Devoro tudo o que o americano Philip Roth escreve e não foi diferente com o seu mais recente lançamento. O animal Agonizante, que é o relato de um professor de 62 anos que se apaixona por uma aluna de 24.
Estimulado por esta paixão, o personagem reflete sobre a tragédia de envelhecer e as obsessões sexuais de todos nós. E sobre como é inútil tentar mudar a natureza humana
Em dado momento ele comenta: “É a velha história americana: salvar os jovens do sexo. Só que é sempre tarde demais. Tarde demais, porque eles já nasceram”.
Sublinho uma, sublinho duas vezes, quase perfuro a página com a caneta, por que é isso aí: é sempre tarde demais para nos salvar, já estamos aqui, a vida está em curso, já nos apegamos aos nossos privadíssimos traumas, medos, fantasias, estamos irremediavelmente condenados a ser quem somos.
Podemos claro, amadurecer, ficar mais leves, lidar com nossas fraquezas com mais bom humor, mas suprimi-las para sempre? Sem chance. No máximo, trocamos alguns problemas por outros.
Quando a questão é sexo, então, salvar-nos do que? Só mesmo nos impedindo de nascer para evitar que tenhamos contato com o que há mais de fabuloso e enigmático em nós: nosso desejo. Uma vez nascidos, tarde demais. Estamos em pleno poder dos nossos cinco sentidos, impossível evitar que nossos narizes sintam outros cheiros, nossas mãos toquem em outras pessoas e que sintamos o gosto delas e ouçamos o que elas tem a nos dizer.
Tudo isso provoca um curto-circuito. Até pode-se exercer a abstinência como escolha, mas nunca através de uma imposição externa, de uma pregação moralista. Tentar nos manter afastados do sexo? Só se a intenção for a de nos transformar em pervertidos.
Tarde demais, nascemos. E uma vez nascidos, viramos homens e mulheres que tentam extrair de onde só brota dificuldade, que participam deste carnaval de sensações fartamente oferecidas dia após dia: paixões e melancolias ao nosso dispor, bastando estarmos predispostos à vida.
Uma vez nascidos, temos uma cara, um corpo e a nossa alma, principalmente a alma, nosso DNA espiritual, avesso a manipulações de qualquer espécie. Tentem, mas vai ser difícil nos transformar em pedra, parede, concreto.
Podem fazer nossa cabeça, mudar nossas idéias, nos arregimentar para o seu partido. Influenciar, podem! Somos maleáveis. Mas arrancar de nós a humanidade, proibir que tenhamos sono, fome e sede, declarar-nos incapacitados para o amor, exigir que nunca mais sonhemos, que não cultivemos nosso lado mais secreto e selvagem, impossível, só se não existíssemos.
Tarde demais, nascemos.
CRÉDITOS Autor do slide: Prado Slides E-mail:
[email protected] Autora do texto: Martha Medeiros Imagens: Internet Música: Alan Bordes Good Ole Boy