IDENTIDADE PERDIDA Por André Bamberg
Sinopse A questão da perda de documentos é encarada como um dos grandes entraves junto aos órgãos públicos responsáveis pelo setor: aumenta as demandas de trabalho, provoca a superlotação nos estabelecimentos competentes, além de causar sérios transtornos de ordem legal, a exemplo dos crimes de falsidade ideológica, estelionato e clonagem. Partindo desta abordagem, o filme conta a história de Paulo Soares, um cidadão brasileiro de aproximadamente 30 anos, que resolve renovar sua carteira de identidade. Ao se deparar com o caos burocrático e o congestionamento das enormes filas, nosso protagonista presencia um indivíduo que acabara de tirar a identidade retornar ao balcão de senhas para solicitar uma nova via, afirmando que havia perdido a anterior, minutos após deixar o local. O descuido do homem revolta Paulo que o acusa de ser um dos grandes responsáveis pelo atraso de todo o processo. Transtornado, o protagonista inicia um discurso inflamado ali mesmo, no balcão de senhas, tendo como público os integrantes da fila em que se encontra. Mas, o que Paulo não sabia, era que, ao sair daquele órgão com sua nova identidade, a vida iria lhe pregar uma peça. Personagens: Paulo Soares: Brasileiro, trinta estatura mediana, terno e gravata.
e
poucos
anos,
magro,
Homem 1: 40 anos, gordo, barba por fazer, boné, estilo bonachão. Balconista: Jovem, 25 anos, simpático, fardado. Maria: Trinta e poucos anos, baixa estatura, branca, óculos de grau, sotaque interiorano. Ladrão: Alto, magro, jovem. Locações: Sala com balcão de atendimento ao público Bairro do Comércio, Salvador/Bahia.
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IDENTIDADE PERDIDA Roteiro de André Bamberg INT. FILA DO SAC - DIA Fila de um balcão do Serviço de Atendimento ao Cidadão. Um homem, cinicamente, lamenta ao balconista a perda da identidade que acabara de tirar no órgão e solicita uma segunda via do documento. SOM AMBIENTE DO VAI E VEM DE PESSOAS. Homem - Gente boa, me dá uma senha aí. Preciso de outra identidade. Balconista - Mas... Não faz nem meia hora que o senhor saiu daqui com uma novinha em folha. Homem - Pois é... Pois é... Não sei como foi isso, mas também não importa. Tiro outra rapidinho aqui com vocês. É vapt vupt! O balconista sorri sem graça, embora concordando simpaticamente. Atrás do homem, Paulo, personagem principal da trama, assiste a tudo. Apressado, olha para o relógio, indignado com a falta de atenção do elemento à sua frente. Ele pensa alto, consigo mesmo: Paulo (V.O) - Onde já se viu? Perde a identidade e ainda me volta com essa cara lavada querendo outra. To é lascado com essa galera. A fila anda e chega a vez de Paulo, que comenta o assunto com o balconista. O atendente se limita apenas a gestos faciais que variam entre censurar o ato do homem e aprovar os protestos de Paulo. Paulo - Sujeito mais folgado, hein amigo! O cara vem aqui, tira a identidade e volta minutos depois pra refazer a porcaria do documento. É por causa
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de um elemento desses que, gente séria como eu, perco a manhã inteira aqui nessa merda de fila! O balconista comenta o assunto. Balconista - Se eu contar o Senhor não acredita. Sob olhares curiosos, Paulo se empolga. Lança alguns tapas no balcão e simula um discurso inflamado. Alguns concordam através de gestos, outros apenas ouvem. A câmera em TRAVELLING passa pelo orador e percorre toda a extensão da fila, revelando que a mesma se encontra cada vez maior. Na medida em que Paulo se exalta, a trilha evolui. SOBE SOM: trilha incidental em tom de samba, ruídos de carros, freios e buzinas. O contexto é de congestionamento. Paulo - Galera, vamos exigir nossos direitos, mas também cumprir com nossos deveres. Pô, perder documento é coisa séria. Se liga, meu povo! Isso é coisa de gente irresponsável. CORTA PARA EXT. MEIO DA RUA / CALÇADÃO - DIA Aliviado, Paulo pega a identidade, sai do estabelecimento e segue pelas ruas do Comércio. Na pressa, coloca o documento no bolso em que também se encontra a carteira de cigarros. Alguns metros adiante para e puxa um cigarro. Sem que perceba, a identidade cai no chão. Ele segue caminho e, após dobrar uma ou duas esquinas, encontra Maria, uma antiga colega de faculdade. Eles se cumprimentam e iniciam um rápido papo. Paulo - Maria? Há quanto tempo! Maria - Paulo Soares, quem diria. Dando um rolé pelas ruas do comércio? Paulo - Fui ali tirar a identidade. A antiga ainda era “daquela” época. Se você visse a foto não me 3
reconheceria. Ou mais... He he he!
talvez
me
reconhecesse
ainda
Maria (sarcástica) - Aham. Sei... Sei... Lembro BEM daquela época. Paulo - Hehe... Deixa só eu te mostrar. Paulo tenta sacar a identidade. Ao constatar que o objeto não se encontra no bolso certo, passa a tatear todos os outros simultaneamente. Paulo - Mas... Cadê essa danada? Maria - Mostra logo, Paulinho, que eu to cheia de coisa pra fazer. E o feijão ta no fogo. Paulo - Não to encontrando a merda da identidade. Acabei de guardar aqui no bolso não faz cinco minutos. Cacete! Será que eu perdi? Maria adverte Paulo enquanto ele olha para o chão, aflito. Maria - Olha lá, hein! Meu irmão passou por uma experiência terrível quando perdeu a dele. O documento caiu nas mãos de um estelionatário. O bandido aprontou! Abriu conta em banco, tirou talão de cheques. Olha, foi uma dor de cabeça. Até quenga bateu na porta dele de borrachudo na mão. Paulo, meio aterrorizado, interpela a colega. Paulo - Que é isso, Maria, não exagera. Brinca com essas coisas não, pelo amor de Deus!
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Maria - To brincando não, “Seu” Paulo Soares. Quero cair durinha aqui se tiver mentindo. E ó, vá procurar seu bagulho que é o melhor que você faz, viu. Só não te ajudo porque to abafada. Paulo - Vá... Vá com sua urucubaca pra lá que eu vou adiantar meu lado. Agora mesmo é que eu preciso achar essa porcaria. A gente se vê por aí. Tchau! Maria - Fui! Boa sorte. Paulo se despede e sai esbaforido pelas ruas em busca da identidade perdida. CORTA PARA EXT. CALÇADA /CENTRO - DIA O documento se encontra no chão da calçada, sendo chutado de um lado a outro pelos pés dos transeuntes, até cair em uma poça de água no meio fio. TRILHA INCIDENTAL: SAMBA PARTIDO ALTO. FUSÃO PARA EXT. CALÇADA /CENTRO - DIA Mini-clipe com Paulo suado, aflito, parando pessoas para perguntar, olhando por baixo dos carros , revirando o lixo, etc. TRILHA INCIDENTAL: FUSÃO DE SAMBA PARTIDO ALTO COM O TIC TAC DE UM RELÓGIO. CORTA PARA INT. FILA DO SAC - DIA A cena do início da trama se repete. Na fila do estabelecimento, o balconista segue emitindo senhas para as pessoas. Câmera subjetiva simula ponto de vista do balconista, detalhando, um a um, os clientes atendidos. Quando o último figurante sai de cena, a CAM revela que o próximo da fila a ser atendido é Paulo. Cabisbaixo, ele solicita uma senha ao atendente, que o olha surpreso. Atrás dele, na fila, um homem ouve a conversa.
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Paulo - Ééé... Tudo bem amigão? Quanto tempo, hein! Hehe... Emite outra senha dessas aí pra mim. Balconista - Mas... Como assim, senhor? O senhor acabou de sair daqui! Paulo - Pois, é rapaz. Você acredita que eu perdi minha identidade? Mas tudo bem, acontece nas melhores famílias, né? Como dizem os americanos: shit happens! hehe Paulo sai da fila dando a vez ao homem que observa a situação. Este, por sua vez, dirige-se ao balconista com atitude semelhante a do próprio Paulo no início da trama. Homem - Sujeitinho mais folgado, hein moço! Onde já se viu, perder o documento que acabou de tirar. É por causa de um folgado desses que eu to aqui plantado nessa droga de fila... E cheio de coisa pra fazer! O balconista retribui com um sorriso sem graça e comenta. Balconista - Se eu contar o senhor não acredita. Assim como Paulo no começo da trama, o homem também se empolga e simula um discurso inflamado para os integrantes da fila. A trilha evolui para ritmo de samba mixado a efeitos sonoros de buzinas e congestionamento, abafando as palavras do homem. FADE OUT Breve silêncio FADE IN EXT. RUA - DIA
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TRILHA: INSTRUMENTAL TENSA, CLIMA DE SUSPENSE. Um tipo suspeito avista a carteira de identidade de Paulo em meio à poça de água e a pega. Ele enxuga o documento, dá um tapinha nele e sai andando com cara de más intenções. FADE TO BLACK FIM Créditos finais.
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