se estava casada com o testador, Código Civil, art. 1.651) ; e) para interpretação do testamento, ou so1ução sôbre a caducidade dos legados (exemplo: art. 1.708, 1); f) para se apontar a causa de rutura do testamento (artigos 1.750 e 1.751) ; g) por ser o momento para se saber se a pessoa, que, a rôgo, escreveu o testamento, era cônjuge do herdeiro, ou do legatário, su ascendente, ou descendel3te ou irmão do herdeiro ou do legatário, ou se concubina do testador casado, ou amante da testadora casada, o herdeiro ou legatário (art. 1.719, 1 e III) F. ENDEMANN, que mencionou tais situações (III, 289), somente se referiu às das espécies aj, e) e e). Se não intervém qualquer questão ligada à data, seria absurdo’ pôr-se fora do mundo jurídico o testamento, máxime no Brasil, onde a data não é requisito essencial mencionado, quanto ao próprio testamento particular, pelo Código Civil, art. 1.645. A data, que consta do testamento, presume-se verdadeira. Mas pode-se fazer a prova em contrário (1’. TUOR, Das Erbrecht, Kornmentar zum Sehweizerischen Zivilgesetzbuoh, 327)
3.EVENTUAL VANTAGEM DA DESIGNAÇÃO PRECISA DO LUGAR. Tem importância o lugar em que se fêz para se saber, e.g., qual o direito que rege o ato, ou quando alguma disposição se refere a pobres do lugar em que se testou, a sociedades locais, ou contém semelhantes alusões. Se há dúvida quanto ao dimito que rege a cédula, tem-se de apurar onde se fêz. Ainda assim, nada importa se os sistemas jurídicos que se crêem, cada um com exclusão dos outros, aplicáveis, não discordam quanto à validade da forma. Aliás, nesse assunto, prâticamente, interv~rn circunstâncias que podem ser decisivas, como a permanência do testador no mesmo país (o que tira qualquer valor ao lugar da feitura), a notoriedade ou prova suficiente da estada do testador em determinado lugar durante o tempo em que poderia ter sido feito o testamento. 4.EXPRESSÀO DA DATA. Pode a data ser expressa em qualquer dos modos inteligíveis, a fortiori se usado pelo testador ou pelo grupo em que vivia. Assim, tem-se de atender àdata vulgar, digamos oficial, com o dia, mês e ano; a feita em algarismos, romrnãos ou arábicos, ou da língua do testador; em forma de fração; as abreviações decimais dos anos (30 em vez de 1930 ou XXX), como frisa II. WILKE (Erbrecht, nota 4 d ao § 2.231) ; em qualquer outro calendário, exemplos “Paimarum”, “Pentecostes”, “São João”, principalmente, pelos positivistas, no Brasil, o calendário de Augusto Comte; as fixações a partir de determinados fatos, 90 anos após a República, 50.0 ano de vigência do Código Civil (F. RITGEN, Búrgerliches Gcsetzbuch, 489), no dia do meu sexagesimo aniversário (GEORG FROMMHOLD, Erbreokt, 2 b; E. RÔLDER, Das Datum des eigenhãndigen Testaments, Jlzerings Jcthrbiicher flir die Dúgmatik, 50, 808), no dia do nascimento do meu filho Antônio, cinquenta dias depois da debandada das fôrças comandadas pelo general IX. É possível, portanto, datar indiretamente, aludindo-se a fato anterior, cuja data o testador conhece (o caso do aniversário), ou não conhece, tendo apenas contado os dias após algum, que lhe lembra, porém infixável pelo calendário, O último caso é vulgar nas guerras: perde-se o fio dos dias. Não se usa exprimir em letras os números (FRANZ LEONHÂItD, Erb’recht, 881) Mas, se as circunstâncias mostram que o testador empregava tal expediente, tem-se de atender, pois que é (na espécie, como em geral) mais seguro. Pode vir no comêço, no fim e também no texto das declarações (W. BROCK, Das cigenhàndige Testarnent, 86 s.). Assim no Brasil, como alhures. Tratando-se de testamento público ou cerrado, a data escrita pelo oficial terá de obedecer à lei do Estado a que pertence. Mas seria sacrificar-se o fundo à forma, por mera troca de lugar, admitir-se que se ferisse, em sua validade, o testamento. Nunca nos deve esquecer o caráter instrumental que tem o tabeliâo. Aliás, declarado nulo, responde êsse. Muitas vézes surgem testamentos particulares dentro de sobrecartas, cosidos, ou lacrados, e datados por fora. Se dentro não há outra data, tem-se de considerar a do testamento, salvo prova em contrário. § 5.852. Assinaturas dos testadores 1.ESPÉCIE DE TESTAMENTO E ASSINATURA DO TESTADOR. . Seja de próprio punho a assinatura no testamento particular, onde é requisito essencial (Código Civil, art. 1.645, 1), seja no testamento cerrado, ou no público, a rôgo do testador (artigos 1.633, 1.638, III eX, 1.689 e 1.640), a assinatura é como o sinal revelador e comprovante do ato de testar, personalissimo, como é. Mas as questões surgem. Os testamentos precisam ser assinados com o nome inteiro? Não. Aqui cabe atender às circunstâncias. Entende E. STROHAL (Das deutscke Erbreckt, 107) que não basta, por exemplo, dizer: “vosso pai”. Mas, discute ERJCH DANZ (Die .4usfrgung der Reektsgeschaf te, 241, nota 1), se, no testamento, estâo, com a letra do pai, os nomes dos filhos, ~ é absolutamente preciso que esteja o do pai? Se A escreve carta a filhos,, dizendo: “Não há inconveniente que eu seja fiador do empréstimo que pretendes de X. Entrega-lhe esta carta e êle te emprestará o dinheiro que desejas. Teu pgi”. Há ou não fiança? Sustenta que sim e invoca os §§ 766 e 126 do Código Civil alemão. TAnos visto rubricas quase ilegíveis e apostas a do. cumentos de milhares de cruzeiros novos. ~ Deixam por isso da existir? O critério há de ser o das necessidades e verdade dos fatos, o critério da vida. Existe, portanto, a assinatura, ainda. abreviada, que, por si, ou com o auxílio do conteúdo da cédula, identifique o testador. Exemplos: Joâo do Rio (pseudônimo), Pedro (Pedro II), ou só P., Freitas (Teixeira de Freitas), Abaeté (Visconde de). “Eu, Antônio, dono da fazenda B, lego aos meus filhos José, Joaquim, Inácio, Maria. (assinado) Antônio”. Quanto às abreviações reduzem nomes a letras iniciais, lê-se em F. RITGEN (Ehirgerliches Gesetzbuch, V, 439),.não bastam. Mas cumpre ter-se sempre em vista que a assinatura visa a individualizar, e a abreviação pode não prejudicar tal função do nome escrito. Portanto, sôbre simplista, deve ter-se por inaceitável a so1ução. As abreviações valem até onde não desfazem o papel mdividualizador da subscrição. A firma (comercial) não deve bastar, porque só se emprega para o comércio (F. RITGEN, Elirgerliches Gesetzbuolz, V, 439) Contra isso escreveu A. WEISSLER (Das deutsohe Nacltlassverfa.kren, 158). Mas HEINRICH WJLKE (Erbrecht, nota 4 b ao § 2.281) prudentemente deixou à apreciação cio juiz. Procedendo à melhor análise, digamos: se a firma (nome individual de
comércio) corresponde a parte do nome, de que o testador passou, há tempos, a usar de modo exclusivo, ou individualiza suficiente e indubitàvelmente o signatário, deve o juiz considerá-la bastante. Outro fim não tem a assinatura do testador, que o individualizá-lo. Há muitos outros casos. 2.CARACTERES DA ESCRITA. O testador pode escolher os caracteres da sua escrita. Não é de mister que os da assinatura sejam os mesmos usados na redação do testamedo. Pessoa que usasse os caracteres gregos, russos, hebraicos, góticos, na grafia do nome, poderia, com éles, assinar o que noutra escrita, ou r.a mesma, testou. 8.ILEGIBILIDADE. Nào é de some os importância o caso da ilegibilidade. Pode tratar-se da assinatura do testador, simples garatuja. No direito comum alemão (L. VON RÓNNE, Ehgãnzung und Erlãuterung des Allgemeinen Landreehts, 1, nota 8a ao § 116 do Preussisches Aligemeines Landrecht), tinha-se por ineficaz a em que se não pudesse ver um irmão: gatafunhos não são nomes. Mas isso era bem relativo (C. F.‘.7ROCH, Aliegerneines Landrecht, ao § 116) uma coisa legivel, e outra incompreensível. Se os traços da firma correspondem, cosidos uns aos outros, às letras do jiorne, de modo que o figurem, o chamado ilegivel pode bastar (II. DERNBURG, Das búrgerliche Reoht, 1, 401) Também pouco importam erros de escrita, comida habitual de letras, geminação mecânica, u e n, m e w ou iii, escritos indistintamente. Há favor scripturae, que se impõe (EUGEN JOSEF, Unleserliche und undeutliche Unterschriften, )iJeutsche Juristen-Zeitung, VIII, 271). Se o testador escreveu o testamento, e se prova usar assinatura difícil, abreviada, simplificada até à extravagância, a sua letra, no texto, favorece a solução. Compreende-se que a alguns não pareça deva prejudicar o testamento hológrafo a ilegibilidade da assinatura. Assim, MICHEL (Die Rechtsunwirksamkeits unleserlicher Namensunterschriften, Deutsohe Juristenzeitung, VIII, 141). Mas assinatura e sinal, ou assinatura de cruz, não são a mesma coisa. Quando a lei diz “assinado”, quer dizer subscrito com o nome. Errado, deformado pela presteza com que se faz a letra trêmula ou fugitiva, quiçá extraordinàriamente corrida; mas nome. Coisas que simbolizem o nome, assinaturas de cruz, a lei não quer, e se é nome, ou se é símbolo dele, decidem as circunstâncias. Má letra não é o mesmo que traços a que nunca se atribuiu serem letras, mas algo em vez de letras. § 5.853. Disposiçôes sôbre quantidades (inteiros, frações) 1. LETRAS E ALGARISMOS. Quantias e quotas podem ser em algarismos. Não é de mister o emprêgo de palavras em letras (FRANZ LEONHÂmo, Erôrechi dos BGR., 381; A. ESCIJER, Das Erbrecht, Kommentar zum sekweizerisehen Zivilgesetztuck, 88) 2.INDICAÇÕES DEPENDENTES DE AVALIAÇÀO OU DE RENDA. O testamento pode sujeitar à avaliação do bem, ou dos bens, o quanto que há de corresponder à herança, ou ao legado. Outrossim, ao preço que se adquira com a alienação. Não é óbice à determinação fazer o testador dependente de saber qual oquanto aquilo que êle deixa ao herdeiro ou ao legatário (e.g., se os edifícios fórem avaliados em tanto, deixo a A o edifício a, a 13 o edifício b; ae em menos, deixo a A e E, o edifício a). § 5.854. Extravio e destruição dos testamentos 1.TESTAMENTO E REQUISITOS. São caracteres essencialmente constitutivos dos testamentos (não exclusivos, porque há outros atos que os exigem) a personalidade, a revogabilidade e a solenidade. Em conjunto, nenhum ato jurídico apresenta tão nítidos e necessários os três caracteres. Que êle é meramente pessoal deriva do seu conceito e do Código Civil, artigo 1.626. Do mesmo princípio resulta a livre revogabilidade que o caracteriza: revogável é o mandato, mas pôde ser irrevogável; a revogabilidade do testamento é inderrogável. Que é solene e quais as solenidades, dizem-nos os arts 1.629-1.663. Foi reportando-se ao requisito de solenidade que a definição de M. A. COELHO DA ROCHA (Instititições de Direito Civil português, § 673) atendeu ao caráter de ato solene. As solenidades testamentárias são, pois, ad solennitatem, e não ad probationem: a falta é insuprível. Dai o problema que surge, se um testamento fôr destruído ou extraviado. 2.TESTAMENTO E REVOGAÇAO, NO DIREITO ROMANO. No Direito Romano, morto o testador, sem ter revogado o testamento, subsistia êsse, ainda quando tivessem sido despedaçadas as tábuas. Tal o direito civil. Mas, se continuava a valer inre czvili, não ocorria o mesmo jure praetorio: completamente destruidas, deliberadameilte pelo testador, ou contra a sua vontade, não concedia o Pretor aos herdeiros inscritos a bonorurt possessia (L. 1, D., quando dies legatorum vel fideicommissorum oedat, 37, 2) . Operada, consulto, a destruição, dava-se a exceptia
doU a quem obteve, ab intest ato, a bartorum possessio. contra o herdeiro testamentário, que pretendesse, jure civiti, a herança. Quanto aos legados, se a destruição foi voluntária, negavam-se as ações aos próprios legatários (L. 1, § 3, D., de lãs quae in testamento delent’ur inducuntur vel inscribuntur, 28, 4) 3.Exm.AvIO E DESTRUIÇÃO Do TESTAMENTO NO DIREITO CONTEMPORÂNEO. No século XVII, discutiu-se na França a questão da prova testemunhal para reconstituir testamento hológraf o que se extraviara. O Parlamento de Paris, a 23 de junho de 1650, admitiu a prova. Ainda hoje se decide que, sendo certo ter existido e fortuitamente ter sido destruido o testamento, podem ser provadas por testemunhas as disposições de última vontade. Com isso não se infirma a lei da exigência da escrita na feitura dos testamentos (Grenoble, 6 de agôsto de 1901). Se o testamento foi desfeito por terceiro, houve delito na supressão e pode ser condenado a perdas e danos o responsável (Cassação, 11 de junho de 1882) . Destruído, presume-se-lhe a regularidade formal (8 de dezembro de 1902). No direita italiano, havia quatro opiniões diferentes: a que negava, de modo absoluto, a admissibilidade da prova; outra, que só a aceitava se houvesse culpa (violência, dolo) e, no caso fortuito ou de fôrça maior, se o herdeiro ou legatário não deu causa ocasional à perda (CESARE LOSANA, Successioni testam entarie, nota ao art. 804) ; sem a última distinção, G. BTJNrVA (Delie Succes sioni legiltime e testamentarie, 104), E. RICCI (Corso teoricopratico di Dirítto civite, III, n. 24) ; outros só admitem a exceção da admissibilidade se houve propósito do herdeiro ou legatário, por entender~se renunciada a sucessão (V. VITALI, Delia Suecessioni testamentarie e legiltirne, 1, n. 217) . Hoje, a regra é permitir-se a reconstituição, e à crítica de se tratar de escrita ad essentzam, e não ad probatianem, responde-se que outros atos há, de igual natureza, com os registos civis, que também se reconstituem. Ia-se além, citava-se a Lei italiana de 2.0 de julho de 1919, que regulava a recomposição de atos e repertórios notariais nos territórios ocupados por inimigos ou danificados por operações de guerra (VínoRio POLACCO, Delie Suecessionz, 171) . A prova, inclusive presunções, no caso de supressão delituosa, recai sôbre o intrínseco e o extrínseco. No direito alemão, também se admite a reconstituição do testamento destruído ou extraviado por acaso, ou Por culpa de terceiro (E. ENDEMANN Lehrbuch, III, 294). A respeito, diz o art. 510, alínea 2,a, do Código Civil suíço: “Wird die Irkunde durch Zufaíl oder aus Verschulden Anderer vernichtet, se verliert die Verfúgung unter Vorbehalt der Ansprtiche auf Schadenersatz gleichfalls ihre Gúltigkeit, insofern ihr Inhalt nicht genau und vollstãngid festgestellt werden kann”. Na edicão francesa: “Lorsque l’acte est supprimé par cas fortuit ou par la faute d’un tiers et qu’il n’est pas possiMe d’en rétablir exactement ni intêgralement le contenu, le testament cesse d’être valable; tous dommagesontéres demeurent réservés”. A. EsCRER (Das Erbrecht, K.ommentar zum schweizerisci:en Zivil,qesetzbuch, III, 96, 97) figurou vários casos de terceiro culpado. e de acasos. A destruição é qualquer: laceração, rompimento, fogo, lançamento na água corrente. Mas o simples fato de atirar longe não basta para a revogação perfeita. Se contra a. vontade do testador foi isso (e só se pode presumir a de conservar), é de tentar-se a reconstituição. Assim, se virou a. lâmpada e se queimou o testamento, morrendo em seguida o testador, ou se, perto da morte, ao queimar papéis, inadvertidamente queimou a cédula testamentária (cf. EUGÊNE CURTI -FORRER, Commentaire, 404). 4.DIREITO CIVIL BRASILEIRO. O Código Civil nada diz sôbre a reconstituição das cédulas, O art. .1.749 toca, de longe, o assunto. Aliás, omite êle, a respeito de outros atos, a chamada prova equivalente (cf. art. 180, V, diferente do art. 80, 1). Mas seria absurdo levar a conseqúências extremas o conceito de forma ad essentiam. Ações anulam escrituras, ~,por que excluir-se a possibilidade de, por elas, se obter a ressurreição do ato que o caso fortuito ou a fôrça maior ou o crime de outrem materialmente destruiu? Seria gravíssimo para a ordem pública e estariam feridos de morte atos como os pactos ante-nupciais, as adoções, os contratos constitutivos ou transíativos de direitos reais acima de determinado valor (art. 134) e os assentos de óbitos e de casamento (art. 195). Queimado o cartório, perdida a certidão, ~. que se havia de fazer? A solução brasileira tem de ser no sentido do que poderíamos chamar o direito comum dos povos. Com as duas guerras mundiais e as conseqúêntes invasões, evidenciou-se a importância do problema jurídico da destruição e do extravio dos testamentos. Não mais se teve dúvida sôbre a reconstituição por meio de testemunhas e presunções. Elemento probante de valor foi, particularmente, o depoimento do notário perante quem se fizera, ou, até, em cujas mãos se depositara o testamento hológraf o. Na França, invocou-se o Código Civil francês, art. 1.348, 4,0, que permite reconstituir-se o instrumento: “Au cas oh lo créancier a perdu le titre qui lui servait de preuve littérale, par suite d’un cas fortuit, imprévu et résultant d’une force majeure”. Aplicação forçada, porque: a> Admitido que se tratassem, sob 4omesmo princípio, testamentos e atos enLre vivos, seria tornar-se possível a reconstituição de cédula extraviada ou destruída, em vida do testador, o que importaria conseqtiências absurdas. (Escrito testamentário não é probatório, mas constitutivo de direito.) b) O art. 1.348, 4,0, somente poderia ser invocado se o interessado provasse a destruição por determinado caso fortuito ou de fôrça maior. Ora, se, no momento da morte, existia o testamento, ou se o testador não revogou o que fêz e morreu nessa crença, deve subsistir o testamento, qualquer que seja a causa de desaparição ou de aniquilamento: a exigência da prova de caso fortuito ou de fôrça maior ofenderia os direitos dos herdeiros e legatários. No direito
francês, portanto, erra a jurisprudência (Chambre de Requête, 12 de junho de 1882 e 15 de novembro de 1926) em aplicar aos testamentos os arts. 1.341 e seguintes do Código Civil francês (E. SAVATIER, Possibilité de réconstituer un testament détruit et de la rendre efficace, Révvc trimestrielie de Droit Civil, 26, 241) . O que se quis foi chegar a consequências práticas, prover a necessidade de reconstituir os atos. Mas, então, ~por que a hipocrisia de critério legal concernente a atos de tão diversa natureza? A verdade está noutro ponto: a rúconstituibilidade é princípio geral de direito, que não vem formulado nos Códigos Civis e ao qual o Código Civil suíço dedicou criteriosa alínea (art. 510, alínea 2~a)• Testamento extraviado, ou destruído, em vida do testador, somente pode ser reconstituido se fica provado que o testador ignorava o extravio ou a destruição, e cria, ao tempo da morte, deixar testamento. Ou se, ao tempo de saber, estava louco. Reconstituido o testamento, os interessados têm a ação de petição de herança, e não só a de ressarcimento do dano contra o autor do extravio ou da destruicão. 5.CASOS SIMILARES DE ATINGIMENTO MATERIAL. F. ENDEMANN (Lehrbueh, III, 294)2 figurou interessante caso que toca à revogação e à destruição ou ao extravio. O testador entregou ao advogado ou testamenteiro o testamento. Perto da morte, chama-o, ou vai procurá-lo, e ordena-lhe que o rasgue. Quiçá êle mesmo o rompa. Mas anda doente o testador e desconfia-se da sua sanidade mental. Então, em vida, pelos que podem pedir interdição, ou, depois de morte, pelos interessados, promove-se a decisão preliminar sôbre tal capacidade. Se fica resolvida a questão no sentido negativo da testamentificação ao tempo da ordem de romper ou de destruir, a destruição é como se não tivesse ocorrido. Dar-se-á o processo para reconstituir a cédula. Isso, que se diz sôbre a completa destruição ou extravio, também se há de aplicar para as destruições parciais. A.ESOHER (Das Erbreeht, Kommentar zum schweizerischen Zivilgesetzbuch, II, 97) por sua vez imaginou o seguinte: o testador, ouvindo algum rábula, algum Rechtskundiger, algum juriscorisulte marron, pensa que não usou forma adequada e rompe o testamento, que, não obstante, existia e era eficaz. O jurista suíço considera caso fortuito, do que discorda EUGÊNE CURTI-FoRam (Commentaire, 404). 6.PROVA DA ACIDENTALIDADE ‘OU ATO DE OUTREM. O Onus da prova compete, em regra, a quem pede a reconstituição. Se uma coisa se há de presumir é que foi o testador que deu fim ao testamento. ~ lição geral do direito: no francês (BATiDRY-LACANTINERIE et COLIN, Traité théorique et pratique de droit civil. Des donations Entre vil a et des testaments, II, 386; K. 8. ZACHAIIIAE-LINGENTHAL, CARL CROME, Ifandbuch des franzõsischen Rechís, IV, 490) ; no direito austríaco, W. BROCR (Das eigenhdndige Testament, 106), no direito suíço, A. ESCHER (Das Erbrecht, I
destruição por culpa de outrem, responde o culpado pelos danos que se causaram. A prova dêsses pode ser difícil, mas as presunções são meio de prova (art. 136, V) 9.TERCEIRO INSTRUMENTO DO TESTADOR. Pode o disponente incumbir outra pessoa de romper o testamento. ~ como se fôsse êle próprio. Dizer e fazer são dois modos de exprimir vontade. Mais ainda: pode não rasgar, nem mandar rasgar, e ser o testador o verdadeiro autor da destruição ou do extravio. II~ o exemplo de L. PFAFF e F. HOFMANN (nota ao § 722) no testamento, o testador deserda o filho; um amigo, a quem mostra, ou a quem conta, toma a cédula e, diante dele, rompe. Passa-se tempo, e o disponente não volta a redigir. Só se pode presumir a revogação de tal cédula. Está visto que achou avisado o conselho implícito e acolheu o ato de gestão, que a seus olhos praticou o amigo. 10.QUAL A LEI QUE DEVE REGER A DESTRULÇAO E EXTRAvIO DO TESTAMENTO. .. Cumpre distinguir: a) se a destruição foi devida ao testador, importa revogação, e ver-se-á mais tarde; b) se atribuível a fôrça maior, ou a outrem, sem intervenção do testador, não é revogação, e o direito internacional privado tem de assentar que uma lei regule a reconstituição. Se não o admitisse, cairia no absurdo de deixar intestado o que morreu em lugar que não admite a reconstituição, admitindo-a, no entanto, a lei do testamento extraviado ou destruído, ou a do próprio testador. Tudo aconselha a se tratarem tais assuntos como de direito civil comum, e não com os velhos critérios, que pouco resolvem, de conflito de leis ou de cega aplicação da lez icei. Contudo, a espécie da letra a) precisa ser versada em lugar devido, a propósito dos arts. 1.746-1.752, com o desenvolvimento que merece a delicadeza das questões. Se o testamento foi destruído no regime da lei A, claro que se reconstitui conforme ela. Mas se, feito sob a lei A, fôr destruido pelo testador sob o domínio da lei E, é questão de revogação, e a revogação só se rege pela lei nova, salvo se, sob a lei A, havia efeitos de irrevogabilidade, como os contratos de herança e pactos sucessórios, que a lei nova pode abolir, porém não, no passado, desfazer. Mais largamente se exporá o assunto a propósito dos arts. 1.746-1.752 (revogação). A destruição por outrem, sem intervenção do testador, ou por fôrça maior, rege-se pela lei A, se feita sob a mesma lei, ou sob a lei E; pela lei nova, somente se, feita sob essa, a lei A não permitia e a lei B veio permitir. § 5.855. Formas testamentárias 1.FORMAS TESTAMENTARIAS NO CÓDIGO CIVIL. Diz o Código Civil, art. 1 .629: “Êste Código reconhece como testamentos ordinários: 1. O público. II. O cerrado. III. O particular”. O Projeto primitivo, no art. 1.801, dizia: “Éste Código reconhece como testamentos ordinários: 1.0 O público, escrito por tabelião; 2.0 O cerrado ou místico; 3.~ O hológrafo nu particular”. E o Projeto revisto, art. 1.966: “O testamento ordinário é de quatro espécies, a saber: a) público, ou feito por tabelião; b) cerrado, com instrumento de aprovação; e) particular, ou escrito pelo testador; d) nuncupativo, ou feito de viva voz”. Mas a Câmara dos Deputados excluiu o nuncupativo. Note-se que o Projeto primitivo chamava místico ao testamento cerrado, o que, usado em escritores daqui e dalémmar, constituía errada terminologia jurídica. Fêz bem o Projeto revisto em corrigir-lho. 2.TEMPOS PRIMITIVOS. Na tribo, o homem não poderia pretender que a sua vontade prevalecesse, menos ainda depois da morte. Tal o direito de todas as organizações primitivas: o nulium testarnentum de LiCITO, quanto aos Germanos, vale para todas elas. Ainda hoje, antes o dissemos, o direito hindu. Já sob a influência das idéias inglêsas, que o modificaram, o poder testamentário não passa do direito que rege as doações entre vivos (Tagore vorsus Tagore, L. R. Sel Ind., 64; WEST and J. G. BÚHLER, A Digest of Hindu Law ol Inferitanto, Partilion, and Adoption, 1, 182). Compreende-se que o antigo Egito o tivesse recebido dos Helenos sob os Ptolomeus (E.RÉvILLCUT, Les l?apports historiques ot légaux dos Quintos et des Egyptiens, 118) : Amásis não quis o testar, que Siion intentara. Os Egípcios tinham o expediente de inventariar o que havia na casa, submetendo-o ao dia (autoridade régia), que o aprovaria para o efeito de se operar a sucessão, loro anima, e outros, que serviam, na falta dele, a tais fins. Assaz subordinados a leis, todos os povos passam pelos mesmos pontos. São os ciclos. 3.FORMAS INICIAIS DOS TESTAMENTOS ROMANOS. GAIO -falou de duas maneiras de testar: o testamento calatis comitiís, em tempo de paz, em dias fixos do ano, diante da assembléia das cúrias (já falamos do valor legislativo do ato), e o testamento in prooinctu, feito em guerra, ‘antes de começar o combate, perante o exército. Em suma: ambos perante o povo. Melhor: perante o grupo social, ali, mais largo, representado pelas cúrias; aqui, devido às circunstâncias, perante a fôrça armada. Sabemos qual é a lei cíclica da evolução social (Introdução à Sociologia Geral, 242), fácil compreendermos os indícios-religiosos do instituto: no testamento calatis cornitiis, o testador declarava a sua vontade perante os comitia calata, submetidos à autoridade religiosa, quiçá pelo próprio grande pontífice, ou, em nome dos pontífices, pelo noz sacrorum.. Para Til. MOMMSEN (Rõmisclto Chronolo pio, 241 s.), os dias seriam 23 de março e 24 de maio, momentos de reunião forçada dos comicios. Mas não
surpreendeu que se objetasse, sem razão, serem assaz próximos. Não foram fixados para isso. O ato do testamento não poderia ter tal importância. Com o tempo, foi descorando o caráter religioso-político, portanto, legislativo do testamento comicial. Caiu em desuso antes de findar a República. Há documento: em processo de 605 de Roma já se supõe só existirem o testamento por aos et libram e o in prooinotu. No testamento de guerra, o povo armado é mais testemunha que o dos comícios. Donde se quis inferir que só se introduziu quando a legislatividade do testamento comicial já se havia apagado. No tempo, portanto, em que não era de mister a derrogação solene da lei geral de sucessões. As XII Tábuas traziam disposições relativas aos legados. LUDWIG MITTEIS, (Rômisofles Privatrockt, 1, 81), e com êle PAUL VINoGRAUOFF. lêem o texto de Ulpiano itti logassit super pecunia tutolave surte rei ita iws oslo, como se considerasse disposições auxiliares do testamento os legados e tutelas, restringindo os legados à pocunia. Certo, não seguiríamos a teoria de EDWARD CUQ, de E.EHRLICH e de OTTO LENEL, que fazem o sistema testamentário derivado dos lo gata, nem a explicação puramente política (PIETRO BONFANTE, Stonia ‘doí Dinitto romano, 159) da heredis institutio (parece-me roiigioso-polítioa e só mais tarde político-jurídico-econômica, no sentido confirmador do ciclo social) mas o legassit do texto prováveimente se referia à deixa, e não ao legado no sentido estreito, que, hoje, é o sentido técnico. O testamento, que veio constituir o segundo modo ordinário de testar, foi o testamento por aos ot libram: a pessoa que dispõe, aliena o patrimônio, nas formas da emancipação, com a balança e o pedaço de metal, perante o libnipons, as cinco testemunhas, em proveito de terceiro, o familao em pior. Donde o número 7, que várias vêzes encontramos nas formalidades testamentárias, e o 5, de que ainda nos não libertamos. A principio, o familiae empior exercia o papel verdadeiro de quem herda. Depois, passou a mero figurante, com a notificação por escrito ou oral do verdadeiro herdeiro instituído. A explicação sociológica dêsses fatos, já a expusemos longamente, na Introduçdo à Sociologia Coral. Além das duas formas do testamento por aos eI libram dos tempos históricos, vem a eliminação, pelo Pretor, de tudo quanto era, ao seu tempo, inútil e obsoleto: a supérflua reminiscência da nianoipatio familirte, a própria nutuntpoitio, De que só restava o nome. No testamento pretoriano, o que e essencial é o escrito e a apresentação às testemunhas. 4.TESTAMENTOS NO DIREITO POSTERIOR ROMANO. Além do testamento perante sete testemunhas e por declaração perante o tribunal, o direito canônico permitiu terceira forma, perante o pároco e duas testemunhas. Quase nada se exigia ao “contrato de herança”. Mas GUSTAV HARTMANN (Zur Lo/ao vou dou ErbvertrÉigo’n, 44 s.) e OTO STOBBE (Handbuch. dos deutschen Privatrechís, V, § 311, V) opunham-se a isso, no direito comum alemão, e seria, certamente, inadmissível que à instituição irrevogável não se exigissem formalidades especiais (J. CII. HASSE, Rhoinisches Museum 11 Jurisprudouz, II, 291). O testamento romano tinha as sete testemunhas, oral (testamentum por nuncupationom), provàvelmente com referência a documento tido por terceiro (J. A. SEUFFERT, Archir, 19, 243), nunca sem a leitura (CITa. FR. vON MÍIHLENBRUCH, em CUR. ER. VON GLÚCK, Ana fiihrlieho ErlÉiutorung der Pandeetou, 35, 13 a.), ou mediante escrito, mostrando às testemunhas, subscrito pelo testador em presença delas, e por elas subscrito e sigilado em presença do testador. Era indiferente que o tivesse escrito, ou não, o testador. Justiniano estatuiu que, pelo menos, o nome do herdeiro fôsse da mão do disponente (L. 29, C., de tosta-mentis: quemad’rn’o dum tesíamenta ordinantur, 6, 23; § 4, 1., de tostamontis ordinandis, 2, 10), porém êle mesmo o revogou (Nov. 119, c. 9). Podia fechar-se e a assinatura ser posta no envoltório (L. 21, C., 6, 23) . Esc,yito pelo testador, era dispensável a assinatura, uma vez que dissesse tê-lo escrito (L. 28, § 1, C., 6, 23). A aposição da data não era necessária (PH. E. HUSCHKE, Jurisprudentiae Anteiustinianea, 527; Cita. FR. VON GLÚCK, A usf ii frUe/te L’rWuíorung dos Pondo eteu, 34, 468 s.). Era requisito a unitas actus: havia de ser feito sem interrupção (L. 21, § 3); mas, se, durante a feitura, o testador ou alguma testemunha saía por exigências corporais, uma vez que não demorasse muito, se não feria a imitas (L. 28, pr.). Se uma delas adoecia, podia chamar-se outra. Quanto ao testamentunt perante o tribunal, podia ser oral ou com referência a escrito, que se entregasse (Cita. FR. VON GLÚCE, 34, 188). Não era de mister a subscrição pelo testador. Se era cego, devia ler-se-lhe 1 § 5.855. FORMAS TESTAMENTÁRIAS -o documento entregue, expediente assaz plausível (S. A. SEUPFEIa, Ã4rchiv, 1, 855). Se, vendo, não sabia ler, surgiu a questão (Cna. Fa. voN GLÚCE, 34, 47 s.; A. F. J. THIBAUT, tTber Testa-mente der 5chriftunkundigen, Archiv fúr dio civilistiache Pra-xis, VI, 226; R. vON HOLZSCIIUHER, Thoorio imã Casuistilo, II, § 143, nota 7, e J. A. SEUFFERT, Archir, VIII, 273; 21, 242). Sêbre o assunto, G. L. WINKLER. O juiz autenticava o testamento, fôsse oral, ou fôsse em documento apresentado, mas é digno de notarse que se não exigia a aposição da data no protocolo, pelo menos é o que se supêe, e o que foi julgado no direito comum (J. A. SEUFEERT, Árchiv, 39, 117). Era inadmissível a declaração por meio de mandatário. O tribunal podia enviar deputação ao lugar em que se achasse o testador (Cita. FR. VON GLÚCK, 84, 189). Vejamos a origem de tais testamentos romanos: 1) a) O testamento privado procedeu do testamento por aos ot libram e do pretoriano; b) O testamento nuncupativo foi simplificação daquele. Eliminou-se-lhe a manciloatio e com ela se foram (PAUL FitÉDÉRIC GIRARD, Mainwi élémeutairo ‘de Droji romftifl, 809) o libripens e o eniptor
fanviliao (donde, em vez de sete, cinco testemunhas) ; mas a Constituição de 439 (Theodósio e Valentiniano) restaurou o número sete, com o carater de simples testemunhas. o) Por escrito apresentado pelo testador, chamado testamentnm tripartitidas e criado em 439 (Nov. Theod., 16, 1), teve no próprio nome as origens: o concurso das testemunhas; a unitas actua do testamento comicial, que o por aos ot libram manteve; o número sete do pretoriano, e a exigência dos signa das testemunhas; a subscrtpto pelas testemunhas e pelo testador, ou por elas e oitava pessoa, o subsoriptor, se o testador não podia escrever. O próprio nome triparlitum narra-lhe a história. 2) O testamento público tinha duas formas: a) Apud acta condituifl, reconhecido, porém não introduzido pela çonstituiçãO de Theodósio e de fionório, em 413, fazia-se perante o magistrado judicial, ou perante as autoridades municipais (E. C. vON SAvIGNY, Susíeis, 1, ns. 27 e 28) . LUDWIG MITTEIS (Reichsretht imã Vollcsroeht, 95, n. 4) cria-o de origem helênica, o que a papirologia confirma (Pap’z jr. Oxyr., 106, do ano 135, e 107, do ano 123). b)Tostamentitm princ*pi oblatuim, que se entregava a guarda do príncipe, e cuja estrutura é assaz compreensível. Mas da origem helênica não se tire que as formalidades fôssem essenciais no direito grego. Nesse, o ar que se respirava era sempre de mais liberdade. A lei ática mais espiritural que a romana: solenidades duras, imprescindíveis, seriam prisões, que repugnariam à alma grega. O que era essencial na Grécia consistia naquilo a que, mais cedo ou mais tarde, arrebentando os grilhóes históricos, havia de chegar: a vontade do testador. Só nas origens se vê a exigência da presença do archonte (FUSTEL DE COULANGES, Nouvelios recherchos, 136) . Na época dos oradores, as formalidades são aconselháveis, porém não exigidas por lei. No direito canônico, as facilitações a favor da Igreja foram amplíssimas. As disposições em benefício dela não precisavam de rigor de forma; e a prática estendeu a regra jurídica da Decretal às fundações, ‘discutindo-se, então (CHR. FR. voN MTJHLENBRUCH, 42, 131 5.; R. VON HoLzscIiuani, Thcorie uná Casuistile, II, § 138, n. 2), os limites da aplicação extensiva. 5.ORIGENS DE FORMAS DO DIREITO HODIERNO. O testamento cerrado lembra o que h;via no direito romano, porém são diferentes as solenidades. Tinha o direito romano o testamento nuncupativo, verbal, ao tempo da morte, que, depois, se proibiu. Os testamentos públicos, que houvemos das Ordenaçóes, criou-se no uso das nações, e bem assim o particular (MANUEL ÁLvARES PÊGAS, Commentaria ad Ordinationos Regni Portugaliae, IV, 241, 89-65). Em 1512, ao tempo, em Portugal, das Ordenaçóes Manuelinas, o imperador Maximiliano adotou expressamente na sua pátria (SAMUEL STRYK, D.3 Canto lis testamentorum, 15, § 45) o testamento público, como o da Ord. do Livro IV, Titulo 80. Nem êsse, nem o particular necessàriamente hológrafo, foram de fontes romanas: e quase sempre é impróprio buscarem-se elementos naquele direito para se resolverem problemas. Cumpre, porém, advertir em que os Alemães, muito antes de Maximiliano, já tinham o testamento público (A. HEUSLER, Institutiouen dos deutsehen Privatrechts, 647) . Há documentos de 1265 e 1295 (GUDENUS, Sylloge variorum diplomatariorum, s. 618 e 628; TR’OUILLAT, Monuments, II, n. 278) . Conforme se há de ver, o direito romano não conheceu a exigência ordinária da holografia. 6.DIREITO ANTERIOR AO CÓDIGO CIVIL URASILEIRO. Além das formas que hoje tem o Código Civil brasileiro (póNico, cerrado, particular) e as especiais dos arts. 1.656-1.663, havia no direito anterior o tratamento especial ou privilegiado, permitido aos doentes em perigo de morte, nuncupativo, perante seis testemunhas, que ouvissem e entendessem a disposição (Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 80, § 4.0) . Pela praxe, tinha-se a forma testamentária de mão comum, com o qual testavam, conjuntivamente, marido e mulher, no mesmo papel e para o mesmo ato (ÁLVARO VALASCO, Consultatilvo et Decisionum, 21) . Os pressupostos de validade eram os mesmos dos outros testamentos, porque, em verdade, so havia de nôvo o elemento da conjuntividade. Se simultâneo, era livre a revogação. Se recíproco e correspectivo, cumpria atender àdistinção, conforme diremos a propósito do Código Civil, artigo 1.630, que hoje explicitamnte o proibe. Os codicitos tinham maior extensão que hoje. As ordenações Filipinas, Livro IV, Título 86, pr., definiam-nos como “disposição de última vontade sem instituição de herdeiros”. Os pactos sucessórioss eram proibidos (Livro IV, Título 70, §~ 3 e 4). Excetuavam-se: os que versassem sôbre herança de terceiro, se consentidos por êsse, mas sem que êsse perdesse a faculdade de mudar de vontade (JORGE DE CABEBO, Praticarum Observationum, 1, d. 164, n. 5); quando contivessem doaçoes para casamento determinado, ou se houvesse estipulado em contratos antenupciais (Lei de 17 de agôsto de 1761, § 8; MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA, Notas de uso prático, II, 509; COELHO DA ROCHA, Instituições ‘de Direito Civil português, § 781) . Mas havia controvérsias sutis. 7. DIREITO INGLÊS. O direito inglês não tem o contrato de herança. Mas (é assente) cabem disposições sôbre sucessão nos marriago settiements (contratos nupciais), que mais se prendem ao direito de família (WILLIAMS, Persolial Property, 16.~ ed., 506). Desde o Neío WiivoAct de 1837 que se pode testar sôbre móveis e’ imóveis. A forma do testamento é a escrita e a Seção IX do Act de 1837 dá as regras basícas. “It shall te signed at the foot or end thereof by the testator or by some other person in his presence and by his direction; and such signature shall be made or 5cknowledged by the testator in the presence of two or more witnesses present at the sarne time and such
wítnesses shall attest and shall subscribe the will in the presence of the testator, but no form ot attestation be necessary”. Nenhum testamento ou codicilo vale, se não reúne os seguintes requisitos: a) ser escrito; b) ter, embaixo, a assinatura do testador, ou de outra pessoa, que o assine em sua. presença e por sua ordem; e) tê-lo assinado o testador, ou reconhecido a assinatura, em presença de duas ou mais testemunhas, que ao mesmo tempo assistam e atestem, subscrevendo, em presença do testador, o testamento ou codicilo. Se’ satisfaz tais exigências, existe e vale, e pode valer ainda que, pelos seus têrmos, não pareça constituir testamento (Goods o)’ Mor gan, 1866; FergusonDavie versus FergusonDavie, 1890; Goods o)’ Slinn, 1890) : “may be valid as such, notwithstanding that it does not in terms purport to be a testament”. O Witls Act Amendment Act de 1852 referiu-se ao “embaixo do testamento”, foot or ená, e a respeito foi estabelecido que não é necessário terem as testemunhas apôsto, ao mesmo tempo, as suas assinaturas (Brown versus Skirrow, 1902) e nenhuma forma de atestação é necessária, mas é de’ vantagem prática dizer-se que as formalidades do art. 9 do Wills Áct de 1837 foram observadas. Uma simples marca pode’ ser suficiente assinatura, seja do testador, seja das testemunhas; porém não um sinête (mark: no caso Go’ods o)’ Rio witt, 1880; soai: no caso Smith versus Evans, 1751) . É preciso que as testemunhas tenham visto, ou estivessem em posição de ver o testador assinar; ou, se lhes declarou o testador reconhecer sua assinatura, é preciso que tenham visto ou estivessem em posição de ver a assinatura reconhçcida (Daintree versus Butcher, 1888; Brown versus Skirrow, 1902). Não é necessário que as testemunhas soubessem que era um testamento o ato, cuja assinatura elas atestaram (Keig’win versus Keigwin, 1843; Wright versus Sanderson, 1884) “It is immaterial that the witnesses did not know that the docum.ent, of which they were attesting the signature, was a testament”. É personalissimo o ato de testar: ninguém pode dar a outrem podêres para fazer por si o testamento, mas isso não impede fazer dependente de acontecimento, inclusive da adesão de outrem, a validade do ato testamentário, “but he can mate the validity of his testament dependent upon a contin.gency, and such contingency may be the approval of another person”. Quando um testamento ou um codicilo se refere a atos já existentes, porém que não satisfazem as exigências do Wills Act de 1837, art. 9, considerando-os como parte, tais atos serão em virtude da referência incorporados ao testamento ou ao codicilo, se fica provado que êles são os referidos (Allen versus Maddock, 1858; Goodso)’ Smart, 1902; University College versus Taylor, 1908) . Quando um testamento é conf irmado (reposto em vigor, ropnbiished) por um codicilo, aplica-se a mesma regra jurídica quanto aos atos elaborados entre a data da feitura do testamento e a do codicilo, mas é de mister que o codicilo os considere atos existentes, ou que o testamento, “interpretado como feito na data do codicilo” (constrlted as being executed o;t the date o)’ the exec’tctiofl o)’ tive codicifl, os considere como documentos existentes (Go’ods o)’ Laíly Truro, 1866; Durham versus Northen, 1895; Goods o)’ Smart, 1902). Quando um codicilo existe ao mesmo tempo que um testamento, deve ler-se como se fizesse parte dêste (opinião de Lord HARDwícx, no caso Fuíler versus Hooper, 1750). Mas, se não se encontra o testamento, ou se não podem ser provadas, ao tempo da morte, as disposiçôes dele, e só se encontra o codicilO~ só êste produzirá efeitos (Goods o)’ Clements, 1892) . Costuma-Se chamar codicilo ao testamento anexo, que supõe a existência de um testamento principal; porém, perante a lei, não há nenhuma distinção entre um testamento e um codicilo (W. 5. HOLDS WORTII, A Digost, V, 1.240) . Note-se a diferença para com O Código Civil brasileiro, art. 1.651. Se um testador confirma o seu testamento, ficam confirmados (atendidos, é de ver, os têrtios da confirmação) todos os codicilos que dele dependem e não foram anteriormente revogados (Coods o)’ De La Saussalf e, 1873; Green vorsus Tribe, 1878) . Está claro que o ato confirinativo precisa ter os requisitos ordinários (W. 5. HOLDSWORTH, em EDWARD JENXS, A Digost o)’ Euglish Civil Laio, 129). O direito inglês reconhece ao soldado que está em serviço militar ativo, e ao marinheiro po mar, a faculdade de dispor dos seus bens, real e personal estate (Wills Act, 1837, art. 11; Wills - Soldiers and Sailors - Ad de 1918, art. 3), oralmente, ou por escrito, sem as exigências ordinárias. É livre a revogabilidade do testamento. Não pode o testador, por convenção, ou ‘por qualquer outro meio, privar-se dêsse direito (VuniOr’S Case, 1610). Continua revogável ad uutnm ainda que encerre cláusulas obrigacionais. O direito inglês segue a êsse respeito solução assaz compreensível: dá-se a revogação, ficando às partes lesadas as ações fundadas no inadimplemento do contrato (Robinson versus Ommanney, 1883; Ro Pariciu, 1892) 8.TESTAMENTO NO DIREITO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Existe nos Estados Unidos da América a pluralidade da legislação do direito civil. Em certos Estados-membros há codificação. Noutros, não: rege o direito comum, que, excetuada a Luisiana, constitui a substância dos próprios sistemas codificados. Obrigatório o Common Law, até que outra legislação se seguisse, compreende-se a unidade de fato, de que, a despeito da multiplicidade constitucionalmente possível, partiram os Estados-membros. Ainda hoje, não é difícil, no essencial, dizer-se qual o di-direito norte-americano dos testamentos, desde que se apontem as legislações excetuadoras. O que logo chama a atenção é a singular tolerância quanto às formas testamentárias. Admite-se a homologação dos próprios testamentos hológrafos, escritos por outrem. Mais: a jurisprudência admitiu testamentos escritos a máquina, assinados pelo testador, O que tem capital importância, no direito norte-antericamo, em matéria de testameuto, é a assinatura do testador. Daí a necessidade de ser a
autenticidade dela verificada e garantida pelas testemunhas, cujo número varia segundo os Estados-membros. O testador assina diante delas (é a regra geral e ordinária), declarando que o documento contém as suas últimas vontades. Em seguida, assinam as testemunhas em presença do testador e uma das outras, declarando que isso se observou. Devem indicar os endereços, sob pena, em alguns Estados-membros, de serem multados. Também de grande importância é a attestation clause, que tem por fim dar aos terceiros interessados a prova de que a lei testamentária foi observada. Os executores testamentários, os legatários, donatários, credores e interessados na sucessão levam à Côrte competente o pedido de homologação. Citam-se interessados e testemunhas, arguidas essas sôbre os fatos que devem conhecer. Se, por morte, ausência, ou incapacidade, de uma ou de algumas, não se procede ao interrogatório, devem os ‘interessados justificar o que seja de mister quanto à escrita do defunto. Seguem-se a formalidade do depósito e do registo,e, após um ano de depósito, a entrega aos interessados. Se há ausentes ou desconhecidos interessados na sucessão, citam-se, sendo imobiliária a sucessão, o General Attornoij, ou um administrador público, em se tratando de sucessão mobiliária. Homologado o testamento, dão-se aos executores as cartas testamentárias, com que procedem à liquidação. Se o executor, cidadão norte-americano, reside no estrangeiro, deve dar caução. Quanto às nulidades, os Estados Unidos da América são assaz zelosos no apurar a influência ilegítima, undue influente. No Estado de Nova lorque, que pode servir de tipo, o testamento deve ser escrito e assinado o testador, mas assinatura é qualquer marca, que a possa substituir. As testemunhas assinam junta ou separadamente, em alguns Estados-membros, sem a presença do testador. As testemunhas indicam o domicílio. Não precisa ser lacrado o testamento. Só se admite testamento nuncurativo confirmado depois por escrito, a soldados e marinheiros em serviço ativo e quanto à sucessão mobiliária. Se o testamento não foi devidamente assinado e atestado, a Côrte considera-o nulo. Mas aqui, em se tratando de requisitos de fundo, os tribunais norte-americanos são assaz propensos à conversão: sabida a vontade do testador, evitam que a ignorância, em maneira de direito, destrua o que êle realmente quis. Se há parte viciada por interpolações, não se há por isso de negar validade ao ato (aliás, assim também havemos de julgar no Brasil) . Às vêzes, o que não vale como testamento vale como ato entre vivos. Mas vemos o elemento de uma cláusula nula tornar nulo o todo, por inadmissível concepção da indivisibilidade do ato testamentário. No Distrito de Colômbia, o testamento deve ser escrito e assinado pelo testador, ou por alguém em sua presença. Atestam-no e subscrevem-no, em sua presença, duas testemunhas. No Estado do Cobrado, há o testamento nuncupativo, reduzido a escrito e atestado. No Estado de Connecticut, o testamento deve ser escrito e assinado pelo testador, subscrito, em su~ presença, por três testemunhas. São admitidos os testamentos regularmente feitos noutro Estado-membro ou no estrangeiro, segundo as leis em vigor no lugar da feitura. São nulos os legados a favor do marido ou da mulher de uma das testemunhas, salvo se são herdeiros do testador. Fazem-se o depósito e o registo na Côrte do lugar em que residia o testador. Se essa o entende útil, ordena a notificação pública ou individual das interessadas. No Estado de Delaware, o direito é do tipo do Estado de Nova lorque. Quanto aos testamentos nuncupativos, há limite de objeto; por isso, não se testa além de determinada quantia, O depósito e o registo fazemse na Côrte do domicílio do testador ou do lugar em que se acham os bens. No Estado de Elórida, só se faz testamento público perante três testemunhas, durante a última doença do testador. O prazo é de seis meses após a declaração, salvo se, nos seis dias da feitura, foi reduzido a escrito e jurado perante a autoridade judiciária. No Estado de Illinois, o testamento redigido e homologado noutro Estado-membro pode ser executado no lugar de Illinois em que o testador, no momento da morte, possuía bens imóveis. No Estado de Indiana, só se podia testar, nuncupativamente, até cem dólares. Os testamentos feitos noutro Estado-membro ou no estrangeiro podem ser depositados e executados em Indiana. Na Luisiana, admitem-se três formas testamentárias: o testamento fechado, o nuncupativo, que exigem notário e testemunhas, e o hológrafo, todo escrito pelo testador, datado e assinado por êle. Vale o testamento estrangeiro, mas são exigíveis as provas de autenticidade. No Estado do Maine, o testamento deve ser escrito e assinado em presença de três testemunhas. No de Maryland, escrito, assinado, selado pelo testador, e atestado por duas testemunhas. Para as gentes do mar e os soldados em serviço ativo, permite-se o testamento nuncupativo quanto a móveis e sôldo. O testamento de pessoa originária de Maryland, ainda que resida fora, no momento de testar ou de Jalecer, tem de seguir as leis estaduais, para que se homologue. No Estado de Massachussets, o testamento há ser escrito e assinado pelo testador, atestado, em sua presença, por três testemunhas. Feitos fora de Massachussets, deve observar-se a lei do domicílio do testador. Soldados em serviço ativo e marinheiros no mar testam oralmente quanto aos móveis. O beneficiado e o seu cônjuge podem ser testemunhas. Em Minesota, só há nuncupatividade para soldados em serviço ativo e marinheiros no mar. Feitos quaisquer testamentos fora de Minesota, uma vez escritos e assinados pelo testador, valem, se observaram as leis estaduais ou as do domicílio do testador. No Estado de Mississipi, admite-se o nuncupativo, feito no domicílio do testador, durante a moléstia, ou no lugar em que residia nos últimos dez dias, salva se contraiu a doença fora do seu domicílio ou se morreu em viagem de volta, de longo curso. Mas o objeto não pode ser senão bem móvel. Se excede de determinada quantia, têm de assiná-lo duas testemunhas. O prazo para a homologação é de seis meses.
Se as declarações foram reduzidas a escrito nos seis dias, é prorrogável o prazo. A lei do Mississipi proibe legados a corporações religiosas ou puramente de caridade. Porém os bens móveis podem ser legados para obras de caridade, se não tiverem ligação com congregações religiosas; e os imoveis, ou produto deles, podem ser destinados a fins de caridade e religião. No Missuri, adota-se a atacabilidade do testamento até cinco anos após a homologação. As regras jurídicas são as da maior parte dos Estados-membros. No Estado de New .Tersey, além das regras gerais, os testamentos devem ser f echados. O processo de homologação faz-se perante a jurisdição ordinária ou perante o Surtogato, mas, se intervém questão de validade, declara-se incompetente o Surro gato, que remete as partes à Côrte dos Órfãos, Orphaus Court. O testamento do estrangeiro, que dispõe de imóveis, deve ser redigido e homologado segundo as leis estaduais. Na Carolina do Norte, além ‘das exigências gerais, há o requisito da escrita de próprio punho e o ser necessário que se encontre nos papéis do testador, ou em mãos do depositário. O testamento nuncupativo, se excedia de duzentos dólares, exigia a presença de duas testemunhas, durante a última moléstia, ser feito na própria habitação do testador, salvo se morrer em viagem ou fora do domicílio. O prazo de atestação é de seis meses. No Estado de Ohio, o testamento pode ser escrito ou dactilografado, se feito durante a última moléstia do decujo. Nuncupativo, deve ser apresentado por escrito nos dez dias seguintes às declarações verbais do testador, assinado por duas testemunhas não beneficiadas. Somente valem os legados de beneficência, pelo testador que deixou descendentes ou filho adotivo, se feitos um ano, pelo menos, antes da morte do testador. As ações contra o testamento só se exercem até um ano após a aprovação, porém o prazo não corre contra os menores, os ausentes, os alienados e os prisioneiros. No Estado de Pensilvânia, vale o nuncupativo feito durante a última doença do testador. Na Virgínia, deve ser escrito e assinado pelo testador; se não foi todo escrito por êle, tem de ser atestado por duas testemunhas que afirmem achar-se nas condições legais. Como era de prever (nosso Sistema de Ciência Positiva do Diroito, 1, 204 s.; Introduçdo à Politica Ciontífica, 189; crescente simetria interna do grupo, com integração dele, cf. Introdução à Sociologia Geral, 153 e 235), opera-se nos~ Estados Unidos da América um movimento a favor de um national-code, dos Uniform Stato Lctws (GEoRG MERILL, An American Civil Code, American Law Review, 1, 603; C. T. SEER. MANN, Roman Law in the Modern Worid, 1, 339), assaz mais fácil de fazer-se do que se supõe, porquanto, se a Luísiana possui Código Civil de influxo francês e espanhol, é bem verdade que o common lv» atua fortemente (ROSCoE POUND, The Spirit o>’ tite Common Lv», 2: “but the fundamental common-law institutions, supremacy of law, case law and hearing of causes as a whole in open court, have imposed themselves on a French code and have made great portions of the law Anglo-American in all but name”). Em 1922, fundou-se o Amerícan Law Institato, cujos serviços foram notáveis. A conferência nacional ou Uniform Síate Lv» interessouse pela uniformidade testamentária. Conselho aos norte-americanos que testam no Brasil: a legislação brasileira não permite retirar dos cartórios, em que se arquivam, os testamentos, e as Côrtes americanas não dariam o pro bate sem o ori~inal, de modo que a solução óbvia éescreverem em dois exemplares o ato testamentário. Em todo o caso, informa LÉoN VIROLET (GuMe pratique de Droil suecossoral angiais ci américain, 182) que na França se recorreu ao seguinte expediente: depesita-se na França o testamento, fotografa-se, o cônsul dos Estados Unidos da América certifica a conformidade da peça, legaliza-a, e, expedida, as Côrtes americanas aceitam a fotografia, como sucedâneo do original testamentário. 9.TESTAMENTO No DIREITO AUSTRÍACO. O Código Civil austríaco de 1811 já regulava os testamentos particulares, de forma ordinária ou de forma extraordinária, e os públicos, com as duas espécies apud acta conditum e iudici oblatum. A Novela III apenas retocou-o, nos pontos de mais sensível controvérsia. a) Testamentos particulares (Privattestamente) Podem ser feitos escrita e oralmente (§ 577) . Se o testador o escrevia todo e o assinava (testamentum kolographum) outra formalidade se fazia mister (§ 578). A assinatura precisava ser no fim do escrito e, para JOSEF UNGER (Syste’rn dos ôsterroiekisehen Allgomeinen Privatrech,ts, VI, 47), não bastaria estar no contexto. Quanto às assinaturas, às fôlhas e aos lados, é quaestío facti (JosEpil UNGER, VI, 47), mas havia a controvérsia entre M. vON STUBENRAUGH, Das Alígemeine liuirgerlicho Cesetzbuch, II, 330) e FÚGER VON RECHTBORN (Das Erbrocht, II, 6). Cumpre notar a particularidade do Decreto de 4 de março de 1846, apêndice n. 53: “A assinatura em escrita judia ou hebraica somente vale como marca ou sinal manual”. Se o testador não escreveu êle mesmo o testamento, fazendo-o escrever por outrem (chamado tostamontum alio’graphum), devia assiná-lo de mão própria (§ 579, parte 13). Além disso, há de declarar, de maneira expressa, perante três testemunhas capazes, duas das quais, pelo menos, deviam ser simultânea-mente ‘presentes, que o escrito contém as suas últimas vontades. Finalmente, as testemunhas, acrescentando a indicacão da sua qualidade, deviam assinar o ato de última vontade, no interior ou no exterior, mas, em todo o caso, no próprio ato, e não no envoltório. Não era preciso que as testemunhas conhecessem o teor do testamento (Nov. III, art. 55, que corrigiu o antigo § 579). Se o testador não
podia escrever, era ainda necessário que, em presença de todas as três testemunhas, uma das quais aludisse ao nome do testador, lançasse, com a própria mão, a sua marca (§ 580). Dispositivo êsse que precisou ser explicado: pressupunha-se testador permanentemente, ou na ocasião do testamento, impossibilitado, por ignorância, ou motivo de ordem física, de escrever e assinar êle mesmo. Não o que simplesmente não quis escrever (Ii’. X. NIPPEL, Erlàutorung, IV, 111). Outrossim, se ocorresse que o testador também não podia lançar & seu sinal (Handzeichen), não poderia testar alogràficamente: teria de recorrer ao testamento oral (~ 584). Outra particularidade: a assinatura em hebraico ou escrita judia valia como simpIes marca (JOSEPH UNGER, System, IV, 49) e obrigava à forma do § 580. A exigência do lançamento da marca na presença da todas as três testemunhas, in Gogenu’art alier drei Zcugen, explicava-se pela necessidade de ficar verificada a circunstância de ter sido lançada pelo próprio. Se o testador não sabia ler, ou não podia (o texto só se referia ao que não podia, porém entendia-se que o mesmo se aplicava ao que não sabia, ao analfabeto), devia ser-lhe lido o ato por uma das testemunhas em presença das duas outras, que já conhecessem o conteúdo, e declarar o testador que estava de acôrdo com a sua vontade. O que escreveu podia ser testemunha, mas, se o testador não sabia ler, o que escreveu não podia ser encarregado da leitura (Nov. III, artigo 56). Tal frase, depois acrescentada ao § 581, teve por fito evitar maquinações por parte do redator do ato, porém já era reconhecida pela doutrina. Também no caso do § 581 era de apor -se a marca (FEZ. X. J. F. VON NIPPEL, Krlãuterung dos Alígemeinen I3iirgerlicken Cesetzbuehs, IV, 119; J. VON WINIWARTER, Das õsterreichische búrgorlicho Rocht, III, 85; JOsEPH ELLINGER, tlandbuch dos àstorreiehisehen allgemeimen Civilrechts, nota ao § 581; RI. VON STIJBENRAL’CH, Das Alígemoine Búrgerlicito Gosotzbuch, II, 337) . Qualquer material próprio e qualquer língua (o Dec. de 22 de outubro de 1814 excluiu a escrita judia ou hebraica) podia servir à feitura do testamento. Porém não a escrita de sinais, por não se tratar de letras (JOSEPH UNGER, Systom, VI, 46, 49) . Para a feitura de testamento nuncupativo, exigia o Código austríaco (§§ 584 e 585) que o testador, perante três testemunhas simultâneamente presentes e em situação de observar o testador, declarasse distinta e inteligivelmente, a sua última vontade, para que as testemunhas, sob juramento, reduzissem a escrito (testamontum nuncupativum in scripturam redactum). O ato verbal de última vontade devia, para ter fôrça legal, ser confirmado sob juramento a pedido de qualquer pessoa que tivesse interêsse, concordes as três testemunhas, ou, quando uma delas não pudesse ser ouvida sob juramento, pelas duas outras (§ 586). Na falta disto, seria sem efeito a declaração de última vontade (Nov. 1, art. 55) Quanto às formas extraordinárias, o Código Civil reconheceu o testamento marítimo e o tostamentum tempore postis conditum, com duas testemunhas capazes, admitidas, também, as de mais de quatorze anos (§ 597; Nov. 1, art. 58) ; mas, no caso de perigo de ataque, não era de mister a simultaneidade da presença delas (§ 598) . Seis meses depois de findar a viagem ou de cessar a epidemia, perdiam eficácia tais testamentos extraordinários (§ 599) . O testamento do soldado regia-se pelas leis próprias (§ 600). Quando tratamos do § 579, grifamos os dizeres “de maneira expressa”, “acrescentando a indicação da sua qualidade”: constituíram adições da Nov. III, art. 55, para rematar a controvérsia até então existente, no sentido da necessariedado de tais declarações pelas testemunhas e pelo testador. b) Testamentos publicos eram feitos perante a autoridade competente, que os lançava no Protocolo (tostamontum apud acta conditum), ou por apresentação de escrito (testamentum indice ablatum), §§ 587-590 e 596. Oque dissemos sôbre o Código Civil austríaco e o que sobreveio antes do Código Civil brasileiro tem relevância para apreciação do que se elaborou, no Brasil, até 1916. A Áustriateve a Lei de 31 de julho de 1938, que fêz alterações no tocanteà feitura dos testamentos e dos pactos de sucessão futura. No•art. 1.0, 1, 2 e 3, três princípios foram postos como princípioshásicos: o testador somente pode fazer testamento pessoalmente; menor não pode testar se não tem dezesseis anos feitos;menor ou maior pôsto em tutela provisória não precisa paratestar do consentimento do representante legal. Quem é privado de capacidade não pode fazer testamento. Com o depó-sito da demanda começa a incapacidade se foi declarada como fundamento apresentad.o (art. 2, 1) . Não pode testar quem,por perturbação da sua atividade cerebral, devida a moléstia,fraqueza das faculdades mentais ou perda de consciência (porexemplo, em caso de embriaguez) não é capaz de compreendera significação da declaração de vontade que êle faz e não podeobrar em conseqúência <art. 2, 2) . Se alguma pessoa, privadada capacidade, faz testamento antes que a decisão que dela opriva seja inatacável, tal privação de capacidade não se opóeà realidade do testamento, se morre antes que a decisão sejainatacável (art. 3, 1) . Formas ordinárias de testamento sãoa do testamento feito perante juiz ou ou notário e o manuscrito(arts. 4 e 21), que deve ser guardado oficialmente (arts. 22,37 e 38), com o certificado do depósito. O art. 6 cogita dosurdo, do cego, do mudo e do impedido de falar e de outroscasos. O art. 10 enumera os que não podem ser testemunhas.Quanto à ignorância da língua alemã, há os arts. 18 e 19. Sehá receio de que morra o testador antes de testar, permite-se otestamento perante o mere. O art. 27 trata do testamento dosmilitares; e o art. 28, do testamento comum. l.TESTAMENTO NO DIREITO FRANCÊS. Nas circunstândas normais, o Código Civil francês reconhece três testamentos, ditos ordinários: o hológrafo, o autêntico ou notariado, e o que o art. 969 chama “forme mystique”. Desde a Ordenança de 1735, art. 1, que se proIbiu o testamento verbal ou nuncupative. Quaisquer declarações
verbais, feitas pelo decujo, seja para dispor, seja para modificar o testamento escrito, nenhum valor podem ter, ainda que as confessem os herdeiros: contra êles não pode ser feita a prova. O art. 968 proibe os testamentos conjuntos ou mútuos, proibição, hoje, absoluta, porém que o não era na Ordenança de 1735, art. 77, que a introduziu. O testamento hológrafo deve ser todo escrito pelo testador, assinado por êle, habitualmente com o nome e o prenome; mas basta a assinatura de que costuma servir-se, e que lhe marca, por bem dizer, a personalidade. Um bispo, por exemplo, pode assinar com as iniciais e o nome da cidade episcopal. Deve ser datado, com a indicação precisa do dia, mês, e ano, em que se testou. Nesse ponto, segue o Código Civil francês a velharia da essencialidade da data (art. 970) : “Le testament olographe ne sera point valable, s’il n’est écrit en entier, daté et signé de la main du testateur: il n’est assujetti à aucune autre forme”. Data falsa e data incompleta acarretam nulidade, se bem que a jurisprudência belga (contra, F. LAURENT, Principes de Droit Civil français, 18, n. 202) não desse tal conseqUência à antedata e à pós-data. Seria nulo o testamento sem a indicação do dia: e. g., “feito em outubro de 1969”. Pode ser escrito em papel não selado: só se tem de pagar a multa, na ocasião do registo. Épermitida a forma de carta. Bem assim, a escrita a lápis, no todo, ou em parte (Besançon, 6 de junho de 1882), a redação com intervalos de tempo, com várias datas, ou uma, final, que se aplique ao conjunto (Caen, ii de agôsto de 1866; Cassação, 18 de abril de 1882), em fôlhas separadas, desde que siga, ininterrupta, a escrita, datada a última. Se a data de uma delas é falsa, com auxílio das outras pode-se retificar (Cassação, 30 de fevereiro de 1889) . O testamento por ato público, define o art. 971, “est celui qui est reçu par deux notaires, en présence de deux témoins, ou par un notaire, en présence de quatre témoins”. As regras jurídicas são as da Lei de 25 do ventoso do ano XI, completadas pelas que dá o Código Civil francês. Deve ser ditado pelo testador ao notário que o escreve (artigo 972) ; portanto, não se admite que o notário o escreva fora da presença do testador, como faz com es outros atos jurídicos,e depois o leia, para apanhar as assinaturas. ConseqLiencias: o mudo não pode usar da forma autêntica (Nancy, 8 de janeiro de 1903) ; o notário não pode copiar o projeto ou minuta, que outrem ou o próprio testador lhe haja entregue (Caen, 17 de novembro de 1884); o notário não pode fazer sugestões de qualquer natureza, se bem que possa argúi-lo para melhor colhêr as suas intenções, e adverti-lo quanto às ilegalidades e contradições. Mas deve o notário reproduzir as próprias incorreções de linguagem e as impropriedades de expressão. Há de ser lido ao testador em presença das testemunhas. E de tudo faz-se menção expressa (art. 972) . Assinam-no o notário, as testemunhas e o testador. Se êsse declara que não sabe ou não pode assinar, mencionar-seá isso expressamente, consignando-se, no ato, a causa de tal impedimento (art. 973). Atendendo ao analfabetismo das províncias francesas, o art. 974, parte 2•a, estatui: “néanmoins, dans les campagnes, ii suffira qu’un des deux témoins signe, si le testament est reçu par deux notaires, et que deux des quatre témoins signent, s’il est reçu par un notaire”. O testamento secreto, a que o Código Civil francês chama testamento mistico, pode ser escrito pelo testador, ou por outrem, sem que o assista qualquer testemunha: o que é preciso ser testemunhado é a apresentação ao notário, fechado e lacrado, ou para que o feche e lacre, com a declaraçáo de que aqueles é o seu testamento (art. 976). Segue-se o ato de subscrição, correspondente à aprovação do direito brasileiro. Se o testador não sabe, ou não bode assinar, ao ato de subscrição será chamada mais uma testemunha, declarando-se isso (art. 977) . As testemunhas hão de ser, pelo menos, seis (art. 976). Os que não sabem, ou não podem ler, não podem usar do testemunho secreto. Em casos excepcionais, o direitofrancês reconhece os testamentos privilegiados, o testamentomilitar, arts. 981-984, o testamento em tempo de peste, artigos 985-987, o testamento no curso de longa viagem marítima,arts. 988-996 (retocados ós arts. 981-984, 985 e 986, 988-998pelas Leis de 17 de maio de 1900, de 28 de julho de 1915 e de8 de junho de 1898), e o testamento feito no estrangeiro, artigo 999. 11.TESTAMENTO NO DIREITO ITALIANO. A Itália (Código Civil de 1865) conhecia o testamento hológrafo, no qual não intervinham testemunhas (se interviessem, não haveria nulidade: abzmdans cautela, e abundans cautela non nocet). As formalidades eram muito simples: a) ser escrito por inteiro, do próprio punho do testador (qualquer palavra de outrem, inserta na cédula, atingiria a sua validade, se de acôrdo com o testador; não assim, o que se introduzisse contra a vontade dêste) ; b) conter a data, isto é, dia, mês e ano, ou indicações equipolentes como “no dia do meu trigésimo aniversário”; c) assinatura, entendendo-se a de que usa o disponente, inclusive o pseudônimo com que é conhecido em sociedade. Data e subscrição também haviam de ser do próprio punho. Podia ser em carta (AGOSTINHO RAMELLA, La Corrispondenza in materia civile e commercia.le, 428-430) . Discutiu-se se a data podia vi r após a assinatura, O art. ‘775 primeiro falava daquela, mas era de aceitar-se que a inversão não constitua nulidade. Além disso, o próprio artigo dizia que “la sottoscrizione deve essere posta alla fine delie disposizioni”, e data não é disposição (VlrrOiuo POLACCO, Deile Successioni, 1, 175). O testamento notarial ou era público ou secreto. Intervinham no testamento notarial: o notário ou notários, quatro testemunhas no primeiro caso, duas se dois os notários. Se dois, era preciso que não fôssem parentes ou afins em linha reta, ou do terceiro grau na colateral. O testador declara, não dita as declarações; mas podia ditar, pôsto que não no dissesse o Código Civil. O Código Civil francês, art. 972, exige que o próprio notário o escreva: não assim o italiano, bastaria
que o notário dirigisse a redação (VITToRIo POLACCO, Deile Successioni, 1, 183) . O notário ou um dos dois procederia à leitura integral do ato. Se fôsse surdo o testador, leria êle mesmo; se também não pudesse ler, interviriam cinco testemunhas. Deviam assinar o ato o testador, o notário ou os notários e as testemunhas. Se o testador não sabia ou não podia assinar, devia declarar a causa que lho vedasse, e o notário mencionaria isso. O testamento secreto devia ser subscrito pelo testador ou por outrem. Se escrito pelo testador, devia ser assinado por êle no fim das disposições. Escrito, no todo, ou em parte, por outrem, devia ser subscrito pelo testador em cada uma das meias fôlhas. Razão disso: evitar-se o intercalamento de páginas. O que lêsse, porém não soubesse ou não pudesse escrever, leria o testamento, declarando-se isso. Seguia-se a entrega ao notário, na presença de quatro testemunhas, e do testador, com a declaração de que aqueles era o seu testamento. Se não no subscrevesse, diria que foi lido, e acrescentaria a causa de não lançar a assinatura. A cédula deveria ser fechada. O notário lançaria o ato de recebimento. Tudo isso devia fazer-se uno contextu. Além dêsse testamento, o direito italiano reconhecia: a) o testamento em local de peste ou outra moléstia contagiosa, sem efeito após seis meses de haver cessado a moléstia, ou de ter saido do lugar o testador; b) o testamento em alto mar; e) o testamento em tempo de guerra, feito por militares ou pessoas •que servissem nas expedições. O marítimo perdia eficácia três meses depois de ter o viajante, ou marinheiro, descido em pôrto em que pudesse testar por forma ordinária. Bem assim, o militar. da No Código Civil italiano (1942), os arts. 587-712 tratam sucessão testamentária: das disposições gerais, nos artigos 587-590; da capacidade de dispor por testamento, no art. 591; da capacidade de receber por testamento, nos arts. 592-600; da forma testamentâria, nos arts. 601-623. As formas ordinárias de testamento são o testamento hológrafo e testamento por ato de notário. Êsse ou é público ou secreto (art. 601). O testamento hológraf o deve ser escrito por inteiro, datado e subscrito a mão, pelo testador (art. 602, alínea 1ª). A subscrição deve ser ao fim das disposições. Se não indica o nome e cognome do testador, todavia é válida quando designa cori certeza a pessoa do testador (alínea 2)9. A data deve conter a indicação do dia, mês e ano. A prova da não-verdade da data é admitida somente quando se trata de julgar da capacidade do testador, da prioridade de data entre testamentos ou de outra questão que se haja de decidir com base no tempo do testamento (alínea 3)9. O art. 603 cogita do testamento público; os arts. 604 e 605, do testamento secreto. O art. 606, da nulidade do testamento por defeito de forma. O art. 607, da validade do testamento secreto como hológraf o. O art. 608, da retirada do testamento secreto ou do hológraf o. Os artigos 609-619, dos testamentos especiais. Os arts. 620-623 são sôbre a publicaçâo dos testamentos hológrafos e dos testamentos secretos.
12.TESTAMENTO NO DIREITO ARGENTINO No direito argentino, há o testamento hológrafo, todo escrito, datado e firmado pela mão do testador (art. 3.639). Se há alguma coisa escrita por mão estranha e se a escrita faz parte do próprio testamento, será nulo êsse, se no escrito consentiu ou foi feito por ordem do testador (art. 8.640) . Tem de ser escrito em caracteres alfabéticos e pode ser redigido em qualquer idioma (art. 3.641) . As disposições do testador, escritas após a firma, devem ser “fechadas” e firmadas para que possam valer como disposições testamentárias (art. 3.679). Mas, se são muitas, a firma e a “fecha” (data) da última valem para as anteriores, de qualquer tempo que sejam (art. 8.680). Não podem ser em cartas, nem em livros, ou escritos em que o testador costumava escrever os seus negócios (art. 3.648). Abundans cautela non nocel: “El testador puede, si lo juzgare más conveniente, hacer autorizar ei testamento con testigos, ponerle su selio, o depositarlo en poder de un escribano, ó usar de cualquiera otra medida que dé más seguridad de que es su última voluntad” (art. 8.649) . Pode escrevê-lo de uma só vez, ou de muitas; assinar e datar separadamente, ou não (art. 8.647). Além do testamento hológrafo, tem o direito argentino o testamento público e o testaiu~to cerrado. O surdo, o mudo e o surdo-mudo não testam por ato público (art. 3.651) : o surdo testa pelo testamento cerrado (art. 8.703) ; o mudo, pelo hológrafo, ou pelo cerrado. O cego testa Por ato público (art. 8.652). O escrivão parente do testador em linha reta ou até o terceiro grau na linha colateral, consanguíneo, ou afim, não pode intervir na redação do testamento (art. &653). As testemunhas são tres e devem residir no lugar (art. 8.654). O testador pode ditar o testamento ao escrivão, dar por escrito o testamento; ainda mais: “sólo darle Por escrito las disposiciones que debe contener para que las redacte en la forma ordinaria” (artigo 3.656). Na campanha perante o Juiz de Paz, ou, na sua falta, perante alguns dos membros da municipalidade (art. 8.655) Se o testador não sabe assinar, outra pessoa ou uma das testemunhas assina por êle: no último caso, duas testemunhas, pelo menos, devem saber assinar (art. 3.661) . Se o testador sómente pode testar em língua estrangeira, intervêm intérpretes, que procedem à tradução em castelhano, e nos dois idiomas escreve~se o testamento. As testemunhas devem compreender os dois (art. 3.663) . O testamento cerrado é assinado pelo testador, ou por outrem, se o testador não no pode (art. 3.666) A entrega e subscrição deve ser em ato ininterrupto; no caso de acidente, só se admitem breves intervalos (art. 3.667) . As testemunhas são cinco, O que não sabe ler não pode testar por essa forma (art. 3.665) . O que sabe
escrever, mas não pode falar, escreve o testamento, firma-o, apresenta-o ao escrivão e às testemunhas, escrevendo no envoltório que aquilo contém o seu testamento (art. 8.668). São testamentos especiais: a) O testamento militar, para os militares, voluntários, prisioneiros, capelães, etc., perante oficial que tenha o grau, pelo menos, de capitão, ou perante intendente do exército, auditor geral, e duas testemunhas. Deve designar lugar e data em que se fêz (art. 3.672) . No caso de ferimento ou enfermidade, ante o capelão, o médico ou o cirurgião que o assista. Se em destacamento, ante o oficial que comande, ainda que não tenha o pôsto de capitão (art. 3.672). Mas, se o testador ou não sabe firmar ou não no pode, assina por êle uma das testemunhas, declarando-se isso (art. 3.674) . Se o testador falece antes dos noventa dias subseqUentes àquele em que cessaram as circunstâncias da habilitação ao testamento militar, vale como se ordinário fôra. Se sobrevém ao prazo, caduca o testamento (artigo 8.676). Pode preferir a forma do testamento cerrado. b) O testamento marítimo, ante o comandante do navio e três testemunhas, duas das quais, pelo menos (é disposição expressa), saibam assinar. Deve ser datado, em duplicata, igualmente assinado (art. 3.679). Pode preferir-se a forma cerrada (artigo 3.682) . Nos navios mercantes, sob bandeira argentina, o testamento marítimo faz-se perante o capitão, o imediato ou o pilôto (art. 3.688). Vale, assim, se o testador falece antes de desembarcar, ou antes dos noventa dias subsequentes ao desembarque. Não é desembarque a descida para reembarcar. e)Se, por causa de peste ou epidemia, não há escrivão no lugar ou no lazareto, estatui o art. 3.689: “podrá hacerse ante un municipal, ó ante eI jefe dei lazareto, con las demás solemnidades prescriptas para los testamentos por acto público”.curso só de duas testemunhas, pelo notário, funcionário, ou outra pessoa que tenha qualidade para isso, segundo o direito cantonal (arts. 498 e 499) ; b) com a forma hológrafa, todo escrito pelo testador, datado e assinado de próprio punho, podendo os Cantões decidir se aberto ou fechado, ou entregue para depósito à autoridade (arts. 498 e 505) ; o) na forma oral, durch miindliche Erklãrung, quando ocorrem circunstâncias extraordinárias, nas quais esteja o disponente impedido de testar noutra forma, por exemplo, em caso de perigo de morte iminente, comunicações interceptadas, epidemia ou guerra: feito perante duas testemunhas, que êle encarrega de constituir ou fazer constituir o ato (arts. 498 e 506) . Das outras formas falaremos nas seções relativas ao testamento público e ao hológrafo. Não tendo o Código Civil brasileiro o testamento oral ou nuncupativo, é êsse o lugar para cogitarmos de tal forma testamentária do direito suíço. Tratam do testamento por declaração oral os arts. 498 e 506-508. No primeiro, apenas há referência, como uma das formas possíveis. Dele se tira que o Código Civil suíço desconhece outras formas que as mencionadas: assim, não são admitidos codicilos, testamentos particulares perante testemunhas (antes, Código Civil de Zurique, § 504, 1), os chamados testamentos místicos, quer no sentido do direito romano, que é o técnico (cf. II. DERNrnIRG, Pandelcten, III, § 77, 5), quer no sentido do Código Civil francês, art. 976. Também não se cogitou de testamento conjuntivo (1’. TUOR, Kommentar, III, 297 e 272). Como por toda a parte, rege o princípio da indelegabilidade do ato de testar, o que exclui representação e assistência. Quanto à forma oral, dela tratam as três alíneas do art. 506. Há forma extraortinária para circunstâncias extraordinárias. As circunstâncias mencionadas (iminência de morte, corte de comunicações, epidemias, guerras) são meramente ezemplificativas (A. ESCHER, Das Erbrecht, Kommentar, III, 92; P. TUOR, Kommentar, III, 833). O perigo de morte iminente pode ser conseqúência de acidente, ou de crime, ou de longa moléstia. Mas, se durou a moléstia, o perigo de morte não constitui, sem outro elemento, circunstância extraordinária: so o agravamento ocasional, imprevisto, pode dar-lhe tal qualidade. O perigo iminente pode ser resultado, ou, apenas, esperade, mas há de ser independente da vontade do testador. A extraordinariedade é um dos pressupostos, que, associado àimpossibilidade de usar outra forma testamentária (pública, hológrafa), perfaz a admissibilidade momentânea. “Comunications interceptées”, Ver/cekrssperre, são tudo que signifique insulamento espacial: destruição de uma ponte, parada das máquinas de um navio, inundação, interrupção do tráfego de estrada de ferro, que constituem circunstâncias extraodinárias exteriores, prisão do testador, ou situação semelhante que são circunstâncias extraordinárias interiores, e caso de disponente analfabeto ou incapaz de escrever, ou que não quer ir à presença de oficial público doente em tempo de epidemia (circunstâncias, interior e exterior, que o juiz deve examinar). A respeito da falta de material para escrita, ou impossibilidade, falta de tempo, para escrever, hão de dizer as testemunhas. A guerra por si só não justifica a nuncupatividade: bastaria, em se tratando de analfabeto. Fora disso, é um dos pressupostos a falta de material, tempo, ou oportunidade para testar hologràficamente. Tanto vale isso para os militares quanto para os civis (P. TIJOR, Kommentar, III, 335) . Surgiu a questão: ambos os textos, o alemão e o francês, falam em forma oral (testamento orale, no texto italiano). ~ Quid juris, se, em circunstâncias extraordinárias, também perdeu a voz ou ficou mudo o testador? Pensemos naquele que, em perigo de morte, ou cercado pelas águas, não pode falar. EUGEN HUBELi (Prot., 599) entendeu que a oralidade vinha em primeira linha; isto é, se perdeu a voz, ou se o caso é de surdo-mudo, que se possa fazer compreender, é questão de interpretação. Em tais casos, o escrever perante as duas testemunhas valeria o mesmo que dizer de viva voz. A solução dá à língua dos surdos-mudos e ao falar por sinais o valor de sucedâneo da linguagem oral, ainda que os sinais sejam só de cabeça (P. TUOR,
kommentar, III, 385). Nem se excluiu a subsidiariedade do escrito, quando só êsse fôsse possível, e até se vai a afirmar a possibilidade de combinações de sinais gesticulares e de palavras escritas, quando a isso obriguem as circunstâncias. É essencial o requisito das duas testemunhas, simultâneas, que digam da identidade da pessoa e do teor das disposições. Uma das testemunhas escreve imediatamente as últimas vontades, data-as com indicação do lugar, ano, mês e dia, assina-as, e faz serem assinadas pela outra, e o escrito é remetido, sem tardança, à autoridade judiciária, com a afirmativa de lhes ter parecido capaz de dispor o testador e das circunstâncias particulares em que receberam as declarações (art. 507, alínea te). Entende-se: qualquer juiz, ainda o de paz, o de um tribunal de comércio, qualquer, em suma, de competência civil (A. ESCRER, Das Erbrecht. Kommentar, III, 98) . Aliás, está na alínea 2~a que as testemunhas podem fazer a autoridade reduzir a protocolo, sob as suas afirmativas, as declarações do disponente. Na alínea g~a explicita-se que, em se tratando de militar em serviço, pode substituir a autoridade judiciária o oficial com o pôsto de capitão ou outro mais alto. As expressões immédiatement e sans délai do texto francês, e sofort e o/me Verzug do texto alemão supõem um prazo, embora curto. Claro que não pode ser contado, em se tratando de comunicações interceptadas, antes de cessar a interrupção impeditiva de testar por forma ordinária. Não se pode deixar de confiar ao juiz a apreciação do tempo hábil em que se fêz. A falta da observância do mais cedo possível tem por conseqúência a ineficácia do testamento oral (P. TuOa, Kommentar, 888). Por isso é importante o dia em que se testou. Mas a data inexata, por si só, não o invalida. É indiferunte: a) que as testemunhas auditivas mostrem ou leiam ao testador o que escreveram (A. EscHEii, IDas Erbrecht, Koinment ar, III, 93) ; b) que o testador tenha ou não morrido no intervalo (P. TUOR, Kommentai-, III, 838). Finalmente, o testamento oral tem prazo preclusivo quatorze dias após haver o testador recuperado a liberdade de empregar uma das outras formas (art. 508). No texto alemão fala-se de perder validade (“Gúltigkeit’~) e no francês de cessar de ser válido (“d’être valable”), porém não se trata, em boa técnica científica, de invalidade, mas de preclusão. O art. 508 obvia aos inconvenientes da nuncupatividade. Aliás, é assaz difícil precisar-se o momento, o dia, em que o testador pode usar de outra forma: quaestio facti, que se deixa à apreciação do juiz. Tratando-se de testamento militar, a partir da cessação do serviço. Sem atendibilidade o testamento nuncupativo, por ter expirado o prazo, ~ fica revogado o que antes existia? Não: o que êle revogava, ainda expressamente, revive, porque o nuncupativo foi como se não houvesse existido. (Cp. Runoir LEONHARD, Vortràge, ao § 2.252 do Código Civil alemão, e P. TUOR, Koinmentar, III, 389) 14.TESTAMENTO No DIREITO ALEMÃO. O direito alemão distingue as formas ordinárias e as extraordinárias (chamadas, na lei brasileira, testamentos especiais, art. 1.681) . São testamentos ordinálrios: a) o que se faz perante o juiz, ou o notário; b) o que, com a designação do lugar e dia, é escrito e assinado pelo próprio testador (§ 2.231) . Todos os demais são testamentos extraordin4rios: a) o testamento do § 2.249, no caso de temer-se a morte antes de se poder usar do testamento perante o juiz ou o notário ou com os pressupostos do testamento escrito pelo testador e que se faz ante o chefe da comuna, da circunscrição, ou distrito em que se resida, se não se trata de comuna; b) o testamento em lugar que, por moléstia ou por outras circunstâncias extraordinárias, se acha interceptado (separado, abgesperrt), feito na forma do anterior, ou por declaração oral perante três testemunhas (§ 2.250) ; e) o testamento marítimo, em navio alemão que não seja da marinha do Reick, que também se pode fazer perante três testemunhas como o anterior (§ 2.251). Se o testador vive, todos êsses testamentos perdem eficácia três meses após a feitura (§ 2.252) . O testamento militar ficou às leis especiais, razão por que a êle nos referiremos depois. Tratemos dos testamentos ordinários: a)Forma judicial. Era a única que o direito prussiano (P’reussisches Alígemeines Landrecht, II, 12, §§ 66 s.) conhecia. Não no conhece o Código Civil francês, nem o brasileiro. Na própria Alemanha, o art. 141 do Einfiihrungsgesetz dispunha que os atos jurídicos, a que o Código Civil ‘confere as duas formas, podem ser, pelos Estados-membros, restringidos a uma ou outta. De modo que alguns Estados-membros não admitiam os testamentos notariais e outros só admitiram a forma notarial (Baviera, Prússia renana, Bikenfeld, Bade). Vale para os paÇses de todo o Reich. (Ger. Verf. Gesetz, § 167) . No caso de necessidade, isto é, de perigo na demora, ainda fora da sua jurisdição, podem servir os juizes, informada a justiça administrativa do lugar (H. PEISn, Ztandbuch des Testamentsreckts, 260). Aliás, o estar fora e servir ao ato testamentário não causa a nulidade (I?eichsgúsetz liber die freiwiliige Gerichtsbarkeit, § 7) . Mas é preciso que o juiz não seja do outro Estado-membro (Motive, V, 276). Só se trata, então, de Arntsgericht (Reichgesetz u. f. Gcrichtsb., § 167) b)Forma notarial. Introduzida pelo nôvo direito. Tem o mesmo valor probatário que a judicial. A competência é de acôrdo com a lei local. Nos distritos consulares, podem receber as declarações testamentárias os cônsules, e as leis dos Estados já não podiam limitar tal competência, invocando o artigo 141 da Lei de Introdução (CARE CROME, System, V, 67, nota 8) . Cumpre advertir que os testadores não estavam adstritos aos funcionários do lugar em que residiam: se estivessem fora do domicílio, podiam testar, ainda que de passagem. O testamento público, judicial ou notarial, pode ser feito por declarações orais, ou em escrito, que contenha (deve dizê-lo o testador) as suas últimas vontades. O escrito pode ser aberto ou fechado. Ainda mais: ser escrito pelo testador ou por outra pessoa. Mas o menor e o que não sabe ler os caracteres da escrita somente podem testar pela forma oral (§ 2.238) . Se judicial,
concorrem o juiz, o escrivão e duas testemunhas; se notarial, o notário, um segundo notário e duas testemunhas (§ 2.233) . Não podem figurar como juiz, notário, escrivão, ou testemunha: o cônjuge do testador, ainda quando já dissolvido ou sem efeito o casamento; o parente ou afim do testador, em linha reta, ou no segundo grau da linha colateral (§ 2.234). Se êsse parentesco ou afinidade é para com o juiz ou notário, por parte do escrivão, do segundo notário ou da testemunha, também qualquer dêsses não pode figurar (§ 2.236). As pessoas que concorrem à feitura devem assistir a todo o processo (§ 2. 239) . O protocolo é em língua alemã (§ 2.240) e há de conter: o lugar e dia do ato; a designação do testador e das pessoas concorrentes; as declarações do testador exigidas pelo § 2.288 e, no caso de entrega de escrito, a consignação da entrega (§ 2.241). O protocolo é lido, aprovado pelo testador, e por êle, de próprio punho, assinado; e disso se fa~ menção. O protocolo deve também ser entregue ao testador, se o quiser, para que êle possa revê-lo (§ 2.242, alínea lY) -Se o testador declara que não pode escrever, supre-se a sua assinatura pelo consignar-se, no protocolo, essa declaração (§ 2.242, alínea 2A). O protocolo precisa ser assinado pels~s pessoas concorrentes (2.242, alínea 3•~). Se o testador não sate a língua alemã, intervém intérprete, a que se aplicam as regras jurídicas dos §§ 2.234-2.237., relativas às testemunhas: o testamento é traduzido na língua em que o testador fêz a declaração; a tradução há de ser feita ou portada por fé e lida pelo intérprete; a tradução é junta, como anexo, ao protcco!o (§ 2.244, alíneas e 2.ª). O’ protocolo há de conter a convicção do juiz, ou do notário, de que o testador que não está ao corrente da língua alemã, bem assim o nome do intérprete, e a confirmação de que êsse fêz ou autenticou a tradução e a leu em voz alta. O intérprete assina o processo verbal (§ 2.244, alínea 8ª). Mas, se todas as pessoas que concorrem à feitura compreendem a língua em que o testador se expressa, não é de mister o intérprete (§ 2.245, alínea l.ª) : nesse caso, redige-se na língua estrangeira o protocolo, com a declaração de que o testador não compreendia a língua alemã, e a afirmativa de conhecerem todos os que intervieram a língua em que o testador declarou as suas vontades. Junta-se ao texto, como anexo, a tradução alemã (§ 2.245, alínea 2.ª) . O protocolo tomado sôbre a feitura do testamento, com os anexos, deve, principalmente no caso de feitura por entrega de escrito, ser, com êsse escrito, fechado pelo juiz, ou pelo notário, na presença das outras pessoas concorrentes e do testador; provido de uma declaração final assaz precisa, assinada pelo juiz, ou pelo notário, designativa do testamento, e guardado no depósito especial do ofício. Dá-se ao testador o certificado de depósito (§ 2.246). c)Forma h,ológraf a.. Os autores têm-na como a forma mais importante. Sôbre ela é fundamental a obra de WALTHER BgOcK, merecedora, como foi, de um prêmio. Ao testamento de mão própria referem-se os §§ 2.231, 2.247 e 2.248. O primeiro exclui de tais testamentos o menor e o que não sabe ler os caracteres escritos. O segundo manda que, a requerimento do testador, se guarde no depósito oficial, recebendo o testador o respectivo certificado. Quem quer que possua testamento não depositado deve, ao saber da morte do testador, apresentá-lo ao tribunal de sucessão. (§ 2.259) 5.556. TESTAMENTO CONJUNTIVO E SIMULTÂNEO 15.TESTAMENTO NO DIREITO PORTUGUÊS. O Código Civil português de 1966, depois de cogitar da definição de sucessão (art. 2.024), do objeto da sucessão (art. 2.025> e dos títulos de vocação sucessória (por lei, testamento ou contrato, art. 2.026), em vários pontos se refere à herança testamentária, mas dedica à sucessão testamentária os arts. 2.179-2.334. No artigo 2.179, fala-se da unilateralidade e da revogabilidade do testamento e das disposições de caráter não-patrimonial, que a lei permite serem insertas em testamento. No art. 2.180, diz-se ser nulo o testamento em que o testador não tenha exprimide, “cumprida e claramente”, a sua vontade. Proibe, no art. 2.181, o testamento de mão comum. O art. 2.182 frisa a personalidade do testamento; mas logo diz que o testador pode cometer a terceiro: a) A repartição da herança ou do legado, quando institua ou nomeie uma generalidade de pessoa; b) A nomeação do legatário de entre pessoas por aqueles determinadas. No art. 2.183 refere-se à escolha da coisa legada “à justa apreciação do onerado, do legatário ou de terceiro, desde que indique o fim do legado e o gênero ou espécie em que êle se contém - Os artigos 2.188-2.191 tratam da capacidade testamentária. Os arts. 2.1922.208, da indisponibilidade relativa. As formas dos testamentos são assunto dos arts. 2.204-228: formas comuns (testamento público e testamento cerrado, arts. 2.204-2.209) ; formas especiais (testamento de militares e pessoas equiparadas, artigos 2.210 e 2.212; testamento feito a bordo de navio, arts. 2.214-2.218; testamento feito a bordo de aeronave, art. 2.219; testamento feito em caso de calamidade pública, ad. 2.220). Sôbre testemunhas, art. 2.221; sôbre prazo pata as formas especiak, art. 2.222; sôbre testamento feito por português em país estrangeiro, art. 2.223. Os arts. 2.224-2.307 são sôbre o conteúdo do testamento; os arts. 2.208-2.819, sôbre nulidade, anulabilidade, revogação e caducidade; os arts. 2.320-2.334, sôbre testamentaria.
16.CONSIDERAÇÀO FINAL. Aí ficam as formas dos países com os quais maiores relações tem o Brasil. À medida e nos lugares em que tiverem de ser resolvidas as questões, volver-se-á ao direito de cada um deles, para que ressaltem as diferenças e se mostrem as parecenças com o direito brasileiro. § 5856. Testamentoconjuntivo, simultâneo, recíproco e correspectivo 1.DIREITO .ANTERIOR. Diz o Código Civil, art. 1.630: “O proibido o testamento conjuntivo, seja simultâneo, recíproco ou correspectivo”. No direito reinícola não havia textos sôbre os testamentos de mão comum. Alguns praxistas queriam que deles pudessem usar os cônjuges e os irmãos. Mas verdade é que ANTÔNIO DA GAMA (Decisiones Supremi Senatus Lusitaniae. dec. 231) somente se referia aos cônjuges. E foi ANTÔNIO DA GAMA, no dizer de M. A. COELHO DA ROCHA (Instituições, 573), quem primeiro tratou da matéria em Portugal. Portanto, em 1578, época em que se publicaram as Decisiones, elaboradas por ordem do rei Dom Sebastião. Diz a ementa da decisão n. 231: “De validitate testamenti mariti et uxoris, quod manu propria mariti scriptum fuit, et se ipsum haeredem scripsit”. Não estava nos textos reinícolas, porém estava na praxe. Aliás, em Portugal, a lei visigótica (L. 6, V, Tít. 2) consignava-o; daí, com certeza, a exceção. Dos Germanos foi que imitaram os povos tais testamentos. Na península, há documentos do século XIII. Aos cônjuges, sempre se permitiram, por influência dos povos nórdicos, provàvelmente, desde as invasões. ÁLvÂRo VALASCO. (Co-nsultationum et Decisionum, ao rerum iudicatarum in Regno Lusitaniae, 1, 20-23), P. J. DE MELO FREntE (Institutiones. III, 5. § 36), MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA (Dissertação VII, em Coleção de Disserta ções Jurídico-práticas, 196 s.) e M. A. COELHO DA ROCHA (Instituições, 573), além de ANTÔNIO DA GAMA. atestam a usual incorporação ao direito português. Eram assaz reverenciados os livros de SAMUEL STRYK (Disputatio, Opera Omnia, XI, disp. 26), F. C. HARPPRECHT (Diss. de testamentis correspectivis) e G. G. HEINÊCIO, nos elementos de direito germânico. O Código Civil brasileiro considera conjuntivo o testamento que hoje proibe; espécies dele, o simultâneo, o recíproco e o corres pectivo. No testamento simultâneo, há a disposição de ambos numa só: os dois testadores testam, e dizem a mesma coisa. Exemplo: A e E instituem herdeiros a C; legam a casa da rua do Ouvidor a D, a da rua do Rosário a E. No testamento recíproco, cada um é herdeiro ou legatário do outro. No testamento correspectivo, além da reciprocidade, faz-se causa de dispor a favor do outro testador o ter sido instituido por êle. Não é preciso que seja feito no mesmo ato, “sive uno eodemque actu, sive actibus separatis, eo modo conficitur, ut vel ex verbis ipsarum expressis, vel valde urgentibus circumstanciis appareat, quod altera persona nou aliter de suis bonis ita diaposuisset, quam si etiam altera de suis facultatibus ordinatam voluntatem, vel adhuc ordinandam, immutatam reliquerit, si altera ex post facto eam revocet, illa etiam ah altera pro reco cata haberi debeat” (E. C. HARPPRECHT, Disputationes, 38, 9). Eram longas e sutis as disputas. No direito brasileiro, não se tem o testamento nuncupativo ou oral, nem a carta de consciência, nem a cláusula codicilar. Foi proibido o testamento conjuntivo ou de mão comum, feito pelos cônjuges, em que se instituíam herdeiros. Se um vinha a testar de modo diferente, ou com revogação do testamento de mão comum, o outro era atingido no que concernta ao ato do outro cônjuge. A proibição, explícita no art. 1.630 do Código Civil, não se estende aos atos dos cônjuges, que em testamentos separados e sem a ligação vedada se beneficiam reciprocamente. Ai, a reciprocidade é apenas ocasional, a despeito dos entendimentos prévios. Nenhum deles -se privou da liberdade de testar. Se um revoga a cláusula de liberalidade ao outro, o que o outro dispusera persiste, sem qualquer repercussão do testamento posterior. ~ êrro dizer-se, no direito brasileiro, por influência da jurisprudência francesa, que, “se dispôs Lívio a favor de Públio e êste em prol daquele únicarnente, a morte do primeiro torna caduco o testamento do soberano”. O que ocorre é que ninguém pode herdar se não está vivo à abertura da sucessão. Quanto à lei pessoal, o testamento conjuntivo em que testaram cônjuges sujeitos à mesma lei permissiva, ou a duas leis permissivas, é cumprível em Estado que o proiba a quem está sujeito à sua lei. Em direito intertemporal, a superveniência da proibição não atingiria os testamentos conjuntivos que foram feitos ao tempo em que eram permitidos, se com a regra jurídica vedativa só se cogitou de forma. Mas o que mais acontece, nos sistemas jurídicos, é a concepção da regra jurídica de repulsa como regra jurídica concernente ao fundo, e não àforma. E é isso o que se dá no sistema jurídico brasileiro, a despeito de estar no Capítulo Das formas ordinárias do testamento o art. 1.630 do Código Civil. Quando surgiu o Preussisches Alígemeines Landrecht (II, 1, arts. 486 s.), os juristas portuguêses, prestos, apegaram-se a êle, para cortar, cerce, algumas questões, principalmente quanto à revogação. O direito que se acolheu em Portugal e no Brasil foi o seguinte: a> revogabilidade ad nutum do testamento simultâneo, subsistindo o outro que se não revogou (ÁLvARO VALASCO, Consqdtationum et Decisionum, 21 s.); 14 no testamento recíproco e no correspectivo, havia de procurar-se o fim da retribuição: revogado um, sem o conhecimento do outro testador, tinha-se como revogada a disposição dêsse a favor daquele, mas não no resto (Preussisches Alígemeines
Landrecht, II, 1, art. 486) ; não se presumia ânimo de revogar naquele dos testadores, que, sem desconstituir o testamento, apenas fêz algumas alterações nos legados ou disposições secuildArias; porém, quando dessas alterações resultasse algum prejuízo às vantagens concedidas ao sobrevivo, deviam nessa parte julgar-se atingido (II, 1, arts. 487 e 488) ; definitivamente separados os cônjuges, revogava-se, ipso facto, o testamento (II, 1, art. 489) ; morto um dos testadores, se o sobrevivo aceitava, era de presumir-se a correspectividade (II, 1, art. 492). 2.PROIBIÇOES NOUTROS SISTEMAS JURÍDICOS. O Código Civil francês, art. 968, o revogado Código Civil italiano, artigo ‘791, e o de 1942, art. 589, o espanhol, 669, o português anterior, 1.758, e o de 1966, art. 2.181, o argentino, 3.618, o chileno, 1.003, o uruguaio, 781, o mexicano, 3.246, e outros, proibiram tais testamentos. Vemolos no austríaco, no alemão e no venezuelano, de que oportunamente se falará. Proibe o Código Civil, no art. 1.630, que se teste conjunta-mente com outrem; isto é, em conjunto espacialmente, ou em conjunto temporalmente, ou em conjunto intencionalmente. Onde há reciprocidade e correspectividade, há intenção de testar em conjunto. Não é preciso que se dê simultânea’inente a identidade ou continuidade espacial. Dois testamentos podem ser em atos diferentes, de datas diferentes, mas recíprocos ou correspectivos. Tudo está na maneira de testar, no intuito das declarações. Érro é interpretar-se a proibição como só vedativa de testamentos materialmente de mão comum, testamentos em que A e 13, no mesmo papel e ao mesmo tempo, testam. Êrro também é julgá-lo vedativo de todos os testamentos que se lavrarem no mesmo papel, talvez na mesma lousa, ou no mesmo livro de tabelião. É preciso que se aponte o que constitui nocividade, para que se tenha o v~rdadeiro conteúdo do art. 1.630. Alguns escritores querem que o fundamento de se proibir seja o da revogabilidade: se juntos, dilacerado, ou destruído um, revogar-se-ia o testamento do outro. Mas, tanto não é êsse o fundamento, que não valeriam os testamentos conjuntos feitos no tabelião, atos que ficam no livro, e cada um, separadamente, sem inconveniente, poderia revogar. Não atribuamos à lei razão ingênua. O que ela afasta tem alcance mais sério. Nada justificaria vedar-se que, na mesma fôlha dobrada de papel (uma pessoa de um lado, e outra de outro portanto, separadamente) testassem dois casados, irmãos, ou amigos, suposto que nenhum laço captatório ou de contemplação da mesma pessoa existisse nesse dúphce porém não conjunto testamento. Cada um escreveu e assinou o seu, com as testemunhas do ato. A fortiori, em se tratando de livro de família, ou canhoto, em que os testamentos sejam escritos de um lado (inseparável) e de outro lado (separável),para ser levado ao “cumpra-se”. Nada impede que se lancem em sgguida um do outro, com autônomas formalidades. A conjuntividade seria material e de mera continuidade. Digamos, com F. ENDEMANN (Lefirbucli, III, 480), conjuntividade exterior. A questão de saber se os atos aproximados (talvez, por circunstâncias especiais, ajustados) constituem ou não espécie proibida, não pode deixar de ser quaestio facti: podem ser testamentos conjuntivos, ou, simplesmente, dois testamentos individuais. Mais: para que seja proibida a correspectividade, não é preciso que seja bilateral. Sim, mas, na espécie, só o ato que a tem pode ser, nessa disposição, invalidado. Não poderia invalidar o ato limpo de outrem. Se, porém, há ainda com o pressuposto da unilateralidade da correspectividade necessidade de ato material, ou alusão no outro, a invalidade contagia-se. 3.TESTAMENTOS ESCAPOS À PROIBIÇÃO. O Código Civil não proibe: a) Que, sem qualquer combinação dos cônjuges, ou dos testadores, não casados, ainda em atos da mesma data, os dois ou mais testadores instituam herdeiros ou legatários a mesma ou as mesmas pessoas. Pessoas que vão viajar podem querer que os interêsses fiquem regulados, intuitu mortis. Nada obsta, por exemplo, a que marido e mulher testem a favor dos filhos, ou de alguém, que ambos sem concêrto ou dependência queiram beneficiar. 14 Que A, sem qualquer dependência do ato de B, que o contemplou no testamento, no seu contemple a 13. ~ preciso que haja reciprocidade intencional: a coincidência ocasional não basta. No mesmo ato, tem de presumir-se a intencionalidade. Fora, não. A reciprocidade das disposições é fato que ordinàriamente acontece, pela própria ordinariedade do caráter recíproco das afeições. Se a retribuição não é fundada no testamento do outro, não há correspectividade: se A diz “deixo a minha fortuna a B, em retribuição do que tem sido para mim a sua amizade, que até se desvela em garantir o meu futuro com um seguro sôbre a vida”, o ato que se retribui não é testamento, ou deixa testamentária; a verdadeira cawsa é a afeição; demais, ex hypothesi, a generosidade é de 13, que não teve o intuito de obter de A o ato testamentário. Falta, pois, a con.sensuum correspectivitas, de que fala F. C. HARPPRECHT. O juiz tem de interpretar os dois atos, com o auxilio das circunstâncias, para verificar se foi, ou não, atingida a disposição proibitiva do art. 1.680. Há corres pectividade e, pois, não vale a deixa ou a substituição (porque o art. 1.630 incide a respeito de todo o direito testamentário> : a) se dizem os testadores que, no caso de um deles revogar, ou mudar, em parte, o testamento, o seu ou a cláusula correspectiva fica revogada; 14 se a mulher, casada em segunda núpcias, tem uma filha, e a institui herdeira, substituindo-lhe o filho do marido, para que ou porque êsse, instituindo o filho, fêz a filha dela substitui-lo (G. A. STRUVE, Syn~tagma, iurisprudentiae secundum ordinem Pandeetarum, ex. 32, t. 42) ; c) se o testador disse: se meu irmão (ou outrem), no seu testamento, constituir fideicomisso em favor de meus filhos, aqui
fica disposto em favor dos seus (JOA. DOM. PEREGRINUS, De Fideicommissis praesertim wniversalibus frcquentissimus, 12a ed., art. 88, n. 30). Mas, se o testador escreve: “temo que B, testando, não se lembre de D, que ficaria, por nossa morte, em má situação; por isso, se, morto E, D não tiver herdado, será ela minha herdeira (ou legatária) “, não há nenhuma correspectividade, e vale a instituição ou legado. § 5.856. TESTAMENTO CONJUNTIVO E SIMULTÂNEO 4.VERDADEIRO CONTEÚDO DA REGRA JURÍDICA VEDATIVA. A lei estabelece a unipessoalidade do testamento, a completa independência da vontade do testador. Daí as proibições. A simultaneidade material e a coincidência ocasional, por isso mesmo que não violariam tais postulados inclusos na própria definição contemporânea de testamento, não poderiam ter a conseqUência de invalidar, por si sós, o ato testamentário. Deve, pois, considerar-se: a) a unipessoalidade do testamento; 14 a Independencia intencional. Nem todo testamento simultâneo é proibido, nem é mister que sejam simultâneos, para que a lei os proiba. Nem precisam ser no mesmo ato, para que sejam recíprocos ou correspectivos; nem, tão-pouco, a reciprocidade ou o aparente consenso correspectivo, de si só, destrói a cédula testamentária. 5.UNIPESSOALIUADE DO TESTAMENTO. O testamento não é só negócio jurídico unilateral; no direito brasileiro, é também unipessoal: cada vontade, um testamento. Tal a regra geral. Assim: duas pessoas não podem, ainda que unilateral-mente, pelo mesmo ato (testamento público, cerrado, particular, ou especial), dispor com o caráter de última vontade. (Duas pessoas podem, na mesnu escritura, vender as casas que têm, cada uma a sua.) Mas seria êrro dizer-se que é absoluta a unipessoalidade. Pelo contrário, o princípio deve ser entendido em têrmos exatos: em combate, nos momentos da morte, podem duas pessoas declarar às mesmas testemunhas que desejam sejam seus herdeiros A, B e C ou determinada instituição. Não há, na espécie, exceção à unipessoalidade: foram as circunstâncias que obrigaram à simultaneidade, evidentemente extraordinária e acidental. Certo, a lei proibe testamentos simultâneos, mas apenas se a simultaneidade é um dos casos de testamento conjuntivo. Pode ser simultâneo sem ser em comum. Em caso de perigo, não havendo papel em que o tabelião lavrasse dois testamentos, valeria o que fôsse assinado por duas pessoas, mesmo cônjuges, desde que não haja o propósito geral da coujuntividade (mão comum, como se dizia), nem qualquer dos propósitos especiais de iredprocidade, de corres pectividade ou de combinada circunstância de favorecer as mesmas pessoas. Não explicada a excepcional razão de serem simultâneos, ofendem os testamentos o princípio da unipessoalidade testamentária. Portanto, são, por lei, nulos (art. 1.630). Rigorosamente, o requisito de ser unipessoal inclui-se na exigência da pessoalidade dos testamentos. Porque se teme que a conjuntividade, a reciprocidade e a correspectividade atenuem ou limitem a função pessoalíssima de testar. Assim como há povos que admitem o contrato sucessório, há também os que conhecem a validade dos testamentos de mão comum, recíprocos e correspectivos. Entendem êles que essas exceções não ofendem os princípios. 6.INDEPENDÊNCIA INTENCIONAL. A principal ratia teqts da regra jurídica vedativa é evitar que algo se tolha na livre expressão da vontade, que é essencial ao testamento. Por isso, proibe as disposições recíprocas in praevio consensu mutuo, e a dita “perigosíssima” correspectividade testamentária. No zêlo da liberdade testamentária, impede, igualmente, a vontade concertada de instituir terceiro. Pelo fato de ser ordinàriamente em ato autônomo, independente, o testamento, inclui-se na proibição algo que parece obstar à própria conjuntividade, espacial ou temporal, de ordem puramente material e incidente. Já se viu que isso criaria, apenas, elemento de presunção, auxiliar, porém não suficiente, na interpretação de haver ou de não haver laço intencional recíproco ou correspectivo. Em verdade, o principal, o decisivo, é êsse laço intencional, que passaria a existir e a desnaturar o testamento, negócio jurídico unilateral essencialmente revogável, inserindo-lhe o que caracteriza a contratualidade e existe in contractibus vel aliis negotios inter vivos. Por isso mesmo: a) pode ser explicada e, pois, inoperante a simultaneidade (a duobus uno actu ordinatum) ; b) a reciprocidade meramente ocasional (aqui, a simultaneidade, duo simul una carta, criaria fortíssima presunção de direito) não poderia ter o efeito invalidante e a razão já foi apontada: haveria. a ordinariedade do laço recíprocó nas afeições, isto é, a reciprocidade de fato, e não de consenso; e) o serem os testamentos em diferentes atos, ou em diferentes datas, não exclui a possibilidade de existir o laço intencional: assim, se bem que lançados em escritos diferentes (públicos, cerrados, ou particulares), ou, até, em diferentes tabeliáes, de diferentes lugares, ou nações, os testamentos não deixam de ser recíprocos ou correspectivos, quando as circunstâncias persuadam disso(F.C. HARPPRECRT, Diss. de testamentis correspectivis, Tiisp. 38, t. 33). 7.ExTENSÂÇ~ DA INCIDÊNCIA A regra jurídica incide em todo o direito testamentário: herança, legado, substituíções, ~nodus. Às vêzes, só a disposição testamentária é recíproca ou correspectiva, e não todo o testamento. Há de apurar-se a captação de que fala o art. 1.667, 1, do Código Civil. Se em benefício de terceiro,
dá-se a condição captatória, que o mesmo artigo proibe, e corresponde à proibição geral do testamento simultâneo. No próprio codicilo, pode haver conjuntividade proibida (F. C. HARPPRECHT, disp. 38, t. 29). A regra jurídica proibitiva, pressuposto de validade intrínseca para os testamentos regidos, no fundo, pelo direito brasileiros, apanha quaisquer formas testamentárias, porque delas independe: o fundamento principal, conforme já se viu, é o laço intencional. As considerações que foram feitas a respeito da simultaneidade e da independência de intenção expressa, valem para todas as formas testamentárias inclusive para os testamentos especiais. Por isso, não invalida, de si só, o ato testamentarío, o fato de dois militares, ou irmãos ou cônjuges, ou parentes, ou simpleff amigos, ou companheiros estando ambos a morrer, feridos, ou apenas em pleno combate, ou na iminência disso, transmitirem, uno aciu, a duas testemunhas as vontades ultimas. Se ocorre que o contemplado seja um só e não haja razão para se suspeitar do concêrto volitivo, valem os testamentos nuncupativos (art. 1.66a). Se um deles convalesce do ferimento, ou volve da guerra, subsiste integralmente o do outro. Em compensação, pode haver reciprocidade ou correspectividade proibida entre testamento público feito em terra e outro, por forma especial, em alto mar, em plena batalha, ou pelo moribundo ferido em guerra, ou em outra emergência. 8.PACTOS ANTENTJPCIAIS E REGRA JURÍDICA PROiBITIVA DE TESTAMENTOS CONJUNTIVOS Surgiu a questão de poderem, ou não, os pactos antenupciai.s constituir exceção à vedação feita pelo art. 1.630 do Código Civil. Não, respondeu, em decisão de simplismo tranquilo a Côrte de Apelação do Distrito Federal, a 1 de dezembro de 1916 (1?. de D., 45, 610). Sim, advertiu CLóvís BEVILÂQUA (VII, 85), acrescentando: desde que não prejudiquem herdeiros necessários, e são revogáveis por testamento (cf. II, 167) . São assaz diferentes as opiniões: no primeiro caso, nulas as disposições e tudo que delas dependa; no segundo, vaiem, se não forem revogadas. Preliminarmente, tem-se de limitar o que é pacto sucessório. Doação não é pacto sucessório, ainda que para depois da morte: tais doações valem, conforme o art. 314. Também não é pacto sucessório a doação do bem ao filho prématrimonial, com o usufruto vitalício ao outro cônjuge: o usufruto vai até a morte, mas o direito de domínio ficou com. o filho, desde o momento da doação. Também um não é pacto sucessório a disposição com termo fixado na morte, que se ajuste à propriedade resolúvel, reconhecida pelo Código Civil, arts. 647 e 648, instituto do direito das coisas, e não do direito das sucessões, ainda que nêle se observe a coincidência de ser a morte o têrmo. (Alguns juristas teimam em não ler e em não aplicar os arts. 647 e 648.) Também não é pacto sucessório o em que a noiva ou outrem deu em dote, passando es bens aos filhos ou ao dotador (art. 283). Os bens futuros éque constituiriam pacto sucessório, só por isso, se a respeito deles se pactasse para o caso de morte. A exceção é só a favor do dote, mas, nesse, hão de ser adquiridos a título gratuito (art. 280, parágrafo único). Contudo, vejam-se os artigos 1.402 e 1.404. Aliás, quase todos os pactos antenupciais em que a reversão é à mulher, ou seus herdeiros, deve ser considerado dote. Portanto, valem. Devemos evitar as decretações de nulidade, a torto e a direito, com que se rasgam, desceremoniosamente, escrituras que a lei permitiu a favor do matrimônio, como os pactos ante-nupciais. Não menos perigosa é a decretação da nulidade parcial, que tem a grave conseqúência de riscar uma, duas ou mais disposições, a pretexto de se tratar de pacto sucessório, mas deixa válido o resto, que1 na maioria dos casos dependeu, no ajuste, daquele pormenor. Demos o exemplo: “São comuns os prédios, ora pertencentes à mulher, de ns. 1, 2, 3, à rua E, e comum o prédio 4 da rua A, ora pertencente ao marido, mas, se êste premorrer, reverterá a propriedade a favor da mãe dele, para o seu sustento. Os cônjuges não venderão, por isso, o prédio 4, em que moram”. Ê a doa~áo, com o têrmo “morte do doador”: a propriedade comum é resolúvel. Podia ser feito em contrato de doação, reservado o usufruto, ou, se quisessem, com a dependência do têrmo (doação para depois da morte). Não se compreenderia que não pudesse ser feito em pacto nupcial, que tem maior franquia. Finalmente: se há pacto sucessório, proIbido pela lei (art. 1.089), feito em escrita antenupcial, cabe àinterpretação verificar. Porque, se faz parte de um todo, com a secundariedade da passagem por morte, ou se compõe figura do direito das coisas ou de doação para o tempo da morte, ou se apenas atenua o regime de bens, não é contrato de herança. Se os pactos, que têm por objeto quotas futuras, na ordinariedade dos casos são dissimulados contratos de herança, não assim os que recaem em determinado bem, que o proprietário, no momento, pode doar, vender, trocar resolúvelmente. (O prazo do art. 1.141 só se refere à retrovenda: de modo que, nos contratos gratuitos, nada obsta à cláusula de reversão ou de resolução por morte.) Não se trataria, em tais espécies, de pacta corvina, disposições sobre a herança de outrem, nem de pacto sobre a própria sucessão, que fizesse perigar a liberdade de testar. Para que haja pacto sucessório, é de mister: a) que se funde na expectativa de sucessão ainda não aberta; b) que seja contrato sôbre bens de outrem, presentes ou futuros, ou, se de um dos cônjuges, futuros ou existentes ao tempo da morte (Os bens presentes podem ser elemento para se compor a figura de direito real, propriedade resolúvel, usufruto, constituição de renda.) Quanto à revogabilidade ou irrevogabilidade do que constitui matéria sucessória proibida, a solução da Côrte de Apelação foi mais segura que a de CLÓVIS BEVILÁQUA: se é mão, não precisa ser revogado, não vale. Admitida a revogabilidade, interviriam questões sutis de eleito da revogação das disposições recíprocas ou
correspectivas, assunto estranho ao Código Civil. A cláusula de ter o cônjuge do donatário o usufruto se o outro premorrer sem filhos (doação implícita de usufruto ao cônjuge sobrevivente, como o conceituava CHR. LYONCAEN, ou instituição contratual de usufruto pelo dotado ao seu cônjuge, como preferiu F. GÉNY), tida por pacto sucessório proibido, nas convenções antenupciais, por injusta jurisprudência francesa (Cassação, de julho de 1901; Câmaras Reunidas, 2 de julho de 1903, Orléans, 30 de abril de 1904), não se confunde com a constituição de usufruto a da entrega do bem e até a morte do outro cônjuge (doação de usufruto), desde que a propriedade fique ao doador ou a pessoa certa (e.g., o cônjuge, se doação de terceiro). A construção da propriedade resolúvel exige a transmissão do domínio, porém não é incompatível com os próprios móveis. A doação com olá asula de reversão não é o caso único. O que é preciso, para que não incida na sanção proibitiva, é que a figura de direito das coisas se componha. Aparecem, aqui e ali, declarações de nulidade, sem meditação, quanto a cláusulas, doações, pactos, contratos, por parecerem substituições. Como se as substituições fôssem, no direito das obrigações, proibidas, e como se o direito das coisas não as reconhecesse: ésse, na propriedade resolúvel (arta. 647, 648); aqueles por exemplo quando se trata de estipulação a favor de terceiro: o estipulante pode reservar-se o direito de substituir o terceiro; ainda mais: a lei brasileira expressamente lhe concede fazê-lo por atos entre vivos, ou por disposição de última vontade. Vamos aos casos concretos: no pacto antenupcial ou não nupcial, A dá a B a propriedade resolúvel ou o usufruto do bem b, estipulando que B alimente a mãe de A (obrigação pessoal ou constituição real de renda) até a morte de A, ou que lhe pague o valor do bem no dia em que A morre, reservando-lhe o direito de substituir alguém a mãe, se ela premorre a A. Não se trata de contrato de herança (cf. KONRAD HELLWIG, fie Vetrâge auf Leistung au Dritte, 623 5.; L. SCHIFFNER, Der Erbvertrag nach dem RGB., 95, nota 27) 9.TESTAMENTO CONJUNTIVO E DIREITO AUSTRÍACO. Em princípio, cada testamento contém a vontade de um testador. Para cada vontade, um testamento (Código Civil austríaco, § 583; JOSEPH UNGER, System, VI, 97). Porém dois cônjuges podiam testar num só ato (testamenta simultanea), contemplando-se um ao outro (wechsetseitiges Testament, testamcntum reciprocum s. mutuum), ou outra pessoa (testamentum mere simultaneum) . Trata-se de instituição de direito conjugal (§§ 1.217 e 1.248). Portanto, supõe o casamento (§ 1.265). Feito por outras pessoas, nenhum valor podia ter (§§ 583 e 601; cf. Lei austríaca de 31 de julho de 1938). Mas, se muitas declarações de últimas vontades forem tomadas, no mesmo protocolo, êsse defeito de forma não pode afetar a validade dos diversos testamentos (JOsEPE UNGER, Syst em, VI, 98, nota 4) O testamento conjuntivo é um testamento, quanto à forma, feito por dois (§§ 583 e 1.248), podendo cada um escrever a sua parte, subscrevendo os dois (§ 578; cf. Lei austríaca de 31 de julho de 1938), ou entregando ao juiz ou ao notário os respectivos escritos, ou por declaração em comum a êles, perante as mesmas testemunhas (JOSEPE UNOER, System, VI, 99, nota 5; cp. Faz. ALOYS VON ZEILIni, Commentar jiber das aUgemeine biirgerliche Gesetzbuch, III, 603; JOH. Ona. VON HASSE, Rh-einisches Museum flir Jurisprudeuz, 239, mas também O. HARTMANN, Zur Lehre vou deu Erbvertrdgen, 88, 94 e 106). Em todo o caso, é de estranhar que se desse demasiada importância à simultaneidade e conjuntividade material. Nada poderia obstar à dupla solenidade, em dois testamentos. Claro que o contexto deve decidir (Faz. X. 3. E. VON NIPEEL, Erlíiuterung des Aligemeineu Riirgerlichen Gesetzbuch, IV, 121 5.; M. VON STUBENRAUCH, Das Alígemeine Elirgerliche Gesetzbuch, II, 842; JOSEPH ELLINGER, Ilandbuch, ao § 588; contra JOSEPH UNGER, S7,’stem, VI, 99, nota 5). A regra é que os testamentos conjuntivos são livremente revogáveis (§ 1.248), ainda que se trate de testamento recíproco, se, nesse, não se declarou outra coisa (o que se não reputa captação, GXJSTAV HARTMANN, Zur Lehre vou deu Erbvertrdgeu, 128 s., JOSEPE UNGER, Syst em, VI, 108, nota 7). Na dúvida, tem-se o testamento como não correspectivo. A revogação por um não implica a revogaçúo pelo outro, solução esta (§ 1.248) contra a doutrina do direito comum (A. ERINZ, Lehrbnch der Pqndekten, 768, 764) . Estende-se a instituição, fideicomissos e substituições comuns. Todo o direito testamentário dos §§ 566-569, 573, 574 e577-601 foi atingido pela Lei austríaca de 81 de julho de 1938. A respeito do testamento conjuntivo ou comum, há o art. 28,que diz: “1. Um testamento comum não pode ser feito senão pelos cônjuges. 2. Para fazer um testamento comum, segundo o art. 21, basta que um dos cônjuges faça o testamento na forma que aí se estabelece, e que o outro assine, pessoalmente, a declaração comum. O cônjuge que assina deve indicar qual o momento (dia, mês e ano) e qual o lugar em que o assinara. 3. Testamento comum pode também ser feito conforme os arts. 23 e 24, mesmo se as hipóteses que aí são previstas só sejam observadas por um dos cônjuges”. O art. 21 é o que regula a forma do testamento manuscrito. O art. 23 é sôbre o testamento emergencial perante o mere. O art. 24, sôbre o testamento emergencial nos casos especiais (lugar isolado, em consequência de circunstâncias extraordinárias, perigo de morte próxima). 10.TESTAMENTO CONJUNTIVO E DIREITO INGLÊS. Se em direito inglês ocorreu que duas ou mais pessoas testaram ou escreveram codicilo, juntamente (isto é, no mesmo ato, joint testameut or codicil), ou separadamente, mas em têrmos idênticos, cada uma das pessoas pode, em qualquer tempo, revogar, no todo, ou em parte, o
testamento separado (Ilobson versus Blackburn, 1822; Estate of Heys, 1914) . Mas, se uma das partes morre e a outra ou as outras são beneficiadas pelo testamento do premorto, o patrimônio (estates) deles responde no caso de modificação aos seus testamentos, pelo acôrdo primitivo (to cary md the original arrangement). Cf. Dufour versus Pereira; Walpole versus Orford, 1797; Stone versus Hoskins, 1905. Quando morre um dos que testaram tem o probate a parte do ato que há de surtir efeitos na ocasião de tal morte (Goods <4 Piazzi-Smith, 1898) 11.TESTAMENTO CONJUNTIVO E DIREITO ALEMÁO. O Código Civil alemão contém proibição da conjuntividade e exceção a favor dos cônjuges (§ 2.265) . A proibição permite, no Código Civil alemão, algumas soluções de doutrina e de prática, que vieram pôr à prova os princípios, e a nu o fundamento da proibição. .~Que é gemeinschaftliches Testament? Respondido, passou-se às questões: a) se a simples continuidade cada testador no seu pedaço do papel, com a própria escrita, data e assinatura é atingida pela regra jurídica de proibição; b> se, uma vez que se teste, pela entrega de escrito (testamento público), podem os testadores entregar o mesmo e cada um dizer que “este escrito contém a minha vontade última”. Respondendo às questões, há os que aconselham que não no faziam, porque, no momento em que os testadores entregam e fazem a declaração, é como se só entregassem e só possuissem pelo meio (E. ENnEMANN, Lehrbuch des Biirgerlichen Rechts, III, 480 s.). Mas não é bem seguro isso: porque se dois dizem, nenhum disse só até o meio a sua vontade; ambos, de per si, disseram. Os protocolos é que são, ou, melhor, devem ser dois. A combinação deles não livraria de nulidade o ato testamentá. rio. No gemeinschaftliches Testament, não há aceitação de disposições (CARL CROME, Svstem, V, 119). Se houvesse, tratar-se-ia de contrato de herança, e não de testamento comum. O Código Civil alemão faz a unicidade de forma elemento essencial do testamento conjuntivo. Assim, se um dos cônjuges não pode por ser menor, por exemplo, ou não poder ler usar de uma forma, o outro não pode, igualmente, servir-se dela. Há exceção: se um dos cônjuges se acha em perigo de vida. O § 2.266 não é só exceção ao princípio, é por igual aplicação dele: pode fazer-se o testamento comum segundo o § 2.249, se o pressuposto. no § 2.249 só se verifica do lado de um dos cônjuges. Não passa o testamento a ser feito necessariamente pelos dois, na forma excepcional; pode empregar-se a forma ordinária. Deve ler-se o § 2.266 como se contivesse um também (anciz). Se para ambos há as circunstâncias extraordinárias, pode ser leito o testamento comum, segundo as formas dos §§ 2.250 e 2.251. Quer dizer: só no caso dos §§ 2.266 e 2.249, que supõe perigo de morte, é que se pode recorrer à forma extraordinária, ainda que só um dos cônjuges satisfaça o requisito pessoal da iminência de morrer. Em se tratando de lugar, que moléstia ou outra circunstância extraordinária insultou, ou de longa travessia por mar, ambos devem satisfazer os pressupostos legais (E. ENDEMANN, Lehrbuch, III, 484). A simultaneidade e mesmidade do ato, que é indispensável Ilo Código Civil alemão, não é, contudo, atingida pela escolha do diferente uso da mesma espécie de forma testamentária. Assim, a mulher pode preferir a entrega de escrito (minuta) ao juiz, e o homem, a declaração oral, ou vice-versa. Também é possível cada cônjuge apresentar o seu escrito, óu ambos prestarem declarações orais (CARL CROME, Sijst em, V, 121). Mas se um dos cônjuges não sabe ler? Evidentemente, o outro não pode preferir a entrega de escrito, diz CARL CROME (System, 121, nota 21), o que não nos parece tão evidente assim, pois que o protocolo lh.e teria de ser lido, § 2.242. Antes de CARL CROME, também entendia assim E. STROHAL (Das deutsohe Erbrecht, 1, 821, nota 10). Se um dos cônjuges é mudo ou proibido de falar, entendem H. JASTROW (F.ormula’rbuch, 1, 189, 190) e E. RITGEN (Biirgerliche Gesetzbuch, V, 491) que só se pode admitir a e”trega de escrito. Mas E. STROHAL advertiu (Das deutsch’z Erbrecht, 1. 321, nota 8): a conjuntividade do ato testamentário já foi observada na escolha da espécie de forma, a pública, especial ou notarial, não sendo necessária à unidade de forma da declaração. Com razão bastante, porque não milita a favor da similaridade obrigatória o argumento de CARL CROME, relativo aos que não sabem ler. Outra questão delicada: o menor e o que não sabe ler somente podem testar pela forma pública, fazendo oralmente as suas declarações (§ 2.238, alínea 23) e o mudo só o poderia pela entrega de um escrito (§ 2.243) ; se um cônjuge é mudo e o outro analfabeto ou menor, .~.como poderiam usar do testamento conjuntivo? II. JASTROW (Formularbueh,, 1, 190, nota 2, 4 b) e E. RITGEN (Bilrgerliclte Gesetzbuch, V, 491) foram terminantes: tais cônjuges estão exeluídos da possibilidade de testar em comum. Constitui conseqilência da unidade do ato deverem estar presentes, durante êle, no testamento público, ambos os cônjuges (F. RITGEN, Biirgertiche Gesetzbuch, V, 493) . Quanto ao testamento com juntivo hológrafo, possui o Código Civil alemão disposição especial: para testar, basta que um dos cônjuges faça, nessa forma escrita, o testamento, e o outro acrescente que o testatmento deve também ser considerado como seu, declaração necessàriamente escrita e assinada de próprio punho do declarante, com indicação do dia e do lugar (§ 2.267). Aí, a lei; agora, a doutrina. Não basta datar, dizer o lugar e assinar (E. ENDEMÂNN, Lehrbuch, III, 486) ; é de mister a deelaraçâo. Qualquer deles, homem ou mulher, pode escrever. Se o testamento do primeiro cônjuge é tido por nulo, nulo é para os dois figurantes; mas, se o defeito de forma só se referir a uma disposição que nada tem com o que o outro diz, não pode contagiar a sua parte válida e a da outro. A declaração de concordância pode ser assaz simples: “de acôrdo” (cf. E. RITGEN, Búrgeriicites Geseizbuch, V, 494). Discutiu-se se a data e o lugar, apostos
pelo segundo cônjuge, podem ser diferentes dos que escreveu o primeiro cônjuge. Não, responderam II. JASTROW (Forrniilarbuch, 1, 191) e E. HôLDER (Das eigenhãndige Testament, ..Jherings Jahrbiicher, 41, 324). Mas o opinião dominante foi no sentido da possibilidade da diferença (F. lÚmEN, Elírgerlicites Gesetzbuch, V, 494; E. STROIIAL, Das deutsche Krbreoht, 1, 322, nota 13) . Mais ainda: pode ser a mesma, ou, se diferente, posterior; anterior não pode ser (GUsTAV MXEKER, fie Nachlassbehandlung, 92; WALTHER BROCK, Das eigenhdndige Testament, 91) . E. STRoEAL chamou a atenção para o conceito de imitas actus (1, 322, nota 13) e procurou distinguir zmicidade (E’inheitiichkeit) e canjuntividade do ato testamentário, essa, e não aquela, essencial ao testamento conjuntivo. A priori, tinha razão, mas, verdade é, e tivemos ensejo de vê-lo, que os comentadores do Código Civil alemão, inclusive E. STRoHAL. principalmente a respeito do testamento comum perante oficial público, partiram, nos casos concretos, do princípio da untczdade, e não da conjuntividade do ato testamentário. Cientificamente, êsse é o princípio verdadeiro, e a exatidão conceptuaL é assaz útil assim em país, como a Alemanha, que permite tais testamentos, como em países, que o não conhecem, ou, expressa mente, como o Brasil, o proibem. WILHELM MANTEY (Mússen die Daten, die holographisch gemeinsam testierende Gatten zufolge Gesetzes beiderseit zu schreiben haben, identisch sem?, Das Recht, V, 430) discutiu a questão da identidade das datas, a propósito da mudança de- opinião de GEREÂRD EICHHORN (Das Testament, 3? ed., 131; Die Nachtheile des eigenhãfldi geu Testaments, Zeitschrift des Deutsciten Notarvereins, 11, 248), o que mostra a incerteza provocada pela imprecisão da. regra jurídica inserta. ~ essencial que a declaração ou o outro ato seja um só com o outro, pela continuidade material das fô lhas. Se as circunstâncias extraordinárias dos §§ 2.250 e 2.251 se verificam para ambos os cônjuges, pode ser feito segundo aquelas regras jurídicas o testamento conjuntivo. Se um não pode empregar a forma excepcional, o testamento conjuntivo não pode ser feito: é a conseqUência da inserção do principia da unicidade, que se pôs, em vez do outro, que devia valer. Já se disse que o Código Civil alemão só o admite aos cônjuges, por necessidade dos costumes (Protokolle, V, 457) . Basta que seja junto, em forma e fundo; não é preciso que seja recíproco, nem que sôbre a sucessão de sobrevivo existam disposições (H.PEISER, Handbucit des lestamentsrecitts, 382). Se o fizeram juntos, contemplando terceiro, é testamento conjuntivo O testamento conjuntivo pressupõe casamento. Mais: a vigência dele. A exceção é como homenagem legal ao instituto do matrimônio. Os noivos não podem dele usar; têm de lançar mão do contrato de esponsais ou do ccmtrato de herança (§§ 2.275, alínea 3?, e 2.276, alínea 2.~). Se noivos o fazem e depois se casam, nem por isso ganha validade: nulo foi, nulo fita (E. S’PROIIAL, Das deutsche Erbrecht, 1, 320, nota 5) . No caso do § 2.077, o testamento conjuntivo é sem qualquer efeito; mas, se o casamento se dissolve pelo divórcio e advém morte de um dos cônjuges, ou se se verifica a espécie da segunda parte da alínea la do § 2.077 (direito de pedir o divórcio por culpa do outro cônjuge, e pedido de divórcio ou cessação da sociedade conjugal), valem as disposições, se se há de considerar• que foram concebidas para tal caso (§ 2.268). Dissolvido pelo divórcio o casamento, as novas núpcias não restauram o testamento conjuntivo (M. E. ECCIUS, 7iheorie u’nd Praxis, IV,, § 257, nota 48; GEORG FROMMHOLD, Erbrecht des R.G.R., nota 1. ao § 2.268) . Dá-se o mesmo quanto ao restabelecimento da sociedade conjugal, e isso a despeito do que se estatui no § 1.587: a restauração dêsse § 1.587 somente concerne ao futuro (E. lÚmEN, Riirgeriiehes Gesetzbuúh, V, 495). Cp. F. ENDEMANN (Lehrbuch, III, 487) . Pode parecer estranho que, no caso acima citado, da 2a parte da alínea 1~a do § 2.077, se considerem válidas as disposições relativas às dissoluções do casamento por divórcio ou da sociedade conjugal. O que podia propor e propôs é o sobrevivo, e nesse caso é justo que o outro, pela morte, não se livre da validade das cláusulas. Se o culpado é o sobrevivo, as disposições valem, e a lei estabelece que o cônjuge culpado fique na impossibilidade jurídica de invocar ineficácia do testamento (F. ENDEMANN, Lehrbuch, III, 487; cp. EDUARD GOLDMANN, Das gemeirischaftlwhe Testament unter besonderer Beriichsichtiguflfl des soa. Bertiner Testaments, 5 5.; II. DERNBURG, Das bitrgerliche Recht, § 91, nota 2; E. RITGEN. Ritrgerliches Gesetzbuch, V, 495). Outra questão é a de se saber se a dissolução do casamento revoga todo o testamento (Preussisches aligemeines Landrecht, 1, 12, § 489), ou somente as disposições correspectivas. O § 2.268, alínea 1a, parece dar a primeira solução, mas a 2a alínea se filia a outro critério da distinção entre o que é correspectivo e o que não é correspectivo (LUDwIG UWENWÂLD, Das gemeinschaftlichen Testainent im R013., 91 s.). Seria assaz duro aplicar-se, friamente, a alínea 1~a Fôra dar à simultaneidade o efeito de impor o caráter de recíproco e correspectivo ao que não no tem. Mas a opinião foi no sentido contrário (F. ENDEMANN, Lehrbtwh, III. 487), o que é de lamentar-se. Cumpre notar-se que a alínea 2a não se refere à dissolução da sociedade conjugal pela i2ulidade do casamento: aqui, não caberia qualquer distinção entre disposições correspectivas, ainda as de que fala a própria alínea, e não-correspectivas, porque falta todo o pressuposto lega!, que é o próprio casamento (II. PEISER, flandbuch des Testamentsrechts, 333). No caso de um cônjuge se recusar, por ter sido declarado morto, sem fundamento, o outro, prevalece a alínea 2.S: é como se tivesse havido divórcio (H. PEISER, Handbudz, 334). Passemos ao § 2.269, alínea La, que é de grande valor prático. Diz êle: “Se os cônjuges, em testamento comum, pelo qual rec’iprocamente se instituem herdeiros, determinaram que, após a morte do sobrevivo, a sucessão de
ambos se devolva a terceiro, é de entender-se, na dúvida, que o terceiro é instituído para toda sucessão na qualidade de herdeiro (ais Erbe) do cônjuge falecido por último”. Primeira advertência: a regra jurídica é para o caso de dúvida. Antes do Código Civil; discordava a doutrina: a) ora se decidia que, se morria um dos cônjuges que instituíram o terceiro, o sobrevivo ficava como fiducidrio da herança do premorto e do seu próprio patrimônio; b) ora se resolvia pela separabilidade das disposições: cada cônjuge dispunha de seu patrimônio; vinha em primeiro lugar o cônjuge; substituindo-o, em caso de premorrer êsse, o terceiro instituído; em segundo lugar, se não premorresse o cônjuge instituído, como fideicomissário o terceiro que o sobrevivo instituiu; o) ora se entendia que cada um instituía o outro para o caso de premorrer, e o terceiro, se sobrevivesse ao outro cônjuge: portanto, no primeiro caso, a sucessão do terceiro não se realizaria, se bem que (precisa solução, que se volta sôbre si mesma) a correspectividade obrigasse o sobrevivente a instituir o terceiro. Três construções, bem diferentes, sustentadas respectivamente, por II. DERNBURG (Lehrbuch des preussisciteu privatrechis, III, nota 5), M. E. ECCIUS (Titeorie und Praxis, IV, § 257) e LUuWIG LOWENWALD (Das gemeinschaftliúhen Testameni, 71 e 72, nota 5), pelos autores citados em LuDWIG SC1{IFFNER (Der Erbvertrag, 89, nota 15) e pela jurisprudênQia dos últimos tempos. A primeira teve muitos partidários, enumerados em Ii. DERNEURO (Lehrbuch, § 183, nota 3). À mesma conseqúêflcia que a última, por estradas menos tortuosas, chegou o Código Civil alemão (Motive, V, 388; Protokolle, V, 406, 407) . Na dúvida, o terceiro recolhe toda a herança na qualidade de herdeiro do último falecido. Por isso mesmo: a) o terceiro não pode transmitir por sucessão ou ceder antes da morte do segundo cônjuge, salvo o o caso especial do § 2.069, e a data também decide de quem deve ser o herdeiro, se a designação não foi individual; b) o terceiro sómente recolhe o que existe no momento em que f alece o cônjuge sobrevivente: não poderia reclamar indenização pela diminuição ou perda do patrimônio; o) se são muitos os instituidos, faz-se a partilha per capita, salvo intenção expressa, em sentido contrário, pelos testadores; d) se o terceiro também é herdeiro necessário do premorrente, reclama a sua parte, sem que isso importe a renúncia da eventual sucessão do segundo cônjuge (cf. §§ 2.306, alínea l.¶ e 1.946) . Mas os testadores podem prever tal caso de renúncia pela reclamação da legítima. O que acima se disse também é de invocar-se quanto aos legados: antes da morte do segundo cônjuge, nenhum direito têm os legatários. Tal o que diz a 2•a alínea, para o caso de dúvida. É de notar-se que tal testamento tem, por fôrça, caráter correspectivo, em virtude do § 2.270, alínea 2a, oue faz correspectivo o recíproco (F. ENDEMANN, Lehrbuch, III, 491) . Trata-se de regra jurídica de interpretaçdo. Portanto, onde outros elementos de interpretação haja, não deve ser invocada (FRTEDRICHS, Zum § 2.296 des BGB, Das Reeht, 1,7, 258) : ou resultem das palavras do testamento, ou, por exemplo, da impossibilidade de se ajustar a regra jurídica aos direitos concedidos ao terceiro. Por outro lado, releva notar que se considera terceiro o filho comum, mas F. ENDEMANN (Lehrbuch, III, 491) insinuou o caso da premorte do marido, querendo criar solução dissimétrica, que é de lamentar-Se. A interpretação, além do interêsse prôpriamente jurídico-construtivo, tem o que deriva da aplicação das leis de impostos. Aliás, como ocorre no Brasil nas classificações de verbas de usufruto, inalienabilidade, substituições vulgares e fideicomisso. 12.TESTAMENTO BERLINENSE. Chama-se testamento berlinense (Rerliner Testament) o que constitui, com a praxe prussiana, a forma fundamental do testamento conjuntivo: “Nós, cônjuges, nos instituimos herdeiros um ao outro; nossas filhas, bem como seus descendentes, herdarão de nós o que da herança restar por morte do sobrevivo”. Segundo a praxe, constituía-se como Vorerbe, herdeiro instituído, o viúvo, e sucessor, Nacherbe, a filha ou filhas. O testamento do § 2.269, alínea 13, toma o acervo hereditário como unidade, e costuma-se chamar testamento conjuntivo alemão. Ainda boje cumpre que se atendam as características e efeitos do Berliner Testanzent, porque certo regionalismo empregava, caprichosamente, a expressão Berliner. No testamento alemão puro, o sobrevivo éo único herdeiro do que resta ao tempo da sua morte. Sôbre o Rerliner Testament, cf. F. ENDEMANN (Lekrbuck, III, 49. 493), GÉZA 1(íss (Zur juristischen Xonstruktion der korrespektiven Verfúngungen im gemeinschaftlichen Testament, Archiv flir Ehirgerliches Redil, 25, 180), HEINnCH MERSMANN (Die praktische Verwendbarkeit des Berliner Testaments, Archiv lar RUrgerliches Recht, 37, 271 s.) e KANOLDT (Pflichtteilsanspruch, Are/ti» flir Riirgerliches Redil, 40, 262 s.). A questão do testamento berlinense continuou a interessar juristas e notários, considerando-o HEINRICH MERSMANN (Die praktische Verwendbarkeit des ll3erliner Testaments, Archi» fiir Elirgerliches Recht, 37, 272) assunto que toca o cerne da família alemã. Tem-se o § 2.269 como criador de presunção de unidade, contra a concepção germânica do casamento, e das relações dos cônjuges entre si e com os filhos. (O testamento conjuntivo evolveu com a comunhão de bens.) 13.EFICÁCIA DAS DISPOSIÇÕES CORRESPECTIVAS E DAS NÃO -CORRESPECTIVAS NO DIREITO ALEMÃO. Diz o Código Civil alemão, § 2.270, alínea 1a, que, tendo os cônjuges, em testamento conjuntivo, feito disposições pelas quais se há de admitir que a disposição de um deles não seria feita sem a do outro, a nulidade e a
revogação de uma têm por consequência a ineficácia da outra. Portanto, o princípio não é o da nulidade e revogação compulsóriamente simétrica. Importa, pois, dizer-se que o testamento é livremente revogável, só em si, sem conseqilência em dispositivos do outro testamento. Assunto de grande importância: a correspectividade não obriga à duplicidade, de modo que pode ser unilateral, se sómente um cônjuge a fêz correspectiva (assim, KONRAD COSACK, Lehrbuch, II, 728; E.STROHAL, Das deulse/te Erbrecht, § 43, a, nota 9). Se há correspectividade no testamento conjuntivo, a situação muda: a) a ineficácia da disposição correspondente é consequência da nulidade ou da revogação das disposições (§ 2.270, alínea ia); b) não se indaga se o outro quis, ou não, tal efeito (H. PEISER, Handbuch des Testamentsreehts, 337) : resulta da correspectividade que a nulidade ou revoga çêo de uma disposição se contagia à outra. Mas só quanto à instituição, aos legados e aos modos (§ 2.270, alínea 33). Outras disposições podem, a despeito da correspectividade, furtar-se às consequências de contágio ou da invalidação simétrica. Se há disposição correspectiva, ou se não há, di-lo a interpretação. Na dúvida, cumpre optar pela sua existência: a) se houve recíproca instituição; b) se, para o caso de premorte do outro, o cônjuge chama à sua sucessão parentes do outro (II. PEISER, Handbuch des Testamentsreehts, 336). O Direito comum reconhecia todos os testamentos conjuntivos -O Preussisches Alígemeines Landrecht, restringiu-os aos côn juges. O 1 Projeto, § 1.913, excluia-o; mas a pressão da opiniáo~ dos jurisconsultos, o respeito e o favor do matrimônio levaram a II Comissão a admitilo. No Código Civil alemão prevaleceu o privilégio dos cônjuges e a conjuntividade nas formas e no fundo, porém dando-se àquela rigor e limite que lhe conferem o caráter de unicidade do ato. No testamento conjunto, as disposições se bem que ligadas pela forma e pelo fundo não deixam de ser unilaterais e independentes: não se cria a bilateralidade, que é um propor e um aceitar, um estipular e um anuzr. Sutil a distinção, mas de extraordinária importância. Os efeitos são bem diversos; as próprias exigências de forma e de capacidade são diferentes. Quanto à revogação no testamento conjuntivo no direito alemão, há no Código Civil alemão o § 2.271: a) Se a disposição tem aqueles laço de dependência que se referiu (§ 2.270, alínea l.~), durante a vida dos cônjuges revogase pelo modo por que se revogam os contratos de herança, (§ 2.296) : um cônjuge não pode unilateralmente revogá-la, por outro testamento. Portanto: a revogabilidade pode ser por testamento conjuntivo, ou por contrato de herança. Se foi dada, na cédula, a faculdade de revogação, então não é correspectiva a dispo. sição. b) Com a morte de um dos cônjuges, cessa a revogabilidade. Mas, ainda assim, o sobrevivente pode renunciar a liberalidade que se lhe fêz, revogando a sua disposição, ou, até, depois de aceitá-la recorrer aos §§ 2.294 e 2.336, casos de indignidade e exclusão do beneficiado (§ 2.271, alínea 2.a). o) Se o descendente de um dos cônjuges, ou de ambos, é beneficiado, cabe aplicar-se por analogia o § 2.289, alínea 2,a, que dá ao disponente, se o beneficiado é seu descendente, exercer, por declaração posterior, a pretensão à medida do § 2.338. Depositado o testamento, só os dois cônjuges podem pedir a retirada (§ 2.272). Portanto, morto um deles, não pode mais ser pedida (RONRA» COSACK, Leh.rbuch, II, 728; E. RITOEN, lihirgerliches Gesetzbuch, V, 510). Se foi dissolvido o casamento, ou se o ato testamentário ficou sem objeto, a não ser no caso de não validade do casamento, porque então é nenhum, melhor solução é a da negatividade da retirada. No caso de ter-se de abrir o testamento comum, as disposições do sobrevivente, separáveis das do outro, não devem ser publicadas, nem, por qualquer modo, dadas a conhecer. Fechar-se-á o testamento e guardar-se-á no depósito oficial 1.NÚMERO LIMITADO. Diz o Código Civil, art. 1.631: “Não se admitem outros testamentos especiais, além dos contemplados neste Código (arts. 1.656 a 1.668)”. O Código Civil somente conhece dois testamentos especiais digamos extra.ordinários o testamento marítimo e o testamento militar, subdividido êsse em testamento perante o comandante ou, no caso do § 3•O do art. 1.660, pelo oficial imediatamente inferior, que substituiria na escrita o testador impedido, e em testainento nuncupativo, com duas testemunhas (art. 1.663). 2.INTERPRETAÇÃO DA REGRA JURÍDICA LIMITATIVA. São conseqúências do art. 1.631 do Código Civil: a) No território brasileiro, ou onde se reconheça ao Brasil extraterritorialidade, só as duas espécies existem: a forma tem de ser as dos arts. 1.656-1.663, e as marítimas nos navios brasileiros. b) Passa a constituir questão de direito internacional privado o reconhecimento, ou não, dos testamentos especiais em outras circunstâncias extraordinárias, assunto que exige trato àparte, porque se põem em jôgo a lex loci, a lei pessoal e, quiçá, a lez .1 ori. e) Dentro do direito brasileiro, não é possível invocar-se o principio de analogia, para se criarem outros testamentos especiais: seria contrário ao art. 1.631 o raciocínio analógico. Porém essa questão é diferente de outras que têm de ser levantadas a propósito do art. 1.663. Pergunta-se: jos militares referidos nos arts. 1.660-1.663 são apenas os do exército? ~,Os marinheiros, empenhados em combate, ou feridos (possivelmente, descidos a terra), ficam excluídos da forma nuncupativa?” O Decreto-lei n. 32, de 18 de novembro de 1966, art. 42, atribuição ao Comandante da aeronave a função de registar nos documentos de bordo os nascimentos e óbitos ocorridos a bordo, porém não a de lavrar testamento. § 5.858. Contrato de herança
1.REGRA JURÍDICA VEDATIVA. O Código Civil, artigo 1.089, é explícito: “Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva”. Entende-se de um dos figurantes, ou de outrem cuja sucessão ainda não se abriu. Há povos que reconhecem o contrato da herança, figura ao mesmo tempo contratual e de direito sucessório, porém foi GusTAv HARTMANN quem tentou frisar dever-se ter o Erbvertrag como testamento contratual irrevogável. No Código Civil alemão, prevaleceu, ao que pensou KONRAD HELLWIG (Die Vertrage au)’ Leistzmg an Dritte. 591 e 599), tal concepção, se bem o negassem LuDwIa SCHIFFNER (Der Erbvertrag nach dem BGB., 61 s.) e GEORO FROMMHOLD (Das Erbrecht, 246). Em todo o caso, ainda entre os que não admitem a concepção de GUSTAV HARTMANN, muitos reconhecem que se não trata de simples contrato. Para ser mais testamento do que contrato, falta-lhe a liberdade, elemento essencial: nêle, vige a irrevogabilidade; portanto, ocontrário do livre dispor (Ii. DERNEURO, Das Rutrgerliche Recht, V, 271). No testamento, a lei é o altruísmo; no contrato de herança, o egoísmo. Está aqueles para a morte, como a troca para a vida. Se é certo que não exige o conteúdo pecuniário, nem por isso deixa de supor prestação e contraprestação. Como contrato, a proposta não pode ser condicionada: perfaz-se integralmente no momento (daí, os §~ 145-163 do Código Civil alemão não serem invocados). Pretendeu-se caracterizá-lo como negócio jurídico abstrato e gratuito. LAbstrato, por quê? li. DERNEURG (V, 272) atribuiu tal adjetivo à moda, reinante no comêço do século, de catar relações jurídicas abstratas, transformada em abstratomania. Quanto à gratuidade, nem tem razão os que o afirmam, nem II. DERNBURO (V, 272) : as disposições é que podem ser bilaterais, ou não, onerosas ou gratuitas, o que transforma o contrato numa colcha de retalhos. Finalmente: no Código Civil alemao, o contrato de herança construiu-se como contrato, se bem que, para ficar no domínio do direito das obrigações, pudesse construir-se como declaração unilateral de vontade. Não no fêz o Código Civil. Mais ainda: tornou a forma o principal da conclusão dele, fazendo contrato, sem lhe exigir o laço de aceitação. Donde a singularidade da figura jurídica: contratual, bilateral, com efeitos de cada lado (E. ENDEMANN, Lehrbuch, III, 629) 2.CONTRATO DE HERANÇA E REGRA JURÍDICA VEDATIVA DO DIREITO BRASILEIRO. É usual, na doutrina brasileira, dizer-se que não se tem o contrato de herança porque o proibe o artigo 1.089 do Código Civil, regra jurídica que aparece no Direito das Obrigações. Por amor da precisão técnica, ponhamos nos devidos têrmos a questão: se assim fôra, nada significaria o § 312 do Código Civil alemão que diz a mesma coisa: “O contrato sôbre a herança de um terceiro ainda vivo é nulo”. Se o Brasil não tem o contrato de herança, cujo objeto sejam os próprios bens presentes e futuros do contratante, é porque somente reconhece, no direito de sucessões, uma espécie de disposições mortis causa: o testamento, que depende de formalismo especial e é, por definição, revogável ad nutum. Não é ocioso insistir nisso, porquanto se tem pretendido, com a só invocação do art. 1.089, invalidar, aqui e ali, inconsideradamente, tudo quanto se refira à suspensão ou resolubilidade no momento da morte. Vejamos Os antecedentes mais parecidos com o Código Civil brasileiro. Dizia o revogado Código Civil português, art. 2.042: “Ninguém pode, nem sequer por contrato antenupcial, renunciar à sucessão de pessoa viva, ou alienar, ou obrigar os direitos, que eventualmente possa ter à sua herança”. Contém tal regra jurídica o melhor comentário ao texto do Brasil: tratandose de sucessão de outrem, ainda não aberta, ninguém pode, ainda em pacto antenupcial, renunciar, alienar ou obrigar os direitos que possa ter. Não cabe distinguir da sucessão necessária a legítima, ou a testamentária. No Código Civil português de 1966, art. 2.181, estatui-se: “Não podem testar no mesmo ato duas ou mais pessoas, quer em proveito recíproco, quer em favor de terceiro”. Os princípios que vão limitar a disponibilidade dos próprios bens, presentes ou futuros, e criar duas séries de atos proibidos e não proIbidos não podem ser baseados no Código Civil brasileiro, art. 1.089. Mas derivam da revogabilidade inderrogável dos testamentos, e tão-somente disso. Portanto, se o ato jurídico unilateral ou não pode compor figura do direito das coisas ou do direito das obrigações, sem ser mútéria especifica de testamento, não pode deixar de ser reconhecido. Recai sôbre patrimônio do contraente e fôra absurdo, se não dissimula laço contratual ou irrevogabilidade unilateralmente querida, substitutiva do testamento em assunto que somente êle poderia reger, riscar, por nulo, o que a pessoa quis e constituiu. No Código Civil argentino, art. 1.175, a redação também só se refere à herança de outrem: “No puede ser objeto de un contrato la herencia futura, aunque se celebre con el consentimiento de la persona de cuya sucesión se trate; ni los derechos hereditarios eventuales sobre objetos particulares”. 8.CONTRATO DE HERANÇA NO DIREITO ALEMÃO. No direito alemão, tratou-se do assunto do direito das sucessões, porém com o nome revelador, Erbvertrag (§§ 2.274-2.302), e com extraordinária minúci a e precisão técnica. Só pessoalmente se pode dispor pelo contrato de herança (§ 2.274). Se bem que permitido a qualquer pessoa (Protolcoile, V, 872), quase só se usa entre noivos ou entre casados. As disposições mortis causa podem ser de ambos, ou de um só dos figurantes, onerosas ou gratuitas, recíprocas ou a favor de terceiro. Não se considera
contrato de herança, no sentido do Código Civil alemão: a) o que recai sôbre a herança não aberta de outrem (§ 812), porque êsse é nulo; b) a disposição pela qual um ou ambos os figurantes se obrigam a fazer, a não fazer, a revogar, ou a não revogar disposição ‘nurtis causa (§ 2.802), porque também énula; c) a renúncia da herança, conforme o § 2.846, que o Código Civil alemão permite em vida do decujo aos parentes e cônjuge dêsse, ainda quanto às legítimas; d) o contrato pelo qual um dos figurantes promete ao outro efetuar, após a morte dêsse, determinada prestação a terceiro, porque não há, aí, contrato de herança, mas contrato ou estipulação a favor de terceiro, válido na Alemanha como no Brasil. Cp. Código Civil alemão, § 380, 23 parte, e Código Civil brasileiro, arts. 1.098-1.100 (RONRAD I{ELLwIG, Die Vertrãge auf Leistung au Dritte, 623 s.; LUDWIG SCHIFFNE.R, Der Erbvertrag nack dem RGR., 95). O conteúdo pode ser instituição de herdeiro, legado ou modus (§ 1.941, 13 alínea; § 2.278, 23 alínea). Domina plena liberdade: aceitação de parte a parte, ou não; ser contrato bilateral ou unilateral: recíproco ou a favor de terceiro. O princípio é que o disponente isto é, aqueles cuja sucessão é objeto de contrato não pode fazê-lo por intermédio de outrem (§ 2.274). Alguns atos exigem a mesma personalidade de feitura (§§ 2.282, 2.284, 2.290 e 2.296). Mas o figurante, que não dispõe, pode fazer-se representar, poú mandatário, ou pelo representante legal e nada obsta a que a outra parte ou aceitante seja pessoa jurídica (GUSTAV MÀRKER, Die Nachta.ssbeIzandlung, 199; H. JA5TROW, Formularbuch, II, 309). Se os figurantes contraentes forem muitos, e um só o disponente, juridicamente há tantos contratos quantos forem êles, mas o ato é um só (cp. LunwíG SCrnFFNER, Der Erbvertrag nach dem RGB., 48 e 62). Dá-se o mesmo se a multiplicidade fôr de disponentes. O incapaz de negócio ou de exercício não pode fazer contrato de herança (§ 2.275). Se falta a capacidade, é nulo o contrato: a aprovação ulterior ou ratificação pela própria parte, tomada capaz, não apagaria o vício original (Motive, V, 846; E. STROHAL, Das deutsche Erbrecht, 851). Mas há exceção (§ 2.275, alínea 23) : “Um cônjuge pode, como disponente concluir, com o outro, contrato de herança, ainda quando limitada a sua capacidade de negócio. Precisa, nesse caso, do consentimento do seu representante legal; em sendo êsse tutor, é de exigir-se a aprovação pelo juízo de tutela”. A alínea 83 estatul que a mesma 23 alínea incida quanto aos noivos. Originou-se da II Comissão, atendendo à freqúência de tais contratos. Entende-se que a qualidade de casado ou de noivos não se exige ao contemplado, porque a lei não pressupõe gratificação recíproca (11. JASTROW, Formularbuch, 1, 192, nota 8) . No caso de representante tutor, se o juízo de tutela não homologa, é nulo o contrato (F. ENIEMANN, Lehrbuch, III, 687) . Se o contrato só institui herdeiro para o caso da morte de um cônjuge, só a êsse é exigida a capacidade: o outro pode ser menor-e não estar representado (E. ENDEMANN, Lehrbuch, III, 638). Só se faz perante o juiz, ou o notário, com a presença simultânea das duas partes (§ 2.276) . Mas o que apenas é figurante, sem dispor, pode representar-se. Pode ser por declarações orais (protocolo) ou pela entrega de escrito, com o testamento judicial (§§ 2.288-2.245). São regras jurídicas comuns aos dois institutos. Se unilateral, um declara ou’ entrega o escrito, e outro apenas anui: a referência do § 2.276 aos §§ 2.288 e 2.241, ~, é inexata (F. ENDEMANN, Lehrbuch, III, 688). Mas, se bilateral, não: cada um declara o que quer, ou entrega o seu escrito, quiçá cada um escolhe a forma que lhe convém (LUDWTG SCHIFFNER, Der Erbvertrag nach dem BGB., 116 s.), mas havia quem não distinguisse, e permitisse a simples anuência, ainda que bilateral (E. STROHAL, Das deutsch,e Erbrecht, 853; F. RITGEN, Ruirgerli,ches Gesetzbuch, V, 519) e excluissem, sem razão, a forma oral para um e a escrita para o outro (GUSTAV MXRKER. Die Naehlassbehandlung, 201; GEORG FROMMHoLD, Erbrecht, nota 1 ao § 2.275). Se, no caso do § 2.275, alínea 2•a ou 83, tem de intervir representante, a presença dele não éobrigatória: só o é para os figurantes (HEINRICH WTLKE, Erbrecht, nota 1 ao § 2.275), outra opinião, a de E. MEXSCHEIDER (Die letzwilligen Ver fiigungen, 203). Do § 2.276 tira-se que as formas dos testamentos hológrafos, maritimos, militares ou de lugares insulados, não servem ao contrato de herança. Os escritos entregues podem ser dois ou um só. Mas a entrega de escrito não se pode admitir, se o contrato de herança é incluso em contrato de casamento (§ 1.434), em contrato de adoção (§ 1.750, alínea 23), ou no chamado contrato de renúncia de herança (§ 2.348), porque prima a forma de cada um dêsses (E. JAsmow, Formularbnch, 1, 195, nota 8 a, 196, nota 9). Se todas as partes não entendem o alemão, pode ser feito em língua estrangeira, desde que todos os intervenientes a saibam (§ 2.245). Mas, se uma parte sabe alemão, chamar-se-á intérprete a quem não sabe, conforme o § 2.244 (J. HOEM, Das Erbrecht des BGB., 226; E. JASTROW, Formularbueh um! Notariatsrecht, 1, 185; contra: LUDwIG SCHIFFNER, Der Erbvertrog nach dem BGB., 117). Se o contrato de herança está em comum com outro contrato, também não incide o § 2.245 (ato em língua estrangeira), porque o § 2.245 é especial e o seu processo inaplicável a atos entre vivos (E. RITGEN, liuirgerliches Gesetzbuclz, V, 521). O ato há de ser fechado, como a propósito dos testamentos (§ 2.246), subscrito e depositado, salvo se os figurantes não no quiserem, entendendo-se que o não querem se o coxitrato de herança está em comum com outro ato (§ 2.277) . Cada um dos figurantes terá o seu certificado de depósito. A retirada do depósito, só os dois figurantes podem pedir (Motive, V, 319). Não importa revogação (o que sucederia ao testamento), porque o depósito é voluntário (Motive, V, 341; Protolcolie, V, 409). O que se permite aos figurantes é que não se feche e deposite:
a lei não lhe faculta querer uma coisa, e não outra (E. JASTROW, Pormularbuch und Notariatirecht, 1, 197; F. RITGEN, Bitrgrlicites Gesetzbuch, V, 522; cp. GEORG FROMMHOLD, ErbrecLt, nota 1 ao § 2.277) . No contrato de herança, cada um dos dois figurantes pode dispor; mas, contratualmente, as disposições somente podem ser instituição de herdeiros, de legado, ou de modo (§ 2.278). Se ambos dispõem, presumem-se-lhes dependentes, uma da outra, as disposições inseridas (§ 2.298). Mas, se um só dispõe, discute-se se há contrato de herança ou disposição “mortis causa”. Tem importância a questão, pela possibilidade, no último caso, de revogação. Pela primeira solução, o 1 Projeto; a II Comissão suprimiu, sem excluir a possibilidade, mas sim para deixar livre a interpretação (Prato kolle, V, 402, 458) A função interpretativa é livre; todavia, em geral, se há interêsse do outro figurante em jôgo, ou, se estipulada a favor de outrem a disposição de um dos figurantes, toca a êsse a revogação, pelo interêsse que tem na cláusula, e isso pesa na interpretação (cp. LunwíG SCHIFFNER, Der Erbvertrag nach dem RUE?., 75, e KONRAD HELLWIC, Die Vertràg auf Leistung tua Dritte, 616) . Se o figurante do contrato, que tem de intervir na revogação, é incapaz, faz-se preciso que figure e consinta o representante lega!, bem assim (E. ENDEMANN, Lehrbuch, III, £45) para revogar (o § 107 não é invocável) . Talvez, se sob tutela, o juízo especial (§ 2.290, alínea 33, 13 parte) . A revogação pode ser parcial ou total. Tratando-se de legado ou eneargo, basta testamento, com o consentimento que é irrevogável do outro figurante (§ 2.291). Tudo que o contrato contém e não é instituição de herdeiro, legado ou encargo, não se considera contratual; portanto, tem-se por perfeitamente revogável. Corresponde ao § 2.270, alínea 33, relativo ao testamento conjuntivo. Exemplos: a nomeação de testamenteiro, as normas para partilha da sucessão legítima, a exclusão de herdeiro, tudo que concerne a direito de família. ~aplicável o § 140 do Código Civil alemão, sôbre se converter negócio jurídico, quando é de presumir-se que o disponente o queria na forma válida se conhecesse a nulidade. Sim, acentuou F. RITGEN (Rúrgerliches Gesetzbuch, V, 525). Porém não tem a conseqúência de firmar, como queria KONRAD HELLWIG (Die Vertràge auf Leistung an Dritte, 603), a teoria de GUSTAV HARTMANN. KONRAD EELLWIG (602) e RONRAD CoSACK (Lehrbuch des deutschen Rúrgerlicheu Rechts, II, 724 s.) sustentavam a conversibilidade em cláusula testamentária, como derivada, diretamente, do caráter paratestamentário do contrato de herança: a teoria de GUSTAV EARTMANN, na plenitude da sua aplicação. Quanto às liberalidades e aos encargos convencionais, incidem, por analogia, as regras jurídicas relativas às liberalidades e encargos de última vontade (§ 2.279). E o § 2.077, de que já se falou, também rege o contrato de herança entre cônjuges, ou entre noivos, ainda quando o beneficiado seja terceiro (§ 2.279, alínea 23). Cumpre, porém, notar-se que se trata de aplicação analógica, que lhe não tira o caráter contratual (F. ENDEMANN, Lehrbuch des deutschen Rúrgerlichen Reohts, III, 628). Se o testador revoga o testamento, com que revogara o legado, vale êsse (E’. RITCEN, BitrgerlichE3S Gesetzlntch, ¾543). Se é certo que se não aplicam os §§ 145-158 e 305-319, não se pode dizer o mesmo dos §§ 155 e 157 (E’. RITGEN, BiirgeYlich~BS Gesetzbtwh, V, 525). Quanto à alínea 2.8, cumpre advertir-se que os ~§ 2.077 e 2.279 não são juvocaveis com a extensão do § 2.268, relativo ao testamento nuncupativo. Se, no contrato de herança, os cônjuges, que se instituiram reciprocamefite herdeiros, dispuseram que, em caso de morte do sobrevivente, a sucessão se devolveria a terceiro, ou instituiram legado executável em tal tempo, dá-se aplicação analógica do ~ 2.269 (cf. § 2.280). Pode ser anulado, por pedido do disponente, o contrato de herança, se feito por êrro, ou rebns aio atantibus, ou nos mais casos do §§ 2.078 e 2.079. Mas, para a anulação com fundamento no § 2.079, é preciso que o herdeiro necessário exista na época em que se quer pedir anulação (§ 2.281, alínea l.~j. Se o disponeilte, após a morte do outro contraeflte, quer anular disposição a favor de terceiro, deve declará-lo ao juízo de sucessão, que o comunicará ao terceiro (§ 2.281, alínea 2.~). São causast invocáveis os defeitos de vontade, as mudanças de circunstâncias e a violação das legítimas. O direito de anulação pelo testador é personalissimo. Exceto no caso do § 2.282, ~linea 2.8 não pode ser exercido por intermédio de outrem, nem se transmite aos herdeiros. Após a morte do testador, só as pessoas mencionadas no § 2.080 podem pedir anulação do contrato, com fundamento nos §§ 2.078, 2.279 e 2.285 (F. RITGEN, Bitrg crU-cites Gesetzbu.ch, V, 529) . O credor do disponente não tem qualquer direito de anulação (LUDWIG SCRTEFNER, Der Erbvertrag nach clern 5GB., 151, nota 12). ~ interessante notar-se. que, no caso de dolo, não é preciso que o outro figurante conhecesse ou devesse conhecer o dolo do terceiro, para que se possa pedir a anulação (E. RITOEM, Búrqerliches Gesetzbuoh, V, 528) ;. o § 123, alínea 2.8, não se aplica ao contrato de herança. O pedido de anulação não pode ser feito pelo representante do dísponente. No caso de capacidade restrita, não precisa do consentimento do representante legal para o pedido. Se o disponente é incapaz, o representante legal pode pedir a decretação da nulidade, com aprovação do juízo de tutela. O pedido de anu-lação deve ser feito por ato judicial ou notarial (§ 2.282). Por parte do disponente, o prazo para o pedido é de um ano. No caso de anulablidade por ameaças, começa a correr do momento em que cessa a coação; nos outros casos, do dia em que se conheceu a causa de anulação. Aplicam-se por analogia as disposições dos §§ 203 e 206, relativas à prescrição (§ 2.288, alíneas 1.~ e 2a1 No caso do § 2.282, alínea 2.8, se o representante legal não pediu em tempo a invalidação, pode pedi-la, pessoalmente, o disponente, como se não tivesse tido representante legal (alínea 8.~) -
Trata-se de prazo preclusivo. Conta-se segundo os §§ 187, alínea lA e 188, alinea 2?. Se o dísponente apenas tem capacidade limitada e poderia anular sem representante legal, corre contra êle o prazo. O § 2.283 somente éinvocável para a anulação pedida pelo disponeflte pelas outras partes, o prazo preclusivo é o dos §§ 121 e 124; para as pessoas do § 2.080, o do § 2.082 (E. RITCEN, Búr.qerlichús Gesetzbueh, V, 530) . Mas essas pessoas do § 2.080 não podem, com fundamento nos §§ 2.018 e 2.079, pedir a anulação, se já extinto o prazo para o disponente (§ 2.285) : se ainda vigora, é outro prazo que lhes corre (Motive, V, 325) Só o disponente, pessoalmente, pode ratificar o contrato de herança anulável. No caso de capacidade restrita, exclui-se a ratificação (§ 2.284) . O § 144 é aplicável (Protokolle, 1, 886) . Após a ratificação, é inatacável o contrato de herança, mas a ratificação pode ser atacada. Quanto ao caso do § 2.275, alínea 2.8, a opinião é pela irratificabilidade (LUDWIO SCHIF~ NER, Der Erbvertttig nach dem SOB., 156, contra I-IEINRICH WILKE, Erbrecht, nota 2 ao § 2.275). O contrato de herança não restringe ao dísponente o direito de dispor dos seus bens por ato jurídico entre vivos (§ 2.286). I’~ão era assim antes do Preussisclies Alígemeifles Landrecht, 1, 12, § 624, e do Código Civil saxônico. Os §§ 2.287 e 2.288 prevêem casos de abuso do direito: no caso de doação lesiva do herdeiro contratual, pode êsse, ao se lhe devolver a herança, exigir a restituição, segundo as regras jurídicas do enriquecimento injustificado, ação que prescreve em três anos a partir da abertura da sucessão (§ 2.287). Se o disponente destruiu, desviou ou prejudicou o objeto de legado convencional, impossibilitando a prestação, o objeto será substituído pelo seu valor (§ 2.288, alínea 1?). Se o testador alienou ou gravou o objeto, com intenção de lesar, o herdeiro é obrigado a buscar-lhe o objeto ou a desonerá-lo, aplicando-se, por analogia, o § 2.170, alínea 2.8, a tal obrigação. Se a alienação ou gravaçflo foi feita a título de doação, o beneficiado tem, se não pode obter a indenização pelo herdeiro, o direito do § 2.287 contra o donatário (§ 2.288, alínea 2.~). fl preciso notar-se que o § 2.288 não é simples regra jurídica de interpretação (F. RITGEN, Riirgerliches Gesetzbuck, 540). Após a morte do outro figurante, pode, por testamento, em virtude do § 2.297, suscitar a resolução do contrato de herança. O contrato de herança, bem como qualquer disposição contratual particular, pode ser atingido por outro contrato, em que figurem as pessoas que concluíram aqueles. Mas isso não pode dar-se após a morte de uma delas. Tal contrato só pessoalmente pode ser feito pelo que dispôs da sua sucessão. No caso de capacidade restrita, não precisa do consentimento do representante legal. Se a outra parte se acha sob tutela, é de mister a homologação do tribunal. Dá-se o mesmo se sob o pátrio poder, quer se trate de contrato passado entre cônjuges ou entre noivos (§ 2.290, alíneas 1a.. 3ª) A forma é a do contrato de herança (§ 2.290, alínea 43). a forma do contrato imposta à resoluçâo: por isso, se o contrato de herança se fêz em contrato de casamento, entAo basta a forma dêsse. O contratê de herança feito entre cônjuges pode ser desfeito por testamento conjuntivo deles, aplicáveis, por analogia, as disposições do § 2.290, alínea 3•a (§ 2.292). No § 2.298, o Código Civil aiem&o conferiu ao disponente a faculdade de resolução do contrato de herança, se se reservou tal direito na convenção (§ 2.298>. Pergunta-se se não se choca tal dispositivo com o caráter obrigatório do contrato de herança, mas há, aí, evidentemente, o influxo do testamento. Não se trata de condíçãoo resolutiva, aliás admissível. Não precisa figurar no contrato, pode ser em suplementar. Nio se confunde com a reserva de dispor diferentemente, em declarações posteriores. Também é possível resolver-se a disposição contratual nos casos em que o beneficiado perderia a reserva, se é herdeiro com direito a ela, ou se o fOsse (§ 2.294, cf. §§ 2.383-2.385) A doutrina adverte: é preciso que a causa seja posterior ao contrato de herança; se anterior, não cabe a distinção de ter sido, ou não, conhecida do disponente (F. RTTGEN, Rurgertiches Gesetzbuoh, V, 548; LUDwIG SCHIFFNELI, Der Erbvertrag nack dem BGR., 178). Se era desconhecida, pode ser usada a ação de anulação fundada nos §§ 2.281 e 2.078, alínea 2•a Se a disposição correspondia à obrigação contraída, perante o disponente, pelo beneficiado, de prestações periódicas, ou de sustento daquele, pode ser resolvida se, antes da morte do disponente, fôr anulada a obrigação (§ 2.295). A resolução só se exerce pessoalmente; para ela, o que tem capacidade restrita não precisa do consentimento do representante legal: opera-se por declaração ao outro figurante e faz-se judicial ou notarial-mente (§ 2.296). Pode fazer-se por testamento, aplicáveis, no caso do § 2.294, as regras jurídicas do § 2.386, alíneas 2A~4.a. (§ 2.297). Mas, revogado o testamento, revive o contrato de herança. Se, no mesmo contrato, disposiçôes contratuais forem concluídas pelos dois figurantes, a invalidade de uma tem como conseqfiência a ineficácia de todo e contrato (§ 2.298, alínea l•~) Trata-se de regra jurídica de interpretação: presume-se, legalmente, a dependência e correspectividade das disposições. Não se confundam invalidades como advento de eondiçôes, têrmos, repúdios, morte do beneficiado (LUDwIG SÇHIFFNn, Der Erbvertrag nãoh dem RGR., 188). Também não aplica ao que é disposição unilateral, se bem que o § 2.298 fale em “ineficácia de todo o contrato”. Se, em contrato da alínea lA do § 2.298, se reservou a resolução, feita para um, tem o efeito de destruir todo o contrato, O direito de resolução extingue-se com a morte do outro contraente. Mas o sobrevivente, se renuncia ao benefício, pode resolver, por testamento, a sua disposição (§ 2.298, alinea 2.~)• Cada contratante pode, no contrato de herança, dispor tudo que poderia em testamento. Será como se um testamento fôra. Pode desfazer as disposições, em contrário do que acontece quanto às disposições contratuais. Se por outro conttrato, ou pelo uso do direito de resoluçio, se tira eficácia a contrato de herança, a disposiçâo perde-a no que ngo se tenha de admitir que
outra era a vontade do disponente (§ 2.299). Os §§ 2.259-2,263 e 2.278 aplicam-se à abertura do contrato de herança, mas as regras jurídicas do § 2.273, partes 23 e ga, só no caso de dep6sito (§ 2.800) 4.CONTRATO flE HERANÇA NO DIREITO suíço. O COUtrato de herança só se faz na forma do testamento público (Código Civil suíço, art. 512, alínea 1?): aos figurantes declaram a vontade, simultâneamente, ao oficial público; assinam o ato perante êle, na presença de duas testemunhas (alínea 2.~). A teoria de GUSTAV HARTMANN não prevaleceu; mas, se bem que não se trate de negócio duplo (Doppelgesúhdft), de um lado é regido pelas regras jurídicas sôbre contratos (Código Suíço das Obrigações de 1911, art. 1 s.), e de outro, pelas das disposições de última vontade: negócio jurídico bilateral para o tempo da morte (A. ESCHER, Das Erbrecht, Komme’ntar, III, ‘72 s.). A sinrultaneidade, de que se fala na alínea 2•a do art. 512, não significa que tenham os figurantes de dizer ao mesmo tempo, mas imediatamente um ao outro (A. ESCHELI, III, 101), talvez por simples declaração de aceitar (cf. Código Civil suíço, art. 500), como nos atos entre vivos (P. TUoR, Kommentar, III, 848) . Para o caso de língua estrangeira, procede-se como nos testamentos públicos. O Código Civil não trata do depósito do contrato de herança: a doutrina decide que, feito em dois exemplares, pode ficar com os figurantes; salvo se a legislação cantonal exige que se deposite (E TUOR, Kommentar, III, 850) . t necessário haver a maioridade (Código Civil suíço, art. 468) do disponente: 20 anos (arts. 14 e 15), e ser o figurante capaz de discernímento (art. 16). Excluem-se da capacidade de contrato sucessório, como disponente, e.g., e louco e o ébrio. Se sob tutela, A. ESCRER (Das Erbrecht, gominentar, III, 26) não admite representação, por se tratar de assunto sucessório (EUGEN HUEER, System und Gesehichte des Sehw eizerischen Privatreehts, II, 322). Também nesse sentido, P.TuoR (Koinmentar, III, 101) Aliás, parece-nos frágil a opinião contrária de EUGÊNE CURTI-FORRER (Comnwfltaive, 369), que vê nas marginais dos arts. 498 e 512 distinção explícita entre os testamentos e os contratos de herança. Os figurantes, por cOfl,VCflçaO escrita (diferença notável em relação ao direito alemão, § 2.290, e achamos pouco coerente), podem, se querem, resili-lo (art. 513, alínea 1•~)• Em todo o caso, a convenção escrita deve ser assinada, ainda que a lei não o diga (1’. TUOR, Kommentar, 512) . Se, após a conclusão do contrato de herança, o herdeiro, ou o legatário, se torna culpado de ato que importaria deserdação, o disponente pode anular (antilar, anfechten) a instituição ou legado (art. 513, alínea 2ª). Essa “anulação” (o texto alemão disse “einseitige Aufhebung”, revogaçao unilateral que é melhor expressão) faz-se numa das formas prescritas para os testamentos (art. 513, alínea 33). Se o motivo fôr anterior, há a ação de anulação por êrro (artigo 469), como por violência, ou dolo (E. TUOR, Kommentar, .351) . A ignorância do motivo anterior não autoriza a ação do art. 513, alínea 33. Aqueles, a quem o contrato de herança confere a faculdade de reclamar prestações entre vivos, pode resili-lo, de acôrdo com o direito das obrigações, se não foram executadas ou garantidas, como se convencionou, as prestações <art. 514) . A lei não disse a forma. Se o herdeiro ou legatário não sobrevive ao disponente, caduca o contrato de herança (artigo 515: “est resilié”, expressão imprópria; no texto alemão está: “so fãllt der Vertrag dahin”). Todavia, salvo cláusula em contrário, os herdeiros do premorto podem reclamar a repetição do enriquecimento ao tempo da morte (art. 515, alínea 23). A alínea 13 é de natureza dispositiva (E. TUOR, Kommentar, V, 358) . (O art. 516 está fora do lugar, no Código Civil suíço: nada tem com a forma dos atos para a morte; édireito sôbre conteúdo: “As liberalidades por testamento ou contrato de herança não se rompem (“so wird nicht aufgehoben”, “ne sont point annullées”), se, depois, diminui a faculdade de dispor do seu autor: mas cabe a redução”.) § 5.859. Direito constitucional e testamento 1.CRIAÇÃO, ALTER.AÇÃO E EXTINÇÃO DE FORMAS TESTAMENTÁRIAS. As formas testamentárias somente podem ser criadas ou modificadas, ou extintas, pelo Congresso Nacional. Os Estados não podem intervir, nem estabelecer nulidade ou presunções legais. Contudo, podem exigir aos seus juizes que, antes do “cumpra-se”, procedam a diligências, desde que, com isso, não se invada o domínio do direito material. Os Estados-membros não podem modificar regras jurídicas de capacidade, nas espécies testamentárias, nem alterar ou acrescentar aos arts. 1.650, 1.719 e 1.720 do Código Civil, que trataram das testemunhas nos testamentos. Se um Estado-membro determina que os escreventes e mais pessoas dos cartórios não figurem como testemunhas, a infração tem as consequências disciplinares, porém não a de invalidado. O Código Civil, em regra, não usou das expressões “tabelião” e “notário”,. como outras leis. O que êle exige é que seja oficial público, pessoalmente. Trata-se de oficial com fé pública, oficial que euremàticamente possa portar por fé (art. 1.634), isto é, oficial cuja afirmativa valha e seja parte integrante de instrumento público. Não é preciso que seja o oficial público competente para outras escrituras públicas: pode ser o exclusivo de testamentos ou exclusivo ou privativo. Se um Estadomembro dá a atribuição ao escrivão da Provedoria ou das varas cíveis, vale. Pode, até, dizer que tal oficial é o juiz de paz, ou o substituto, da comarca. Mais: o escrivão da intendência municipal. O que éessencial é que lhe dê fé pública, a qualidade de oficial público. A lei de organização judiciária do Estado pode, a respeito, dispor. Mas, aí, para a função substancial da legislação estadual. Ela cria o oficial que o Código Civil pressupõe. Só isso. Pode ser
que exija outras formalidades aos testamentos papel selado, pagamento prévio de impôsto; mas isso não constitui causa de nulidade. Se algum Estado-membro, por exemplo, não exige que o ato seja pelo próprio oficial, mas por escrevente juramentado, isso não eiva de nulidade o testamento: tal escrevente, em virtude da legislação estadual, é oficial público Mas é preciso que a legislação lhe confira fé pública. A lei que permitisse ao escrevente escrever o testamento, porém não lhe reconhecesse fé pública, cindiria as funções de escritor do testamento público, e de certificação, portando por fé, o que se não compadece com a lei federal. Tudo que se disse sôbre o oficial público, no tocante ao testamento público, incide no tocante ao testamento cerrado. Os Estados-membros não podem simpli.. ficar o processo de publicação ou confirmação do testamento particular. 2.LÍNGUA ESTRANGEIRA E LEGISLAÇÃO ESTADUAL. O testamento tem de ser escrito em língua nacional (Código Civil, art. 1.632, parágrafo único). Se um Estado-membro manda que se junte tradução, devidamente assinada pelo testador e autenticada, cominada a pena de nulidade. Não há nulidades de atos jurídicos fora do Código Civil. É isso que leva a afirmar-se ser inoperante a cominação de nulidade. Mas a legislação estadual pode dizer que faltará fé pública ao oficial quanto a atos de estrangeiros que saibam escrever se êsses não-escreverem, após o apanhado do oficial em língua nacional, o que êles declararam, vertido na própria língua. Éxaminadas as circunstâncias, não é de excluir-se a possibilidade de ser formalidade essencial, em certos casos. Outra questão é a dos governos de fato e as nomeações de oficiais. 3.GOVERNOS “DE FACTO” E TESTAMENTOS. Às vêzes, os governos são, para uns, de facto, e para outros, de iure. Êste énão só o que devia estar no poder e não está (MOUNTAGTJE BERNARD, Nc7etrality of reat fintam during Ameriean civil War, 108), como também o que está no poder e, embora em situação discutida, devia estar. Surge, então, a questão jurídica sôbre o direito ao cargo. A própria subida pode não ser normal: ogovêrno de facto pode ascender normalmente na aparência, por maquinações; e o de direito ter precisado de insurreições ou revoltas. A solução que temos de esperar é matéria puramente de direito constitucional: é, ou não, de qua-estio iuYZS. Respondido isso, parte-se a questão: ato testamentário praticado perante oficial, nomeado pelo govêrno estadual de facto, e cabendo a apreciação ao juiz brasileiro, do mesmo Estado-membro, ou de outro (direito civil e interestadual) ; ato testamentário, praticado perante o juiz ou oficia] de outra nação, nomeado pelo govêrno de facto (geral ou local), cabendo a apreciação ao juiz brasileiro (direito internacional privado) Aqui só nos interessa a primeira parte. Da outra, adiante se há de tratar. A validade ou udo-validade do ato de nomeação épreliminar, mas preliminar que pode associar-se a outras. Primeira distinção: governos gerais e locais. Se a autoridade do govêrno é geral, se estende por todo país, deu-se substituycão completa do poder, é para o juiz interno como para govêrno de iure. Assim, revolução unitanista, ou federalista, com a uniformização das leis de jurisdição, de ofícios públicos, e res pectivas nomeações, que se alastrasse e dominasse o país, nomeando tabeliães, escrivães, juizes, criaria a figura do govêrno de facto generalizado e os atos teriam de ser e deveriam ser respeitados. Os testamentos feitos perante tais oficiais valeriam, sem discussão, e o juiz deve reputá-los válidos, ainda quando nova revolução reimpusesse o govêrno estável anterior, o chamado govêrno de jure. Não coexistiriam. Existiriam, um após outro. A decisão do nôvo govêrno restaurado que considerar sem efeito as nomeações não pode ter a conseqúência de invalidar os testamentos das pessoas que falecerem antes de vigorar tal solução nova. A regra é que os governos de jure sejam intolerantes com os de facto: tudo que antes se fêz éilegal. Há, pois, limite, algo como constituiçáo superposta aos governos nascidos ou não das Constituições, que autorizam os juizes a velar pelo interêsse público, estabelecendo justo critério nas apreciações concretas. Trata-se de análise de relações, de princípios superiores, de induções, que também se permitem nas questões de direito intertemporal constitucional. Se a questão da validade dos testamentos feitos perante oficial nomeado pelo govêrno de facto tivesse de resolverse pelos decretos reconhecedores, ou não, dos atos do govêrno anterior, todas as nomeações seriam nulas; todos os testamentos, nenhuns. É preciso considerar o quantum despótico da Política (= ‘7), e reduzi-lo ao do Direito (xx 4). Seria mais do que injusto: seria aceitar a su.spens’io da vida de um povo, a não-testabilidade por ato público. Há limitações que nascem das relações para com outros países e dos cidadãos com a ordem social (govêrno de facto, ou não) . Valem as dividas contraídas, quiçá os tratados, as escrituras entre particulares e os testamentos. Ou o nôvo govêrno diz que valem, e então tollitur quaestio. Ou nada estabelece, e devem entender-se válidas, por presunção, as nomeações. Ou diz que não valem. Aqui, o juiz pode obrigar os próprios governos de facto ao reconhecimento, os dirigentes a que observem as leis. Tal o procedimento americano, após a guerra de Secessão. A justiça paira; as revoluções e governos de facto são fenômenos pauticos. A Constituição das Repúblicas do Salvador, art. 69, de Honduras, art. 99, da Venezuela, art. 104, e do Peru, art. 10, declararam nulos os atos dos governos de facto. Mas revolução geral de ordinário revoga a Constituição, o que dá no mesmo: há Constituição de facto. Em todo o caso, restaurada a ordem constitucional, vêm os decretos, e os juizes dêsses países costumam só considerar válidos os atos que os decretos permitem Essa não é e não pode ser a solução brasileira. ~ Se o govêrno de facto fôr local? Para o caso dos testamentos e no sistema federativo do Brasil, o
govêrno de todo um Estado-membro, o govêrno que está, de facto, no Poder, sem coexistir, de facto com outro, é govêrno geral. Valem, portanto, as soluções que demos aos casos ocorridos sob govêrno geral. Aos governos locais é inabluível a coexistência. Tais os das guerras civis. Há atos de um e atos de outro, atos do vencido e atos do vencedor. que pode ser o de facto como o de’ inre. Aliás, o vencedor, com o critério político, considera-se, a si mesmo, de iure. Se o vencedor discrimina os atos seus que valem e es que não valem, praticados durante a guerra, cria problemas graves. O govêrno de iure não poderia ter tal procedimento, O que disputava o poder legal, durante a luta, reconheceu a soberania de facto coexistente (não é a mesma coisa que lhe reconhecer a beligerância, que só tem efeitos quanto ao direito penal) : o juiz interno também deve dar aos atos o valor jurídico e as consequências, que lhes caberiam, e.g., leis novas de organização judiciária, nomeações de oficiais públicos. A regra jurídica tem de ser a seguinte: se o vencedor é o de iure, devem-se considerar válidos todos os atos de conformidade com a lei e pendente a disputa do podei; se o vencedor é o de facto, desde o dia em que começou a existir, a co-existir (ex hypothesis). Restam os atos do govêrno de facto vencido e os do govêrno de inre que foi inteiramente destruido e para sempre: a)Atos do govêrno de facto vencido: se o govêrno de inre lhe reconhece os atos, corta-se a questão; se o govêrno dá regras jurídicas a respeito, cabe ao direito intertemporal. No Brasil, a questão do govêrno de facto local, coexistente, com duração e estabilidade, pode provocar a intervenção federal: o ato explícito do govêrno de iure vencedor, considerando nulos os atos jurídicos perante oficias nomeados pelo govêrno de facto, duradouro, e os do próprio executivo federal ou do legislativo, não escapam à apreciação do juiz. Se houve passagem do cartório ao nôvo oficial, exercício ‘efetivo, prática de atos de fé pública, é preciso afirmar-se a validade dos atos testamentaros perante êle praticados. Se o govêrno legal não reconheceu, de modo nenhum, a coexistência de facto, ainda que, efetivamente. algumas cidades ou zonas estivessem sob o poder passageiro dos revolucionários, o juiz deve em princípio aplicar as leis como se só um govêrno existisse, para evitar a imprudência de dar ao Direito a mobilidade da Política. Mas: a) Se o govêrno regional de facto permaneceu, com estabilidade (caso dos Estados do Sul, na guerra civil americana), cabe a lição do juiz FIELD, no caso Horn versus Lockhart (1873), que argumentava, decisivamente: “A existência de estado de insurreição não desatou os laços de sociedade, nem suprimiu a administração civil e a aplicação regular das leis. Era preciso manter a ordem, aplicar os regulamentos de polícia, fazer respeitar os contratos, celebrar os casamentos, regular as sucessões e a transferência dos bens, como em tempo de paz”. b) Se o govêrno vencedor afirma a ilegalidade de todos os atos do govêrno de facto, sem os distinguir, ainda assim o juiz deve entrar na apreciação, reduzindo às necessidades jurídicas o critério político: as circunstâncias ordinárias da vida e é o caso dos casamentos e dos atos testamentários não devem sofrer com as mobilidades do processo político de adaptação social, nem o govêrno salvo caso de diferença radical que diga com a ordem pública pode querer o prejuízo dos particulares. Ainda em se tratando de formas testamentárias novas (isso, no Brasil, não caberia, porque a legislação é federal), cumpriria atender ou poder alegar que houve atos cuja responsabilidade não assume. Mas o juiz examina as circunstâncias para verificar se a não-validade é admissível. Após a guerra da Independência, os tribunais americanos reconheceram o poder legislador dos Estados-membros a partir de 4 de julho de 1776, e não do Tratado de 1783. b)Atos do govêrno de iure vencido. O vencedor, govêrno de facto, vai considerar-se de iure. Mas as considerações de que os habitantes contavam com a vitória da situação jurídica contra a situação de facto (ainda que, politicamente, partidários da revolução) e de que o govêrno federal interviria pela restauração (o que se supõe, pela Constituição da República) bastariam para afastar a possível invalidação: seria querer-se que o fenômeno político negasse o próprio juiz apreciador do caso, negasse o Direito, fôsse, no passado, desfazer o que juridicamente se estabeleceu: o sinal de Política é (para o futuro) e não ~ (para o passado) ; por isso mesmo, as leis não retroagem, e o que está feito fica (Política é 2; Direito, 1), e só muda para os casos futuros (PONTES DE MIRANDA, Introdução à Sociologia Geral, 235 s.). As Constituições estaduais fixam o poder legislativo dos Municípios. O que êles podem fazer tem as sós consequências que teria, se feito pelo Estado-membro. De modo que as questões são as mesmas. § 5.860. Direito penal e formas testamentárias 1.TESTAMENTOS E CRIMES. Atos particulares, documentos privados, ou não, os testamentos, devido à sua significação e importância, são pelas leis penais considerados, indistintamente, atos públicos. Ficção legal, que o caráter do ato justifica. Talvez seja resquício da função legislativa que se exercla’nos próprios testamentos não públicos. Se bem que hológrafo, o testamento particular é como a instituição de patrimônio; mas, hoje, o fundamento está no fato de ser difícil verificar-se a fraude caligráfica (AMnancIo NEGRI, em P. COCLLO, Completo Tratato di Diritto Pende, , 1.ª parte, a, 521). 2.CRIMES MAIS ENCONTRAVEIS Os crimes encontráveis são os de falsificação do testamento público e os de
falsificação do testamento particular, que cabem, respectivamente, nos arts. 297 e 298 do Código Penal. Outros podem ocorrer, como o de falsificação de certidão, quer ideológica, quer natural, e o de falsa identidade. § 5.861. Espécies de testamentos quanto à forma 1.FUNÇÃO JURÍDICA DAS FORMAS TESTAMENTÁRIAS. A forma é processo técnico. Nos nossos dias, não pode ter caráter ritual, mas sim próprio à estabilidade específica. Seria inconsequência (nos tempos de hoje, em que a inteligência tem finura bastante para reconhecer e discernir os fatos do direito, e para discriminar relações em sua realidade imaterial) alimentar a superstição dos formalismos obsoletos, que prejudicaram, em vez de servir à vida. Ora, o Direito, processo social de adaptação, não tem outro fim que o de servir à existência coletiva e individual. Forma contrária a êsse fim, é forma contrária ao Direito. Quando a lei escrita, ou a praxe doutrinária ou judicial, que também são fontes de formas, estabelece, para determinados atos jurídicos síricto sensu e negócios jurídicos (citação, interpelação, casamento, adoção, testamento, hipotecas) determinadas exigências formais, não tem outro fito senão o de pressupor cautelas, envoltórios, dentro dos quais, conveniente-mente resguardadas as vontades, se lhes garanta e precise a eficácia. Raro, somente para precisá-la ou restringi-la: quase sempre, para assegurar-lhe o resultado jurídico que especifica-mente foi querido. 2.EVOLUÇÃO DAS FORMAS JURÍDICAS. Se examinamos a evolução que se operou do formalismo romano à mentalidade hodierna, vemos que se procedeu a verdadeira crítica das funções das formas, sem qualquer preconcebida antipatia (pois que a vida moderna criou formas novas), porém no sentido de apreciar a utilidade social e individual do seu emprêgo. Dai o movimento de diminuição de exigências que apenas atende uma. das leis evolutivas do Direito. Por isso, no apreciar as formas como processos técnicos, meios, para fins de segurança jurídica (se garantem, segurança para os que desejam eficácia aos seus atos de vontade; se restringem, segurança para os outros)~ o direito contemporâneo, como o dos séculos passados, ora atenua o rigorismo da forma como elemento, exterior e sensível, necessário ao ato jurídico, ora reconhece a legitimidade de novos quadros formais em ~ue se verta e se modele o querer dos homens. De tudo isso havemos de tirar que o invólucro não deve sacrificar os atos que deve revestir. Se é certo que às vêzes o requisito formal tem por fim delimitar, dificilmente se poderiam, ainda em tais casos, intrometer considerações de sacrifício do fundo, do ato, de mal compreendida sujeição à forma solene, seja probatória, seja acauteladora ou normativa (de habilitação, e de processo, de fiscalização) . Também se tira, não só que as regras jurídicas sôbre forma são suscetíveis de interpretação, com todas as possibilidades dos modernos critérios de apreciação científica da lei, como, por igual, que ela não deve ir além do fundamento ou do critério inspirador do processo técnico, que é a forma. Processo técnico não é fim, é meio. Por outro lado, não se veda ao direito não-escrito estabelecer cautelas, exigir formas a determinados atos, às habilitações, aos propósitos de publicidade e, se a necessidade o inspira àprova de fatos. Não é a lei escrita a fonte única do direito, nem se abre ao princípio da multiplicidade das fontes essa exceção. § 5.861. ESPÉCIES DE TESTAMENTOS QUANTO À FORMA -relativa às regras jurídicas de exigências formais. Tão-pouco ficam imunes os textos escritos às apreciações com que a ciência e a prática procedem a sua adequação aos fatos da vida. 3.IMPFRATIVIDADE E INTERPRETAÇÃO. As formas testamentárias são de interêsse público; mas isso não quer dizer que se não possam interpretar os artigos de lei, que fixam os. requisitos essenciais: a) pode a forma, considerando o efeito~ não ser da máxima importância: quando forma non est magnae importaníiae, considerato efleciu; b) a exigência formalística cede, onde cessa a razão de se requerer a forma (quando <-es.. sarei causa forinae adimplendae) ou o fim (juando forma ad aliquem finem eM constituta); c) quando o que se fêz vale o mesmo (“equipolência”, a que se referiam os juristas lusitanos) : quando actue factus eandem rim hab ei; d) quando de-~ monstrativa (ad aliquid demonstrandujn requisita). Em todo êsses casos, pode adimplir-se pelo equivalente: tufo enim potesi adimplere por aequipollens. Não são palavras de hoje, são velhas palavras, que meia-ciência de alguns ou não compreende ou delas se esqueceu. Outros elaboravam fórmula mais geral, porém, no fundo, a mesma: nisi tamen sia tutum formam inducens considerei aliquem eflectum, quja tune si eflectus sequatur omissio for-mae nau vitiat. (Ou: quando forma respicit certum eflectum, per aequipollens potesi effectualiter canse qui.) 4.INTERPRETAÇÃO DAS LEIS SÔBRE FORMAS TESTAMENTÁRIAS. No caso de o que se teria como testamento não ter forma, ser imperfeito, não existe o próprio ato. Tal formalismo passou ao direito português e dominou como princípio. Ainda hoje, atenuado, domina. A falta da forma deixa não completo, é pois inexistente o ato testamentário (MANUEL FIGUEIRA DE NEGP.nRos, introductio ad ultimas voluntates continens omnia necessaria ad confectionem Testamenti, 1, 2, c. 1, n. 4) ; mas isso não visava dizer, nem visa, que a lei da forma
não se interprete. A lei da forma é lei como as outras leis. Imperativa, sim, mas as leis imperativas são suscetíveis de interpretação. O que ela diz, e nisso difere de outras regras jurídicas, é que a falta faz inexistente o ato e o defeito, ainda mínimo, torna nulo o ato. Mas o que é defeito, di-lo a lei, ou a interpretação. Se aqueles defeito mínimo é, realmente, defeito, isto é, se tem aquela consequência, di-lo o entendimento do texto legal. O entendimento não poderia ser o de absurda interpretação literal. As idéias modernas, frutos de evolução da ciência, e da técnica, encontram pleno apoio em velhos mestres de tempos bem mais maduros no apreciar o valor e o alcance das leis. Na letra legal está consignada a exigência do elemento exterior e sensivel, da veste material à imaterialidade do querer expresso, mas, na lição de hoje, como na de ontem, pode satisfazer-se com o igual em resultados. Se se chega à conclusão de tratar-se de levissirna solenuitas, então nou est sufficiens ad evertenda suprema defunciorum elo gia. As regras jurídicas sôbre formas testamentárias são bis cogens. Não pode o testador por vontade sua, declarada ou não, ou por fôrça das circunstâncias, fugir à observância do que a lei, como forma solene, estatui. Isso não quer dizer que o íus cogens tenha de ficar sujeito às algemas de inafastável interpretação literal. Éle é co gens, no que diz, porém não nos meios de se procurar o que êle diz. Tal verdade da ciência, nem sempre a vemos na solução dos expositores, desaparelhados para a delicada adequação da lei aos fatos da vida. (Nem se confunda isso com o favor testamenti, que está no Código Civil, artigo 1.666: quando se fala de favor testarnenti, só se cogita do conteúdo. O mesmo sucede no Código Civil alemão, § 2.084: WILHELM MANTEY, Das Erfordernis richtiger Datierung holographischen Testaments, Gruchois Beitráge, 43, 642). Um dos fundamentos da exigência formal é não se deixarem dúvidas quanto ao emprêgo válido das solenidades. Por isso, a interpretação tem de ser restrita (EMIL JAOOBY, Das cigenhándige Testaríz cmi, 39) . Interpretação restrita de formas solenes quer dizer interpretação que reduz ao mínimo. Ora, interpretação com tal propósito limitativo não poderia ser literal: procura o que seja validante dos testamentos, enquanto êsse mínimo de exigência não prejudica o critério formal. Por onde se vê, claramente, que a solução contemporânea, sôbre ser a dos bons espíritos dos séculos passados, consulta outros princípios de interpretação das leis e das categorias reais das nulidades, no submeter o texto imperativo aos depuramentos de crítica esclarecida e sã. § 5.862. Direitointernacional privado e formas testamentárias 1.LEI DE INTRODUÇÃO AO Cóníco CIVIL, ART. 10 E §§ 1.0 E 2.0. As regras jurídicas sôbre a lei que rege a sucessão são de grande relevância na vida contemporânea. As relações entre os povos são intensas, correntes imigratórias continuam e há deslocações para outros Estados que aqueles em que homens e mulheres nasceram. Ora para negócios, ora para serviços, ora por simples turismo. Na Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei número 4.657, de 4 de setembro de 1942), estatui o art. 10: “A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que era domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens”. E o § 19: “A vocação para suceder em bens de estrangeiro situados no Brasil será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge brasileiro e dos filhos do casal, sempre que não lhes seja mais favorável a lei do domicílio”. E o § 2.0: “A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder”. Afastou-se a lex patriac, que era a lei pessoal conforme o direito anterior. Fêz-se estatuto pessoal o do último domicílio do decujo. Se era estrangeiro, casado com Brasileira e deixou filhos Brasileiros, o estatuto pessoal não era e não éo da lex patriae, mas sim o da lei brasileira. Não importa onde era domiciliado o estrangeiro, que morreu casado com Brasileira ou com filhos Brasileiros. 2.FORMA E “LEX LOCI”. Quanto à forma, há o princípio geral da lex boi. Ao locus regit actum há exceções, que têm de ser apontadas. Uma delas é concernente ao testamento conjuntivo, seja simultâneo, recíproco, ou correspectivo (Código Civil, art. 1.630). Outra, a dos testamentos militares e marítimos. O testamento conjuntivo, a despeito de o art. 1.630 do Código Civil se achar entre as regras jurídicas sôbre formas testamentárias, há de obedecer à lei pessoal do decujo, porque seria absurdo que, proIbindo o Estado do estatuto pessoal, o testamento conjuntivo, seja simultâneo, seja recíproco, ou seja correspectivo, pudessem duas pessoas que estão subordinadas a êsse estatuto, ou uma das quais está, testar conjuntivamente. Iria Brasileiro ou iriam Brasileiros para algum Estado onde se não proIbisse a fim de fazer o testamento que a lei brasileira veda. Não se pode negar o elemento típico, contenutistico, da regra jurídica que repele o testamento conjuntivo, qualquer que seja a espécie. Quanto aos testamentos públicos, é indiscutível que não se pode exigir que os oficiais públicos de Estados estrangeiros se submetam a lei brasileira, ou que os oficiais públicos do Brasil se submetam a lei estrangeira, no tocante à forma. Dá-se o mesmo se o testamento é cerrado, e é levado ao oficial público para a formalidade que se
exige. Há dois problemas: a) o que é que se entende por forma, que a lei do lugar tem de reger; b) se é possível preferir-se outra lei, isto é, se a lex boci tem necessàriamente de reger, ou se há de reger a lei do lugar se outra (a lei do estatuto pessoal) não se observou. Ali, haveria necessariedade da lez boci. Aqui, apenas suficiência. Antes de enfrentarmos as questões, recorramos à história do direito internacional privado quanto à forma. Desde a Idade Média se admite que o princípio de que a forma do negócio jurídico se há de considerar válida se obedeceu à lei do lugar. Poucos eram os juristas e aplicadores de leis que faziam restrições ao bens regit actum; por exemplo, se os negócios jurídicos eram concluídos com a cooperação de oficiais públicos, ou com a autoridade do Estado, ou dependentes de fonte oficial (H. THÓL, E’inleitung in das deutsehe Privatrecht, § 83). Alguns eram ainda menos exigentes, como HAUSS (Du Droit privé qui regit les étrangcrs en Belgique, 45 s.). Havia controvérsias a propósito da abrangência ser de tódas as formas ou só de algumas, bem como sôbre a obrigatoriedade ou a facultatividade da lez boci actus. Surgiam divergências no tocante aos próprios fundamentos. Alguns, como A. VíNNíus, G. PHTLLIPS (Grundsãtze des gemeinen Dcutschen Privatrechís, 1, 192) e 1<. L. W. VON GROLMAN (tYber obographische und mystische Testamente, 14), perseveraram na teoria dos estatutos, para que se evitasse a aplicação da lei da pessoa Para outros, quem quer que pratique atos jurídicos tem de sujeitar-se à soberania do Estado em cujo território se perfaz. Assim, CER. FRIEDR. VON GLÚCK (Ausfiibrliche Erlduterung der Pandecten, 1, 291), W. A. F. DANZ (Handbuch des hcutigen deutschcn Privatrechts, 1, § 53) e outros. Por seu lado, L. VON BAR (Theorie und Praxis des internationalen Privatrcchts, J, 2.~ ed., 340 s.) só a fundava no costume, na communzs opinio segundo CINO DA PISTOlA, ALBERICO DE ROSATE, PETRUS DE BELLAPERTICA, PAUlo DE CASTRO, RAPH. FULCOSIUS e PETRUS DE RAvENNA. A lex boci era tida por inafastável por BARTOIflMEo DE SALICETO, BALDO DE IJaÁLnIs e HÁRTOLO DE SAxOFERRATO. Antes de L. VON BAR, a justificação pelo uso estava em muitos. trro seria crê-la de origem romana, como pretendeu JoH. STEPH. PÚTTER (Auserlese Reehtsfdlle aus allen Thcilen, 1, n. 248). A regra jurídica tornou-se universal, por ser a de respeito a esfera jurídica de cada território estatal. Todavia, se há concordância no respeito, não na há no tocante ao conteúdo. 3.CONTEÚDO DA ExPRESSÃO “ACTUM”. Nem quanto àexpressão “actum”, na regra jurídica bocus regit actum, nem mesmo quanto à distinção entre forma e conteúdo, é pacífica a doutrina. A. NIEDNER (Kommentar zum E’infúhrungsges’itz, 31) chegou a dizer que nunca o será. A referência explícita à lei do lugar em que se praticaram os atos estava no Projeto de THEoDoR NIEMEYER (Vorselddge und Matcrialen zur Kodifilcation des internationalen Privatrechts, 240 s.), contra o texto de ALBERT GEBHARD. O influxo foi a opinião de L. voN BAa (Theorie und Praxis des internationalen Privatrechts, II, 13 5.; Lehrbneh des internationalen Privat- und Strafrechts, 106 s.), bem como o sistema escolar de Huoo NEUMANN (Internationales Privatrecht in Form cines Gesetzcntwurfs, 85-91), isto é, vontade dos figurantes, domicilio, lugar da aceitação. No art. 11 da revogada Introdução do Código Civil dizia-se que a forma extrínseca dos atos jurídicos, públicos ou privados, se regeria segundo a lei do lugar em que se praticassem. Na Lei de Introdução do Código Civil (Decretolei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942), nada se disse, exceto no tocante à excepcional exigência de forma essencial (art. 9•O, § 1.0) de modo que temos de primeiro cogitar das controvérsias em tôrno de textos alusivos à forma. Depois, da interpretação se não há texto alusivo, pois tem de ser pôsto o problema de direito internacional privado, diante da atitude omissiva. Se a lei apenas fala de forma, ou de forma e solenidades, como o Código Civil espanhol, art. 11, a discussão há de ser sôbre o conteúdo da expressão “forma”, ou da outra “solenidades”. Se se refere a “forma extrínseca”, não caberia discussão quanto ao conteúdo da regra jurídica. Tem-se apenas de indagar quais são as formas extrínsecas e quais as formas intrínsecas. Tal o que ocorria ao tempo do art. 11 da revogada Introdução ao Código Civil, com o revogado Código Civil italiano, art. 9, com o venezuelano, art. ~ lª parte. Quanto ao Código Civil francês, não havia fórmula geral e o texto do Projeto refletiu-se na Lei holandesa de 1829, artigo 10. No Código Civil saxônico, § 9, a lex boci continuou sendo a preferida, bastando a do lugar dos efeitos. A Lei de Introdução alemã (Einfiihrungsgesetz), art. 11, inverteu a ordem: a forma de negócio jurídico é determinada pelas leis que regem a relação jurídica que resulta do negócio jurídico. Basta, todavia, que se observe a lei do lugar onde o negócio jurídico se conclui. A regra jurídica, que está na alínea 1, segundo enunciado, não tem aplicação a negócio jurídico que estabeleça direito sôbre coisa, ou que dele disponha. Na Inglaterra, a regra jurídica bocus regit actum é conforme o Foreign Wills Ad de 6 de agôsto de 1861 e a título facultativo. Na Lei federal suíça de 26 de junho de 1891, art. 24, foi dito: “Les dispositions de derniêre volonté, les pacts
successoraux et les donations à cause de mort, sont valables quant àla forme, si celle-ci satisfait au droit du lieu oú l’acte a été passé ou à celui du canton du domicile lors de la passation de l’acte ou au droit du dernier domicile ou à celui du canton d’origine du défunt”. O art. 32 estendeu-o às relações internacionais. Já no Projeto da Convenção da Haia tirou-se a regra jurídica obrigatória e pôs-se a facultativa. § 5.862. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO Antes do Código Civil, a regra jurídica que prevalecia na Alemanha era a da lez boci actus, como principal, permitida a lei in favorem negotii. Na Lei de Introdução ao Código Civil, o direito brasileiro somente tem hoje a explicitude do art. 9•O, § 1.0: “Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato”. Apesar da omissão da Lei de Introdução ao Código Civil, o princípio bens regit actum foi acolhido, implicitamente; e não seria de admitir-se que se desconhecesse o princípio que através dos tempos se assentou. Não se pode considerar de ordem pública a subordinação da forma à lei brasileira se o conteúdo é regido pela lei brasileira. O art. 9.~, § 1.”, que abre exceção para os atos jurídicos de “forma essencial” se a obrigação tem de ser executada no Brasil, ressalvou “as peculiaridades da lei estrangeira, quanto aos requisitos extrínsecos do ato”. 4.TESTAMENTO E “LEX LOCI”. Se o testador, de passagem por outro Estado, testou hologràficamente, como lhe permite a lei pessoal (e.g., se domicílio no Brasil, cujo sistema jurídico regula o testamento hológrafo), tem-se de entender que é válido o testamento. O princípio lex boci regit actum não é absoluto, razão por que os figurantes de contrato podem escolher a lex contractus (cf. ERNST ZITELMANN, Internationale Privatrecht, II, 153). Também vale o testamento hológrafo, permitido pela lei pessoal, se, feito em Estado que o admite, na feitura se se observaram exigências extrínsecas da lei local, que a lei pessoal não conhece. A aplicação da lei pessoal às formas testamentárias não é de grande extensão. Se o ato testamentário é testamento público, é claro que os oficiais públicos do Estado da lex boci têm de obedecer às regras jurídicas locais sôbre tal espécie de forma de testamento. Se o testamento é testamento cerrado, a aprovação ou ato semelhante somente pode ser com observância da lei do lugar em que exerce a função a autoridade aprovante ou conferente. Se o testamento é hológrafo, a lei pessoal, que o permite, de ordinário não o vede fora do Estado, porque seria repelir o princípio lez loci regit actum, o que se chocaria com a prática legislativa hodierna. Se a lex loci o veda, tem-se de coíisiderar que em primeira plana está a lei pessoal. Dai têrmos escrito no Tratado dos Testamentos (1, 373 s.) : “Em se tratando de testamento hológrafo... se a lei pessoal não no veda fora do país e se a leoê frei o permite ainda quanto às formas da lei do estrangeiro, está visto que valerá na pátria, no país em que foi feito e nos terceiros. Se a lei do lugar não a permitir, ou, permitindo-a, vedar o uso da forma estrangeira em seu território, trava-se o conflito de leis. No estado atual do Direito internacional privado, só se há de resolver pela validade no Estado da lei pessoal do testador e nos terceiros Estados que reconheçam a facultatividade da lex loci. Se o testamento é conjuntivo e a lei local o permite, podem fazê-los aqueles cuja lei pessoal o admite, ou cujas leis pessoais o admitem. Se a lei local o proibe, o único meio é o de fazê-lo em consulado, ou perante agente diplomático com tal competência. Tem-se de atender a que a regra jurídica locus regit actum é cogente para os atos jurídicos em instrumento público e facultativa para osCatos jurídicos particulares. Para a obrigatoriedade, de que se falou, é preciso que a lei do lugar haja estabelecido os pressupostos essenciais de forma. Ficam fora os atos jurídicos que possam ser (ou tenham de ser) concluídos em consulados ou agências diplomáticas. A distinção entre formas que o sistema jurídico considera forma (dita “forma extrínseca”) e formas que o sistema jurídico liga ao direito material. Se os atos jurídicos em instrumento particular são para efeitos em Estado estrangeiro, tem-se de indagar qual a atitude do direito estrangeiro, em regra jurídica de direito internacional privado. A lei brasileira não pode reputar suficiente o que ela exigiu se o Estado estrangeiro, de que depende a eficácia, não se satisfaz com isso. O direito brasileiro não pode exigir a forma que êle reputa necessária para o testamento feito no Brasil se a lei estrangeira, a que se há de subordinar o domiciliado no estrangeiro, é menos exigente; ou vice-versa. O direito estrangeiro, se é o da lei pessoal do decujo, pode retirar o princípio lex boci regit actum. 5. FORMA ESSENCIAL. A lei que reja a sucessão testamentária é que pode dizer qual a forma essencial ou quais as formas essenciais do testamento. Pode ocorrer que de modo nenhum se considere essencial a única forma da lei sucessoral, ou se considerem essenciais as formas da lei sucessoral. A essencialidade da forma exigida não afasta, em princípio, a incidência da loa, boci no tocante aos testamentos fora do Estado da lei pessoal. 6. FORMA EXTRÍNSECA OU REQUISITO EXTRÍNSECO. Os requisitos extrínsecos do ato, a que alude o art.
9•o, § 1.0, da Lei de Introdução do Código Civil, são as “formas extrínsecas”. O que se tem por fito com a referência à natureza extrínseca da forma foi ressalvar-se, na invocação da bex loci, o que se há de apegar à lei pessoal. Assim, o mudo, no direito alemão, fora da Alemanha, pode testar por sinais, se a lei local o permite (HEINRICE DERNBrntG, Das biirgerliche Reelzt, V, 65, nota 11), conforme resultou do Einfiihrungsgesetz, art. 11, alínea 1•a, 2~a parte. No tocante a testamentos de mudo, o direito brasileiro só o permitiria cerrado, escrito pelo mudo e por êle assinado, observado o artigo 1.642 do Código Civil. ‘7. ESPÉCIES DE TESTAMENTO: A) TESTAMENTO PÚBLICO. São inconfundíveis, para a observância do princípio da loa, loci regit actum, as espécies de testamento e os meios exteriores pelos quais elas se compõem. A lei brasileira exige, quanto aos testamentos públicos, que os lavrem oficiais públicos, e não simples escreventes juramentados; mas, aí, não é da espécie que se cogita, de modo que o domiciliado no Brasil pode testar por testamento público perante a autoridade ou pessoa que para isso tenha competência segundo a lei local. Não é de afastar-se o caso de algum Estado permitir o testamento público sem ser ditado (e.g., somente copiado de minuta) e apenas lido por outrem, na presença das testemunhas (cf. JOSÉ DIAS FERREIRA, Código Civil português anotado, IV, 340). O testador, nos Estados que têm as duas formas públicas, a judicial e a notarial, pode escolher qualquer delas. Pràticamente, para se saber se, em direito internacional privado, há divergência entre o direito testamentário de dois Estados, o que mais põe em relêvo a distinção entre a parte intrínseca e a parte extrínseca é questão de existência: a) ~ Existe, na lei pessoal, o testamento público? Se não existe, ainda pode surgir a questão de ser de ordem pública a proibição ou a omissão; mas, mesmo se há vedação, é de indagar-se se é de ordem pública, de jeito que acompanhe o testador nos Estados estrangeiros. b) Se existe, rege a forma a leis loci. No direito inglês, não há o testamento público recebido ou recebido e aprovado o testamento público. O testamento. inglês é testamento privado, feito perante duas testemunhas. No Código Civil francês, o art. 999 fala de poder o Francês testar no estrangeiro pela forma autêntica estrangeira ou pela forma hológrafa francesa: “Un Français qui se trouvera en pays étranger, pourra faire ses dispositions testamentaires par acte, sons signature privée, ainsi qu’il est prescrit en l’article 970, ou par acte authentique, avec les formes usitées dans le lieu oú cet acto sera passé”. Tem-se de admitir que se considere solene o testamento privado inglês, que é o único (HANS LEWALD, Questions de Droit international des Succes~ions, Reeveil des Cours de l’Académie de Droit International, IX, 96). No propósito de facilitar a testamentifação dos Franceses, no estrangeiro, a jurisprudência francesa tem por válido o testamento do Francês na forma inglêsa (Tribunal do Sena, 11 de março e 6 de dezembro de 1899). Na verdade, há estado de necessidade, e não atribuição de ser solene. 8. ESPÉCIES DE TESTAMENTO E TESTAMENTO CERRADO. O que se passa com o testamento cerrado é semelhante ao que se passa com o testamento público. Pode variar de Estado a Estado o ato de aprovação ou de certo requisito. Ser o direito de um mais rigoroso ou menos rigoroso do que o de outro. Na feitura, o testamento segue se de mão própria, ou da mão alheia a leis loci. A lei brasileira não o permite ao cego (Código Civil, artigo 1.637), de modo que os domiciliados no Brasil, que sa acham no estrangeiro, não podem fazer testamento cerrado. Dá-se o mesmo com quem não sabe ou não pode ler (art. 1.641). O surdo-mudo tem de escrevê-lo todo e assiná-lo (art. 1.642) -Mais: tem de escrever que aqueles é o seu testamento. São os requisitos intrínsecos. 9. ESPÉCIES DE TESTAMENTO: c) TESTAMENTO HOLÓGRAFO. O primeiro problema que surge é o de se saber se a bolograf ia só se liga à forma, ou a forma e ao conteúdo; se só a forma, se o requisito é intrínseco ou extrínseco. Na doutrina, uma das opiniões mais disseminadas e a de que pode fazer testamento hológrafo no estrangeiro, mesmo se o outro Estado não tem essa forma testamentária, qualquer pessoa que, conforme a lei pessoal, o possa fazer. Não valeria o testamento hológraf o feito em Estado estrangeiro, que o tem, se a lei pessoal não o admite. A respeito da validade do testamento hológrafo, o Código Civil holandês, art. 992, e a Lei inglêsa de 6 de agOsto de 1861, conforme a decisão da COrte Inglêsa, a 25 de janeiro de 1898, no sentido da obediência à leis bocí. Em todo o caso, é de advertir-se que a lei pessoal pode ter concebido como de capacidade testamentária a regra jurídica sobre testamento hológrafo (e.g., não poder testar hologràficamente o menor de is anos. Aí, não poderia ser observada a leis loci (C. DEMOLOMBE, Cours de Code Napoléon, IV, 483 a.). Nem tudo na fixação das formas se há de reger pela leis icei; menos ainda, pela lei ~essoal. Cabe, precipuamente, interpretar a lei. O direito francês teria de reconhecer aos Estados estrangeiros poderem excluir da regra jurídica bons regit actum as pessoas que estão sujeitas à lei pessoal deles, porque estabeleceu a validade do testamento hológrafo do Francês
feito em lugar em que não há tal forma testamentária (FRANZ KAHN, Gesetzeskollisionen, Jherings Jahrbiieher, 30, 50). Mas a jurisprudência não foi êsse caminho (DONNEDIEU DE VABRES, L’Êvohttion de la Jnrisprudence française en matiêrc de Conflit de Lois, 185 s.) : vale o testamento hológrafo do Francês, feito no estrangeiro, onde a leis boi o proiba, porém e.g. o do Holandês, que não devia valer, vale, porque na França o admite a leis boci. Há vários julgados que decretam a nulidade de testamentos inglêses feitos na França conforme o direito inglês, porém, no caso Gesting versus Viditz, a Camara Cível da Côrte de Cassação, a 20 de julho de 1909, reconheceu a facultatividade da regra jurídica bocus regit actum. O Código Civil holandês, art. 992, interdiz aos Holandeses qualquer forma que não seja a forma autêntica local. Sómente quanto à nomeacao de testamenteiro, ou para pequenos legados a título particular, se admite a forma hológraf a. Nulo é o testamento em que não se respeitou o art. 992. A França considera-o válido se feito na França, porém há julgados que o têm como nulo. Por exemplo, pela validade, a Côrte de Orléans, em 1859; pela nulidade, o Tribunal do Sena, a 13 de agôsto de 1903. Pela nulidade, a jurisprudência belga (E. P. CoNTUZZI, Diritto ereditario internazionale, 518 s.) e a italiana (P. FEDOZZI, Successione, Digesto italiano, 22, 825 s.). Esporâdicamente, o Superior Tribunal Regional de Hamburgo, a 2 de maio de 1917, por ter o art. 11, alínea 1?, 2•a parte, do Einfiihrungsgesetz alemão, como regra jurídica absoluta de colisão (Leipziger Zeitsckrift, 11, 1197). Para a aplicação da regra jurídica neerlandesa, a despeito da leis boei, tribunais italianos falaram de 50 tratar de limitacão à, capacidade. Ora, em verdade, o que nela está é exceção nacional ao principio bons regit actum, com a conseqúência de tornar intrínseco o requisito. Conflito, portanto, entre regras jurídicas de conflito. Na ausência de tratado, nenhum Estado renuncia o seu critério de qualificação. Foi o que se formulou na Convenção da Haia. O Código de Direito Internacional Privado de Havana, art. 148, considerou de ordem pública internacional as disposições de classe em que entra a regra jurídica holandesa, de modo que optoú pela lei local. Não optou, verdadeiramente, pois foi como se dissesse: “Vim resolver o conflito. Fique o conflito !“. No art. 150, contradiz-se. A permanência, em alguns Estados, da teoria dos estatutários, que fazia a forma testamentária depender da lei da situação dos bens, se concernente a bens imóveis (o que ocorre no Common Law), criou e cria conflitos; e.g., a Chxtncery Division of fite High Court decretou a nulidade de testamento hológraf o francês, na forma do art. 970 do Código Civil francês e feito na França, por haver nêle legado de parte de um imóvel que o testador tinha em Londres (cf. Pepin versus Bruyêre, 1900; WILLIAMS, Principles of the Law of Personal, 17.a ed., 480). Mas o testamento do súdito britânico, feito no estrangeiro, se recai sôbre um leasehold, vale, se de conformidade com o Lord Kingsdown Áet; pois os leaseholds, pôsto que sejam imóveis, entram na classe do personal est ate (Stubberfield versus Grassi, 16 de março de 1905; WESTLAKE, Private International Law, 6•a ed., 213 s.). Também na Áustria a forma do testamento sôbre imóveis é sujeita à letr rei sitae (Côrte Suprema de Viena, 15 de junho de 1900). Cogitemos de casos ocorridos, apenas para exemplos: a) Testamento feito na Inglaterra por Português na forma hológrafa francesa. Morre, domiciliado na Alemanha, depois de ter adquirido a nacionalidade francesa. Não correspondeu à lei do lugar, nem à pessoal. Porém satisfez a lei pessoal do momento da morte. b) Testamento de Alemão, feito em Nova lorque, na forma hológraf a alemã. Morreu após ter adquirido a nacionalidade holandesa, O testamento satisfez a lei pessoal do testador, mas não a do momento da morte. Soluções: o Einfiihrungsgesetz alemão, art. 24, 5ª alínea, tem por válido o ato. Segundo a Lei suíça de 25 de junho de 1891, art. 24, a forma da feitura e da revogação de disposição de última vontade determina-se conforme o regime do Estado de que, ao tempo na feitura ou da revogação, era nacional o testador. Basta, porém, a observância da lei do lugar em que se fêz. Tal lei suíça é mais completa que a alemã, em sua explicitude, com o favor testamenti (cf. STAUFFER, Das Internationale Privatrecltt der Schweiz, 112). Precisemos. a) O que toca à unidade da lei sucessoral rege-se pela lei pessoal do momento da morte do testador. b)Quanto às formas prôpriamente ditas, respeitada a leis boci (facultativa), ou a lei pessoal do momento da feitura (se permitida pela própria lei pessoal de tal momento, porque, para alguns Estados, há a obrigatoriedade da leis Moi), vale o testamento. e) Quanto aos casos de qualificação especial pelo Estado da lei pessoal do momento da feitura, dar validade ao testamento que não era válido seria conferir à lei do Estado da nova lei pessoal eficácia retroativa. Tem-se de distinguir a) se a leis fori é de Estado terceiro, b) se a leis fori é a do Estado da anterior lei pessoal, o) se a leis fori é a do Estado da posterior lei pessoal. Quanto à primeira espécie, pergunta-se: consulta-se a lei do lugar em que foi feito o testamento, ou a lei pessoal anterior? A questão passa a ser dependente das outras. Se há a regra jurídica alemã, o Estado da primeira lei pessoal abriu mão da sua lei, a favor do testamento. Se não há, o ato foi nulo, e nulo permanece. Se o fôro fôr o da posterior lei pessoal, o Estado que abria mão do princípio de nulidade, contra si, com mais forte razão invoca, a seu favor, a própria regra jurídica. Se não abriu mão, a situação é mais difícil: uma vez que reconhece a nulidade dos testamentos vedados pelo Estado da primeira lei pessoal, então é coerente reputá-lo nulo.
O Estado da primeira lei pessoal, que estabelecia a nulidade, pode admitir mas apenas em regra jurídica excepcional que o Estado da segunda lei pessoal determine a validade. O Estado terceiro tem de consultar a solução do Estado da lei pessoal ao tempo da feitura quanto a ser válido o testamento, e a do Estado da lei pessoal ao tempo da morte no tocante ao testamento não válido ao tempo em que se fêz. O que acima se disse é invocável para o testamento hológrafo que, na espécie, suscita dúvidas, e para o testamento nuncupativo. 10. TESTAMENTO NUNCUPATIVO. O Código Civil brasileiro, art. 1.629, reconhece três espécies de testamentos ordinarios; e depois aponta as formas instrumentais de cada uma. Pergunta-se: ~vale o testamento oral (não público), feito, pela pessoa cuja lei pessoal é a brasileira, em Estado que o admita? Afirmativamente, A. WEIss (Traité théorí que et pratique de Droit international privé, IV, 633) e BUZZATI (L’Autorità deile Leggi straniere relative allo forme degli atti civili, 400 s). Negativamente, P. FioRE (Diritto internazionale pnvato, IV. 205) : a questão envolve a da existência, ou não, de um testamento; se existe, há sucessão testamentâria~ se não existe, são chamados os herdeiros legítimos (ou os de outro testamento, digamos). O problema toca à substância do ato jurídico. A capacidade é o principal requisito da existência e eficácia legal da vontade declarada, porém não é o único. Assim como é pressuposto intrínseco, para o cego, determinada forma, também a lei pessoal impõe às pessoas as espécies de testamento que ela reconhece. Tal o pensamento de P. FIORE (IV, 207). O argumento a respeito da herança legítima é fraco. No tocante ao outro testamento (o que acrescentamos), é forte. Mas o problema muda de figura, porque se trata de revogação. Pôsto de parte o problema da revogação por testamento nuncupativo em Estado que o admita, ao contrário do que se passa no Brasil, cogitemos do testamento nuncupativo feito no estrangeiro. Se ambas as leis, a pessoal e a local, não têm o testamento nuncupativo, parte da questão está eliminada. O testamento não vaie. Resta a espécie do testamento nuncupativo feito em Estado que o admite contra a lei pessoal do testador. Depois de condená-lo, a Itália deu validade ao testamento oral do Italiano feito no estrangeiro (P. Frrozzí, Successione, Digesto italiano, 22, 825 s.). No mesmo sentido, a Alemanha (E’ntsck., VIII, 222). No direito internacional privado dos dois Estados europeus, o nacional pode testar no estrangeiro, nuncupativamente, conforme a leis loci. No direito internacional privado brasileiro, o domiciliado no Brasil não pode testar, nuncupativamente, no estrangeiro. Tal foi a solução de CLóvís BEVILÁQUA (Código Çivil comentado, 1, 128), porém com fundamento na incapacidade, questão vencida (FRANZ KAHN, Gesetzeskollisionen, Jherings Jahrbiicher, 30, 48; D. ANZILoTTI, Studi Critici, 253 s.). Só seria regra jurídica de capacidade se a lei dissesse, por exemplo, que “não pode fazer testamento nuncupativo o maior de dezoito anos e menor de vinte e um anos 11. “TESTAMENTUM TEMPORE PESTIS CONDITUM”. Entre algumas legislações existe o conflito. No Código Civil suíço, art. 506, admite-se a espécie nuncupativa, o Nottestament, se há circunstâncias extraordinárias, que impeçam o decujo de testar de outro modo. Trata-se de forma privilegiada, em oposição às formas ordinárias do direito suíço (testamento público e testamento hológraf o). O testador declara as suas últimas vontades a duas testemunhas, a que encarrega de escrever ou de fazer escrever o que ditou. No primeiro caso, uma delas data o escrito, indicando o lugar, o ano, o mês e o dia, assina-o, e dando-o à outra, para que o assine. Sem tardança, remete o escrito à autoridade judiciária, afirmando que o testador lhes fêz as declarações, parecendo-lhes capaz de dispor e mencionando as circunstâncias em que as receberam. No segundo caso, prestam tais declarações à autoridade judiciária (artigo 507). O testamento oral caduca quatorze dias depois de haver o testador recobrado a liberdade de empregar as formas ordinárias. No Código Civil alemão, § 2.252, o prazo é de três meses, se ainda vivo o testador, contados da feitura. Surgem duas questões principais de direito internacional privado. A primeira, concernente ao prazo, e possível entre todos os Estados que admitem o testamento nuncupativo, mas discrepam quanto ao prazo. THFODoR NIEMEYER (Das internationale Prívatrecht des BGB., 115 s.) considerou aplicável a lex loci: tais prazos, sejam suspensivos, sejam resolutivos, são imanentes à forma. Diríamos, para melhor se caracterizar a questão e limpar de dúvidas a resposta: suspensivos ou resolu-tivos êsses prazos, concernem à espécie de testamento e, admitida que seja, a discordância é apenas relativa às formas da espécie. O prazo é o daquela forma por que se optou. Na dúvida, há o princípio do fflvor testamenti. Restaria o caso, pouco provável, de uma das legislações permissivas considerar requisito intrínseco, e não extrínseco, o prazo que estatuiu. Dar-se-ia conflito de qualificação, que só se poderia resolver pela lez fori, se interessada está na quali-ficação, ou pela qualificação que corresponda à sua solução, se a do Estado do juiz não fôr interessada.
A segunda questão é a que toca aos Estados que expressamente não admitem qualquer espécie de testamento tem pore pestis conditum. Se a lei de tal Estado é interessada, trata-se de admissão ou de não-admissão da espécie testamentária Se a lei de tal Estado não é interessada e os dois ou mais Estados em conflito discrepam quanto à êsse ponto, a lex fori, pessoal ou não, tem de resolver conforme a lei que coincida com a sua. No caso especial do Brasil, não se poderia dar ganho de causa a Estado que admita o testamento nuncupativo contra outro que tenha, no conflito de qualificação, como violadora do requisito intrínseco, ou como contrária à ordem pública, tal espécie testamentária. Não a proibimos fora, porém não na temos. Se a lei pessoal não tem o testamento em estado de necessidade, porém não o reputa assunto de lei exterritorial, o Estado terceiro resolve pela las, loci, pois não houve conflito. Se oEstado em que se fêz o testamento reconhece que o assunto escapa à lex loci, o Estado terceiro resolve pela lei pessoal. No caso de testamento extraordinário, o Estado terceiro deve preferir a solução da lei pessoal do testador, se vedativa; mas, se a local vedar e a pessoal admitir, tem de indagar se essa permite a exceção à lez loci, e não se a lei do Estado em que se fêz o testamento consente na facultatividade da lei do lugar. Em boa técnica legislativa, há de haver acolhimento ou maior acolhimento pelo testamento extraordinário em caso de doença do que pelo nuncupativo ordinário. 12.TESTAMENTO EM CIRCUNSTÂNCIAS EXTRAORDINÁRIAS. O testamento em circunstâncias extraordinárias, como o testamento tempore pestis conditum, é excepcional. Ésse é espécie daquele. São exemplos principais o do Código Civil alemão e o do Código Civil suíço. Nas legislações, continuam o testamento marítimo e o militar; e algumas, como a brasileira, não atendem a que os testamentos em caso de acidente insujante, como a inundação e o desamparo em matas e rios, são tão necessários como o testamento marítimo e o militar, meras especificidades do testamento em circunstâncias extraordinárias. Não se fala no testamento em viagem aérea, se o aviador ou o viajante não pode escrever, ou não há tempo, nem testemunhas. Todavia, para o militar-aviador, tem de ser admitido o testamento militar. Adiante volveremos ao assunto. 13.TESTAMENTOS DE MILITARES, MARINHEIROS EXTRÍNSECOS . Pode dar-se, mas dificilmente, pela generalidade da admissão do testamento em caso de batalha, similar dos testamentos romanos discordância das leis quanto a) à permissão da espécie, ou b) quanto à permissão da nuncupatividade ou da simplificação da forma escrita ou de outros requisitos extrínsecos. Suposto que o conflito de qualificação seja concernente àprópria espécie, prevalece, se interessada, a lez fori; mas, se um dos Estados não é o da ler fori, tem-se de distinguir: prevalece a lei que coincide com a do Estado da ler fori; se nenhuma coincide, no estado atual do direito internacional privado só o favor testamenti é aconselhado. Quanto à revogação, há outros princípios e não se poderia invocar para o ato revocatório o favor testamenti. Se o conflito concerne à admissão da nuncupatividade, de ordinário a forma é que está em causa, e não a espécie: a espécie supós o testamento em sua qualificacão subjetiva (soldados, marítimos) e ocasional (tempo de guerra, viagem de mar) ; tudo mais é de natureza extrínseca, salvo se um dos Estados eleva as formalidades à categoria de requisito intrínseco. Se o discrepar somente recai em particularidades da escrita, o princípio locus reqit actum é que resolve. Salvo, o que é pouco provável que ocorra, se um dos Estados faz de alguma delas requisito intrínseco. Aforado no Brasil tal testamento, a solução é a favor do ato jurídico, porque a ler fori não exige, quanto à escrita, com caráter intrínseco, essa ou aquela formalidade. Bem diverso do que se daria com outro Estado que só-mente admitisse o testamento privilegiado como subespécie do testamento público, considerada intrínseca, e não forma extrínseca, a presença de determinada autoridade. Temos, assim: a) A respeito do testamento militar, em batalha ou em atos de guerra, a questão toma aspecto especialíssimo: o Estado terceiro, que reconheceu a beligerância, não pode pretender que o Estado A respeite a ler lQci do Estado B: o militar em serviço leva consigo a sua lei pessoal e a lei de sua milícia; a ler loci é a que resulta dos seus próprios atos (aqui estou, aqui está o meu Estado). Fato parecido com o dos cônsules. b) Quanto aos navios de guerra, o intrínseco e o extrínseco obedecem à lei do Estado a que pertence o navio. A ler loci coincide com a lei pessoal. É de exterritorialidade que se trata. Há subespécies: a) No caso de ocupação de Estado estrangeiro, ou de águas internas, não há exterritorialidade; há perda de posse, talvez definitiva, em virtude de entrada contra a vontade do outro Estado. b) Se houve autorização para a entrada, isto é, consentimento do govêrno local, alguns autores, e com êles ou sem êles, o costume entenderam que as tropas estrangeiras escapam à jurisdição do Estado local: os próprios delitos e crimes de direito comum são reprimidos pelo chefe militar, mas, se contra os habitantes da região, são competentes os juizes locais. Quanto ao direito de testar dos que fazem parte da tropa, vale o testamento extraordinário que obedeceu a lei
pessoal, ler patriae, ainda quanto ao extrínseco. O militar pode testar com alguma das formas ordinárias, observada a ler loci. A ocupação consentida não torna o ocupante pessoa escapa à lei local, se essa pessoa se submete ao direito local. A regra é que êle não se submete à jurisdição civil do território ocupado. No alto-mar fora das águas territoriais os navios Inercantes só têm uma lei: a do pavilhão. Nas águas territoriais, a ler boci é a do Estado em que se acha. Mas, no caso dos testamentos, desde que o testamento se faça a bordo, vale conforme a lei do pavilhão. Para a forma excepcional, têm de ser satisfeitos os requisitos legais, e o art. 1.656 do Código Civil somente se refere a “viagem em alto-mar”; porém, retirados os ferros e tendo partido o navio, está figurada a viagem de alto-mar. Ou, em geral, se não pode descer o testador. 14. TESTAMENTO CONJUNTIVO. Excluem tal forma testamentária o Código Civil francês, art. 968, e as legislações. que nêle se inspiraram (cf. Código Civil holandês, art. 977, espanhol, arts. 669 e 733; argentino, art. 3.618; brasileiro, artigo 1.630; chileno, art. 781; mexicano, art. 3.246; e peruano, art. 706). ~ máxima bocus regit actum rege o testamento conjuntivo, ou é assunto para a lei pessoal? Na jurisprudência francesa há decisões pró e contra a ler loci, porque, disse-se, a proibição está no Código Civil onde se cogita das “formas Na doutrina alemã, há quem repute forma (L. VON BAR, Theorw und Prazis des internationalen Privatrechts, fl, 2a ed., 329; ERNST ZITELMANN, Internationales Privatrecht, II, 154), e éo que sempre ocorre. Contra, o Reichsgericht, a 24 de abril de 1894. Quando o Brasil permitia o testamento conjuntivo, a Côrte de Cassação de Florença considerou válido o testamento conjuntivo feito no Brasil, sendo Italianos os testadores, embora a lei pessoal o proibisse (Código Civil italiano revogado, artigo 761). O que rege a admissão ou a repulsa do testamento conjuntivo é a lei pessoal. Ficam duas questões: a) se os testadores podem testar conjuntivamente em Estado que o não reconheça, se a lei pessoal tem tal testamento; b) se, feito no estrangeiro o testamento conjuntivo, por estrangeiros, a ter fori pode invocar a ordem pública para lhe negar cumprimento. A questão a) depende, preliminarmente, da forma seguida e permitida: se testamento público, o oficial público tem de invocar a lei que o proibe; se testamento particular, o Estado da ler loci, a despeito do que se lê no Código de Havana, art. 148, não está interessado, pois que se trata de duas pessoas cuja lei pessoal é outra, ou cujas leis pessoais são outras. A invocação de ordem pública internacional seria de sérias conseqúências, de que adiante falaremos. No caso especial do Código Civil da Venezuela, art. 824, a conjuntividade é somente forma, de modo que é aceitável a ler boi. Mas seria preciso que as disposições testamentárias não ofendessem a lei pessoal. Poder-se-ia tratar de dois testamentos num só. Ao juiz caberia apreciar a espécie, sendo aconseiliável o favor testamenti. Se o testamento duplo contém reciprocidade ou correspectividade que ofenda a lei pessoal (se bem que a lei venezuelana o permita), a esfera da ler boci foi excedida, a conjuntividade não é só formal, e não se justificaria invocar-se o favor testamenti. 15. CONTRATO DE HERANÇA. O contrato de herança éregido pela lei pessoal. Se algo se alega de ordem pública, a questão desloca-se. Se admissível, a forma é a do actum, se só o Estado estrangeiro o admite. Se ambos o admitem, a ler boi rege os requisitos extrínsecos, facultativamente. 16. ORDEM PÚBLICA EM MATÉRIA DE FORMA TESTAMENTÁRIA. A ordem pública é medida interna, invocável contra quem quer que seja ou contra o que se ache no território do Estado interessado. Se dividimos o conceito em ordem pública internacional e ordem pública interna, temos: a) atos que dependem da feltura ou efeitos no território; b) atos que seguem a pessott Terminologia, como dissemos no Tratado dos Testamentos (1, 396), censurável. A regra jurídica bons regit actum é facultativa, de modo que a proibição, por exemplo, dos contratos de herança, que se façam entre pessoas não sujeitas à lei brasileira, sem consequências no regime sucessoral do Brasil, não os põe de parte, arbitràriamente, por invocação de ordem pública. Diga-se o mesmo quanto ao testamento conjuntivo, O Código de Havana, art. 144, incluiu a proIbição do testamento conjuntivo como de ordem pública internacional, em vez de a reputar, como seria certo, de ordem pública interna. A validade do testamento conjuntivo obedece à lei pessoal dos testadores, ou às leis pessoais dos testadores. A ordem pública não é óbice (Tribunal Departamental da Haia, 19 de fevereiro de 1924). Nem podia deixar de ser assim: se de acôrdo com a lei pessoal, como é o caso do Código Civil alemão, já se cumpriu a parte testamentária do cônjuge premorto, seria absurdo deixar-se de cumprir a do segundo, que em vida não revogou o que testara (nem podia revogar, cf. § 2.271, alínea 2,~) e recebera o que herdou do primeiro falecido. A interpretação da ler boi, que nada tem com a substância do ato jurídico, para, com invocação de ordem pública, considerar-se nulo o testamento, que ou se tornou irrevogável pela morte do primeiro, ou constituiu as últimas vontades de ambos, seria atentado à liberdade das pessoas, com a frágil e falsa argUição de ofensa à ordem pública,
a favor de tal liberdade. A proibição de testar hologràficamente, se, em geral, éde ordem pública internacional, salvo reconhecimento da facultatividade aos estrangeiros, é conseqúência regular do caráter não-obrigatório da ler boi (lei pessoal cogente ± lei local facultativa = permissão). As formas dos testamentos públicos obedecem, inexcetuadamente, à ler boci: não como limite à facultatividade da regra jurídica bons regit actum, porém como princípio de ordem pública internacional. Nos consulados, nos navios de guerra e outros lugares em que a exterritorialidade existe, a ler é que provém da permissão estatal ou da exterritorialidade, pois que ocupam território de outro Estado. Quando surgiu a legislação soviética, houve quem a reputasse “bloco legislativo indesejável” (SORéNDORI’, Was ist heute unter “russisebem” Recht zu verstehen, Douteche Juristcn-Zeitung, 25, 805 s.). E era a opinião mais generalizada. Mas seria estender demasiado longe a noção de ordem pública a rejeicão de toda unia legislação. Se há razão para ser invocada, tem de ser dita em cada caso. Em Circular n. 194 do Comissário de Justiça do Povo, de 26 de setembro de 1923, falou-se de inaplicabilidade no estrangeiro. Mas, ainda nesse caso, haveria a questão do testamento feito na Rússia com as formalidades soviéticas e a de outro, feito, por exemplo, por Brasileiro, com as formalidades da lei pessoal. Mesmo ao tempo era que ainda não se reconhecera o govêrno soviético neo se poderia obrigar o Brasileiro a não testar: se utilizou a forma da lei pessoal, fê-lo bem, pois a regra jurídica bocas regit notam é facultativa; se recorreu à forma do direito soviético, seria solução violenta considerar inválido tal testamento, sem haver razão do ordem pública. O Estado russo era lã e o Brasileiro, que quis testar, achava-se lá. O reconhecimento do govêrno é elemento para a _exterritorialidade, mas seria rigor político excessivo excluir-se a aplicação da ler boi, maximé se outra forma seria impossível, ou perigosa, para o Brasileiro ausente. havia, todavia, um ponto de significação especial: a sucessão pelo Estado soviético era impossível. Os bens seriam “tens dc ausentes” e o Estado do juiz recolhe-los-ia. Mas, aqui, incide principio geral de direito sucessoral internacxonal: o Estado não pode recolher herança em outro Estado, seja a título de herdeiro, seja como sucessor de bens vagos. Pode herdar testamentàriamente. Assim decidiu, acertadamente, com o Uruguai (Govêrno Uruguaio versas Fournier, Sena, 11 dc marco de 1899) ; mas, por se tratar de testarnento, diferente a solução quanto ao Estado grego (caso Zappa, na Rumania). 17.ATO PESSOAL DO TESTAMENTO. O testamento é ato pessoalíssimo. Ninguém o faz por outro; nem representante, legal ou voluntário, pede fazê-lo em nome do testador, ou pelo testador. O principio é, por bem dizer, universal. Ainda assim,a possibilidade de conflito de leis sugere que se ponha a questão: ~a exclusão da representacão (e da presentação) rege-se pela lei pessoal ou pela ler boi? Noutros têrmos: ~ a pessoalidade do ato é requisito intrínseco ou requisito extrínseco? A lei pessoal é que há de dizer se a proibição da representação foi no tocante à exterioridade da manifestação de vontade, e então refere-se à forma, que a lei do tempo e a do lugo.r há de reger; ou se proibiu que se tirasse ao ato mesmo a pessoalidade, e então o extrínseco é regido pela lei do dia da morte e pela lei pessoal (cf. E. HABICHT, Internationabes Privatreokt, 87). Por exemplo: segundo os §§ 2.238 e 2.064 do Código Civil alemão, o testador tem de entregar o escrito para o testamento público, e isso, pai~a o direito alemão, é forma, de modo que, em Estado cuja legislação permitisse a entrega por mão de outrem, o Alemão testaria validamente, preferindo a ler boi (Eiafiihrungsgosetz, art. 11, alínea 2~a, parte 2.~). A despeito de tal distinção, o Código de Havana, art. 148, considera de ordem pública internacional o princípio que declara ato pessoalíssimo o testamento. Duplo êrro, porque terri torializou o que não devia ser territorializado e não atendeu a que, se há a facuitatividade da lex boci e sendo extrínseco o requisito é sem razão de ser a violência que estabelece a invalidação do ato em que se optou pela lei pessoal. 18. CAsos DE REENVIO. A doutrina do reenvio arareceu na Inglaterra no caso Colher versas Rivaz (Côrte de Canterbury, 184; LOP.ENzEN, Cases in Confucts of Law, 2•a ed., 827 a propósito dê testamento feito na Bélgica por Inglês, que ali era domiciliado. A lei belga tinha-o por válido; a lei inglêsa, não; mas a Côrte inglêsa admitiu o reenvio. Austríaca, domiciliada em Hamburgo, fêz o testamento na forma do Código Civil alemão, § 2.238, isto é, entregando escrito ao notário, perante 4uas testemunhas. O pai da herdeira instituída foi uma das testemunhas, o que, para o sis tema jurídico alemão, é causa de nulidade. A Côrte de Hamburgo só atendeu ao art. 11 do Einfiihrnngstiesttz; e o Reicltsgericht, a 17 de dezembro de 1912, lho censurou, por ser a lei que rege a relação jurídica a que rege a forma; se a lei, de que se trata, ignora a regra jurídica bocus regit actam,tem de ser aplicada a lei do ato, e não a do lugar. O intuito foi o de reenviar. O reenvio, que, em muitas espécies, valida, para reforçar o favor testamenti, por vêzes o desfaz. No Caso Sanchez, novaiorquino domiciliado em Paris, com testamento na forma da lei pessoal, o ato jurídico na França foi julgado nulo, porque havia de seguir a lei francesa (E. POTU, La Question riu flenvoi eu droit international privé, 62). O problema consiste no seguinte: se a regra jurídica do Estado A considera incidente a lei do Estado B ou C, contra
o que o Estado B ou o Estado C estatui, ~deve aplicar-se a lei do Estado B ou C, ou respeitar-se a lei que o Estado A teve como a aplicável? Noutros têrmos: ~ respeita-se a lei do Estado A, ou a sua regra de direito internacional privado? O conflito pode ser positivo ou negativo. Se é positivo, não há outra solução que não seja a da ler fori, salvo se essa afasta a própria ligação (e.g., Einffthrungsgesetz, art. 28, se os bens se acham fora da Alemanha; jurisprudência italiana, quanto a imóveis da sucessão do decujo italiano, fora da Itália). Se énegativo, o Estado B ou C ou D (terceiro) atribui ao Estado A competência que êle não tem: há algo como espécie de direito supranacional (supraestatal) conforme frisa L. VoN BAR (Rapport, Aunuatre de l’Institut de Droit international, 1900, 155), contra a regra de direito internacional privado do Estado A. Adversários da teoria do reenvio vêem nela pretexto para estenderem os juizes a própria jurisdição (A. PILLET et J.-P. NIEox’ET, Manuel dc Droit Internationãl privé, 379). Nos Estados Unidos da América, se J. BEALE (A Treatise on The Confiict of Laws or Frivate International Law, 77) disse não existir o reenvio, não é o que se tira do livro Testative Draft, n. 2 Conflict of Laws, do American Law Institut (10). As Convenções da Haia não admitiram o reenvio. Aliás, se há convenção internacional, com regras jurídicas de conflito, afasta-se o reenvio. Os Tribunais italianos resistiram à teoria do reenvio; mas houve exemplos, e.g., caso Kemot (Côrte de Cassação de Nápoles, 5 de janeiro de 1920) e caso Savage Landorf (Côrte de Apelação de Florença, 23 de janeiro de 1919). a) A Côrte inglêsa julgou bem, no caso Colher versus Rivaz; aplicou bem a regra jurídica locus regit achem, sem no dizer e antes de essa se haver afirmado. No fundo, in Iavorem testamenti. b) Admitida, quase universalmente, a regra jurídica bens regit actum como facultativa, é acertado presumir-se que se optou pela lei da forma válida. Aqui, não há reenvio; há presunção. Mas, ainda que tal presunção não exista, o êrro de direito, quanto à forma, pode permitir o julgado vahidante e) Deve-se sempre reenviar quando a lei estrangeira não diz, claramente, como se há de resolver a questão. d) Se, no conflito negativo, o testamento satisfaz a uma das leis, impõe-se a presunção de que as leis, não o prevendo. admitem a solução, ou a escusa do error inris. Donde: se positivo o conflito, a boi fori; se negativo, e nulo para ambas as leis o testamento, nulo é; se negativo o conflito, e válido para uma delas, há o favor testamenti, ou a escusa do error inris. Mas, se, nulo para ambas as leis, pode ser-lhe favorável a facultatividade da regra jurídica bons regit actum, a lez fori não pode deixar de considerar válido o testamento, a despeito de não o considerá-lo como tal a lei pessoal (caso de quem tem por lei pessoal a de Estado sem a regra jurídica bons regit actum ou a interpreta como obrigatória). Donde a solução: a facultatividade da regra jurídica bons regit actutn há de ser atendida, por ser de ordem pública internacional; no Estado do fôro, o testamento podia ser por uma ou por outra lei. 19.FORMA TESTAMENTÁRIA NO DIREITO INGLÊS. A vahidade do testamento relativo a bens imóveis situados na Inglaterra regula-se, ainda quanto à forma, pela lei inglêsa. (Pepin versas Bruyêre, 1902). Quanto aos bens móveis, a lei do domicílio do testador, no momento da morte (In re Price, 1900). O testamento do súdito britânico, feito no estrangeiro, ou o seu codicilo, se o objeto é o personal estate, compreendidos os leaseholds, pode ser homologado se satisfaz uiha das seguintes formas: a) a da lei do lugar da feitura; b) a da lei do domicílio do testador no momento de testar; o) a da lei da parte dos His Majesty’s Dominions onde o testador tinha o domicílio de origem (Wills Ad, 1861, art. 1; quanto aos leaseholds, Re Grassé, 1905). Quanto aos testamentos dos Inglêses feitos no Reino-Unido, qualquer que tenha sido o domicílio dele ao tempo da feitura ou da morte, vale e é admitido ao probate se satisfaz os requisitos da lei em vigor na parte do Reino-Unido em que se fêz (Wills Aet, 1861, art. 2). Donde se tira, oontrario sensu, que o testamento do estrangeiro, domiciliado no Estado que lhe dá a lei pessoal, se feito em tal Estado de conformidade com a lei inglêsa, que não seja suficiente para o Estado estrangeiro, é nulo (Gooris of von Buseok, 1881), ainda que o domicílio de origem do estrangeiro tenha sido britânico (Bloxam versus Farre, 1833). Quanto às formalidades da designação testamentária, appointment, é de observar-se: o poder de dispor de bens móveis por testamento, conferido por settbemertt inglês, deve ser em testamento, redigido, seja segundo as formas da lei do domicilio do testador no momento da morte, mais as formalidades impostas pelo settlement, se as há, seja segundo as formas testamentárias do Wills Ad de 1837, art. 9 (D’Huart versns Harkness, 1865; In re Price, 1900; Barreto versus Yung, 1900; Be Walker, 1908). No último caso, será válida a execução do power, ainda que o ato seja nulo como testamento perante a lei do domicílio do testador (Goods of Hallyburton, 1866; Goods of Hubu, 1896). Cf. Wilbs Aot de 1837, art. 10. § 5.863. Direito intertemporal e forma 1.PRINCÍPIO DE DIREITO INTERTEMPORÂL E FORMAS TES‘FAMENTÂRIAS. No direito intertemporal, rege o princípio tempus regit aotum. Lei do tempo e do lugar rege a forma, o extrínseco do testamento. Lei da sucessão e lei do dia da morte rege o intrínseco. Os vícios de vontade escapam àquela; não são forma. Como em direito to intertemporal, que o cego, o surdo-mudo, isso podem, saindo do formais intrínsecas.
]nternacional privado, muito há, no direi-é requisito intrínseco. E.g., o analfabeto, que não são incapazes de testar, nem por lugar da lei pessoal, escapar a exigências § 5.868. DIREITO INTERTEMPORAL E FORMA -Quando a lei veda ao cego o testamento cerrado e o particular, tal proibição não é limitação da capacidade testameutária (cf. G. EIÇRRORN, Das Testament, 3? ed., 127), e sim limitação quanto ao uso da forma. Mas pode ocorrer que o Estado a qualifique diferentemente e tal é a qualificação por alguns Estados; então, se não é admissível que se trate de capacidade, forçoso é que se lhe reconheça o caráter de intrínseco. Odireito intertemporal tem de afastar-se da solução corrente para outros casos, pelo exercício que já se supôs do direito de testar. Sendo subjetiva a razão de mudança, devemos julgar válido o testamento que observou a lei anterior. À semelhança da regra jurídica sôbre capacidade. Elementos, como êsse, de subjetividade, que não concernem à capacidade de direito (sempre regulada pela lei do momento da morte), são como se fôssem limitações à capacidade de exercício, exceções portanto do principio anteriormente exposto de se reger o extrínseco pela lei do tempo do ato e o intrínseco pela lei do tempo da morte. 2. ESPÉCIES DE FORMAS TESTÂMENTÁRIÂS E DIREITO INTERTEMPORÂL. Adotada pelo testador uma das espécies do testamento, que a lei do momento permite, só essa lei rege a validade formal do ato. Não cabe distinguir-se se o tastador podia, ou não, revogá-lo: usou do seu direito. Mas há forma externa e forma interna. Se, quanto àquela, é pràticamente pacífica a doutrina, não se dá o mesmo quanto a essa. Por isso, devemos separar os casos, por exemplo, do testamento hológrafo, que a lei A permite sem testemunhas e a que a lei B exige cinco, e os outros, de forma interna, como no direito brasileiro, o do testamento conjuntivo do direito anterior, que o Código Civil proibiu. No direito romano, a L. 29, O., de testamentis quemadinodum testamenta ordinantur, 6, 23, e a Novela 66 estabeleciam a exclusividade da lei do momento da feitura, em se tratando de forma externa. Na Novela 66, Caput 4, disse-se que deviam regular os testamentos as leis antigas, porque “neque omnia in nostra potestate sunt, neo semper aliquis tempus testandi babet”. A lei antiga foi a imposta pela Ordenança francesa de 1735, art. 50, e outras leis francesas, pelo § 12 do Patent do Aligemeines Preussisefles Landrecht, pelos incisos V do Kundmach,ungspatent austríaco e II, § 37, do Ávitidtdtspatent de 29 de novembro de 1852 (no direito austríaco, sem distinção entre forma interna e forma externa), pelas Ordenações do Hannover de 1814, §§ 25 e 72, de Brema, § 17, de Oldenhurgo, § 9, pela Ordenança transitória prussiana de 1814, § 6, pela Lei holandesa de 1.0 de outubro de 1883, art. 3, pelas Lei transito-ria estense de 1852, art. 17, e saxônica de 1863, art. 23, e pela Lei italiana de 1865, art. 23. Vacilou a jurisprudência francesa. E a belga. A italiana, diante do Código Civil italiano de 1866, ateve-se a lei do dia da morte do testador (contra, O. F. GAnA, Teoria delia Retroattivitd deile Leggi, III, 3.~ ed., 336). G§NNER (Von der rflckwirkenden Rraft eines neuen Gesetzes auf vorbergegangene Handlungen, Archiv fiir Gesetzgebung, 1, 155) e MAILHER DE CEASsAT (Traité de Ia Retroactivité des Lois, II, 25) insistiram em impor a lei do tempo da morte, embora o último deixasse ao juiz apreciar circunstâncias. 3.TESTAMENTO PÚBLICO E TESTAMENTO CERRADO. O oficial público tem de observar a lei do Estado que lhe determina as funções. O queé intrínseco rege-se pela lei do tempo. A revogação ou a simples derrogação de algum artigo de lei, que regulava formalidade essencial (ou que a criara), pode ter conseqúências graves. Na dúvida, é aconselhável a satisfação do que se exigia. A Relação de Lisboa, a 23 de abril de 1873, julgou válido testamento cerrado, feito antes do primeiro Código Civil português, por pessoa que não sabia ler, nem escrever. O Código Civil, hoje revogado, se, no art. 1.764, parágrafo único, proibia o testamento cerrado aos cegos e aos que não podiam ou não sabiam ler, continha regra jurídica de direito inter-temporal, tida como satisfatória (art. 1.762). A regra jurídica só se referia às formalidades externas. Dai a censura de JosÉ DIAs FERREIRA (Código Civil português anotado, IV, 182 si. 4.TESTAMENTO PARTICULAR. O testamento particulàr há de ter a forma da lei do tempo. Na ocasião em que se fêz, fêz-se bem. Por isso, está feito para hoje e para mais tarde. § 5.863. DIREITO INTERTEMPORAL E FORMA São exigências de forma externa no direito brasileiro: a) ser todo escrito pelo testador; b) ter cinco testemunhas; e) ser lido perante as testemunhas e por elas assinado. As formalidades posteriores à própria morto (e.g., abertura, se fechado; publicidade; afirmativas das testemunhas) são as da lei do ato. Trata-se de atos complementares, pois no momento das assinaturas está perfeito o testamento. 5.TESTAMENTO NUNCUPATIVO. O testamento Dura-mente oral não suscita graves problemas de direito intertemporal. No momento em que morre o testador, quase sempre não se passou longo tempo. Se passou, não tem
eficácia. Os prazos são sempre muito curtos. Mas pode ter havido lei nova no lapso exíguo. A forma exterior é a do momento em que se fêz. Surge o problema da lei nova que proibe o testamento nuncupativo. Tem-se de precisar a qualifição, em direito intertemporal, como há a qualificação em direito internacional privado. A lei pode dizer: “não valem os já feitos”. Se o testador podia testar por outra espécie, é razoável a regra jurídica de eficácia imediata. Se não podia, compôsse o direito adquirido. Testou como podia e como somente podia. Em todo o caso, tem-se de respeitar a qualificação pela lei. Se o testador, ao vir a lei nova, não pode testar de outra maneira, não se lhe pode ferir a liberdade de testar. 6.TESTAMENTO CONJUNTIVO. Antes do Código Civil, a doutrina admitia o testamento de mão comum. Perguntou-se: morto o testador após a incidência do Código Civil (digamos, em 1917) ~valia o testamento? CLóvís BEvIUÁQUA (Parecer, Revista Jurídica, 16, 74 s.) considerou-o nulo: “O testamento não se considera um ato perfeito e acabado, senão quando morrer o testador. Até êsse momento pode ser revogado. E particularmente, o testamento conjuntivo, se não pudesse ser desfeito pelo testador a qualquer momento, seria um pacto sucessório, expressamente reprovado pelo direito anterior. Se o testamento não é um ato perfeito e acabado senão desde a morte do testador, está, forçosamente, submetido à lei em vigor a êsse tempo e não à que prevalecia ao tempo da sua facção. A lei respeita o ato perfeito, isto é, o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. Mas o testamento, de que se trata, não pode considerar-se consumado, no momento em que foi redigido. É da sua essência a revogabilidade, porque é um ato mortis causa, é uma disposição de última vontade, e a última vontade só é possível determinar quando o testador, com a morte, cesse de querer”, O êrro vem de C.F. A. KÕPPEN e influiu em CLÓVIS BEVILÁQUA. Há duas noções que aparecem confundidas: a de revogabilidade, cujos efeitos são no momento da morte e permite ter-se como sempre refazível o ato testamentário, e o do regramento legal, que é, quanto à forma e à capacidade, o do momento da testamentificação. Feito o testamento, não há, com a lei nova, de ser atingido. O testamento conjuntivo não é só forma. Se o fôsse, feito antes da lei que o proibe, valeria ao tempo da morte e depois. Via de regra, é forma e fundo: contém disposições simultãneas, recíprocas ou correspectivas, o que é objeto da lei de sucessão, e são apreciáveis no momento da morte do testador; a forma, o extrínseco, há de reger-se pela lei da feitura, no tempo e no espaço. Na jurisprudência brasileira, o Tribunal de Justiça de São Paulo, a 5 de dezembro de 1919, decidiu pela nulidade do testamento conjuntivo, feito antes do Código Civil (1916), se na vigência dêsse faleceu o testador. Foi escusada a critica contra tal decisão, crítica que se baseava em estar perfeito o testamento no dia da feitura. Diante de testamento válido conforme a lei do tempo em que se fêz, a capacidade do testador e o que concerne a circunstâncias subjetivas só excepcionalmente se rege pela lei antiga. 7.TESTAMENTO DE MILITARES, MARINHEIROS E VIAJANTES DE ALTO-MAR. Rege o princípio tem pus regit actum: feito, vâlidamente, continua valendo. É diminuto o interêsse das questões, porque, pela exigência generalizada nos sistemas jurídicos, de prazo de eficácia assaz restrito, de ordinário há a caducidade antes de qualquer conflito intertemporal. Doutrinàriamente, se, morto o testador, não se esgotou o prazo, não incide a lei nova. Se, ainda a correr, vivo o testador, a lei nova o encurtou, não se há de apressar, mesmo na ausência de regra jurídica especial, o prazo que corria. Mas é de supor-se que tal decurso, o que é o quod plerum que fit, é exigência só imanente à forma. Se a lei nova proibiu a espécie, não se pode violar o direito adquirido. No caso de lei nova, que estende o tempo da eficácia, não se pode dizer que dela não se beneficiem os testamentos cujo prazo ainda não correu. 8.TESTAMENTO “TEMPORE PESTIS CONDITUM”. Com o testamento tem pore pestis conditum dá-se o mesmo que se disse sôbre o testamento nuncupativo e os especiais. Quanto aos requisitos extrínsecos, rege-os a lei do momento em que se faz (tempus regit actum). A lei nova vedativa esbarra na circunstância de haver testado o decujo e já não poder obedecer a nova lei. Tratar-se-ia de efeito retroativo, que se não há de tolerar. 9. CONTRATO DE HERANÇA E DOAÇOES A CAUSA DE MORTE. Rege a forma do contrato de herança e das doações mortis causa a lei do tempo em que se concluem. A lei nova não pode, retroativamente, destruir a eficácia. Nem o contrato de herança nem as doações a causa de morte estão sujeitos à lei de sucessão, salvo no que o direito sucessório tem de preponderar. Por outro lado, não há a revogabilidade plena que caracteriza o testamento. A lex boi rege a forma (II. HABICHT, Die Einwirlcung des 13GB., auf zuvor entstandene Rechtsverhii.ltnisse, g~a ed., 767; F. AFFOLTER, Das Intertemporale Reckt, II, 340). 10.CONVALESCENÇA E DIREITO INTERTEMPORAL. ,A lei nova pode convalidar o testamento feito sob a lei
anterior e inválido por defeito de forma? (Afirmativamente, a Ordenança oldemburguesa de 25 de julho de 1814, § 9; A. MAILHER DE CHASSAT, Traité de la Retroactivité des Lois, II, 27; contra, GRANDMANCHE DE BEAULIETJ, De l’Êtendue de l’Autoritê Lois, 85 5.; J. KALINDERO, De la Non-retroactivité des Lois. 119; V. VITAL!, La Forma dei Testamento italiano, 157). A jurisprudência é hostil. Os principais argumentos são os seguintes: a) Argumento contra a convalescença formal: o testamento a que faltava formalidade necessária, era nulo, e nulo há de continuar. b)Argumento a favor da convalescença: se o testador, que nulamente testara, sabia-o nulo, mas conheceu a lei nova e achou não ser preciso (MAILHER DE CHASSAT, II, 29). Réplica ao argumento b) : se o testador não rompeu o testamento nulo, sabia-o nulo, e não se preocupou com isso, pois conhecia a lei nova (MERLIN, Répertoire, 273). A convalescença formal seria de couseqúências profundas; e nas leis novas só excepcionalmente há a finalidade de trazer à vida: o elemento político (a técnica legislativa) estatui para o futuro, porque olha o futuro e regra o futuro). Por isso: a) Pode a lei, ao estabelecer algo para o futuro, tratar de atos passados, que a regra jurídica tempus regil actum submeteu à sua incidência. Por exemplo: “os testamentos feitos no regime anterior, se nulos por falta de tal formalidade, convalescerão se os testadores declararem ao juízo competente que os mantêm”; “os testamentos, feitos no regime anterior e nulos por falta da finalidade tal, convalescerão se os testa-dores não declararem o contrário aos oficiais públicos ou não os romperem”. Aí, a lei para GONNER (Von der rflckwirdenden Kraft eines neuen Gesetzes auf vorhergegangene Handlungen, Arckiv fijr die Gisetzgebung, 1, 159), MERLIN (Ré pertoire, 273) e 3. KALINDERO (De la ATon-retroactivité des Lois, 119) é imperativa. Devemôs, porém, frisar que há dispositividade. Trata-se de princípio geral, que estava no Preussisckes Alígemeines Landrecht e T. D. MEYER (Principes sur des Questions transitoires 13) reformulou. Apanha todo o direito intertemporal Mais: sociológicamente, resulta dos índices (. 2; portanto, 2 para futuro, pela instabilidade; e 7, de quanto despótico, que caracteriza a Política). Surge questão sutil. Se, no intervalo, cai em incapacidade ou impossibilidade de testar o testador, ~há convalescença? Afirmativamente a Ordenança prussiana de 1814, V. VITALI (La Forma del testamento italiano, 188), que afirmou não caber distinguir-se se a incapacidade começou antes ou depois da lei nova, e F. BIANCrn (Corso elementare di Codice Civile italiano, 123). Se a lei sanatória exigia ato positivo para a convalidação e ficar provado que o testador tinha o animus conservandi e somente por impossibilidade física ou psíquica não providenciou, ou, depois de haver testado e antes de extinto o prazo da lei nova, caiu em incapacidade, tudo se reduz a dupla interpretação: ou o ato positivo seria formalidade formal ad essentiam, que se não poderia suprir por outras provas da intenção do decujo, ou a prova da intenção é, por si, um dos meios de prova de revalidação. Se quem testou tinha, ou não, o intuito de impor como eficaz o testamento, depende, ai, das provas. b)Se a lei não exige qualquer ato do testador, por ter considerado contra os princípios gerais o que a lei anterior estabelecia, valem quaisquer testamentos a que ela se refira. Tal atitude legislativa é rara. Para a convalidação dos negócios jurídicos, inclusive a dos testamentos, é preciso: a) ou que o ato do figurante seja reconhecido pelo sistema jurídico como suficiente para o efeito; b) ou que tenha corrido o prazo, se pela lei considerado convalescente. Se o testador revogou apenas a revogação de um testamento, ou de alguma disposição, não se trata de convalescença, se o testamento volta a ser eficaz, cf. AUGUST SCHULTZ, Die Konvalescenz des 13GB., 27.) Quanto às formas testamentárias, só se pode cogitar de convalescença que decorra de princípio superior ao que regia o negócio jurídico. Por exemplo: eram nulos os testamentos que os testadores fizeram em região inundada, por só figurarem nêles três testemunhas. Diante dos casos que foram muitos, pode o legislador estatuir, excepcionalmente: “Os testamentos feitos durante a última inundação, na região tal, ainda que não tenham tido a assinatura de cinco testemunhas, têm-se por válidos.
O legado, vale êsse (E’. RITCEN, BitrgerlichE3S Gesetzlntch, ¾543). Se é certo que se nao aplicam os §§ 145-
158 e 305-319, não se pode dizer o mesmo dos §§ 155 e 157 (E’. RITGEN, BiirgeYlich~BS Gesetzbtwh, V, 525). Quanto à alínea 2.8, cumpre advertir-se que os ~§ 2.077 e 2.279 não são invocaveis com a extensão do § 2.268, relativo ao testamento nuncupativo. Se, no contrato de herança, os cônjuges, que se instituiram reciprocamefite herdeiros, dispuseram que, em caso de morte do sobrevivente, a sucessão se devolveria a terceiro, ou instituiram legado executável em tal tempo, dá-se aplicação analógica do ~ 2.269 (cf. § 2.280). Pode ser anulado, por pedido do disponente, o contrato de herança, se feito por êrro, ou rebns aio atantibus, ou nos mais casos do §§ 2.078 e 2.079. Mas, para a anulação com fundamento no § 2.079, é preciso que o herdeiro necessário exista na época em que se quer pedir anulação (§ 2.281, alínea l.~j. Se o disponenlte, após a morte do outro contratante, quer anular disposição a favor de terceiro, deve declará-lo ao juízo de sucessão, que o comunicará ao terceiro (§ 2.281, alínea 2.~). São causas invocáveis os defeitos de vontade, as mudanças de circunstâncias e a violação das legítimas. O direito de anulação pelo testador é personalissimo. Exceto no caso do § 2.282, alinea 2.8 não pode ser exercido por intermédio de outrem, nem se transmite aos herdeiros. Após a morte do testador, só as pessoas mencionadas no § 2.080 podem pedir anulação do contrato, com fundamento nos §§ 2.078, 2.279 e 2.285 (F. RITGEN, Bitrg crU-cites Gesetzbu.ch, V, 529) . O credor do disponente não tem qualquer direito de anulação (LUDWIG SCRTEFNER, Der Erbvertrag nach clern 5GB., 151, nota 12). ~ interessante notar-se. que, no caso de dolo, não é preciso que o outro figurante conhecesse ou devesse conhecer o dolo do terceiro, para que se possa pedir a anulação (E. RITOEM, Búrqerliches Gesetzbuoh, V, 528) ;. o § 123, alínea 2.8, não se aplica ao contrato de herança. O pedido de anulação não pode ser feito pelo representante do dísponente. No caso de capacidade restrita, não precisa do consentimento do representante legal para o pedido. Se o disponente é incapaz, o representante legal pode pedir a decretação da nulidade, com aprovação do juízo de tutela. O pedido de anu-lação deve ser feito por ato judicial ou notarial (§ 2.282). Por parte do disponente, o prazo para o pedido é de um ano. No caso de anulablidade por ameaças, começa a correr do momento em que cessa a coação; nos outros casos, do dia em que se conheceu a causa de anulação. Aplicam-se por analogia as disposições dos §§ 203 e 206, relativas à prescrição (§ 2.288, alíneas 1.~ e 2 ª No caso do § 2.282, alínea 2.8, se o representante legal não pediu em tempo a invalidação, pode pedi-la, pessoalmente, o disponente, como se não tivesse tido representante legal (alínea 8.~) - Trata-se de prazo preclusivo. Conta-se segundo os §§ 187, alínea lª e 188, alinea 2?. Se o dísponente apenas tem capacidade limitada e poderia anular sem representante legal, corre contra êle o prazo. O § 2.283 somente éinvocável para a anulação pedida pelo disponeflte pelas outras partes, o prazo preclusivo é o dos §§ 121 e 124; para as pessoas do § 2.080, o do § 2.082 (E. RITCEN, Búr.qerlichús Gesetzbueh, V, 530) . Mas essas pessoas do § 2.080 não podem, com fundamento nos §§ 2.018 e 2.079, pedir a anulação, se já extinto o prazo para o disponente (§ 2.285) : se ainda vigora, é outro prazo que lhes corre (Motive, V, 325) Só o disponente, pessoalmente, pode ratificar o contrato de herança anulável. No caso de capacidade restrita, exclui-se a ratificação (§ 2.284) . O § 144 é aplicável (Protokolle, 1, 886) . Após a ratificação, é inatacável o contrato de herança, mas a ratificação pode ser atacada. Quanto ao caso do § 2.275, alínea 2.8, a opinião é pela irratificabilidade (LUDWIO SCHIFNER, Der Erbvertttig nach dem SOB., 156, contra I-IEINRICH WILKE, Erbrecht, nota 2 ao § 2.275). O contrato de herança não restringe ao dísponente o direito de dispor dos seus bens por ato jurídico entre vivos (§ 2.286). Não era assim antes do Preussisclies Alígemeifles Landrecht, 1, 12, § 624, e do Código Civil saxônico. Os §§ 2.287 e 2.288 prevêem casos de abuso do direito: no caso de doação lesiva do herdeiro contratual, pode êsse, ao se lhe devolver a herança, exigir a restituição, segundo as regras jurídicas do enriquecimento injustificado, ação que prescreve em três anos a partir da abertura da sucessão (§ 2.287). Se o disponente destruiu, desviou ou prejudicou o objeto de legado convencional, impossibilitando a prestação, o objeto será substituído pelo seu valor (§ 2.288, alínea 1?). Se o testador alienou ou gravou o objeto, com intenção de lesar, o herdeiro é obrigado a buscar-lhe o objeto ou a desonerá-lo, aplicando-se, por analogia, o § 2.170, alínea 2.8, a tal obrigação. Se a alienação ou gravação foi feita a título de doação, o beneficiado tem, se não pode obter a indenização pelo herdeiro, o direito do § 2.287 contra o donatário (§ 2.288, alínea 2.~). fl preciso notar-se que o § 2.288 não é simples regra jurídica de interpretação (F. RITGEN, Riirgerliches Gesetzbuck, 540). Após a morte do outro figurante, pode, por testamento, em virtude do § 2.297, suscitar a resoIuç~o do contrato de herança. O contrato de herança, bem como qualquer disposição contratual particular, pode ser atingido por outro contrato, em que figurem as pessoas que concluíram aqueles. Mas isso nâo pode dar-se após a morte de uma delas. Tal contrato só pessoalmente pode ser feito pelo que dispôs da sua sucessão. No caso de capacidade restrita, não precisa do consentimento do representante legal. Se a outra parte se acha sob tutela, é de mister a homologação do tribunal. Dá-se o mesmo se sob o pátrio poder, quer se trate de contrato passado entre cônjuges ou entre noivos (§ 2.290, alíneas 1a.. 3ª) A forma é a do contrato de herança (§ 2.290, alínea 43). a forma do contrato imposta à resoluçâo: por isso, se o contrato de herança se fêz em contrato de casamento, então basta a forma dêsse. O contrato de herança feito entre cônjuges pode ser desfeito por testamento conjuntivo
dêles, aplicáveis, por analogia, as disposições do § 2.290, alínea 3•a (§ 2.292). No § 2.298, o Código Civil conferiu ao disponente a faculdade de resolução do contrato de herança, se se reservou tal direito na convenção (§ 2.298>. Pergunta-se se não se choca tal dispositivo com o caráter obrigatório do contrato de herança, mas há, aí, evidentemente, o influxo do testamento. Não se trata de condição o resolutiva, aliás admissível. N~o precisa figurar no contrato, pode ser em suplementar. Não se confunde com a reserva de dispor diferentemente, em declarações posteriores. Também é possível resolver-se a disposição contratual nos casos em que o beneficiado perderia a reserva, se é herdeiro com direito a ela, ou se o fosse (§ 2.294, cf. §§ 2.383-2.385) A doutrina adverte: é preciso que a causa seja posterior ao contrato de herança; se anterior, não cabe a distinção de ter sido, ou não, conhecida do disponente (F. RTTGEN, Rurgertiches Gesetzbuoh, V, 548; LUDwIG SCHIFFNELI, Der Erbvertrag nack dem BGR., 178). Se era desconhecida, pode ser usada a ação de anulação fundada nos §§ 2.281 e 2.078, alínea 2•a Se a disposição correspondia à obrigação contraída, perante o disponente, pelo beneficiado, de prestações periódicas, ou de sustento daquele, pode ser resolvida se, antes da morte do disponente, fôr anulada a obrigação (§ 2.295). A resolução só se exerce pessoalmente; para ela, o que tem capacidade restrita não precisa do consentimento do representante legal: opera-se por declaração ao outro figurante e faz-se judicial ou notarial-mente (§ 2.296). Pode fazer-se por testamento, aplicáveis, no caso do § 2.294, as regras jurídicas do § 2.386, alíneas 2ª~4ªa. (§ 2.297). Mas, revogado o testamento, revive o contrato de herança. Se, no mesmo contrato, disposições contratuais forem concluídas pelos dois figurantes, a invalidade de uma tem como consequência a ineficácia de todo e contrato (§ 2.298, alínea lª) Trata-se de regra jurídica de interpretação: presume-se, legalmente, a dependência e correspectividade das disposições. Não se confundam invalidades como advento de condiçôes, têrmos, repúdios, morte do beneficiado (LUDwIG SÇHIFFNn, Der Erbvertrag naoh dem RGR., 188). Também não aplica ao que é disposição unilateral, se bem que o § 2.298 fale em “ineficácia de todo o contrato”. Se, em contrato da alínea lª do § 2.298, se reservou a resolução, feita para um, tem o efeito de destruir todo o contrato, O direito de resolução extingue-se com a morte do outro contraente. Mas o sobrevivente, se renuncia ao benefício, pode resolver, por testamento, a sua disposição (§ 2.298, alinea 2.~)• Cada contratante pode, no contrato de herança, dispor tudo que poderia em testamento. Será como se um testamento fôra. Pode desfazer as disposições, em contrário do que acontece quanto às disposições contratuais. Se por outro contrato, ou pelo uso do direito de resolução, se tira eficácia a contrato de herança, a disposição perde-a no que não se tenha de admitir que outra era a vontade do disponente (§ 2.299). Os §§ 2.259-2,263 e 2.278 aplicam-se à abertura do contrato de herança, mas as regras jurídicas do § 2.273, partes 23 e , só no caso de depósito (§ 2.800) 4.CONTRATO DEE HERANÇA NO DIREITO suíço. O Contrato de herança só se faz na forma do testamento público (Código Civil suíço, art. 512, alínea 1?): aos figurantes declaram a vontade, simultâneamente, ao oficial público; assinam o ato perante êle, na presença de duas testemunhas (alínea 2.~). A teoria de GUSTAV ARTMANN não prevaleceu; mas, se bem que não se trate de negócio duplo (Doppelgesúhdft), de um lado é regido pelas regras jurídicas sôbre contratos (Código Suíço das Obrigações de 1911, art. 1 s.), e de outro, pelas das disposições de última vontade: negócio jurídico bilateral para o tempo da morte (A. ESCHER, Das Erbrecht, Kommentar, III, ‘72 s.). A simultaneidade, de que se fala na alínea 2•a do art. 512, não significa que tenham os figurantes de dizer ao mesmo tempo, mas imediatamente um ao outro (A. ESCHELI, III, 101), talvez por simples declaração de aceitar (cf. Código Civil suíço, art. 500), como nos atos entre vivos (P. TUoR, Kommentar, III, 848) . Para o caso de língua estrangeira, procede-se como nos testamentos públicos. O Código Civil não trata do depósito do contrato de herança: a doutrina decide que, feito em dois exemplares, pode ficar com os figurantes; salvo se a legislação cantonal exige que se deposite (E TUOR, Kommentar, III, 850) . t necessário haver a maioridade (Código Civil suíço, art. 468) do disponente: 20 anos (arts. 14 e 15), e ser o figurante capaz de discernímento (art. 16). Excluem-se da capacidade de contrato sucessório, como disponente, e.g., e louco e oébrio. Se sob tutela, A. ESCRER (Das Erbrecht, gominentar, III, 26) não admite representação, por se tratar de assunto sucessório (EUGEN HUEER, System und Gesehichte des Sehw eizerischen Privatreehts, II, 322). Também nesse sentido, P.TuoR (Koinmentar, III, 101) Aliás, parece-nos frágil a opinião contrária de EUGÊNE CURTI-FORRER (Comnwfltaive, 369), que vê nas marginais dos arts. 498 e 512 distinção explícita entre os testamentos e os contratos de herança. Os figurantes, por convição escrita (diferença notável em relação ao direito alemão, § 2.290, e achamos pouco coerente), podem, se querem, resili-lo (art. 513, alínea 1•~)• Em todo o caso, a convenção escrita deve ser assinada, ainda que a lei não o diga (1’. TUOR, Kommentar, 512) . Se, após a conclusão do contrato de herança, o herdeiro, ou o legatário, se torna culpado de ato que importaria deserdação, o disponente pode anular (antilar, anfechten) a instituição ou legado (art. 513, alínea 2Y). Essa “anulação” (o texto alemão disse “einseitige Aufhebung”, revogaçao unilateral que é melhor expressão) fazse numa das formas prescritas para os testamentos (art. 513, alínea 33) Se o motivo fôr anterior, há a ação de anulação por êrro (artigo 469), como por violência, ou dolo (E. TUOR, Kommentar, .351) . A ignorância do motivo anterior não autoriza a ação do art. 513, alínea 33. Aqueles, a quem o
contrato de herança confere a faculdade de reclamar prestações entre vivos, pode resili-lo, de acôrdo com o direito das obrigações, se não foram executadas ou garantidas, como se convencionou, as prestações <art. 514) . A lei não disse a forma. Se o herdeiro ou legatário não sobrevive ao disponente, caduca o contrato de herança (artigo 515: “est resilié”, expressão imprópria; no texto alemão está: “so fãllt der Vertrag dahin”). Todavia, salvo cláusula em contrário, os herdeiros do premorto podem reclamar a repetição do enriquecimento ao tempo da morte (art. 515, alínea 23). A alínea 13 é de natureza dispositiva (E. TUOR, Kommentar, V, 358) . (O art. 516 está fora do lugar, no Código Civil suíço: nada tem com a forma dos atos para a morte; édireito sôbre conteúdo: “As liberalidades por testamento ou contrato de herança não se rompem (“so wird nicht aufgehoben”, “ne sont point annullées”), se, depois, diminui a faculdade de dispor do seu autor: mas cabe a redução”.) § 5.859. Direito constitucional e testamento 1.CRIAÇÀO, ALTER.AÇAo E EXTINÇÂO DE FORMAS TESTAMENTÁRIAS. As formas testamentárias somente podem ser criadas ou modificadas, ou extintas, pelo Congresso Nacional. Os Estados não podem intervir, nem estabelecer nulidade ou presunções legais. Contudo, podem exigir aos seus juizes que, antes do “cumpra-se”, procedam a diligências, desde que, com isso, não se invada o domínio do direito material. Os Estados-membros não podem modificar regras jurídicas de capacidade, nas espécies testamentárias, nem alterar ou acrescentar aos arts. 1.650, 1.719 e 1.720 do Código Civil, que trataram das testemunhas nos testamentos. Se um Estado-membro determina que os escreventes e mais pessoas dos cartórios não figurem como testemunhas, a infração tem as consequências disciplinares, porém não a de invalidado. O Código Civil, em regra, não usou das expressões “tabelião” e “notário”,. como outras leis. O que êle exige é que seja oficial público, pessoalmente. Trata-se de oficial com fé pública, oficial que euremàticamente possa portar por fé (art. 1.634), isto é, oficial cuja afirmativa valha e seja parte integrante de instrumento público. Não é preciso que seja o oficial público competente para outras escrituras públicas: pode ser o exclusivo de testamentos ou exclusivo ou privativo. Se um Estado-membro dá a atribuição ao escrivão da Provedoria ou das varas cíveis, vale. Pode, até, dizer que tal oficial é o juiz de paz, ou o substituto, da comarca. Mais: o escrivão da intendência municipal. O que é essencial é que lhe dê fé pública, a qualidade de oficial público. A lei de organização judiciária do Estado pode, a respeito, dispor. Mas, aí, para a função substancial da legislação estadual. Ela cria o oficial que o Código Civil pressupõe. Só isso. Pode ser que exija outras formalidades aos testamentos papel selado, pagamento prévio de impôsto; mas isso não constitui causa de nulidade. Se algum Estado-membro, por exemplo, não exige que o ato seja pelo próprio oficial, mas por escrevente juramentado, isso não eiva de nulidade o testamento: tal escrevente, em virtude da legislação estadual, é oficial púbUco Mas é preciso que a legislação lhe confira fé pública. A lei que permitisse ao escrevente escrever o testamento, porém não lhe reconhecesse fé pública, cindiria as funções de escritor do testamento público, e de certificação, portando por fé, o que se não compadece com a lei federal. Tudo que se disse sôbre o oficial público, no tocante ao testamento público, incide no tocante ao testamento cerrado. Os Estados-membros não podem simplesmente ficar o processo de publicação ou confirmação do testamento particular. 2.LÍNGUA ESTRANGEIRA E LEGISLAÇÃO ESTADUAL. O testamento tem de ser escrito em língua nacional (Código Civil, art. 1.632, parágrafo único). Se um Estado-membro manda que se junte tradução, devidamente assinada pelo testador e autenticada, cominada a pena de nulidade. Não há nulidades de atos jurídicos fora do Código Civil. É isso que leva a afirmar-se ser inoperante a cominação de nulidade. Mas a legislação estadual pode dizer que faltará fé pública ao oficial quanto a atos de estrangeiros que saibam escrever se êsses não-escreverem, após o apanhado do oficial em língua nacional, o que êles declararam, vertido na própria língua. Éxaminadas as circunstâncias, não é de excluir-se a possibilidade de ser formalidade essencial, em certos casos. Outra questão é a dos governos de fato e as nomeações de oficiais. 3.GOVERNOS “DE FACTO” E TESTAMENTOS. Às vêzes, os governos são, para uns, de facto, e para outros, de iure. Êste énão só o que devia estar no poder e não está (MOUNTAGTJE BERNARD, Nc7etrality of &reat fintam during Ameriean civil War, 108), como também o que está no poder e, embora em situação discutida, devia estar. Surge, então, a questão jurídica sôbre o direito ao cargo. A própria subida pode não ser normal: ogovêrno de facto pode ascender normalmente na aparência, por maquinações; e o de direito ter precisado de insurreições ou revoltas. A solução que temos de esperar é matéria puramente de direito constitucional: é, ou não, de qua-estio ius. Respondido isso, parte-se a questão: ato testamentário praticado perante oficial, nomeado pelo govêrno estadual de facto, e cabendo a apreciação ao juiz brasileiro, do mesmo Estado-membro, ou de outro (direito civil e interestadual) ; ato testamentário, praticado perante o juiz ou oficia] de outra nação, nomeado pelo govêrno de facto (geral ou local), cabendo a apreciação ao juiz brasileiro (direito internacional privado)
Aqui só nos interessa a primeira parte. Da outra, adiante se há de tratar. A validade ou udo-validade do ato de nomeação é preliminar, mas preliminar que pode associar-se a outras. Primeira distinção: governos gerais e locais. Se a autoridade do govêrno é geral, se estende por todo país, deu-se substituycão completa do poder, é para o juiz interno como para govêrno de iure. Assim, revolução unitanista, ou federalista, com a uniformização das leis de jurisdição, de ofícios públicos, e respectivas nomeações, que se alastrasse e dominasse o país, nomeando tabeliães, escrivães, juizes, criaria a figura do govêrno de facto generalizado e os atos teriam de ser e deveriam ser respeitados. Os testamentos feitos perante tais oficiais valeriam, sem discussão, e o juiz deve reputálos válidos, ainda quando nova revolução reimpusesse o govêrno estável anterior, o chamado govêrno de jure. Não coexistiriam. Existiriam, um após outro. A decisão do nôvo govêrno restaurado que considerar sem efeito as nomeações não pode ter a consequência de invalidar os testamentos das pessoas que falecerem antes de vigorar tal solução nova. A regra é que os governos de jure sejam intolerantes com os de facto: tudo que antes se fêz é ilegal. Há, pois, limite, algo como constituição superposta aos governos nascidos ou não das Constituições, que autorizam os juizes a velar pelo interêsse público, estabelecendo justo critério nas apreciações concretas. Trata-se de análise de relações, de princípios superiores, de induções, que também se permitem nas questões de direito intertemporal constitucional. Se a questão da validade dos testamentos feitos perante oficial nomeado pelo govêrno de facto tivesse de resolverse pelos decretos reconhecedores, ou não, dos atos do govêrno anterior, tôdas as nomeações seriam nulas; todos os testamentos, nenhuns. É preciso considerar o quantum despótico da Política (= ‘7), e reduzi-lo ao do Direito (xx 4). Seria mais do que injusto: seria aceitar a suspensão da vida de um povo, a não-testabilidade por ato público. Há limitações que nascem das relações para com outros países e dos cidadãos com a ordem social (govêrno de facto, ou não) . Valem as dividas contraídas, quiçá os tratados, as escrituras entre particulares e os testamentos. Ou o nôvo govêrno diz que valem, e então tollitur quaestio. Ou nada estabelece, e devem entender-se válidas, por presunção, as nomeações. Ou diz que não valem. Aqui, o juiz pode obrigar os próprios governos de facto ao reconhecimento, os dirigentes a que observem as leis. Tal o procedimento americano, após a guerra de Secessão. A justiça paira; as revoluções e governos de facto são fenômenos pauticos. A Constituição das Repúblicas do Salvador, art. 69, de Honduras, art. 99, da Venezuela, art. 104, e do Peru, art. 10, declararam nulos os atos dos governos de facto. Mas revolução geral de ordinário revoga a Constituição, o que dá no mesmo: há Constituição de facto. Em todo o caso, restaurada a ordem constitucional, vêm os decretos, e os juizes dêsses países costumam só considerar válidos os atos que os decretos permitem Essa não é e não pode ser a solução brasileira. ~ Se o govêrno de facto fôr local? Para o caso dos testamentos e no sistema federativo do Brasil, o govêrno de todo um Estado-membro, o govêrno que está, de facto, no Poder, sem coexistir, de facto com outro, é govêrno geral. Valem, portanto, as soluções que demos aos casos ocorridos sob govêrno geral. Aos governos locais é inabluível a coexistência. Tais os das guerras civis. Há atos de um e atos de outro, atos do vencido e atos do vencedor. que pode ser o de facto como o de’ iure. Aliás, o vencedor, com o critério político, considera-se, a si mesmo, de iure. Se o vencedor discrimina os atos seus que valem e es que não valem, praticados durante a guerra, cria problemas graves. O govêrno de iure não poderia ter tal procedimento, O que disputava o poder legal, durante a luta, reconheceu a soberania de facto coexistente (não é a mesma coisa que lhe reconhecer a beligerância, que só tem efeitos quanto ao direito penal) : o juiz interno também deve dar aos atos o valor jurídico e as consequências, que lhes caberiam, e.g., leis novas de organização judiciária, nomeações de oficiais públicos. A regra jurídica tem de ser a seguinte: se o vencedor é o de iure, devem-se considerar válidos todos os atos de conformidade com a lei e pendente a disputa do podei; se o vencedor é o de facto, desde o dia em que começou a existir, a co-existir (ex hypothesis). Restam os atos do govêrno de facto vencido e os do govêrno de inre que foi inteiramente destruido e para sempre: a)Atos do govêrno de facto vencido: se o govêrno de iure lhe reconhece os atos, corta-se a questão; se o govêrno dá regras jurídicas a respeito, cabe ao direito intertemporal. No Brasil, a questão do govêrno de facto local, coexistente, com duração e estabilidade, pode provocar a intervenção federal: o ato explícito do govêrno de iure vencedor, considerando nulos os atos jurídicos perante oficias nomeados pelo govêrno de facto, duradouro, e os do próprio executivo federal ou do legislativo, não escapam à apreciação do juiz. Se houve passagem do cartório ao nôvo oficial, exercício ‘efetivo, prática de atos de fé pública, é preciso afirmar-se a validade dos atos testamentaros perante êle praticados. Se o govêrno legal não reconheceu, de modo nenhum, a coexistência de facto, ainda que, efetivamente. algumas cidades ou zonas estivessem sob o poder passageiro dos revolucionários, o juiz deve em princípio aplicar as leis como se só um govêrno existisse, para evitar a imprudência de dar ao Direito a mobilidade da Política. Mas: a) Se o govêrno regional de facto permaneceu, com estabilidade (caso dos Estados do Sul, na guerra civil americana), cabe a lição do juiz FIELD, no caso Horn versus Lockhart (1873), que argumentava, decisivamente: “A existência de estado de insurreição não desatou os laços de sociedade, nem suprimiu a administração civil e a aplicação regular das leis. Era preciso manter a ordem, aplicar os regulamentos de polícia, fazer respeitar os contratos, celebrar os casamentos, regular as sucessões e a transferência dos bens,
como em tempo de paz”. b) Se o govêrno vencedor afirma a ilegalidade de todos os atos do govêrno de facto, sem os distinguir, ainda assim o juiz deve entrar na apreciação, reduzindo às necessidades jurídicas o critério político: as circunstâncias ordinárias da vida e é o caso dos casamentos e dos atos testamentários não devem sofrer com as mobilidades do processo político de adaptação social, nem o govêrno salvo caso de diferença radical que diga com a ordem pública pode querer o prejuízo dos particulares. Ainda em se tratando de formas testamentárias novas (isso, no Brasil, não caberia, porque a legislação é federal), cumpriria atender ou poder alegar que houve atos cuja responsabilidade não assume. Mas o juiz examina as circunstâncias para verificar se a não-validade é admissível. Após a guerra da Independência, os tribunais americanos reconheceram o poder legislador dos Estados-membros a partir de 4 de julho de 1776, e não do Tratado de 1783. b)Atos do govêrno de iure vencido. O vencedor, govêrno de facto, vai considerar-se de iure. Mas as considerações de que os habitantes contavam com a vitória da situação jurídica contra a situação de facto (ainda que, politicamente, partidários da revolução) e de que o govêrno federal interviria pela restauração (o que se supõe, pela Constituição da República) bastariam para afastar a possível invalidação: seria querer-se que o fenômeno político negasse o próprio juiz apreciador do caso, negasse o Direito, fôsse, no passado, desfazer o que juridicamente se estabeleceu: o sinal de Política é (para o futuro) e não ~ (para o passado) ; por isso mesmo, as leis não retroagem, e o que está feito fica (Política é 2; Direito, 1), e só muda para os casos futuros (PONTES DE MIRANDA, Introdução à Sociologia Geral, 235 s.). As Constituições estaduais fixam o poder legislativo dos Municípios. O que êles podem fazer tem as sós consequências que teria, se feito pelo Estado-membro. De modo que as questões são as mesmas. § 5.860. Direito penal e formas testamentárjas 1.TESTAMENTOS E CRIMES. Atos particulares, documentos privados, ou não, os testamentos, devido à sua significação e importância, são pelas leis penais considerados, indistintamente, atos públicos. Ficção legal, que o caráter do ato justifica. Talvez seja resquício da função legislativa que se exercla’nos próprios testamentos não públicos. Se bem que hológrafo, o testamento particular é como a instituição de patrimônio; mas, hoje, o fundamento está no fato de ser difícil verificar-se a fraude caligráfica (AMnancIo NEGRI, em P. CoCLroLO, Completo TraLtato di Diritto Pende, J~, 1.~ parte, a, 521). 2.CRIMES MAIS ENCONTRAVEIS Os crimes encontráveis são os de falsificação do testamento público e os de falsificação do testamento particular, que cabem, respectivamente, nos arts. 297 e 298 do Código Penal. Outros podem ocorrer, como o de falsificação de certidão, quer ideológica, quer natural, e o de falsa identidade. § 5.861. Espécies de testamentos quanto à forma 1.FUNÇÃO JURÍDICA DAS FORMAS TESTAMENTÁRIAS. A forma é processo técnico. Nos nossos dias, não pode ter caráter ritual, mas sim próprio à estabilidade específica. Seria inconsequência (nos tempos de hoje, em que a inteligência tem finura bastante para reconhecer e discernir os fatos do direito, e para discriminar relações em sua realidade imaterial) alimentar a superstição dos formalismos obsoletos, que prejudicaram, em vez de servir à vida. Ora, o Direito, processo social de adaptação, não tem outro fim que o de servir à existência coletiva e individual. Forma contrária a êsse fim, é forma contrária ao Direito. Quando a lei escrita, ou a praxe doutrinária ou judicial, que também são fontes de formas, estabelece, para determinados atos jurídicos síricto sensu e negócios jurídicos (citação, interpelação, casamento, adoção, testamento, hipotecas) determinadas exigências formais, não tem outro fito senão o de pressupor cautelas, envoltórios, dentro dos quais, convenientemente resguardadas as vontades, se lhes garanta e precise a eficácia. Raro, somente para precisá-la ou restringi-la: quase sempre, para assegurar-lhe o resultado jurídico que especifica-mente foi querido. 2.EVOLUÇÃO DAS FORMAS JURÍDICAS. Se examinamos a evolução que se operou do formalismo romano à mentalidade hodierna, vemos que se procedeu a verdadeira crítica das funções das formas, sem qualquer preconcebida antipatia (pois que a vida moderna criou formas novas), porém no sentido de apreciar a utilidade social e individual do seu emprêgo. Dai o movimento de diminuição de exigências que apenas atende uma. das leis evolutivas do Direito. Por isso, no apreciar as formas como processos técnicos, meios, para fins de segurança jurídica (se garantem, segurança para os que desejam eficácia aos seus atos de vontade; se restringem, segurança para os outros)~ o direito contemporâneo, como o dos séculos passados, ora atenua o rigorismo da forma como elemento, exterior e sensível, necessário ao ato jurídico, ora reconhece a legitimidade de novos quadros formais em ~ue se verta e se modele o querer dos homens. De tudo isso havemos de tirar que o invólucro não deve sacrificar os atos que deve revestir. Se é certo que às vêzes o requisito formal tem por fim delimitar, dificilmente se poderiam, ainda em tais casos, intrometer considerações de sacrifício do fundo, do ato, de mal compreendida
sujeição à forma solene, seja probatória, seja acauteladora ou normativa (de habilitação, e de processo, de fiscalização) . Também se tira, não só que as regras jurídicas sôbre forma são suscetíveis de interpretação, com tôdas as possibilidades dos modernos critérios de apreciação científica da lei, como, por igual, que ela não deve ir além do fundamento ou do critério inspirador do processo técnico, que é a forma. Processo técnico não é fim, é meio. Por outro lado, não se veda ao direito não-escrito estabelecer cautelas, exigir formas a determinados atos, às habilitações, aos propósitos de publicidade e, se a necessidade o inspira àprova de fatos. Não é a lei escrita a fonte única do direito, nem se abre ao princípio da multiplicidade das fontes essa exceção relativa às regras jurídicas de exigências formais. Tão-pouco ficam imunes os textos escritos às apreciações com que a ciência e a prática procedem a sua adequação aos fatos da vida. 3.IMPFRATIVIDADE E INTERPRETAÇÃO. As formas testamentárias são de interêsse público; mas isso não quer dizer que se não possam interpretar os artigos de lei, que fixam os. requisitos essenciais: a) pode a forma, considerando o efeito~ não ser da máxima importância: quando forma non est magnae importaníiae, considerato efleciu; b) a exigência formalística cede, onde cessa a razão de se requerer a forma (quando <-es.. sarei causa forinae adimplendae) ou o fim (juando forma ad aliquem finem eM constituta); c) quando o que se fêz vale o mesmo (“equipolência”, a que se referiam os juristas lusitanos) : quando actue factus eandem rim hab ei; d) quando de-~ monstrativa (ad aliquid demonstrandujn requisita). Em todo êsses casos, pode adimplir-se pelo equivalente: tufo enim potesi adimplere por aequipollens. Não são palavras de hoje, são velhas palavras, que meia-ciência de alguns ou não compreende ou delas se esqueceu. Outros elaboravam fórmula mais geral, porém, no fundo, a mesma: nisi tamen sia tutum formam inducens considerei aliquem eflectum, quja tune si eflectus sequatur omissio formae nau vitiat. (Ou: quando forma respicit certum eflectum, per aequipollens potesi effectualiter canse qui.) 4.INTERPRETAÇÃO DAS LEIS SÔBRE FORMAS TESTAMENTÁRIAS. No caso de o que se teria como testamento não ter forma, ser imperfeito, não existe o próprio ato. Tal formalismo passou ao direito português e dominou como princípio. Ainda hoje, atenuado, domina. A falta da forma deixa não completo, é pois inexistente o ato testamentário (MANUEL FIGUEIRA DE NEGP.nRos, introductio ad ultimas voluntates continens omnia necessaria ad confectionem Testamenti, 1, 2, c. 1, n. 4) ; mas isso não visava dizer, nem visa, que a lei da forma não se interprete. A lei da forma é lei como as outras leis. Imperativa, sim, mas as leis imperativas são suscetíveis de interpretação. O que ela diz, e nisso difere de outras regras jurídicas, é que a falta faz inexistente o ato e o defeito, ainda mínimo, torna nulo o ato. Mas o que é defeito, di-lo a lei, ou a interpretação. Se aqueles defeito mínimo é, realmente, defeito, isto é, se tem aquela consequência, di-lo o entendimento do texto legal. O entendimento não poderia ser o de absurda interpretação literal. As idéias modernas, frutos de evolução da ciência, e da técnica, encontram pleno apoio em velhos mestres de tempos bem mais maduros no apreciar o valor e o alcance das leis. Na letra legal está consignada a exigência do elemento exterior e sensivel, da veste material à imaterialidade do querer expresso, mas, na lição de hoje, como na de ontem, pode satisfazer-se com o igual em resultados. Se se chega à conclusão de tratar-se de levissirna solenuitas, então nou est sufficiens ad evertenda suprema defunciorum elogia. As regras jurídicas sôbre formas testamentárias são bis cogens. Não pode o testador por vontade sua, declarada ou não, ou por fôrça das circunstâncias, fugir à observância do que a lei, como forma solene, estatui. Isso não quer dizer que o íus cogens tenha de ficar sujeito às algemas de inafastável interpretação literal. Éle é cogens, no que diz, porém não nos meios de se procurar o que êle diz. Tal verdade da ciência, nem sempre a vemos na solução dos expositores, desaparelhados para a delicada adequação da lei aos fatos da vida. (Nem se confunda isso com o favor testamenti, que está no Código Civil, artigo 1.666: quando se fala de favor testamenti, só se cogita do conteúdo. O mesmo sucede no Código Civil alemão, § 2.084: WILHELM MANTEY, Das Erfordernis richtiger Datierung holographischen Testaments, Gruchois Beitráge, 43, 642). Um dos fundamentos da exigência formal é não se deixarem dúvidas quanto ao emprêgo válido das solenidades. Por isso, a interpretação tem de ser restrita (EMIL JAOOBY, Das cigenhándige Testaríz cmi, 39) . Interpretação restrita de formas solenes quer dizer interpretação que reduz ao mínimo. Ora, interpretação com tal propósito limitativo não poderia ser IIteral: procura o que seja validante dos testamentos, enquafltG êsse mínimo de exigência não prejudica o critério formal. Por onde se vê, claramente, que a solução contemporânea, sôbre ser a dos bons espíritos dos séculos passados, consulta outros princípios de interpretação das leis e das categorias reais das nulidades, no submeter o texto imperativo aos depuramentos de crítica esclarecida e sã. § 5.862. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO 879 § 5.862. Direito internacional privado e formas testamentárias
1.LEI DE INTRODUÇÃO AO CODIGO CIVIL, ART. 10 E §§ 1.0 E 2.0. As regras jurídicas sôbre a lei que rege a sucessão são de grande relevância na vida contemporânea. As relações entre os povos são intensas, correntes imigratórias continuam e há deslocações para outros Estados que aqueles em que homens e mulheres nasceram. Ora para negócios, ora para serviços, ora por simples turismo. Na Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei número 4.657, de 4 de setembro de 1942), estatui o art. 10: “A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que era domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens”. E o § 19: “A vocação para suceder em bens de estrangeiro situados no Brasil será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge brasileiro e dos filhos do casal, sempre que não lhes seja mais favorável a lei do domicílio”. E o § 2.0: “A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder”. Afastou-se a lex patriac, que era a lei pessoal conforme o direito anterior. Fêz-se estatuto pessoal o do último domicílio do decujo. Se era estrangeiro, casado com Brasileira e deixou filhos Brasileiros, o estatuto pessoal não era e não é o da lex patriae, mas sim o da lei brasileira. Não importa onde era domiciliado o estrangeiro, que morreu casado com Brasileira ou com filhos Brasileiros. 2.FORMA E “LEX LOCI”. Quanto à forma, há o princípio geral da lex boi. Ao locus regit actum há exceções, que têm de ser apontadas. Uma delas é concernente ao testamento conjuntivo, seja simultâneo, recíproco, ou correspectivo (Código Civil, art. 1.630). Outra, a dos testamentos militares e marítimos. O testamento conjuntivo, a despeito de o art. 1.630 do Código Civil se achar entre as regras jurídicas sôbre formas testamentárias, há de obedecer à lei pessoal do decujo, porque seria absurdo que, proIbindo o Estado do estatuto pessoal, o testamento conjuntivo, seja simultâneo, seja recíproco, ou seja correspectivo, pudessem duas pessoas que estão subordinadas a êsse estatuto, ou uma das quais está, testar conjuntivamente. Iria Brasileiro ou iriam Brasileiros para algum Estado onde se não proIbisse a fim de fazer o testamento que a lei brasileira veda. Não se pode negar o elemento típico, contenutistico, da regra jurídica que repele o testamento conjuntivo, qualquer que seja a espécie. Quanto aos testamentos públicos, é indiscutível que não se pode exigir que os oficiais públicos de Estados estrangeiros se submetam a lei brasileira, ou que os oficiais públicos do Brasil se submetam a lei estrangeira, no tocante à forma. Dá-se o mesmo se o testamento é cerrado, e é levado ao oficial público para a formalidade que se exige. Há dois problemas: a) o que é que se entende por forma, que a lei do lugar tem de reger; b) se é possível preferirse outra lei, isto é, se a lex boci tem necessàriamente de reger, ou se há de reger a lei do lugar se outra (a lei do estatuto pessoal) não se observou. Ali, haveria necessariedade da lez boi. Aqui, apenas suficiência. Antes de enfrentarmos as questões, recorramos à história do direito internacional privado quanto à forma. Desde a Idade Média se admite que o princípio de que a forma do negócio jurídico se há de considerar válida se obedeceu à lei do lugar. Poucos eram os juristas e aplicadores de leis que faziam restrições ao bens regit actum; por exemplo, se os negócios jurídicos eram concluídos com a cooperação de oficiais públicos, ou com a autoridade do Estado, ou dependentes de fonte oficial (H. THÓL, E’inleitung in das deutsehe Privatrecht, § 83). Alguns eram ainda menos exigentes, como HAUSS (Du Droit privé qui regit les étrangcrs en Belgique, 45 s.). Havia controvérsias a propósito da abrangência ser de tódas as formas ou só de algumas, bem como sôbre a obrigatoriedade ou a facultatividade da lez boci actus. Surgiam divergências no tocante aos próprios fundamentos. Alguns, como A. VíNNíus, G. PHTLLIPS (Grundsãtze des gemeinen Dcutschen Privatrechís, 1, 192) e 1<. L. W. VON GROLMAN (tYber obographische und mystische Testamente, 14), perseveraram na teoria dos estatutos, para que se evitasse a aplicação da lei da pessoa. § 5.862. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO Para outros, quem quer que pratique atos jurídicos tem de sujeitar-se à soberania do Estado em cujo território se perfaz. Assim, CER. FRIEDR. VON GLÚCK (Ausfiibrliche Erlduterung der Pandecten, 1, 291), W. A. F. DANZ (Handbuch des hcutigen deutschcn Privatrechts, 1, § 53) e outros. Por seu lado, L. VON BAR (Theorie und Praxis des internationalen Privatrcchts, J, 2.~ ed., 340 s.) só a fundava no costume, na communzs opinio segundo CINO DA PISTOlA, ALBERICO DE ROSATE, PETRUS DE BELLAPERTICA, PAUlo DE CASTRO, RAPH. FULCOSIUS e PETRUS DE RAvENNA. A lex boci era tida por inafastável por BARTOIflMEo DE SALICETO, BALDO DE IJaÁLnIs e BÁRTOLO DE SAxOFERRATO. Antes de L. VON BAR, a justificação pelo uso estava em muitos. trro seria crê-la de origem romana, como pretendeu JoH. STEPH. PÚTTER (Auserlese Reehtsfdlle aus allen Thcilen, 1, n. 248). A regra jurídica tornou-se universal, por ser a de respeito a esfera jurídica de cada território estatal. Todavia, se há concordância no respeito, não na há no tocante ao conteúdo.
3.CONTEÚDO DA ExPRESSÃO “ACTUM”. Nem quanto àexpressão “actum”, na regra jurídica bocus regit actum, nem mesmo quanto à distinção entre forma e conteúdo, é pacífica a doutrina. A. NIEDNER (Kommentar zum E’infúhrungsges’itz, 31) chegou a dizer que nunca o será. A referência explícita à lei do lugar em que se praticaram os atos estava no Projeto de THEoDoR NIEMEYER (Vorselddge und Matcrialen zur Kodifilcation des internationalen Privatrechts, 240 s.), contra o texto de ALBERT GEBHARD. O influxo foi a opinião de L. voN BAa (Theorie und Praxis des internationalen Privatrechts, II, 13 5.; Lehrbneh des internationalen Privat- und Strafrechts, 106 s.), bem como o sistema escolar de Huoo NEUMANN (Internationales Privatrecht in Form cines Gesetzcntwurfs, 85--91), isto é, vontade dos figurantes, domicilio, lugar da aceitação. No art. 11 da revogada Introdução do Código Civil dizia-se que a forma extrínseca dos atos jurídicos, públicos ou privados, se regeria segundo a lei do lugar em que se praticassem. Na Lei de Introdução do Código Civil (Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942), nada se disse, exceto no tocante à excepcional exigência de forma essencial (art. 9•O, § 1.0) de modo que temos de primeiro cogitar das controvérsias em tôrno de textos alusivos à forma. Depois, da interpretação se não há texto alusivo, pois tem de ser pôsto o problema de direito internacional privado, diante da atitude omissiva. Se a lei apenas fala de forma, ou de forma e solenidades, como o Código Civil espanhol, art. 11, a discussão há de ser sôbre o conteúdo da expressão “forma”, ou da outra “solenidades”. Se se refere a “forma extrínseca”, não caberia discussão quanto ao conteúdo da regra jurídica. Tem-se apenas de indagar quais são as formas extrínsecas e quais as formas intrínsecas. Tal o que ocorria ao tempo do art. 11 da revogada Introdução ao Código Civil, com o revogado Código Civil italiano, art. 9, com o venezuelano, art. ~ lª~ parte. Quanto ao Código Civil francês, não havia fórmula geral e o texto do Projeto refletiu-se na Lei holandesa de 1829, artigo 10. No Código Civil saxônico, § 9, a lex boci continuou sendo a preferida, bastando a do lugar dos efeitos. A Lei de Introdução alemã (Einfiihrungsgesetz), art. 11, inverteu a ordem: a forma de negócio jurídico é determinada pelas leis que regem a relação jurídica que resulta do negócio jurídico. Basta, todavia, que se observe a lei do lugar onde o negócio jurídico se conclui. A regra jurídica, que está na alínea 1, segundo enunciado, não tem aplicação a negócio jurídico que estabeleça direito sôbre coisa, ou que dêle disponha. Na Inglaterra, a regra jurídica bocus regit actum é conforme o Foreign Wills Ad de 6 de agôsto de 1861 e a título facultativo. Na Lei federal suíça de 26 de junho de 1891, art. 24, foi dito: “Les dispositions de derniêre volonté, les pacts successoraux et les donations à cause de mort, sont valables quant àla forme, si celle-ci satisfait au droit du lieu oú l’acte a été passé ou à celui du canton du domicile lors de la passation de l’acte ou au droit du dernier domicile ou à celui du canton d’origine du défunt”. O art. 32 estendeu-o às relações internacionais. Já no Projeto da Convenção da Haia tirou-se a regra jurídica obrigatória e pôs-se a facultativa. Antes do Código Civil, a regra jurídica que prevalecia na Alemanha era a da lez boci actus, como principal, permitida a lei in favorem negotii. Na Lei de Introdução ao Código Civil, o direito brasileiro somente tem hoje a explicitude do art. 9•O, § 1.0: “Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato”. Apesar da omissão da Lei de Introdução ao Código Civil, o princípio bens regit actum foi acolhido, implicitamente; e não seria de admitir-se que se desconhecesse o princípio que através dos tempos se assentou. Não se pode considerar de ordem pública a subordinação da forma à lei brasileira se o conteúdo é regido pela lei brasileira. O art. 9.~, § 1.”, que abre exceção para os atos jurídicos de “forma essencial” se a obrigação tem de ser executada no Brasil, ressalvou “as peculiaridades da lei estrangeira, quanto aos requisitos extrínsecos do ato”. 4.TESTAMENTO E “LEX LOCI”. Se o testador, de passagem por outro Estado, testou hologràficamente, como lhe permite a lei pessoal (e.g., se domicílio no Brasil, cujo sistema jurídico regula o testamento hológrafo), tem-se de entender que é válido o testamento. O princípio lex boci regit actum não é absoluto, razão por que os figurantes de contrato podem escolher a lex contractus (cf. ERNST ZITELMANN, Intc&rnationale Privatrecht, II, 153). Também vale o testamento hológrafo, permitido pela lei pessoal, se, feito em Estado que o admite, na feitura se se observaram exigências extrínsecas da lei local, que a lei pessoal não conhece. A aplicação da lei pessoal às formas testamentárias não é de grande extensão. Se o ato testamentário é testamento público, é claro que os oficiais públicos do Estado da lex boci têm de obedecer às regras jurídicas locais sôbre tal espécie de forma de testamento. Se o testamento é testamento cerrado, a aprovação ou ato semelhante somente pode ser com observância da lei do lugar em que exerce a função a autoridade aprovante ou conferente. Se o testamento é hológrafo, a lei pessoal, que o permite, de ordinário não o vede fora do Estado, porque seria repelir o princípio lez loci regit actum, o que se chocaria com a prática legislativa hodierna. Se a lez loci o veda, tem-se de coíisiderar que em primeira plana está a lei pessoal. Dai têrmos escrito no Tratado dos Testamentos (1, 373 s.) : “Em se tratando de testamento hológrafo... se a lei pessoal não no veda fora do país e se a leoê frei o permite ainda quanto às formas da lei do estrangeiro, está visto que valerá na pátria, no país em que foi feito e nos
terceiros. Se a lei do lugar não a permitir, ou, permitindo-a, vedar o uso da forma estrangeira em seu território, trava-se o conflito de leis. No estado atual do Direito internacional privado, só se há de resolver pela validade no Estado da lei pessoal do testador e nos terceiros Estados que reconheçam a facultatividade da lez loci. Se o testamento é conjuntivo e a lei local o permite, podem fazê-los aqueles cuja lei pessoal o admite, ou cujas leis pessoais o admitem. Se a lei local o proibe, o único meio é o de fazê-lo em consulado, ou perante agente diplomático com tal competência. Tem-se de atender a que a regra jurídica locus regit actum é cogente para os atos jurídicos em instrumento público e facultativa para os fatos jurídicos particulares. Para a obrigatoriedade, de que se falou, é preciso que a lei do lugar haja estabelecido os pressupostos essenciais de forma. Ficam fora os atos jurídicos que possam ser (ou tenham de ser) concluídos em consulados ou agências diplomáticas. A distinção entre formas que o sistema jurídico considera forma (dita “forma extrínseca”) e formas que o sistema jurídico liga ao direito material. Se os atos jurídicos em instrumento particular são para efeitos em Estado estrangeiro, tem-se de indagar qual a atitude do direito estrangeiro, em regra jurídica de direito internacional privado. A lei brasileira não pode reputar suficiente o que ela exigiu se o Estado estrangeiro, de que depende a eficácia, não se satisfaz com isso. O direito brasileiro não pode exigir a forma que êle reputa necessária para o testamento feito no Brasil se a lei estrangeira, a que se há de subordinar o domiciliado no estrangeiro, é menos exigente; ou vice-versa. O direito estrangeiro, se é o da lei pessoal do decujo, pode retirar o princípio lex boi regit actum. 5. FORMA ESSENCIAL. A lei que reja a sucessão testamentária é que pode dizer qual a forma essencial ou quais as formas essenciais do testamento. Pode ocorrer que de modo nenhum se considere essencial a única forma da lei sucessoral, ou se considerem essenciais as formas da lei sucessoral. A essencialidade da forma exigida não afasta, em princípio, a incidência da loa, boci no tocante aos testamentos fora do Estado da lei pessoal. 6. FORMA EXTRÍNSECA OU REQUISITO EXTRÍNSECO. Os requisitos extrínsecos do ato, a que alude o art. 9•o, § 1.0, da Lei de Introdução do Código Civil, são as “formas extrínsecas”. O que se tem por fito com a referência à natureza extrínseca da forma foi ressalvar-se, na invocação da bex loci, o que se há de apegar à lei pessoal. Assim, o mudo, no direito alemão, fora da Alemanha, pode testar por sinais, se a lei local o permite (HEINRICE DERNBrntG, Das biirgerliche Reelzt, V, 65, nota 11), conforme resultou do Einfiihrungsgesetz, art. 11, alínea 1•a, 2~a parte. No tocante a testamentos de mudo, o direito brasileiro só o permitiria cerrado, escrito pelo mudo e por êle assinado, observado o artigo 1.642 do Código Civil. ‘7. ESPÉCIES DE TESTAMENTO: A) TESTAMENTO PÚBLICO. São inconfundíveis, para a observância do princípio da loa, loci regit actum, as espécies de testamento e os meios exteriores pelos quais elas se compõem. A lei brasileira exige, quanto aos testamentos públicos, que os lavrem oficiais públicos, e não simples escreventes juramentados; mas, aí, não é da espécie que se cogita, de modo que o domiciliado no Brasil pode testar por testamento público perante a autoridade ou pessoa que para isso tenha competência segundo a lei local. Não é de afastar-se o caso de algum Estado permitir o testamento público sem ser ditado (e.g., somente copiado de minuta) e apenas lido por outrem, na presença das testemunhas (cf. JOSÉ DIAS FERREIRA, Código Civil português anotado, IV, 340). Otestador, nos Estados que têm as duas formas públicas, a judicial e a notarial, pode escolher qualquer delas. Pràticamente, para se saber se, em direito internacional privado, há divergência entre o direito testamentário de dois Estados, o que mais põe em relêvo a distinção entre a parte intrínseca e a parte extrínseca é questão de existência: a) ~ Existe, na lei pessoal, o testamento público? Se não existe, ainda pode surgir a questão de ser de ordem pública a proibição ou a omissão; mas, mesmo se há vedação, é de indagar-se se é de ordem pública, de jeito que acompanhe o testador nos Estados estrangeiros. b) Se existe, rege a forma a leis lo ci. No direito inglês, não há o testamento público recebido ou recebido e aprovado o testamento público. O testamento. inglês é testamento privado, feito perante duas testemunhas. No Código Civil francês, o art. 999 fala de poder o Francês testar no estrangeiro pela forma autêntica estrangeira ou pela forma hológrafa francesa: “Un Français qui se trouvera en pays étranger, pourra faire ses dispositions testamentaires par acte, sons signature privée, ainsi qu’il est prescrit en l’article 970, ou par acte authentique, avec les formes usitées dans le lieu oú cet acto sera passé”. Tem-se de admitir que se considere solene o testamento privado inglês, que é o único (HANS LEWALD, Questions de Droit international des Succes~ions, Reeveil des Cours de l’Académie de Droit International, IX, 96). No propósito de facilitar a testamentifação dos Franceses, no estrangeiro, a jurisprudência francesa tem por válido o testamento do Francês na forma inglêsa (Tribunal do Sena, 11 de março e 6 de dezembro de 1899). Na verdade, há estado de necessidade, e não atribuição de ser solene.
8. ESPÉCIES DE TESTAMENTO E TESTAMENTO CERRADO. O que se passa com o testamento cerrado é semelhante ao que se passa com o testamento público. Pode variar de Estado a Estado o ato de aprovação ou de certo requisito. Ser o direito de um mais rigoroso ou menos rigoroso do que o de outro. Na feitura, o testamento segue se de mão própria, ou da mão alheia a leis loci. A lei brasileira não o permite ao cego (Código Civil, artigo 1.637), de modo que os domiciliados no Brasil, que sa acham no estrangeiro, não podem fazer testamento cerrado. Dá-se o mesmo com quem não sabe ou não pode ler (art. 1.641). O surdo-mudo tem de escrevê-lo todo e assiná-lo (art. 1.642) Mais: tem de escrever que aqueles é o seu testamento. São os requisitos intrínsecos. 9. ESPÉCIES DE TESTAMENTO: c) TESTAMENTO HOLÓGRAFO. O primeiro problema que surge é o de se saber se a bolografia só se liga à forma, ou a forma e ao conteúdo; se só a forma, se o requisito é intrínseco ou extrínseco. Na doutrina, uma das opiniões mais disseminadas e a de que pode fazer testamento hológrafo no estrangeiro, mesmo se o outro Estado não tem essa forma testamentária, qualquer pessoa que, conforme a lei pessoal, o possa fazer. Não valeria o testamento hológrafo feito em Estado estrangeiro, que o tem, se a lei pessoal não o admite. A respeito da validade do testamento hológrafo, o Código Civil holandês, art. 992, e a Lei inglêsa de 6 de agOsto de 1861, conforme a decisão da Corte Inglêsa, a 25 de janeiro de 1898, no sentido da obediência à leis bocí. Em todo o caso, é de advertir-se que a lei pessoal pode ter concebido como de capacidade testamentária a regra jurídica sObre testamento hológrafo (e.g., não poder testar hologràficamente o menor de is anos. Aí, não poderia ser observada a leis loci (C. DEMOLOMBE, Cours de Code Napoléon, IV, 483 a.). Nem tudo na fixação das formas se há de reger pela leis icei; menos ainda, pela lei ~essoal. Cabe, precipuamente, interpretar a lei. O direito francês teria de reconhecer aos Estados estrangeiros poderem excluir da regra jurídica bons regit actum as pessoas que estão sujeitas à lei pessoal dêles, porque estabeleceu a validade do testamento hológrafo do Francês feito em lugar em que não há tal forma testamentária (FRANZ KAHN, Gesetzeskollisionen, Jherings Jahrbiieher, 30, 50). Mas a jurisprudência não soauiu êsse caminho (DONNEDIEU DE VABRES, L’Êvohttion de la Jnrisprudence française en matiêrc de Conflit de Lois, 185 s.) : vale o testamento hológrafo do Francês, feito no estrangeiro, onde a leis boi o proiba, porém e.g. o do Holandês, que não devia valer, vale, porque na França o admite a leis boci. Há vários julgados que decretam a nulidade de testamentos inglêses feitos na França conforme o direito inglês, porém, no caso Gesting versus Viditz, a Camara Cível da Côrte de Cassação, a 20 de julho de 1909, reconheceu a facultatividade da regra jurídica bocus regit actum. O Código Civil holandês, art. 992, interdiz aos Holandeses qualquer forma que não seja a forma autêntica local. Sómente quanto à nomeacao de testamenteiro, ou para pequenos legados a título particular, se admite a forma hológraf a. Nulo é o testamento em que não se respeitou o art. 992. A França considera-o válido se feito na França, porém há julgados que o têm como nulo. Por exemplo, pela validade, a Côrte de Orléans, em 1859; pela nulidade, o Tribunal do Sena, a 13 de agôsto de 1903. Pela nulidade, a jurisprudência belga (E. P. CoNTUZZI, Diritto ereditario internazionale, 518 s.) e a italiana (P. FEDOZZI, Successione, Digesto italiano, 22, 825 s.). Esporâdicamente, o Superior Tribunal Regional de Hamburgo, a 2 de maio de 1917, por ter o art. 11, alínea 1?, 2•a parte, do Einfiihrungsgesetz alemão, como regra jurídica absoluta de colisão (Leipziger Zeitsckrift, 11, 1197). Para a aplicação da regra jurídica neerlandesa, a despeito da leis boei, tribunais italianos falaram de 50 tratar de limitacão à, capacidade. Ora, em verdade, o que nela está é exceção nacional ao principio bons regit actum, com a conseqúência de tornar intrínseco o requisito. Conflito, portanto, entre regras jurídicas de conflito. Na ausência de tratado, nenhum Estado renuncia o seu critério de qualificação. Foi o que se formulou na Convenção da Haia. O Código de Direito Internacional Privado de Havana, art. 148, considerou de ordem pública internacional as disposições de classe em que entra a regra jurídica holandesa, de modo que optoú pela lei local. Não optou, verdadeiramente, pois foi como se dissesse: “Vim resolver o conflito. Fique o conflito !“. No art. 150, contradizse. A permanência, em alguns Estados, da teoria dos estatutários, que fazia a forma testamentária depender da lei da situação dos bens, se concernente a bens imóveis (o que ocorre no Common Law), criou e cria conflitos; e.g., a Chxtncery Division of fite High Court decretou a nulidade de testamento hológraf o francês, na forma do art. 970 do Código Civil francês e feito na França, por haver nêle legado de parte de um imóvel que o testador tinha em Londres (cf. Pepin versus Bruyêre, 1900; WILLIAMS, Principles of the Law of Personal, 17.a ed., 480). Mas o testamento do súdito britânico, feito no estrangeiro, se recai sôbre um leasehold, vale, se de conformidade com o Lord Kingsdown Áet; pois os leaseholds, pôsto que sejam imóveis, entram na classe do personal est ate (Stubberfield versus Grassi, 16 de março de 1905; WESTLAKE, Private International Law, 6•a ed., 213 s.). Também na Áustria a forma do testamento sôbre imóveis é sujeita à letr rei sitae (Côrte Suprema de Viena, 15 de junho de 1900).
Cogitemos de casos ocorridos, apenas para exemplos: a) Testamento feito na Inglaterra por Português na forma hológrafa francesa. Morre, domiciliado na Alemanha, depois de ter adquirido a nacionalidade francesa. Não correspondeu à lei do lugar, nem à pessoal. Porém satisfez a lei pessoal do momento da morte. b) Testamento de Alemão, feito em Nova Iorque, na forma hológraf a alemã. Morreu após ter adquirido a nacionalidade holandesa, O testamento satisfez a lei pessoal do testador, mas não a do momento da morte. Soluções: o Einfiihrungsgesetz alemão, art. 24, g~a alínea, tem por válido o ato. Segundo a Lei suíça de 25 de junho de 1891, art. 24, a forma da feitura e da revogação de disposição de última vontade determina-se conforme o regime do Estado de que, ao tempo na feitura ou da revogação, era nacional o testador. Basta, porém, a observância da lei do lugar em que se fêz. Tal lei suíça é mais completa que a alemã, em sua explicitude, com o favor testamenti (cf. STAUFFER, Das Internationale Privatrecltt der Schweiz, 112). Precisemos. a) O que toca à unidade da lei sucessoral rege-se pela lei pessoal do momento da morte do testador. b)Quanto às formas prôpriamente ditas, respeitada a leis boci (facultativa), ou a lei pessoal do momento da feitura (se permitida pela própria lei pessoal de tal momento, porque, para alguns Estados, há a obrigatoriedade da leis Moi), vale o testamento. e) Quanto aos casos de qualificação especial pelo Estado da lei pessoal do momento da feitura, dar validade ao testamento que não era válido seria conferir à lei do Estado da nova lei pessoal eficácia retroativa. Tem-se de distinguir a) se a leis fori é de Estado terceiro, b) se a leis fori é a do Estado da anterior lei pessoal, o) se a leis fori é a do Estado da posterior lei pessoal. Quanto à primeira espécie, pergunta-se: consulta-se a lei do lugar em que foi feito o testamento, ou a lei pessoal anterior? A questão passa a ser dependente das outras. Se há a regra jurídica alemã, o Estado da primeira lei pessoal abriu mão da sua lei, a favor do testamento. Se não há, o ato foi nulo, e nulo permanece. Se o fôro o da posterior lei pessoal, o Estado que abria mão do princípio de nulidade, contra si, com mais forte razão invoca, a seu favor, a própria regra jurídica. Se não abriu mão, a situação é mais difícil: uma vez que reconhece a nulidade dos testamentos vedados pelo Estado da primeira lei pessoal, então é coerente reputá-lo nulo. O Estado da primeira lei pessoal, que estabelecia a nulidade, pode admitir mas apenas em regra jurídica excepcional que o Estado da segunda lei pessoal determine a validade. O Estado terceiro tem de consultar a solução do Estado da lei pessoal ao tempo da feitura quanto a ser válido o testamento, e a do Estado da lei pessoal ao tempo da morte no tocante ao testamento não válido ao tempo em que se fêz. O que acima se disse é invocável para o testamento hológrafo que, na espécie, suscita dúvidas, e para o testamento nuncupativo. 10. TESTAMENTO NUNCUPATIVO. O Código Civil brasileiro, art. 1.629, reconhece três espécies de testamentos ordinarios; e depois aponta as formas instrumentais de cada uma. Pergunta-se: ~vale o testamento oral (não público), feito, pela pessoa cuja lei pessoal é a brasileira, em Estado que o admita? Afirmativamente, A. WEIss (Traité théorí que et pratique de Droit international privé, IV, 633) e BUZZATI (L’Autorità deile Leggi straniere relative allo forme degli atti civili, 400 s). Negativamente, P. FioRE (Diritto internazionale pnvato, IV. 205) : a questão envolve a da existência, ou não, de um testamento; se existe, há sucessão testamentâria~ se não existe, são chamados os herdeiros legítimos (ou os de outro testamento, digamos). O problema toca à substância do ato jurídico. A capacidade é o principal requisito da existência e eficácia legal da vontade declarada, porém não é o único. Assim como é pressuposto intrínseco, para o cego, determinada forma, também a lei pessoal impõe às pessoas as espécies de testamento que ela reconhece. Tal o pensamento de P. FIORE (IV, 207). O argumento a respeito da herança legítima é fraco. No tocante ao outro testamento (o que acrescentamos), é forte. Mas o problema muda de figura, porque se trata de revogação. Pôsto de parte o problema da revogação por testamento nuncupativo em Estado que o admita, ao contrário do que se passa no Brasil, cogitemos do testamento nuncupativo feito no estrangeiro. Se ambas as leis, a pessoal e a local, não têm o testamento nuncupativo, parte da questão está eliminada. O testamento não vaie. Resta a espécie do testamento nuncupativo feito em Estado que o admite contra a lei pessoal do testador. Depois de condená-lo, a Itália deu validade ao testamento oral do Italiano feito no estrangeiro (P. Frrozzí, Successione, Digesto italiano, 22, 825 s.). No mesmo sentido, a Alemanha (E’ntsck., VIII, 222). No direito internacional privado dos dois Estados europeus, o nacional pode testar no estrangeiro, nuncupativamente, conforme a leis loci. No direito internacional privado brasileiro, o domiciliado no Brasil não pode testar, nuncupativamente, no estrangeiro. Tal foi a solução de CLóvís BEVILÁQUA (Código Çivil comentado, 1, 128), porém com fundamento na incapacidade, questão vencida (FRANZ KAHN, Gesetzeskollisionen, Jherings Jahrbiicher, 30, 48; D. ANZILoTTI, Studi Critici, 253 s.). Só seria regra jurídica de capacidade se a lei dissesse, por exemplo, que “não
pode fazer testamento nuncupativo o maior de dezoito anos e menor de vinte e um anos 11. “TESTAMENTUM TEMPORE PESTIS CONDITUM”. Entre algumas legislações existe o conflito. No Código Civil suíço, art. 506, admite-se a espécie nuncupativa, o Nottestament, se há circunstâncias extraordinárias, que impeçam o decujo de testar de outro modo. Trata-se de forma privilegiada, em oposição às formas ordinárias do direito suíço (testamento público e testamento hológraf o). O testador declara as suas últimas vontades a duas testemunhas, a que encarrega de escrever ou de fazer escrever o que ditou. No primeiro caso, uma delas data o escrito, indicando o lugar, o ano, o mês e o dia, assina-o, e dando-o à outra, para que o assine. Sem tardança, remete o escrito à autoridade judiciária, afirmando que o testador lhes fêz as declarações, parecendo-lhes capaz de dispor e mencionando as circunstâncias em que as receberam. No segundo caso, prestam tais declarações à autoridade judiciária (artigo 507). O testamento oral caduca quatorze dias depois de haver o testador recobrado a liberdade de empregar as formas ordinárias. No Código Civil alemão, § 2.252, o prazo é de três meses, se ainda vivo o testador, contados da feitura. Surgem duas questões principais de direito internacional privado. A primeira, concernente ao prazo, e possível entre todos os Estados que admitem o testamento nuncupativo, mas discrepam quanto ao prazo. THFODoR NIEMEYER (Das internationale Prívatrecht des BGB., 115 s.) considerou aplicável a lex loci: tais prazos, sejam suspensivos, sejam resolutivos, são imanentes à forma. Diríamos, para melhor se caracterizar a questão e limpar de dúvidas a resposta: suspensivos ou resolu-tivos êsses prazos, concernem à espécie de testamento e, admitida que seja, a discordância é apenas relativa às formas da espécie. O prazo é o daquela forma por que se optou. Na dúvida, há o princípio do folvor testamenti. Restaria o caso, pouco provável, de uma das legislações permissivas considerar requisito intrínseco, e não extrínseco, o prazo que estatuiu. Dar-se-ia conflito de qualificação, que só se poderia resolver pela lez fori, se interessada está na qualificação, ou pela qualificação que corresponda à sua solução, se a do Estado do juiz não fôr interessada. A segunda questão é a que toca aos Estados que expressamente não admitem qualquer espécie de testamento tem pore pestis conditum. Se a lei de tal Estado é interessada, trata-se de admissão ou de não-admissão da espécie testamentária Se a lei de tal Estado não é interessada e os dois ou mais Estados em conflito discrepam quanto à êsse ponto, a lex fori, pessoal ou não, tem de resolver conforme a lei que coincida com a sua. No caso especial do Brasil, não se poderia dar ganho de causa a Estado que admita o testamento nuncupativo contra outro que tenha, no conflito de qualificação, como violadora do requisito intrínseco, ou como contrária à ordem pública, tal espécie testamentária. Não a proibimos fora, porém não temos. Se a lei pessoal não tem o testamento em estado de necessidade, porém não o reputa assunto de lei exterritorial, o Estado terceiro resolve pela las, loci, pois não houve conflito. Se O Estado em que se fêz o testamento reconhece que o assunto escapa à lex loci, o Estado terceiro resolve pela lei pessoal. No caso de testamento extraordinário, o Estado terceiro deve preferir a solução da lei pessoal do testador, se vedativa; mas, se a local vedar e a pessoal admitir, tem de indagar se essa permite a exceção à lez loci, e não se a lei do Estado em que se fêz o testamento consente na facultatividade da lei do lugar. Em boa técnica legislativa, há de haver acolhimento ou maior acolhimento pelo testamento extraordinário em caso de doença do que pelo nuncupativo ordinário. 12.TESTAMENTO EM CIRCUNSTÂNCIAS EXTRAORDINÁRIAS. O testamento em circunstâncias extraordinárias, como o testamento tempore pestis conditum, é excepcional. Ésse é espécie daquele. São exemplos principais o do Código Civil alemão e o do Código Civil suíço. Nas legislações, continuam o testamento marítimo e o militar; e algumas, como a brasileira, não atendem a que os testamentos em caso de acidente insujante, como a inundação e o desamparo em matas e rios, são tão necessários como o testamento marítimo e o militar, meras especificidades do testamento em circunstâncias extraordinárias. Não se fala no testamento em viagem aérea, se o aviador ou o viajante não pode escrever, ou não há tempo, nem testemunhas. Todavia, para o militar-aviador, tem de ser admitido o testamento militar. Adiante volveremos ao assunto. 13.TESTAMENTOS DE MILITARES, MARINHEIROS E VIAJANTES. Pode dar-se, mas dificilmente, pela generalidade da admissão do testamento em caso de batalha, similar dos testamentos romanos discordância das leis quanto a) à permissão da espécie, ou b) quanto à permissão da nuncupatividade ou da simplificação da forma escrita ou de outros requisitos extrínsecos. Suposto que o conflito de qualificação seja concernente àprópria espécie, prevalece, se interessada, a lez fori; mas, se um dos Estados não é o da ler fori, tem-se de distinguir: prevalece a lei que coincide com a do Estado da ler fori; se nenhuma coincide, no estado atual do direito
internacional privado só o favor testamenti é aconselhado. Quanto à revogação, há outros princípios e não se poderia invocar para o ato revocatório o favor testamenti. Se o conflito concerne à admissão da nuncupatividade, de ordinário a forma é que está em causa, e não a espécie: a espécie supós o testamento em sua qualificacão subjetiva (soldados, marítimos) e ocasional (tempo de guerra, viagem de mar) ; tudo mais é de natureza extrínseca, salvo se um dos Estados eleva as formalidades à categoria de requisito intrínseco. Se o discrepar somente recai em particularidades da escrita, o princípio locus reqit actum é que resolve. Salvo, o que é pouco provável que ocorra, se um dos Estados faz de alguma delas requisito intrínseco. Aforado no Brasil tal testamento, a solução é a favor do ato jurídico, porque a ler fori não exige, quanto à escrita, com caráter intrínseco, essa ou aquela formalidade. Bem diverso do que se daria com outro Estado que só-mente admitisse o testamento privilegiado como subespécie do testamento público, considerada intrínseca, e não forma extrínseca, a presença de determinada autoridade. Temos, assim: a) A respeito do testamento militar, em batalha ou em atos de guerra, a questão toma aspecto especialíssimo: o Estado terceiro, que reconheceu a beligerância, não pode pretender que o Estado A respeite a lex loci do Estado B: o militar em serviço leva consigo a sua lei pessoal e a lei de sua milícia; a lex loci é a que resulta dos seus próprios atos (aqui estou, aqui está o meu Estado). Fato parecido com o dos cônsules. b) Quanto aos navios de guerra, o intrínseco e o extrínseco obedecem à lei do Estado a que pertence o navio. A ler loci coincide com a lei pessoal. É de exterritorialidade que se trata. Há subespécies: a) No caso de ocupação de Estado estrangeiro, ou de águas internas, não há exterritorialidade; há perda de posse, talvez definitiva, em virtude de entrada contra a vontade do outro Estado. b) Se houve autorização para a entrada, isto é, consentimento do govêrno local, alguns autores, e com êles ou sem êles, o costume entenderam que as tropas estrangeiras escapam à jurisdição do Estado local: os próprios delitos e crimes de direito comum são reprimidos pelo chefe militar, mas, se contra os habitantes da região, são competentes os juizes locais. Quanto ao direito de testar dos que fazem parte da tropa, vale o testamento extraordinário que obedeceu a lei pessoal, ler patriae, ainda quanto ao extrínseco. O militar pode testar com alguma das formas ordinárias, observada a lex loci. A ocupação consentida não torna o ocupante pessoa escapa à lei local, se essa pessoa se submete ao direito local. A regra é que êle não se submete à jurisdição civil do território ocupado. No alto-mar fora das águas territoriais os navios Inercantes só têm uma lei: a do pavilhão. Nas águas territoriais, a ler boi é a do Estado em que se acha. Mas, no caso dos testamentos, desde que o testamento se faça a bordo, vale conforme a lei do pavilhão. Para a forma excepcional, têm de ser satisfeitos os requisitos legais, e o art. 1.656 do Código Civil somente se refere a “viagem em alto-mar”; porém, retirados os ferros e tendo partido o navio, está figurada a viagem de alto-mar. Ou, em geral, se não pode descer o testador. 14. TESTAMENTO CONJUNTIVO. Excluem tal forma testamentária o Código Civil francês, art. 968, e as legislações. que nêle se inspiraram (cf. Código Civil holandês, art. 977, espanhol, arts. 669 e 733; argentino, art. 3.618; brasileiro, artigo 1.630; chileno, art. 781; mexicano, art. 3.246; e peruano, art. 706). ~ máxima bocus regit actum rege o testamento conjuntivo, ou é assunto para a lei pessoal? Na jurisprudência francesa há decisões pró e contra a ler loci, porque, disse-se, a proibição está no Código Civil onde se cogita das “formas Na doutrina alemã, há quem repute forma (L. VON BAR, Theorw und Prazis des internationalen Privatrechts, fl, 2a ed., 329; ERNST ZITELMANN, Internationales Privatrecht, II, 154), e éo que sempre ocorre. Contra, o Reichsgericht, a 24 de abril de 1894. Quando o Brasil permitia o testamento conjuntivo, a Côrte de Cassação de Florença considerou válido o testamento conjuntivo feito no Brasil, sendo Italianos os testadores, embora a lei pessoal o proibisse (Código Civil italiano revogado, artigo 761). O que rege a admissão ou a repulsa do testamento conjuntivo é a lei pessoal. Ficam duas questões: a) se os testadores podem testar conjuntivamente em Estado que o não reconheça, se a lei pessoal tem tal testamento; b) se, feito no estrangeiro o testamento conjuntivo, por estrangeiros, a ter fori pode invocar a ordem pública para lhe negar cumprimento. A questão a) depende, preliminarmente, da forma seguida e permitida: se testamento público, o oficial público tem de invocar a lei que o proibe; se testamento particular, o Estado da ler loci, a despeito do que se lê no Código de Havana, art. 148, não está interessado, pois que se trata de duas pessoas cuja lei pessoal é outra, ou cujas leis pessoais são outras. A invocação de ordem pública internacional seria de sérias conseqúências, de que adiante falaremos. No caso especial do Código Civil da Venezuela, art. 824, a conjuntividade é somente forma, de modo que é aceitável a ler boi. Mas seria preciso que as disposições testamentárias não ofendessem a lei pessoal. Poder-se-ia tratar de dois testamentos num só. Ao juiz caberia apreciar a espécie, sendo aconselhavel o favor testamenti. Se o testamento duplo contém reciprocidade ou correspectividade que ofenda a lei pessoal (se bem que a lei
venezuelana o permita), a esfera da ler boi foi excedida, a conjuntividade não é só formal, e não se justificaria invocar-se o favor testamenti. 15. CONTRATO DE HERANÇA. O contrato de herança éregido pela lei pessoal. Se algo se alega de ordem pública, a questão desloca-se. Se admissível, a forma é a do actum, se só o Estado estrangeiro o admite. Se ambos o admitem, a ler boi rege os requisitos extrínsecos, facultativamente. 16. ORDEM PÚBLICA EM MATÉRIA DE FORMA TESTAMENTÁRIA. A ordem pública é medida interna, invocável contra quem quer que seja ou contra o que se ache no território do Estado interessado. Se dividimos o conceito em ordem pública internacional e ordem pública interna, temos: a) atos que dependem da feltura ou efeitos no território; b) atos que seguem a pessoa, Terminologia, como dissemos no Tratado dos Testamentos (1, 396), censurável. A regra jurídica bons regit actum é facultativa, de modo que a proibição, por exemplo, dos contratos de herança, que se façam entre pessoas não sujeitas à lei brasileira, sem consequências no regime sucessoral do Brasil, não os põe de parte, arbitràriamente, por invocação de ordem pública. Diga-se o mesmo quanto ao testamento conjuntivo, O Código de Havana, art. 144, incluiu a proIbição do testamento conjuntivo como de ordem pública internacional, em vez de a reputar, como seria certo, de ordem pública interna. A validade do testamento conjuntivo obedece à lei pessoal dos testadores, ou às leis pessoais dos testadores. A ordem pública não é óbice (Tribunal Departamental da Haia, 19 de fevereiro de 1924). Nem podia deixar de ser assim: se de acôrdo com a lei pessoal, como é o caso do Código Civil alemão, já se cumpriu a parte testamentária do cônjuge premorto, seria absurdo deixar-se de cumprir a do segundo, que em vida não revogou o que testara (nem podia revogar, cf. § 2.271, alínea 2,~) e recebera o que herdou do primeiro falecido. A interpretação da ler boi, que nada tem com a substância do ato jurídico, para, com invocação de ordem pública, considerar-se nulo o testamento, que ou se tornou irrevogável pela morte do primeiro, ou constituiu as últimas vontades de ambos, seria atentado à liberdade das pessoas, com a frágil e falsa argUição de ofensa à ordem pública, a favor de tal liberdade. A proibição de testar hologràficamente, se, em geral, éde ordem pública internacional, salvo reconhecimento da facultatividade aos estrangeiros, é conseqúência regular do caráter não-obrigatório da ler boi (lei pessoal cogente ± lei local facultativa = permissão). As formas dos testamentos públicos obedecem, inexcetuadamente, à lex boi: não como limite à facultatividade da regra jurídica bons regit actum, porém como princípio de ordem pública internacional. Nos consulados, nos navios de guerra e outros lugares em que a exterritorialidade existe, a lex é que provém da permissão estatal ou da exterritorialidade, pois que ocupam território de outro Estado. Quando surgiu a legislação soviética, houve quem a reputasse “bloco legislativo indesejável” (SORéNDORI’, Was ist heute unter “russisebem” Recht zu verstehen, Douteche Juristcn-Zeitung, 25, 805 s.). E era a opinião mais generalizada. Mas seria estender demasiado longe a noção de ordem pública a rejeicão de tôda unia legislação. Se há razão para ser invocada, tem de ser dita em cada caso. Em Circular n. 194 do Comissário de Justiça do Povo, de 26 de setembro de 1923, falou-se de inaplicabilidade no estrangeiro. Mas, ainda nesse caso, haveria a questão do testamento feito na Rússia com as formalidades soviéticas e a de outro, feito, por exemplo, por Brasileiro, com as formalidades da lei pessoal. Mesmo ao tempo era que ainda não se reconhecera o govêrno soviético neo se poderia obrigar o Brasileiro a não testar: se utilizou a forma da lei pessoal, fê-lo bem, pois a regra jurídica bocas regit notam é facultativa; se recorreu à forma do direito soviético, seria solução violenta considerar inválido tal testamento, sem haver razão do ordem pública. O Estado russo era lã e o Brasileiro, que quis testar, achava-se lá. O reconhecimento do govêrno é elemento para a _exterritorialidade, mas seria rigor político excessivo excluir-se a aplicação da ler boi, maximé se outra forma seria impossível, ou perigosa, para o Brasileiro ausente. havia, todavia, um ponto de significação especial: a sucessão pelo Estado soviético era impossível. Os bens seriam “tens de ausentes” e o Estado do juiz recolhe-los-ia. Mas, aqui, incide principio geral de direito sucessoral internacional: o Estado não pode recolher herança em outro Estado, seja a título de herdeiro, seja como sucessor de bens vagos. Pode herdar testamentàriamente. Assim decidiu, acertadamente, com o Uruguai (Govêrno Uruguaio versas Fournier, Sena, 11 de marco de 1899) ; mas, por se tratar de testamento, diferente a solução quanto ao Estado grego (caso Zappa, na Rumania). 17.ATO PESSOAL DO TESTAMENTO. O testamento é ato pessoalíssimo. Ninguém o faz por outro; nem representante, legal ou voluntário, pede fazê-lo em nome do testador, ou pelo testador. O principio é, por bem dizer, universal. Ainda assim,a possibilidade de conflito de leis sugere que se ponha a questão: ~a exclusão da representacão (e da presentação) rege-se pela lei pessoal ou pela ler boi? Noutros têrmos: ~ a pessoalidade do ato é requisito intrínseco ou requisito extrínseco? A lei pessoal é que há de dizer se a proibição da representação foi no tocante à exterioridade da manifestação de vontade, e então refere-se à forma, que a lei do tempo e a do lugo.r
há de reger; ou se proibiu que se tirasse ao ato mesmo a pessoalidade, e então o extrínseco é regido pela lei do dia da morte e pela lei pessoal (cf. E. HABICHT, Internationabes Privatreokt, 87). Por exemplo: segundo os §§ 2.238 e 2.064 do Código Civil alemão, o testador tem de entregar o escrito para o testamento público, e isso, pai~a o direito alemão, é forma, de modo que, em Estado cuja legislação permitisse a entrega por mão de outrem, o Alemão testaria vâlidamente, preferindo a ler boi (Eiafiihrungsgosetz, art. 11, alínea 2~a, parte 2.~). A despeito de tal distinção, o Código de Havana, art. 148, considera de ordem pública internacional o princípio que declara ato pessoalíssimo o testamento. Duplo êrro, porque terri torializou o que não devia ser territorializado e não atendeu a que, se há a facuitatividade da ler boi e sendo extrínseco o requisito é sem razão de ser a violência que estabelece a invalidação do ato em que se optou pela lei pessoal. 18. CAsos DE REENVIO. A doutrina do reenvio apareceu na Inglaterra no caso Colher versas Rivaz (Côrte de Canterbury, 184; LOP.ENzEN, Cases in ConfUcts of Law, 2•a ed., 827 a propósito dê testamento feito na Bélgica por Inglês, que ali era domiciliado. A lei belga tinha-o por válido; a lei inglêsa, não; mas a Côrte inglêsa admitiu o reenvio. Austríaca, domiciliada em Hamburgo, fêz o testamento na forma do Código Civil alemão, § 2.238, isto é, entregando escrito ao notário, perante duas testemunhas. O pai da herdeira instituída foi uma das testemunhas, o que, para o sis tema jurídico alemão, é causa de nulidade. A Côrte de Hamburgo só atendeu ao art. 11 do Einfiihrnngstiesttz; e o Reicltsgericht, a 17 de dezembro de 1912, lho censurou, por ser a lei que rege a relação jurídica a que rege a forma; se a lei, de que se trata, ignora a regra jurídica bocus regit actam,tem de ser aplicada a lei do ato, e não a do lugar. O intuito foi o de reenviar. O reenvio, que, em muitas espécies, valida, para reforçar o favor testamenti, por vêzes o desfaz. No Caso Sanchez, nova iorquino domiciliado em Paris, com testamento na forma da lei pessoal, o ato jurídico na França foi julgado nulo, porque havia de seguir a lei francesa (E. POTU, La Question riu flenvoi eu droit international privé, 62). O problema consiste no seguinte: se a regra jurídica do Estado A considera incidente a lei do Estado B ou C, contra o que o Estado B ou o Estado C estatui, ~deve aplicar-se a lei do Estado B ou C, ou respeitar-se a lei que o Estado A teve como a aplicável? Noutros têrmos: ~ respeita-se a lei do Estado A, ou a sua regra de direito internacional privado? O conflito pode ser positivo ou negativo. Se é positivo, não há outra solução que não seja a da ler fori, salvo se essa afasta a própria ligação (e.g., Einffthrungsgesetz, art. 28, se os bens se acham fora da Alemanha; jurisprudência italiana, quanto a imóveis da sucessão do decujo italiano, fora da Itália). Se énegativo, o Estado B ou C ou D (terceiro) atribui ao Estado A competência que êle não tem: há algo como espécie de direito supranacional (supraestatal) conforme frisa L. VoN BAR (Rapport, Aunuatre de l’Institut de Droit international, 1900, 155), contra a regra de direito internacional privado do Estado A. Adversários da teoria do reenvio vêem nela pretexto para estenderem os juizes a própria jurisdição (A. PILLET et J.-P. NIEox’ET, Manuel dc Droit Internationãl privé, 379). Nos Estados Unidos da América, se J. BEALE (A Treatise on The Confiict of Laws or Frivate International Law, 77) disse não existir o reenvio, não é o que se tira do livro Testative Draft, n. 2 Conflict of Laws, do American Law Institut (10). As Convenções da Haia não admitiram o reenvio. Aliás, se há convenção internacional, com regras jurídicas de coiíflito, afasta-se o reenvio. Os Tribunais italianos resistiram à teoria do reenvio; mas houve exemplos, e.g., caso Kemot (Côrte de Cassação de Nápoles, 5 de janeiro de 1920) e caso Savage Landorf (Côrte de Apelação de Florença, 23 de janeiro de 1919). a) A Côrte inglêsa julgou bem, no caso Colher versus Rivaz; aplicou bem a regra jurídica locus regit achem, sem no dizer e antes de essa se haver afirmado. No fundo, in Iavorem testamenti. b) Admitida, quase universalmente, a regra jurídica bens regit actum como facultativa, é acertado presumir-se que se optou pela lei da forma válida. Aqui, não há reenvio; há presunção. Mas, ainda que tal presunção não exista, o êrro de direito, quanto à forma, pode permitir o julgado vahidante e) Deve-se sempre reenviar quando a lei estrangeira não diz, claramente, como se há de resolver a questão. d) Se, no conflito negativo, o testamento satisfaz a uma das leis, impõe-se a presunção de que as leis, não o prevendo. admitem a solução, ou a escusa do error inris. Donde: se positivo o conflito, a boi fori; se negativo, e nulo para ambas as leis o testamento, nulo é; se negativo o conflito, e válido para uma delas, há o favor testamenti, ou a escusa do error inris. Mas, se, nulo para ambas as leis, pode ser-lhe favorável a facultatividade da regra jurídica bons regit actum, a lez fori não pode deixar de considerar válido o testamento, a despeito de não o considerá-lo como tal a lei pessoal (caso de quem tem por lei pessoal a de Estado sem a regra jurídica bons regit actum ou a interpreta como obrigatória). Donde a solução: a facultatividade da regra jurídica bons regit actutn há de ser atendida, por ser de ordem pública internacional; no Estado do fôro, o testamento podia ser por uma ou por outra lei. 19.FORMA TESTAMENTÁRIA NO DIREITO INGLÊS. A vahidade do testamento relativo a bens imóveis
situados na Inglaterra regula-se, ainda quanto à forma, pela lei inglêsa. (Pepin versas Bruyêre, 1902). Quanto aos bens móveis, a lei do domicílio do testador, no momento da morte (In re Price, 1900). O testamento do súdito britânico, feito no estrangeiro, ou o seu codicilo, se o objeto é o personal estate, compreendidos os leaseholds, pode ser homologado se satisfaz uiha das seguintes formas: a) a da lei do lugar da feitura; b) a da lei do domicílio do testador no momento de testar; o) a da lei da parte dos His Majesty’s Dominions onde o testador tinha o domicílio de origem (Wills Ad, 1861, art. 1; quanto aos leaseholds, Re Grassé, 1905). Quanto aos testamentos dos Inglêses feitos no Reino-Unido, qualquer que tenha sido o domicílio dêle ao tempo da feitura ou da morte, vale e é admitido ao probate se satisfaz os requisitos da lei em vigor na parte do ReinoUnido em que se fêz (Wills Aet, 1861, art. 2). Donde se tira, contrario sensu, que o testamento do estrangeiro, domiciliado no Estado que lhe dá a lei pessoal, se feito em tal Estado de conformidade com a lei inglêsa, que não seja suficiente para o Estado estrangeiro, é nulo (Gooris of von Buseok, 1881), ainda que o domicílio de origem do estrangeiro tenha sido britânico (Bloxam versus Farre, 1833). Quanto às formalidades da designação testamentária, appointment, é de observar-se: o poder de dispor de bens móveis por testamento, conferido por settbemertt inglês, deve ser em testamento, redigido, seja segundo as formas da lei do domicilio do testador no momento da morte, mais as formalidades impostas pelo settlement, se as há, seja segundo as formas testamentárias do Wills Ad de 1837, art. 9 (D’Huart versns Harkness, 1865; In re Price, 1900; Barreto versus Yung, 1900; Be Walker, 1908). No último caso, será válida a execução do power, ainda que o ato seja nulo como testamento perante a lei do domicílio do testador (Goods of Hallyburton, 1866; Goods of Hubu, 1896). Cf. Wilbs Aot de 1837, art. 10. § 5.863. Direito intertemporal e forma 1.PRINCÍPIO DE DIREITO INTERTEMPORÂL E FORMAS TESTAMENTÂRIAS. No direito intertemporal, rege o princípio tempus regit aotum. Lei do tempo e do lugar rege a forma, o extrínseco do testamento. Lei da sucessão e lei do dia da morte rege o intrínseco. Os vícios de vontade escapam àquela; não são forma. Como em direito to intertemporal, que o cego, o surdo-mudo, isso podem, saindo do formais intrínsecas. Internacional privado, muito há, no direito é requisito intrínseco. E.g., o analfabeto, que não são incapazes de testar, nem por lugar da lei pessoal, escapar a exigências Quando a lei veda ao cego o testamento cerrado e o particular, tal proibição não é limitação da capacidade testamentária (cf. G. EIÇRRORN, Das Testament, 3? ed., 127), e sim limitação quanto ao uso da forma. Mas pode ocorrer que o Estado a qualifique diferentemente e tal é a qualificação por alguns Estados; então, se não é admissível que se trate de capacidade, forçoso é que se lhe reconheça o caráter de intrínseco. O direito intertemporal tem de afastar-se da solução corrente para outros casos, pelo exercício que já se supôs do direito de testar. Sendo subjetiva a razão de mudança, devemos julgar válido o testamento que observou a lei anterior. À semelhança da regra jurídica sôbre capacidade. Elementos, como êsse, de subjetividade, que não concernem à capacidade de direito (sempre regulada pela lei do momento da morte), são como se fôssem limitações à capacidade de exercício, exceções portanto do principio anteriormente exposto de se reger o extrínseco pela lei do tempo do ato e o intrínseco pela lei do tempo da morte. 2. ESPÉCIES DE FORMAS TESTÁMENTÁRIÂS E DIREITO INTERTEMPORAL. Adotada pelo testador uma das espécies do testamento, que a lei do momento permite, só essa lei rege a validade formal do ato. Não cabe distinguir-se se o testador podia, ou não, revogá-lo: usou do seu direito. Mas há forma externa e forma interna. Se, quanto àquela, é pràticamente pacífica a doutrina, não se dá o mesmo quanto a essa. Por isso, devemos separar os casos, por exemplo, do testamento hológrafo, que a lei A permite sem testemunhas e a que a lei B exige cinco, e os outros, de forma interna, como no direito brasileiro, o do testamento conjuntivo do direito anterior, que o Código Civil proibiu. No direito romano, a L. 29, O., de testamentis quemadinodum testamenta ordinantur, 6, 23, e a Novela 66 estabeleciam a exclusividade da lei do momento da feitura, em se tratando de forma externa. Na Novela 66, Caput 4, disse-se que deviam regular os testamentos as leis antigas, porque “neque omnia in nostra potestate sunt, neo semper aliquis tempus testandi babet”. A lei antiga foi a imposta pela Ordenança francesa de 1735, art. 50, e outras leis francesas, pelo § 12 do Patent do Aligemeines Preussisefles Landrecht, pelos incisos V do Kundmach,ungspatent austríaco e II, § 37, do Ávitidtdtspatent de 29 de novembro de 1852 (no direito austríaco, sem distinção entre forma interna e forma externa), pelas Ordenações do Hannover de 1814, §§ 25 e 72, de Brema, § 17, de Oldenhurgo, § 9, pela Ordenança transitória prussiana de 1814, § 6, pela Lei holandesa de 1.0 de outubro de 1883, art. 3, pelas Lei transitoria estense de 1852, art. 17, e saxônica de 1863, art. 23, e pela Lei italiana de 1865, art. 23.
Vacilou a jurisprudência francesa. E a belga. A italiana, diante do Código Civil italiano de 1866, ateve-se a lei do dia da morte do testador (contra, O. F. GAnA, Teoria delia Retroattivitd deile Leggi, III, 3.~ ed., 336). G§NNER (Von der rflckwirkenden Rraft eines neuen Gesetzes auf vorbergegangene Handlungen, Archiv fiir Gesetzgebung, 1, 155) e MAILHER DE CEASsAT (Traité de Ia Retroactivité des Lois, II, 25) insistiram em impor a lei do tempo da morte, embora o último deixasse ao juiz apreciar circunstâncias. 3.TESTAMENTO PÚBLICO E TESTAMENTO CERRADO. O oficial público tem de observar a lei do Estado que lhe determina as funções. O que é intrínseco rege-se pela lei do tempo. A revogação ou a simples derrogação de algum artigo de lei, que regulava formalidade essencial (ou que a criara), pode ter consequências graves. Na dúvida, é aconselhável a satisfação do que se exigia. A Relação de Lisboa, a 23 de abril de 1873, julgou válido testamento cerrado, feito antes do primeiro Código Civil português, por pessoa que não sabia ler, nem escrever. O Código Civil, hoje revogado, se, no art. 1.764, parágrafo único, proibia o testamento cerrado aos cegos e aos que não podiam ou não sabiam ler, continha regra jurídica de direito inter-temporal, tida como satisfatória (art. 1.762). A regra jurídica só se referia às formalidades externas. Dai a censura de JosÉ DIAs FERREIRA (Código Civil português anotado, IV, 182 si. 4.TESTAMENTO PARTICULAR. O testamento particular há de ter a forma da lei do tempo. Na ocasião em que se fêz, fêz-se bem. Por isso, está feito para hoje e para mais tarde. São exigências de forma externa no direito brasileiro: a) ser todo escrito pelo testador; b) ter cinco testemunhas; e) ser lido perante as testemunhas e por elas assinado. As formalidades posteriores à própria morto (e.g., abertura, se fechado; publicidade; afirmativas das testemunhas) são as da lei do ato. Trata-se de atos complementares, pois no momento das assinaturas está perfeito o testamento. 5.TESTAMENTO NUNCUPATIVO. O testamento Dura-mente oral não suscita graves problemas de direito intertemporal. No momento em que morre o testador, quase sempre não se passou longo tempo. Se passou, não tem eficácia. Os prazos são sempre muito curtos. Mas pode ter havido lei nova no lapso exíguo. A forma exterior é a do momento em que se fêz. Surge o problema da lei nova que proibe o testamento nuncupativo. Tem-se de precisar a qualifica çdo, em direito intertemporal, como há a qualificação em direito internacional privado. A lei pode dizer: “não valem os já feitos”. Se o testador podia testar por outra espécie, é razoável a regra jurídica de eficácia imediata. Se não podia, compôs-se o direito adquirido. Testou como podia e como somente podia. Em todo o caso, tem-se de respeitar a qualificação pela lei. Se o testador, ao vir a lei nova, não pode testar de outra maneira, não se lhe pode ferir a liberdade de testar. 6.TESTAMENTO CONJUNTIVO. Antes do Código Civil, a doutrina admitia o testamento de mão comum. Perguntou-se: morto o testador após a incidência do Código Civil (digamos, em 1917) ~valia o testamento? CLOVIS BEVIÁQUA (Parecer, Revista Jurídica, 16, 74 s.) considerou-o nulo: “O testamento não se considera um ato perfeito e acabado, senão quando morrer o testador. Até êsse momento pode ser revogado. E particularmente, o testamento conjuntivo, se não pudesse ser desfeito pelo testador a qualquer momento, seria um pacto sucessório, expressamente reprovado pelo direito anterior. Se o testamento não é um ato perfeito e acabado senão desde a morte do testador, está, forçosamente, submetido à lei em vigor a êsse tempo e não à que prevalecia ao tempo da sua facção. A lei respeita o ato perfeito, isto é, o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. Mas o testamento, de que se trata, não pode considerar-se consumado, no momento em que foi redigido. É da sua essência a revogabilidade, porque é um ato mortis causa, é uma disposição de última vontade, e a última vontade só é possível determinar quando o testador, com a morte, cesse de querer”, O êrro vem de C.F. A. KÕPPEN e influiu em CLÓVIS BEVILÁQUA. Há duas noções que aparecem confundidas: a de revogabilidade, cujos efeitos são no momento da morte e permite ter-se como sempre refazível o ato testamentário, e o do regra~ mento legal, que é, quanto à forma e à capacidade, o do momento da testamentificação. Feito o testamento, não há, com a lei nova, de ser atingido. O testamento conjuntivo não é só forma. Se o fôsse, feito antes da lei que o proibe, valeria ao tempo da morte e depois. Via de regra, é forma e fundo: contém disposições simultaneas, recíprocas ou correspectivas, o que é objeto da lei de sucessão, e são apreciáveis no momento da morte do testador; a forma, o extrínseco, há de regerse pela lei da feitura, no tempo e no espaço. Na jurisprudência brasileira, o Tribunal de Justiça de São Paulo, a 5 de dezembro de 1919, decidiu pela nulidade do testamento conjuntivo, feito antes do Código Civil (1916), se na vigência dêsse faleceu o testador. Foi escusada a critica contra tal decisão, crítica que se baseava em estar perfeito o testamento no dia da feitura. Diante de testamento válido conforme a lei do tempo em que se fêz, a capacidade do testador e o que concerne a circunstâncias subjetivas só excepcionalmente se rege pela lei antiga.
7.TESTAMENTO DE MILITARES, MARINHEIROS E VIAJANTES DE ALTO-MAR. Rege o princípio tem pus regit actum: feito, vâlidamente, continua valendo. É diminuto o interêsse das questões, porque, pela exigência generalizada nos sistemas jurídicos, de prazo de eficácia assaz restrito, de ordinário há a caducidade antes de qualquer conflito intertemporal. Doutrinàriamente, se, morto o testador, não se esgotou o prazo, não incide a lei nova. Se, ainda a correr, vivo o testador, a lei nova o encurtou, não se há de apressar, mesmo na ausência de regra jurídica especial, o prazo que corria. Mas é de supor-se que tal decurso, o que é o quod plerum que fit, é exigência só imanente à forma. Se a lei nova proibiu a espécie, não se pode violar o direito adquirido. No caso de lei nova, que estende o tempo da eficácia, não se pode dizer que dela não se beneficiem os testamentos cujo prazo ainda não correu. 8.TESTAMENTO “TEMPORE PESTIS CONDITUM”. Com o testamento tem pore pestis conditum dá-se o mesmo que se disse sôbre o testamento nuncupativo e os especiais. Quanto aos requisitos extrínsecos, rege-os a lei do momento em que se faz (tempus regit actum). A lei nova vedativa esbarra na circunstância de haver testado o decujo e já não poder obedecer a nova lei. Tratar-se-ia de efeito retroativo, que se não há de tolerar. 9. CONTRATO DE HERANÇA E DOAÇÕES A CAUSA DE MORTE. Rege a forma do contrato de herança e das doações mortis causa a lei do tempo em que se concluem. A lei nova não pode, retroativamente, destruir a eficácia. Nem o contrato de herança nem as doações a causa de morte estão sujeitos à lei de sucessão, salvo no que o direito sucessório tem de preponderar. Por outro lado, não há a revogabilidade plena que caracteriza o testamento. A lex boi rege a forma (II. HABICHT, Die Einwirlcung des 13GB., auf zuvor entstandene Rechtsverhii.ltnisse, 3ª ed., 767; F. AFFOLTER, Das Intertemporale Reckt, II, 340). 10.CONVALESCENÇA E DIREITO INTERTEMPORAL. <‘,A lei nova pode convalidar o testamento feito sob a lei anterior e inválido por defeito de forma? (Afirmativamente, a Ordenança oldemburguesa de 25 de julho de 1814, § 9; A. MAILHER DE CHASSAT, Traité de la Retroactivité des Lois, II, 27; contra, GRANDMANCHE DE BEAULIETJ, De l’Êtendue de l’Autoritê Lois, 85 5.; J. KALINDERO, De la Non-retroactivité des Lois. 119; V. VITAL!, La Forma dei Testamento italiano, 157). A jurisprudência é hostil. Os principais argumentos são os seguintes: a) Argumento contra a convalescença formal: o testamento a que faltava formalidade necessária, era nulo, e nulo há de continuar. b)Argumento a favor da convalescença: se o testador, que nulamente testara, sabia-o nulo, mas conheceu a lei nova e achou não ser preciso (MAILHER DE CHASSAT, II, 29). Réplica ao argumento b) : se o testador não rompeu o testamento nulo, sabia-o nulo, e não se preocupou com isso, pois conhecia a lei nova (MERLIN, Répertoire, 273). A convalescença formal seria de consequências profundas; e nas leis novas só excepcionalmente há a finalidade de trazer à vida: o elemento político (a técnica legislativa) estatui para o futuro, porque olha o futuro e regra o futuro). Por isso: a) Pode a lei, ao estabelecer algo para o futuro, tratar de atos passados, que a regra jurídica tempus regil actum submeteu à sua incidência. Por exemplo: “os testamentos feitos no regime anterior, se nulos por falta de tal formalidade, convalescerão se os testadores declararem ao juízo competente que os mantêm”; “os testamentos, feitos no regime anterior e nulos por falta da finalidade tal, convalescerão se os testadores não declararem o contrário aos oficiais públicos ou nao os romperem”. Aí, a lei para GONNER (Von der rflckwirdenden Kraft eines neuen Gesetzes auf vorhergegangene Handlungen, Arckiv fijr die Gisetzgebung, 1, 159), MERLIN (Ré pertoire, 273) e 3. KALINDERO (De la ATon-retroactivité des Lois, 119) é imperativa. Devemôs, porém, frisar que há dispositividade. Trata-se de princípio geral, que estava no Preussisckes Alígemeines Landrecht e T. D. MEYER (Principes sur des Questions transitoires 13) reformulou. Apanha todo o direito intertemporal Mais: sociológicamente, resulta dos índices (. 2; portanto, 2 para futuro, pela instabilidade; e 7, de quanto despótico, que caracteriza a Política). Surge questão sutil. Se, no intervalo, cai em incapacidade ou impossibilidade de testar o testador, ~há convalescença? Afirmativamente a Ordenança prussiana de 1814, V. VITALI (La Forma del testamento italiano, 188), que afirmou nao caber distinguir-se se a incapacidade começou antes ou depois da lei nova, e F. BIANCrn (Corso elementare di Codice Civile italiano, 123). Se a lei sanatória exigia ato positivo para a convalidação e ficar provado que o testador tinha o animus conservandi e somente por impossibilidade física ou psíquica não providenciou, ou, depois de haver testado e antes de extinto o prazo da lei nova, caiu em incapacidade, tudo se reduz a dupla interpretação: ou o ato positivo seria formalidade formal ad essentiam, que se não poderia suprir por outras provas da intenção do decujo, ou a prova da intenção é, por si, um dos meios de prova de revalidação. Se quem testou tinha, ou não, o intuito de impor como eficaz o testamento, depende, ai, das provas.
b)Se a lei não exige qualquer ato do testador, por ter considerado contra os princípios gerais o que a lei anterior estabelecia, valem quaisquer testamentos a que ela se refira. Tal atitude legislativa é rara. Para a convalidação dos negócios jurídicos, inclusive a dos testamentos, é preciso: a) ou que o ato do figurante seja reconhecido pelo sistema jurídico como suficiente para o efeito; b) ou que tenha corrido o prazo, se pela lei considerado convalescente. Se o testador revogou apenas a revogação de um testamento, ou de alguma disposição, não se trata de convalescença, se o testamento volta a ser eficaz, cf. AUGUST SCHULTZ, Die Konvalescenz des 13GB., 27.) Quanto às formas testamentárias, só se pode cogitar de convalescença que decorra de princípio superior ao que regia o negócio jurídico. Por exemplo: eram nulos os testamentos que os testadores fizeram em região inundada, por só figurarem nêles três testemunhas. Diante dos casos que foram muitos, pode o legislador estatuir, excepcionalmente: “Os testamentos feitos durante a última inundação, na região tal, ainda que não tenham tido a assinatura de cinco testemunhas, têm-se por válidos.