O Portal de Notícias da Globo 16/02/09 - 08h00 - Atualizado em 16/02/09 - 08h23
Localizador de pessoas do Google põe privacidade em xeque; saiba usar G1 traz perguntas e respostas sobre a nova ferramenta Google Latitude. Especialistas explicam como fazer bom uso do serviço que localiza amigos. Juliana Carpanez Do G1, em São Paulo
Você buscou palavras no Google, pessoas no Orkut e possivelmente agora vai começar a caçar amigos no Latitude, um serviço gratuito do gigante da internet que promete apontar em mapas -- exibidos na tela do computador ou do telefone celular -- a exata localização de seus conhecidos. E também mostrará a essas pessoas onde você está. Apesar de esse serviço de localização não ser uma completa novidade, a entrada do Google no setor acelera sua popularização, reforçando também as polêmicas relacionadas a esse tipo de ferramenta. Assim como aconteceu com o surgimento do telefone celular e das redes sociais, ainda não se sabe exatamente como a novidade será integrada à vida de seus usuários, e quais os efeitos ela terá sobre atividades cotidianas.
Google Latitude mostra localização de contatos na tela do celular ou do computador. Para seguir pessoas, é necessário ter autorização delas. (Foto: Reprodução )
Se o celular de certa forma acabou com o seu direito de se isolar e ficar incomunicável – a não ser, é claro, que você o desligue ou invente desculpas como “estou em uma área sem sinal” ou “vou entrar no túnel agora, deve cair a linha”, o Latitude vai limitar, inclusive, seu direito de ir para lugares onde você não gostaria de ser descoberto. Sim, você pode ligar e desligar o radar, e até mesmo “mentir” para a máquina, alterando sua localização. Mas até isso gera novos problemas e questões morais. O G1 ouviu especialistas na área de tecnologia para entender o quanto o Latitude ameaça os direitos dos usuários, e qual é o uso adequado desse localizador. Confira abaixo perguntas e resposta sobre o novo serviço do Google.
- A ferramenta invade a privacidade dos usuários? Depende de como ele usar o Google Latitude e de quanta informação estiver disposto a compartilhar com seus contatos. Enquanto alguns acham absurda a possibilidade de serem localizados na tela dos celulares, outros podem não se importar em exibir sua localização em tempo real. É possível ainda usar a ferramenta de maneira parcial: ela pode ser desabilitada temporariamente e apontar uma localização falsa, onde o usuário não está naquele momento.
Usuário pode escolher se quer exibir sua localização para os contatos, se quer ficar invisível ou escolher manualmente uma área no mapa. (Foto: Divulgação )
André Lemos, professor da faculdade de comunicação e pesquisador de cibercultura, acredita que os usuários de tecnologia já estão acostumadas a abrir mão de parte de sua privacidade. “O celular já é usado dessa forma, a primeira pergunta é ‘onde você está?’. Em geral, as pessoas estão se mostrando mais e vendo mais informações do outro também”, diz.
“O Latitude foi criado para pessoas que queiram dizer onde estão e para que elas encontrem amigos em seus movimentos pelas cidades. Usa quem quer: a pessoa diz quem poderá saber onde ela está e o nível de detalhe da sua localização”, continua Lemos, reforçando que todos têm direito à privacidade e ao anonimato. “Quem tem algo a esconder vai esconder [mesmo com o Latitude], pois já faz isso de uma forma ou outra.” O professor e pesquisador Silvio Meira acredita que todos deveriam se preocupar com a privacidade antes de perdê-la e ter de lutar para recuperá-la. “Quem pensa que não tem algo a esconder que se imagine fotografado nu, na privada, e a foto publicada no G1”, provoca o professor de engenharia de software do Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco, em Recife, e cientista-chefe do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (C.E.S.A.R). “A assimetria de informação [nenhuma pessoa saber tudo sobre outra] é parte essencial da infraestrutura de relacionamento da humanidade.”
- Para que o Google Latitude pode ser útil? Desde que o usuário controle quanta informação quer compartilhar, a ferramenta pode ser útil para monitorar crianças e adolescentes em trânsito, acompanhar a rota de veículos (táxis e caminhões, por exemplo) e facilitar o encontro com pessoas conhecidas -- quando aquele amigo passar perto do seu trabalho, o Google Latitude vai avisar e você pode convidá-lo para tomar um café. “Um serviço desses é ótimo para acompanhar amigos e parentes que estão viajando. Ou para empresas saberem a localização de funcionários que trabalham em campo. Também pode ser útil para os pais controlarem por onde andam os filhos, já que hoje a violência é uma preocupação constante no meio familiar”, afirma Bia Kunze, responsável pelo blog de tecnologia móvel Garota sem fio.
- Quais os riscos apresentados pelo Google Latitude?
Na tela do celular, usuário vê lista de amigos que podem ser localizados no mapa. (Foto: Divulgação )
O usuário que acessa esse serviço tem em mente que apenas as pessoas por ele autorizadas poderão visualizar sua localização, nos momentos em que ele permitir. O problema surge quando aqueles sem autorização se apoderam dos dados - caso de hackers, ladrões ou até mesmo empresas interessadas nos hábitos de consumidores.
“Dados pessoais e identidade podem ser furtadas. Os próprios cônjuges, hoje aos beijos, amanhã podem estar no pior dos mundos e recorrer à bisbilhotagem eletrônica. Se as informações caírem nas mãos de delinquentes, corremos o risco de sermos vigiados, seguidos, perseguidos e chantageados, onde quer que estivermos. É pouco?”, questiona Ethevaldo Siqueira, escritor especializado em novas tecnologias. Já Lemos diz que o maior perigo dessa ferramenta não está na possibilidade de ver a localização de um usuário, mas na geração de perfis que podem ser usadas por empresas de marketing, publicidade, seguradoras e governos. Ele exemplifica, dizendo que uma seguradora de saúde pode cobrar mais de um cliente depois de traçar seu perfil e descobrir que ele gosta de feijoada, compra muitos alimentos gordurosos e vai sempre a churrascarias. A Garota sem fio faz coro. “Não é apenas o fato de pessoas saberem sua localização que está em discussão. A dúvida maior é: o que o Google faz com essas informações? As políticas de privacidade do Google não detalham quem e como acessa esses dados. É a mesma discussão que acontece com o Gmail. Pelos anúncios mostrados nas páginas das mensagens, sabemos que a empresa acessa seus dados, ainda que de forma não-humana.”
- Em que situações o usuário deve deixar o localizador ativado?
Os critérios são muito pessoais. Siqueira defende que a ferramenta só deve funcionar quando alguém de confiança precisa saber da localização do usuário -- no resto do tempo, o Google Latitude deve ser mantido desligado. “Para muitas pessoas e seus grupos, pode funcionar sempre. Para outras, nunca. A localização deveria ser um botão de emergência, para ser usada em situações bem particulares”, opina Meira. Lemos exemplifica um caso de necessidade: “o sistema pode ficar ligado quando o usuário estiver se dirigindo a lugares mais perigosos. Assim, terá alguém que possa, à distância, monitorar seus movimentos e ajudar caso haja algum problema”.
- Em que situações o Google Latitude deve ser desativado? Quem responde é Silvio Meira. “Sempre que a informação sobre sua localização, disseminada para o conjunto de pessoas que pode ter acesso a ela, comprometer sua privacidade ou a assimetria de informação que lhe protege e às suas histórias. Imagine que você está atrasado para um compromisso e diz pra alguém, X, que está num engarrafamento. X conhece Y, que tem acesso à sua localização. X liga pra Y e, por acaso, descobre que você, na verdade, dormiu demais. Você vai precisar desligar a informação sobre sua localização em muitas situações”, conclui.
G1 ouviu especialistas na área de tecnologia para saber o quanto o Latitude ameaça a privacidade dos usuários e também qual o uso adequado do localizador. (Foto: Divulgação )
- Em que casos alguém (como familiar, amigo, chefe) pode cobrar que um usuário do Google Latitude deixe o serviço habilitado?
Os especialistas ouvidos pelo G1 são unânimes em afirmar que essa cobrança raramente pode ser feita. Algumas das ocasiões em que ela pode acontecer são: pais querendo saber a localização de seus filhos menores de idade ou empresas que desejam saber onde estão os funcionários, mas só durante o horário de expediente.
- Um amigo que permite que você veja a localização dele, mas você não quer que ele saiba a sua (o equivalente a não aceitar um pedido de “amizade” no Orkut). O que fazer nessa situação? Beatriz não acha que seja necessário dar explicações, principalmente para pessoas que o usuário mal conhece ou convive pouco. “Convite de estranhos, então, nem pensar. Ele permitir que você veja a localização dele não quer dizer nada. Quem disse que você está interessado? E por que um estranho estaria interessado na sua localização?”, pergunta a garota sem fio. Para Meira, a regra é a mesma das redes sociais: nelas, você escolhe com quem vai se relacionar e, se não quiser fazer contato com alguém, simplesmente fica quieto. “O silêncio, na maior parte dos casos, é uma ótima explicação.”
- Se o usuário mente sobre sua localização, deve desativar o serviço ou fazer com que o localizador mostre o lugar onde ele disse que estaria (em outras palavras: o Latitude deve “compactuar” com a mentira)? Na opinião de Lemos, o usuário deve usar o serviço como bem entender. “Se quiser mentir, use o aparelho para mentir. Se não quer que saibam onde você está, simplesmente desligue. No fundo, devemos nos conectar, trocar informações com outros, mas deve sempre haver um limite.” O uso da “tecnologia a serviço da mentira”, como descreve Meira, só deve ser feito por pessoas que realmente precisam esconder sua localização, têm memória boa e também muita sorte. Isso porque, segundo ele, é difícil mentir consistentemente por muito tempo, para muita gente. “Mudar de um ponto para outro, muito longe, às vistas de quem está lhe observando de longe vai parecer teletransporte. Por outro lado, chegar em casa e o Latitude mostrá-lo no trabalho vai dar uma bandeira monumental”, alerta. Leia mais notícias de Tecnologia