ALM
CREVE
UM RETRATO DAS GENTES DE CARÇÃO
beleza natural… tradições… cultura…
2009
UM RE T R ATO
António Júlio And concelh rade, o Seminár de Torre de natural de Felg Moncorv ios de ueiras na Fac uldade Vinhais, Bragano, estudou nos de Filo Porto. sofia da ça e Braga Possui o e Univers Cultura l ministracurso de Téc idade do Foi prof nico de Cultura essor em Lisb do no Centro Turismo do na Câm oa. Naciona ara Mun Ensino Sec l de undário Bibliote icipal de cas e actu Torre de almente Fez part Arquivos e Mon Docume corvo com trabalha extinta e da comissã ntaç o Técnico Fer o instalad ão. de Durante rominas EP. ora do 10 ano Museu s que se do Fer publica foi Director do ro da Jornal “Ter em Mira Foi ven cedor ndela. ra Que do 1.º “Conse nte” quin Prémio rvação zenário da 1.ª da Nat trabalho Edição ureza e dos Pré – Mon sobre o “Lag corvo”, ar Com Património Cul mios de criado unitário do Am tural” com o biente aval das da Cera de com um e da Cul Europe Felgueir ia tura, repr Sec as Publico realizada em esentan retarias de u Madrid Esta do Por seu con vários trabalho no ano tugal na do de celho e s final A partir a sua regi monográficos 1988. de sobre a ão. e Marrano 1999 vem sua alde -se ded ia, o icando Cátedra s no Distrito ao estu de Estu de Bra do gança” dos Sef em cola dos “Judeus arditas “Alberto boração Benven com a iste”.
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Maria Fer nanda tendo Guimar exe ães – Cur Turismo rcido as funç ões de so de Turismo até ao Investig ano de 1.ª Téc 2000. adora nica de na nomead amente área dos estu judeus transmo nas comunid dos Sefarditas, “Alberto ades de Colabo ntanas. radora criptoda Cátedra Contribu Benveniste” desde ição no de Estu as sua com inve âmbito dos Sef s Portugu stigação para da Cátedra primeiras acti arditas eses – de Estu vidades o Dicioná Corpo . dos Sef e trato. rio Hist prosopo arditas, órico gráfico olabora de mer dos Sefarditas com o cadores quinzen área da e gente ário Terr a daísmo” investigação, pela pág Quente onde desde é respons 1999. ina “En tre o Cris ável, tianism oeo
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2008
An tón io Jú lio An dra de Ma ria Fe rna nd a Gu im arã es
Sofia Jer
ónimo
Maria Sofia Rodrigues Jerónimo nasceu em Carção, conc elho de Vimioso, distrito de Brag ança e residente na fregu esia de Custóias, concelho de Matosinhos, distrito do Porto. Estudou Porto até na cidade do ao 7.º ano Liceu (3.º Ciclo), ano do morte de que foi sua mãe interrompi o que do pela Primário, inesperad ficando semp a levou a tirar a o Curso de Histó do Magi ria que alme re com um vazio stério em relaç java. Já no exerc ão ao curso ício das Básico, suas funçõ ingressou es doce na Facu do Porto ntes no ldade de , onde se Ensino Letras da licenciou Efectuou Universid em Histó o estágio ade ria, do Ramo educ cundária 1.º Grup de Caro o A (Hist acional. lina Mica Fez o 1.º ielis do Porto ória) na Escola módu Se. lo do curso Instituto Superior de Administr ação Esco Fez a admi de Educação e Trabalho lar no nistração dores do (ISET) do ao Curs Ensino Prim Porto. o 1974/75. ário na Esco de Inspectores Orientala do Magi stério do Foi Coor denadora Porto, Pedagógic Em 1985 a de 1974 do ao tema /86 orientou um a 1978. Curs “Línguas o de Form Centro de e Formação Cultura Portugues ação subordinaa”, prom Abel Sala No seu currí ovida pelo zar, em culo acum Matosinho Escola, ula anda s. 1968/69; as funçõ 1970/71; es de Direc A respo 1973/74; nsabilidad tor de Apoio Socia e do Serv l Escolar iço do IASE 1977/80; Delegada – Instituto da Esco de organizar la no âmbi a Área to do “prog rama Foco Organizaç Escola 1992/93; ” para ão e imple 1991/94; mentação da Biblio teca na Aposentou esco -se la, em seu contr ibuto à esco Maio de 1998, ms tos, quer conti la, e aos organizan alunos quer nuou dando o do e colab até à publi escrevend orando cação no o texnas festa Diário da Foi colab s escolares República , . guns anos oradora do “Jorn al de Mato . sinhos” É colaborad durante ora na revis algentes de ta “Almocrev Carção”. e – um retrato das
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Ficha técnica Propriedade: Associação Cultural dos Almocreves de Carção Capa: Casa de Trabalho Dr. Oliveira Salazar Impressão e paginação: Casa de Trabalho Dr. Oliveira Salazar Dep. Legal: 183993/02 Tiragem: 1000 exemplares Ano: Agosto de 2009 Contactos para informações e colaboração: 966197194/966510938 Associação Cultural dos Almocreves de Carção Bairro S.to Estêvão, Rua A, n.º14 5230-124 Carção - Vimioso E-mails:
[email protected] [email protected] [email protected] [email protected] Site: www.almocreve.pt
Índice Editorial...................................................................................... 2 Mensagem do Presidente da C.M. Vimioso ............................................. 5 Mensagem do Presidente da J.F. Carção . .............................................. 7 Fado; Ser Carçonense ..................................................................... 8 Saudade; Gentes ........................................................................... 9 Carção, no reverso do meu mundo; Mês de Agosto.................................... 10 Carção, minha musa inspiradora . ....................................................... 11 Voltar às Origens; Desta casa vou sair… ................................................ 12 Pai Nosso pequenino; Oração da Manhã de Natal ..................................... 13 Ode ao Futebol.............................................................................. 14 Tânia Afonso – Campeã Nacional de Kicboxing......................................... 15 Rota Almocreve ............................................................................. 16 As Gavetas da Memória – Doutor Manuel M. Lopes . .................................. 19 Doutor Sidónio .............................................................................. 21 A saga de um carçonense pelo mundo afora ........................................... 22 Uma Maria da Fonte Carçonense ........................................................ 25 Carção, anos 60 – Epopeia duma noite sem luar ...................................... 27 Breve cronologia sobre a Casa do Povo de Carção .................................... 33 Azulejos na Fachada – devoção, saudosismo ou afirmação de outra realidade? . 35 Carção – Identidade e Memória .......................................................... 38 Carção – Preservação de uma arquitectura anímica .................................. 41 Encomendar as Nossas Almas ............................................................. 47 Origem da palavra “Marrano” ............................................................ 53 Um interessante documento sobre Fábrica de Cola em Carção .................... 57 Casas típicas do concelho de Vimioso dos séculos XIX e XX ......................... 59 Jorge Lopes Henriques, de Carção e alguns familiares processados pela Inquisição . .................................................................................. 65 Cartoon “Museu em Carção” ............................................................. 74
Caros leitores! Escrever o editorial de mais um número da revista é particularmente gratificante! Após oito anos de muita determinação no sentido de se criar um meio informativo abrangente na nossa povoação, a revista Almocreve é já uma realidade consolidada. Claro que projectos como este têm os seus custos e dificuldades. Os meios financeiros são limitados e as condições técnicas e humanas representam entraves difíceis de superar. Tais limitações regem o ritmo e a escala do nosso trabalho, que não é tão célere ou tão extenso como desejaríamos. No entanto a imensa generosidade das pessoas enquanto colaboradores, patrocinadores, leitores, receptores e transmissores de palavras, rapidamente se tornam em redes de comunicação tremendamente eficazes. A participação de todos permite ultrapassar muitas das dificuldades, fazendo com que este projecto prospere e evolua. Ao longo destes anos, a revista Almocreve tem-nos apresentado muitos dados históricos e culturais que provavelmente de outra forma jamais poderíamos conhecer e preservar. Por outro lado, vai testemunhando as nossas vivências presentes, tornando-se um instrumento precioso para os nossos vindouros, já que imortaliza muito do actual património cultural da nossa região. Outra das vertentes que este projecto tem conseguido realizar é a divulgação históricocultural local um pouco por todo o país assim como também no estrangeiro. O almocreve é uma figura típica da nossa aldeia conhecida em toda a região do nordeste transmontano. Até o grande Camilo Castelo Branco a ele se refere num dos seus mais importantes romance “Amor de Perdição”. Hoje em dia, a revista Almocreve, embora numa outra dimensão, continua a divulgar o nome de Carção. Esta edição apresenta vários artigos de grande qualidade, demonstrando a grande importância de Carção no passado e presente no panorama cultural da região. Além da revista, a associação Almocreve tem promovido e desenvolvido outros eventos de forma a dinamizar um pouco mais a povoação. O ano de 2008 foi a prova disso mesmo, com a organização da II Feira de Artesanato e a publicação e apresentação dos livros “Carção, a Capital do Marranismo” da autoria de
António J. Andrade/M.ª Fernanda Guimarães e “Carção, um pedacinho do Reino Maravilhoso” da autoria de Sofia Jerónimo. Aos autores destas duas obras deixamos o nosso agradecimento pelo excelente contributo para o enriquecimento histórico e cultural de Carção. Ainda este ano, a nossa Associação adquiriu um domínio para o novo SITE da Almocreve (www.almocreve.pt) para desta forma divulgar a nossa povoação e manter actualizados todos aqueles que, por razões diversas, se encontram longe da terra que os viu nascer. Outro dos projectos que ambicionávamos e que finalmente concretizamos, foi a aquisição de uma casa, sita na Praça David dos Santos, com o objectivo de a recuperar e transformar num espaço onde funcionará o Museu e a sede da nossa associação. Para o ano de 2009, a Almocreve pretende dar continuidade à organização da Feira de Artesanato (será a III) e apoiará a apresentação do livro “Carção, Sonho e Alma” da autoria de António P. Jerónimo. Para que a publicação da sétima edição da revista Almocreve e a realização de outros eventos por nós organizados fossem possíveis, foram necessárias diversas contribuições de muitas pessoas amigas, a quem deixamos um profundo agradecimento. Assim, e em primeiro lugar, agradecemos a todos aqueles que nos enviaram os seus artigos, deixando-nos mais um contributo para a recolha e preservação da nossa história, nomeadamente a ADCMC, Adriano C. Filho, António J. Andrade, António P. Jerónimo, António R. Mourinho, David L. Levisky, M.ª Fernanda Guimarães, Fernando Pereira, Francisco C. Andrade, Inácio Steinhardt, José Cavaleiro, Luís Cardoso, Luís Vale, Manuel Cardoso, Manuel C. Andrade, Pedro Jerónimo, Sara Afonso, Serafim João, Sofia Jerónimo e Teresa Minga. Estendemos ainda o nosso agradecimento a todos os patrocinadores, nomeadamente proprietários de estabelecimentos comerciais, cujas generosas contribuições foram essenciais para superar os custos desta edição. Gostaríamos de manifestar também o nosso reconhecimento à Junta de Freguesia de Carção pela assistência na elaboração de mais esta edição. Do mesmo modo, exprimimos a nossa gratidão à Câmara Municipal de Vimioso que mais uma vez contribuiu valorosamente na publi-
cação de mais um número da revista, assim como noutros projectos que temos vindo a realizar. Agradecemos também ao Sr. António Santos. Além de amigo, conselheiro e entusiasta da cultura do nosso povo, é a ele que recorremos em momentos de maior dificuldade. O seu apoio, não só financeiro mas sobretudo moral, transmite-nos confiança e é veículo de grande incentivo e inspiração. Do mesmo modo, deixamos o nosso reconhecimento ao Sr. Érico Vaz. Não podemos ignorar todo o incentivo que nos tem disponibilizado para podermos realizar todos os nossos sonhos. O maior agradecimento vai para si, amigo leitor. Ao adquirir este exemplar, temos consciência mais uma vez que o principal objectivo foi conseguido em pleno, comunicando e deixando-lhe mais uma mensagem de grande orgulho e estima pela cultura da nossa povoação. Agora só falta o amigo leitor comunicar connosco, participando assim activamente na edição de 2010. Por último, deixamos um pedido de desculpas a todas as pessoas que nos enviaram artigos que não foram publicados. Não foi a qualidade textual que esteve em causa, mas a falta de espaço nesta edição. Inserir mais artigos tornar-seia financeiramente insuportável para a Associação. No entanto, fica já a promessa que os mesmos serão publicados na próxima edição. Um abraço amigo, Paulo Lopes (Presidente da Associação Almocreve)
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Mensagem do Presidente da Câmara Municipal de Vimioso A pedido da Associação Almocreve, a quem agradeço o simpático convite, dirijo-me a todos os munícipes, em geral, e aos carçonenses, em particular, sem esquecer todos aqueles que, não podendo estar connosco, trazem a sua terra e o seu concelho no coração e os defendem orgulhosamente. Saúdo, de forma especial, os responsáveis pela Associação Almocreve que, para lá de todo um conjunto de iniciativas, têm mantido a edição desta Revista que se assume, cada vez mais, como uma referência cultural, pela qual esperamos, ano após ano, e com a qual já nos identificamos. Permitam-me uma palavra acerca do trabalho autárquico. Apesar da crise em que vivemos e que nos afecta, principalmente porque somos um município pequeno, tudo temos feito para minorar e até superar os efeitos da mesma. Não obstante todos os atrasos na abertura de candidaturas ao novo Quadro Comunitário (QREN), temos estado muito atentos, o que nos tem permitido apresentar várias candidaturas, todas elas aprovadas, e que nos possibilitam dar continuidade aos investimentos que geram dinâmica e qualidade de vida ao concelho. O Parque Ambiental, a Zona Industrial, as termas, aliados a outros investimentos já realizados, permitirão, com toda a certeza, criar postos de trabalho. Mas o trabalho autárquico não pode ser feito sem o contributo e colaboração das freguesias. A freguesia de Carção, em geral, e o seu Presidente da Junta, em particular, não se têm poupado a esforços, no sentido de fazer de Carção uma freguesia de referência. Hoje, todos se orgulham da recuperação da Casa do Povo, as rotundas foram embelezadas de forma original, o Lar de Idosos foi ampliado, as associações têm sido apoiadas, as pessoas continuam a ser atendidas com toda a atenção e respeito num clima muito saudável de colaboração e entreajuda. A Associação Almocreve e os seus colaboradores, juntamente com outras associações de Carção, têm sabido defender e promover a sua terra, enobrecendo a valentia e a coragem dos seus antepassados que elevaram e levaram o nome desta terra a todos os locais onde esteja um carçonense. É com estas iniciativas que nós nos fortalecemos e que nos animamos a continuar, procurando sempre fazer mais e melhor. Uma palavra a todos quanto passam férias ou visitam o concelho e também Carção. Deixo os votos de muita confraternização, de boas férias num ambiente de serenidade e amizade, engrandecendo as festividades em honra de Nossa Senhora das Graças.
Um abraço amigo,
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Mensagem do Presidente da Junta de Freguesia de Carção Mais uma vez agradeço a oportunidade que a Revista Almocreve me dá para me dirigir a todos os Carçonenses neste ano de 2009, ultimo ano do meu mandato de quatro anos à frente dos destinos da Freguesia de Carção. Ciente do meu dever cumprido não queria deixar de vos transmitir um agradecimento muito especial a todos que contribuíram para que Carção seja uma terra acolhedora e digna do seu nome e do seu espírito bairrista e aventureiro. Deixarei aqui também um agradecimento ao muito que foi feito ao longo destes quatro anos, que de uma forma abnegada sempre se procurou fazer tudo que estava ao nosso alcance sem olhar a esforços ou a interesses. Muito mais se poderia ter feito, mas como deveis compreender os últimos anos não foram fáceis, com a crise que também nos visitou. No entanto até ao final do mandato ou seja ate finais de Outubro ainda iremos colocar em marcha mais dois ou três projectos que entendemos que são fundamentais para a revitalização dos centros históricos de Carção. Neste sétimo número da Revista Almocreve recheada de artigos de uma riqueza impar, queria também elogiar a Associação Almocreve e a Casa do Povo, pelo empenho em tudo o que tem feito. Uma palavra especial aos autores dos livros “ Carção, Sonho e Alma” e “ Vida e Obra do P.e Amândio Lopes” aos quais a Junta de Freguesia, se quis associar e patrocinar, porque entende que a cultura e a preservação da memória da gente ilustre de Carção deve ser perpetuada, como foi o caso do saudoso Pe. Amândio. O trabalho que se tem vindo a desenvolver na preservação do nosso património e ao mesmo tempo no embelezamento das entradas na freguesia, tem sido um dos emblemas da Junta de Freguesia de Carção na gestão e governo da mesma, sempre servindo como forma de criar condições de visita a esta freguesia por parte dos seus conterrâneos e não só. Esta mensagem a todos os leitores e a todos os Carçonenses, nada mais significa do que transmitir-vos singelamente o apreço que sinto por todos. No entanto sempre realçaria aqueles que com o seu esforço e dedicação, tem levado Carção mais longe, contribuindo assim com forma de divulgação das nossas potencialidades turística, pelos diversos meios e formas. A terminar deixaria uma mensagem especial a todos os nossos emigrantes que se encontram entre nós durante as suas férias, desejando-lhe uma boa estadia na sua terra natal e umas boas Festividades em honra da Nossa Sr.ª das Graças. SEMPRE AO VOSSO DISPOR. UM ABRAÇO DE AMIZADE. O Presidente da Junta de Freguesia Marcolino Rodrigues Fernandes
Fado
Ser carçonense
Aqui ao leme Sou mais eu, Sou um povo que quer o que é teu!’ Um povo de saudade Um povo de destino Um povo de tradições e raízes Um povo de choro. Fado. Gentes de sonhos e conquistas Gentes de fé e amor Gentes de guerra e paz. Bandeira de sangue derramado na esperança de uma nova vida. Homens de bravura e coragem, Mulheres de punho e de história. Vidas antigas, Antepassados inesquecíveis. Futuro incerto, Mar e terra perdidos na imensidão deste mundo. Vidas novas, Esperança Esperança! Portugal, Honra e orgulho. Meu Portugal!
É alma! É paixão! É orgulho! Fazer parte de uma terra Que é mundo. É honroso Fazer parte de tanta historia, De tantas lutas Da tanta vida… Ser carçonense Não se explica Sente-se.
Sara Afonso
Sara Afonso
Saudade
Gentes
Só estando longe É que se percebe como tu és importante. Só estando longe É que sentimos a falta: Da tua paisagem Do teu cheiro Da tua história. Só estando longe É que aperta o coração Só de ver um compatriota, Só de ouvir o teu nome: Carção!
Gentes comuns, Gentes trabalhadoras Gentes que sofrem e amam, Nesta terra Por esta terra Com esta terra. Carção! Lutam, Choram, Gritam… E deixam história E fazem história, A história de Carção: Terra de agricultores Terra de doutores Terra de orgulho e fé.
Sara Afonso
Sara Afonso
Carção, no reverso do meu mundo Conhecia todos os caminhos, Todos os carreiros da aldeia. Conhecia os perigos escondidos Provenientes da alcateia Dos lobos famintos, da solidão Dos montes, da imensidão Do horizonte tão vasto... E tão pequeno. Conhecia o tempo feliz Da inocência..., E a clemência Da insólita relutância em partir.... Conhecia o frio nordestino Do vento gélido da noite E as mãos de sangue, do açoite Das madrugadas sem destino. Conhecia todo aquele mundo, Que do mundo estava esquecido. Só não conhecia, no fundo, Este outro mundo... ...Onde hoje ando perdido.
António Prada Jerónimo
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Mês de Agosto Já não sei calar a saudade Que me arrebata o coração no mês de Agosto!... Se a ti não for, vem o desgosto Regar-me as raízes do corpo E mandar-me ir até ti... E, assim sei que não morri, Sei que as saudades do meu coração, São raízes plantadas em ti Meu porto seguro.... minha casa Carção.
António Prada Jerónimo
Carção: Minha musa inspiradora Nos campos mutilados Da minha terra de esperança, Reencontrei os ecos Dos pensamentos partilhados Com as minhas feridas de criança E a paixão dos tempos loucos... Na poeira que o vento levanta Dos caminhos, agora desertos, Reencontrei o Coração perdido E a ternura que se suplanta Nos olhos, ainda despertos, Deste meu corpo entardecido.... Nos campos abandonados, Nos caminhos desertos Da minha terra de esperança, Brotarão meus sonhos abandonados e, pelo vento serão dispersos, Por esta terra de cândida confiança... E, à paisagem, costurada P`la memória da minha infância, Retorna, breve, o meu destino. Traz-me a paz, nunca antes encontrada E a dor sentida pela distância, Encontra em ti o seu declínio... Oh! terra minha abençoada!... Como sinto o teu brilho e o teu odor E como sei que na distância Foste sempre a minha terra amada!... Quando te abandonei, foi por ignorância, Ou por julgar que um outro amor Me encheria, como tu o Coração, Minha musa inspiradora CARÇÂO!
António Prada Jerónimo
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Voltar às Origens
Desta casa vou sair
Ao voltar à festa de Carção Vinte e cinco anos passados Senti saudade no coração Revivi momentos atrasados.
Desta casa vou sair Para a minha vida governar Tantos anjos me acompanhem Como areias tem o mar. Deus à frente, eu atrás Deus me livre das astúcias de Satanás Em honra de Deus e da Virgem Maria, um Pai Nosso e uma Avé Maria.
À noite, na procissão, Adorei ver varandas e janelas Dando luz ao nosso coração Com tantas dezenas de velas. Na procissão do dia percorri As ruas de antigamente Em algumas eu vi Casas bem diferentes. Mas em todas elas reconheci Algo que me é familiar Talvez uma casa, uma varanda Ou mesmo alguém a acenar… Gostei de ver várias alterações Outras bastante remodeladas Enchem os nossos corações Ver as coisas bem tratadas. A casa do Povo bem conservada Nos anos sessenta lá se reunia Um grupo de “estudantada” Pois outro sítio, para nós, não havia. Foi lá que, em Agosto de 1965 Se fez a primeira encenação Representada por esse grupo De estudantes de Carção. Quando em Agosto lá entrei Recordei esses bons momentos Gostaria mais uma vez De juntar lá “todos” os elementos.
Teresa Minga
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Teresa Minga
Pai Nosso pequenino... Pai Nosso pequenino Pelo monte vai rugindo Com as chaves do Paraíso Quem lhas deu, quem lhas daria Santa Maria Madalena Canta o galo e vem a luz E o Menino com a Cruz Pra sempre Ámen Jesus Em honra de Deus e da Virgem Maria, Um Pai Nosso e uma Avé Maria.
Teresa Minga
Oração da Manhã de Natal Bons dias vos dou Senhora, Por ver o tempo cumprido, A maior glória que tendes É ver Jesus nascido Jesus nasceu esta noite Na cidade de Belém Não deixou de tomar O nome de Nazaré (Nazareno) Tomou o nome e a pátria Conforme a humanidade Vosso prémio Rei da Glória Da parte da divindade. Pois vós ó Virgem Maria Que tristeza não sentistes Da jornada que fizestes Quando para Belém partistes. Eram as onze da noite Não encontraste pousada A muitas portas bateste Ninguém vos respondia “Alvisaram” Convosco Uma grande tirania A noite estava tão fria Que tudo se congelava A alma se partia E o coração se arrancava Saíste fora de portas Ali fizestes morada Mandastes fazer lume Com “fusil” a S. José Ele o fez com brevidade Como Vosso esposo é Baixou um anjo do céu Cantando Avé Maria Glória que nasceu Jesus, Amén.
Teresa Minga
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Ode ao futebol Rectângulo verde, meio de sombra meio de sol. Vinte e dois em cuecas jogando futebol. Correndo, saltando, ziguezagueando ao som dum apito. Um homem magrito, também em cuecas. E mais dois carecas com uma bandeira. De cá para lá, de lá para cá. Bola ao centro, bola fora.. Fora o árbitro!. E a multidão, lá do peão. Gritava, berrava, gesticulava. E a bola coitada, rolava no verde. Rolava no pé, de cabeça em cabeça. A bola não perde, um minuto sequer. Zumbindo no ar como um besoiro,. Toda redonda, toda bonita. Vestida de coiro.. O árbitro corre, o árbitro apita. O público grita. Gooooolllllooooo!. Bola nas redes. Laranjadas, pirolitos,. Asneiras, palavrões. Damas frenéticas, gordas esqueléticas. esganiçadas aos gritos..
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Todos à uma, todos ao um. Ao árbitro roubam o apito. Entra a guarda, entra a polícia. Os cavalos a correr, os senhores a esconder. Uma cabeça aqui, um pé acolá. Ancas, coxas, pernas, pé,. Cabeças no chão, cabeças de cavalo,. Cavalos sem cabeça, com os pés no ar. Fez-se em montão multidão.. E uma dama excitada, que era casada. Com um marinheiro distraído,. No meio da bancada que estava à cunha,. Tirou-lhe um olho, com a própria unha!. À unha, à unha!. Ânimos ao alto!. E no fim, perdeu-se o campeonato!”
Rec. José Cavaleiro (Poema de Tóssan)
Tânia Afonso - Campeã Nacional de Kicboxing Tânia Afonso, natural de Carção, iniciou a prática do kicboxing em meados de 2007 na Associação de Desportos de Combate de Macedo de Cavaleiros (ADCMC). Foi pela sua humildade, dedicação e talento que se firmou no kickboxing a nível nacional. Neste momento tem a graduação de cinto verde. Tal como ela, a ADCMC tem vários atletas que também se sagraram campeões regionais e nacionais. Se acederem ao site (www. adcmc.co.cc) podem verificar várias notícias, eventos e vídeos da atleta e poderão acompanhar futuramente o trajecto de Tânia Afonso, que tem muito para dar ao kickboxing nacional e à nossa região. Abaixo enumeramos os títulos e participações de Tânia desde o início da sua carreira desportiva, tendo participado no escalão júnior em menos de 60kg. - 19/01/2008 - Vice-Campeã Regional Norte de Light-Contact em Barcelos - 17 e 18/05/2008 - Vice-Campeã Nacional de Light-Contact em Parede (Cascais) - 17/01/2009 - Campeã Regional Norte de Light-Contact em Famalicão - 07/03/2009 - Vencedora do Ladies Open em Light-kick em Parede (Cascais) - 30 e 31/05/2009 - Campeã Nacional de Light-contact em Lagos A presente época (2008/2009) foi perfeita para ela, uma vez que somou apenas vitórias em todas as competições em que participou.
Os Campeonatos Nacionais onde participou contaram com mais de 650 atletas distribuídos pelas várias categorias de pesos e idades. Neste momento a ADCMC tem planos para leccionar noutras localidades e conta com os atletas mais graduados e obviamente com a Tânia Afonso para poder auxiliar os mais novos. Esta atleta é um dos símbolos da ADCMC a par de Clicia Queiroz (tetra campeã nacional) e Franclim Fernandes (campeão nacional). ADCMC
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homens desde tenra idade até que as pernas lhes permitissem. Durante anos, estes Almocreves percorreram quilómetros intermináveis com suas mulas carregadas, a salvação de muitas famílias. Pouco a pouco, com a chegada das estradas e dos veículos a motor, esta profissão passou a ter cada vez menos peso na sociedade local, acabando por desaparecer nos anos 80, deixando para trás milhares de histórias e aventuras.
ROTA ALMOCREVE Os que me conhecem, há muitos anos, sabem que não consigo estar parado pois, procuro sempre fazer os projectos mais inúteis que se possam imaginar e por arrasto, incluo uns quantos amigos para fazer essas loucuras! Então, deixo-vos mais um desses projectos, realizado no dia 1 de Maio de 2009, baseado numa de muitas rotas já históricas, percorridas pelos Almocreves da nossa povoação. Um pouco de história… Se recuarmos no tempo, numa época em que apenas existiam caminhos de terra e uma paisagem intacta, nesta região a comida e bens de primeira necessidades chegavam às aldeias perdidas através do trabalho do Almocreve. Muitos destes locais, totalmente isolados no interior do país, só conseguiam receber o que necessitavam graças à determinação e esforço destes senhores. O seu trabalho consistia em ir de aldeia em aldeia com um burro ou mula carregado de: azeite, ovos, bacalhau, polvo seco, sardinha (quando a havia), etc., comprando e vendendo os poucos excedentes e levando-os aos que não tinham. A grande maioria desses senhores, eram habitantes de Carção, no concelho de Vimioso. Nesta aldeia, eram muitas as famílias que sobreviviam do duro trabalho entre as quais, algumas gerações da minha família. Nesta actividade participavam todos os
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O porquê da Rota Almocreve Desde pequeno que oiço histórias sobre os Almocreves, muitas delas contadas e vividas pelo meu pai, herdadas do meu avô e compartilhadas com outros membros da família. Com apenas 12 anos, meu pai já percorria, sozinho, dezenas de quilómetros pelos campos e ladeiras, fazendo sol, chuva ou neve. Pelo caminho, na companhia da sua velha mula, ia vendendo o que conseguia para ajudar no sustento da família. Essas vivências sempre me suscitaram muita curiosidade. Nascido e criado na cidade, estas histórias encantaram o meu imaginário através da sua enorme componente heróica e aventureira. Muitas vezes dizia aos meus pais que um dia também havia de percorrer esses caminhos, nem que fosse só com o objectivo de preservar essa experiência familiar por mais uma geração. Ele sempre se ria de mim… alegando que, quando eu crescesse, esses caminhos já não existiriam, que seriam impossíveis de percorrer a pé ou simplesmente porque nunca conseguiria fazer tal sacrifício! Mesmo sem credibilidade, prometi-lhes que o faria, sem eu mesmo saber se isso seria possível de levar a cabo algum dia. Passados muitos anos, através da Internet, consegui a cartografia militar de Portugal e, de repente, lembrei-me dessa velha promessa de um dia realizar a rota que o meu pai fa-
zia como Almocreve. Por essa altura também voltei a andar com a minha velha bicicleta de montanha (BTT) e propus-me utilizar esse meio para fazer o caminho, sentindo assim na pele o que durante gerações viveram os meus familiares. Comecei aos poucos a procurar mais informação sobre a zona e o percurso. Aproveitava todas as visitas do meu pai a Tenerife para sentá-lo à frente dos mapas e tomar notas do que me dizia. Na sua última visita à ilha, com o Google Earth, conseguimos finalmente traçar a rota definitiva. Antes de me “embiciclar” nesta aventura, decidi ir ao terreno comprovar se realmente ainda existiam tais caminhos. Regressei muito contente porque vi que esta aventura era 100% viável através do caminho original. No entanto, fiquei com a sensação que utilizando a bicicleta de montanha não seria possível experienciar todas as dificuldades sentidas pelas minhas anteriores gerações. Finalmente, depois de estudar bem o terreno e tendo em conta o meu calendário de corridas para 2009, decidi que seria durante o presente ano que realizaria a Rota Almocreve. A data da sua realização foi traçada para 1 de Maio de 2009. Porquê esta data? Porque foi o 92º aniversário do meu avô materno (Tio Mizé), um verdadeiro Almocreve em todo o seu esplendor, e assim prestava da mesma forma uma homenagem a dois familiares: ao meu pai, por ser a sua rota e ao meu avô, por ser o seu aniversário. Para o futuro, ficam portas abertas para uma nova realização mas, dessa vez, feita a pé. Disso falaremos noutra ocasião. No total são 105 quilómetros com pouco mais de 2600 metros de desnível positivo! Por fim chega o dia... Inicialmente, tinha planeado realizar a Rota Almocreve sozinho, mas à última hora, três amigos de Tenerife acharam que a aventura que me propunha fazer era demasiado interessante para ser feita apenas por uma pessoa, decidindo juntar-se a mim nesta viagem.
Depois do primeiro dia em Carção, servindo para conhecer alguns pontos que ainda desconhecia e outras povoações da zona, chegava finalmente o momento esperado por mim desde há muitos anos. Por fim, ia finalmente realizar um sonho idealizado na minha cabeça desde pequeno. Por um dia ia ser Almocreve! Às 8 da manhã, já com o sol a mostrar os encantos da região, demos a nossa primeira pedalada em direcção a Rio de Onor. Estava
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em marcha a aventura... Pouco a pouco, os quilómetros foram caindo em companhia dos encantos paisagísticos da região. A primeira paragem foi em Argozelo para reparar um furo na roda traseira da bicicleta de um amigo. Outra para tomar o pequeno-almoço em Rio Frio, logo antes de iniciar um dos troços mais bonitos e que nos levou desde esta aldeia até Gimonde. A última descida, por uma pista de terra batida com uma magnífica vista sobre o rio Sabor, foi um dos momentos mais inesquecíveis que passámos em toda a rota. Deixámos para trás o restaurante D. Roberto, local onde outrora os Almocreves de Carção pernoitavam antes de seguir viagem, e seguimos em direcção a Varges, onde tínhamos decidido almoçar. Ao chegar, esperava-nos o meu pai. Durante o almoço falámos muito sobre as dificuldades sentidas para chegar até alí e do difícil que seria para os Almocreves fazer esta viagem. Sem dúvida, a todos nos pareceu realmente um feito heróico e só estávamos no km 45. Muito nos faltava ainda por ver e viver nesse dia. Depois de Varges, dirigimo-nos à aldeia de Rio de Onor, equador da Rota Almocreve. Feitas as fotos da praxe, continuámos a nossa pedalada por uma acentuada ladeira até Vila Meã. Para trás, deixámos as aldeias de Guadramil e São Julião. Pouco a pouco o dia ia-se esgotando e em prol de terminar a rota, tivemos que tomar a decisão de abandonar as pistas de terra batida e seguir só por estrada a partir deste ponto. Já com o sol a descer no horizonte, por momentos, imaginámo-nos arrastando uma velha mula como outrora faziam os Almocreves! Que duro deveriam ser esses tempos, ao frio e ao sol, dia após dia, sem saber se o que transportavam chegaria a ser bem vendido! Em Quintanilha, optamos por fazer um desvio no percurso inicial, previsto por Pinelo, e tomar o IP4 até Rio Frio. Esta decisão fez aumentar o percurso em cerca de 12 quilóme-
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tros, mas deu-nos a confiança que necessitávamos para alcançar o objectivo proposto por nós nessa mesma manhã e que não era outro que chegar a Carção exclusivamente com o esforço das nossas pernas. Às 7 da tarde, com quase 11 horas de bicicleta e 117 quilómetros realizados, ao limite de todas as nossas forças, entrámos em Carção. Nas nossas caras era possível deslumbrar a felicidade de ter cumprido um objectivo e de reviver algo memorável feito outrora por gente especial. Além de ter que limpar algumas lágrima perdidas, para mim era também um sonho de criança por fim tornado realidade. Em cada casa de Carção há uma Rota Almocreve Passados alguns dias, tenho a certeza que não chegámos nem a viver metade das dificuldades ou aventuras que outrora, os Almocreves passaram nas suas viagens, mas posso afirmar que valorizo muito mais agora os seus grandiosos feitos. É por isso que antes de terminar, gostava de transmitir-lhes uma última mensagem. A Rota Almocreve é uma das muitas rotas familiares que, durante décadas, foram sendo percorridas por gerações de famílias carçonenses. Devíamos, todos os descendentes de Almocreves, recordar a rota da nossa família e documentá-la o melhor possível, para que estas possam perdurar no tempo e não caiam no esquecimento dos nossos antepassados. Espero que com esta humilde e insignificante aventura e com a colaboração da Associação Almocreve, se abra uma porta para salvar um troço importante da nossa história e que as gerações futuras de descendentes de carçonenses possam também elas percorrer os mesmos caminhos em busca das aventuras que outrora vivenciaram os Almocreves de Carção. Pedro Jerónimo
AS GAVETAS DA MEMÓRIA Os que, por obras valorosas, Se foram da lei da morte libertando. Por mérito próprio, a “Almocreve” tornouse uma referência no panorama cultural de Trás-os-Montes, sendo já um valor incontornável na divulgação dos valores da nossa terra. Depois dos primeiros números, como que de apresentação e declaração de intenções, cresceu rápida e segura e hoje, seguramente, podemos dizer que, com esta equipa, o seu limite só poderá ser o universo. Porque a dimensão dum povo, tanto como na grandeza dos seus feitos, se cimenta também na preservação da sua memória, iniciamos esta nova secção tentando, através dela, perpetuar a memória dos muitos filhos de Carção que, pelo seu valor e mérito, tanto contribuíram, por esse mundo além, para o engrandecimento e da sua terra. Mais que qualquer outra secção da revista, esperamos que este seja um espaço aberto a todos, tentando construir assim uma enorme galeria dos nossos mais ilustres antepassados, que, de alguma maneira, se tenham distinguido nos mais variados ramos da actividade humana. Sem desprestígio para nenhum dos muitos carçonenses ilustres com direito a figurarem nesta galeria de notáveis, vamos abri-la este ano com três grandes vultos, dois na área da medicina, respectivamente os médicos Dr. Manuel Maria Lopes e Dr. Sidónio Augusto Fernandes e um na área da literatura, Adriano Augusto da Costa. Dr. Manuel Maria Lopes Também conhecido, sobretudo pelos mais antigos, como o “ Doutor da Antoninha”, o Dr. Lopes nasceu em Carção no já longínquo dia 13 de Junho de 1894. Oriundo duma família abastada, teve o privilégio, então muito raro, de estudar e tirar um curso superior. Com elevada classificação, tirou o curso secundário no Liceu de Bragança, concluindo depois, em 1918, a licenciatura em Medicina na
Faculdade de Medicina do Porto, cidade onde, de imediato, começou a exercer medicina, na especialidade de otorrinolaringologia. Fogoso e impulsivo, cedo conclui que, entre as quatro paredes dum consultório médico, dificilmente poderia dar largas à sua ambição. Estávamos, então, numa época de muita emigração sobretudo para a América do Sul. O transporte de milhares de pessoas para esses países, era feito, quase exclusivamente, em grandes navios, sobretudo franceses, ingleses e alemães, sem qualquer preocupação de carácter higiénico ou sanitário e onde, não raro, grassavam epidemias devastadoras. Foi na resposta a este desafio que o jovem médico viu uma oportunidade soberana de realizar os seus sonhos e por à prova a sua coragem e capacidades. Sem hesitar, alistou-se na marinha Mercante onde, conforme ouvi dele próprio, exerceu a medicina em condições dramáticas, sendo, ao mesmo tempo, auxiliar, enfermeiro, instrumentista e médico, chegando, inclusivamente, a ter de operar sozinho, sem materiais esterilizado. À falta de bisturis, chegou a usar sua faca de bolso, depois de bem afiada e esterilizada num pouco de álcool a arder. Foi nestas condições, extremamente difíceis, que fez o grande tirocínio, que haveria de fazer dele um dos médicos mais experientes, completos e brilhantes da sua geração. Por razões familiares abandonou a Marinha Mercante e, depois duma breve passagem por Murça, onde casou e chegou a abrir consultório, regressou a Carção por volta dos anos de 1930/12931, donde nunca mais quis sair, resistindo aos apelos e aos muitos convites que lhe fizeram para regressar ao Porto. Na plena posse de todas as suas faculdades, dedicou-se apaixonadamente ao exercício da medicina na sua terra natal em acumulação, durante muitos anos, com as funções de Médico Municipal, durante os quais calcorreou todo
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o concelho, quase sempre a cavalo e não poucas vezes a pé, fiel ao seu juramento e escravo do compromisso que a si próprio se impusera quando resolvera dedicar-se devotadamente ao exercício da sua profissão em prol de todos os que necessitassem dos seus serviços Durante mais de cinquenta anos, em toda a região, só Carção se podia orgulhar do luxo que, para a época, era ter um médico residente, passando-lhe pelas mãos quase todo o concelho de Vimioso e parte do planalto mirandês. Atrás do seu aspecto austero e do índice de grande exigência para com ele próprio e para com quem o procurava, escondia-se um grande profissional, extraordinariamente competente, dedicado e prestável, que atendia com igual carinho e respeito todos os que o procuravam, fosse o homem mais importante, ou a criança mais humilde. Quando vencia as barreiras da sua introversão, transformava-se num conversador emérito, de fino sentido de humor e piada oportuna, sendo um gosto ouvi-lo contar as histórias da sua vastíssima experiência, revelando-se também possuidor duma cultura vastíssima e, ao mesmo tempo, um homem sensível, generoso e bom. Como homenagem e gratidão, vou terminar relembrando hoje um já bem distante dia de meados de Setembro de 1954, em que, pela primeira vez, entrei no seu consultório. Naquele tempo, ninguém podia ir estudar sem apresentar um atestado de boa saúde, comprei no”soto” do Sr. Gabriel uma folha de papel azul (custava nesse tempo trinta centavos) e pedi emprestados, creio que vinte escudos, que, mais ou menos, era o que teria de pagar ao médicos para me passar o atestado. Quando, depois de me passar o referido atestado, lhe perguntei quanto era, olhou para mim com um olhar profundo de muito carinho e, à semelhança do que fazia a todos os miúdos
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que iam estudar, respondendo-me apenas: - Não é nada, meu rapaz, mas lembra-te sempre ficas a dever-me a obrigação de estudar para ser alguém e, então sim, vais pagarme, com juros e tudo. Dá o dinheiro ao teu pai, que a vida não está fácil para ninguém e, a ti, desejo-te muita e muita sorte. Durante os muitos anos que ainda viveu, sempre que me encontrava na oficina de meu pai, de que era cliente assíduo para tratar do seu calçado e, mais que isso, dos arreios da sua gigantesca e famosa burra castanha, à mistura com os seus sábios conselhos, de tanto saber e experiência feitos, com um mal disfarçado sorriso, deliciava-se trazendo-me à lembrança a dívida contraída naquele dia de Setembro de 1954. Reformado em 1969, por limite de idade, agora mais por vocação e amizade, continuou fiel ao juramento de Hipócrates até falecer em 1983, sendo sepultado no jazigo de família, então o único que havia no cemitério da terra que o vira nascer. Passados tantos anos sobre a morte deste grande carçonense, é com imensa saudade e mal disfarçada tristeza que vemos constantemente fechada a porta do seu antigo consultório e com igual mágoa confessamos que nunca Carção teve e jamais terá um médico assim.
F. Costa Andrade
Doutor Sidónio O Doutor Sidónio Augusto Fernandes é natural de Bragança. Nasceu em 28 de Setembro de 1918. Estudou em Bragança até ao 7.º Ano no Liceu Nacional (Escola Secundária Emídio Garcia). Licenciou-se em Medicina na Universidade de Coimbra. Fez o Estágio em Doenças Infecto-Contagiosas no Hospital Correia de Lobos em Lisboa. Em 1953 veio exercer Clínica Geral no Hospital de Rua da Calçada, em Vimioso, na altura com 13 000 habitantes. Contudo, as suas raízes encontram-se em Carção. Foi desta aldeia que saíram seus avós, quando verificaram que aqui não havia condições para dar aos seus filhos uma vida melhor, um futuro mais promissor. Fixaram-se em Bragança, enquanto outros rumaram a Macedo, Porto, Penafiel, ou demandavam terras além Atlântico. Foi o início da diáspora Carçonense, face à falta de condições verificadas então, nesta e noutras aldeias congéneres. Atento, dedicado, amigo, foi médico na Casa do Povo de Carção durante alguns anos, onde desempenhou, com mestria e saber, as suas funções. Sensível aos mais carenciados, e cioso do dever cumprido e da sua missão assistencial, nunca se furtou a responder à chamada fosse, de dia ou de noite, fosse Verão ou Inverno. De facto, era um médico sempre presente, com o qual os doentes podiam contar. A par do profissionalismo que o caracterizava, tinha um coração abnegado e afectuoso, sempre uma palavra de conforto e ânimo para os seus doentes e familiares tentando minimizar a dor de uns e desespero de outros. Se por ventura não houvesse outra alternativa, e fosse necessário conduzir o doente ao Hospital de Bragança, onde havia melhores recursos, ele próprio o fazia na sua viatura sem qualquer hesitação, se achasse que isso seria imprescindível para o doente. Não raras vezes ele próprio foi buscar os medicamentos no seu carro para tentar salvar o paciente. Ora estas atitudes são de uma grandeza e humanismo tais que não no podem passar despercebidas. Lembremo-nos como eram deficientes as condições sócio-económicas de então, e as poucas acessibilidades e meios de transporte da aldeia nesse tempo. Que belo exemplo para alguns médicos da actualidade!...
Foi eleito presidente da Câmara Municipal de Vimioso em 1959, cargo que desempenhou com competência e espírito de equidade para com todos os Munícipes, norteando-se sempre pelo desenvolvimento e progresso do seu Concelho. A sua actividade não se confinou apenas ao exercício das funções médicas, mas abrangeu várias outras vertentes. A ele se deve a implementação do Hospital da Misericórdia de Vimioso, obra de grande alcance social, que deixou para a posteridade, ao serviço de todo o concelho. No âmbito da cultura, e constatando quão importante é o Saber para o desenvolvimento duma região, diligenciou, em colaboração com o Dr. Alberto Machado, então Secretário do Ministro da Educação, para a criação ds Escola Preparatória de S. Vicente – E.B. 2/3, com a secção da Escola Augusto Moreno de Bragança. Assim, muitas crianças puderam continuar a estudar sem se deslocarem do seu ambiente familiar. Que excelente oportunidade!... Todavia era necessário arranjar as estruturas para o funcionamento da Escola. Apesar de a câmara não dispor de verba para custear essa despesa, não baixou os braços. Antes, porém, lançou mãos dos recursos que tinha ao seu dispor: prescindiu de algumas comodidades que lhe eram adstritas como Presidente da Câmara. Dispensou para esse efeito o seu gabinete e o salão Nobre para sala de Professores e sala de aulas. Nas traseiras da Câmara mandou instalar dois pré-fabricados onde funcionavam as salas de Trabalhos Manuais e Educação Visual. Assim ficou solucionado o problema. Foi de facto uma medida inteligente que muito contribuiu para o desenvolvimento cultural do Concelho, e por conseguinte dos Carçonenses. Também as acessibilidades mereceram a atenção do Doutor Sidónio. A ele deve o município também a estrada municipal que liga Vale de Frades e Avelanoso e as Três-Marras, etc. É de toda a justiça porém, e bem merecida, esta pequena homenagem a este excelente médico e competente Presidente de Câmara que dedicou toda a sua vida ao serviço das pessoas deste concelho. E, porque as suas raízes se encontram nesta vetusta aldeia, merece pois ser considerado um ilustre filho de Carção. Sofia Jerónimo
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A SAGA DE UM CARÇONENSE PELO MUNDO AFORA Adriano Augusto da Costa, nasceu em Carção - Vimioso, no dia 28 de Julho do ano de 1902. Era filho de Francisco Manoel da Costa e de Libória de Oliveira, sendo que, os seus familiares tinham a alcunha de “Marnóia”. Os seus avós eram: António Joaquim da Costa e Isabel Maria Joana e quando nasceu, por costume da época, o padrinho é quem colocava o nome no rebento e ele teria por essa razão o nome de Roque, porque esse era o nome do padrinho destinado pelos seus pais, todavia, às vésperas do baptizado houve um desentendimento entre os pais e os padrinhos e ele não foi registado nessa altura, e durante três longos anos, todo mundo o conhecia como o “Menino”, e após essa data, é que seus pais o registaram com o nome: Adriano Augusto da Costa, extraído de 6 imperadores romanos e de 6 Papas que existiram (Adriano Augusto). Tanto o seu avô, como o seu pai, eram comerciantes e possuíam uma frota de carroções, os quais faziam o transporte de mercadorias de Bragança para a cidade do Porto, todavia, com a construção da Estrada de Ferro, não mais puderam fazer esse tipo de transporte, então resolveram construir um prédio em Carção, de 3 andares, prédio esse que resistiu até a bem pouco tempo, sendo derrubado e construíram outro no lugar. Além disso adquiriram terrenos e fizeram plantações de vinhedos, consequentemente, produziam o famoso vinho da região, bem como, no edifício construído foi aberta uma mercearia, tipo super-mercado que vendia produtos alimentícios, peles, azeites e outros tipos de produtos. A construção foi no fim do século XIX e a região era uma verdadeira calmaria, com o povo “carçonense” imbuído sempre pelos festejos religiosos e pelas belas músicas folclóricas, às quais no mundo inteiro não existem paralelos.
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No ano de 1895, um primo do seu avô, esteve na Argentina e no Rio de Janeiro e voltou encantado, alegando que a América era o “Paraíso” e com isso influenciou a vontade de seu pai para num futuro rumar para esse “Paraíso Terrestre”. A Vida continuava calma, já tinha dois irmãos mais velhos, o António e o Diamantino e nasceu a irmã Isabel. Quando tinha por volta de 8 anos, sua mãe veio a falecer, o pai acabou ficando com 4 menores de idade para a criação e num impulso mental, optou para sair de Carção, e resolveu ir procurar o seu destino, a América do Sul, marcando, viagem para a Buenos Aires, na Argentina, no entanto, ao chegar ao Consulado no Porto, encontrou um conterrâneo que o aconselhou a ir para o Brasil e para a cidade de São Paulo, porque lá era falado o português e na Argentina o Espanhol, sendo que o valor da passagem era tão somente 39 mil réis e para a Argentina era 139 mil réis, consumando-se então a sua saída da terra tão querida e isso se deu no ano de 1911. Ao chegar em São Paulo, o local destinado não era agradável e tiveram que rapidamente mudar de lugar, indo residir na Rua Miller, onde a maioria dos residentes eram lusitanos e até existia uma entidade de nome “São João Batista” local que os portugueses aos fins-desemana cantavam o fado e dançavam as músicas folclóricas. Ali começou nos seus poucos anos de idade (11 anos), a aprender uma profissão de marceneiro, mas, não era o seu gosto e com o irmão mais velho começou a ser vendedor de tecidos, e ser um verdadeiro “ALMOCREVE”, viajando pelo interior do Estado de São Paulo, e nessas alturas nas horas de folga, começou a sua vontade de escrever poesias, seu desiderato para a vida toda. Passados alguns anos nesse trabalho, no ano de 1928, veio a casar-se com Maria Anunciação
Anes, que também havia imigrado de Rio Frio, local próximo a Carção e na mesma época seus pais também rumaram para o Brasil. Foram residir em outro bairro ou seja o do Tatuapé, local também onde orda de portugueses adquiriam seus terrenos para construírem suas casas e foi isso que aconteceu. Nesse bairro, os portugueses, também, aos fins-de-semana cantavam o fado ao som das guitarras e das declamações poéticas e o ADRIANO era um emérito declamador e compunha lindas poesias. Passados alguns anos montou uma loja de tecidos na Rua José Bonifácio, no centro da cidade de São Paulo, porque era um dos maiores vendedores que existiram, e nessa época também ingressou na Casado Poeta de São Paulo e na União Brasileira de Trovadores, daí compôs a sua obra-prima “Os Primeiros Bandeirantes”, sendo a história da descoberta do Brasil cantada em décimas nos seus versos. Adriano Augusto da Costa, além de ser um exímio tocador de guitarra e de violão, era um grande compositor e poeta de primeira linha, ele editou os seguintes livros: 1976 “OS PRIMEIROS BANDEIRANTES”. 1982 “A VIDA E OBRA DE ALBERTO SANTOS DUMONT”. 1985 “SÃO PAULO F.C., SUA HISTÓRIA E SUAS GLÓRIAS”. 1986 “POESIAS E SÁTIRAS” Em sua vida social, pertenceu à primeira Directoria do CENTRO TRÁSMONTANO DE SÃO PAULO,” em 1932, ano de sua fundação e que hoje é uma das maiores entidades médicas da América do Sul, e onde os “portugueses carçonenses” desfrutam sempre no primeiro sábado de cada mês da “Tasca do Aldeias de Portugal”, com danças e músicas. Foi um dos mais vibrantes poetas da Casa do Poeta de São Paulo, onde empolgava seus
pares com suas declamações, o que fazia também na União Brasileira de Trovadores. Fundou a escola “AMIGOS DO SABER”, onde ensinou gerações de portugueses por mais de 10 anos, essa escola era gratuita e por amor ao ensino.
Toda vida sonhou com a sua “CARÇÃO”, e a todos que perguntavam de onde ele era, dizia “PORTUGUÊS DE CARÇÃO”, e descrevia essa terra de sonho como se estivesse presente nela. ADRIANO AUGUSTO DA COSTA, foi mais um “carçonense” que deixou a sua terra maravilhosa para ensinar no Brasil o que era ser português e o que era ser “carçonense”. ADRIANO veio a falecer em 31/12/2004, com 102 anos de idade, em São Paulo/Brasil. Por essa razão eu ADRIANO AUGUSTO DA COSTA FILHO, me ufano de ter sido Filho dele, e por ter deixado em meu coração o mesmo amor que ele tinha por CARÇÃO, esse amor que eu amo de todo o coração, porque sou: Brasileiro pelo Sol e Português pelo Sangue e Carçonense de todo coração. Adriano Augusto da Costa Filho Membro da Casa do Poeta de São Paulo – Brasil Membro do Movimento Poético Nacional do Brasil Membro da Ordem Nacional dos Escritores do Brasil
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O Jornal Mundo Lusíada, editado no Estado de São Paulo, foi concebido pelo génio iluminado do jornalista “ODAIR SENE”, e derrama seu manto sobre os corações dos portugueses e luso-descendentes. Odair Sene é brasileiro de sangue e português de coração, como dezenas de milhares de brasileiros apaixonados por Portugal e pela rica cultura lusíada. Casado com Da. Cleodete Borges, quem muito contribuiu e segue contribuindo para esse lindo veiculo, Odair Sene é o responsável pela publicação, é pai de três filhos, sendo que dois deles trabalham no jornal. Como toda empresa familiar, ela também começou muito tímida. No início ele fazia a reportagem, fazia a montagem das páginas, mandava para a gráfica, saia para entregar, recebia os anúncios e saia também para pagar as contas (quando tinha dinheiro), além de buscar novos anúncios e novas oportunidades. Ele, Odair Sene, decidiu fazer o jornal por incentivo de muita gente ligada às entidades de São Paulo e percebeu que faltava uma mídia que se propusesse a fazer uma publicação séria e representativa e com a graça Divina conseguiu essa maravilha que é o jornal e após 11 anos de actividades ter um jornal de primeiro mundo, muito bem impresso e com matérias as mais bem feitas e de interesse geral e da comunidade lusitana de São Paulo, do Brasil e quiçá do exterior. O jornal é feito basicamente focado na necessidade da manutenção das raízes lusas do Brasil, sempre publicando sobre eventos das associações portuguesas e trazer PORTUGAL mais próximo para os leitores do jornal. Tem notícias disponíveis (com imagens) pela Agência Lusa para a publicação e tenta mostrar nas reportagens o que acontece de mais importante nas relações culturais, políticas, sociais e económicas entre Portugal e Brasil. Odair Sene, tem muito orgulho de ter como seus parceiros, os próprios filhos, para ter a certeza de que haverá no futuro, o qual, por certo, com a seriedade que a profissão exige, será um futuro bem próspero. Para tanto, a Vanessa sua filha, que é formada em jornalismo, já começa as ditar as regras editoriais e o Rodrigo o outro filho, que é formado em publicidade e “marketing”, começa a ditar as regras visuais. Com esses dois detalhes, se tem uma dinâmica e um “layout” mais modernos. O resultado, que está sempre em busca é mais assinantes, mais anunciantes e mais mercado. Portanto, ele crê em um futuro bastante promissor. É interessante informar e recordar onde tudo começou, porque muito pouca gente faz essa pergunta, pois que, começou em um pequeno espaço na sua residência. Era tão pequeno que cabia tão somente o Odair e um computador, aliás, um computador tão básico que, para abrir um documento tinha que fechar o outro, duas coisas abertas ao mesmo tempo, nem pensar nisso e hoje o jornal tem uma boa rede com boas máquinas, Internet rápida e com uma condição muito boa para ser feito também um bom trabalho. Após o pequeno espaço de trabalho, começou a melhorar em uma fase boa com uma sala alugada e em parceria com uma tradicional e antiga agência de turismo e em seguida uma sala melhor no prédio do Elos Clube Grande ABC (local onde estão há 5 anos) e agora já estão mirando um lugar melhor – querendo ter a sua sede própria. No dia 11 de Setembro de 2008, foram completados 11 anos em actividade e todos nós nos orgulhamos em dizer que o Jornal Mundo Lusíada é a principal mídia luso-brasileira, que tem credibilidade na grande São Paulo, no grande A.B.C. e agora na baixada Santista. E eu como não podia deixar de ser, além de sentir um imenso orgulho por poder fazer este artigo para a fenomenal Revista ALMOCREVE do nosso querido e eterno PORTUGAL, só tenho a agradecer a esse gigante da mídia luso-brasileira, com certeza criado no Paraíso. Divino, o magistral ODAIR SENE. Adriano Augusto da Costa Filho Membro da Casa do Poeta de São Paulo – Brasil Membro do Movimento Poético Nacional do Brasil Membro da Ordem Nacional dos Escritores do Brasil Brasileiro pelo Sol e Português pelo Sangue, Coração “Carçonense” São Paulo/Brasil.
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Uma “Maria da Fonte” Carçonense Estávamos em pleno Verão. Um Verão tórrido e luminoso, tão característico de terras trasmontanas – três meses de inferno e nove meses de Inverno – diz um velho ditado. Efectivamente é assim. Na aldeia, maioritariamente rural, as pessoas passavam os dias inteiros nas fainas agrícolas. À noite regressavam a casa já com as estrelas a luzir no céu, a maior parte das vezes. A primeira tarefa que os esperava, depois de um dia de extenuante trabalho, era levar os animais sequiosos a beber e, ao mesmo tempo encher os cântaros do precioso e indispensável líquido, para fazerem a ceia. Então no tempo das ceifas e trilhas, era realmente um pandemónio à beira dos fontenários; pessoas e animais, uns para matar a sede, outros para encherem os cântaros, em intermináveis filas, que levavam ao desespero, quer pelo cansaço, quer pela falta de paciência. Por isso, as pessoas mais atrevidas, sempre que podiam desrespeitavam a ordem de chegada, o que originava grandes e feias zaragatas: insultos, cabelos puxados, cântaros partidos nas cabeças, etc. Um triste espectáculo que se pagava para não o ver, causado não só pela falta de civismo, mas também pela falta de infra-estruturas que satisfizessem as necessidades. “Na casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”, diz o povo. A situação agravava-se ainda quando, por vezes as pessoas eram agredidas pelo sacudir do rabo e focinho dos animais, ao enxotarem as moscas, terríveis insectos que invadiam a povoação, um pavor! Apesar da aldeia ser rica em água de boa qualidade, nem sempre os seus responsáveis tiveram o bom senso de orientar e cuidar do seu aproveitamento duma maneira eficaz. Parece que os antigos tinham, apesar de tudo, uma visão mais ampla das necessidades, erigindo fontenários dispersos por vários locais da freguesia, de modo a servir todos os habitantes, sem necessidade de estar em grandes filas à espera de sua vez. Todavia, esses fontenários de chafurdo se, por um lado tinham a virtude de se poder encher o cântaro sem precisar de
guardar a vez, por outro eram anti-higiénicos, porque ao meterem os recipientes na água esta estava sujeita a contaminações de toda a ordem, o que originava graves doenças. Posteriormente, as fontes ficaram inactivas, por motivos de saúde pública e o bebedouro principal que ficava no cimo do Vale foi destruído e, bem no meio da aldeia, no Largo das Fontes, foi edificado um chafariz, com duas torneiras, onde as pessoas enchiam os cântaros e a água que vazava enchia o tanque onde os animais bebiam. No entanto eu apenas me lembro de uma só torneira funcionar.
Era muito pouco para tanta gente. Além dos inconvenientes acima descritos, longas horas à espera de encher o cântaro, ainda tinham que o carregar ao quadril, ou nos braços a distâncias bastante consideráveis – Bairro de Cima, Bairro de São Roque, Bairro da Igreja, Quinta, Penedas, etc. Era um autêntico calvário!... Para minimizar estas distâncias e inconveniências resolveram, as autoridades mandar colocar um fontenário na Praça. Sem dúvida que se reduziram filas, e encurtaram distâncias a percorrer com os cântaros às costas. Acontecia porém que, aberta a torneira do fontenário da Praça, não corria, ou corria minimamente a torneira do fontenário das Fontes. Esta situação levou ao desentendimento dos habitantes da freguesia, originando um grande conflito e a divisão dos seus habitantes em duas facções. Uma defendia o encerra-
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mento do fontenário da Praça, voltando tudo à situação anterior, outra defendia que se devia arranjar outra alternativa que não fechar o fontenário, pelos inconvenientes já demais conhecidos. Sem que fosse possível chegar a um consenso, a facção que se sentia lesada recorreu à força pedindo a intervenção das autoridades respectivas – a Guarda Nacional Republicana para fechar o fontenário da Praça. A outra facção não aceita a afronta, revoltando-se e, ao pressentirem que a Guarda estava a chegar tocam os sinos a rebate! Junta-se o povo, uns a favor da decisão, outros contra. Entretanto chega a Guarda com os operários e a ferramenta para levar a tarefa a cabo. Uns gritam, outros discutem, uma grande confusão! Então a Guarda no meio daquela barafunda dá ordens aos funcionários para que o fontenário seja encerrado. De repente, surge uma mulher alta, forte, era a tia Maneira, irrompe pelo meio daquela multidão e, agarrando-se ao fontenário exclama! - Não! Não! O fontenário não será fechado! Os agentes, perplexos, olham a senhora e dão ordens para que se retire.
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Insistem mas ela não obedece. Ao ver que lhe iam deitar a mão para a desviar, grita ela: - Olhem para o meu estado! Olhem para o meu estado! Nem ousem tocar-me! Os guardas embaraçados, estupefactos perante esta situação, sem saber o que fazer, resolveram retirar-se. - Bendita gravidez! – Exclamaram os defensores do fontenário da Praça. - Gravidez?! Que gravidez? – Replicou ela. E, de repente, mete a mão à cinta e tira da barriga uma grande almofada. Os circunstantes, ao presenciar a cena, desataram numa risada hilariante que pôs fim a este tumulto. O fontenário continuou aberto. A imaginação, a audácia e coragem podem por vezes vencer batalhas; assim aconteceu em alguns momentos da nossa História, onde a astúcia e valentia da mulher ficaram bem patentes, tal como ficou bem gravada a mente de que presenciou esta cena, a atitude corajosa da tia Maria Maneira, uma autentica Maria da Fonte, que lutou pelos seus ideais, uma vez que o progresso ainda não tinha chegado a Carção.
CARÇÃO, ANOS SESSENTA — Epopeia duma noite sem luar(*) Em Carção, sobretudo para os mais pobres, começou muito cedo o Inverno de 1960. O rebusco da castanha não deu para cozer mais de meia dúzia de vezes, as primeiras geadas, anormalmente fortes, cedo recozeram as nabiças e os repolhos e de azeitona não havia quase nada. A juntar a tudo isto, era cada vez mais complicado ir à ladeira do Sabor fazer uma carga de estevas, não havia nabos na Alamela, nem grelos na Veiga e as batatas e as cebolas acabaram havia muito nas hortas da Ribeirinha. Depois de terminadas as sementeiras em finais do Outono, ninguém dera a ganhar uma jeira que fosse. As barragens do Douro havia muito que não davam trabalho, as minas de Argoselo e de Coelhoso não aceitavam ninguém e não andavam estradas nas redondezas. Estavam no fim as poucas batatas colhidas “a meias” nas hortas do Monte ou da Ribeirinha e, depois de pagar a mercearia, a padeira, o sapateiro, o alfaiate, o barbeiro e não sei que mais, o que sobrara dos míseros alqueires de cereal colhidos nas chaquedas da Fireira, em Santa Marinha, em Vale de Palácios, nas bordas de Vale de Madeiros e do Castelinho, já nem chegavam para ir duas vezes ao moinho do Coleijo. A fome, negra, dura e crua fome, espreitava já ameaçadoramente. Os filhos mais novos iam confortando a barriga com a sopa quente, regularmente distribuída na Cantina Escolar, fundada e mantida pela generosidade ímpar dos Beneméritos Irmãos Santos enquanto os mais velhitos vagueavam pela aldeia, sem alegria e sem esperança, matando o tempo a jogar à bilharda, ao pingue ou ao pião, atirando aos pardais, que nunca conseguiam apanhar ou entretendo-se a brincar aos contrabandistas e aos guardas, ou aos polícias e aos ladrões, disfarçando assim a meninice a que nunca tiveram direito. Era neste cenário de quase desespero perante a impotência para fazer, fosse o que fosse, para alterar esta vida de miséria, que se afogavam os pensamentos da maior parte dos homens de Carção, sem saída possível nem solução à vista, horas sem fim às abrigadas ou sentados nas escadas da Capela de Santa Marinha, olhando de soslaio para a taberna do Chelo, enquanto iam metendo as mãos nos bolsos, esperando que, por milagre, ainda aparecesse alguma moeda esquecida, que desse para um quarteirão de vinho ou uma pinga de aguardente.
Foi numa destas tardes de Domingo, que um indivíduo desconhecido, baixo e anafado, de velhas calças de pana amarela e samarra de gola de pele de raposa bem apertada ao pescoço, vindo dos lados de Santulhão, se aproximou do grupo e, como quem desempenha um papel, de tantas vezes repetido já mais que decorado, perguntou como iam as coisas por ali. Perante o coro de queixas com que foi brindado por todos eles, não lhe foi difícil apanhá-los por onde era mais fácil. Com resposta decidida e pronta, encostou-os
à parede, contrapondo-lhes que “só estavam mal porque queriam, que era só querer ir ganhar muito e bom dinheiro para a Espanha, para a França e até para a Alemanha”. - Isso é muito fácil de dizer, meu amigo, retorquiu-lhe um deles. O pior é o resto. - Meus amigos, quem realmente quiser ir para fora, apareça no cabanal da Capela de S. Roque, hoje, às oito da noite. Tragam só uma fotografia, quinhentos escudos quem quiser ir para a Espanha, ou um conto quem quiser ir para a França. O resto é comigo. Se quiserem mesmo ir para onde se ganha dinheiro a sério, não se atrasem e resolvam-se depressa, que o próximo carro está quase com a lotação esgotada. Nessa noite já ninguém comeu o caldo sossegado. Foi juntar os últimos tostões, pedir o resto emprestado e, antes que fosse tarde, ir fazer o trato com aquele homem caído do Céu, que lhes prometia abrir as portas da fortuna. No S. Roque foi tudo rápido e muito fácil. Tudo se resumiu a entregar o dinheiro e metade duma fotografia, recebendo em troca a informação que o carro para a França sairia de Carção de 23 para 24, às duas da manhã. Em menos de meia hora estava tudo acertado e o homem baixo de samarra de gola de pele de
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raposa e calças de pana amarela, com um “boa noite apressado” desapareceu a cavalo para os lados de Izeda. Só quando se meteram na cama, é que aqueles homens começaram a pensar se tudo aquilo seria mesmo assim, ou não seria antes uma grande vigarice. Porque nem às mulheres disseram bem o que tinham ido fazer ao S. Roque àquela hora, o sono nunca mais chegou, o que tornou aquela noite ainda mais longa e negra que as muitas noites de pesadelo e insónia até então vividas. Agora apenas restava confiar e esperar que chegasse depressa o dia de abalar. Na noite combinada, não havia Lua para iluminar aquela interminável noite dum Inverno que, como todos, nunca mais tinha fim. Do Vale até à Quinta, a noite parecia menos noite porque a geada intensa que caíra desde o fim da tarde aclarava o lodo petrificado do chão com miríades de minúsculos cristais de gelo, esmagados de horas em quando pelo caminhar ritmado dum ou outro noctívago mais atrasado, de regresso a casa, depois duma velada em casa de algum familiar ou amigo, para onde fora “ passar um bocado ao lume” ou, quem sabe, para provar as chouriças, curadas pelo frio das geadas. Nas estreitas ruelas dos bairros de Cima, de Falcão, dos Gatos, das Penedas ou do Canto da Valenta, a luz coada e difusa das estrelas criava por toda a parte uma áurea de mistério avassalador, apenas perturbado pelo latir plangente de algum cão sem dono enroscado debaixo duma soleira mais acolhedora, pelo miar sofrido de algum gato abandonado na rua à sua sorte, ou de algum animal encerrado na loja, ao qual tinham enganado a fome com bem menos ração que a esperada depois dum dia de trabalho. Para acabarem os socos, as meias solas, as tombas, os remendos, ditar as brochas, etc. tiveram que “velar” mais que o costume os “Belmiros” “os “Mingas”, os “Pesquins” e os outros sapateiros da terra. Havia contudo alguma coisa no ar que fazia daquela noite uma noite diferente das muitas noites, todas iguais, de todos os Invernos, também eles todos muito iguais. Um enorme camião, tipo carro de transporte de animais para as feiras de gado, com a caixa coberta com uma lona mais remendada que calças de pobre, meses sem conta usadas de dia e ponteadas à noite, com joelheiras sobre joelheiras e quadras a perder de conta, chegou ao entardecer ao povo e, depois de se mostrar passando pelas
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Fontes e pela Praça, foi estacionar discretamente para os lados do Carvalhal. Com o dobrar da meia noite, mulheres sofridas, feitas silhuetas fantasmagóricas vestidas de negro, pressentindo que estavam muito próximas de, por longos períodos, se transformarem em “viúvas de homens vivos” e “mães de órfãos com pai”, começaram a deambular rápida e discretamente, levando aos familiares e amigos a novidade da chegada do aguardado camião. Odiavam aquele carro que, mesmo levandolhes o marido e os filhos para terras de que nunca ouviram falar e nem faziam a mínima ideia onde poderiam ser, lhe deixava a vaga esperança de que, mais tarde, talvez lhes trouxesse as novidades que lhes fizessem renascer a alegria e dar sentido ao calvário das suas vidas. Realmente, só a sua coragem heróica lhes dava força para continuar a viver. Tudo era muito duro e triste mas, com a sua resignação evangélica, resumiam tudo a um “como tem mesmo que ser…” paralisante que até a capacidade de revolta lhes castrava. O ritual era simples e sempre o mesmo. Com três pancadas secas todas as portas se abriam e a mensagem era rápida: “Os homens que se mexam. O carro já está no Carvalhal e sai às duas”. Passadas as mensagens que lhe foram encomendadas, era o regressar rápido para casa dar os últimos jeitos à “fardela” da merenda e aos poucos pertences que cada um iria levar. Poucos, mesmo muito poucos, porque já tinham sido avisados que não poderiam levar grande coisa, porque o carro ia levar muita gente e, se “acontecesse qualquer coisa”, sempre seria melhor não andar muito carregados, até porque em França “ havia de tudo barato, do bom e do melhor”. Este “acontecer qualquer coisa”…não agradou a alguns mais desconfiados, mas a reacção era a mesma de sempre, “ se tem que ser, terá mesmo que ser”. À medida que se avançava para a hora marcada, as badaladas do relógio da Igreja, oferecido pelos Preparados e recentemente colocado na parede da frente sob orientação do tio Manuel Jandiz, caíam como pedras sobre o ânimo daqueles homens rudes, transidos de medo e dum frio anestesiante que, descendo pela espinha, lhes paralisava a alma sem ânimo, desfeita pela angústia, e destroçava, sem piedade, os corações amargurados. À medida que a hora da partida se aproximava, muitos pensaram ainda em desistir.
Mas, caramba, como desistir agora? A vida por lá estava a correr bem aos que tinham ido depois da Páscoa e até foi a mulher do compadre “francês” que lhe emprestara o dinheiro que faltava para pagar ao passador, já descolara da caderneta Militar a fotografia que, dividida em duas, garantiria à família a chegada ao destino quando, com uma das metades na mão, o passador viesse cobrar o resto da viagem. Aos muitos credores, jurara que os primeiros francos recebidos seriam para começar a pagar as dívidas. À mulher e aos filhos dera a esperança de que, dentro de pouco tempo, mandaria muitos francos para comprar tudo o que fizesse falta e nunca mais haveria um Natal pobre e triste como o que iam ter este ano. Nos Natais, nunca mais faltaria pescada, bacalhau inglês e uma polveira bem grande, azeite à farta para regar bem as batatas e as couves, travessas de afilhós, sapatos novos, meias de lã, calças, camisas e tudo, tudo como e mais que os outros. Como desistir se até já tinha dito a toda a gente que não aguentava mais aquela miséria em que vivia, a passar tantos dias sem trabalho, sem haver quem lhe fiasse uma fogaça de centeio para enganar a fome dos filhos? Como desistir, se até já tinha dito alto e bom som na taberna do Tai que, dali para a frente, “nunca mais trabalharia para corno nenhum por uma estela de bacalhau, meio litro e dez miseráveis melréis”. Não, desistir é que não, porque um homem nunca desiste. Quando diz que vai é porque vai mesmo e agora, para a frente é que era o caminho. O sino devia estar quase a bater as fatídicas duas da madrugada daquele 24 de Dezembro de 1960. Na rua petrificada pela geada começaram a ouvir-se passos apressados dos primeiros a dirigirem-se para o carro que, coberto de gelo, os esperava no Carvalhal. Vergado pela angústia, apanhou do escano a saca cinzenta muito ponteada, em forma de mochila, onde a mulher lhe acondicionara as coisas. Meia fogaça fiada pela Maria Cavala, um chouriço ainda mal curado pedido à vizinha e o resto do bacalhau da última estela que a mulher escondera dos filhos e guardara para a merenda, a navalha, uma camisa, umas ceroulas, um par de meias de lã e um lenço das mãos.
Naquele momento de angústia e de dor, era toda a sua riqueza, era tudo o que ia levar para aquela viagem, da qual apenas sabia onde começava, não fazendo a mínima ideia onde e quando iria terminar. Depois de apertar as orelhas do gorro de lã, agarrou-se à mulher com uma força inaudita e os filhos, como que impelidos por uma atracão irresistível, atiraram-se a ele num choro lancinante, agarrando-o pelas pernas, como que tentando prende-lo ao chão térreo e húmido do casebre em que viviam.
Quase petrificado, perdeu toda a reacção e, a muito custo, começou a mexer as pernas em direcção à porta, carregando em cada uma o peso do mundo inteiro. Com a voz embargada pela dor apenas conseguiu balbuciar o nome dos filhos enquanto cruzava os olhos marejados de lágrimas com o olhar apagado e triste da mulher que tanto amava. Ao dobrar a soleira da porta, num último olhar para o interior da sua casa, não conseguiu travar duas lágrimas como punhos, sentindo que para trás ia deixar o melhor dos mundos, aqueles que, até ali, era realmente todo o “seu mundo”. Enquanto os filhos, num chorar lancinante, lhe diziam adeus, a mulher, com um gesto arrastado, estendeu para ele o braço direito e, abrindo a mão, disse-lhe: - Toma e traz sempre contigo a medalha de Nossa Senhora das Graças. Já que nós não pode-
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mos ir contigo, que vá Ela, te proteja e sempre te acompanhe. Estava mesmo na hora de abalar. Gelado por dentro, quase não sentiu o frio agreste que, na rua, lhe fustigava o rosto. Quando chegou ao Carvalhal, já o motorista tentava a muito custo por a funcionar o velho e muito cansado motor diesel do velho Bedford que o iria levar para o destino. Num silêncio quase sepulcral, uns após outros, foram-se sentando nas tábuas de soalho que faziam de bancos, cravadas nos taipais, a toda a volta da carroçaria. De certo que não eram nada cómodos mas, como não havia dinheiro para mais e nem sequer tinham documentos, não havia outro remédio senão aguentar e calar. Quando o velho motor diesel finalmente pegou, o camião estremeceu por todos os lados, ameaçando desconjuntar-se em qualquer curva. Fechado o taipal de trás, com o descer da lona da capota, uma escuridão ainda mais aterradora envolveu o mísero espaço em que os encaixaram e, enquanto alguns sibilavam baixinho as suas orações, ouviram-se de fora, em voz aterradora, as primeiras e únicas indicações: - A partir de agora, meus senhores, é calar ou dormir. Deixando para trás uma nuvem do gasoil mal queimado, tão preta como a tristeza que lhe retalhava o coração, o velho chaço, depois de se livrar a muito custo da arada em que estacionara, entrou na estrada para Argoselo, onde chegou rapidamente. Com medo da GNR, parou às alminhas, antes da entrada do povo, onde o aguardavam mais duas dezenas de candidatos a emigrantes. Aqui, os que, por necessidade ou por medo, tentaram descer para urinar, foram impedidos pelo ajudante, berrando para dentro que mijassem no chão, porque as vitelas e os porcos também o faziam e nunca tinham morrido antes de chegar à feira. Estarrecidos pelo medo e pelo frio, ninguém respondeu e, num instante, depois de todos subirem, o carro arrancou de novo, agora em direcção a Espanha, tentando alcançar a fronteira antes do clarear da manhã. No serpentear terrível da estrada de Outeiro, muitos enjoaram e, aquele espaço fétido onde alguns viajavam de pé segurando-se à armação da capota, tornou-se mais insuportável ainda.
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Em surdina, não fossem os passadores ouvir na cabine, começaram a ouvir-se as primeiras queixas e soltaram-se as primeiras pragas. Passadas mais de duas horas neste suplício aterrador, a charanga em que viajavam, depois de meia dúzia de saltos, saiu da estrada, parou, desligou o motor e apagou as poucas luzes que ainda funcionavam. O ajudante, num ápice desceu o taipal de trás, e berrou para dentro: -Meus senhores, estamos muito perto da fronteira. Saiam depressa e, calados como ratos, venham atrás de mim. Nada de barulhos, falar, ou acender um cigarro que seja, porque o mais pequeno descuido pode deitar tudo a perder. Se vocês não se importam, pelo que me toca, eu não quero voltar para trás nem levar um tiro nos cornos. Quando houver notícias, cá estarei eu para as dar. Vamos embora que se faz tarde. Em fila indiana, serpentearam mais de uma hora por entre castanheiros e carvalhos, não se apercebendo sequer de terem entrado em Espanha, bem perto de Alcaniças. Subitamente, entraram num carreiro apertado, escondidos dum lado e doutro por silvas mais altas que um homem, chegando, poucos minutos depois, a um pequeno lameiro seco pela geada e ladeado a toda a volta por grandes fincões de pedra, muito perto já da estrada de Zamora. Com a mesma voz rude de sempre, o passador avisou que ninguém se atrevesse a sair do lameiro e, muito menos, a ir para a estrada porque, dentro de meia hora, viria um camião espanhol para os levar até à França. Sem qualquer palavra, nem um simples desejo de boa viagem, como um fantasma, desapareceu na noite, voltando para trás pelo caminho donde vieram. Só que aquela maldita meia hora nunca mais passava. Carros atrás de carros passavam, cada vez com mais frequência, na estrada de Zamora. Com o clarear da manhã, apercebendo-se bem do autêntico curral em que os meteram, perdidos numa terra que não conheciam e abandonados à sua sorte, enquanto uns começaram a chorar convulsivamente, outros praguejavam dizendo mal da sua sorte, de nada adiantando os conselhos dos que, mais calmos, aconselhavam um pouco mais de paciência. Subitamente, quando o relógio da velha torre de Alcaniças batia as sete da manhã, em vez do camião espanhol que os devia levar para França, viram-se cercados por caros da policia espanho-
la, os terríveis carabineiros, que, entrando para o lameiro de carabina apontada, os obrigaram a deitar, de mãos atrás das costas. Mandaram-nos depois levantar e, em fila indiana, conduziram-nos a pé, até ao pequeno largo em frente às instalações da alfandega, à saída de Alcaniças para as Três Marras. Quando o anafado e bem nutrido sargento Ordoñes, impante de vaidade e de mal disfarçado ar de superioridade, se dirigiu para junto deles, todos pensaram então que a sua França iam ser as terríveis cadeias de Zamora ou Salamanca, longe de tudo e de todos, sem ninguém que os pudesse ajudar e defender. Deitada fora, depois da última passa, a beata que estava a fumar e depois de coçar o mal tratado bigode onde, mal disfarçado, se escondia o pingo deixado pelo último espirro provocado pelo frio da manhã, saudou os prisioneiros com um sarcástico bom dia para, logo de seguida, os brindar com este brilhante discurso: - Com que então, meus senhores, ir a salto para a França? Pelos vistos, acabou-se a palha em Portugal, não foi? O que vocês mereciam era ir já todos apodrecer no cárcere e só sair de lá quando as galinhas tivessem dentes, mas isso, só pela comida, ficava muito caro para a Fazenda de Espanha e era sorte de mais para vadios como vocês. Depois de render os meus homens, sereis acompanhados até às Três Marras, onde o meu amigo Rodrigues tratará de vos fazer a folha. Podem sentar-se um pouco no chão, que ainda é cedo para ir incomodar o meu amigo. Cercados de carabineiros, como se de um bando de malfeitores se tratasse, ficaram naquele tormento humilhante mais de uma hora. Na gélida manhã daquele dia de Consoada, enquanto esperavam pelo tal Rodrigues, muito, amigo do sargento espanhol, sentiram-se as pessoas mais miseráveis, insignificantes e humilhadas de todo o mundo. Perdida toda a noção do tempo e do espaço em que se encontravam, a única preocupação era chegar a casa de noite para assim esconderem a
vergonha imensa que lhes torturava o coração e a alma, nem se lembrando tão pouco que aquele era já o dia de Consoada. Mas nem nisso a sorte os acompanhou. Passadas mais de duas horas, chegaram finalmente às Três Marras, onde os aguardavam já todos os guardas fiscais do posto de fronteira português. Dirigindo-se-lhes com aquele ar militarão, que os Cabos RD tão bem sabiam interpretar, o Cabo Rodrigues informou-os que, por ser dia de Consoada e por decisão superior, depois de identificados, iriam passar o Natal a casa, transportados num carro do Comando de Bragança, que devia estar mesmo a chegar, lembrando que, sortes como aquela não aconteciam sempre. Sorte!... Nunca a palavra “sorte” teria sido tão madrasta para ninguém. Mortos de fome e de cansaço, nunca se sentiram tão mal. Afundados no vazio da sua frustração e do seu fracasso, se não fossem as mulher e os filhos que deixaram em casa, a haver sorte, para evitar tanta vergonha, a única sorte que então mais queriam, era desaparecer. Chegados ao povo, fecharam-se em casa, ouvindo apenas os filhos a chamarem-lhe Pai. - Em Carção, em Dezembro de1960, para muitos não houve missa do Galo nem noite de Natal! - Em Carção, em Dezembro de 1960, para muitos, o sonho virara pesadelo! -Em Carção, em Dezembro de 1960, para muitos, a vida ficou ainda mais negra que toda a negrura junta de todas as noites negras dos muitos Natais passados sem que naquelas almas amarguradas, reinasse o mais débil fio de esperança em melhores dias. - Em Carção, em Dezembro de 1960, para muitos não se ouviram nos Céus os cânticos dos anjos anunciando o nascimento do Deus Menino. - Em Carção, em Dezembro de 1960, para muitos, nem o sorriso do Menino Jesus trouxe a alegria e a esperança num futuro melhor. - Em Carção, em Dezembro de 1960, no dia 25, nem todos puderam cantar o “Cristãos alegria, que nasceu Jesus”, porque, nem para todos, foi dia de Natal. F. Costa Andrade (*) Extraído dum livro inédito ficcionado sobre a emigração nos anos 60.
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Breve cronologia da construção da Casa do Povo de Carção As denominadas Casas do Povo, foram instituídas pelo Decreto-lei nº 23051 de 22 de Setembro de 1933, tendo como objectivo principal, promover a melhoria das condições sociais dos mais desfavorecidos, e ainda promover o fortalecimento de laços entre proprietários rurais e trabalhadores no sentido da preservação moral e espiritual das parcelas rurais. Em 1940 foi publicado o Decreto-lei nº 30.710 de 29 de Agosto, vindo a acentuar a vertente de instituição de previdência social de inscrição obrigatória, passando assim a ter por objectivo a acção médico-social, assistência materno-infantil e proteção na invalidez. Em 1969 a Lei nº 2.144 de 29 de Maio, desenha um novo quadro de competências das Casas do Povo, passando assim a assegurar a previdência social e a representação profissional dos trabalhadores agrícolas e demais residentes na sua área de jurisdição, passando assim a ter personalidade jurídica, reforçando ainda a componente de dinamização sócio-economica e cultural. Com o 25 de Abril de 1974, mesmo com o cariz ideológico que as Casas do Povo tinham, elas mantiveram-se e reforçaram ainda mais direitos aos seus associados e á sua existência. A partir do Decreto-lei 4/82 de 11 de Janeiro, novas adaptações foram introduzidas no regime jurídico das Casas do Povo, passando a partir dessa década a serem consideradas pessoas colectivas de utilidade pública, constituídas por tempo indeterminado e com o objectivo de promover o desenvolvimento e bem-estar das comunidades, sobretudo nos meios rurais. Após esta breve introdução sobre as Casas do Povo a nível nacional, procurarei agora fazer uma breve resenha histórica sobre a construção da actual Casa do Povo de Carção. Assim direi que desde os anos 40 que existiu
Casa do Povo em Carção, mais concretamente em 1937 (conforme é referido no cartão de pessoa colectiva), terá tido a sua sede inicial na casa que agora é minha propriedade, Rua da Praça (antiga casa do tio Zé Bravo), depois teve sede também na Rua da Praça, na antiga casa do tio Luís Bravo, hoje propriedade do Sr. Nuno Jerónimo Moreira. Por volta do ano 1962 iniciam-se os contactos com a Brigada de Bragança da Comissão Coordenadora dos Serviços Médicos das
Instituições de Previdência para procederem ao estudo e aquisição de um terreno para a construção da Nova Sede da Casa do Povo de Carção. Desses contactos, começou-se por sugerir a aquisição de uma parcela de terreno ao Sr. António Manuel do Vale Fernandes, (conforme assinalado na foto – Fig.1), pelo preço de 12.000$00. Aí seria construída a Casa do Povo, pelo valor global de 377. 677$00, para a construção de um edifício que seria muito semelhante ao ante-projecto da Casa do Povo de Izeda. Após alguns meses verificou-se que o 1.º terreno proposto se tornou impossível a sua aquisição, conforme é referido em ofício de 7 de Novembro de 1963. Perante tal situação optou-se pela aquisição de um terreno com cerca de 3100m2 à Sr.ª Ana das Dores Domingues, pelo preço 10.000$00.
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Após a escritura de tal terreno datada de 21 de Dezembro de 1963, procedeu-se à publicação da abertura do Concurso para construção da dita Casa do Povo pelo preço Base de licitação 377.677$00,avisos publicados no Jornal O Século, o Primeiro de Janeiro datados de 28/05/64 e no Mensageiro de Bragança com data de 29/05/64. Em 12/08/1964, foi a obra adjudicado ao Sr. Francisco Júlio Ferreira, pelo preço de 377.650$00, que como relata a informação da Brigada de Bragança de 8/8/64, que depois da hora de abertura do concurso ninguém tinha aparecido, referiu a mesma que o Sr. Empreiteiro Júlio Ferreira, residente em Parada – Bragança, chegou atrasado por avaria na bicicleta motorizada, a Comissão aceitou a proposta para evitar mais demoras na construção da Casa do Povo de Carção. As obras de construção do edifício foram entregues provisoriamente em 25/05/65. Em 14 de Junho de 1965 foi inaugurada por Sua Excelência o Ministro das Corporações e Previdência Social, Prof. Doutor Gonçalves Proença. No decurso desta obra algumas peripécias foram surgindo, que numa outra oportunida-
de procurarei relatar, ficando apenas uma em que a Sr.ª Professora Ana Joaquina Oliveira, apresentou queixa em 4/02/66, pelos prejuízos causados num seu terreno contíguo á Casa do Povo. À época da construção da nova sede (actual) da Casa do Povo, faziam parte da direcção da mesma os seguintes conterrâneos: Presidente – Manuel Augusto Lopes Jandiz Secretario – Diamantino Prada Tesoureiro – António Salazar De 1966 a 1971, foi presidente da Casa do Povo de Carção o Sr. Professor Albino José Rodrigues. Nos anos setenta foi presidente da Casa do Povo o Sr. António Andrade Nos anos Oitenta esteve a frente da direcção da Casa do Povo – Luís dos Santos Miranda Garrido. Desde 2004, aquando da nova reestruturação e regularização jurídica da Casa do Povo, dirige os destinos desta Associação – Serafim Dos Santos F. João. Ao longo dos últimos três anos, a Casa do Povo de Carção tem vindo a sofrer obras de requalificação no edifício e arranjos urbanísticos do exterior, para contribuir para a utilização condigna dos utentes e das instituições que nela se instalaram e utilizam. Serafim João
João Américo Gonçalves Andrade Informação
Foi atribuída ao Notário, Dr. João Américo Gonçalves Andrade, licença para instalação de Cartório Notarial, exercendo a actividade na Avenida Sá carneiro, 11 (antiga sede da Caixa de Crédito Agrícola), em Bragança, ficando a seu cargo o acervo do extinto cartório Notarial.
CARTÓRIO NOTARIAL DE BRAGANÇA Av. Dr. Francisco Sá Carneiro, N.º 11 • 5300-252 BRAGANÇA Tel. 273 302 880/5 – Fax 273 302 889 Email:
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AZULEJOS NA FACHADA – devoção, saudosismo ou afirmação de outra realidade? Algumas casas de Macedo de Cavaleiros têm azulejos nas suas fachadas. Não são grandes painéis. São pequenos conjuntos de seis ou nove azulejos, raramente mais, quase todos eles de invocação religiosa. Há figurações do Santo Ambrósio, da Nossa Senhora da Conceição, de S. José, de Nossa Senhora do Aviso de Serapicos, da Sagrada Família, além de outros. Mas os que mais se repetem são os de S. Bartolomeu e de Nossa Senhora das Graças, respectivamente os oragos de Argoselo e de Carção. São, também, os mais significativos. Primeiros apontamentos de um tema que promete, estas linhas breves não são mais do que uma proposta de pistas para o estudo de uma realidade mais ou menos escondida mas com a qual Macedo de Cavaleiros conviveu e convive e cuja face visível tem estado, afinal, sempre à vista: emblemas, pequenos painéis de azulejos... Um passado recente Estão por fazer os estudos sobre a génese, estrutura e evolução social da população da região em que se recorta o concelho de Macedo de Cavaleiros. Apesar de implícita naquela que foi, durante muitos anos, a obra de referência sobre esta unidade administrativa, O Concelho de Macedo de Cavaleiros1, ou de magnificamente bem aguarelada na extraordinária conferência O Romance Social Secular de Macedo de Cavaleiros2, o que é certo é que se carece de estudos mais profundos e parcelares. Impossível, por isso, dar uma visão de síntese que seja completa e abrangente, se bem que, quanto à sua evolução demográfica, tenha vindo a lume
no trabalho científico Macedo de Cavaleiros, Cultura, Património e Turismo3 alguma informação relevante nesta matéria e ali escrita como uma chamada de
atenção séria, contribuindo de forma decisiva para desfazer alguns mitos correntes, como o de Macedo ser apenas um lugarejo pequeno, pobre e obscuro até meados do século XIX. Ora, é precisamente esta última obra que, sem dúvidas nem equívocos, vem demonstrar que nesses meados do século XIX, período em que o Reino é dividido administrativamente mais ou menos como hoje se encontra, Macedo já era uma povoação maior do que Cortiços e Chacim, concelhos à custa dos quais se faria, na sua maior parte, o actual município de Macedo de Cavaleiros. Centrado no Nordeste de Portugal numa encruzilhada de vias, precisamente num dos pontos de intersecção do trajecto Moncorvo-Bragança e Planalto de Miranda-Mirandela, o então novo concelho e nova vila rapidamente tirou partido e consequências da coincidência criada. Economicamente tornou-se um centro de convergên-
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cia de gente e de distribuição de produtos. Pelo fim do século XIX o seu crescimento dava-se tanto em população como em parque habitacional. Ora, tal população era sobretudo gente imigrada, vinda dos arredores e de concelhos vizinhos, atraída para a oportunidade de mercado oferecida por um número crescente de funcionários e serviços que se iam implantando e estabelecendo. E com uma novidade, em Trás-os-Montes: gente nova, de algum modo desenraizada e para aqui convergindo para fazer obra e ganhar a vida, é sempre gente que tem uma mentalidade mais aberta, um espírito mais empreendedor, menos preconceituoso e mais tolerante. Por essa altura a vida não era fácil para os lados de Carção e Argoselo. Famílias numerosas acotovelavam-se numa terra que agricolamente não dava para todos e cujo tráfico de fronteira, capaz de fases de grande lucro, por esses anos não estava famoso. Séculos de comércio recoveiro eram a tradição corrente e à voz de “lá vem o almocreve” ou “ali vai um tendeiro”, entendia-se “ali vir um Carção”4, colado que estava este termo como sinónimo dessas actividades. E doutras, todas relacionadas com o negócio e com a circulação do dinheiro. Mirandela, por outro lado, inaugurava o caminho-de-ferro5, entrava numa época promissora de um progresso mais rápido. Daí que a gente de Carção tenha tentado um contacto na cidade do Tua para o seu estabelecimento, apalpado o terreno para um movimento migratório. Saíram gorados estes esforços, ensarilhando-se tais negócios, tal como saíram baldados os seguintes, já no século XX, tendo sido manifesta a hostilidade com que a classe comercial de Mirandela encarou o assunto e eficaz a forma como a sua classe política o soube então resolver a favor dos da terra6. A consequência foi terem-se voltado para Macedo as atenções das gentes de Carção, onde alguns já tinham assentado arraiais, urgindo resolver o estrangulamento em que se sentiam. Ficou sempre um ressentimento desta fase, desta rejeição dos da Princesa do Tua, tendo ouvido várias vezes, mesmo dezenas de anos passados
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sobre o assunto, a alguns comerciantes “Carções” de Macedo, os maiores impropérios em relação aos de Mirandela. Ao ponto de os escrúpulos nesta desforra histórica chegarem a proclamações de que nem um centavo ali se devesse gastar: “ao vir do Porto, se começar na reserva já para cá de Murça, prefiro ficar na estrada e vir a pé do Vimieiro do que meter gasolina em Mirandela!”. Esta frase ouvi-a vezes sem conta sem lhe saber a causa. Viria a descobri-lo uns anos depois, conversa mais franca em que o desabafo me foi explicado. As feiras de Macedo constituíam um forte atractivo e a Praça das Eiras, durante mais de um século o local de realização de mercados, foi pólo de convergência e residência desta nova população imigrada7. Entretanto, uma nova via se abria na vila, em direcção à Estação de Caminho de Ferro, locomotivas aqui apitando desde 1905. Ficavam à disposição por preço barato, para construir casas e armazéns, vastos lotes de terreno para um local excêntrico da terra. O novo meio de transporte veio encurtar em horas as viagens possíveis de e para o litoral. Por outro lado, para quem tinha negócios itinerantes para o Planalto de Vimioso, Miranda e Mogadouro, esta nova estação era o cais ideal para as mercadorias que a partir daqui se podiam despachar em carros-matos ou no dorso de mulas, viajando as pessoas em diligências. Empurrada pelas vicissitudes da república, da grande guerra e da pneumónica, uma nova vaga veio para Macedo nos anos vinte, atraída pelo surto de progresso que a vila de então experimentava, seduzida por haver comboio, transportes motorizados8 e oportunidades de negócio. Nesta fase para cá vieram viver os Ferreira, os Liberal, os Lopes, os Roma, os Gonçalves e mais uns quantos, a juntar-se a pioneiros já estabelecidos. Deixamos para outro momento alguns episódios e fases desta migração. De azulejos na fachada Foi a partir desta época que começaram a ser construídas as casas com os azulejos em que figurava a Senhora das Graças e o S.Bartolomeu.
Um ou outro fê-lo cerca da Praça das Eiras ou no Prado de Cavaleiros mas foi sobretudo ao longo da Rua e Avenida da Estação (hoje Avenida D.Nuno Álvares Pereira, e nesse tempo a Rua da Estação começava logo onde hoje se inicia a Rua Dr. Luís Olaio), ou para lá desta, na saída para Mogadouro – o mesmo é dizer, na saída para Vimioso... Armazéns e estabelecimentos de todo o tipo, miudezas, fazendas, mercearias, louças, azeites, ferragens, calçados, roupas, produtos alimentares, peixe fresco chegado por via férrea com gelo do Porto ou salgado em barrica, negócios feitos ao balcão ou de mais grosso trato, ainda outros mais discretos, com dinheiro por juros, mercadorias não declaradas, produtos de contrafacção, de tudo se podia comprar e vender naquelas centenas de metros. Esta área da vila mereceu o epíteto de Carçolândia, hoje ainda não esquecido e que, mesmo nos dias que correm, se ouve com mais ou menos humor ou mais ou menos chiste por quem o profere… A distribuição dos azulejos pelas ruas da actual cidade não nos parece aleatória nem casual, obedecendo à que foi a distribuição das famílias que se foram implantando. Ainda hoje se vêem aplicar azulejos novos, em casas que já vão na terceira geração de imigrados de Argoselo e de Carção. Se para alguns a devoção é logo o primeiro impulso a justificar a despesa, uma devoção à qual se mistura a gratidão pelos bons negócios e uma invocação à protecção celeste, para outros é o saudosismo de um passado que nem está enterrado nem lhes é desconhecido, perpetuado que está por numerosas mas inconfessáveis histórias familiares.
…Mas não é inteiramente descabido questionarmo-nos, ao vermos os azulejos, se estes não serão também mais do que isso, também uma simbologia para uma realidade existente de significados menos evidentes. Nem por isso menos fortes. Uma afirmação de um elemento reconhecível numa comunidade que, ao longo da história, sobretudo ao querer ultrapassar momentos ou períodos de hostilidade circundante, foi graças à utilização de uma estratégia de sobrevivência que chegou até hoje. Azulejos na fachada podem muito bem ter sido e serem ainda um sinal fazendo parte dessa estratégia que está muito para lá de ser apenas uma devoção sentida ou um mero saudosismo. Cremos bem, e continuaremos a estudá-lo, que serão mais ainda do que uma afirmação de uma outra realidade. Que o terão sido até agora. Manuel Cardoso Licenciado em Medicina Veterinária (UTL-Lisboa), Pós-graduado em Ciências Agrárias (UTAD-Vila Real) Pós-graduado em Gestão e Conservação da Natureza (UA-Açores). Docente do IPB-Bragança Vereador da C. M. de Macedo de Cavaleiros –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Obras publicadas: O Segredo da Fonte Queimada, romance, Sopa de Letras, 2009. Um Tiro na Bruma, romance, Sopa de Letras, 2007 (2 edições). Macedo de Cavaleiros Rua a Rua, monográfico, CMMC, 2005. Quartzo – Vidas de um Veterinário, contos, Quarteto, 2000. Glossário de Equídeos, didáctico, Quarteto, 1999. ________________________ 1 Armando Pires, O Concelho de Macedo de Cavaleiros, Ed. Junta Distrital, 1963 2 Águedo
de Oliveira, Romance Social Secular de Macedo dos Cavaleiros, Conferência proferida no âmbito das comemorações do Centenário de Macedo de Cavaleiros, documento dactilografado, inédito, 1963 3 Carlos
Alberto Santos Mendes, Macedo de Cavaleiros, Cultura, Património e Turismo (Contributos para um programa integrado), ed. Câmara Municipal, 2005 4 Em Macedo eram denominados de “Carções” todos os imigrados de Argoselo, Vimioso e Carção e mesmo os que, sendo de outras terras distintas, com aqueles tinham algum parentesco. 5 1887. 6 Veja-se a nota 13 de Macedo de Cavaleiros Rua a Rua, pág. 136. Obra do autor, publicada em 2005 pela Câmara Municipal de Macedo de Cavaleiros. Estes episódios, que terão ocorrido por duas vezes, uma ainda no século XIX e outra já no século XX provavelmente depois da I Grande Guerra, foram-me também corroborados pelo testemunho do Dr. António de Sousa Falcão a quem os teria contado seu pai, o Dr. Frederico Falcão Machado, Presidente da Câmara Municipal de Macedo de Cavaleiros, contemporâneo e interveniente num deles. 7 Na
mesma nota 13 de Macedo de Cavaleiros Rua a Rua, pág. 136 se refere um assento de 6 de Setembro de 1884 segundo o qual no “Largo da Feira” morreu Branca do Nascimento, natural e baptizada no Porto, em Santo Ildefonso, filha de D.Angelina Raimundo Ferreira e de Francisco Alberto Rodrigues, ourives, de Carção. 8
Os do Meneses Cordeiro, cuja estação rodoviária ficava junto da dos Caminhos de Ferro.
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Carção — Identidade e memória Aceitei o convite que me foi generosamente endereçado pelo PAULO LOPES para ocupar esta página, com um sentimento de honra, privilégio e gratidão. E como uma primeira e bem modesta prestação para saldar a minha parte da dívida que todos os carçonenses têm para com esta jovem equipa que, ano após ano, vem fazendo O Almocreve, que tanto tem feito para a re-descoberta, a recuperação e a perpetuação da nossa memória colectiva. Pondo sobretudo a tónica no que é uma das marcas genéticas de Carção: uma sociedade assente numa linha de clivagem e separação entre dois troncos genéticos distintos, claramente referenciados e explicitamente assumidos na vivência e consciência de cada um. De um lado, os judeus/cristãos-novos/ marranos: artesãos e comerciantes de profissão, com a vocação da partida e a fome de ver e viver mundo, tendencialmente sempre a caminho, bebendo e interiorizando uma cultura de abertura e de troca de coisas materiais e culturais. Do outro lado os “cabrões”, expressão que deve ler-se depurada de toda carga negativa com que, em geral, a palavra circula na língua portuguesa. E que aqui vale apenas como a palavra com que se exprime e significa o outro lado do corpo e da alma de Carção: a comunidade ligada à terra e à sua cultura física e espiritual. Eram (são) pessoas que organizaram sempre os trabalhos e os dias em função dos apelos da terra, ao ritmo do eterno retorno das quatro estações. E, por isso, com a vocação para estar, ficar e ver o mundo e a vida à dimensão dos horizontes de Carção. E mais virados para os saberes e os valores estabilizados e mediatizados pela tradição de séculos. Não devendo, por exemplo, levar-se à conta de exagero asseverar-se que, até aos meados do século XX, trabalhavam a terra segundo procedimentos técnicos e relações económicas em muito idênticos àquelas sobre os quais se organizava a vida rural na remota Idade Média. Esta é a experiência e a memória de Carção. Uma experiência secular que é um milagre quotidianamente renovado: com horizontes, gostos, culturas e interesses divergentes e contraditórios, a verdade é que os dois lados souberam sempre lançar pontes de comunicação, interdependência e solidariedade, sobre o rio das divergências e antagonismos. E têm permanentemente vivido
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numa estranha relação dialéctica de inimizade/amizade: apesar de tudo, incindivelmente ligados e inseparáveis como irmãos siameses. Até porque uns não poderiam viver nem sobreviver sem os outros. Porque a vida de todos os dias assentava numa divisão do trabalho, não formal nem formalizada, mas nem por isso menos consistente e estabilizada. Por falta de aptidão e de gosto, os judeus não trabalhavam a terra. Quando não andavam a respirar o pó dos caminhos, negociando, comprando, vendendo e trocando, dispersavam-se em pequenos ou grandes grupos pela rua principal da aldeia, que começava e acabava em dois grandes largos. Para onde convergiam, espreitando a “raça” de sol no inverno ou a sombra no verão. Para aí discutir tudo: desde os pequenos aos grandes negócios; desde os pequenos aos grandes eventos; da pequena à grande política. E escrutinando acontecimentos, efemérides e a vida de todos os dias, pondo de pé uma espécie de jornal falado, actualizado dia a dia, hora a hora. Para espanto e gáudio do turista ou do viajante, que não entendiam como Carção podia governar-se com tanta gente “à boa vida”. Embora não trabalhassem a terra, muitos judeus eram, em maior ou menor medida, proprietários de terras. O que os obrigava a buscar entre os “cabrões” a mão de obra indispensável para as sementeiras, as mondas, as ceifas, as colheitas, as vindimas e, pelo meio, toda uma série ininterrupta de tarefas que tornavam possíveis os momentos mais marcantes e gratificantes das sementeiras e das colheitas. Toda uma teia de vínculos que tendiam a prolongar-se no tempo, a perpetuar-se para além da sucessão de gerações: cada judeu tendia a contratar sistematicamente os mesmos “obreiros”. Também do outro lado se estendiam os laços: cada “cabrão” tinha o seu “soteiro” (logista), o seu sapateiro, o seu alfaiate, o seu latoeiro, pagando normalmente a “fazenda” com dias de trabalho. Esta infra-estrutura económica tinha reflexos óbvios e compreensíveis ao nível do social, do cultural e do afectivo. Desde logo, ela propendia a esbater as linhas de conflitualidade, deixando mais expostos e reforçados os marcadores da solidariedade. Não havia, é certo, casamentos entre os dois lados, mas os judeus eram invariavelmente convidados para
padrinhos dos casamentos e dos baptizados dos “cabrões”. Esta solidariedade resultava particularmente exposta nas lides judiciais: quando chamado a tribunal, um judeu faziase acompanhar dos “seus” cabrões, sendo também a inversa verdadeira. Relativamente indiferentes à “verdade” e à “justiça” idealizadas e abstractas, eles compareciam em bloco em Tribunal e em bloco actuavam. Nas suas representações, a “razão” só podia estar do lado dos “nossos”. E os “nossos” eram aqueles que integravam a pequena e estabilizada comunidade de judeus e “cabrões”. Na certeza de que os impulsos de solidariedade e cumplicidade funcionavam nos dois sentidos, isto é, numa lógica e numa dinâmica de solidariedade. Mas era sobretudo fora de Carção que a solidariedade entre judeus e “cabrões” se decantava e sublimava. Mal se ultrapassava a linha de fronteira do “termo” de Carção e se lançava o último olhar sobre as casas que mais resistiam na linha do horizonte, e já a clivagem entre judeus e não judeus se silenciava e desaparecia. E com ela desapareciam os lastros de animosidade e conflito. A partir daí registava-se invariavelmente uma estranha fusão de perspectivas, de crenças e de valores. A partir daí sobrava apenas a memória comum e o sentimento de pertença à mesma história. Numa palavra, dissolvia-se a consciência genética e ficava apenas a identidade de carçonense. E seguiam em frente, vergados pela mesma saudade e rezando aos mesmos santos, como os olhos e o coração virados sobretudo para o altar da Senhora das Graças. E punham em comum o pão — o salpicão, o folar — e o vinho que levavam. Era assim se o encontro tinha lugar ali bem perto, em Vimioso, em Bragança ou Macedo. No Porto ou em Lisboa. E era-o também e sobretudo se ele ocorria lá bem longe, na França ou na Alemanha, no Brasil ou em Angola, terras de emigração. Em tempos de paz ou de guerra. Onde quer que chegasse, só e desenraizado, um carçonense sabia que encontrava
abrigo e mesa em casa de outro que chegara antes e se encontrava já instalado, não raro a ocupar patamares elevados na escala social ou económica. Fosse como fosse, rico, remediado ou, até pobre, ele aproveitava sempre o encontro como momento sempre esperado e sempre benvindo de partilha. Do pão, da memória, do sonho e das notícias frescas que o recém-chegado trazia e que o outro bebia com a sofreguidão com que a terra recebe as chuvas em pleno Agosto. Na certeza de que
naquele abraço de chegada não havia verdadeiramente judeu nem “cabrão”. Havia apenas Carção. Uma mesma e só raiz de identidade e memória e uma mesma razão de ir à luta e procurar a vida nas sete partidas do mundo. Em definitivo, por sobre a linha irrecusável e definida de separação das águas entre judeus e “cabrões”, Carção impôs-se e sobrepôs-se sempre como referente de identidade dum povo verdadeiramente único. Noutros termos, Carção era não só o denominador comum, mas também e sobretudo e denominador dominante. O momento de união e identidade, que claramente se sobrepunha aos momentos de distinção e diferenciação associados à partença a um ou outro dos troncos genéticos. Manuel da Costa Andrade
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Carção, a preservação de uma arquitectura anímica Este vilarejo situado ao norte de Portugal, na região de Trás-os-Montes, próximo a Bragança e a poucos quilômetros da fronteira com a Espanha, é tido por alguns pesquisadores como a “Capital do Marranismo”, região acima do Alto Douro. Seus habitantes, cerca de 600, em sua maioria idosos, são verdadeiros almocreves descendentes de cristãos-novos. Eles carregam na memória o orgulho e o peso de serem descendentes de judeus que, perseguidos pela Inquisição portuguesa entre os séculos XVI e XVII, foram obrigados a renunciar a fé judaica e se converter ao cristianismo. Muitos dos seus antepassados foram processados, acusados de conduta judaizante pelo Santo Ofício, condenados à morte no pelourinho e queimados por não abrirem mão de sua crença. Outros se converteram ao cristianismo para sobreviver. Nas férias de verão, Carção muda de fisionomia com o aumento da população, ao receber seus jovens, como é o caso de Paulo Lopes. Este descendente de marranos, que conhecemos de forma inusitada, recebeu-nos de braços abertos, acolhendo-nos como se fossemos alguém da família há muito tempo esperado. Professor secundário, ele trabalha nos Açores e, nas férias, como muitos de seus companheiros de juventude, retorna de regiões distantes ou de outros países para visitar a família. Nos intervalos, dias de folga ou madrugada a fora, dedica-se ao preparo de seu doutorado em História da Arte, pesquisando “A talha dourada na diocese de Bragança-Miranda entre metade do século XVII e finais do século XIX”, trabalho realizado, com frequência, por artistas judeus ou seus descendentes marranos. E ainda encontra tempo para ser o editor da revista local, produzida pela Associação Cultural dos Almocreves de Carção, “freguesia” pertencente ao “concelho” de Vimioso. O corpo editorial da revista Almocreve procura preservar e resgatar o passado histórico de sua gente. Almocreves são os trabalhadores
que, no passado, utilizavam mulas de carga comumente conduzidas pelos judeus da região, que andavam de terra em terra para vender mercearias ou comprar peles de animais para serem tratadas e abastecer as fábricas de tratamento de peles (os pelames) e de cola (com o aproveitamento dos resíduos das peles) de forma a prover a região ou as fábricas do Porto, Covilhã ou Guimarães. O curioso é como fui parar em Carção, nesta terra longínqua, que eu jamais ouvira falar e na qual me senti em casa, entre familiares e amigos, com quem pude compartilhar histórias e afinidades de costumes e de tradição que me tocaram profundamente a alma. Emergiu em nosso encontro um sentimento de irmandade, de sincronismo de idéias e de ideais, muito difícil de descrever, mas fácil de sentir. Algo que deve se assemelhar ao que Freud chamou de “arquitetura anímica”, isto é, conjunto de elementos psíquicos que “permite que os indivíduos de um determinado grupamento, coletividade, irmandade ou classe encontrem similaridades, familiaridades e se reconheçam como pertencentes a tal grupo ou comunidade, a despeito de histórias de vida totalmente díspares”. Isto foi dito por ele na carta de agradecimento à B’nei Brit, em 1926, por ocasião do prêmio que lhe foi conferido. Mas, o que me levou a Carção e o que me mobilizou a momentos de profunda emoção? Foi o destino, ou comunicações de inconsciente para inconsciente, como dizem os psicanalistas? A verdade é que a vida é muito curiosa, principalmente quando se é intrometido. As coisas acontecem e, depois, as atribuímos a forças ocultas que não sabemos dizer de onde vem, nem para onde vão. Mas, desta vez, elas me levaram a Carção. Tudo, aparentemente, começou na missa de sétimo dia de um amigo cristão. Dirigi-me à igreja onde ocorreria o ato religioso e, lá
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chegando, encontrei-me com um Sr. Adriano, do qual jamais ouvira falar ou tinha visto em minha vida e que lá estava para prestar as últimas homenagens ao falecido. A igreja ainda estava vazia, e ele, vestido de forma elegante, procurava o interruptor de luz para clarear o recinto. Um tanto constrangido, perguntei-lhe de quem era a missa, pois havia o risco de chorar por equívoco a morte de um estranho, mas que na certa também mereceria compaixão. Conversa vai conversa vem, ele me conta que é escritor, membro da Casa do Poeta de São Paulo. Conta-me seus últimos ensaios. Eu, para não me sentir passado para trás, conto-lhe que também havia publicado livros, e que, no momento, estava interessado em estudar Maimônides. Digo-lhe que havia escrito um livro, Um Monge no Divã, que abordava a adolescência de um religioso beneditino do século XI-XII e que, agora, estava desejoso por conhecer o pensamento de um judeu dessa época. A figura judaica mais representativa da Europa do medievo central era esse filósofo nascido em Córdoba. Relatei-lhe um pouco da obra e da história de RAMBAM, cuja diáspora foi semelhante à de milhares de judeus e cristãos da Andaluzia perseguidos pelos turcos Almohades que invadiram a região, obrigando-os a se converterem ao islamismo. Restavam poucas opções para não morrer: fugir ou converter-se. Alguns preferiram preservar o judaísmo às escondidas. A família de Maimon caminhou pelo sul da Espanha muçulmana até chegar a Fez, no Marrocos. Muitos judeus se dispersaram, fugindo para Castela e para outras regiões da Europa e da África, entre elas, Palestina e Portugal. No meio dessa conversa, Adriano se diz descendente de marranos e conta a história comovente de seus pais e familiares provenientes de Carção, cujos ancestrais eram cristãos novos. Descreve o modo como eles viviam e os resíduos de comportamentos judaicos presentes nos hábitos e costumes de sua gente, a pele clara, muitos deles com cabelos ruivos, e que costumavam fechar as janelas às sextas-feiras ao entardecer, acender velas e cobrir o espelho por ocasião de alguma morte em família. Digo-lhe que sou judeu e ele prossegue entusiasmado relatando como a Inquisição portuguesa perseguiu os judeus de Carção, principalmente nos séculos XVI e XVII. No século passado, alguns de seus familiares vieram para o Brasil.
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Deste relato nasce uma amizade e junto vem a troca de muitas informações que culminaram com a apresentação, por e-mail, de Paulo Lopes e, uma revelação surpreendente: a bandeira de Carção, criada não há muito tempo, tem como símbolo central a Menorá, o candelabro de sete braços, um dos símbolos mais comum que identificam o judaísmo. Impactado pelo encontro e pela sucessão de eventos, motivado pela homofonia do sobrenome do protagonista de meu novo livro, resolvi conhecer Carção. Ruth e eu fomos de carro, da linda e romântica cidade do Porto até Bragança, com direito a um pernoite e passeio pela florida e bem cuidada Guimarães. Assim que chegamos a Bragança, Paulo veio nos receber. Pudemos ouvi-lo por duas horas, sem nenhuma interrupção, sobre sua vida e o vilarejo de Carção. Combinamos um encontro na aldeia, às 12h do dia seguinte, pois ele havia também marcado com outros dois amigos portugueses, diante da casa dos pais do Sr. Adriano. No dia seguinte, saímos no horário combinado e fomos a Outeiro onde visitamos a praça, o pelourinho, a prisão e o tribunal, um a poucos passos do outro. De lá rumamos direto para Carção, onde a vida rural predomina entre o verde e o bege, de um terreno árido e pedregoso, de uma vegetação rala entre oliveiras, hortaliças, áreas de pastoreio, indústrias e artesanatos rudimentares que alimentam o comércio da região. Chegamos uma hora antes do combinado e tivemos tempo para fazer um giro a pé pela região. Encontramos caminhando pelas ruas de terra ou de pedra mulas carregando produtos agrícolas, semelhantes aos almocreves de um passado distante quando os vendedores ambulantes eram judeus ou marranos, hoje cristãos, que transportavam em seus animais pesados fardos de pele curtida de boi, de ovelha e carneiro. Vendiam também queijo, sal, peixe, farinha, azeite, cereais e lã. Os judeus dominavam o comércio local e dos arredores. Eram os almocreves que, montados em mulas ou machos de carga, caminhavam pela região, geralmente transportando e fazendo comércio de peles. A indústria do curtume era realizada praticamente pelos judeus que para amaciar a pele utilizavam uma técnica rudimentar a partir do uso de excremento de cães que coletavam pelos caminhos. Isto gerava escárnio por parte dos cristãos que ofendiam a honra e a dignidade dos judeus que transitavam entre
terras de Portugal e de Espanha, como Castela e as aldeias do nordeste luso, tanto por questões de comércio quanto por ações provocadas pela Inquisição de ambos os países. Isto fica patente quando ouviam nas paradas que percorriam o seguinte soneto: Caga perro, caga cão, P’ra curtir o cordovão; Caga cão, caga perro, P’ra curtir o bezerro. Outros judeus eram artesãos ou mercadores ambulantes de bacalhau, arroz, azeite, oferecendo de casa em casa seus artigos, ampliando significativamente o comércio da região. Aos cristãos cabia a lavoura. Andrade e Guimarães revelam que “em primeiro lugar, diremos que as comunidades de Carção, Argozelo e Vimioso estão umbilicalmente ligadas, parecendo formar uma grande família, quase sempre com casamentos endogâmicos. E também nos parece que as origens da comunidade remontam ao tempo da expulsão dos judeus de Espanha, pois não existe qualquer documento que nos fale de judeus em Carção antes daquela época. Aliás, os processos mostram que muitos deles tinham casa lá e cá, declarando-se frequentes vezes ‘moradores em Carção e assistindo em Castela’ e vice-versa”. Salientam que “é impressionante a capacidade de resistência desta comunidade à Inquisição”. Paulo conta-nos um pensamento popular sobre a riqueza dos judeus de Carção: “para um judeu nada mais faltava para fazer fortuna que uma libra e uma mula e que, quando aqui nascia algum [judeu], logo nascia uma mula, tão habitual era a atividade deles como Almocreves”. Já na parte baixa da aldeia, passamos pela casa da senhora Mathilde Jerónimo que estava trabalhando em um tear manual, tão antigo e vivido quanto ela. Com a pele enrugada pelos anos, talvez mais de 80, pela aridez da terra, do frio e do sol, tecia uma colcha, segurando em uma das mãos uma lançadeira (tipo de agulha) que também é um dos símbolos da bandeira de Carção, representando a capacidade de trabalho do povo e o amor ao artesanato.
O espaço era exíguo, de paredes e piso de pedras, antiga estrebaria ou armazém de trigo e feno, separado por um teto de madeira da parte superior da casa nos séculos da Inquisição. A parte social e os dormitórios, principalmente no inverno, eram aquecidos pela dissipação do calor dos animais e do feno. Imaginei quantas histórias haviam por lá ocorrido e como poderia ter sido o schteitel de minha mãe e avós maternos, quando deixaram Yedenitz, na Europa Central, no início do século passado. Prosseguimos andando pela parte baixa da povoação, onde os judeus se aglutinavam numa espécie de gueto e que depois foi habitado pelos marranos, termo pejorativo como eram chamados os cristãos-novos, cujo significado é: sujos ou porcos. Cruzada a “rua do meio”, nome da travessa que separa os judeus dos cristãos, seguimos em direção à casa que havia pertencido aos familiares do Sr. Adriano. Paulo nos explica que acima da “rua do meio” viviam os cristãos; divisão cultural nítida e geográfica: acima, os cristãos e abaixo, os judeus. Aliás, na Idade Média Central era comum se acreditar que o que vinha de cima vinha de Deus e o que vinha de baixo, vinha do Diabo. A casa dos pais do Sr. Adriano ainda preserva características antigas: um sobrado com uma sacada ou pequena varanda dando para a rua principal e paredes de pedra. Da porta, pode-se observar a pequena praça com o chafariz e o local onde os animais apeavam para beber água. Em Carção ainda existem algumas casas não recobertas de argamassa em cujas paredes de pedra podem ser percebidas depressões onde os judeus colocavam as Mezuzot, pequenos rolinhos escritos que contém uma reza abençoando a vida. Era costume tocá-los com os dedos e depois beijá-los ao entrar e sair de casa. Foi possível ver inscrições de cruzes com uma base triangular, deixadas pelos cristãos-novos como forma de disfarce para não serem importunados pelas autoridades religiosas. Porém, a maioria das casas está sendo tomada pela nova arquitetura e materiais disponíveis no mercado, que encobrem o histórico de luta e de tra-
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balho do povo judeu que, durante certo tempo viveu em relativa harmonia com os cristãos. Mais adiante, chegamos ao local marcado para o encontro. Era diante de ruínas de pedra situadas entre duas casas já reformadas. Nessas ruínas encontramos uma laje sobre uma porta, contendo nele inscrito 1653 e em altorelevo um grande Leão de Judá deitado e duas aves, interpretadas como pelicanos. Próximo, havia duas cruzes com base triangular, símbolo com o qual os judeus convertidos eram identificados para não serem molestados pelas autoridades da Igreja. Por outro lado, muitos marranos preservavam o hábito de fechar as janelas e acender velas às sextas-feiras no final da tarde, com a chegada do Shabat. Andamos mais um pouco e encontramos a mãe de Paulo, dona Celene Fernandes, vestida com roupa de trabalho, que veio ver o filho e seus amigos, uma pausa na atividade de vendedora de peixes da região. Cheia de vitalidade, aspecto saudável e alegre, com cara de quem não tem medo do trabalho, ela conversa conosco como se fôssemos velhos conhecidos. Nesse momento, ouve-se uma barulheira infernal de buzina e alto-falante vindos de uma caminhonete, perturbando a paz da região. Era o concorrente de Celene, vindo de outro vilarejo oferecer peixe aos moradores de Carção. Ela ri e aparenta não se importar com a invasão, e com bom humor diz que cada um está lutando para sobreviver e que há lugar para todo mundo. Ela acrescenta: “Numa outra vez irei vender meu peixe na terra dele”. Lembrei-me de minha mãe em casa usando um avental parecido enquanto cuidava de nós e da cozinha. Na hora e local combinados aparecem os amigos de Paulo, Maria Fernanda Guimarães e Antonio Júlio Andrade. Ambos os pesquisadores que estavam terminando de revisar o livro que seria lançado dentro de alguns dias. Seu título: Carção – a Capital do Marranismo. Logo depois, juntou-se a nós um fotógrafo canadense que nos últimos dez anos tem, a cada ano, fotografando os hábitos, costumes, tradições e monumentos que o tempo vai apagando. Tudo aquilo me parecia surpreendente. Parecia um sonho estar naquela terra distante e ao mesmo tempo tão próxima, falando com pessoas desconhecidas, mas cuja familiaridade fazia-se presente, irmanados pela empatia despertada e pelo encontro de diferentes motivações unidas pela história do povo judeu, entre cristãos à procura do elo perdido em relação às
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suas origens. Algo das transmissões transgeracionais ali estava presente, não apenas como lembranças, mas com muita emoção. Maria Fernanda Guimarães e Antonio Júlio de Andrade são dois pesquisadores da história da região e dos tempos da Inquisição. Tanto a revista Almocreve quanto este grupo de trabalho tem por objetivo investigar os usos, costumes e tradições da gente dessa comunidade e arredores. Ela é colaboradora da Cátedra de Estudos Sefaraditas “Alberto Benevides” e pesquisa para o Dicionário Histórico dos Sefaraditas Portugueses, em Lisboa e na Torre do Tombo, onde teve a oportunidade de ouvir a respeito da nossa querida Profa. Annita Novinski. Andrade dedica-se desde 1999 ao estudo dos judeus e dos marranos do Distrito de Bragança em colaboração com a mesma Cátedra de Estudos Sefaraditas, além de ter funções na bem montada biblioteca de Torre de Moncorvo. Pessoas gentis e eruditas, possuidoras de profundo conhecimento sobre a história política, econômica, social e religiosa da região. Fernanda e Antonio Júlio já haviam publicado “Subsídios para a história da Inquisição em Torre de Moncorvo”. Fomos todos, em seguida, almoçar no restaurante, onde saboreamos uma deliciosa bacalhoada – prato típico dos marranos de Carção no Yom Kipur dos séculos XVI e XVII. Durante o almoço, a conversa sobre judeus e marranos prosseguiu e uma das pessoas disse que por ali só há cristãos-novos e a outra, de pronto, afirmou: “não senhor, aqui só há judeus”. Fernanda também nos contou de seus antepassados judeus, dos processos a que foram submetidos, das torturas e da garra dos judeus que lutaram para preservar sua fé às escondidas. Ela recorda o desaparecimento dos sambenitos da igreja matriz, onde ficavam expostas as mantas que eram colocadas pela cabeça à semelhança de um saco. O Tribunal do Santo Ofício obrigava os condenados a vestirem essas vestes e a desfilarem com elas pelas ruas antes de cumprirem a sentença no pelourinho ou na fogueira, quando eram desnudados. Nela era pintada a imagem da pessoa condenada, rodeada de cães, serpentes e diabos, que ficaria exposta na igreja após sua morte e queima do corpo. Sua função era a de submeter o povo e, em especial, os cristãos novos condenados por heresias ou atitudes consideradas judaizantes, para que ninguém esquecesse do mal que eles
fizeram para a cristandade. Seu desaparecimento da igreja, levado supostamente pelos judeus, foi interpretado como um ato expressivo de coragem, de luta e de fé judaicas para defender-se da opressão da Igreja. Estes pesquisadores citam que “foram registrados nessa aldeia a existência de pelo menos três livros judaicos, proibidos por lei”. Em meio a essa discussão de quem era o quê, Paulo levanta-se, abre uma bandeira de Carção e a oferece para mim e minha esposa como expressão de fraternidade. Ver a bandeira aberta com a grande Menorá no centro mobilizou-me profunda emoção que agora compartilho com o leitor. Pensei até que o símbolo acima da Menorá fosse uma Mezuzá, mas de pronto me corrigiram, dizendo que era a lançadeira utilizada no tear, expressão da capacidade de trabalho da gente de Carção. Estes símbolos são ladeados pelos dois rios que banham a localidade e na parte superior há uma fortaleza medieval, caracterizando a época de sua fundação. Ainda, fui agraciado com uma coleção dos números publicados da revista Almocreve e exemplares dos livros acima mencionados. Esse grupo de idealistas deseja preservar e resgatar as lembranças daquilo que não está nas imagens, mas nos sentimentos, nas memórias encriptadas de um passado que não pode ser esquecido. Eles se referem aos processos que a Santa Inquisição portuguesa realizou, dos quais esses dois autores, Antonio Júlio e Maria Fernanda, estudaram cerca de 50. Dentre estes, 25 processos de pessoas que foram presas e processadas pelo Santo Ofício. Em conseqüência, foram torturadas, condenadas ao pelourinho, mortas, salgadas e queimadas para que nenhum vestígio de seu corpo e alma restasse. Tudo isso se passava diante do povo como entretenimento e demonstração do poder da Igreja. Lembranças conscientes e inconscien-
tes, fantasmas que percorrem a memória profunda desses jovens ávidos de resgatar o elo perdido e reparar a memória e a vida de seus antepassados judeus. Conteúdos de orgulho e de dor guardados em algum lugar da memória e que, por diferentes circunstâncias, agora emergem e tornam-se o motor propulsor de um projeto corajoso e audacioso. Eles desejam erguer um memorial em homenagem àqueles que foram processados ou mortos pela Inquisição portuguesa. Pretendem construir na entrada do povoado uma grande Menorá com os nomes das vítimas da intolerância religiosa e de outros interesses para que o tempo não apague a história. Estas pessoas querem resgatar as verdades, desfazer as injustiças e apagar as sombras de dor e culpa que os perseguem. São atos de reparação para poder se libertar e se religar aos seus ancestrais judeus, através da cultura da coexistência entre as diferenças. A comunidade local está ávida para desenvolver um roteiro turístico histórico-judaico unindo as várias cidades, vilas e aldeias que ainda possuem vestígios da vida judaica local, como Bragança, Vila Real, Argozelo, Carção, Vimioso, Outeiro, Torre de Moncorvo, Freches, além do importante acervo de Belmonte, situada nós pés da Serra da Estrela. Durante minha rápida trajetória por esse roteiro turístico histórico-judaico a partir de Carção, motivado por laços afetivos que me unem à Portugal e ao povo judeu, invadido por um sentimento profundo de identificação com tais propósitos eu tive vontade de participar dos anseios dessa gente desconhecida e tão familiar. David Léo Levisky Membro Efetivo e Professor da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Psiquiatra da Infância e da Adolescência. Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo. Membro da Diretoria Executiva do Centro da Cultura Judaica.
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Encomendar as nossas almas Quando visitei pela primeira vez a aldeia de Carção, decorria o mês de Março do ano de 2002. Foi a convite do meu amigo João Campos, director do Jornal Nordeste que, num encontro ocasional num qualquer passeio da cidade de Bragança, me desafiou para o acompanhar nessa mesma noite a Carção onde iria fazer uma reportagem sobre uma tradição. Nunca ouvira falar de tal ritual, mas pela descrição breve que me fez do mesmo, não hesitei em partir para tal experiência. Não consigo recordar a data exacta, mas lembro-me bem do impacto assombroso que o ambiente escuro e frio, as vozes sussurrantes nas casas e os cânticos anónimos na escuridão me causaram. Entrámos em várias casas, conversámos e entrevistámos alguns habitantes e encomendadores, tirámos fotografias e fomos insistente e repetidamente convidados a beber e comer. Recordo como se ontem, o impacto de caminhar com esses grupos de pessoas pela escuridão da noite - numa típica observação participante, deambulando ao som das suas melodias ao encontro de cada lâmpada que se acendia à porta dos lares habitados. Desde logo me disponibilizei para escrever a peça para o Jornal, que seria publicado passados uns dias ou na semana seguinte. Assim foi e apesar do estilo jornalístico do texto, porque assim tinha que ser, sempre fiquei com a ideia de voltar a este tema1, mas desta vez recorrendo a outras ferramentas e perspectivando-o de um outro prisma. Mesmo não tendo, à época, particular interesse pela religiosidade popular, logo percebi o imenso manancial disponível que permitiriam uma riquíssima investigação antropológica. Assim e agora, passados todos estes anos, surgiu esta oportunidade de colaboração com a revista Almocreve, que a relativa distância tenho acompanhado e cujo blog/site visito assiduamente. Gostaria de começar por algumas considerações preambulares: Primeira, sendo o tempo e o espaço aqui disponíveis reduzidos, a pesquisa realizada não foi além da recorrente nestes estudos da religiosidade dita popular os documentos provenientes da própria aldeia – Carção suas gentes usos e tradições, de Francisco Rodrigues e a Revista Almocreve, edição 0; Depois, O Abade de Baçal e o Dr. Belarmino Afonso pela proximidade ao local etnográfico e, por fim, José Leite de Vasconcelos e Moisés Espírito Santo, este pela especialização neste
campo do saber e aquele pela abrangência geográfica das suas investigações. Outra consideração diz respeito ao aviso que importa fazer ao leitor, pois estamos perante uma etnografia que tradicionalmente acontece num registo oral, o que permite aos “actores” uma grande flexibilidade e abertura nos processos, pois essa oralidade (reza e cântico) é manipulada e controlada pelos intervenientes e, historicamente, foi e é veiculo de transmissão de conhecimentos (trans)geracionais. Num registo diferente, como a escrita, que poderá acontecer num mesmo espaço, mas num tempo diferente, no qual o investigador regista essa mesma realidade, essa flexibilidade dá lugar a uma determinada tensão dada a dificuldade sentida em alcançar toda a fluidez oral do empírico - das orações e cânticos e, depois, a própria escrita apresenta-se como potencial redutora e cristalizante dessas realidades. Conscientes e avisados destes condicionalismos metodológicos poderemos então ler, conhecer e perceber, ainda que prismaticamente, a encomendação das almas de Carção. Etnografando o rito2 - entendido enquanto uma repetição de um fragmento do tempo original que serve de modelo para todos os tempos - que as gentes de Carção teimam em não deixar morrer3, poderemos caracterizar os
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vários aspectos ou componentes dessa experiência religiosa. Sem querer dar um tom eminentemente académico e procurando uma linguagem não hermética, procurarei enquadrar o rito em análise no âmbito da religiosidade popular tradicional e seus aspectos mais importantes. Oremos ou Cantemos A Quaresma apresenta-se como um tempo sagrado4, excepcional e de reflexão, introspecção e dedicação à fé, no qual os fiéis são convidados a uma atitude e a um comportamento mais reservado, através da prática do jejum, da esmola e da oração. Em Carção, é durante este período da Quaresma que podemos assistir à Encomendação das Almas, rito que, basicamente, é uma forma de recordar os mortos e interceder pelas almas que estarão no Purgatório para que possam rumar ao reino dos Céus. Convém, desde logo, relembrar que no mundo rural as almas sempre foram objecto de um culto quotidiano: O toque das ave-marias de manhã, as orações no final das refeições, as trindades à noitinha, as esmolas dadas aos santos da aldeia e à igreja podem ser em seu nome, assim como este culto em apreço que, em muitos locais, era e é realizado à revelia da Igreja e dos sacerdotes. Segundo Espírito Santo não será por acaso que este ritual acontece no tempo da Quaresma e esse facto está directamente relacionado com o calendário agrícola anual, pois coincide com o tempo da Primavera e da germinação das sementeiras, “essa encomendação consiste em repetir de casa em casa um cântico que assimila as almas a pessoas adormecidas: chamam-se as almas para que elas despertem neste momento do ano que é o da germinação. (…) E assim tornar os mortos propícios às culturas5” (Espírito Santo, 1990). Este ritual assume duas diferentes formas de expressão: A oração, que acontece todas as noites do tempo da Quaresma em cada casa, onde depois do sino da igreja tocar se juntam os familiares e os amigos à volta da lareira;
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e o cântico6, que reúne, às quartas-feiras e sábados à noite, os indivíduos junto da Igreja partindo depois para uma ronda pela aldeia, passando pelas diferentes ruas da aldeia e parando, momentaneamente, nas encruzilhadas e à porta das casas que tenham luz acesa. Momentos de Passagem Aquilo que podemos denominar de um hábito popular é o acto de fazer promessas. Algo a que os indivíduos recorrem frequentemente na sua existência quotidiana e a facilidade e naturalidade com que o fazem remete a promessa para um universo comum, transformando a relação com a divindade numa corrente troca de favores e numa reciprocidade generalizada. A encomendação das almas pode também ser consequência de uma promessa, que um ou vários indivíduos tenham feito e assim a contra-dádiva passa a ser a prece7 pelas almas do Purgatório. Este encontro de interesses para além de propiciarem o rito, reforça a teia de solidariedade social comunitária e permite aos indivíduos projectarem um imaginário cultural comum. Fácil será compreender que apesar de estarmos perante uma manifestação pública de fé ou crença colectiva, na sua essência trata-se de um momento introspectivo e que diz respeito à experiência religiosa individual de cada participante, pois cada um recordará e suplicará pelas almas daqueles que lhe são mais próximos. Assim, também não será de estranhar que a motivação individual para a participação nesta manifestação, seja algo que não é partilhado nem conhecido pelos demais. Tal como acontece na promessa, a relação ou o diálogo com a entidade sagrada é algo de pessoal e intransmissível, não carecendo de verbalização escrita ou oral. Todos juntos mas cada qual com o seu sofrimento e o seu pedido. Este carácter funcionalista e, de certa forma, egoísta8, leva-nos também a perceber a importância do culto aos mortos nas comunidades tradicionais, que ritualizam a morte como um momento de passagem e preocupam-se
com ele, pois acreditam que é uma passagem para o além, para outra vida e/ou para outra dimensão. Este momento não tem a ver só com a morte, mas sim também com a vida e é um pilar basilar das comunidades9. Portanto, interessa procurar saber a importância destes rituais de morte enquanto elementos estruturantes ou estruturadores da vivência quotidiana das pessoas e das comunidades. A Devoção Esta devoção às almas do Purgatório é simples e humilde e, ao contrário do que acontece com o santo da aldeia, com os santos padroeiros ou com qualquer outra veneração a uma divindade, não carece de qualquer materialidade - iconografias, altares ou construções maiores. Como podemos verificar aqui, em Carção, qualquer local pode ser esse áxis mundi, enquanto lugar possuidor da energia vital da criação, onde o mundo profano é transcendido e é possível a comunicação com os deuses (Eliade, 2002), onde é possível a ligação entre o Céu, a Terra e o Inferno. Esses lugares podem ser a casa, a rua ou a encruzilhada. A própria deambulação pelas ruas remete-nos para a ideia de procissão que é um cortejo ritual e, tal como é sabido, tem por objectivo impregnar-se da “virtude” que emana do centro e fazê-la irradiar difusamente pelas periferias. Portanto, sacralizar lugares por defeito profanos. Esta fé e esta devoção das gentes desta aldeia são atestadas, também, pela existência de um retábulo na igreja dedicado às almas do Purgatório10. Estaria tentado a referir-me a este retábulo como um Ex-Voto11, mas pelo facto de nunca o ter estudado e dada a sua imponência, pela qualidade e pelo pormenor, prefiro evitar a especulação e reforçar a sua importância enquanto materialização simbólica da centralidade do culto às almas do Purgatório em Carção. Espaços e Movimentos Como já vimos este ritual acontece em dois espaços bem distintos – casa e rua, normalmente apresentados como opostos simbólicos, que deixam perceber uma estruturação e endereçam-nos para a omnipresente hierarquia dos espaços. Convirá estabelecer um princípio de organização do espaço, ou seja, como é vivido, sentido e percebido, numa lógica de continuidades e descontinuidades entre aquilo que é considerado sagrado e aquilo que é considerado profano, duas modalidades de ser no mundo, duas situações existenciais assumidas pelo
Homem ao longo da sua história (Eliade, 2002). Associados a esta separação entre estes dois mundos estão, também, os conceitos de puro e impuro, sendo que o puro está para o sagrado como o impuro está para o profano. Existe um permanente cuidado por parte dos indivíduos e das comunidades em banir o impuro do espaço ou lugar sagrado – tal como poderão verificar mais à frente no texto, a passagem e a paragem dos grupos de encomendadores nas encruzilhadas poderá ser significativa em relação a este aspecto. Segundo nos diz Paulo Lopes (2002) existiram até à década de 80 vários cruzeiros12 espalhados pela aldeia. Lugares onde os grupos de encomendadores paravam momentaneamente para, em grande roda, rezarem e cantarem em louvor de Deus e sufrágio das almas do Purgatório. Na sua grande maioria estas construções encontravam-se nas encruzilhadas13, locais com forte simbolismo, pois cada encruzilhada é um lugar sagrado e constitui uma ruptura do espaço segurizante da aldeia e por isso importa que a procissão, que projecta o sagrado para fora do seu âmbito e sacraliza os territórios que pisa, percorra todas as encruzilhadas para garantir que os maus espíritos se mantenham afastados. É aqui, nas encruzilhadas, que as almas se reúnem em procissões nocturnas conhecidas como “irmandades” e, por isso, os indivíduos quando encomendam as almas estão
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também, a participar nesse esforço colectivo de vivos e mortos. Um outro aspecto interessante e que reforça esta simbiose simbólica é que, tal como as irmandades se cobriam com lençóis brancos dissimulando os seus rostos, os participantes (vivos) cobriam-se totalmente, principalmente o rosto, para que não se soubesse quem canta. Uns e outros ocupam os mesmos espaços que consideram seus. Para além do valor e do significado que cada um desses cruzeiros teria para a população (LOPES, 2002), importa aqui referir o simbolismo religioso destas construções. Segundo o Padre Fontes (1992), para afugentar o diabo, as coisas ruins e dar virtude aos frutos, afugentar as almas do outro mundo, é a cruz que serve a tudo, de remédio e mesinha. Nas encruzilhadas dos caminhos, a meio da aldeia, lá está o cruzeiro. No lugar dos grandes perigos, onde inimigos nos esperam e se cruzam, onde os bandidos atacam, onde as sombras assustam, nas encruzilhadas, a mostrar e guiar os viandantes, ergueram-se os cruzeiros. Identidades e Tempo É por esta forte adesão dos habitantes de Carção e suas diásporas a este momento particular da sua vivência religiosa que poderemos afirmar que estamos, também, perante uma questão de identidade: de ser ou não ser,
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de pertencer ou não pertencer. Esta dimensão identitária obriga a um permanente diálogo do eu (individuo e/ou comunidade) com os outros (indivíduos ou comunidades) – leia-se aqui a possibilidade de a encomendação das almas ser algo que acontecerá noutras geografias, noutras populações da região e concelho e, portanto, ser necessário esse exercício de entendimento daquilo que eu vejo nos outros que se assemelha ou difere de mim e naquilo que os outros poderão ver em mim que difere ou se assemelha a eles14. Através destes vários processos constroem-se as identidades individuais e colectivas. E estas últimas são, por seu lado, centrais para a definição das identidades individuais e, aqui, a participação e o reconhecimento deste ritual pode ser entendido como uma narrativa - naquilo que Appiah (1994) chama de manuscritos, definindo-os como narrativas que as pessoas podem usar ao moldar os seus planos de vida e ao contar as histórias das suas vidas – que identifica e agrega as gentes de Carção. Mas identidade é também a continuidade de um povo ou comunidade ao longo do tempo. Símbolos de identidade são aqueles que permitem mostrar e afirmar a sua continuidade, a sua permanência enquanto comunidade. Esta noção de identidade implica, obrigatoriamente, uma espécie de memória colectiva15, com capacidade de interpretar e de reconhecer-se ao longo da
história. A tradição16 ocupa aqui, sem qualquer dúvida, um lugar central, uma vez que coincide com a herança cultural que os Carções herdaram de seus antepassados e é essa tradição que permite um controlo reflexivo da acção na organização do espaço-tempo da comunidade, inserindo cada actividade ou experiência particular na continuidade de passado, presente e futuro. Apesar de, actualmente, estarmos enquadrados por um “mundo” social dito moderno, onde a noção de estilo de vida assume um lugar central e um significado particular, quanto mais a tradição perde a sua influência e a vida quotidiana é reconstituída em termos de uma dialéctica entre o local e o global (Giddens), mais os indivíduos são forçados a negociarem escolhas entre uma diversidade de opções de estilos de vida. Será também por isso que, a terminar este pequeno texto, relembro a obrigação cultural da geração actual na preservação e manutenção deste peculiar ritual para que possa alcançar o tempo futuro e as suas gerações. Luís Vale Mestre em Estudos Culturais, vertente Antropologia Licenciado em Antropologia Presidente da Associação Eira – Cultura Implicada –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Algumas das obras Publicadas Bem Perto do Céu – A Novena Retiro da Senhora da Serra (2007) Histórias de Escano e Soalheira (2008)
_____________ 1 Pela eminência de condicionalismos temporais e geracionais, acrescido o meu desconhecimento de qualquer estudo sobre este ritual deixo aqui o alerta para que, com a brevidade possível, se proceda a um estudo mais rigoroso acerca deste rito. Será uma obrigação hereditária para todos aqueles que de uma forma ou de outra, tiveram contacto com o mesmo. 2 Modos de agir que só nascem no interior de grupos homogéneos e que se destinam a suscitar, a alimentar ou a refazer certos estados mentais desses mesmos grupos (Durkheim, 2002). 3 Diga-se, para bem da verdade empírica, que será muito fácil este rito, com o passar do tempo e das gerações , desaparecer definitivamente da vivência desta comunidade e passar a ser mais uma das inúmeras recordações colectivas do imaginário transmontano.
4 O tempo sagrado é permanentemente recuperável e repetível. Mantém-se sempre igual a si mesmo, não muda nem se esgota, enquanto que o tempo dessacralizado tem uma duração precária e evanescente, que conduz irremediavelmente à morte (Eliade, 2002). 5 Em muitas comunidades rurais eram comuns as ladainhas, que consistiam numa procissão que deambulava pelos campos do termo da aldeia, pedindo aos santos por uma boa sementeira. 6 Símbolo por excelência da palavra que liga a potência criadora à sua criação, na medida em que esta reconhece a sua dependência de criatura e a exprime na alegria, na adoração ou na imploração. É o sopro da criatura a responder ao sopro do criador. 7 Marcel Mauss escreveu, em 1909, um texto acerca da Prece, no qual a define como “actos tradicionais eficazes que se relacionam com as coisas consideradas sagradas” e como “a instituição central no processo evolutivo da vida religiosa das sociedades e que na sua origem possui apenas rudimentos indecisos, fórmulas breves e esparsas, cânticos mágico-religiosos que mal se podem chamar de preces. E depois desenvolve-se, sem interrupção, e termina por invadir todo o sistema de ritos”. Segundo este autor a prece pode ser considerada um rito, pois possui as mesmas propriedades e a mesma eficácia de um rito religioso (Mauss, 1909). 8 Quando digo egoísta é no sentido de que me parece óbvio que face ao fascínio e aos receios provocados pelo total desconhecimento da morte, e face às incertezas quanto ao destino da nossa alma depois dessa passagem e na impossibilidade de garantirmos um lugar cativo no Céu, importa garantir que alguém encomende também a nossa alma. 9 Nas nossas comunidades sempre houve rituais de natalidade e mesmo pré-natais. A morte é redentora. 10 Segundo recolha de Leonel Vaqueiro Salazar que na Revista Almocreve nº 0 faz uma pormenorizada descrição do mesmo. 11 Tem por significado “por um voto” e provém do latino vóveo. No vocabulário popular é, muitas vezes, substituído pelos termos milagre, graça ou mercê. São vários os tipos e formas destas manifestações: quadros, figuras, objectos e relíquias. São ainda hoje visíveis nas igrejas, sacristias e locais de veneração ou culto, como provas do cumprimento de um voto ou em memória de uma graça obtida. 12 Padrão da Cristandade, símbolo de crença e elemento falante na paisagem humana. 13 A importância simbólica da encruzilhada é universal. Cruzamento de caminhos encontra-se no centro do mundo. Lugares epifânicos (de aparições e revelações), as encruzilhadas são assombradas pelos espíritos e, por isso, o homem que procura reconciliar-se com eles, ergue construções – obeliscos, altares, pedras e inscrições, tudo o que possa contribuir para a reflexão. São um lugar de passagem entre mundos, da vida para a morte. 14 Implícita está a ideia de relativismo cultural. 15 Pode ser entendida como um quadro de referência partilhado de recordações individuais. É constituída pela integração de diferentes passados (individuais) num passado comum aos membros de uma comunidade. 16 Inerente à ideia de modernidade, surge um contraste com a tradição como modo de integrar controlo reflexivo da acção na organização espácio-temporal da comunidade. O papel da tradição é, também, o de permitir reanalisar o passado, em situação de presente, evocar papéis sociais do mundo de ontem, não afastando a necessidade de a própria tradição ter de ser reinventada por cada nova geração (MAIA). Bibliografia: DURKHEIM, Émile, 2002, As Formas Elementares da Vida Religiosa, Oeiras, Celta Editores; ELIADE, Mircea, 2002, O Sagrado e o Profano, Lisboa, Livros do Brasil; ESPÍRITO SANTO, Moisés, 1990, A Religião Popular Portuguesa, Lisboa, Assírio & Alvim; LOPES, Paulo, 2002, Encomendação das Almas, in Revista Almocreve - edição 0, Carção, Edição da Associação Cultural dos Almocreves de Carção; MAIA, Rui Leandro (org.), 2002, Dicionário de Sociologia, Porto, Porto Editora; MAUSS, Marcel, 1909, La Prière, Paris, Félix Alcan Éditeur; RODRIGUES, Francisco, 2000, Carção suas gentes usos e costumes, Carção, Câmara Municipal de Vimioso; VALE, Luís, 2007, Bem Perto do Céu – a novena-retiro da Senhora da Serra, Chamusca, Edições Cosmos.
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Por gentileza de «O Almocreve de Carção», tive o privilégio de ler o livro «Carção, a Capital do Marranismo», excelente trabalho de investigação histórica, da autoria de Fernanda Guimarães e António Andrade. Devem os seus autores ser felicitados por este valioso contributo para o estudo das comunidades cripto-judaicas da região, e encorajados a continuar a obra, como prometem. Gostaria de dedicar este meu comentário a algumas reflexões pessoais sobre o uso dos termos marrano e marranismo, sobre o qual ainda não consegui libertar-me totalmente de sentimentos mistos. Tempo houve em que era intransigente na minha objecção ao uso do vocábulo marrano, para designar o cripto-judeu, isto é, o indivíduo que, professando oficialmente outra religião, v.g. o cristianismo, segue secretamente todos ou alguns rituais judaicos1. Quando, na década de 1980, aceitei colaborar voluntariamente na feitura do documentário de Frédéric Brenner e Stan Neumann, «Les Derniers Marranes» sobre esse tema, impus, como condição, que me foi confirmada por escrito, que o título não incluiria essa palavra, que eu considerava pejorativa. Quando o filme se encontrava na fase da montagem, e, quando, por necessidade de financiamento, a empresa produtora francesa se viu forçada a fazer um contracto com um canal de televisão, foi-me pedido que os libertasse do compromisso assumido para comigo, pois de contrário a associada potencial se recusava a participar. Os argumentos que me venceram foram dois: marrano era a designação pela qual eram universalmente conhecidos os heróicos descendentes dos judeus convertidos pela força, que conseguiram manter, em constante perigo de morte, as suas tradições secretamente, durante quatro séculos. Tornara-se, portanto, mais num título de mérito, do que num apodo negativo. Por outro lado, era também usado sem relutância por historiadores eméritos como Cecil Roth e Salvador Revah, entre muitos. Cripto-judeu, a designação que eu pedia que fosse usada, só seria reconhecida pelos estudiosos, que não representavam certamente a maioria da audiência que o documentário iria ter. Antes de me render à evidência, fiz um pequeno estudo sobre a matéria. São as conclu-
Foto: Frédéric Brenner “Carção, Largo das Fontes”.
A origem e evolução da palavra Marrano
sões desse estudo que me proponho compartilhar com os leitores. A história das palavras, envolvendo etimologia e semântica, sofre como toda a história, da sua característica de interpretação, nem sempre objectiva, nem sempre comprovada por factos, e deve ser encarada, portanto, com todas as reservas e com a admissão A priori da possibilidade de erros. Marrano palavra que nos chegou da língua castelhana significava porco. Disso não há dúvidas. A sua atribuição, primeiro aos judeus em geral, depois aos judeus convertidos ao cristianismo, indica uma manifestação de desprezo, através do nome de um animal, considerado imundo, cujo consumo lhes estava proibido pela sua anterior religião. Originalmente, era uma palavra árabe, muharrama, de cujas diversas acepções, todas em redor do mesmo sentido, podemos destacar excluído, proibido, excomungado. O termo, usado pelos ocupantes muçulmanos, terá pois ficado para a língua castelhana, como o nome do animal proibido, mas também como o indivíduo excluído da sociedade. O falso convertido, tanto judeu como muçulmano no passado, deveria ser excluído. Era uma muharrama, um marrano.
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Foto: Frédéric Brenner “Vilarinho dos Galegos - Olivia Tabaco”.
Na prática, era impossível distinguir entre os significados de marrano e de porco. Evidentemente que, nos meios judaicos, o termo marrano não era usado. Vejamos, o que podemos aprender, a esse propósito, no processo de Francisco Mendes, o Beicinho, de Miranda do Douro, na Inquisição de Évora, no ano de 1544.
Francisco Mendes era um preceptor secreto da religião judaica, junto dos cristãos-novos da região mirandense e, mesmo no cárcere, era consultado pelos restantes presos, em matéria de religião. Perguntado sobre os méritos de um livro escrito por certo judeu, que se havia convertido, “como eles” e era agora cristão, Francisco Mendes atalhou logo que eles não eram como aquele, porque eles eram anussim (forçados em hebraico, singular anuss), enquanto o outro era um mechumad, isto é um renegado, que se havia convertido voluntariamente. O termo anuss, anussim, usado por este cripto-judeu, no cárcere da Inquisição no século XVI, já era usado há muitos séculos antes, e ainda hoje é usado na literatura hebraica, para designar os convertidos pela força na Península Ibérica e os seus descendentes. É também a designação usada actualmente pelas diversas organizações de descendentes de conversos, em diversos países do mundo, que procuram aprofundar as suas raízes judaicas e regressar ao judaísmo dos seus antepassados, como, por exemplo Saudades, na África do Sul, Kulano, nos Estados Unidos, e Shavei Yisrael, em Israel. Temos assim o termo hebraico Anussim (ou na grafia inglesa Anusim) a ser usado em várias línguas, em substituição de Marrano. Em Israel, só se usa anussim. Como a criatividade humana não tem limites, há quem use a grafia marranus (Barros Basto foi mais longe e escrevia maranus, com
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um só R) e então propõem uma pseudo-etimologia hebraica para a palavra mar anuss. Mar pode ter dois significados em hebraico: senhor e amargo. Assim mar+ânus poderia ser senhor forçado, ou, mais plausivelmente, amargamente forçado. Barros Basto, intitulado, o Apóstolo dos Marranos, pelo historiador judeu Cecil Roth, passou a usar também o termo com o sufixo hebraico para o plural: maranussim! Deixando estas especulações, que só muito boa vontade poderia levar a aceitar como históricas, tentemos agora colocar o significado de marrano, no seu lugar semântico, ao lado de cristão-novo e de cripto-judeu. Israel Salvador Revah, falecido historiador judeu francês, entendia que todos os marranos são cristãos-novos, mas nem todos os cristãosnovos são marranos. Isto é, antes da abolição da distinção entre cristãos-velhos e cristãosnovos, todos os descendentes de judeus forçados a converter-se ao cristianismo, eram cristãos-novos. Mas só aqueles, de entre eles, que continuavam a praticar em segredo reminiscências do culto judaico, eram marranos. Aceito a diferenciação, como sou forçado a aceitar o uso comum que se dá hoje ao termo marrano, como equivalente de cripto-judeu, designação esta que me parece menos controversa e mais correcta. Tenho muitos amigos em Belmonte que, na altura em que os conheci eram cripto-judeus. Pertenciam a um grupo de famílias de cristãos-novos que persistentemente conseguiram transmitir e manter, de geração em geração, uma tradição religiosa judaica, durante quatro séculos. Nas últimas décadas eles adoptaram o judaísmo moderno e foram aceites no seu seio. Apesar disso, algumas pessoas mais idosas, entre eles, continuam a manter, às escondidas, em paralelo com o culto da sinagoga, os costumes ancestrais, que receberam por transmissão familiar. São reminiscências, que me atreveria chamar, à falta de melhor classificação, de cripto-marranismo... Aquilo que praticavam no passado e escondiam dos padres, continuam a praticar agora, às escondidas dos rabinos... Em Trás-os-Montes, penso que já não existe cripto-judaísmo. Há cerca de 25 anos, quando a conheci, a bondosa senhora Olívia Lopes, ou Olívia Tabaco, como era conhecida, sabia muitas orações do tempo de sua mãe, e quando se lembrava, ainda acendia as candeias nas noites
Foto: Frédéric Brenner “Carção - Rua das Pereiras”.
Foto: Frédéric Brenner Rebordelo (irmãos Francisco e Abraão Gaspar).
Foto: Frédéric Brenner “Rebordelo - Deolinda Araújo”.
Foto: Frédéric Brenner “Aldeia de Jueus (Caramulo)-
de sexta-feira, pronunciando em português a mesma oração que a minha mulher ainda hoje usa, em hebraico, para acender as velas de Shabath. O meu saudoso amigo, Amílcar Paulo, um pioneiro na recolha das orações dos cripto-judeus, ainda conheceu, dez anos antes, a mãe de Olívia, que se chamava Otília Augusta Lopes, e testemunhava que ela não só praticava, mas sabia de cor todo um manancial de orações cripto-judaicas em português. Em Rebordelo, Deolinda Araújo, que conheci com 94 anos de idade, e com quem conversei outra vez, três anos mais tarde, era uma mulher com uma personalidade extraordinária, que mantinha uma relação directa com Deus, comunicando com Ele por suas próprias palavras. Sabia de cor todas as mesmas orações registadas em Belmonte, como sabia as que o padre lhe ensinara na igreja. Tendo ficado órfã de mãe, quando era pequenina, seu pai, que era polícia de viação, colocou-a em Rebordelo, em casa de uma tia. Vinha visitá-la sempre que podia, com o motociclo do seu serviço. Por isso, a filha ficou conhecida por Deolinda do Mota. Deolinda deu à luz 18 filhos, “nunca tive uma dor, porque o Senhor sempre me ajudou. Era como ir buscar uma bilha de água à fonte...” Quando era menina, o padre mandou-o rezar as suas orações, lembrava-se ela. “Quais? as da igreja ou as de casa?”. O sacerdote católico que, segundo outras fontes locais, também era de origem cristã-nova, pediu-lhe as de casa. E, quando as ouviu disse-lhe: “Deolinda, podes dizer umas e outras, pois todas são boas, e se rezares do coração, Deus não faz distinção”. Mas Deolinda não precisava da aprovação de ninguém para seguir a sua religião. Nunca escondeu a sua qualidade de judia. A quem, como eu lhe fazia perguntas sobre esta ou aquela versão das suas orações, onde encontrei reminiscências em língua hebraica, ela tinha uma resposta pronta: “O senhor com a sua e eu com a minha”. Diz o Talmud que “foi por mérito das nossas mães que os nossos pais saíram do Egipto”. Em Trás-os-Montes e nas Beiras, foi por mérito das judias piedosas que se conservou a memória do judaísmo de antanho. Inácio Steinhardt ––––––––––––––––––––
1 O termo aplicou-se também aos mouros, que praticavam a sua religião às escondidas, mesmo depois de convertidos ao cristianismo, mas com menos impacto.
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UM INTERESSANTE DOCUMENTO SOBRE A FÁBRICA DE COLA DE CARÇÃO Todas as povoações do Nordeste Transmontanosalvo raras excepções – onde se refugiaram e fixaram pessoas de etnia judaica, desde os finais do século XV, distinguiram-se pelo poder de iniciativa que conduziu ao progresso económico e social das populações. Ainda, neste princípio do século XXI, podemos citar alguns desses povos que viram aumentar as suas populações pela fixação dos judeus. Estão nestas condições as povoações de Sendim, no concelho de Miranda do Douro; Lagoaça, no Concelho de Freixo de Espada à Cinta e a própria sede de concelho; Rebordelo, no Concelho de Vinhais; Vilarinho dos Galegos, no concelho de Mogadouro; Campo de Víboras, Argoselo e Carção, no concelho de Vimioso, e a própria sede de concelho. Nestas povoações, apesar de toda a depuração que a Inquisição exerceu durante os séculos XVI a XIX, a população de sangue hebreu procurou integrar-se vencendo leis, condições e circunstâncias, atingindo os fins sem olhar aos meios, porque, como diz o provérbio de Carção,”onde há lucros não há escrúpulos”. Interessa realizar capital de tudo, interessa viver, fazendo do negócio um ideal e essencial “modus vivendi” et cogitandi (um modo de viver e de pensar). Constatamos, no entanto, que este modo de viver e de pensar levou ao trabalho e ao sacrifício duro que fez o progresso de muitas famílias e de muitos povos. Não vamos fazer mais considerações, porque muita gente está mais informada do que eu, no que a isto diz respeito. O que nos leva a escrever estas poucas linhas é um documento que fala de uma licença da Junta Das Fábricas do Reino emitida por despacho de 20 de Julho de 1785 a favor de Ana Garcia e seus filhos, António Lopes, Manuel Lopes e Francisco Lopes para a montagem de uma fábrica de cola na povoação de Carção, naquele tempo, termo da vila de Outeiro. Devemos deixar claro que este documento é citado pelo Abade de Baçal, na página 203 do Vol. IV das Memórias e o mesmo Abade refere, no volume II da mesma obra, que há ainda três fábricas de cola. Em segunda mão, também José Maria Amado Mendes cita o Abade na página 411 da obra Trás-os-montes nos Fins do século XVIII. Acontece que nem o Abade de Baçal nem Amado Mendes transcreveram, integralmente, o documento que nos parece de certo interesse pela totalidade do conteúdo. O facto de a Junta do Comércio e da Junta das Fábricas do Reino conceder licença para abrir a fábrica de cola, em Carção, é importante enquanto mostra o poder de iniciativa da parte de Ana Garcia e seus filhos de montar um empreendimento com
fim lucrativo, mas é também de muito relevo o facto de ser um empreendimento a favor dos artífices de novos inventos e com a obrigação expressa de ensinar os aprendizes nacionais que “em número competente a Junta lhes arbitrar“. A orientação da Junta vem no sentido de ensinar aos novos aprendizes as novas tecnologias do tempo e o que nos surpreende bastante é o facto de os senhores da fábrica serem obrigados a instruir “sem reserva alguma e sem que por este respeito (pelo ensino) possam pedir ou aceitar prémio algum nem ainda pecuniário durante o tempo da sua obrigação (de ensinar) que não excederá cinco anos. Para este “curso”, os donos da FÁBRICA deviam obrigar a matricular os aprendizes na Secretaria da mesma Junta tudo na forma e debaixo das obrigações do termo que assinaram na dita Secretaria deste Tribunal, visto que pela sua perícia se conste serem dignos desta graça que lhe facultamos por este Alvará”, etc. Neste nosso tempo do século XXI, ouvimos falar em novas tecnologias. Estamos no tempo dos computadores, dos MP, das iniciativas de novos empresários da Agricultura, da Indústria e do Comércio e das técnicas de markting, etc., mas, como vemos, neste e em outros testemunhos documentais, o desejo e a iniciativa do progresso vem de longe e o que mais nos edifica é que já, há mais de duzentos anos, os poderes centrais viam, na indústria, uma fonte de lucro e progresso, aceitando e estimulando a montagem de fábricas e também levando os donos a ensinar a quem quisesse aprender novas artes e métodos de aprendizagem, constituindo, por assim dizer verdadeiros centros de formação profissional. Sabemos que esta indústria da cola foi bem sucedida, porque em Carção, no tempo do abade de Baçal, em pleno século XX, ainda existiam três fábricas de cola. Não consta que, hoje, em Carção ou em Argoselo, exista ainda alguma fábrica de cola, mas ainda há quem se lembre da elaboração da cola em caldeiras, de maneira artesanal. Foi a ciência que ficou dos velhos tempos do século XVIII e, com certeza, de tempos anteriores. Quais os produtos usados na elaboração da cola? A cola é uma substância adesiva que se produz a partir de produtos animais, vegetais ou ainda por mistura destes produtos. É de admitir, sem reservas, que os fabricantes de Carção usassem as peles, os ossos e cartilagens para a obtenção das colas de origem animal constituídas por gelatinas e condrina, produto que se obtém do cozimento das cartilagens. Também usaram as resi-
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nas das árvores – pinheiro, cerejeira, amendoeira, juntamente com os produtos animais. Carção, bem como Argoselo, eram terras de curtidores. Por isso, estes agentes do negócio e da arte da pele aproveitavam as gelatinas dos ossos, das cartilagens e das peles para fabricar a cola. Nada se perdia do pelame e do ossário. Tudo se transformava. Realmente o judeu foi sempre inteligente e de visão muito larga para a produção e para o negócio. Qual a utilidade da cola? A cola era exportada para fora da região, mas também usada aqui, em todo o Nordeste, em móveis de madeira, na colagem das diversas peças de centenas de retábulos de madeira das nossas igrejas, e como tapa poros das diversas peças de madeira dos retábulos, esculturas e móveis, amassada com serrim para colar esculturas e as madeiras nas habitações, para pegar o couro, o papel e o vidro, etc. Na época do licenciamento da fábrica, este produto devia ter uma grande procura, porque alem desta, existiram, em Carção, mais duas fábricas de cola, que se aguentaram, até bem adiantado século XX. Todas estas fábricas desapareceram com a chegada da grande indústria de novos produtos, com o desenvolvimento dos meios de comunicação e dos transportes. E também com o abandono desta região por parte dos poderes centrais que tudo concentraram nos grandes centros urbanos e industriais do litoral, mas o Nordeste Transmontano gerou, desde longa data, homens de iniciativa económica, de envergadura cultural que se impuseram e impõem também socialmente, como valores de grande relevo no país e no estrangeiro. Isto é para lembrar aos senhores dos governos que em Lisboa se encerram nos seus gabinetes como frades em clausura perpétua, a obrigação que têm de olhar com olhos de homens para a esperta e laboriosa gente do Nordeste Transmontano e trata-la como é seu expresso dever. Apêndice documental Carção Registo da licença da Junta do Comércio para se fabricar cola no lugar de Carção que he a seguinte: O Presidente e deputados da Junta da Ademenistração das Fábricas do Reyno e obras de Agoas Livres concedemos licença a Anna Garcia viúva e seus filhos António lopes Manoel Lopes e Francisco Lopes moradores no lugar de Carção termo da villa de Ou-
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teiro ,Comarca de Bragança para que possao abrir no mesmo lugar de Carção huma fábrica de fazer cola e isto em virtude da Real resolução de Sua Majestade a favor dos artifices dos novos inventos com declaração porem que serão obrigados a ensinar aprendizes nacionais que em numero competente lhe forem arbitrados por esta Junta ,instruindo-os sem reserva alguma sem que por este respeito lhes possam pedir ou aceitar premio algum nem ainda pecuniário durante o tempo da sua obrigação que não excederá de cinco anos fazendo-os igualmente matricular na Secretaria da mesma Junta tudo na forma e debaixo das obrigaçõens do termo que assinarao na dita Secretaria deste tribunal visto que pela sua perícia se conste averse dignos desta graça que lhe facultamos por este alvará por nós asignado e sellado com o sello desta Junta . Lisboa vinte e tres de Setembro de mil setecentos e oitenta e cinco com quatro rubricas// Por despacho da Junta de vinte de Julho de mil setecentos e oitenta e cinco Registado a folhas duzentos e oitenta e sete do livro Segundo do Registo da Secreataria da mesma Junta. Cumprasse e registesse .Bragança vinte e seis de Outubro de mil setecentos e oitenta e cinco. Saopaio. E não dizia mais a dita licença de faculdade que aqui copiei da propria que entreguei ao suplicante Manoel Lopes que assignou de como a recebeu. Bragança e Outubro vinte e seis de 1785 João Alves de Almeida o escrevi e assinei. João Alves de Almeida; Manoel Lopes (Livro do Registo das Leis da Câmara de Miranda do Douro, 1762-1801,fol.174 e 174/V) ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Fontes:
Arquivo da Câmara Municipal de Miranda do Douro, LIVRO DE REGISTO DAS PROVISÕES DE MIRANDA DO DOURO, fol.174 e174/V). Alves, Pe Francisco Manuel Alves, Memórias Arqueológico – Históricas do Distrito de Bragança, Vol. II e vol. IV Mendes, José Maria Amado, Trás os Montes nos fins do século XVIII, Coimbra 1981
António Rodrigues Mourinho
Doutoramento em História da Arte - Universidade de Valladolid. Licenciatura em História da Arte - Universidade de Valladolid. Director do Museu de Terras de Miranda, de 1988 a 2007
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Algumas obras publicadas A talha nos concelhos de Miranda, Mogadouro e Vimioso A História do Património Histórico e Artístico do Concelho de Macedo de Cavaleiros Documento para o Estudo da Arquitectura Religiosa Antiga
As casas típicas dos séculos XIX e XX no concelho de Vimioso lias de parcos recursos, parece-nos ser muito típico, deste concelho. Apesar, de se terem feito algumas reconstruções, ainda persistem uma larga amostragem, e o motivo é que quem constrói quer construir em espaços mais amplos não no meio do centro urbano, local onde se situam estas casas. São casas que se foram fazendo por partes, iam-se ampliando conforme as necessidades e as posses, mas no geral são muito exíguas, talvez por não haver posses para fazer maior e melhor mas também porque o espírito de poupança a isso recomendava “casa quanto caibas”. Ao lado destas há algumas que apontam para outro tipo de construção, também, a opulência e ou o espírito dos donos, é notório logo pelo exterior do alpendre, dos pilares, da varanda, e pelo tipo de pedra utilizada. Fiz uma reportagem fotográfica deste tipo de construções já lá vão uns doze anos, agora, quando fui fazer uma visita de reconhecimento notei que algumas das casas já não existiam, e outros levam a placa “vende-se”, qualquer dia este património será uma miragem.
O Concelho de Vimioso situa-se no nordeste transmontano, pertence ao Distrito de Bragança, confina a Norte com a Espanha, a Nascente com o Concelho de Miranda do Douro, a sul com o Concelho de Mogadouro e a poente com os Concelhos de Bragança e Macedo de Cavaleiros. Tem uma área de 481.5 quilómetros quadrados e é composto por 14 freguesias: Algoso, Angueira, Argozelo, Avelanoso, Caçarelhos, Campo de Víboras, Carção, Matela, Pinelo, Santulhão, Uva, Vale de Frades, Vilar Seco e Vimioso. Há casas tradicionais de rara qualidade, já que mantêm as características típicas do século XIX, ainda com os alpendres, as clarabóias, o poço, o curral ... enfim, o embelezamento proporcionado pela utilização da pedra e da madeira. Actualmente, sente-se alguma procura deste tipo de casas a fim de serem aproveitadas para o Turismo Rural e ainda bem que assim é, caso contrário será a degradação inevitável. As várias fotos que apresentámos constituem uma amostragem de dois tipos de casas, muito típicos do concelho. O grupo que considerámos ter pertencido a famí-
Casa com sacada ou Alpendre em Matela É uma construção em dois andares. O primeiro em ardósia e xisto, o segundo em estu-
que (palha e madeira), por ser mais fácil o seu tratamento. No primeiro andar, situava-se a loja, onde se guardava a criação. Debaixo das escadas há ainda uma outra dependência para pequenas arrumações.
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O segundo piso servia de residência aos donos. Aí se encontravam todos os apetrechos necessários ao dia a dia do agricultor e que, como podemos imaginar, seriam apenas os estritamente necessários. Este modelo de casa pode ser apreciado em várias aldeias do concelho. Regra: casas pequenas, poucas divisões, apenas as estritamente necessárias. Dois pisos: um para os animais, outro para o agregado familiar; escadas varanda e alpendre. Material utilizado: pedra, madeira, estuque, telha e foram caídas a branco. Geralmente estão viradas a sul, mas também há algumas viradas a poente. Actualmente algumas já deram lugar a outro tipo de habitação e muitos procuram novo dono, um reflexo da falta de gentes que caracteriza este nordeste transmontano. Casa em Matela Utiliza os mesmos elementos de construção da figura 1, embora com algumas diferenças construtivas ao nível das escadas e da entrada para a loja. O corrimão é muito simples: umas ripas de várias dimensões dão-lhe a estética. A telha, conhecida por telha antiga, é a usual nesta época e nesta zona. Em quase todas as
Casa com Forno em São Joanico Esta casa apresenta soluções construtivas muito vulgares, embora tenha tido um acrescento à posteriori do qual surgiu um forno. Geralmente, o forno surge na cozinha, e não havia chaminés. Neste caso, adaptouse um forno no alpendre, que por sinal, se apresenta em boas condições, também aqui
se utilizaram os elementos da região: pedra, telha e barro, materiais que estão à vista, claro está que outra parte invisível, segredo de cada artista. Fazer um forno é trabalho de artista, sim porque erguer uma cúpula exige alguma técnica. Desde que se inicia a parte inferior até colocar a chave praticam-se conhecimentos geométricos, empíricos… transmitidos de geração em geração obras de arte e engenho sem que manuais de arquitectura. Virada a Sul, esta casa tem sol todo o dia, que inveja para muitos citadinos, pena que alguns dos engenheiros e arquitectos continuem a projectar casas no mundo rural sem que este pormenor seja equacionado. O alpendre é suportado por grossos toros de madeira. Casa em Caçarelhos Trata-se uma casa de lavoura virada, sensivelmente, a sul e muito típica da arquitectura
aldeias havia telheiros que aproveitavam o fim de verão para fazer umas fornadas. Matéria-prima: palha, barro e excrementos dos asininos e mulares para dar maior consistência. Lá está, bem visível, na porta do andar inferior, a gateira para entrada livre dos gatos. Está em estado bastante degradado. A recuperação é urgente.
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conseguida à base do granito da região. Tudo indica que terá sido erguida por partes. Devemos registar o aproveitamento que se fez do espaço, mas também a ideia de imortalidade, traduzida tanto pela força e perenidade da pedra que utiliza, como pelas inscrições que ficaram na porta e nas janelas. Digna de apreço. Casa em Avelanoso O que torna esta casa especial é a forma circular que surge do lado esquerdo.
Tinha alpendre e a matéria-prima utilizada foi a pedra, o estuque e a madeira. O conjunto continua a representar a casa típica transmontana, com o alpendre no primeiro andar e a loja no rés-do-chão. O material de construção, como a figura o revela, é o típico da região Casa com Porta-postigo em Avelanoso Salientamos através desta casa, a porta com postigo.
Na porta, há um elemento que abre, o que possibilita a entrada de luz, a conversa com os vizinhos... sem ter que obrigatoriamente expor a casa aos olhos estranhos. Em casas em que a luz natural tinha difícil acesso, esta solução era óptima, pois funcionava como uma porta-janela. Casa em Avelanoso Esta casa, de consideráveis dimensões, quanto nos conseguimos aperceber, apresenta esta varanda, virada a nascente, sem dúvida óptima para uma sesta num dia de verão.
É mais uma casa de lavoura, com os dois andares, cada um com funções bem definidas. Casa e Curralada em Caçarelhos Esta casa apresenta trabalho, essencialmente, à base de granito moldado a pico. É um exemplar de casa de lavoura típica. À direita vemos o que foi uma porta de madeira, típica de um curral, por vezes também chamadas de curraladas.
Ainda há poucas décadas atrás se utilizavam muito este tipo de portões, também conhecidos por portaladas.
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Casa com Forno em Vale de Pena (parte do forno à esquerda) A construção é feita com pedra irregular e revestida com barro que depois era caiado. Na casa típica transmontana era frequen-
te ver o forno inserido na cozinha, não havia chaminés, um espaço óptimo para curar o fumeiro. Tudo se passava num espaço muito exíguo dando razão ao provérbio popular: “casa quanto caibas! Casa com Varanda e Alpendre em Caçarelhos Este bonito conjunto encontra-se a sul da igreja Matriz de Caçarelhos. Como é visível, os três pilares proporcionam um conjunto de rara beleza. Podemos imaginar que livros de arte conheceriam estes canteiros para representarem fustes tão graciosos! Esta, pertenceu a uma família afidalgada, e é algo diferente das que temos vindo a apresentar!
Ao lado, notam-se os vestígios de um antigo lagar de vinho, só pode, porque em Caçarelhos, como dizem os seus habitantes, a quantidade de azeite é todos os anos a mesma. Não são necessários lagares de azeite!
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Varanda de Casa em Carção Esta casa, derrubada alguns anos, apresentava uma solução para a varanda que se divulgou bastante nesta região, uma grande lousa de xisto assente em dois cachorrões.
As paredes revelam uma construção feita à base dos materiais da zona. Perante tal maravilha de determinação e engenho perguntámos: - Como foi possível erguer tamanha pedra e colocá-la naquela varanda? Casa em Avelanoso Tal como a anterior, esta casa utiliza grandes lajes de xisto para obter a varanda. Notase que foi reconstruída, em parte.
Casa em Carção A fotografia tenta demonstrar esta maravilha da arquitectura rural carçonense. O alpendre torna-se singular; as ripas de madeira. Ao lado esquerdo vemos um forno erguido sobre troncos de madeira, original! As escadas davam para duas portas, numa delas a ferradura para não deixar entrar os mausolhados, ou as bruxas, sei lá…O piso inferior,
Casa em Carção A semelhança com as duas anteriormente referidas é notória as entradas de luz são as que se vêm.
como tantos outros, estava destinado aos animais e às arrecadações. Plena utilização dos materiais existentes na região. Casa em Carção Nesta pequena habitação, já desabitada, nota-se uma porta com postigo, em madeira maciça. O trabalho do xisto, e a solução para sustentar o alpendre, são de algum interesse. Na arquitectura da actualidade, acabam por ser também estas as soluções. Evita-se contacto da madeira com zonas mais exposta ao tempo, e evita-se a degradação. As escadas são uma amostra do que foram.
As grades da varanda já utilizam o ferro o que não deixa de ser uma novidade. Repare-se nos pormenores dos capitéis. Casa em Pinelo Nesta casa notam-se vários materiais construtivos. O granito emparelha com o xisto e outro tipo de rochas. Parece-me digno de ressalvar a varanda em ferro forjado e os grossos pilares de granito trabalhado.
Pelas características de trabalho que apresenta, deve ter pertencido a uma família abastada e com gosto arquitectónico bastante apurado.
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Casa em Pinelo Construída em 1850, esta casa torna-se característica pelos grossos blocos de granito. E pelo formato da parte superior das janelas, a revelar um dono com algumas posses.
Dentro dos portões, em ferro, notam-se as características da casa típica transmontana, com as suas arrecadações, lojas para os animais e acesso à casa de habitação dos proprietários. Casa em Vilar Seco Neste bonito elemento de arquitectura são de realçar os pilares de granito, assim como as cantarias da varanda. Vislumbra-se um bom trabalho de canteiro. Bonito conjunto a revelar a qualidade dos pedreiros da região, e a algum desafogo de quem a mandou construir.
Conclusão Após ter-mos percorrido praticamente todas as aldeias deste concelho, podemos concluir que a arquitectura rural, apresenta duas características bem notórias: As casa pequenas, onde viveria um agregado familiar de fracos recursos. Utilizava elementos construtivos da zona: a saber madeiras e pedra de vários tipos, conforme a cara que apresentasse. São característicos os seus alpendres em madeira e virados a Sul. O segundo grupo de casas caracteriza-se utilizarem o granito nas portadas e varandas, apresentam bons trabalhos de pedreiro e são por norma de maiores dimensões. Quase poderemos dizer que para Este do rio, abundam as construções em granito e para Oeste são mais típicas as construções à base do xisto. Não nos é possível fazer referência a mais casas, no entanto pensamos que damos uma ideia dos dois tipos mais vulgarizados nesta zona. Afinal, notam-se estilos de construção. Embora não houvesse planos nem plantas, a arquitectura, seguiu a moda de construir dentro destas duas formas. Que o leitor não o veja como uma obra de rigor cientifico sobre a arquitectura, apenas uma imagem que pode ser o reflexo do que foram os séculos XIX e parte do XX, neste concelho. O bom será mesmo percorrer este paraíso desconhecido e sentir in loco a força que nos transmite a pedra, ou então deixar dar azo à imaginação de forma a que possamos beber um pouco do passado, tão próximo!
Fernando Pereira
Doutoramento em Ourivesaria Religiosa pela Universidade de Salamanca Mestrado em Estudos do Património pela Universidade Aberta Licenciatura em História variante História Arte pela Universidade de Coimbra –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Algumas obras publicadas A ourivesaria Religiosa no Concelho de Alfândega das Fé, Edição C.M.A.F. 1994 A Ourivesaria Religiosa do Concelho de Vimioso, Edição C.M. Vimioso, 1997
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JORGE LOPES HENRIQUES, de CARÇÃO, e alguns familiares processados pela Inquisição I JORGE LOPES – o caminho de Livorno Quintela de Lampaças, manhã de domingo, 13 de Dezembro de 1636.Nem uma alma pelas ruas da freguesia, que todos estavam na igreja para assistir à missa conventual. Ai de quem se atrevesse a faltar, sem motivo de força maior! Algo de diferente, porém, acontecia naquele domingo. Estava ali um comissário da Inquisição de Bragança, acompanhado de guardas e quadrilheiros requisitados na correição, com ordens de prender 19 pessoas de Quintela e levá-las presas para a cadeia de Coimbra, acusadas de terem participado em uma “missa judaica” celebrada em uma casa da aldeia, no Kipur de 1634. Mas… fechadas as portas da igreja e procurados os criminosos, verificou-se, com espanto, que só estavam 10! Faltavam 7 homens e 2 mulheres! Alguém os teria avisado que iam ser presos e, por isso, fugiram?! Mas como era possível? As suspeitas viraram certezas e recaíram as culpas sobre “um homem pequeno de barba preta”, filho de Luís Lopes, de Miranda do Douro que, na sexta-feira anterior estivera em Quintela, hospedado em casa de Martim Rodrigues e fora visto a entregar uma carta a Baltasar Dias. Tal carta – suspeitava-se – conteria exactamente a lista dos que haviam de ser presos.
Na sequência das investigações a que, por ordem da Inquisição de Coimbra se procedeu, em 1 de Abril de 1638 o licenciado Miguel Sousa Correia, juiz de fora de Bragança, acompanhado de um seu irmão e de um meirinho da comarca, procedeu à captura e prisão de Jorge Lopes Henriques, na aldeia de Carção onde
era morador e estava casado com Maria Lopes. No dia seguinte, foi o prisioneiro remetido ao tribunal do Santo Ofício de Coimbra, onde foi interrogado. Correu célere o seu processo pois que, no dia 15 daquele mês de Abril, o réu foi libertado porque os inquisidores concluíram “que não havia culpa para ser preso o réu nos cárceres, nem mais detido na prisão”. (1)
Estaria mesmo inocente? Ou seriam forjadas as provas que apresentou e os inquisidores iludidos? A verdade é que, regressado a Carção, Jorge Lopes tratou logo de fugir para Castela e daí para Livorno, cidade italiana governada pelos Medici onde os judeus podiam professar livremente a sua religião. E a partir dessa altura temos notícia de outras pessoas de Carção que se dirigiram a Livorno. Algumas ali ficaram a residir, avultando o peso dos trasmontanos no seio da comunidade sefardita livornesa que então era a maior do mundo, juntamente com a de Amesterdão. (2) Outros iam a Livorno em espírito de missão ou peregrinação religiosa, com o objectivo de ali aprenderem coisas da lei de Moisés e de lá trazerem livros. Temos conhecimento de duas viagens dessa natureza feitas por cristãos-novos de Carção. Um deles foi Domingos Oliveira que, regressado de Livorno com uma bíblia, ficou desempenhando o papel de “rabi” fazendo celebrações judaicas na própria capela cristã de Santo Estêvão. Outro carçonense que estagiou por Livorno foi Roque Rodrigues da Praça, filho de uma mulher que foi queimada nas fogueiras da Inquisição de Coimbra e que ficou conhecida como a “Bonita” por o seu retrato entre as chamas ardentes pendurado na igreja ser tão perfeito que parecia estar viva. Todos estes casos foram por nós expostos em livro – Carção Capital do Marranismo – editado no ano passado. E também no mesmo li-
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vro falamos, ao de leve, da família de Jorge Henriques cuja história na Inquisição era mais comprida do que a linha do comboio. Vamos então ver um pouco mais dessa história. ––––––––––––––––––––––
1 IANTT, Inquisição de Coimbra, pº 3271, de Jorge Lopes Henriques. 2 FRANCESCA TRIVELLATO, Les juifs d´origine portugaise entre Livourne, le Portugal et la Mediterranée (c. 1650-1750), in : Arquivos do Centro Cultural Calouste Gulbenkian, vol. XLVIII, pp. 171-182, Lisboa - Paris, 2004. De referir que Gabriel Medina, originário de Miranda do Douro, genro de António Rodrigues Mogadouro, era um dos mais poderosos membros da comunidade, o qual “se ocupava em comércios de mercadorias com grande crédito de seu trato para todas as partes do mundo” e que a nau Jerusalém que pertencia à firma dos Mogadouro “levam daqui cristãos-novos portugueses a fazerem-se judeus à dita cidade”. – IANTT, Inquisição de Lisboa, pº 2583, de Joseph António Pinto.
II FRANCISCO VAZ E LEONOR LOPES – a sua casa era como esnoga Francisco Vaz e Leonor Lopes eram bisavós de Jorge Henriques. Viviam no Mogadouro e foram metidos nas masmorras da Inquisição de Évora em Dezembro de 1544, na sequência de uma investigação conduzida pelo famigerado caçador de judeus, Francisco Gil, por terras do Nordeste Trasmontano. O método era simples. Chegado a uma terra, mandava apregoar que na igreja matriz se faria uma cerimónia muito importante e toda a gente era obrigada a comparecer. Com os fregueses todos na igreja, fechavam-se as portas e punham-se guardas. Depois de um sermão bem convincente, cheio de ameaças com as penas do inferno, intimavamse as pessoas, em nome da Santa Inquisição, para que em público ou em particular na sacristia, revelassem qualquer crime de judaísmo de que tivessem conhecimento. Naturalmente que muitos, em especial cristãos-velhos, aproveitavam a oportunidade para se vingar de afrontas sofridas. E certamente que alguns cristãos-novos, confiantes de que logo seriam perdoados, iam acusar-se a eles e a outros. (1) De entre estes últimos, ganhou celebridade em Trás-os-Montes o malfadado Diogo Henriques Franco, de Mogadouro que apresentandose na sacristia da igreja matriz de S. Martinho do Peso, denunciou mais de uma centena de correligionários, de todo o nordeste Trasmontano, nomeadamente o casal constituído por Francisco Vaz e Leonor Lopes. (2)
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Quantidade de gente foi também denunciada por Gaspar Dias, um cristão-novo do Azinhoso, preso ao início de Agosto de 1544, na cadeia de Évora. E também o Francisco e a Leonor fizeram parte dessa lista de denunciados.. Também no Azinhoso morava Cristóvão de Castro, vendedor de azeite, o qual foi preso por Francisco Gil e levado para o castelo de Algoso. E no Algoso, em 30 de Julho de 1544, perante o dito F. Gil e um tabelião, ele terá feito declarações muito comprometedoras. Como as seguintes: (3) - Disse que Francisco Vaz, sapateiro, morador no Mogadouro, e sua mulher são judeus e eram arrabis; e tinham sinagoga em sua casa; e isto sabe porque o viu muitas vezes porque ia lá com os outros judeus; na qual sinagoga tinham uma tourinha com cornos de prata dourados; e era do tamanho de um gato pouco mais ou menos (…) e muitos livros em hebraico pelos quais rezavam (…) e que o dito Francisco Vaz recebia a finta que davam para a dita toura. Levado para Évora e interrogado sobre o mesmo assunto, em 24.10.1544, Cristóvão confessou que realmente ele e outros se juntavam em sinagoga em casa de Francisco Vaz, onde havia “uma mesa posta” e sobre ela uma “carta de pergaminho (…) a que chamam Tora” e ele e os outros faziam orações e reverências e davam esmolas para os cristãos-novos pobres e esse fundo de assistência social chamavam sedaca. Eram declarações algo diferentes e, por isso, o inquisidor perguntou-lhe se ratificava as “confissões que fizera diante de Francisco Gil “no Algoso no mês de Julho”. A resposta de Cristóvão foi desarmante: - O que posso eu fazer senão ratificar as minhas confissões? E começou a chorar. E perguntando-lhe o inquisidor porque chorava, respondeu que era por estar ali preso e não saber de sua mulher e seus filhos, desde há muito tempo, pedindo que o deixassem ir. Algo espantado, “o senhor inquisidor lhe disse que o tratavam com caridade no cárcere e que não tem ferros nenhuns, nem outras prisões, e que está em bom cárcere nas câmaras de cima e que portanto acerca do tratamento se não pode queixar”. O tempo corria lento e em 19 de Janeiro de 1546, em nova audiência, leram-lhe novamente as confissões feitas em 24.10.1544, pedindolhe que as ratificasse, o que ele fez. Mais um ano passou e, em 18 de Março de 1547, em nova audiência, ele reafirmou que
se juntavam em sinagoga na dita casa e que havia uma tora, que a lia o mestre António de Valença, que era numa língua que ele não conhecia mas que depois o Mestre explicava em linguagem corrente e que eram coisas da lei de Moisés. E acrescentou o seguinte: - Diz a sua reverência que o que confessou em Algoso perante Francisco Gil que não é certo; e que estão algumas coisas escritas de mais do que ele disse. Explicou depois que, em casa de Francisco Vaz não viu nenhuma toura com cornos de prata nem de ouro, mas que ouvira dizer que aquilo fora dito por um filho do casal ainda pequeno que andava na escola. E se alguma coisa menos verdadeira disse em Algoso, foi “porque houvera medo que o queimassem”. De resto, “o dito Fulano escreveu o que quis”. Entretanto, na cadeia de Évora, um outro prisioneiro de Mogadouro, homem de muita cultura e grande prestígio social, médico dos Távoras, decidiu-se a colaborar com os inquisidores contando tudo, descrevendo pormenorizadamente as cerimónias que faziam, os preceitos da lei que guardavam, as orações que rezavam, o calendário das festas e o significado dos jejuns… e denunciou mais de uma centena de cristãosnovos que com ele judaizaram, não apenas em Mogadouro mas por todo o Nordeste Trasmontano, que ele conhecia muito bem, que o percorria em pregações da lei e celebrações judaicas. Ele sim, era o grande Rabi que os judeus do Nordeste Trasmontano respeitavam e seguiam. Referimo-nos ao Mestre António de Valença. Também ele confessou que em casa de Francisco Vaz e Leonor Lopes é que faziam sinagoga e que lá tinham guardada um Torah em hebraico que ele lia e explicava depois em português. (4) E estas eram as acusações que pesavam sobre eles. E como eles estavam separados, naturalmente não podiam combinar uma defesa conjunta. Mas havia factos e episódios que, de algum modo, marcaram as relações entre os denunciantes e os denunciados e que Francisco e Leonor alegaram em sua defesa, brigas com familiares de Cristóvão de Castro e Gas-
par Dias. Desacreditar, ou, ao menos, diminuir o valor probatório das denúncias de Diogo H. Franco foi ainda mais fácil, pois que toda a gente sabia que ele fora julgado em Miranda do Douro por ter roubado umas peles e condenado a ser açoitado pelas ruas da vila. A denúncia de mestre Valença é que não seria esperada mas… Francisco Vaz recordou-se que, em certa ocasião, tendo ele sido repartidor das sisas do Mogadouro, o Mestre fora queixar-se a D. Filipa, mulher de Luís Álvares de Távora, dizendo que tinha lançado uma contribuição muito elevada ao seu filho Afonso de Valença… (5) Da acusação de rabi também Francisco facilmente se livraria apresentando-se como “um homem muito simples, que não sabe ler nem escrever, nem sabe ciência nem linguagem, nem latim, nem hebraico, nem caldeu, nem grego, nem letra alguma de nenhuma sorte”. De seus actos como bom cristão, falavam as certidões das confrarias de que o casal fazia parte e as missas que mandavam celebrar. E Francisco Vaz contou especialmente um episódio da sua vida, acontecido no Verão de 1543, em que esteve muito doente. A ponto de ter mandado chamar o reitor da igreja para o ouvir em confissão e lhe dar a comunhão e os últimos sacramentos, pois queria morrer como bom cristão. Nenhum judeu faria isso! Em simultâneo, fez uma promessa à Senhora da Serra, pedindo-lhe que o curasse. E tendo-se curado, logo tratou de a cumprir deslocandose àquele santuário sito nas proximidades de Bragança, no alto da serra da Nogueira, distante quase 20 léguas de Mogadouro. E levou consigo mais de 20 pessoas, homens e mulheres, cristãos novos e velhos a quem pagou todas as despesas e lá cumpriu sua promessa mandando celebrar 3 missas a que todos assistiram. Claro que indicou testemunhas (26!) que tudo confirmaram, a começar pelo reitor da matriz do Mogadouro. A generalidade dessas testemunhas fez-se igualmente eco dos boatos que corriam sobre a toura ou “cabeça de boi ou vaca dourada com cornos ou candeias”. Essa história foi também tirada a limpo por uma testemunha, João Mendes, tabelião de Al-
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goso que em Mogadouro tinha uma escola onde ensinava uns meninos, entre eles um filho de Francisco e Leonor. E explicou que o rapazinho é que tinha dito para os colegas que o pai tinha em casa uma cabeça de boi mas que dissera aquilo a gozar com os outros, em tom de brincadeira. Impressionante a capacidade de resistência de Leonor Lopes, mulher de 21 anos, casada há 8, mãe de 4 filhos, o mais novo dos quais partilhava a cela da prisão com ela e mais 8 ou 9 mulheres: durante 4 anos metida na enxovia, manteve-se negativa, nada confessando e ninguém denunciando. Ainda no dia 16 de Julho de 1648, já muito depois de o papa Paulo III ter decretado perdão geral para os cristãos-novos presos e dizendo-lhe os inquisidores que confessasse suas culpas para poder beneficiar do mesmo perdão e sair em liberdade, ela respondeu que nada tinha a confessar, que não tinha de pedir misericórdia nenhuma. (6) Dois dias depois, no entanto, pediu audiência e resolveu-se a confessar. Disse que, 8 anos atrás, o marido andava metido com uma criada que tinha e a desprezava e ela, indo visitar seu tio Manuel Fernandes, irmão de seu pai, viúvo, este lhe disse que deveria rezar ao Deus do Céu e lhe ensinou a lei de Moisés e que se dera bem nessa crença e também com seu marido as coisas se compuseram. Confessou até que, mesmo no cárcere, ela chegou a guardar o sábado como dia santo, coisa que os inquisidores já sabiam, pois tinham posto a cela debaixo de vigia. Leonor Lopes deu ainda as explicações que faltavam sobre a bíblia “que era de pergaminho e as folhas do dito livro eram de pergaminho e escrito de letras muito grossas e douradas; e sendo-lhe mostrado pelos senhores inquisidores um livro escrito de molde, disse que a letra do livro que ela diz não tinha a letra daquela maneira mas que tinha uma letra grande e grossa e que as ditas letras eram douradas, e logo o dito Duarte Álvares lhe dizia que era letra hebraica”. Este Duarte Álvares era naquela altura (1642) homem de 60 anos, natural de Chacim e estava casado com Catarina Nunes. Foi ele que se apresentou em casa de Francisco Vaz com aquele livro que ali ficou guardado em uma arca. E a partir dessa altura é que passou a sua casa a ser frequentada pelo mestre António de Valença e pelos outros e todos nela faziam sinagoga.
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1 ALEXANDRE HERCULANO, História da Origem e estabelecimento da inquisição em Portugal, Tomo III, pp.130133. MARIA JOSE FERRO TAVARES, Para o Estudo dos Judeus em Trás-os-Montes no Sec. XVI, 1985. 2 IANTT, Inquisição de Évora, pº 2162, de Diogo Henriques Franco. 3 IANTT, Inquisição de Évora, pº 7084, de Gaspar Dias; pº 4434, de Cristóvão de castro. 4 IANTT, Inquisição de Évora, pº 8232, de António de Valença. 5 IANTT, Inquisição de Évora, pº 8776, de Francisco Vaz. 6 IANTT, Inquisição de Évora, pº 11213, de Leonor Lopes
III CATARINA VAZ – a cumplicidade de Alcañices Ao início do mês de Setembro de 1578, a Inquisição de Valladolid prendeu um grande número de pessoas na vila de Alcañices, acusadas de judaizarem, acção que ficou conhecida como “complicidad de Alcañices”. Porém, quatro mandados de prisão não foram executados, porque as pessoas em causa fugiram para o lado de cá da fronteira. E logo a Inquisição de Valladolid escreveu para o vigário geral de Miranda do Douro (o bispo estava sempre ausente) pedindo a prisão e envio para Valladolid daquelas pessoas, assim identificadas: (1) * Julião Domingues, sapateiro, e Beatriz Gonçalves, sua mulher, que estariam refugiados em Carção. * Ana Lopes, mulher de António Rodrigues, que teria fugido para Duas Igrejas, terra de seu nascimento. * Manuel de Almança, “que ali estudava para clérigo e costumava cantar em casa do bispo de Miranda”. Acrescentavam os inquisidores que em Valladolid havia denúncias contra muitas mais pessoas que residiam na região de Miranda mas que, por haver então muito trabalho naquele tribunal, não era possível fazer relação delas e copiar as respectivas denúncias. Entretanto e à medida que os presos iam sendo interrogados sobe a “complicidad de Alcañices”, a lista de denúncias e de gente culpada ia crescendo e outras prisões eram encomendadas pelos inquisidores espanhóis às autoridades de Miranda do Douro. Em Janeiro de 1580, o cónego Colaço, vigário geral da diocese, comunicava para Valladolid
que tinha prendido Isabel Lopes, de Duas Igrejas, e João de Leão, de Bragança, prisões que igualmente tinham sido encomendadas. E comunicou também para Coimbra, perguntando se devia mandar aqueles prisioneiros e outros que entretanto fossem feitos para Valladolid. (2) Desta cidade, logo responderam, pedindo que lhe mandassem aqueles presos e informando que Ana Lopes se tinha ido apresentar naquele tribunal, em 12 de Janeiro passado. (3) A carta enviada para Coimbra terá sido reenviada para o Conselho Geral da Inquisição
portuguesa o qual respondeu ao vigário geral de Miranda dizendo que os prisioneiros deviam ser julgados em Portugal e a Valladolid devia pedir-se que mandassem as culpas que lá havia contra os réus. (4) Entretanto e no seguimento da prisão de Beatriz Gonçalves, mulher de Julião Domingues, o vigário geral de Miranda, através do corregedor Gonçalo de Andrade Farinha, fez prender Catarina Vaz, que estava a morar em Mogadouro e sobre a qual, em carta de 4 de Abril de 1580, escrevia para a Inquisição de Coimbra: - Desta mulher de Mogadouro depende muito porque, se neste reino há judeus, devem estar na vila de Mogadouro. E lá assiste também o autor desta apostasia e cumplicidade de Alcañices, que se chama Luís Francisco, era da vila de Mogadouro e é de crer que de onde saiu tal mestre não faltem discípulos. Quem era então esta Catarina Vaz? Era uma das filhas de Francisco Vaz e Leonor Lopes ou Fernandes, nascida por 1560 e que estava casada com Gonçalo de Castro, do Azinhoso, residindo o casal na vila castelhana de Alcañices. Metida na cadeia de Miranda, ao início do mês de Abril de 1580, Catarina declarou que tendo sido preso o seu marido e sequestrados todos os seus bens, incluindo a casa onde moravam, ela se viu sozinha e abandonada em terra estranha, com uma criança ao colo. E porque
era uma “mulher moça”, de menos de 20 anos, e tinha sua honra para defender, veio-se embora para casa de seus pais em Mogadouro, “aonde esteve um ano muito quieta e pacificamente com muita honra e como boa cristã servindo a Deus e a seus mandamentos como é obrigada”. Estranhava, pois, porque a prendiam. Foi só em 19 de Fevereiro de 1582 que Catarina Vaz deu entrada no aljube da Inquisição de Coimbra, aonde também tinham chegado cópias das denúncias feitas contra ela na Inquisição de Valladolid, nomeadamente por Ana Gonçalves, filha do cobrador de impostos do marquês de Alcañices. (5) Na cela, Catarina foi posta sob vigilância e não foi preciso esperar muito para que a vissem em atitudes de quem reza à maneira judaica, “abrindo os braços e cerrando-os (…) meneando a cabeça para diante e para trás”. Vejamos duas cenas descritas pelos guardas que a vigiavam: - E acabando de jantar alevantou e ajuntou as mãos junto ao queixo e as abriu e cerrou 28 vezes ficando-lhe juntas pelo colo outras vezes abrindo-as todas com as palmas da mão para diante e sobre os ombros… - E acabando ela de comer lhe viu ajuntar e levantar as mãos junto ao rosto por 55 vezes e algumas vezes as abria uma da outra, obra de um palmo e outras vezes menos (…) e parecia que bolia com a boca como quem rezava posto que lhe não entendeu nada… Em 3 de Janeiro de 1583, Catarina Vaz decidiu-se finalmente a confessar seus erros e pedir clemência. Disse que foi doutrinada por Isabel e Ana Gonçalves, irmãs, moradoras em Alcañices, filhas de Alonso Gonçalves. Elas lhe terão ensinado que devia guardar o sábado, começando na sexta-feira à noite por acender as candeias e com elas fez o primeiro jejum, que foi o do Kipur, em que “jejuou todo o dia e ceou pescada seca, ovos e grãos”. Claro que esta confissão era muito diminuta e os inquisidores lhe aconselharam a que dissesse tudo. E outras audiências se seguiram e mais cumplicidades Catarina confessou, acrescentando os nomes dos cristãos-novos que se juntaram em Alcañices a celebrar com jejuns o Kipur de 1587. E só depois de ser submetida a tormento e ter confessado que Luís Francisco , cristão-novo de Mogadouro, morador em Alcañices que a catequizou, é que os inquisidores acharam que ela tinha feito completa e inteira confissão. Saiu condenada em cárcere e hábito penitencial perpétuo, no auto-de-fé celebrado na
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praça de Coimbra em 25 de Novembro de 1584. Regressou a Mogadouro ao fim de Fevereiro do ano seguinte, vestida com o ultrajante sambenito. Em 8.4.1588, o cardeal arquiduque inquisidor geral atendeu a sua petição para que tal pena lhe fosse levantada, “por ser mulher muito pobre e doente e ter filhos (…) visto haver já perto de 5 anos que trás a dita penitência…” Quem foi a Coimbra buscar o papel com esta deliberação foi o seu marido Gonçalo de Castro, entretanto saído das masmorras da Inquisição de Valladolid. E para a deliberação ser executada, teve Catarina de viajar até Coimbra. Aí, então, em 21.5.1588, lhe tiraram, finalmente o hábito penitencial e o seu processo se concluiu. ––––––––––––––––––––––
1 É importante referir que o bispo de Miranda era D. António Pinheiro, que foi em Portugal o maior orador político da época e por isso houve até quem lhe chamasse “o Cícero português”, cabendo-lhe discursar na abertura das Cortes e em outras ocasiões mais solenes. Tinha vários cargos de natureza política, assistindo geralmente na Corte. Aliás, era também o cronista mor do reino e terá sido decisivo o seu papel nas manobras políticas que levaram à união de Portugal a Castela. FRANCISCO MANUEL ALVES, Memórias Arqueológico Históricas do Distrito de Bragança, vol. II, pp. 14-24. 2 Recordemos que Valladolid era então a capital da Espanha unificada, residência normal da Corte e cidade relativamente próxima de Miranda do Douro. 3 Ana Lopes viria a ser queimada na fogueira pela Inquisição de Valladolid. 4 Na carta do Conselho Geral escrevia-se: “Do ano de 1542 a esta parte está (regulado que) não se remetem as pessoas e somente se mandam as culpas para se castigarem aonde ao tal tempo são moradores, e posto que no ano de 1572 se trata de se remeterem de um reino ao outro, houve isto efeito; e pedindo deste reino alguns que lá estavam, por terem cá culpas, não nos foram remetidos, antes de cá lhes mandaram suas culpas para lá serem castigados, o que eles devem fazer também agora, mandando-nos de lá as culpas que tiverem contra os que cá residem”. – IANTT, Inquisição de Coimbra, processo 268, de Catarina Vaz, fl.13. 5 Ana Gonçalves acabou também por ser condenada à fogueira por aquele tribunal. - pº 268, fl. 43
IV BRITES HENRIQUES – queimada na fogueira Luís Lopes, neto de Francisco Vaz e Leonor Fernandes, terá nascido em Vimioso, por 1565. Casou com Catarina Álvares que lhe deu 3 filhos. O casal terá residido em Quintela de Lampaças, ao menos por algum tempo. Pelos 40 anos, Luís ficou viúvo e casou de novo com Brites Henriques, originária do Azi-
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nhoso, 13 anos mais nova do que ele. Fixaram sua residência em Miranda do Douro, na rua da Costanilha. Em Dezembro de 1618, ambos foram presos pela Inquisição de Coimbra. Foram dois os denunciantes e ambos estavam presos nos cárceres daquele mesmo tribunal. Um deles (Álvaro Lopes) era de Lagoa de Morais, terra de Lampaças e disse que tinha judaizado em Quintela, na casa de Luís Lopes, com ele e com a sua mulher. O outro (Jerónimo Henriques) era do Azinhoso, primo de Brites Henriques e confessou ter estado em casa de Luís e Brites, em Janeiro passado e os três se tinham declarado judeus. (1) Não vamos seguir o desenrolar dos processos de Luís e Brites. Diremos que ambos purgaram no tormento (2) e saíram no auto de fé celebrado em 29.11.1621, condenados em leves penas espirituais. De resto, vamos espreitar a relação de bens apresentada por Luís Lopes, que se dizia curtidor de peles: A casa onde viviam, avaliada em 70 mil réis. Outra casa diante daquela que valia 20 000 rs. Uma casa de palheiro, no valor de 10 000 rs. Uma vinha ao S. André, que valia 20 000 rs. Uma tinaria onde curtia os couros, na ribeira, por cima da ponte, que valia 20 000 rs. 12 ou 13 couros que valeriam 20 000 rs. Uma cortinha na mesma ribeira, no valor de 10 000 rs. Metade de um prado, que valia 5 000 rs. Uma cortinha onde estavam 22 colmeias, abaixo da ponte, no valor de 10 cruzados. Uma terra junto à vinha, no valor de 6 000 rs. 200 alqueires de trigo, o alqueire a 70 rs. 20 alqueires de cevada, o alqueire a 50 rs. 5 cubas de vinho que teriam 250 almudes, o almude a 100 rs. 8 ou 9 vasilhas do vinho, grandes e pequenas, que todas valiam 5 000 rs. 2 copos de prata que valiam 20 cruzados. Um escritório que valia 10 cruzados. Possivelmente alguns destes bens foram alienados para suportar as despesas dos processos e da estadia na prisão. E parece que não sobreviveu uma menina parida na cadeia por Brites Henriques. Regressados a Miranda, Brites e Luís retomaram suas vidas e, 20 anos depois, tinham casado 2 filhas e 3 filhos, restando solteiro um filho nascido por 1623. E casados estavam tam-
bém os 3 filhos do primeiro casamento de Luís Lopes. Entre 1636 e 1672 não houve bispo titular na diocese de Miranda do Douro. E entre os cónegos do cabido parece que a primazia coube ao dr. Francisco Luís, arcediago de Mirandela, que em 1614 foi nomeado vigário capitular e em 1630 visitador oficial da diocese, pelo bispo D. Jorge. Não sabemos é se foi nessas funções ou nas de comissário da Inquisição que “aos 28 de Maio de 1643, nas casas de morada do dito
comissário na Sé da dita cidade” de Miranda, recebeu o testemunho de uma Catarina Vaz, cristã-velha, que serviu de criada em algumas casas de cristãos-novos, dizendo que na rua da Costanilha todos eram judeus e mandavam varrer as casas de fora para dentro e às sextas-feiras mandavam e compor as candeias e as deixavam acesas até acabar o azeite e que aos sábados vestiam seus fatos lavados e nesses dias não trabalhavam e nem sequer se acendia o lume nas suas casa. (3) Idêntico foi o depoimento prestado por Francisco Pires Trovisco e por Maria de Fontes. E pelos nomes citados, bem se fica com a ideia de que, naquele tempo, a histórica rua da Costanilha era essencialmente povoada por famílias cristãs-novas. E não faltaria sequer uma estalagem, pertencente a Ana Ramires, de 70 anos. Mas vejam os nomes dessa gente denunciada por judaizante: Francisco Esteves. Alonso de Leão e sua mulher. Gaspar Álvares. Manuel Mendes e sua mulher Isabel de Castro. Francisco de Castro. Francisco de Castro, braselho. Luís Lopes e sua mulher Brites.
Diogo Lopes, filho de Luís Lopes e sua mulher. Belchior Lopes, filho do mesmo e sua mulher. António Ramires e sua mulher. Luís Ramires e sua mulher. A Cardosa, mulher viúva que ficou de Luís Garcia, que morreu em Castela fugido. Henrique Lopes e seu genro e sua mulher. André Ramires e sua mulher. Fernando Ramires e sua mulher. Alguns destes, já estavam presos nos cárceres da Inquisição e, em 8 de Agosto seguinte, foi ordenada a prisão de outros, entre eles Brites Henriques. Vá-se lá saber porque o homem não foi preso, se as culpas eram as mesmas. E, embora as denúncias fossem extremamente vagas, o crime apontado a Brites era muito grave: relapsia. E, em compensação da fragilidade das denúncias, procuraram os inquisidores obter provas concretas do judaísmo da ré, colocando-a sob vigia nas segundas e quintas-feiras, entre os dias 22 de Outubro e 2 de Novembro, dias de jejum para os judeus. Vejam a lista das pessoas que, pelos buracos, estiveram espreitando durante aqueles dias, desde manhã cedo até alta noite, dois de cada vez: João Rodrigues, homem do meirinho. Matias Fernandes, familiar do S. Ofício. António Figueiredo, homem do meirinho. António Francisco, familiar. Bernardo João, guarda dos cárceres. António Dias, solicitador do tribunal. Ventura Nunes, familiar. Manuel Sequeira, familiar. António Mendes, barbeiro dos cárceres. Manuel Machado, familiar. Tomé Carvalho, familiar. Manuel Castelhano, familiar. Manuel Marinho, familiar. Efectivamente, de acordo com os depoimentos prestados pelos vigias, Brites Henriques terá feito 4 jejuns judaicos naqueles dias, não comendo nem bebendo nada durante o dia, mas apenas à noite depois que as estrelas apareciam no céu. Não vamos aqui reproduzir tais depoimentos que terão especial interesse para a compreensão das vivências diárias, dos hábitos alimentares e da higiene pessoal nas masmorras da Inquisição.
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Também não vamos falar das muitas contraditas apresentadas por Brites contra os que a denunciaram, se bem que algumas sejam bem interessantes, do ponto de vista do estudo do viver colectivo da terra. Apenas um episódio, referente à ambiência da rua da Costanilha. Contou a ré que, em determinada altura, em frente da sua casa, do outro lado da rua da Costanilha, quiseram estabelecer morada o tal Francisco Pires Trovisco e sua mulher Tomásia Falcoa. Tal não conseguiram porque a isso ela se opôs. E então ele terá proferido uma ameaça do género: para o ano hei-de morar na casa que eu quiser, pois hei-de fazer com que sejam despejadas todas estas casas onde moram pessoas da nação. Apesar das contraditas e de terem aparecido testemunhas de peso como o cónego Luís Álvares a abonar o comportamento cristão de Brites Henriques, a sentença cedo seria tomada. Em 24.5.1644, decidiu a Mesa do tribunal que ela fosse queimada na fogueira. Havia, porém, um obstáculo regimental. É que ela apenas tinha 9 meses de prisão e “era estilo praticado pelo Santo Ofício não se relaxar pessoa alguma sem passar um ano de prisão”. Devia, por isso, ficar “reservada no cárcere”. Concordou o Conselho Geral com a sentença. E, porque não fosse planeado qualquer auto-defé em Coimbra para os tempos mais próximos, transitou Brites Henriques para as cadeias da Inquisição de Lisboa, em Fevereiro de 1645. Sim, na impiedosa luta contra o governo do rei D. João IV, a Inquisição precisava mostrar todo o seu poder, organizando para o verão desse ano uma grande festa popular. E que melhor festa podia haver que um auto-de-fé bem luzidio e demorado?! E foi o que aconteceu naquele dia 25 de Junho de 1645 em que foram penitenciados 74 réus, 13 dos quais condenados às chamas da fogueira. Entre eles, foi queimada Brites Henriques, a mãe de Jorge Lopes Henriques, de Carção. (4) ––––––––––––––––––––––
1 IANTT, Inquisição de Coimbra, pº 3497, de Luís Lopes; pº 2115 e 2115-1 / MF 2073, de Brites Henriques. 2 Luís Lopes é levado à casa do tormento aos 3 de Julho de 1620...e sendo despojado de seus vestidos foi sentado no banco e sendo outra vez admoestado que dissesse a verdade e confessasse as suas culpas e por o não fazer , pelo senhor inquisidor Gaspar Borges foi dito que se ele no dito tormento morresse ou quebrasse algum membro ou perdesse algum sentido a culpa seria dele réu e não deles senhores inquisidores ordinário e deputados e oficiais e ministros do santo oficio. Pois com
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tanto atrevimento se punha a tão grande perigo de sua vida e por tornara dizer que era bom cristão e não tinha culpas contra a nossa santa fé, que confessar, foi atado perfeitamente e sendo alevantado foi outra vez admoestado confessasse a verdade não pondo em si ou em outros testemunhos falsos, e por dizer que era bom cristão e que não tinhas culpas a confessar contra a fé, foi começado a alevantar e por dizer que era quebrado e os cirurgiões depois de visto decidiram que não podia sofrer tormento de polé sem notável perigo de sua vida, foi mandado descer e desatado e levado ao potro para nele ter o tormento correspondente a um trato esperto e outro corrido …sendo lançado no dito potro lhe foi dado uma volta com um garrote de água e admoestado dissesse a verdade e por dizer que era bom cristão lhe foi dado outra volta com outro garrote de água e admoestado dissesse a verdade e por tornar a dizer que era bom cristão e vir o cirurgião à mesa e dizer que estava satisfeito ao assento …foi mandado desatar e tirar do dito potro e mandado para o seu cárcere. O tormento de água segundo o professor Borges Coelho era aplicado principalmente a mulheres dando a exemplo o caso de Inês Fernandes que 18 de Janeiro de 1594 em Évora . “ … que depois de sentada no potro atam-lhe os braços e as pernas… dando-lhe seis voltas em cada braço e duas nas coxas. Em seguida tapam-lhe o rosto com o véu e lançaram-lhe quatro púcaros de água pela boca. ANTT, Inquisição de Évora , processo 8514. ANTÓNIO BORGES COELHO, Inquisição de Évora, p. 45. 3 FRANCISCO MANUEL ALVES, memórias Arqueológico Históricas do Distrito de Bragança, vol. II, pp. 484 e 510. 4 Em Junho de 1641D. João IV ordenou a prisão do bispo inquisidor-mor D. Francisco de Castro, acusado de envolvimento num golpe de estado contra o rei, juntamente com outros dignitários da igreja e da nobreza. Posteriormente o mesmo rei viu-se obrigado a libertá-lo e a nomeá-lo membro do seu Conselho de Estado.
António Júlio Andrade Maria Fernanda Guimarães ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Algumas obras publica-
das
Caminhos Nordestinos de Judeus e Marranos – página do Jornal Terra Quente de Mirandela desde 15-04-1999
Poderá Fénix Renascer? Contributo para a definição de uma “Rota de Judeus” no Nordeste Transmontano – Tese apresentada ao III Congresso Transmontano - Bragança 2002 Percursos de Francisco Lopes Pereira e Gaspar Lopes Pereira, cristão-novo de Mogadouro – in: Cadernos de Estudos Sefarditas, n.º 5 2005 – Cátedra dos Estudos Sefarditas “Alberto Benveniste”- Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. O Dr. Francisco da Fonseca Henriques e a sua família na Inquisição de Coimbra – In: Brigantia – Revista de Cultura – Volume de Homenagem a Belarmino Afonso – 2006 Subsídios para a História da Inquisição de Torre de Moncorvo – Câmara Municipal de Torre de Moncorvo 2007 Os Távoras e os cristãos-novos no progresso de Mirandela – in: Actas das IX Jornadas Culturais de Balsamão- Centro Cultural de Balsamão 2007. Carção – A capital do Marranismo – Edição de Associação Cultural dos Almocreves de Carção - Associação CARAmigo – Junta Freguesia de Carção – Câmara Municipal de Vimioso – 2008.
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N.ª Sr.ª das Graças PROGRAMA CÍVICO Dia 17 de Agosto – Segunda-feira • Abertura do Bar (com todo o tipo de bebidas e petiscos).
Dia 18 de Agosto – Terça-feira • Musica ambiente no recinto das festas.
Dia 19 de Agosto – Quarta-feira • Musica ambiente no recinto das festas.
Dia 20 de Agosto – Quinta-feira 16 h. - Jogos tradicionais 20 h. - Abertura da Quermesse (mais de 4000 óptimos prémios). 21 h. - Torneio de Chincalhão (1.º prémio - uma vitela, mais de 40 equipas)
Dia 21 de Agosto – Sexta-feira 16 h. - Jogos tradicionais • Noite de Música Ambiente.
Dia 22 de Agosto – Sábado 16 h. - Arruada com o Rancho Folclórico da Associação de Paradela - TERRAS DO BOURO - Minho. 21 h. - Actuação do Rancho Folclórico.
Dia 23 de Agosto – Domingo 16 h. - Jogos Tradicionais. 21 h. - Actuação dos FADISTAS DE CARÇÃO. Noite - Música Ambiente.
Dia 24 de Agosto – Segunda-feira 16 h. - Jogos tradicionais Noite - Música Ambiente.
Dia 25 de Agosto – Terça-feira 21 h. - Torneio de Sueca (Vitela em jogo, mais de 40 equipas).
Dia 26 de Agosto – Quarta-feira 21 h. - Concerto da banda de Música dos B. V. Vimioso.
Dia 27 de Agosto – Quinta-feira Salva de Morteiros 16 h. - Sorteio da “Vitela” Campo de Futebol do G. D. Carção. 21 h. - Actuação do Grupo Musical “TRIÂNGULO” de Sendim. 23 h. - Música Tradicional Portuguesa “AUGUSTO CANÁRIO & AMIGOS”.
Dia 28 de Agosto – Sexta-feira 16 h. - Apresentação do livro “Carção, Sonho e Alma”, Salão Nobre da Casa do Povo. 21 h. - Actuação do Grupo Musical “MIDNES” de Sendim. 23 h. - Actuação do Famoso Duo “TAYTI”.
Dia 29 de Agosto – Sábado Salva de Morteiros. III Feira de Artesanato 22 h. - Actuação do Grupo Musical “MELODIA”. 23 h. - Actuação da Famosa Cantora “AGATA”. 24 h. - Espectáculo Piro-Musical. Continuação do Grupo Musical “MELODIA”.
Dia 30 de Agosto – Domingo 07 h. - Salva de Morteiros. Arruada com a Banda de Música dos B. V. de Vimioso. 22 h. - Actuação do Grupo Musical “MELODIA”. Entrega da Festa.
PROGRAMA RELIGIOSO Dias 21 a 28 de Agosto
Novena Religiosa na Igreja de St.ª Cruz
Dia 29 de Agosto - Sábado 14.00 horas – Missa com Sermão em Honra de St.ª Teresinha, seguida de Procissão. 21.00 horas – Momento Alto de Veneração da Srª das Graças; Procissão de Velas; Missa Campal na Capela de St.ª Marinha com Sermão.
Dia 30 de Agosto – Domingo 14.30 horas – Missa Solene dos Devotos à Padroeira com Sermão, seguida de Procissão. “Adeus à Virgem”. “Momentos de Reflexão”.
CARÇÃO • 17 a 30 de Agosto • 2009 84