Rpg - Ebook - Igual A Todas As Noites

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Igual a todas as outras (19/07/04) - Essa é uma noite como todas as outras. Eu fiquei surpreso por ouvi-lo dizer essas palavras, afinal, como poderia alguém achar aquela noite tão comum como às demais? Na noite anterior, por exemplo, eu estava com minha esposa passeando pelo centro da cidade e observando os belos enfeites de natal, isso sim soaria normal para mim. Agora, estar de tocaia no alto de um arranha-céu no centro de São Paulo justo na noite de natal, isso, sinceramente, nunca seria normal. Não resistindo ao seu comentário retruquei-o: - Porque você diz isso? - Jovem. O dia que você compreender o real sentido dessa afirmação, estará abrindo os olhos pela primeira vez. Essa metáfora era tudo o que faltava para a minha noite ser corrompida de uma vez por todas. - Ele deve ter a minha idade e só por estar no comando já se sente no direito de me chamar de “jovem” - esse foi o primeiro pensamento que veio a minha cabeça naquele instante e quando estava para responder a altura, um vento gelado correu pelo meu corpo e pude notar o como a minha situação já estava desagradável, a piorar seria muita estupidez. Optei por mudar de assunto: - Afinal de contas, o que estamos esperando? - Más companhias. Era obvio que esperávamos más companhias, por que outra razão eu seria acordado às quatro horas da manhã e estaria armado ate os dentes junto à tropa de elite do batalhão anti-sequestro? Essa resposta quase me fez arremessa-lo do alto daquele enorme prédio. Felizmente a minha razão voltou antes de mover um único dedo. Foi então que prestei atenção pela primeira vez naquele homem, parado justamente na beirada do prédio, tendo metade do seu pé para fora do mesmo. Ao me dar conta disso senti um incomodo frio na espinha, ainda porque o infeliz mantinha uma delirante calma, me levando à loucura. Mais alguns instantes observando aquela cena arrepiante e eu o teria empurrado com as minhas próprias mãos, só para me livrar da aflição que sentia, mas foi então que ele voltou a falar, como se estivesse retornando de uma meditação que perdurara por muitos dias: - Eles chegaram. Esgueirando-me cuidadosamente pude notar um grupo de jovens que caminhava rapidamente pela avenida principal. Eu poderia esperar qualquer coisa, mas um grupo de jovens? Senti-me ridicularizado ao pensar que teria movido um dos melhores batalhões da policia somente para enfrentar tais inofensivos indivíduos, porém aquela noite já havia desgastado todas as minhas forças e não tive se quer vontade para discutir e me submeti ao estranho homem, evitando complicações: - O que faremos? - Chame a atenção deles, mande o seu melhor atirador acertar aquele de branco. Apesar de lidar com a morte todos os dias, essa não era bem uma coisa agradável. Agora eu deveria escolher o maldito infeliz que seria o carrasco a matar o aparentemente inocente jovem que caminha junto aos seus amigos. Missão terrível essa. Todos os soldados me olhavam com ar de obediência e submissão para o qual haviam sido treinados, mas no fundo eu sabia que todos pediam para não serem escolhidos. Tudo não passou de alguns míseros instantes, que representaram uma das piores decisões de toda a minha vida. Por fim escolhi o “Silva”, ele era o melhor de todos.

O soldado respondeu prontamente e apontou o seu fuzil contra o alvo, um alvo tão fácil de se atingir que a covardia o fez hesitar por alguns instantes, coisa que pude notar, mas não reprimi em respeito ao pobre homem que provavelmente não dormiria essa noite. De certa forma esse meu raciocínio não estava completamente errado, ele realmente não dormiu naquela noite, alias, nunca mais. Por quê? Bom, deixe-me continuar com a historia. Após aqueles terríveis instantes de silencio e atenção penetrante de todos, o disparo foi dado, tendo o seu som quase totalmente anulado graças ao silenciador que completava o cano. Observando atentamente eu sabia que errar aquele alvo seria tão estúpido quanto não conseguir colocar a tampa na caneta, porém, por mais que eu estudasse secamente o jovem que estava lá embaixo, ele não caia, apenas interrompeu o seu caminhar despreocupado, sendo seguido pelos seus companheiros. Eu já estava praticamente ordenando o próximo disparo quando aquele homem estranho interveio: - Não desperdice mais as suas balas, elas serão necessárias em breve. O seu soldado atingiu perfeitamente o alvo, o que chamou a sua atenção, sendo esse o nosso objetivo. Prepare seus homens para um confronto direto. Agora o Federal estava abusando da minha boa vontade. Como poderia ele afirmar que o tiro havia atingido o alvo e que lhe havia chamado à atenção? É como se um tiro de fuzil fosse tão inofensivo como uma mamona atirada com um estilingue. Esse pensamento acompanhou o meu crescente ódio com relação aquele cretino, porém eu ainda avistava os jovens e pude ver todos eles nos observando de baixo. Por mais distante que nós estivéssemos e por mais limitada que seja a minha visão, seria impossível não ver aquele rosto tão macabro e assustador que nos encarava sem expressão a muitos metros abaixo de mim. Apesar dessa visão terrível dos jovens, a distancia garantia a todos, uma sensação de segurança que nos permitia continuar a observá-los, porém essa sensação era completamente falsa. Em uma questão de instantes todas as maiores crenças que conduziram a minha vida ate aquele momento foram jogadas contra a parede e pude presenciar coisas as quais eu jamais poderia imaginar, nem mesmo em meu pior pesadelo. A gravidade parecia não fazer nenhum efeito contra aquelas criaturas, digo criaturas porque ate hoje não sei ao certo o que eram. Lembro-me com perfeição do movimento impossível ate mesmo para um atleta olímpico que os seres realizaram. Saltando provavelmente uns dez metros antes de começarem a correr pelas paredes daquele enorme prédio vindo em nossa direção. Sim, eu disse correr pelas paredes, e estou certo do que vi. O Federal ordenou que todos abrissem fogo contra as criaturas, e assim o fizeram, tão logo se recuperaram do choque. Apesar de todos os nossos tiros, somente uma das criaturas foi derrubada e, instantes depois, todas as suas companheiras já dividiam aquele grande platô que agora parecia ser tão pequeno para nós, principalmente por considerar que queríamos fugir, mas não tínhamos para onde. Metade do batalhão foi exterminado somente no instante em que as criaturas atingiram o topo do prédio, os demais atiraram sem trégua para todos os lados, porem as criaturas eram velozes a um extremo que nos impedia de agir com eficácia. Por outro lado o Federal parecia aceitar toda aquela situação com a mesma calma de uma criança ingênua que coloca a mão no fogo sem temê-lo, disparando muito menos que qualquer um de nós, mas, por incrível que possa parecer, acertando muito mais. Sou obrigado a assumir que aquela situação estava além do que minha mente poderia suportar, acabando por entrar em pânico. Eu não podia mais disparar um único tiro se quer, mesmo com o pente praticamente cheio, da mesma forma que não podia mais ficar

de pé, mesmo em perfeito estado de saúde, porém ainda podia observar tudo o que acontecia a minha volta, apesar de somente conseguir associar todos aqueles sons e imagens algum tempo depois. Resumindo, a chacina acabou sacrificando todos os meus homens, exceto um que, no auge do desespero, cuidou de se atirar do alto do prédio tendo uma morte ao menos mais interessante. Quanto às criaturas, ao que tudo indicava, todas haviam morrido. Algumas poucas pelos tiros dos soldados, mas, sem duvidas, a maioria havia sido friamente assassinada pelo Federal. Falando nele, o mesmo estava parado alguns metros a minha frente, não aparentava ter se quer se arranhado, apesar de estar todo suado e bufando como um cão. Tudo parecia ter finalmente acabado, mas pela sua expressão eu entendi que ainda havia algum assunto inacabado. O mesmo resmungou: - Falta um. Não o encontro. Odeio isso! Mal terminara de falar e fora atingido pelas costas pelo que parecia ser a ultima das criaturas. O mais incrível dessa situação era o fato de o ser tê-lo atravessado o corpo usando apenas um cabo de vassoura. Perplexo o Federal caia de joelhos sobre o chão, de frente para mim; só teve tempo de sussurrar algumas palavras e cair, agora como um corpo sem vida. A criatura respirava fundo, provavelmente aquele combate também exigira um grande esforço de sua parte. De uma forma inexplicável o meu pânico havia fugido. Provavelmente observar uma cena tão impressionante como aquela me levara a esquecer de tudo, ate mesmo do medo da morte. Foi apenas uma questão de instantes, porém, para que todo o horror voltasse, e agora muito mais forte e terrível do que antes. A criatura me observava. Enquanto me encarava misteriosamente ela caminhou ate os meus pés. Eu tentava instintivamente prever os seus movimentos, a ponto de um simples levantar de braços da mesma ser o suficiente para que todo o meu corpo se contraísse buscando proteção. Quando abri os olhos novamente notei que ela não estava mais lá. Acredito que toda essa covardia ao final das contas havia me salvado. Provavelmente a criatura teve pena da minha pessoa, ou simplesmente não teve vontade de matar-me. Como poderei saber? A felicidade que tomou o meu corpo foi tanta que cai em choro, um choro soluçante que se manteve ate mesmo quando as equipes de resgate chegaram. Apesar de toda essa situação horrivelmente trágica e aterrorizante, a coisa que mais mexeu e continua mexendo comigo ate hoje foram os últimos sussurros do pobre Federal: - Essa é uma noite como todas as outras. Victor Allenspach de Souza

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