Trajano Margarida Trabalho.docx

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TRAJANO MARGARIDA (1890-1946) No presente trabalho abordaremos uma leitura sobre a obra do poeta Trajano Margarida, tendo como intuito relacioná-la com os textos da disciplina de Filosofia Hermenêutica trabalhados em sala de aula. O personagem escolhido, o poeta e transeunte da Florianópolis dos anos 20 e 30, Trajano Margarida, mulato pobre e neto de uma ex-escrava, poeta que versava e cantava sobre a cidade de Florianópolis. Em sua obra e vida, ambos nos mostram indícios para compreender o cruzamento entre história e literatura na qual se misturavam o poeta e sua obra, o cidadão e seu contexto social daquela época. Também versou em sua obra a expressão dos atores sociais locais, compôs sambas que foram cantados nos carnavais da cidade, criou hinos como o da construção da ponte Hercílio Luz e o da fundação do Figueirense Futebol Clube. Trajano foi rejeitado pela academia de letras catarinense, por ser considerado um poeta coloquial, do povo, tendo seus escritos de forma a não obedecerem à normas cultas até então vigente naquela época. Fato também denunciado pelo seu tom de sátira expresso nas suas crônicas urbanas, as quais tinham um tom de tristeza, dos não enxergados, da revolta sobre um ambiente excludente denunciado no seu fazer poesia. Versando sobre mendigos, benzedeiras, órfãos, velhos e prostitutas, além de si mesmo, todos misturados ao cotidiano conflituoso que se desenrolava naquele momento, através de seus poemas ele pôde registrar as visões e expectativas de um povo pobre e sofrido, os quais tinham suas batalhas fadadas ao insucesso por antemão, drama que recaia sobre seus personagens e sobre si próprio, vitimas das pressões sociais daquele tempo. Mirando a cidade pelo um prisma desiludido, ele confrontava a fantasia progressista das elites da década de 30, projetando olhares aos esquecidos por estas mesmas, com sensibilidade apurada para tais compreensões da realidade objetiva dos sujeitos sociais que construíam o viver e os modos de ser da cidade. Assim dessa forma conhecendo os personagens, suas condições e trazendo para o foco o que estava fora de visão, mostrando o cotidiano desses atores sociais. Trajano se orientava na observação das vivências da população e dos transeuntes da cidade, fermento o qual precisava para fazer ascender do fundo do esquecimento a maior parte da população da Florianópolis de 1930. Um tom de inconformismo, aliado a uma criatividade, sua obra reflete as tensões as quais ocorriam na forma dos diferentes projetos de transformação social dos anos 30 em Florianópolis. Buscar o sentido destes personagens e seus “nexos”, com a realidade a suas voltas, era essa a tarefa de seu ato ao poetizar sobre uma cidade envolvida em sombras e esquecimento. Nessas “descrições” destes atores sociais, Trajano talvez não estava fazendo um julgamento desses personagens, mas sim estava a revelar uma cidade que não condizia com os anseios pensados pelas elites locais, uma cidade desajustada que agonizava na ânsia de seus próprios atores sociais, os quais em sua grande maioria, eram pessoas comuns, gerando uma espécie de resistência ao que foi oculto nos planos das pessoas mais politicamente influentes da cidade naquele momento. Em sua obra intitulada Reminiscências, o poeta narra um pouco do que fora sua infância abordando problemas como a situação de pobreza material e a perspectiva de incerteza futura, tendo juntamente com outras crianças a rua, usando-a como fonte de renda através de diversos trabalhos, pondo como pano de fundo a relação entre o indivíduo, o poeta e a sua cidade que foi cenário de sua vida e que inspirou sua obra.

Escrevendo sobre o cotidiano dessa cidade ambígua, Trajano reporta a si mesmo individualmente o ar de desilusão coletivo das massas que iam e viam na contramão dos projetos das elites locais. Seus poemas expressam perspectivas que misturam o indivíduo juntamente com sua obra e a visão coletiva de uma massa esquecida pelas autoridades oficiais e seus discursos que não andavam na mesma direção e sentido. Todo esse modo de se expressar do poeta, nos faz pensar em conjunto com os conteúdos da disciplina, a questão do sentido e a relação com a hermenêutica no plano filosófico, no propósito das expressões, na cultura do legado que Trajano deixou para posteridade em seus escritos, além de nos fazer pensar um ou mais sentidos possíveis para uma mesma realidade, uma leitura sobre nós mesmos ao interpretar sua obra, a qual ao mesmo tempo ele próprio se inseria e se compreendia. Compreendendo-nos em uma obra que não criamos, mas a qual interpretamos através de nosso entendimento, um ato de um outro interpretar, acabamos sendo tentados a nos inserir no fazer sentido do autor no ato de tentar compreender os sentidos de sua obra ao qual a história veio nos contar, a história de uma cultura, de uma instituição, um conjunto de leis as quais estamos inseridos ou não, vindo antes de nosso nascimento, assim herdando modos de compreensão, modos de esquemas já montados anteriormente aos quais somos frutos como instituição, como grupo étnico, comunidade, sociedade e nação. Nos parece ser um jogo entre natureza humana e o seu aspecto social, o biológico, o político e o hereditário se entrecruzando em linhas. Diversas maneiras de se expressar surgem no decorrer da história se for pensarmos a relação entre natureza humana e o ambiente político, podendo então enxergarmos vários “nexos” possivelmente contraditórios entre si. Trajano mostra expressões contraditórias entre visões de mundos diferentes que coexistem em uma mesma cidade. De um lado a massa pobre que luta pela sobrevivência, do outro as elites que projetavam os cenários cosmopolitas da época de acordo com seus interesses. Quais sentidos predominam? Ambos podem ser considerados verdadeiros? A exemplo de Nietzsche, o que faz prevalecer um sentido seria a força, a vontade de poder, na qual faz predominar uma visão de mundo sobre a outra. Através desse viés nietzschiano, somos induzidos a pensar na consciência do mais forte, aquela consciência que impõe sua visão e seu sentido sobre uma outra que sucumbe. Podemos prezar por uma apreensão crítica do sentido transmitido e expresso, sem querer validar um lado ou outro por si só. Tentar entender a questão do sentido como uma construção através da imposição de uma compreensão que é expressa através do autor e sua obra de forma crítica, o sentido não tem uma raiz metafisica, ele é algo constructo através de relações causais se formos seguindo essa direção de pensamento. Relacionar questões como Historicidade, linguisticidade e institucionalidade são modos de operar da filosofia hermenêutica ao tentar explicar o ato de dar sentido a algo e de dar sentido ao se expressar através do tempo, projetando os modos de ser através da história da humanidade. O cruzamento dessas questões faz o construir humano e suas instituições as quais delegam os modos de interpretar a realidade e captar os possíveis sentidos que vislumbram no horizonte da ação humana e de suas implicações no plano psicológico, ontológico e ético.

Somos construídos através das ações que nos antecederam, as quais herdamos através da história, e temos a língua como uma forma de repassar esses modos de ser da história. Os agentes são feitos de ações, reações sobre os fatos, sobre as realidades as quais estão inseridos. No caso de Nietzsche, esses modos de ser são sintomas das relações de poder ao longo da história. Hierarquias entre agentes mostram essas relações de poder e de dominação ao qual os agentes se tornam ativos ou passivos, dominantes ou fracos, bom e mal, tudo isso são apropriações de expressões que dominam a cena e dão um sentido a alguma coisa ou a algo ou momento. Estamos diante de sentidos que são dados através de coisas feitas por agentes? Não são dados de formas naturais quando insurgimos no ato de interpretar a vida num dado momento? O que se diz não está nas escrituras? Talvez ele se dá no nosso modo de enxergar e interpretar as possíveis realidades as quais são dados os sentidos de nossa existência? Isto é fazer uma hermenêutica dos sentidos e das expressões, e das formas de agir de um determinado povo, de como tentar compreender uma dada obra literária de uma época, uma tentativa de compreender uma comunidade em análise com seus costumes, suas vivências e hábitos, no ato de tentar fazer submergir a origem de determinados sentidos que se dão na história dos homens. Assim pensando a cultura através da filosofia hermenêutica, parece que vemos o agente como um devir, ao qual não tem um fundo significativo pronto, uma ousia no sentido de substância. Usando como ferramenta hermenêutica o perspectivismo internalista inferimos a ideia de que não são os fatos que importam, não há fatos, mas, tão somente, interpretações; não há fatos "em si" ou absolutos e sim perspectivas elaboradas por um agente onde a experiência parece não encontrar dados significativos, pura e imediatamente. O sentido é sempre mediatizado por esse agente. A multiplicidade de sentidos que recaem sobre um mesmo fato mostra que o que acontece pode ser dito e compreendido de vários modos, sendo esta a tese central do perspectivismo. O sentido do que acontece acaba por depender de uma interpretação, é relativo, perspéctico e estabelecido, assim como nas oposições entre a imagem que o poeta Trajano criava através de suas vivências e as políticas públicas cosmopolitas que as elites tentavam impor sobre a cidade, o que nos faz pensar hodiernamente não estarmos tão distantes dessa mesma situação com o passar dos anos. Após a revolução de Copérnico, perdem-se as referências seguras nas quais a humanidade costumava se agarrar. Neste momento perde-se a certeza da verdade possuída e o mundo torna-se inapreensível em sua totalidade. Para Nietzsche a arte de interpretação é que distingue os humanos das demais espécies. E a interpretação, objeto da filosofia hermenêutica nos mostra que no ato de interpretar, acabamos achando que esse interpretar seja algo externo de nós mesmo, mas que, porém, é constitutivo daquele ser que realiza o ato de interpretar. Fazendo um correlato com a obra de Trajano temos alguns exemplos em que seu ato de criar sua poesia o trazia para dentro de suas próprias experiências e visões de mundo no qual a vida lhe proporcionava. Portanto a experiência do dar sentido depende de um agente que interpreta o mundo a sua volta e se coloca neste próprio mundo como um construtor de expressões e compreensões, uma dupla via que a filosofia hermenêutica tenta nos esclarecer, não importando tão somente o

fato, mas sim o sentido (a outra coisa), que ultrapassa o fato. Seguindo esse raciocínio, o sentido não possui um ser, uma essência, conceito ou ideia, mas sim ele se torna uma relação onde o ato de interpretar não assume uma posição soberana de apoderamento do objeto, do fenômeno. A hermenêutica vem na ideia de não ocupar essa posição predominante sobre o objeto se tornando juiz do mundo, ela é mais uma forma de conhecer sem julgar, uma interpretação que trabalha num jogo relacional, onde quem interpreta algo acaba por estar inserido neste algo e se compreendendo neste algo que achamos externos a nós mesmos. Para Trajano compreender a ação do “personagem” era o principal ingrediente para lhe dar um sentido, assim o agente interpretativo pode usar a sua própria cultura ou uma de outrem, para tentar se autocompreender no ato de dar sentido ao que “se vê”. A seguir colocaremos como exemplo um soneto do poeta para melhor exemplificar o que viemos dizendo até então; “Não há nos versos meus o sufocado da dor. Da dor que lentamente nos crucia. Não há nem o lamento apaixonado, Nem mesmo a queixa ideal da poesia. Não há esse desejo insaciado De não possuir o que possuir queria. Jamais um verso meu vibrou magoado Por dores que em si mesmo não sentia. Amigo, em cada rima do meu verso. Em todo o seu conjunto e na expressão Que do real lhe dá sentido inverso. Somente, hás de notar e com verdade, Que existe em cada rima uma ilusão, Santificando em pranto uma saudade. ” (Trajano Margarida, Soneto). Quando o poeta diz que jamais um verso seu vibrou magoado por dores que em si mesmo não sentia, vemos claramente a inserção do indivíduo em sua própria obra ao tentar compreender a realidade que lhe dava sentido totalmente inverso aos seus afetos e suas prospecções sobre sua própria realidade tal como indivíduo jogando com o poeta em seu ato de ser e não ser ilusório sobre suas rimas, ora verdades internas, ora meras ilusões. É como se criasse um jogo de perspectivas entre o mesmo agente interpretativo, de um lado o indivíduo objetivo e sua própria experiência de mundo, de outro o lado subjetivo como o expressar da poesia, fazendo os “ventos mudarem os sentidos”. Pensando nos apontamentos deixados por Nietzsche sobre a diversidade de perspectivas e interpretações afetivas num ato de conhecer de maneira mais perspéctica do que impositiva, temos a ideia de quanto mais olhos e afetos sobre uma coisa, mais completo será nosso conceito sobre esta mesma coisa, uma projeção que não almeja ela sozinha ter o monopólio do valor sobre dado objeto ou circunstância. Vendo a cultura assim como como uma atividade genérica pela qual as forças reativas são adestradas e domadas numa hierarquia vertical, num movimento relacional, no ato de impor mecanismos de sentido externos numa relação de imposição de um sentido em subjugação de outra forma de ver a realidade e interpretá-la. O mundo está cheio de “amarras”, ou queira chamar de “bengalas”, a religião, a política e outras instituições que acabariam por nos trazer uma má consciência sobre nossa própria existência ao nos colocarmos como sujeitos de uma realidade a qual não nos faz o menor sentido como seres biológicos no sentido restrito, como indivíduos políticos e seres ontológicos aos quais nos ausentamos de uma meta ou sentido de sustentação externos para compreender nossa existência no mundo. Repetindo a ideia que o sentido não é uma essência tirada de algum lugar ao qual não difira do mundo que efetivamente estamos atuando como persona dramatis num espectro social particular e experienciado.

Por isso, tentamos ver na poesia de Trajano uma fuga, uma tentativa de contornar uma imposição de um sentido externo ao qual lhe traz essa má consciência imposta externamente na vida desses personagens da “antiga” Desterro e de si próprio como indivíduo situado num espaço-tempo causal e relacional no ato de se expressar através de seus versos. Tentaremos expor aqui com mais algumas passagens feitas pelo poeta para tentar visualizar essa relação sob uma ótica “Nietzschiana” por assim dizer, onde o sentido não é uma propriedade do objeto, um discurso verdadeiro sobre o objeto, que no caso em questão são alguns modos de ser dos personagens do poeta em análise. "Pelo morro do Hospital Mocotó subindo vai Mocotó é duro e forte Mocotó sobe e não cai” Nessa passagem breve temos a ideia do que poderia ser a vida do povo da comunidade do morro do Mocotó, dizendo que apesar das diversidades sofridas por esta camada da sociedade de Florianópolis o “mocotó é duro e forte” numa apreensão de que as pessoas a qual compõem dada comunidade resistem firmes e fortes do alto do morro as imposições da cidade de baixo e seus projetos excludentes em um dado sentido ao ir contra os interesses desses atores sociais descritos pelo poeta e moradores deste local. O sentido dado pelo poeta nos mostra que sua expressão é um ato relacional entre dois modos de ver uma mesma realidade, uma base “oculta” do fenômeno de tais pessoas “inseridas” numa tipologia que habitam aquele local, entre uma exclusão que agora é vista do alto do morro em contraposição a compreensão que as camadas políticas veem dessas próprias pessoas em questão, moradoras da comunidade do Mocotó. Assim a atividade reflexiva do poeta nos mostra uma dada compreensão presente nos discursos e nas vozes oficiais daquele tempo, na qual podemos também inferir uma via contrária a qual Trajano tenta explicitar no ato de sua obra, como cronista de uma realidade na qual uma não quer enxergar a outra, impondo seus modos de ser através de instituições, preconceitos no ato de classificar a existência desses personagens da cidade das sombras, numa tipologia excludente de atores sociais daquele certo momento ao qual a “cidade atravessava”. Diversos sentidos podem estar embutidos numa mesma expressão linguística. E buscar seu sentido não é procurar pela essência dessa expressão. Seria muito mais se perguntar “o que está dito? ”, “o que não está dito? ”. Uma atitude de buscar o sentido de entendimento fora do objeto também, num jogo relacional e construtivo entre agentes interpretativos diversos. Buscar o sentido relacional entre a expressão e a compreensão é a tarefa da filosofia hermenêutica. Seria uma forma de significar uma vivência de uma atividade humana e buscar o que está na base desta atividade. O poeta faz uso da filosofia hermenêutica quando procura o sentido relacional entre a atividade de expressar e compreender a base “oculta” num fenômeno, em um evento, um personagem que ele vê, numa expressão cultural. Também pode ele estar fazendo parte de uma compreensão coletiva na qual há um compartilhamento de perspectiva e interpretação afetiva comuns. Exemplos como a história, a tradição, formação, educação, cultura e moral nos remetem ao que foi dito acima, no que Nietzsche chamaria de um “horizonte de sentido já compartilhado”. Então colocamos a questão de qual o sentido de nossa educação? Para

Nietzsche a resposta é nenhum, o que interessa para ele reside no saber qual é a força dominante que impera em dada situação. A potência é a dinamis que é anterior e fundante de todo o ato, de todo o ser. Não há nada fora do tempo e do devir que se possa ser expressado e imediatizado. Ele tem como conceito de vida como uma livre atividade concreta dentro de um contexto dado e mediatizado. A linguagem surge como uma mediação sensitiva de um ser no devir, um dasein de um ser que se compreende ao se expressar em um contexto dado anteriormente. Enxergando a história de uma forma não linear, temos diversas alternâncias de pensamento ao longo do tempo, todos eles colocados em cena pela linguagem como forças dominantes. Na linguagem “o se exteriorizar volta-se para dentro de si numa via concêntrica inversamente proporcional. Quanto mais eu interpreto algo, mais eu me exteriorizo nesse algo, numa ação significadora. As linguagens formais não são linguagens universais, elas estão em constantes construções sobre si mesmas. Assim o conceito acaba por englobar uma ideia e a fixa em uma caixa fechada. Por isso as vezes é necessário se afastar do que se quer compreender para pode-lo o ver sob uma outra perspectiva. Ao tentar entender o que o poeta tenta expressar eu acabo por ver que não tenho acesso ao seu ato praticado no passado, por isso é importante fazer um esforço de tentar compreender o que o agente quis expressar naquele passado através de seus versos de forma mais cautelosa ainda. A linguagem não é uma ideia universal platônica nesse raciocínio, ela é mais um trabalho no sentido de Aristóteles, de um ser agente, um ato no sentido de atividade de uma ação, ela não é um produto morto e paralisado. Ela é um modo do pensamento se tornar efetivo no espaço-tempo. Ela trabalha com a noção de transitoriedade do ser sem se apoderar dos fatos, num dilema de tentar se expressar e compreender da mesma maneira. O solo da desigualdade era narrado por Trajano. Em seus versos trona-se claro como seus personagens estão a mercê do acaso, mergulhados num profundo desalento sobre a realidade, como um ser para morte niilista de heidegger. Cada indivíduo se torna sua própria encruzilhada; “... Pelas ruas meu filho a mendigar; da burguesia imunda ouvindo ralhos, sem nunca um coração amigo achar”. (Amanhã. Trajano Margarida)

Passagens sofridas como esta tentam mostrar as conexões para o desenrolar desses indivíduos da Florianópolis antiga. Pensemos aqui nesse ponto a ideia do niilismo de Nietzsche, sobre a história da tradição metafisica do domínio das formas sobre a vida, as formas que querem subjugar a vida, cristalizando-as em categorias antinaturais. Na obra de Trajano cada indivíduo narrado se torna um ponto de cruzamento entre diversos sistemas de sentido. Atravessam pelo mesmo personagem variados olhares que os compreendem segundo o ato de percepção do agente interpretativo que narra aquilo que ele acredita ser a realidade do que está sendo exposto para ele, a interpretação não precede a vida, mas sim ela surge depois da vida, no pensamento de um intelecto que pode vir a ser exteriorizado pela linguem de uma dada cultura.

Além de mostrar os sentidos possíveis que recaem sobre os personagens de sua poesia, boa parte da obra nos induz a repensar o passado de um local que hoje se tornou, de uma maneira esteticamente falando, diferente; ao qual narrado em seus fatos nos faz sermos transportados para àquela época num sentimento de uma nostalgia perdida, que nunca foi nossa. Nos fazendo se distanciar de nosso próprio tempo, retrocedendo cronologicamente. São exemplos de como a linguagem pode influenciar em nossa forma de compreender o mundo a nossa volta e aqueles possíveis mundos aos quais não experienciamos em forma de vida efetivamente. Uma passagem de um jornalista da época mostra o tamanho do desalento com a realidade imposta politicamente sobre uma cultura mais tradicional que já ali na Desterro antiga havia se estabelecido; “Se estabelecêssemos um paralelo entre o carnaval de outros tempos e o carnaval atual, teríamos a triste e penosa conclusão de que Florianópolis, em matéria carnavalesca, hoje não. é mais nem menos do que um simples espectro daquilo que já foi. Noutro tempo, isto é, no tempo da iluminação de querosene, da Cadeia Velha e da Ponte do Vinagre, no tempo da grade do Jardim Oliveira Belo, do carrinho do tio Botelho, das latas de Corta Jaca, do grito do Zé dos papéis e das imundícies da Banca do peixe, Florianópolis tinha mais vida, prezava-se mais as suas tradições e, verdade seja dita, havia mais amor pela arte, que nos tempos atuais em que a luz elétrica transforma a noite em dia; as ruas são quase todas avenidas e a ponte Hercílio Luz, com os seus possantes e formidáveis torres, atesta bem alto não só a grandeza dos nossos homens passados como também a verdade do progresso que tanto nos distingue... E todo aquele belo e deslumbrante Carnaval, toda aquela grandeza era feito no tempo em que o progresso era frase de imprensa e o lampião de querosene bancava o farol da noite”

A luta entre a tradição e o progresso que se esbarram sob um mesmo território, uma luta de impor um ritmo de vida sobre outro, numa mesma cidade. Penso na modernidade Europeia produzindo a colonialidade da América Latina. Segundo Nietzsche o sentido é relacional no jogo de forças da vontade, o conceito ontológico que funda o conceito de interpretação e de perspectiva é o de necessidade. A necessidade de o progresso avançar sobre a história da humanidade e alterando diversas modos de ser ao longo da história. O problema que aqui se coloca é trabalhar a questão de que o ato de compreender é o caráter ontológico original da própria vida humana e todo compreender acaba sendo um compreender-se. Nossa perspectiva sobre o mundo desta maneira se torna finita como nossas vidas, nosso conhecimento como indivíduo se torna finito. Ao interpretar através da minha própria compreensão, preciso “ver” a necessidade, o ocorrer de um ato em um certo momento para ele poder se adequar a um esquema lógico no qual compreendo uma certa ação, um modo de ser, gerando um sentido, sendo comunicável através da linguagem ou da própria ação, ambas como comunicação das necessidades ontológicas constituintes de um ser, de uma sociedade num todo. Somos todos lançados ao mundo e já estamos atrasados em relação a ele. A oposição entre uma linha de pensamento platônico hegeliano nos diz que a história se movimenta para um absoluto. Ao contrário disso Nietzsche afirma que não podemos saber para onde a história irá se movimentar sendo seres finitos. Os modos de ser não são imutáveis dentro do historicismo. Eles estão em constante movimentação no ato de se compreender e se constituir.

Nos submetemos a linguagem para dar sentido a experiência e trazer uma subjetivação da experiência de sentido, abdicando da posição soberana no ato de dar sentido à experiência.

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