UnG (Universidade Guarulhos) Pedro Gabriel Vieira Marques - RA: 2007143873 Teoria da História – 4º Semestre (Profº Claudio Hiro)
Resenha: A Revolução Francesa da Historiografia: A Escola dos Annales (1929-1989)
A Revolução Francesa da Historiografia: A Escola dos Annales (1929-1989), de Peter Burke, 116pgs., editora UNESP, 2ª edição. Peter Burke, nascido em Stanmore, Inglaterra, em 1937, firma-se atualmente como um dos grandes nomes da historiografia inglesa inspirada nos Annales, sendo uma das maiores autoridades em História da Europa Moderna; cumpriu seu doutorado na Universidade de Princeton, sendo atualmente professor emérito da Universidade de Cambridge desde 1979, foi professor visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP, no Brasil, durante o período de um ano entre 1994 e 1995, onde desenvolveu sua pesquisa “Duas Crises de Consciência Histórica”; atualmente mora em Cambridge com a historiadora brasileira Maria Lúcia Garcia Pallares Burke, da Faculdade de Educação da USP, sua esposa. Quem introduziu Peter Burke no mundo dos Annales foi o historiador Pierre Chaunnu e o equatoriano Juan Maiguashca, professor de História Econômica da América Latina na Universidade de Toronto. Peter Burke já publicou mais de trinta obras de 1978 até o presente tempo. O autor trata, de maneira mais geral, da escola dos Annales, que consiste num grupo de historiadores franceses que criticavam a maneira como o conhecimento histórico era produzido até então, propondo assim novas diretrizes que valorizasse o sujeito criador de conhecimento e instituísse o ofício do historiador, além de explorar a interdisciplinidade com outras áreas do conhecimento humano com a história. O autor parte da história do século XIX e a crítica feita a ela, tratando depois das três gerações dos Annales, desde a fundação da revista Annales d’historie économique et sociale (1929), até 1989 (ano que finalizara o livro) sob o nome de Annales. Historie, Sciences Sociales, o autor, porém, procura mostrar que a influência dos historiadores ligados aos Annales é ampla e que, como afirma no próprio livro, os Annales revolucionaram a historiografia: “Da produção intelectual, no campo da historiografia, no século XX, uma importante parcela do que existe de mais inovador, notável e significativo, origina-se da França” [p.8]. A problemática tratado no livro é desenvolvida numa ordem cronológica, onde o autor expõe a visão de construção do conhecimento histórico do século XIX e a crítica feita a ela no século XX, no capítulo seguinte o autor faz uma rápida narrativa sobre a trajetória de vida dos
fundadores da Annales d’historie économique et sociale, Lucien Febvre e Marc Bloch, até a fundações da revista, assim, nos dois capítulos seguintes são abordadas a segunda (especialmente Braudel) e a terceira geração dos Annales, por fim Peter Burke propõe uma perspectiva global sobre os Annales, considerando sua influência na historiografia. Para complementar, o autor ainda traz um glossário com definições usadas pelos Annales e uma extensa bibliografia que abrange tanto os livros usados diretamente para a pesquisa de Peter Burke para escrever o livro, como também as principais obras dos principais historiadores envolvidos no movimento dos Annales. Peter Burke começa o prefácio nos dando um panorama do que foi, do que é e, talvez, do que será, a Escola dos Annales, assinalando seu principais integrantes e outros que mantiveram-se perto, ele nos diz sobre o significado da revista no meio da criação do conhecimento histórico: “A revista, que tem hoje mais de sessenta anos, foi fundada para promover uma nova espécie de história e continua, ainda hoje, a encorajar inovações” [p.7], e nos diz sobre o presente livro: “Este breve estudo do movimento dos Annales pretende atravessar diversas fronteiras culturais. [...]Ele se apresenta sob a forma de uma história que busca harmonizar uma organização cronológica a uma temática” [p.8]. No primeiro capítulo, Peter Burke expõe o Antigo Regime na historiografia e seus críticos, justificando: “Para interpretar as ações dos revolucionários, contudo, é necessário conhecer alguma coisa do antigo regime que desejavam derrubar” [p.11], expondo as críticas feitas a ela ao longo do século XIX: “Por volta de 1900, as críticas à história política eram particularmente agudas, e as sugestões para sua substituição bastante férteis” [p.13], e também as críticas feitas por sociólogos à história; por fim, introduzindo os fundadores dos Annales a esse conceito: “O ideal de Berr, uma psicologia histórica construída através de uma cooperação interdisciplinar, teve grande ressonância em dois jovens que escreveram para a sua revista. Seus nomes: Lucien Febvre e Marc Bloch” [p.15]. No segundo capítulo, trata-se dos fundadores da revista, Marc Bloch e Lucien Febvre: “Apesar, ou por causa dessas diferenças, trabalharam juntos durante vinte anos entre as duas guerras” [p.16], Lucien Febvre, especialista em século XVI e de temperamento agitado, trabalhou muito na interdisciplinidade com a geografia: “Outra característica marcante e poderosa do estudo de Febvre era a introdução geográfica, que traçava um nítido perfil dos contornos da região” [p.17], já prenunciando uma característica das mais marcantes de Braudel, na segunda geração, Febvre também teve seus críticos, principalmente em meio aos geógrafos: “[...]por ser o trabalho de um não-especialista [...]” [p.17]; Marc Bloch, especialista em história medieval, apesar de seu interesse pela política contemporânea, já começa a demonstrar a afinidade entre Bloch e Febvre, comentando um
trabalho de 1913 de Bloch: “Esse estudo revela que, como Febvre, Bloch pensava no tema sob a perspectiva de uma história-problema” [p.18]; Peter Burke segue, falando do período em que Bloch e Febvre freqüentavam Estrasburgo (1920-1933): “[...]foi, porém, de vital importância para o movimento dos Annales. Mais importante ainda pelo fato de que ambos estavam cercados por um grupo interdisciplinar extremamente atuante”, traçando a trajetória de ambos como grandes amigos que foram e suas primeiras obras, que já eram um prenúncio da “Nova História”, Peter Burke finalmente chega à fundação da revista, em 1929: “O primeiro número surgiu em 15 de janeiro de 1929. [...] Preocupava-se também com o problema do método no campo das ciências sociais, tal como a Revue de Synthèse Historique” [p.23]; segue nesse linha, analisando a obra de Bloch, até sua morte (era ele o editor predominante), deixando a revista a cargo, exclusivamente, de Febvre, quando os Annales começam a se institucionalizar: “Pouco a pouco os Annales converteram-se no centro de uma escola histórica. Foi entre 1930 e 1940 que Febvre escreveu a maioria de seus ataques aos especialistas canhestros e empiricistas, além de seus manifestos e programas em defesa de “um novo tipo de história” associado aos Annales”[p.26], terminando o capítulo numa analisa da obra de Febvre. No terceiro capítulo, Peter Burke analisa aquilo que ele chama de “A Era de Braudel”, a segunda geração dos Annales, na qual Fernand Braudel predomina como mais influente e editor da revista, falar de Braudel é, então, falar de sua tese sobre o Mediterrâneo na época de Filipe II: “Quando da criação dos Annales, em 1929, Braudel tinha vinte e sete anos. Estudara História na Sorbonne, lecionava história numa escola da Argélia e trabalhava em sua tese. [...]Durante seu longo período de gestação, a tese ampliou consideravelmente seu objetivo.” [p.31], sobre essa obra, lançada quando Braudel já estava com os Annales, Peter Burke enfatiza: “Apesar de sua aspiração de atingir o que chamava de “história total”, Braudel muito pouco tinha a dizer sobre atitudes, valores, ou mentalidades coletivas” [p.35], mas apesar das críticas, Braudel é defendido: “Braudel contribuiu mais do que qualquer outro historiador deste século para transformar nossas noções de tempo e espaço. [...] torna seus leitores conscientes da importância do espaço na história” [p.37-38]; Peter Burke ainda aborda outros dois historiadores da segunda geração, são eles Goubert e Le Roy Ladurie. No quarto capítulo é abordada a terceira geração, que se de um lado é marcada de várias mudanças administrativas (em 1972 Braudel se aposenta, Le Goff assume em 1975, Furet em 1977), mudanças mais importantes ocorreram: “Mais significativas, contudo, do que as tarefas administrativas foram as mudanças intelectuais ocorridas nos últimos vinte anos” [p.56], Peter Burke já avisa que é uma geração especialmente complicada, ninguém domina a produção histórica e fala-se até de fragmentação. Porém, ainda afirma: “Novas abordagens estão ainda
sendo exploradas por historiadores identificados com o movimento dos Annales [...]” [p.57], o autor começa por analisar as abordagens até então ignoradas pelos Annales e que, nessa terceira geração, começam a se fazer presente: “O itinerário intelectual de alguns historiadores dos Annales transferiu-se da base econômica para a „superestrutura‟ cultural, „do porão ao sótão‟” [p.57], ele comenta algumas importantes obras que seguiram essa linha, produzidas no seio dos Annales, abordando depois o retorno da história quantitativa: “A idéia de uma história da prática religiosa francesa , ou de uma sociologia retrospectiva do catolicismo francês, baseada em estatísticas da freqüência à comunhão, das vocações religiosas etc” [p.62], em seguida, é abordado o ingresso da antropologia na história: “Podiam mesmo pensar em termos de casamento, em outras palavras em termos de „antropologia histórica‟” [p.66], um retorno à história política: “Febvre e Braudel podem não ter ignorado a história política, mas não a tomaram muito a sério. O retorno à política na terceira geração é uma reação contra Braudel e também contra outras formas de determinismo” [p.72] e finalmente, um retorno à história narrativa: “A volta à política está também ligada ao ressurgimento do interesse na narrativa dos eventos” [p.73]. No quinto capítulo, é analisado, os Annales numa perspectiva global, a acolhida feita a eles: “Antes da Segunda Guerra Mundial, os Annales já tinham aliados e simpatizantes no exterior” [p.77] e em outros campos da história: “Um outro aspecto da influência dos Annales é a difusão de conceitos, abordagens e métodos, de um período histórico para outro, de uma região para outra” [p.80], por último, os Annales em meio às outras disciplinas: “A acolhida aos Annales, nunca se confinou às fronteiras da história. Um movimento que se fundamentou em tantas das “ciências do homem” atraiu naturalmente o interesse dessas disciplinas” [p.83]; então, Peter Burke faz um balanço final: “Da minha perspectiva, a mais importante contribuição do grupo dos Annales, incluindo-se as três gerações, foi expandir o campo da história por diversas áreas. [...]A historiografia jamais será a mesma” [p.89]. Por fim, o autor faz um glossário de termos usados na historiografia dos Annales e uma bibliografia não apenas de livros usados por ele na pesquisa para escrever seu livro, mas também de obras de importantes autores dos Annales. Quanto à proposta, o autor conseguiu de forma concisa e lógica expor a trajetória da historiografia produzida pelos Annales, expondo de maneira clara a valorização do sujeito que produz conhecimento histórico e a interdisciplinidade (num primeiro momento, com a sociologia, depois a geografia e posteriormente a antropologia, se colocado de maneira geral), o autor foi além de uma proposta simplória de traçar a trajetória intelectual dos Annales, traçando, mesmo que superficialmente, a trajetória bibliográfica de alguns membros e a influência dos Annales e da “Nova História” na historiografia pelo mundo.
Sendo um livro que trata de determinado ramo da historiografia num período de quase cem anos, trazendo um período ainda maior adjacente à temática central, pode parecer um pouco maçante devido à grande quantidade de nomes de historiadores e suas obras: “A longa vida do movimento permitiu que os historiadores se apoiassem, através de suas obras, mutuamente (ou também reagissem contra). Nomear apenas as mais importantes contribuições da história dos Annales significa escrever uma lista por si só impressionante”, mesmo assim, é de contribuição importante para estudantes e pesquisadores do tema, um livro que serviria de ponto de partida para um aprofundamento maior no tema.