A Hipótese Espantosa%0d%0ade C.g. Jung.pdf

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  • Pages: 140
A Hipótese Espantosa de C.G. Jung

É com grande gosto que damos à estampa esta obra que pretende ser a primeira de uma série que terá por objectivo divulgar activamente o pensamento de Carl Gustav Jung no nosso país. É tempo das noções seminais de Jung darem os seus frutos entre nós.

Edições

SAPIENTIÆ

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A Hipótese Espantosa de C.G. Jung

A tarefa individual de cada um de nós consiste em lançar luz no seu próprio inconsciente com toda a força dos afectos. Sem tal determinação, será impossível assimilar o lado obscuro mas que quer tornar‑se igualmente participante da vida, que não deseja perecer. Mas esse inconsciente e o que nele reside é bem mais do que o “quarto de despejos”, como foi postulado por Freud. O inconsciente é, afinal, como demonstrou Jung, o reservatório da nossa energia vital. Sem a sua integração, seremos apenas seres amputados, artificiais, estereotipados e profundamente infelizes.

Æ

A Hipótese Espantosa de C. G. Jung

João C. Major Armando N. Rosa Domingos Ferreira Marta Oliveira

Luís Saraiva Concha Pazo Juliana Estevez Romão Araújo

SAPIENTIÆ

A HIPÓTESE ESPANTOSA DE C.G. JUNG

Ficha Técnica Autores:

João Carlos Major, Luís Saraiva, Armando Nascimento Rosa, Concha Pazo; Domingos Ferreira; Juliana Estevez; Marta Oliveira; Romão Araújo

Título: A Hipótese Espantosa de C.G. Jung Data: Abril de 2012 Edição: 1.ª edição Cidade: Braga Depósito Legal: 343257/12 Edições SapientiAE [email protected] Execução Técnica: Departamento Gráfico das Edições SAPIENTIAE

Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida por qualquer processo, incluindo a fotocópia, sem autorização por escrito do editor.

João Carlos Major, Luís Saraiva, Armando Nascimento Rosa, Concha Pazo, Domingos Ferreira, Juliana Estevez, Marta Oliveira, Romão Araújo

A HIPÓTESE ESPANTOSA DE C.G. JUNG

SAPIENTIAE Braga ― 2012

- Da Dissociação à Individuação João Carlos Major “C. G. Jung foi o renovador conservador de uma grande tra‑ dição. Na sua obra, a tradição ocidental e sobretudo românti‑ ca do inconsciente completam‑se e aperfeiçoam‑se. Na obra de Sigmund Freud, interligam‑se, pelo contrário, o espírito revolucionário das ciências naturais modernas e a franque‑ za sem contemplações de uma individualidade despojada de todo o consolo metafísico. Jung surge assim como o rebelde contra Freud e na verdade como representante de uma res‑ tauração científica enquanto Freud, o mentor conservadora‑ mente activo da escola, desempenha o papel de um revolu‑ cionário, defensor aguerrido dos seus progressos” (Brumlik 2007: 15)1.

Com grande gosto, damos à estampa esta obra que pretende ser a primeira de uma série que pretende divulgar activamente o pensamento de Jung no nosso país. É tempo das noções semi‑ nais de Jung darem os seus frutos entre nós. Entendemos que a Psicologia Analítica, que já não se limita a uma visão jungiana clássica mas que hoje se espraia numa fertilidade pós‑junguiana, tem muito a contribuir para uma cor‑ recta compreensão do ser humano e para uma desejável e tão premente reunificação dos saberes. Psicologia, Filosofia, Antro‑ pologia, Sociologia, Teologia, Ciências Naturais… nada mais são que diferentes ângulos de visão de uma mesma e única rea‑ lidade — ontologias regionais que convém federar numa visão de mais largo alcance. Atrevemo‑nos a contribuir, com a nossa 1 M. Brumlik (2007). “Jung no Centro do Mundo”. In M. Brumlik; F. Ribeiro. Jung: A Consciência do nosso Eu. Lisboa: Planeta Editora.

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parte, para essa compreensão, essa reunificação (que bem pode ser entendida, também ela, como um “processo de individua‑ ção” da ciência e da cultura). Na senda de Carl Gustav Jung (1875‑1961), que foi aluno de Freud e mais tarde seu opositor, não deixaremos de dirigir pa‑ lavras de apreço a todos aqueles que contribuíram e contribuem para uma visão compreensiva do humano. Com efeito, Jung ja‑ mais deixou de elogiar o seu antigo mestre. Desde cedo reco‑ nheceu que tanto Sigmund Freud (1856‑1939) como também Alfred Adler (1870‑1937) (outro antigo aluno que também veio a ser oponente de Freud), tinham razão; mas a tinham apenas em questões circunscritas: Freud em relação aos complexos de carácter sexual e o princípio do prazer2 e Adler em relação aos complexos de inferioridade e correspondente vontade de poder. Carl Jung, contudo, entendia que a génese dos problemas devia ser encontrada mais a montante, no sentido da nascente e não a jusante, no sentido da foz… Ou seja, a etiologia das afecções psicológicas não de‑ via ser procurada numa pre‑ tensa libido puramente sexual ou na vontade de poder, mas nos bloqueios de uma energia psíquica mais vasta e mais original. Os méritos de Freud são, todavia, indiscutíveis. Consciente disso, na obra de 1917, Uma Dificuldade no Caminho da Psica‑ nálise, Freud coloca‑se a si próprio na linhagem de Copérnico (1473‑1543) (que desenvolveu a teoria heliocêntrica do sistema solar, onde se defendia que era a terra que girava em volta do sol e não o sol à volta da terra; deixando, assim, a terra de ser Note‑se que Sigmund Freud também não foi o pan‑sexualista pelo qual foi tomado mais tarde. Freud estava consciente que, a par da sexualidade, existiam outras pulsões também importantes. 2

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o suposto centro de todo o universo) e de Darwin (1809‑1882) (que defendeu a teoria da evolução das espécies; deixando o homem de ser entendido como uma criatura criada por Deus tal e qual como o conhecemos hoje); continuando este processo de desencantamento do mundo, Freud defendeu que nós não somos senhores da nossa casa mental: o “eu” não é senhor em sua casa. O simples facto de se admitir a existência de proces‑ sos inconscientes, implica o deitar por terra de toda a soberba da consciência humana e da sua pretensão de tudo controlar ou compreender. Não podemos estranhar, por conseguinte, o pen‑ samento soturno e pessimista de Freud e de grande parte dos seus seguidores. Jung, contudo, à luz da tradição das teorias românticas do in‑ consciente, coloca em posição central a processualidade de um sujeito uno na raiz de si mesmo e ao encontro gradual de si pró‑ prio — um sujeito que, à medida que vai tomando consciência de si (numa sequência previamente traçada e com sentido, em direcção a uma cada vez maior consciencialização e individu‑ alidade) e à medida que vai tomando consciência do confronto com a realidade que o levou a divisões e cisões internas, se (re‑) unifica. Trata‑se, pois, do chamado “processo de individuação”. Processo que nada tem a ver com individualismo, mas sim com uma integração de partes; do ponto de vista das neurociências, podemos comparar o processo à conexão de redes neuronais anteriormente dissociadas.

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A individuação, conforme descrita por Jung, é um processo através do qual evoluímos de um estado infantil de identifica‑ ção para um estado de maior diferenciação, o que implica uma ampliação da consciência no sentido da integração das diversas instâncias psíquicas que se tenham diferenciado e desconectado entre si durante o processo de desenvolvimento, tais como a persona, a sombra, o self, etc. Jung entende que o atingir desse estado de consciência integrado e superior é a meta de desen‑ volvimento da psique e que as eventuais resistências ao desen‑ rolar natural deste processo são uma das causas do sofrimento e da doença psíquica. Trata‑se, pois, de um verdadeiro re‑encan‑ tamento do mundo. Em suma, o confronto entre Jung e Freud é o confronto entre a concepção teleológica, orientada para o futuro, das teorias ro‑ mânticas com a interpretação segundo a causalidade, orientada para o passado, das teorias racionalistas — dois modos de ver substancialmente diferentes… Mas ainda que diferentes, importa ter sempre presente a perspectiva freudiana e o seu grande contributo para a psico‑ logia como ciência e prática clínica, também no sentido de a podermos confrontar com o que tem de semelhante e diferente relativamente à perspectiva junguiana. Freud e o Inconsciente Freud foi bastante influenciado pela observação do seu cole‑ ga Joseph Breuer (1842‑1925) de que memórias que aparente‑ mente estavam esquecidas volta­vam à consciência num estado semi‑hipnótico ou em verdadeira hipnose. Isto significava que essas memórias não estavam verdadeiramente esquecidas, em‑ bora estivessem, por qualquer motivo, inacessíveis à consciência. Freud também foi muito influenciado por Hippolyte Ber­ nheim (1837‑1919), com quem estudou hipnose em Nancy. A sujeitos sob hipnose, Ber­nheim costumava sugerir que num momento posterior à hipnose fizessem coisas deste género: abrir um guarda‑chuva na sala perante os presentes (há quem

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costume chamar a isto de “sugestão pós‑hipnótica”; o termo, contudo, é impróprio, pois a sugestão é feita durante a hipnose e apenas a execução da ordem é que é pós‑­hipnótica). Quando os indi­víduos cumpriam a ordem que lhes fora dada em hip‑ nose, Bernheim pergun­tava‑lhes, de imediato, a razão daquele comportamento. Respondiam coisas deste tipo: “eu queria saber a marca do guarda chuva…” ou “parecia‑me que estava a cair uma gota de água do tecto…” Ou seja, os sujeitos executavam o acto, mas não tinha consciência do motivo que os levou a cometer tal acto, ou do que, dentro deles, os movia no sentido dessa acção. Ao serem questionados pelas razões, a sua cons‑ ciência forjava uma justificativa que lhes parecia ser a razão verdadeira, mas que de fato não era. A ideia de um inconsciente já estava clara para os hipnólogos que realizavam experimentos como esse, mas coube a Freud construir todo um novo paradig‑ ma baseado na realidade de uma instância psíquica distinta da vida consciente. Foi igualmente muito importante para a construção desse novo paradigma o facto de Bernheim ter dito a um indivíduo hipnotizado que o atacasse passado certo tempo. Também este cumpriu a or­dem que lhe fora dada sob hipnose. Bernheim pergun­tou‑lhe por que razão procedia daquela forma. O homem respondeu que não tinha qualquer ideia a esse respeito. Mas, como Bernheim insistia e lhe repetia que tinha de saber o mo‑ tivo do seu procedimento, o sujeito acabou por dizer: “Foi o senhor quem, há algum tempo, me ordenou que fizesse isto…” Desta observação, concluiu Freud que a amnésia pós‑hipnó‑ tica, isto é, a incapacidade de lembrar coisas sucedidas durante a hipnose, se o regresso à memória foi impedido por uma sugestão adequada, não é tão absoluta como seríamos inclinados a acredi‑ tar à primeira vista. Coisas que o indivíduo, aparentemente, não conhecia ou não podia conhecer, acabaram por ser conhecidas, embora, eviden­temente, por uma maneira especial. Foi necessá‑ rio certo esforço para as trazer à consciência, como se se tratas‑ se de forçar uma barreira, antes que o indivíduo as recordasse.

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No caso de Bernheim, tal barreira consistia na sugestão, feita ao cliente, de que ele não se havia de lembrar de nada que tivesse sido dito durante o estado de hipnose. Daqui tirou Freud conclusões. A primeira foi que há, na me‑ mória do homem, coisas que não são acessíveis ao processo vulgar de evocação e que há, por assim dizer, graus de acessi‑ bilidade. A segunda conclusão foi que, para se poderem atingir estas inacessíveis profundidades da memória, não há necessida‑ de de recorrer à hipnose, visto que Bernheim conseguiu vencer essa dificuldade por meio de um porfiado interrogatório. As‑ sim, e no momento em que Freud abandonou a hipnose como método principal do estudo das perturbações nervosas, foi que nasceu a Psicanálise. A Psicanálise foi, a princípio, um simples método. O seu próprio nome denota isso. Temos estado acostumados a falar da Psicanálise como de determinada espécie de Psicologia e como de uma teoria da natureza e do funcionamento do espírito hu‑ mano. Mas o nome continua a ser ainda o nome de um método terapêutico. Foram, num segundo momento, as observações de Freud, e todas as dúvidas que se lhe puseram, que deram ori‑ gem ao procurar pelas razões daquilo que Freud observava e o intrigava: era preciso formar uma ideia das várias espécies de memória ou conservação dos factos e era necessário encontrar a razão por que alguns eram facilmente lembrados, ao passo que outros só voltavam à consciência sob condições excepcionais. A solução desta segunda difi­culdade envolvia, naturalmente, uma explicação dessas particulares condições que permitem a tais reminiscências a volta à consciência. A especulação sobre a primeira ques­tão levou à concepção do “inconsciente”; a segunda deu em resultado o aparecimento de noções como “repressão”, “censura”, etc. A noção de inconsciente, como referimos, não era uma noção nova — durante muito tempo tinha desempenhado certo papel na psicologia e na filosofia. Embora a noção de “inconsciente” e também de “dinamismo” na vida mental fossem já conhecidas,

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adquiriram um significado novo quando usadas por Freud como elementos fundamentais do seu corpo teórico. Freud combinou os seus conceitos de incons­ciente e de memória com a noção de que o espírito é formado por diferentes “camadas”. Esta ima‑ gem foi‑lhe sugerida pela obra do neurologista inglês Hughlin‑ gs Jackson (1835‑1911), ao qual foi buscar ainda outra noção, a de “regressão”, embora o velho termo adquira aqui outra vez um novo e particular significado. Poderíamos continuar a enumerar mais uns quantos dados dos quais Freud deitou mão para formar o seu corpo doutriná‑ rio, mas tomar‑se‑ia moroso e desnecessário. Afinal, e tal como nas ciên­cias, nas quais a biologia pressupõe a física e a química e assim sucessivamente, também Freud se serviu dos conhe‑ cimentos do seu tempo para os elevar e levar a um nível que jamais tinham tido. E é exactamente aí que o génio de Freud se manifesta: no exacto ponto de ter conseguido algo de novo partindo de fundamentos conhecidos. A Palavra, via de acesso ao Inconsciente Um aspecto normalmente negligenciado na génese da psicaná‑ lise é o facto de Freud ter sido um semita3. É sabido que Freud, fascinado pelas possibilidades que a hipnose abria, tal como era praticada pelos seus mestres, numa primeira fase começou por utilizar a hipnoterapia. Todavia demonstrou‑se um mau hipnotizador e frequentemente depara‑ va‑se com o facto de o cliente “acordar” do estado hipnótico, frustrando, assim, todas as suas expectativas. Desta forma, muito terá facilitado o abdicar da hipnose e o privilegiar da palavra dita em um estado bem mais consciente o facto dos semitas darem à “palavra” uma importância enorme. Para um judeu a palavra é eficaz. A palavra (dabar) tem uma acção “em si”, é portadora de energia. 3 Semitas: o conjunto composto por uma família de vários povos, entre os quais se destacam os árabes e hebreus, que compartilham as mesmas origens culturais.

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É certo que Freud não era um judeu crente, todavia foi for‑ mado segundo os paradigmas do judaísmo e conhecia bem a história do Antigo Testamento. Como tal, sabia o quanto a pa‑ lavra (a palavra de Deus) é criativa: “faça‑se a luz”! E a luz se fez… “Que a água se separe da terra!” E assim aconteceu… Ou seja: a palavra porta em si energia e gera em si acção. Não é sem razão que os povos orientais são avessos em dizer o seu nome a um estranho, pois saber o nome próprio é ter acesso à sua intimidade, é partilhar algo de precioso que só pode ser con‑ cedido ao grupo dos íntimos. O mesmo se passa com a imagem, fotográfica ou videográfica. Para um semita, a palavra é quase como, hoje, um “facto jornalístico”: uma simples afirmação de um político, por exem‑ plo, pode constituir, por si só, um facto; facto que pode levar a repercussões sociais imensas. O mesmo se passa e perpassa todo o Antigo Testamento: a Palavra de Deus cria, a dos profe‑ tas actua, tem consequências. Freud, não era indiferente a toda esta concepção, aliás, em suas obras, mostra conhecer bem os ensinamentos veterotestamentários. Neste sentido, foi um bom semita e a psicanálise nunca seria aquilo em que ela se tomou se não tivesse por base uma concepção judaica da vida e da palavra. Foi este um segundo aspecto, e não menos importante, para o abandono da hipnose e para a moldagem da psicanálise se‑ gundo o paradigma do “poder da palavra”, que reafirma com uma veemência inédita a velha definição do homem como ani‑ mal que fala: “homo loquens”. Segundo a tradição antiga, nós, precisamente nós, somos os seres que estão em condições de falar e que por isso possuímos a linguagem. E essa faculdade, como sugeriu Martin Heidegger (1889‑1976), não é apenas uma capacidade que se pode colocar ao lado das outras, no mesmo plano das demais. Pelo contrário. Na senda de Lev Vigotsky (1896‑1934), podemos dizer que é a faculdade que faz do homem um homem. Este traço é o perfil do seu ser. Não seríamos humanos se não nos fosse concedido

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falar, dizer: “é” — ininterruptamente, por todo o motivo e em referência a todas as coisas, de várias formas, na maioria das vezes calando. Enquanto a linguagem concede isto, o ser do ho‑ mem se fundamenta na linguagem. Por isso, desde o início nós estamos na linguagem e com a linguagem; Ludwig Wittgens‑ tein (1889‑1951) diria que habitamos em jogos de linguagem, vivendo de acordo com as regras dos mesmos. O conceito de I nconsciente e a A rquitectura do A parelho M ental O conceito de inconsciente é equívoco. Podemos entendê‑lo no contexto da moderna psicologia cognitiva, onde é encarado como o “não‑consciente” (estruturas não conscientes que estão na base da consciência mas que em si ainda não o são). Mas também pode ser entendido de acordo com as psicologias de pendor dinâmico (assim chamadas por se reportarem ao deno‑ minado “dinamismo mental” do aparelho psíquico, postulado por Freud), em que o inconsciente é entendido como algo ac‑ tivo, que tem como que uma vida própria e leis específicas de funcionamento e de acesso. Note‑se que as actuais psicologias de pendor dinâmico, sucedâneas da psicanálise, não podem ser rotuladas como “psicanálise”; são desenvolvimentos da psi‑ canálise ou, se quisermos, são netas — não filhas — do pen‑ samento de Freud. Uma das mais notáveis é a da “Escola de Lyon” de Jean Bergeret (1923 ‑ ). Para Freud, o “aparelho” psíquico era constituído por várias instâncias: o inconsciente, o subconsciente e o consciente. De uma forma breve, diremos que o inconsciente refere‑se aos da‑ dos retidos, não consciencializáveis (ao mesmos facilmente), o pré‑consciente relaciona‑se com os dados que se podem trazer à consciência com alguma facilidade, enquanto que o consciente lida com as percepções presentes, como por exemplo, os senti‑ mentos, os pensamentos, as memórias e as fantasias. Uma outra maneira de ver estas três instâncias é imaginar três pessoas diferentes no aparelho psíquico. Uma delas tenta

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manifestar os seus desejos reprimidos (inconsciente), enquanto que outra (pré‑consciente) funciona como um “guarda” e não deixa todos os desejos tomarem‑se acções. O consciente funcio‑ na segundo os dados que o pré‑consciente deixa “passar” e com tudo o que uma pessoa aprende durante um certo momento, pois quando esse momento passa desaparece da consciência. Assim sendo, o pré‑consciente compreende lembranças, vestígios da linguagem, memórias; enquanto que o inconsciente escapa por definição à consciência. Mais tarde, Freud acrescentou três ins­tâncias ao seu apare‑ lho psíquico, para explicar melhor as operações, processos e qualidades psíquicas, assim como as relações entre si. Assim, a psicanálise nascente distinguiu camadas, ou estratos, na na‑ tureza humana: o Id, o Ego e o Super‑Ego. Cada uma delas é ao mesmo tempo estrutura e função, camada psíquica e sede de operações e de processos mentais. Id, Ego e Super‑Ego funcio‑ nariam a dife­rentes níveis de cons­ciência, mas num constante movimento de memórias de um nível para outro de modo à ob‑ tenção de um equilíbrio mental, uma homeostasia psicológica.

O Id, essencialmente inconsciente, é o reservatório da libido. Regula‑se pelo princípio do prazer, exige satisfação imediata dos seus impulsos. Segundo Freud, a energia que está por trás dos pro­cessos do instinto do Id, a libido, é uma força generali‑ zada cuja natureza é basicamente pulsional.

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O Ego (com o significado de “mim”; tradução de “selbst” do alemão), que constituía a camada seguinte e que está em certo antagonismo com o Id, opera essencialmente ao nível conscien‑ te e pré‑consciente, apesar de ter elementos inconscientes, visto que, tanto o Ego como o Super‑Ego derivam do Id. Nesta instância, os desejos inapropriados não são satisfeitos, antes reprimidos; a formação do Ego começa quando, desde a nascença, com os seus primeiros contactos com o mundo exte‑ rior o Ego aprende a modificar comportamentos controlando os impulsos que são socialmente inaceitáveis. A sua função prin‑ cipal é a de servir de mediador entre impulsos inconscientes e padrões sociais e pessoais previamente adquiridos. Parcialmente inconsciente, o Super‑Ego é, por assim dizer, o receptáculo dos ideais, das noções morais e de outras semelhan‑ tes; o Super‑Ego serve de censor das funções do Ego e abrange as ideias do indivíduo que derivam dos seus valores sociais e familiares, sendo a fonte de sentimentos de culpa e do medo de punição. De acordo com a teoria psicanalítica, o Super‑Ego de­senvolve‑se enquanto a criança adopta in­conscientemente va‑ lores padrões, prime­iro dos seus pais e mais tarde do ambiente social. Ponto de vista dinâmico Este ponto de vista tem em conta conceitos base como: pul‑ são, desejo, conflito, angústia e mecanismos de defesa. A “pulsão” constitui o processo dinâmico que orienta o or‑ ganismo para determinado comportamento, atitude ou afecto. A origem deste constitui uma excitação corporal (base biológica) que se exprime a nível psicológico (imagem mental e afectos) e a sua finalidade é de suprimir o estado de tensão. A superação da pulsão é conseguida a partir do investimento num objecto real ou irreal (não específico). Neste contexto é necessário distinguir a pulsão do instinto, uma vez que, apesar de ambos terem uma base biológica, a pulsão, ao contrário do instinto, não tem um esquema pré‑determinado, porque varia com a história de cada pessoa.

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O “desejo” constitui uma tendência inconsciente que tem a sua origem na recordação de experiências de satisfações pas‑ sadas. Trata‑se então, de uma estrutura ou de um esquema in‑ dividual, que se constitui ao longo das experiências da crian‑ ça; comporta, pois, elementos afectivos, cognitivos e motores, desencadeando o comportamento e a orientação tanto quanto necessário. O desejo não deve ser confundido com a motivação conscien‑ te, uma vez que este se realiza através da reprodução alucinatória (reporta‑se a um objecto idealizado e imaginário), enquanto que o segundo obtém uma satisfação através da realidade. A noção de “conflito” é uma das noções fundamentais da psicanálise, porque esta concebe desde logo toda uma conduta, normal ou anormal, como finalidade de um conflito. Pode ser definido como a oposição de forças com intensidade semelhan‑ te, surgindo, portanto, quando os motivos são incompatíveis (luta constante do aparelho psíquico). Os conflitos podem ser conscientes (decisão entre o que se deve fazer ou não) ou inconscientes (dando origem às patolo‑ gias), são estes que explicam muitas vezes sintomas neuróticos. Assim, muitas vezes o conflito gera hesitação, indecisão pela ambivalência, podendo ocorrer uma grande ansiedade onde se irá manifestar a chamada angústia. A “angústia” está ligada ao conceito de pulsão e conflito. Resulta de uma pulsão que se quer manifestar e devido à rea‑ lidade ou a mecanismos de defesa ligados a princípios morais (Super‑Ego), vai levar a que haja um conflito. Neste processo, a dor (problema físico) é comparada com a angústia (problema psíquico). Esta angústia é caracterizada pela emoção penosa para a pessoa e assinala um perigo do bem‑estar do “eu”. A angústia é importante porque conduz a pessoa a to‑ mar medidas de defesa para manter a integridade do “eu”. Logo, os “mecanismos de defesa” não são mais do que estratégias in‑ conscientes que a pessoa usa para tentar reduzir a tensão e a ansiedade, fruto dos conflitos entre o Id, o Ego e o Super‑Ego.

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Entre os mecanismos de defesa, o principal é o “recalca‑ mento” no qual o sujeito envia para o Id as pulsões, desejos e sentimentos que não pode admitir no seu Ego. Os conteúdos re‑ calcados, apesar de inconscientes, continuam activos e tendem a reaparecer de uma forma disfarçada (sonhos, actos falhados, lapsos de linguagem…). Para além deste existiriam ainda: A “projecção”, na qual o sujeito atribui a outros (à socieda‑ de, a pessoas, a objectos), desejos, ideias, características que não consegue admitir em si próprio. A “formação reactiva”, na qual o sujeito resolve o conflito entre os valores e as tendências consideradas inaceitáveis, apre‑ sentando comportamentos opostos às pulsões (uma pessoa pode ser demasiado amável com uma pessoa que odeia). A “denegação” na qual o sujeito nega a realidade quando esta é demasiado penosa. A “racionalização” na qual o sujeito ocultando a si próprio e aos outros as verdadeiras razões, justifica racionalmente o seu comportamento retirando assim os aspectos emocionais de uma situação geradora de angústia e de stress. A “anulação”, na qual o sujeito anula actos, pensamentos ou comportamentos que permitiram substituir os primeiros (faz algo que desfaça o que está feito). O “animismo”, no qual a criança atribui sentimentos e alma aos objectos. O “deslocamento” onde se verifica uma transferência de pul‑ sões e emoções do seu objecto natural, mas “perigoso”, para um objecto substitutivo mudando assim o objecto que satisfaz a pulsão (representação mental problemática de uma pulsão é separada do seu afecto; esse afecto é ligado a outro represen‑ tante mental). A “sublimação”, onde há substituição do fim ou do objecto das pulsões, de modo a que estas se possam manifestar em mo‑ dalidades socialmente aceites (“despir” algumas representações mentais dos afectos e ligá‑los a uma única representação mental).

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A “regressão”, na qual o sujeito adopta modos de pensar, atitudes e comportamen­tos característicos de uma fase etária anteri­or (Frente a uma frustração ou incapaci­dade de resolver problemas, a criança ou o adulto regridem, procurando a protec‑ ção de épocas passadas). Ponto de vista económico Quando falamos da luta permanente entre o Id, o Ego e o Super‑Ego, referimo­‑nos a um contra‑investimento que requer um certo gasto energético. Isto é, o recalcamento resulta da acu‑ mulação de pulsões e desejos no inconsciente, que são impe‑ didos de passar ao mundo consciente. Contudo, para que esse processo de transferência não se realize é então necessário um investimento energético. Ponto de vista genético Este ponto de vista está intimamente ligado com a evolução dos estádios ou fases de Freud. Esses estádios são moldes de organização psíquica que se caracteriza por uma raiz biológi‑ ca ligados a uma determinada zona do corpo primordial (zonas erógenas excitabilidade localizada e aumentada em determina‑ das fases). Cada um destes estádios implica um modo de rela‑ ção com a realidade. A noção de estádio está inseparavelmente ligada à sua con‑ cepção de Freud de aparelho psíquico e do seu funcionamen‑ to normal e sobretudo patológico, e do seu desenvolvimento no tempo ao nível do indivíduo e também ao nível da espécie. E desse desenvolvimento que aparece a dimensão genética do pensamento freudiano, de onde resulta a noção de estádio. Nesta perspectiva, Freud encontra duas premissas essen‑ ciais à Psicanálise, isto é, dá como adquirido a existência de um inconsciente e de uma sexualidade. Baseado nestas premissas elaborou então três períodos, subdivididos em cinco estádios de desenvolvimento psico‑sexual.

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1º período (0‑5 anos) · Fase oral (0‑2 anos) · Fase anal (2‑3 anos) · Fase fálica (3‑5 anos) 2º período (6‑13 anos) · Fase de latência 3º período (13‑… anos) · Fase genital

Fase oral O estádio oral pode‑se subdividir em duas fases, uma primi‑ tiva e outra tardia, que compreendem respectivamente o 1º e o 2º ano de vida. A região buco‑labial é a zona erógena deste estádio, que é constituído por duas actividades: a sucção e o morder. A primei‑ ra relação que o bebé tem com a mãe e a exploração de objectos é feita através da boca. Na fase tardia do estádio oral, com o aparecimento dos dentes, a sucção transforma‑se em morder. Segundo Freud, é ao longo deste estádio que o Ego se dife‑ rencia do Id, visto que o início da sua actividade tem a ver com o princípio do prazer (ex: o mamar que gera prazer — assim, o seio materno será o primeiro objecto sexual do indivíduo). Neste estádio o Super‑Ego ainda não existe, visto que o bebé ainda não tem a noção do mundo. Fase anal Entre o estádio oral e o estádio anal existe um deslocamento das zonas erógenas. Agora a zona erógena dominante é a região anal, à qual estão ligadas duas actividades: a retenção e a expul‑ são das fezes. O adulto educa a criança para que esta tenha controle es‑ fincteriano. Inicialmente parece não haver controle por parte da

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criança; só quando ela atinge uma certa maturação biológica do esfíncter, é que pode controlar a situação. Assim, ela pode reter as fezes ou não, começando a ter algum poder, podendo dar satisfação ou não a quem a rodeia. Seguindo este comportamento da criança, vê‑se que o Ego já está formado. Em relação ao Id, tornou‑se capaz de atrasar a satisfação das pulsões e de afastar algumas. Devido a imposições e com medo da punição, a criança co‑ meça a interiorizar certas punições parentais. Assim começa­‑se a formar o Super‑Ego. Fase fálica Neste estádio a zona erógena são os órgãos genitais; no ra‑ paz o pénis e na rapariga o clítoris. São frequentes as experiên‑ cias genitais, como por exemplo a masturbação. A sexualidade infantil que até agora era auto‑erótica, começa a ter um objecto: o pai ou a mãe. Assim, com a escolha amorosa de um dos pais, em geral do sexo oposto ao da criança, surge o Complexo de Édipo. Este complexo surge acompanhado de sentimentos, como por exemplo, de afeição ou de rivalidade, face ao progenitor do mesmo sexo da criança. A resolução do Complexo de Édipo vai permitir a criança libertar‑se da relação forte que tem face ao progenitor do sexo oposto (filho‑mãe; filha‑pai), permitindo novos relacionamen‑ tos com outras pessoas. A forma como o complexo de Édipo é resolvida poderá condicionar todas as futuras relações. Durante este estádio, as três instâncias do aparelho psíqui‑ co estão constituídas (Id, Ego e Super‑Ego), podendo estar em conflito, durante o qual o Ego constitui os seus mecanismos de defesa, essencialmente o recalcamento e a sublimação. Fase de latência Durante este estádio, o desenvolvimento sexual sofre uma paragem. A criança investe os seus interesses na escola e ami‑ gos, nos aspectos sociais que mais lhe interessam.

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Aqui, o Ego tomou‑se forte com a ajuda do Super‑Ego, do‑ minando as suas pulsões. As energias do Id são investidas na socialização. Ao mesmo tempo, o Super‑Ego desenvolve‑se devido a recalcamentos de tendências repreensíveis (vergonha, nojo, moralidade). Fase genital A zona erógena é a mesma do estado fálico; atingindo o in‑ divíduo neste estádio a maturação sexual. O Ego tenta lutar contra as pulsões do Id. Podem reapare‑ cer as tendências recalcadas, como por exemplo o complexo de Édipo; conduzindo normalmente esses indivíduos à homosse‑ xualidade. Os perigos que vêm do Id aumentam, visto haver uma sepa‑ ração do Ego e do Super‑Ego, consequência de uma revolta do Ego contra o Super‑Ego. Essas revoltas tomam‑se evidentes nos comportamentos nem sempre muito “normais” do adolescente. Para a psicanálise, é o modo como o indivíduo consegue re‑ solver os problemas, nestas fases, que vai determinar as carac‑ terísticas fundamentais da persona­lidade que persistirão até ao fim da sua vida. Em suma, Freud compara a vida mental a um iceberg. Para ele é um conjunto de processos dinâmicos, formado por desejos recalcados e pela libido. É matéria psicológica que só pode ser conhecida pelo afloramento simbólico ao consciente, onde deve ser analisada e interpretada por um terapeuta experimentado. Jung, por sua vez, modifica e amplia esse conceito de in‑ consciente, acrescentando‑lhe outros componentes e, especial‑ mente, fazendo a diferença entre consciente pessoal e colectivo. Este seria formado por “arquétipos”, as características arcaicas resultantes da experiência dos nossos antepassados. Mas quer para Freud como para Jung, o inconsciente precisa ser aflorado ao consciente, onde chega precisando interpretação. A actual psicologia considera o Inconsciente como um cam‑ po pouco explorado da personalidade, que contém elementos

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responsáveis pelo eventual sofrimento psicológico, por dese‑ quilíbrios do psiquismo e do comportamento, que precisam ser apreendidos para que se possa entender o seu real significado. É por isso que as actuais práticas clínicas em psicologia, não são mais que o culminar de muitas técnicas que se foram desen‑ volvendo ao longo dos séculos, práticas empíricas e intuitivas que procuravam levar o ser humano à introspecção, a um nível interno de percepção de si mesmo, e isto não é mais do que o já exposto: condução da pessoa ao seu inconsciente, ou, se qui‑ sermos, às fontes das suas disfuncionalidades, o mais das vezes radicadas no passado e sempre de carácter afectivo. Da Hipótese Espantosa de C.G. Jung

M. Brumlik faz um importante apanhado das diferenças entre Freud (racionalista) e Jung (romântico):

“‑ Onde, nas teorias racionalistas da psicologia de pro‑ fundidade, prevalece uma separação clara entre consciente e inconsciente, as teorias românticas vêem neste facto uma transição gradual. ‑ Onde, nas teorias racionalistas, uma subjectividade dig‑ na de seu nome, assenta numa auto‑transparência conscien‑ te levada aliás apenas tão longe quanto possível, as teorias

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românticas baseiam‑se numa unidade entre corpo‑alma‑es‑ pírito, cujos componentes podem, na verdade, surgir tem‑ porariamente separados, podendo embora em princípio ser conduzidos por uma lei da evolução. ‑ Onde, as teorias racionalistas acabam por ver no incons‑ ciente sobretudo uma ameaça e um poder inibidor da auto‑ nomia, as teorias românticas presumem existir nele aquele fundo de motivação que permite e conduz ao agir humano. ‑ Por último, as teorias românticas vêem no inconsciente um potencial de expressão enriquecedor, enquanto as teorias racionalistas exploram sobretudo as suas manifestações en‑ quanto textos adulterados” (Brumlik 2007: 22‑23).

Jung adopta uma perspectiva mais abrangente que Freud. Ora, as diferenças nas implicações clínicas destas duas visões são evidentes: não basta a (psic)análise, exige‑se também uma (psi‑ co)síntese. Assim, e apesar do homem não ser dono do seu próprio des‑ tino, como tão bem tinha notado Freud, tal não significa que nos devemos entregar à inconsciência do agir. Pelo contrário, tal exige a tarefa da integração do disperso, mormente desse lado “escuro”, tomando, cada um, consciência das suas próprias limitações. Naturalmente, é uma tomada de consciência doloro‑ sa e que exige uma especial coragem e determinação: coragem de não abdicar do conhecimento de que vivemos ao alcance de uma parte de nós que é incontrolável, parcialmente “demonía‑ ca”, mas, para Jung, tal reconhecimento é imprescindível para fazer face a quase todos os problemas com que o ser humano se defronta. Apesar da “sombra” ser isso mesmo, escura, care‑ ce ser integrada. Sem ela seremos seres amputados, falhos de algo que também é nosso. Há, pois, que conciliar a nossa figu‑ ra “diurna” com a nossa figura “nocturna”, aceitar‑nos também como corpo, como animal com alma de animal, integrando, as‑ sim, as suas pulsões, tal nos conduzir‑á a uma nova figura: a do Eu Superior. com o significado de amadurecimento, integração

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bem sucedida, processo de unificação dos contrários, concilia‑ ção com a sua sombra. A dificuldade que temos em aceitar que conhecemos o inimigo e ele somos nós (“we have met the enemy and he is us”), demonstra o quanto ignoramos a nossa natureza e a natureza do mal. Ignorância quanto à imperfeição da nossa capacidade de ajuizar, ao julgar‑ mos categoricamente serem o bem e o mal categorias absolutas. Naturalmen‑ te, são categorias válidas e existentes, mas só deverão ser tomadas em con‑ sideração se acompanhadas de relati‑ vidade. A tarefa individual de cada um de nós consiste, então, em lançar luz no seu próprio inconsciente com toda a força dos seus afectos, uma vez que sem essa força benigna será impossí‑ vel assimilar esse lado abscôndito (absconditus) mas que quer tornar‑se igualmente participante da vida, que não deseja pere‑ cer. Esse inconsciente e o que nele reside é bem mais do que o “quarto de despejos”, como foi postulado por Freud. O in‑ consciente é, afinal, o reservatório da nossa energia vital. Sem a sua integração, seremos apenas seres amputados, artificiais, estereotipados e profundamente infelizes. O processo de individuação ocorre sempre aquando do vi‑ venciar da dor, do sofrimento, da perplexidade, resolvendo‑se no confronto consciente com as partes desconectadas do nosso eu, almejando‑se, assim, a realização da totalidade. Aceitar o meu lado sombrio, significa que eu o abraço e amo como par‑ te da pessoa que sou, com as minhas fraquezas, limitações e vergonha. Não se trata de resignação, que perpetua o conflito, mas de aceitação amorosa, a única que permite começar a viver em paz comigo mesmo. Em última análise, é uma questão de

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humildade, de abraçar toda a verdade acerca de mim mesmo — aceitando a imperfeição e a condição de ser parte, como tal jamais capaz de perceber o todo em que se integra, bem como a submissão a um princípio maior: o do amor ao próximo, aquele amor sereno que tudo aceita e acolhe (também à minha sombra, entendida ela como “um outro em mim”). Caso se aceite esta via dolorosa indispensável à cabal reali‑ zação do processo de individuação, caso se deixe espaço para as emoções se manifestarem, caso se permita traduzir por imagens essas mesmas emoções, isto é, encontrar as imagens escondidas por detrás delas, então estará aberta a porta para o caminho da integração num Eu Superior e da paz interior.

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- O Arquétipo como Conceito Fundamental da Psicologia Analítica LUÍS SARAIVA Dentro do espanto que inevitavelmente causa a qualquer estu‑ dioso que tenha a felicidade de encontrar Jung no seu caminho, há um conceito que ao mesmo tempo sendo a fonte daquele espanto é também, e até por causa disso, factor de forte contro‑ vérsia. Trata-se da noção de arquétipo. Há quase dois anos teve lugar na Faculdade de Filosofia de Braga da Universidade Católica Portuguesa a primeira con‑ ferência internacional de Psicologia Analítica em Portugal e numa sessão paralela à qual eu tive a felicidade de assistir, o meu amigo Professor João Carlos Major, após a comunicação de Giancarlo Aguiar relacionando Fernando Pessoa com Jung, depois de muito ter ouvido citar a palavra arquétipo, decidiu perguntar o que afinal esta significava: — Mas, afinal... o que é um arquétipo?! Giancarlo tentou responder, eu também e até uma minha alu‑ na do Porto, a Eng.ª Inês Durão, procurou defender a sua paixão junguiana — paixão, é a palavra correcta! — tentando também dar uma achega. Claro que nada, ou muito pouco se aclarou. Trata-se de enfesto que requer dente de coelho, como diria o Padre João Maia, S.J. Não vamos aqui resolver a questão, mas procuraremos na medida do possível mostrar as diferentes abordagens geradoras daquela controvérsia. Comecemos por ver, de forma muito simples, como Jung, começando a afastar-se de Freud, chegou a este conceito, nos anos antes de 1912. Por duas diferentes vias: 1) Nos seus estu‑ dos usando o “association experiment”, método pelo qual pre‑ tendia chegar aos complexos dos pacientes. Jung concluía que um grande número de participantes apresentava complexos se‑

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melhantes, por exemplo o complexo maternal negativo. Daí as‑ sumiu que deveria haver padrões, protótipos, que estariam por trás destes complexos semelhantes comungados por todos os seres humanos. (Jung 1912/1952; Shamdasani 2003). Christian Roesler no seu artigo no último número do Journal of Analyti‑ cal Psychology, acrescenta que “visto de um ponto de vista da ciência empírica, foi um grande desapontamento que Jung não tenha continuado estes estudos depois de 1912, pois estava no caminho para encontrar uma prova científica de padrões psi‑ cológicos comparáveis interindividualmente” (Roesler 2012). 2) Pela sua experiência psiquiátrica na clínica de Burghölzli, onde tratava doentes psicóticos com fantasias e visões como o famoso caso do paciente que lhe falou sobre o falo que saía do sol e produzia o vento. Jung tinha acabado de traduzir um texto egípcio antigo que incluía a mesma imagem. Desde já surgem as primeiras objecções: “para inferir que o arquétipo é um padrão inato Jung também teria que provar que a pessoa que produzira a imagem arquetípica não tinha tido qualquer tipo de contacto com a imagem ou ideia, mas claro que Jung não podia provar isso em todos os seus casos.”(Bair 2003). Também Raya Jones (2007) diz que o caso do falo solar, tratando-se de uma fantasia arquetípica, deveria ser encontrada muito mais frequentemente do que só num caso psicótico. Vários têm sido os autores que apontam inconsistências e contradições que podem ser encontradas nas obras de Jung no que respeita à noção de arquétipo. Nuances na definição de Arquétipo De acordo com a síntese de Jean Knox (Knox 2003: 24) C.G. Jung vai definindo arquétipo ao longo da sua obra com diferen‑ tes nuances as quais ela reduz aos quatro tipos de abordagem que se seguem e que claramente diferem bastante umas das outras: 1 - Entidades biológicas na forma de informação integrada nos genes, provendo um conjunto de instruções à mente, bem como ao corpo

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2 - Estruturas mentais organizadoras, de natureza abstracta, uma série de regras ou instruções, mas sem conteúdo simbólico ou representacional, de forma que nunca são directamente ex‑ perienciadas. 3 - Significados padrão que possuem conteúdo representa‑ cional e que, portanto, possibilitam uma significação simbólica central à nossa experiência. 4 - Entidades metafísicas de carácter eterno e que portanto são independentes do nosso corpo. Parece evidente que estas diferentes formas de ver os arqué‑ tipos, tornam o conceito ambíguo. Vamos, como faz Knox, à fonte, ver como Jung chega a integrar todos os quatro modelos referidos num mesmo parágrafo das obras completas: “Arquétipos são, por definição, factores e motivos que or‑ ganizam os elementos psíquicos em certas imagens, caracteri‑ zadas como arquetípicas, mas de tal forma que só podem ser reconhecidas pelos efeitos que produzem”. Aqui Jung está a referir-se ao segundo modelo referido, “estruturas mentais organizadoras…(nunca) directamente ex‑ perienciadas” (“só podem ser reconhecidas pelos efeitos que produzem”). Imediatamente, no mesmo parágrafo: “Existem pré-cons‑ cientemente e presumivelmente formam as dominantes estru‑ turais da psique em geral”. Diz Jean Knox que nesta frase Jung parece sugerir a terceira nuance acima mencionada, a de “sig‑ nificados-padrão”, “dominantes estruturais”. (Knox 2003: 26). Não vejo isto tão claramente como Knox. Isto porque não vejo onde Jung esteja a falar em “Significados-padrão (com) conte‑ údo representacional”. Continuando com Jung nas suas duas frases seguintes no mesmo parágrafo: “Como factores condicionantes à priori, eles representam uma instância psicológica especial do padrão de comportamento biológico… Justamente como as manifestações do plano biológico básico mudam no curso do desenvolvimen‑

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to, assim também podem as dos arquétipos”. Não há dúvida que neste ponto Jung se aproxima da primeira abordagem dos arquétipos como entidades biológicas, genéticas. Knox afirma que também se aproxima da terceira, referindo o aspecto da pre‑ determinação de significado, ou de significado predeterminado condicionando a nossa experiência (Knox 2003: 27). Talvez pelo facto de Jung se referir a “uma instância psicológica espe‑ cial ...” Fala-se de factores condicionantes à priori, mas poderão muito bem ser só aquilo a que Jung chama o “arquétipo per se”, ou seja, recorrendo a um paralelismo com a a formação de um mineral, só os eixos cristalográficos, ainda não se fala no precipitado (conteúdos representacionais). Ora na terceira abordagem, está referido expressamente “com conteúdo repre‑ sentacional”. Finalmente ainda no referido parágrafo diz Jung: “Conside‑ rado empiricamente, contudo, o arquétipo nunca veio à exis‑ tência como um fenómeno da vida orgânica, mas entrou com a entrada da própria vida”. Definitivamente que nesta frase temos a quarta acepção. Já se não trata de entidades biológicas, “mas existem como manifestações da vida eterna” (Jung 1948 (1942) nota 2: parágrafo 222). Serviram todas estas considerações para tentarmos justificar uma certa ambiguidade na forma como Jung vai abordando o arquétipo. Mas esta deriva do facto de Jung “estar a jogar entre a filosofia e a biologia” (McLynn 1996: 306), pois tal lhe per‑ mitia defender-se das críticas que surgiriam se ele o definisse aproximando-se demasiado de qualquer delas. McLynn sugere que Jung receava ser acusado de Lamarckismo se se concen‑ trasse demasiado em analogias biológicas e também não queria ser classificado de metafísico, pois tal minaria o seu propósito de que as suas teorias têm estatuto científico. Entretanto e abreviando muito o que Jean Knox nos aporta de novidade nesta matéria poderemos dizer que a mesma adere à noção de esquemas de imagem (Mandler 1992: 591). Trata‑ -se de esquemas mentais elaborados a partir das percepções e

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das emoções inerentes às mesmas dada uma certa capacidade de comparação entre estímulos perceptuais. Não deixam de ser uma primeira forma de mente muito relacionada com o sistema límbico em termos cerebrais. Costumo dar como exemplo de uma das imagens-esquema a de “containment” (outras existem como a de trajectória, em cima/em baixo,força, parte/todo e li‑ gação, tudo estruturas mapeadas a partir de estruturas espaciais, como se pode intuir). A criança sente-se mais ou menos contida conforme a forma de vinculação que se estabelece. Esta ima‑ gem vai-se complexificando à medida que se processa a emer‑ gência da mente humana até se chegar ao arquétipo de mãe. Repare-se que para Jean Knox não se nasce com o conteúdo inerente ao referido arquétipo. De facto estas imagens-esquema “não são inatas, mas já re‑ flectem um grau considerável de aprendizagem”. E acrescenta: “O padrão de aprendizagem é praticamente idêntico para todas as crianças porque certas características chave do meio ambien‑ te, nas quais a criança se foca, se mantêm constantes em todas as culturas” (Knox 2003). McDowell criticou esta abordagem dos arquétipos como imagens esquemáticas pois “restringe-os a um conjunto limitado de conceitos abstractos” (McDowell, Journal of Analytical Psychology, Internet discussion 2002). Contudo, Jean Knox defende que estas formas de percepção conceptuais “...estão na base da compreensão das pessoas, mesmo já adul‑ tas, de uma variedade larga de objectos e acontecimentos e das extensões metafóricas destes conceitos a domínios mais abs‑ tractos...formam a base da polissemia, a qual é a extensão de uma palavra a outros sentidos a partir de artifícios da imagina‑ ção humana, tais como a metáfora e a metonímia” (Knox 2003). Basta pensarmos, a partir do exemplo citado, a ideia de mãe e toda a polissemia a ela inerente. Vemos assim que poderíamos comparar as imagens-esque‑ ma à forma do arquétipo em si (sem conteúdo), mas dentro da psicologia do desenvolvimento, ou seja, são adquiridas e não inatas como já referimos. Não que Jean Knox afirme que este

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desenvolvimento não parta de mecanismos fixos geneticamente, mas estes são só predisposições para o desenvolvimento, neces‑ sitando de certos estímulos ambientais para que desabrochem. Mais uma objecção surge a esta forma de emergência dos arquétipos. Vem também da parte do já referenciado Christian Roesler: “Contudo, a abordagem da emergência não é satisfató‑ ria dado o problema teórico que nos preocupa (a que se refere o termo arquétipo?). Dizer que os arquétipos são propriedades emergentes não explica como é que estas propriedades vêm à existência em detalhe; o conceito continua muito vago...en‑ quanto ninguém conseguir desenhar uma linha de explicação detalhada de desenvolvimento a partir de um padrão humano básico em direcção a algo tão complexo como o “mito do he‑ rói” e provar, mesmo assim, que este desenvolvimento tem lu‑ gar em todo o ser humano da mesma forma, esta abordagem mantém-se como não convincente para mim. Não teremos que assumir que há mais diferenças do que semelhanças no desen‑ volvimento das crianças, dado que a pesquisa nem consegue mesmo encontrar semelhanças básicas nas estragégias de cria‑ ção das crianças transculturalmente?” (Roesler 2012). Por ou‑ tro lado Roesler levanta uma segunda objecção aos modelos emergentes: “...embora Knox desenhe uma linha detalhada de desenvolvimento a partir da informação genética em direcção às imagens esquema...contudo, parece-me que os produtos fi‑ nais deste desenvolvimento, as imagens-esquema, ainda se en‑ contram num nível tão primitivo e básico, que permanece um grande gap entre estes esquemas primitivos e o conceito de que Jung fala quando, por exemplo, se refere ao mito do herói como um arquétipo” (Roesler 2012). Assim, de acordo com Roesler há muitas variáveis no ca‑ minho do desenvolvimento que podem perturbar o processo de aquisição e haveria assim grandes diferenças nos arquétipos ad‑ quiridos dessa forma. Portanto estes deixariam de ser universais. Num ponto Roesler e Knox estão de acordo: não haverá trans‑ missão genética de arquétipos simbólicos pois tudo o que sabe‑

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mos hoje em termos genéticos é contra tal assumpção. O núme‑ ro de genes que constitui o genoma humano não o permitiria. Roessler apresenta algumas direcções para explicar a uni‑ versalidade dos arquétipos, partindo da ideia dos modelos ope‑ racionais internos. Pela repetição de respostas típicas do primei‑ ro cuidador a manifestações emocionais por parte da criança formam-se aquilo a que Daniel Stern chama representaçõpes generalizadas típicas daquelas interacções repetidas (R.I.G.s‑ -Repeated Interactions that have been Generalized). Criam-se assim expectativas na criança, com base nestas representações. E Roessler compara-as ao que Jung apelida de complexos. Tam‑ bém é assim que se criam os modelos operacionais internos: a criança experiencia o facto de que quando chora a mãe virá e cuidará dela, no caso de uma boa relação de cuidado. Assim se cria o modelo para experiências subsequentes. Teremos que admitir que as experiências são interindividu‑ almente diferentes dependendo da qualidade do primeiro cui‑ dador. Também há um número limitado das mesmas e, Roess‑ ler recorda-nos que a pesquisa da vinculação descobriu que há quatro formas básicas da mesma em todas as culturas. Assim se chega a padróes universais. Mas, de facto estes padróes ainda são ao nível pré-verbal, ao nível pré-simbólico. E pergunta Ro‑ essler: “Qual a ponte para chegarmos aos padrões simbólicos que apelidamos de arquétipos?” (Roessler 2012). É aqui que entra com a noção de narrativa: “Acredito que a ponte poderia ser construída pela narrativa que forma a ligação entre as repre‑ sentações pré-verbais das experiências relacionais (tais como as imagens-esquema) e as complexas estruturas simbólicas a que Jung chamou arquétipos.A narrativa proporciona a forma linguística, simbólica, na qual estas experiências iniciais po‑ dem vir a ser representadas na mente humana, pois as narrativas descrevem típicas acções padrão que partem de um problema e levam a uma solução. As representações iniciais são assim as percursoras pré-verbais das narrativas” (Roesler 2012). Mi‑ tos, histórias religiosas, contos de fadas, etc. são culturalmen‑

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te transmitidas porque são típicas, relevantes para todos. As‑ sim Roessler apresenta o caso de uma criança que não tenha tido uma vinculação adequada, ao conhecer o conto de Grimm “Hänsel und Gretel”, reconhece a nível subliminar semelhança da estrutura da história com a sua própria experiência. Roessler considera que partir da biologia como faz Knox (de à priori genéticos básicos, como reconhecimento da face, capacidade para a linguagem) não é a solução pelas razões atrás apontadas, e baseia-se mais num ponto de partida cultural e em processos de socialização. Digamos que enquanto Knox se aproxima muito mais da segunda das abordagens junguianas à noção de arquétipo, referidas acima, Roesler estará mais próxi‑ mo da terceira. Ambos, contudo vêem este conceito surgindo como um processo à posteriori e não inato. Roesler acrescenta outras formas subliminares, latentes de transmissão intergeracional de informação complexa. E cita o caso dos filhos e netos de vítimas do holocausto sofrerem de sin‑ tomas e “memórias” geralmente relacionadas com severa trau‑ matização. “Há um consenso geral de que a experiência traumá‑ tica foi comunicada inconscientemente...” (Roesler 2012). Fala ainda dos neurónios-espelho e na possibilidade dos se‑ res humanos poderem desenvolver “um formato neuronal inter‑ -individual... um espaço comum intersubjectivo”, e que neste espaço “o espectro de todas as sequências de acções e experi‑ ências tipicamente humanas pode ser activado e comunicado pré-verbalmente”. Assim os indivíduos “não teriam que ter tido eles próprios as experiências referidas, mas poderiam adquiri‑ -las subliminarmente, de forma latente, no espaço intersubjecti‑ vo referido” (Roesler 2012). Repita-se que estamos no relacio‑ nal à posteriori. Uma outra abordagem que se aproxima mais da quarta das definições junguianas já referidas e escolhidas por Jean Knox (Knox 2003), é a de McDowell que se lhes refere como ordena‑ dores de sistemas dinâmicos. Jung usa a metáfora dos sistemas cristalográficos para exemplificar o que quer dizer por arquétipo

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em si: “pode ser comparado ao sistema axial de um cristal, o qual...determina só a estrutura do cristal, mas não a sua forma concreta, a única coisa que permanece constante é o sistema axial, ou antes, as proporções geométricas invariáveis que o de‑ terminam. O mesmo é verdadeiro para o arquétipo. Pode ser nomeado e tem um núcleo invariável de significado, mas em princípio, nunca no que respeita à sua manifestação concreta (ou imagem)” (Jung 1938-68, parágrafo 155). Para McDowell “a ideia junguiana tinha grande poder explicativo, mas havia confusão através da sugestão, a qual Jung fez na mesma citação, de que o arquétipo em si é herdado. Um princípio não é her‑ dado, nem evolui. É inerente ao nosso universo.” Ao falar nos sistemas dinâmicos, ou seja, dinâmicos pois flui energia através deles, McDowell dá vários exemplos, desde um curso de água que por vezes serpenteia, outras vezes forma redemoínhos, não por causa do seu leito, pois um redemoinho tanto se pode formar num rio, como no mar ou na atmosfera, “mesmo as estrelas de uma galáxia por vezes formam um redemoínho”. Diz-nos, en‑ tão: “uma corrente organiza-se por si própria, mas tem o cons‑ trangimento das formas pelas quais se pode organizar: só for‑ mas pré-determinadas a podem determinar.” (McDowell 2001) A personalidade também é um sistema dinâmico que se au‑ to-organiza. Na biologia vemos que a forma da serpente assim é determinada para penetrar com facilidade orifícios. Mas, “a nossa personalidade também pode manifestar este princípio. Então eu posso sonhar com uma serpente, ou que estou a descer uma escada em espiral. Ambas estas imagens sugerem Hermes que se desloca em idas e voltas ao mundo inferior. O Kundalini yoga também usa a imagem da serpente para sugerir um mo‑ vimento semelhante... Pode-se dizer que a imagem do sonho é algo só efémero. Mas, representa um princípio de organização. A evidência clínica mostra que quando eu sonho que fui pica‑ do por uma serpente, a minha análise pode estar a atingir um nível mais profundo. Assim o princípio da serpente (a forma penetrante) cataliza mudança na personaliade. Eu não herdo o

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princípio. O que eu herdo é um sistema dinâmico, a minha per‑ sonaliade, a qual pode ser abrangida pelo referido princípio” (McDowell 2001). Referi que McDowell se aproximava da quarta definição pois quando me consciencializo que abracei um princípio de organização, “então estou consciente que no curso da minha breve vida encarnei uma possibilidade espiritual intemporal... Talvez seja essa a razão pela qual eu experimento a psique como tendo um propósito que transcende o meu próprio pro‑ pósito” (McDowell 2001). Vemos como esta abordagem vê o arquétipo como transcendente, não no sentido religioso do ter‑ mo, mas no sentido referido: de princípio universal organizador de sistemas dinâmicos. Knox, contudo objecta que esta forma de ver o arquétipo, através destes princípios matemáticos, faz colocar a questão: “quais são os mecanismos mentais através dos quais a mente humana apreende estes princípios matemá‑ ticos e reconhece a sua aplicabilidade ao mundo emocional e simbólico?” E defendendo a sua teoria da emergência responde, dizendo: “Já encontrámos a resposta a esta questão no conceito de imagem-esquema. As fórmulas matemáticas que governam o mundo dos objectos físicos estáo encapsuladas nas formas das imagens-esquema que se constituem no primeiro estádio do de‑ senvolvimento conceptual” (Knox 2003). Contudo, após estas citações, vemos assim que Knox, para além da segunda também se aproxima da quarta noção junguia‑ na por ela apresentada. Voltando-nos agora para autores que se aproximam muito mais do carácter apriorístico dos arquétipos vejamos o que en‑ contramos. Talvez Erik Goodwyn e John Ryan Haule tenham tido as contribuições mais recentes neste sentido. Referir-nos-emos ao que nos diz o primeiro. Goodwyn parte da Psicologia Evolutiva, citando Tooby and Cosmides (2005), mas também menciona Panksepp da área das neurociências. Relativamente aos primeiros refere a convicção

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dos mesmos de que “a mente não é uma tábua rasa, gravando o mundo passivamente. Os organismos vêm equipados com co‑ nhecimento sobre o mundo...” E noutra citação dos mesmos: “A mente não é como uma câmara de vídeo, gravando passiva‑ mente o que se passa no mundo, não tomando parte no processo com conteúdos de si própria. Programas de domínio específico organizam a nossa experiência, criam as nossas inferências, in‑ jectam certos conceitos e motivações recorrentes na nossa vida mental,fornecem-nos as nossas paixões, e facilitam moldes uni‑ versais de significado, transculturais, que nos permitem com‑ preender as acções e intenções dos outros...” (Tooby and Cos‑ mides 2005: 18). É assim que Goodwyn considera Jung como um psicólogo proto-evolucionista. Compreende-se porquê pe‑ rante as citações referidas. No fundo ao dizerem também que a mente vem “armazenada com programas especializados de domínio específico, programas ricos de conteúdo especializa‑ dos para resolver problemas ancestrais...” (2005), aproximam‑ -se muito da terceira concepção junguiana de arquétipo acima referida por Knox. Entretanto quando Panksepp nos diz que : “Muitos estudio‑ sos estão a começar a conceder a existência de uma psique hu‑ mana padrão que é largamente um produto da evolução biológi‑ ca...” (Panksepp 2006: 790), vemos claramente como podemos aproximar esta concepção de um neurocientista actualíssimo à noção de inconsciente colectivo. Conclui Goodwyn: “Assim o peso de evidência convergente de múltiplas disciplinas apoia alguma espécie de sistema psicológico universal que dirige a experiência humana — um “inconsciente colectivo”, se quise‑ rem — embora se debata ainda o que é isso exactamente” (Goo‑ dwyn 2012). Também será de citar a referência ao cérebro “triuno” (já se entenderá esta tentativa de tradução à letra). Este modelo “baseado em extensos exames de neuroanatomia comparativa através de uma larga variedade de espécies vertebradas, propôe que o cérebro humano tem uma estrutura anatómica, mostran‑

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do-o como o produto final de um processo evolutivo de várias “camadas”. A partir da camada inferior que contém o tronco cerebral e a “basal ganglia”... conhecido como o “cérebro rep‑ tiliano”, contendo tendências instintivas básicas e primitivos planos de sobrevivência... acima desta camada o “cérebro mamífero”, conservado por todos os mamíferos e encontrado limitadamente em pássaros, que contém o sistema límbico (o “cérebro emocional”, como é geralmente aceite)...” (Goodwyn, 2012). Temos assim estas duas camadas responsáveis pelas res‑ postas instintivas e pelas emoções. Por último encontramos o cortex que evolui mais tarde “so‑ bre” as camadas anteriormente referidas e que é responsável pela nossa capacidade lógica e de resolução de problemas. Ao apresentar esta divisão (muito simplificada) de um cérebro em três partes o que Goodwyn pretende é fazer notar que à medida que descemos nas referidas camadas as inferiores se apresen‑ tam como altamente resistentes a variações do meio ambiente. Estas áreas muito conservadoras poderão, psicologicamente fa‑ lando, produzir imagens arquetípicas. Será também interessante vermos a forma como Goodwyn vê as imagens-esquema das quais Jean Knox parte para definir as imagens arquetípicas por emergência. Aquele usa o exemplo dos cegos que apesar de não terem qualquer input visual, tam‑ bém neles emergem estes organizadores básicos. Diz Goodwyn que Bertolo et al. (2003), “por exemplo, mostraram que pessoas que nasceram cegas conseguiam desenhar os seus sonhos, os quais presumivelmente resultariam do tacto, do cheiro, do som, mas não da visão, ...de tal sorte que seriam indistinguíveis de desenhos de cegos que tenham tido uma vida com experiência visual. Tal competência sugere a emergência de potencialidades fortemente resistentes à variação em termos de física intuitiva, representação de objectos, pensamento a duas e três dimensões, imagens-esquema, dinâmica de forças, e capacidades de repre‑ sentação gráfico-espaciais”. Há assim vários estudos que per‑ mitem juntar um conjunto de informações, de dados, que levam

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Goodwyn à refutação da teoria de Lakoff e Johnson (1999) “de que as metáforas visuais são adquiridas através de experiências e associações visuais repetidas, e sugere, por conseguinte, uma origem mais inata para tais metáforas pois o cérebro gera rela‑ ções espaciais sem experiência visual” (Goodwyn 2012). Tudo isto “valida a atribuição arquetípica às imagens-esquema de Knox mas sugere uma origem inata e evolutiva para as mes‑ mas. Vemos assim também a diferença de posição de Goodwyn relativamente a Knox, ou seja de uma noção de arquétipo aprio‑ rís- tica para uma noção à posteriori respectivamente e como já foi salientado anteriormente. Não deixarei de mencionar o que já escrevi na Revista “Pes‑ soas & Sintomas” sobre o que diz António Damásio sobre a noção de inconsciente genómico: “Muito simplesmente, ao nú‑ mero colossal de instruções contidas no genoma e que orientam a construção do organismo com as características distintivas do nosso fenótipo, tanto no corpo em si como no cérebro, e apoiam o funcionamento do organismo”. Mas é mais adiante que vejo o paralelismo com Jung, quando Damásio diz: “A psicologia re‑ conheceu desde há muito a existência de bases inconscientes do comportamento e tem vindo a estudá-las no âmbito do instinto, dos comportamentos automáticos, dos impulsos e motivações. O que mudou recentemente foi a noção de que o aparecimen‑ to precoce de tais disposições no cérebro humano se efectua sob uma influência genética considerável e que, não obstante todas as configurações e remodelações que sofremos enquanto indivíduos conscientes, a abrangência temática dessas dispo‑ sições é vasta e a sua difusão espantosa. Isto é especialmente notável em relação a algumas das disposições sobre as quais foram edificadas as estruturas culturais. O inconsciente gené‑ tico teve uma palavra a dizer na configuração inicial das artes, desde a música e a pintura à poesia... Teve algo a ver, tal como Freud e Jung certamente pressentiram, com muitos aspectos da sexualidade humana. Teve um grande contributo nas narrativas fundamentais da religião e nos enredos perenes de peças tea‑

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trais e romances, os quais giram, em grande medida, em torno da força dos programas emocionais inspirados pelo genoma”. Fala-nos depois de diferentes personagens de romance e teatro, Otelo e Desdémona, Karenin e Anna Karenina, Aquiles, Heitor, Ulisses, Édipo e Hamlet, concluindo que, “O inconsciente ge‑ nómico é em, parte responsável pela uniformidade que marca uma grande parte do repertório de comportamentos humanos”. Não me parece, e digo isto, humildemente, que Damásio es‑ teja correcto ao reduzir a citação de Jung à sexualidade humana. Como sabemos a libido junguiana é uma energia psíquica sem objecto previamente definido, cabendo assim, muito melhor na abrangência que Damásio dá ao inconsciente genómico. Parece‑ -me, sim, que o seu inconsciente genómico, se aproxima muito do inconsciente colectivo e seus arquétipos, mais propriamente com a definição de arquétipo como estrutura biologicamente emergente. Inatismo, Etologia e Psicologia Evolucionista versus Psicologia Comportamental e Construcionista (Piaget, Knox) Enquanto os behavioristas afirmavam que o cérebro era uma máquina de aprendizagem que opera via variadas regras de as‑ sociação e não tem predisposições inatas, a psicologia do de‑ senvolvimento era dominada por teorias construtivistas (Piaget 1929), que propunham uma criança sem estruturas inatas e que aprendia via mecanismos de aprendizagem do domínio geral. Recentemente e desde 1970, um largo espectro de teorias veio refutar esta tabula rasa, chegando-se a afirmar que esta úl‑ tima ideia estava morta (Brown 1991). No entanto uma visão, já referida, com conceitos constru‑ tivistas em relação a uma redefinição dos arquétipos,mantém‑ -se através da referida teoria da emergência onde impera Jean Knox. Como referimos,esta diz que há no genoma demasiado poucos genes para conterem conteúdos inatos que não sejam muito elementares. Daí a necessidade da redefinição de arqué‑ tipo mais em termos de psicologia do desenvolvimento e em

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termos emergentes. Knox, como sabemos, põe mesmo de parte a herança de conteúdos simbólicos inatos. Mas, a contrastar com esta posição temos a de Stevens, uma abordagem biológica clássica, que nos diz que o arquétipo em si está fortemente associado a processos neurobiológicos gené‑ ticos ou instintivos. Contudo Merchant, opõe-se a Stevens dizendo que relati‑ vamente ao que ele se refere, a biologia, tem levado a levantar questões sobre o inatismo, sobre o aspecto à priori da teoria ar‑ quetípica. Isto porque as últimas descobertas das neurociências põem em questão aquilo a que Stevens apela. Para vermos a controvérsia e o interesse da questão, Eric Goodwin, propõe-se, como já se referiu, questionar a crítica de Merchant feita a Stevens, mostrando como as neurociências não põem necessariamente em questão o inatismo. Entretanto e dentro da concepção junguiana de arquétipo os psicólogos evolucionistas, como já vimos quando abordámos as citações de Erik Goodwyn, voltam a falar e a demonstrar que os organismos utilizam muitos tipos de aprendizagem de domínio específico em vez de, de domínio geral. Isto é, há razões evo‑ lucionistas pelas quais nós aprendemos algumas coisas, como, por exemplo, as trocas sociais, mais facilmente do que outras, como o cálculo vectorial. Ora o domínio específico tem, por de‑ finição que ser preexistente, embora os organismos aprendam, a existência de algoritmos de domínio específico requerem que a mente tenha um programa específico preexistente para dizer ao organismo o que e sobre o que deve aprender. Vemos aqui que a alternativa para aprendizagem de domí‑ nio específico é a aprendizagem de domínio geral. Neste últi‑ mo caso, não havendo especificidade significante de domínio, a mente operaria como uma tabula rasa, de acordo com as teorias construtivistas e com Piaget. No fundo as teorias de desenvol‑ vimento e emergência (Knox) caem nesta categoria, pois não assumem especificidades de domínio. Entretanto, Panksepp, já atrás citado, nas neurociências

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afectivas adere aos psicólogos evolucionistas, dizendo que: “a experiência é mais influente em mudar a expressão quantitativa dos sistemas neuronais do que a sua natureza essencial” (Pank‑ sepp 1998: 17). Assim a mente é modelada muito mais por evolução e não será definitivamente uma tabula rasa, para este neurocientista. Até os etologistas defendem que no reino animal, a aprendi‑ zagem procede de acordo com uma multiplicidade de mecanis‑ mos especializados, mais do que condicionada pela operaciona‑ lidade, pela actuação. Enfim, é, de facto tarefa hercúlea esta de tentar um conceito consensual para arquétipo. Mas, se, como vimos até Jung num só parágrafo abrange uma diversidade tão grande de aborda‑ gens... Limitei-me, praticamente,a citar diferentes autores, diferen‑ te bibliografia sobre o que se tem debatido a este nível. Deixei, inevitavelmente de fora, contribuições fundamentais também para aclarar (será este o termo correcto?) a nossa “saga”. Mas, se me perguntassem qual a abordagem que prefiro, confesso que sinto poder haver verdade em todas as citadas. Gosto do que nos diz Jean Knox. Acho que Roesler é muito importante e parti‑ cularmente por referir a necessidade permente da investigação científica em Psicologia Analítica. Mas, dentro do apriorismo também me atrai muito o livro de Erik Goodwyn, editado já este ano e que cito na bibliografia. Sinto também que as neurociências estão a dar indirecta‑ mente um contributo decisivo para a actualidade da Psicologia de Jung.É curioso Damásio, entre muitos outros neurocientistas ser amplamente citado no livro que acabo de referir. Mas, repi‑ to, isto de andarmos às voltas com a ideia de arquétipo é tarefa infindável e labiríntica. Não posso deixar de finalizar lançando uma palavra de en‑ tusiasmo aos meus colegas que neste livro escrevem sobre a investigação científica. Tenho para mim que só por esta via po‑ deremos dar a credibilidade necessária à Psicologia de Jung.

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Só por esta via e com estudos com amostras suficientemente vastas,a exemplo do que se tem feito ao nível da psicanálise freudiana, particularmente ao nível prático, da clínica, é que po‑ deremos ganhar um estatuto científico aceite pela comunidade académica em geral.Sabemos que, particularmente em Portu‑ gal, a ignorância a nível da Psicologia Analítica é gritante. Sa‑ bemos que as críticas que nos são tecidas são-no, a maior parte das vezes, levianamente. Cabe-nos mostrar a cientificidade das nossas abordagens clínicas. É este o nosso principal desafio. Bibliografia Bair, D. 2003 Jung. A Biography. Boston: Little Brown. Bertolo et al. 2003 Visual Dream Content, Graphical Representation and EEG Alpha Activity in Congenitally Blind Subjects. Cognitive Brain Research,15: 274-284. Brown, D.E. 1991 Human Universals. Mainhead, Berkshire: McGraw Hill. Damásio, A. 2010 O Livro da Consciência. Lisboa: Círculo de Lei‑ tores Goodwyn, E. 2009 Approaching archetypes: reconsidering innate‑ ness. Journal of Analytical Psychology, 55, 4, 502-521. Goodwyn, E. 2012 The Neurobiology of the Gods.Hove, East Sussex: Routledge. Jones, R.A. 2007 Jung, Psychology, Post-Modernity. London: Rou‑ tledge. Jung, C.G. The Collected Works of C.G.Jung. H Read, M.Fordham, G.Adler and W. McGuire (eds.). Transl. R.F.C. Hull, London: Rou‑ tledge and Keegan Paul. 1919 Instinct and the Unconscious, CW 8. 1934-1954 Archetypes of the Collective Unconscious, C.W 9i. 1935 The Tavistok Lectures.

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1948 A psychological approach to the dogma of Trinity, CW 11. 1954 On the nature of the psyche, CW 8. 1956 Symbols of Transformation, CW 5. Knox, J. 2003 Archetype,Attachment,Analysis. Jungian Psychology and the Emergent Mind. Hove: Brunner-Routledge. Lakoff and Johnson, M. 1999 Philosophy in the Flesh, Basic Books. Mandler, J. 1992 How to build a baby II: conceptual primitives, Psychological Review, 99 (4): 587-604. McDowell, M 2001 Principles of organization: a dynamic-system view of the archetypes-as-such, Journal of Analytical Psychology, 46 (4): 637-54. Merchant, J. 2009 A reappraisal of classical archetype theory and its implications for theory and practice. Journal of Analytical Psycho‑ logy, 54-3, 339-58. Panksepp, J. 1998 Endophenotypes in Evolutionary Psychiatry. Pro‑ gress in Neuropsychopharmacology and Biological Psychiatry, 30 (5): 774-784. Panksepp, J. 2006 Affective Neuroscience: the Foundations of Human and Animal Emotions. Oxford: Oxford University Press. Piaget, J. 1929 The Child´s Conception of the World. London: Rou‑ tledge and Kegan Paul. Roesler, C. 2012 Are archetypes transmitted more by culture than bio‑ logy? Questions arising from conceptualizations of the archetype. Journal of Analytical Psychology, 57, 2, 223-46. Shamdasani, S. 2003 Jung and the Making of Modern Psychology: The Dream of a Science. Cambridge: Cambridge University Press. Tooby, J. and Cosmides, L. 2005 Conceptual Foundations of Evolutio‑ nary Psychology. In The Handbook of Evolutionary Psychology, ed. D.Buss. New York/Edinburgh: John Wiley & Sons.

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- Eros y Transformación Concha Pazo Abstract: este artículo versa sobre la relación afectiva como núcleo fundamental de desarrollo humano y de la importancia de las primeras relaciones familiares en el desarrollo del individuo. Analizaremos en este artículo los mecanismos de división y aislamiento como autodefensa, las representaciones de Eros como arquetipo de conexión y el mito de Eros y Psique, entendido como la necesidad de llenar el alma de Eros y a sí mismo de humanizar Eros. Por último, relatamos ciertos aspectos en la evolución de un caso clínico.

El desarrollo del alma humana no resulta posible sin la relación con el otro. Nos vemos reflejados en el otro y a través del otro nos conocemos, “nos revelamos”. Desde nuestro nacimiento hemos estado cambiando y al mismo tiempo, somos los mismos, dejando atrás unas cosas y adquiriendo otras. Todo ello se realiza gracias y a pesar de la relación humana. Cuando hablamos de evolución personal, de crecimiento, hablamos de transformación. En general definimos transformación como aquello que se modifica pero que, de algún modo, mantiene su identidad inherente. Una identidad previa que nos habita desde el principio de nuestra existencia. Para toda transformación psicológica es necesaria e ineludible la relación humana. Relación en cuanto a necesidad de verse reflejado en el otro para el encuentro y el desarrollo de uno mismo. Jung concibe la relación humana como condición de la individuación. En “La practica de la psicoterapia”: “el ser humano no relacionado carece de totalidad, pues sólo puede obtener totalidad a través del alma y el alma no puede existir sin su otro lado, que es siempre encontrado en el “otro”. Primero la madre, la casa, después el grupo, la aldea,

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la ciudad, el mundo. Imposible entender nuestra condición humana sin la relación con los otros. Relación de dentro a fuera y de fuera adentro. Las relaciones afectivas son evocadas y muchas veces “revivenciadas” en nuestras salas de terapia. Cuando por primera vez llega a nosotros un paciente, su relato va dibujando el paisaje de su vida, cuyos tintes fundamentales son sus realizaciones y sus relaciones personales, de forma que dibuja un mapa con lugares y tiempos importantes que determinan su filosofía vital, sus defensas, sus aperturas al mundo y a sí mismo. En general, cuando alguien acude a terapia lo hace porque algo se encuentra fuera de lugar en aquel mapa, probablemente hay algo en el paisaje que no encaja o que requiere una nueva interpretación. Empleamos muchas horas de análisis desgranando emociones y afectos vinculados a los padres, las madres, los hermanos, los amigos... y estos contenidos irán configurando aquel puzzle que terapeuta y paciente irán construyendo y deconstruyendo en la “búsqueda del sentido”, que muchas veces inicia su punto de consciencia en la enfermedad. Una pieza y luego otra se va colocando o se va quitando. Inclusivamente es la relación analista/analizando la que va a constituir una piedra angular que soporte importantes proyecciones, a menudo de los padres, los hermanos. Gracias a la transferencia positiva las proyecciones, por ella despertadas, podrán a lo largo del proceso analítico, o en su momento, ser reintegradas a la consciencia. Los padres, en especial la madre, aquel ser con el que establecemos la relación primera, el primero que “conocemos”, será nuestro principal referente al que volveremos una y otra vez. De hecho uno se sorprende a menudo en como los padres han dejado una impronta que permanece en el tiempo, que determina un gran número de elecciones en la vida. Y a pesar de que uno realice un buen trabajo de consciencia la marca de este primer vínculo nunca nos deja indiferentes. También, en muchos casos, la “fidelidad inconsciente” al vínculo familiar como grupo, las señas de la familia, el honor,

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los límites familiares , etc. constituyen complejos que marcan ciertos vetos en nuestra libertad de elección, en la consecución de nuestra auténtica identidad. ¿Cuántas veces en la crisis de media edad los sueños retrotraen eventos y recuerdos de la infancia? uno se ve de nuevo teniendo que recomponer el puzzle y vienen las grandes preguntas, ¿por qué elegí este camino y no el otro?, ¿por qué elegí esta profesión? ,¿Esta forma de vida?, ¿Esta pareja?. Tal fidelidad a los “ vínculos familiares inconscientes” nos da una idea de cuan autónomos y que grado de influencia pueden tener los complejos en el “destino del individuo”. “Definitivamente, no somos dueños de nuestra propia casa”. La necesidad de ser reflejado en el otro es tan extensa como la vida misma, pero es fundamental en los primeros períodos de crecimiento. Ya que el reflejo es una externalización de una realidad interna. En la primera infancia debe existir una relación simbólica entre la madre y su bebé. En este momento la consciencia del niño va emergiendo y a causa de ello, siente ansiedad debido a que los cambios en la adquisición de nuevas posibilidades de consciencia produce una sensación de desorden. Por lo que la madre ha de ser sensible a los cambios que acarrea la consciencia emergente del niño, del mismo modo que debe servir de mediadora entre ese desorden y su hijo. Sobre la madre cae la proyección arquetípica del Simismo del niño, fuente central de orden del personalidad. La contención adecuada de la ansiedad del niño va a posibilitar que se instaure una relación positiva con el Si-mismo como realidad interna para el bebé, una seguridad externa y un funcionamiento interno ordenado. Si este “reflejo” no tiene lugar, todo cambio será vivido con mayor ansiedad y miedo, el sentido de identidad del niño quedará dañado en mayor o menor intensidad. A medida que el bebé crece asumirá otras necesidades de verse reflejado, por ejemplo la necesidad de exhibicionismo, de que se valore su carácter único, omnipotente, demandando una atención especial. En la infancia ego y Sí-mismo no están

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separados, se irán separando progresivamente, por lo que cuando el niño demanda atención de esta manera, se trata de una exhibición con cualidades del Sí-mismo, que se configura como un ego emergente que debe verse gradualmente reflejado, para ser posteriormente retomado. Si el niño se siente adecuadamente “visto”, “escuchado”, es decir, valorado, una relación saludable ego-sí mismo puede ser establecida El ego se irá formando y se irá adaptando a la realidad sin merma de la autoestima y del funcionamiento instintivo y creativo. Poco a poco, en su crecimiento el muchacho/a va a necesitar confianza en sus nuevos descubrimientos, va a necesitar de nuevo una valoración por lo que es y también continuará necesitando, aunque cada vez en menor medida, apoyo. En toda relación siempre hay algo arquetípico proyectado. En el caso de las relaciones con los padres estas atribuciones están presentes durante mucho tiempo. En la medida que se establece una comunicación respetuosa y afectiva entre los padres y el niño, éste podrá ir viviendo a los padres como más reales y retomando aquellos aspectos arquetípicos que formarán parte ya de su ego o de otras instancias de su psique. De tal modo, que el niño conoce primeramente el mundo a través de sus progenitores, proyectando el Si-mismo sobre ellos. Si en este momento se hace una herida, puede haber dificultades en el desarrollo y el equilibrio. Si la herida se produce cuando el ego está más formado la escisión u otros mecanismos tomarán un protagonismo menos fundamental en la personalidad y podrá ser atajado o confrontado el problema con mejores posibilidades. Pongamos un ejemplo, imaginemos que uno de los progenitores ha vivido sin desarrollar algún aspecto de su personalidad, es posible que su frustración le lleve a sentir envidia de algo especial que tiene su hijo. De forma que el niño puede captar que aquello por lo quiere ser reconocido, ser el mismo, provoca envidia u odio. Esta emoción, este sentimiento es muy difícil de asimilar por el yo, pues se encuentra todavía

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en estado de semifusion con la imagen arquetípica de los padres. Así que el niño, al sentir miedo del odio, miedo del abandono, etc. parcializa u omite una parte de si, ya que ésta produce angustia. Estas partes permanecen aisladas, y muchas veces son rescatadas o bien por los encuentros afectivos o por la psicoterapia. Sí el niño es reconocido por lo que es y tal como es, su evolución será fluida. De este reconocimiento del otro, proviene la confianza en uno mismo y posteriormente en el mundo. También a menudo una primera relación fue bien establecida y los problemas se originan por posteriores fisuras, donde ciertas carencias de los padres son transmitidas a los hijos. Estas carencias vienen por determinadas frustraciones de los propios padres o de las difíciles circunstancias del vivir. Por ejemplo existen situaciones donde el niño primeramente sintió contacto y protección y años más tarde la situación cambia. La primera relación fue establecida y en cambio ahora siente algo adverso, por ejemplo una sensación de desamparo, de abandono, de rechazo. Con todo ello, no quiero dar una idea que todo está fijado a la infancia y que los traumas no sean salvables, a menudo la vida ofrece ocasiones magníficas para recuperarnos y encontrar de nuevo nuestra propia autenticidad. Es más, a menudo personas con infancias más o menos duras han construido personalidades con una gran confianza y un desarrollo auténtico. A menudo los encuentros en la vida, las amistades, las parejas que encontramos nos ayudan a reelaborar algunas heridas internas. En esta línea, el amor en su sentido de pareja moviliza contenidos de gran intensidad emocional, es frecuente que determinados complejos paternos y maternos se reactiven en nuestras experiencias amorosas. Así mismo, el amor es un punto de inflexión fundamental para el crecimiento personal. Las relaciones afectivas que se van estableciendo a lo largo de la vida indican el camino hacia el otro, pero sobre todo hacia nosotros mismos. A menudo decimos en nuestras relaciones:

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“sacas lo mejor que hay en mi” “o lo peor”, ... Ya que sólo las situaciones de vínculo pueden poner en circulación lo que potencialmente está en nosotros. Determinadas circunstancias de la vida nos ofrecen oportunidades para integrar aquello que quedó mermado o bien en nuestra infancia o en cualquier momento posterior. En muchos casos, nos sorprendernos a nosotros mismos descubriendo cualidades que desconocíamos y que forman parte de una identidad por descubrir, para ello tenemos toda la vida. Hay tiempo!. Requiere una actitud de humildad y confrontación, quizás el poema “Palabras para Julia” de J.A. Goytisolo, ilustre a que me refiero, reproduzco sólo una parte del mismo: Tú no puedes volver atrás porque la vida ya te empuja como un aullido interminable. .. La vida es bella, ya verás como a pesar de los pesares tendrás amigos, tendrás amor... Tu destino está en los demás tu futuro es tu propia vida tu dignidad es la de todos... Por lo demás no hay elección y este mundo tal como es será todo tu patrimonio...

La vida empuja hacia adelante y el mundo tal como es, es todo nuestro patrimonio. Afrontar la vida tal como es, exige la preparación de uno mismo con lo que nos hace auténticos y genuinos, con lo que nos da seguridad, lo que nos es más propio a nosotros mismos. Tu futuro es tu propia vida y merece ser vivida. El movimiento va hacia atrás para reconsiderar, para acceder a aquellas emociones que están bloqueando el desarrollo, y en lo posible acceder a lo que actualiza el paciente. En análisis

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es necesario acudir al pasado, a la infancia, en la medida de lo estrictamente necesario, teniendo en cuenta que los contenidos deben reactivarse y enlazarse al presente. La guía para el terapeuta del este kairos, este tiempo preciso para analizar el pasado lo indica el material consciente e inconsciente que va se va elaborando día a día. La elección de nuestras amistades, nuestros vínculos profesionales, y finalmente nuestras parejas son la expresión profunda y evidente de nuestros itinerarios en el viaje de la vida, en el que, a menudo, cargamos con lastres o heridas anteriores. Lo que nos hiere, es con frecuencia y fundamentalmente una herida de amor, que impide que la psique se desarrolle de forma holgada. Ante la herida, la psique intenta defenderse utilizando diversos mecanismos: aislamiento, escisión, idealización desmesurada, etc. Si la situación obliga a utilizar estos mecanismos en exceso, el desarrollo de la psique puede quedar estancado en un estado de fragilidad infantil. Mantenerse como niño implica muchas veces, no ser consciente de las propias heridas, el territorio defensivo no deja ver el propio dolor y el aislamiento trae consigo un gran desconocimiento de uno mismo. Es ahí donde el trabajo terapéutico puede establecer un enlace afectivo que permita acudir a donde se encuentra el problema y restituir el daño. De hecho, en psicoterapia el daño original puede reactivarse y por ello debe ser manejado adecuadamente por el terapeuta, que debe estar muy pendiente de la regulación del afecto, la seguridad y el equilibrio del paciente. Es preciso valorar profundamente la situación para no realizar ningún paso en falso, pues ésto puede acabar en una reactivación del dolor sin posibilidad de curación. Por otra parte, nuestra madurez psíquica implica una madurez de eros, eros entendido como aquella capacidad de establecer el vínculo, la conexión con el otro, con el mundo externo, la capacidad de involucrarnos y conectarnos a nivel externo. Pero también la capacidad de realizar la conexión con nuestro mundo

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interior de representaciones, sentimientos, vivencias, fantasías. Esta conexión, este itinerario de desarrollo viene dado por un arquetipo. El arquetipo de la conexión, del vínculo. En nuestra cultura existen varias representaciones de este arquetipo, uno de los más ricos en sus variados significados y representaciones es Eros. El dios que con sus agudas flechas une a los seres humanos y a los dioses. Curiosamente en la India un dios similar llamado Kamdev posee también una arco de caña de azúcar y cinco flechas de flores aromáticas. La flecha representa toda la energía dirigida a un punto. El amor es experimentado como un secuestro de amor, como arrebato, enfermedad, perturbación, tortura. Marie Louise von Franz en su obra “el Asno de oro” recopila múltiples amplificaciones acerca de Eros, fue venerado en diversos cultos locales, era una divinidad de segundo orden, un daimon. Sus representaciones tienen diversos estados, al principio Eros fue adorado en forma de un gran falo de madera o piedra. Era un Dios ctónico creador y favorecedor de la fertilidad de los animales y las plantas. También protegía al pueblo y la libertad en caso de guerra. De igual manera protegía la vida amorosa y en tiempos muy antiguos parece ser que Eros y Hermes eran bastante similares. En el arte antiguo aparece representado en pequeñas esculturas como ser alado que muestra sus atributos sexuales, falo alado dotado de cabeza, otras veces hermafrodita, o bien como niño divino con serpientes o a caballo de una mariposa (Psique). Ya en el Renacimiento, como niño con arco, divirtiéndose junto a su madre Afrodita y así ha llegado hasta nuestros días en forma del caprichoso Cupido. Sin embargo también se encuentran representaciones de él en monumentos fúnebres griegos y romanos, como protectores de los difuntos o como su espíritu. En tales monumentos Eros lleva una antorcha invertida, símbolo de la muerte. En otros casos toma las alas de una mariposa que sádicamente quema con su antorcha, en este caso parece que podría representar que Eros,

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dios del amor, es al mismo tiempo, martirizador y purificador del alma humana. De hecho el amor con su tormento favorece, como ningún otro, el desarrollo psíquico hacía la individuación. Existe una pequeña escultura en la que la Diosa Psique es atada por Eros a una columna que acaba en una esfera, M. L.Von Franz interpreta la esfera como símbolo de la totalidad que puede ser conquistada por la Psique solo a través del sufrimiento del amor. En este caso, Eros como purificador de las almas. También siguiendo a la autora, en el atrio del santuario de Esculapio, donde enfermos psíquicos y físicos buscaban curación, se encontraron las imágenes de Eros y Metis, amor y ebriedad como fuerzas sanadoras del alma y el cuerpo. La ebriedad es entendida como lo que nos transporta a otra dimensión, fuera de las preocupaciones cotidianas y fuera de las constricciones del yo. Tal experiencia de elevación y amor tiene un efecto sanador y transformador. Eros también era la figura central de los misterios Órficos. Según la cosmogonía Órfica el mundo nació de un huevo y del huevo también nació un dios llamado Fanet-Eros, niño divino y creador del mundo, impulso creativo que permite ver la vida de una forma diferente. Eros es el Dios de las conexiones emocionales: la sexualidad, la amistad, las relaciones de pareja, las aficiones, las artes o el mismo interés en la profesión. Por ejemplo un guerrero sin eros se convierte a nuestros ojos en mercenario, mientras que con eros un soldado puede convertirse en un defensor de ideales. Del mismo modo una madre protectora sin eros se vuelve sofocante, quizás en exceso preocupada por lo material, el alimento, la comodidad. Mientras que sí el eros guía sus conexiones, sus hijos se sentirán amados por su propio valor, creará un entorno lleno de ideales y valores nutricios. Sin embargo Eros es un daimon y como tal provoca también confusiones, conflictos, desesperación etc... Todos los que hemos estado enamorados alguna vez sabemos de los sentimientos controvertidos de la experiencia: sufrimiento, anhelo, frustración, alegría , gozo...

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Eros es, por tanto, una fuerza que aglutina elementos del núcleo intrapsíquico, que, de alguna manera, conecta nuestros complejos. Nos conecta con el ambiente, las amistades, la pareja, los hijos, los compañeros de trabajo,etc. Por lo que Eros es, ante todo, un movimiento en busca de unión. Es un principio transformador que al transformar se transforma. Externamente el amor fluye para unir dos almas, internamente para promover la totalidad mente-cuerpo, naturaleza animal-naturaleza espiritual. Esta búsqueda de unión en lo externo y en lo interno es representado de forma maravillosa en el cuento de Eros y Psique que relato sucintamente. El mismo aparece incrustado en el libro “ El asno de oro” de Apuleyo: Psique era una de la tres hijas de un rey. Sus hermanas se fueron casando, pero Psique era tan bella que el pueblo la adoraba, de todos los contornos venían a venerarla y todos decían que era la misma encarnación de Venus. Sin embargo ningún hombre osaba casarse con ella. Tal veneración provocó los celos de Venus, quién iracunda envió a su hijo Eros con la misión de que le clavara una de sus flechas para que se enamorara del más abyecto de los hombres. Cuando Eros va a lanzarle su flecha, por error, se la clava a sí mismo y queda enamorado de Psique. La lleva a un castillo, donde unas manos y voces invisibles cuidan de ella; cada noche Eros llega y viven su profundo amor en la oscuridad. Psique tiene terminante prohibido ver a su amante, así que no sabe como es. Pasa el tiempo y las envidiosas hermanas de Psique logran comunicarse con ella y le dicen que debe conocer a su amado, que seguro que no quiere que lo conozca por que es un ser horroroso y terrible. Hay idas y venidas, pero la curiosidad de Psique por saber quien su amado es tan intensa que decide descubrirlo. Así que en la noche, mientras él duerme enciende una lampara y se acerca a verlo. A la luz de la lámpara Eros resplandece en toda su belleza, y al mismo tiempo que está admirando su hermosura, un poco de cera de la lampara cae en el cuerpo desnudo de Eros. Este

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despierta y muy enfadado y dolido con la conducta de Psique le dice que se va, que ella ha provocado la separación de los dos, ahora que ella está embarazada! Psique intenta retenerlo, pero todo en vano, queda hundida en la desesperación más absoluta, se abandona a su deseo de morir y encuentra a Pan. Ella dice que no puede ya vivir sin Eros, Pan le aconseja que acuda al templo de Venus. Le espera entonces un largo recorrido hasta la morada de la iracunda Venus. Allí la diosa le impone arduos y heroicos trabajos que ella va realizando con ayuda de algunos seres dadivosos. Mientras tanto Eros ha vuelto a la morada de su madre y sufre de la herida que le infligió Psique. Ésta realiza todas las pruebas con éxito pero en la última prueba que consistía en ir al Hades y tomar una caja de crema de belleza de Perséfone, Psique consigue hacerse con la caja pero cuando regresa no puede evitar sentir curiosidad y la abre y se pone un poco de la crema. Esto la hace caer en un sueño de muerte. Por fin acude Eros a su rescate y la salva. Finalmente Psique es aceptada y se celebran las bodas. De su unión nace una hija que se llamará Gozo. Esta historia ha sido interpretada desde diferentes ópticas dentro de la psicología junguiana . Neumann, Von Franz, López Pedraza. (quite el etc.) Hillman interpreta el cuento como la necesidad que tiene el alma de amor, de eros y también de la necesidad que tiene el arquetipo del eros de humanizarse. Para Donald Kalsched, el cuento describe como el inocente y atribulado ego representado por Psique es rescatado por Eros dentro de un “sistema arquetípico de auto-cuidado” del paciente traumatizado. El yo traumatizado para poder mantenerse en pie ha necesitado levantar una serie de barreras defensivas, el yo se defendió de la agresión identificándose con ciertos aspectos arquetípicos, Eros en el castillo encantado. Sin embargo llega un momento, a menudo una crisis, una enfermedad, que indica que aquellas defensas que un día sirvieron ahora aprisionan el ego, no le permiten crecer, hacerse con el mundo, amar y realizarse. La curiosidad de Psique por conocer Eros, es una necesidad de

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conocer su amor, darle forma, concreción a lo arquetípico. Es una necesidad del alma. El par Eros/psique, representa la unión personal/ transpersonal, interior/exterior, han sido escindidas por el trauma. Eros/Psique= Self/Ego, se encuentran separadas, sin relación y necesitan ineludiblemente reunirse de nuevo. Para ello es necesario adquirir nuevas capacidades de relación con lo interno. Tal capacidad a menudo ha quedado estancada en el pasado y hacia ahí es a donde se dirigen los pasos en análisis. A la luz del mito quizás podremos entender mejor algunos puntos de inflexión del itinerario de un caso que atendí hace un tiempo y que llamaré Tais. Tais presentaba trastornos de la alimentación desde hacía dos años, una extrema delgadez, gran actividad, deporte,etc.. Cuando llegó a terapia sus relaciones personales estaban muy deterioradas y aunque vivía con su pareja, la inestabilidad emocional era el suceder diario. Su manera de entender los problemas del día a día eran expresados en cuanto a lo que ella pensaba de los demás, en escasos momentos había una pequeña mención a el daño que ella pudiera infringir al otro. De forma que su ego era muy autoreferencial. Había también una hipersensibilidad a la crítica. Del mismo modo que Psique, siendo tan bella ningún humano osaba casarse con ella, es decir tenía grandes dificultades para las relaciones humanas. Tais también sufría de soledad y de mala interpretación del mundo relacional. Por otra parte, se hallaba en una identificación con la belleza a un nivel arquetípico, el yo estaba fusionado con una imagen de la belleza, al igual que Psique cuya identificación con Venus provoco su ira. Tais, presentaba graves problemas psíquicos, por una parte una idea de la belleza y de si misma sujeta a cánones de perfección y delgadez, y por otra las ideas defensivas acerca de si misma y de los otros, creaban una actitud aislada y hasta cierto punto dividida, una postura con dificultades de relación, con matices narcisistas.

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En este sentido comenta Kasched: “ En Eros y Psique tenemos un uso defensivo de lo numinoso por una inadecuada relación entre realidad y ego. Este es el problema del narcisismo, por ejemplo, la identificación del ego con la belleza, salud o fama. Todos ellos valores colectivos que inflacionan el ego con numinosas, arquetípicas energías que realmente no le pertenecen. Psique está inflacionada con el deseo de todo el mundo (ella porta sus proyecciones) pero su propio deseo no está despierto. Su espíritu está roto, está llena de auto-odio. Precisamente esto es visto como el legado de un trauma temprano. Sólo su belleza externa sostiene su autoestima. Interiormente está vacía y sin un auténtico Sí mismo”. La posición de Tais en cuanto a su intimidad, a su interior era extremadamente cerrada, opaca, aparentemente sin profundidad alguna. Ocurre muy frecuentemente en estos casos, el paciente expresa muy poca simbolización, y el terapeuta tiene, por tanto, pocas posibilidades para intervenir e interpretar. El plano de comunicación se hace difícil pues uno puede entrar en comunicación con el otro en la medida en que éste esté abierto, esté dispuesto a que uno intervenga. Hay momentos en que el encierro y las defensas son tan grandes que es una tarea de tiento el conseguir alguna intervención. Incluso en muchos casos es mucho más recomendable el silencio, sabemos que es preciso esperar y no forzar. Nos ha de preocupar prioritariamente el equilibrio afectivo y la confianza. En este marco, continuamos la psicoterapia amparando un poco al yo, reinterpretando en la medida de lo posible, pero con bastantes dificultades en la conexión con los contenidos internos, con el insight y con las ya mencionadas dificultades para simbolizar, para hablar en sentido metafórico, para llegar al lenguaje del alma. Continuamos en esta línea de crear un clima de confianza afectiva donde interveníamos tanto en la problemática de la comunicación en pareja como en otras relaciones, que debido a los problemas yoicos referenciales, se volvían bastante complicadas y confusas.

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Del mismo modo ella, muy obediente, aunque sin mucho interés, seguía recopilando algunos sueños que traía puntualmente. El material onírico nos aportaba datos importantes acerca de los movimientos del inconsciente, así como un acercamiento, aunque no muy intenso al visualización de las imágenes. De forma que su historia se va desgranando en dos planos o niveles, por una parte sus relaciones personales, sus vivencias, sus angustias, su escueto relato consciente y por otro su simbolismo onírico. En un primer momento de la psicoterapia, Tais atribuye como una de las fuentes de su malestar el hecho de que su novio no desea casarse con ella. Sin embargo pese a esta necesidad, este anhelo, la pareja estaba en tan mal estado que el deseo era más interpretable como símbolo, como metáfora de la necesidad de totalidad que tenía la muchacha. La pareja se mantiene tambaleante durante el proceso. En su forma de interpretar la realidad hay mucha rabia inconsciente, muy pocas cosas que unan y muchas las que disgregan. Siguiendo este breve recorrido que solo quiere hacer mención de algunos aspectos del caso, decir que algunos sueños mostraban que algo se movía allá adentro: Al principio de la terapia aparecen dos tipos de sueños repetitivos: “tengo un bebé y me olvido de él, no le doy de comer, otras veces es un animal que me olvido de cuidar”. Decía Marie Louise Von Franz que la mejor interpretación del sueño es el sueño mismo. El sueño es la mejor interpretación porque, a veces, es tan claro que su misma imagen va dirigida directamente a impactar al soñante. En estos casos recrear la imagen, revivenciarla es de gran ayuda, es alivio y guía. La imagen nos sirve para visualizar que hay algo que ella ha olvidado cuidar en su personalidad, de alguna manera, logra conectar con esta imagen y aunque no se da una gran conexión emocional, sí es capaz de atisbar que algo ha dejado de lado, ha abandonado. Algo que debía nutrir, un niño, símbolo de renacimiento y potencial del alma o un animal, su instintividad.

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El yo onírico hace intentos por reintegrar esta parte que quedó escindida, la parte quizás más vulnerable que no pudo permitirse vivir. Otro sueño que se repite: “Mi pareja actual me va a abandonar como lo hizo la anterior”. Esto nos direge al tema del abandono de su pareja anterior que fue bastante agresiva, me sorprende la falta de emoción, lo relata como si se tratase de algo que le ocurrió a otra persona. Continuamos las sesiones de terapia preocupándonos por crear un equilibrio en los afectos y una confianza de la que parece haber carecido durante mucho tiempo. Llega un sueño que desata parte de la historia de su infancia: “Mi hermano y yo, somos huérfanos, estamos escapados porque nadie nos quiere. Hay una gran inundación. Alguien nos persigue. Una señora nos ayuda. Me da un vestido azul”. Este sueño es capaz de desatascar una parte de su historia de cuando era niña, provocando una pequeña “inundación” emocional, como si se hubieran abierto un poco las compuertas de sus defensas. Hace aparecer algunas piezas del puzzle que van a ocupar varias sesiones. Cuando Tais tenía cinco años, ella y su hermano se quedaron al cuidado de unos familiares. Hubo muchos sentimientos de soledad y desamparo, muchas necesidades anímicas que no fueron cuidadas. Fue una niña trabajadora y muy estudiosa, con un gran espíritu de sacrificio, aunque se sentía muchas veces mal y tenía miedo por la noche. Su vida familiar cumplía los mínimos, simplemente no tenía toda la empatía de la que hablamos al principio y que habría necesitado. Sintió un cierto tipo de abandono emocional y se vio en la necesidad de levantar un muro para no sentir. El único modo que encontró para recuperar la confianza y la seguridad fue el esfuerzo y la renuncia al sentimiento de vulnerabilidad. Probablemente su sentimiento de abandono y frustración fue mucho más duro de lo que la consciencia pudo reconocer y se activó un mecanismo

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de división y aislamiento, edificó un gran muro defensivo, el mismo que dificultaba a Psique una relación humana. Este muro fue edificado por una necesidad imperiosa y legitima. La escisión o división es un mecanismo humano necesario para preservar, en la medida de lo posible, el desarrollo psíquico. En el instante en que Tais se sintió terriblemente sola, sin la aceptación, reconocimiento y apoyo de las figuras parentales, desarrolló una barrera defensiva de aquellos sentimientos que la hacían más vulnerable. En el sueño, los hermanitos huérfanos, como en Hansel y Gretel, huyen porque nadie los quiere. Hay una metáfora en este sueño del desamor, del abandono y de la búsqueda por la supervivencia, de la acción del yo por encontrar el amor y la protección necesarias para el crecimiento. Aparece ahora la figura de una mujer que los ayuda, un aspecto de lo femenino protector. Una figura femenina con capacidad de recibir, de acoger, de “reflejar”, de dar. Paralelamente, por primera vez se da cuenta que siente mucha rabia y resentimiento hacia un novio anterior que le hizo mucho daño y sin embargo es sólo ahora cuando se da cuenta del daño, aparecen posteriormente abundantes sueños con esta figura. De alguna manera se dividió otra vez, para poder soportar el sufrimiento. Cuando su primer novio la abandona no elabora el duelo, no es consciente de sus propias emociones. Cuando llega el novio actual, se refugia en él, de una forma quizás un poco compensatoria, aparecerán muchos sueños en que desea que el primero vea lo feliz que ella es ahora como venganza. Como Psique, Tais, en este segundo novio tiene un amor, pero en realidad no lo conoce, no sabe quién es. Tanto que en sueños las imágenes de ambos muchachos se confunden. Podríamos decir que en esta fase Tais, como Psique tiene una actitud de castillo encantado, vive su nuevo amor, aunque quizás no lo conoce ¿ Hasta qué punto el deseo de casarse es un deseo de identificación con el Self?, una necesidad de unificación, de

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totalidad, de completud tan largamente esperada. Poco a poco, muchas emociones de rabia y frustración fueron siendo expresadas y a cada paso el puzzle vital se completaba. Sin embargo, su evolución alternaba situaciones donde el yo parecía afianzarse un poco y otras en las que su inestabilidad se agudizaba. Un estallido de Tais, de cariz regresivo y demandante hacia su pareja que creó una gran tensión, tanto que su novio verbalizó de forma bastante definitiva que no podía más, quería dejar todo aquello. Era la tercera ruptura, pero esta vez había la posibilidad de que no fuera vivido como “abandono”. Esto fue trabajado en análisis al punto que ella cayó en un dolor profundo, en este momento si tenía la afectividad y confianza para poder encarar en la medida de lo posible su dolor. Cuando volvió a la siguiente sesión comentó que por primera vez se había dado cuenta que podría perderle, hubo una visión profunda de si misma y de lo mucho que quería al muchacho actual. En este momento se inició un compromiso profundo consigo misma y con su proceso. ¿Había descubierto a su amante por primera vez? ¿Y amándolo sabía que podía perderle como Psique a la luz de la lámpara? El reconocimiento de su amor, de su necesidad de vínculo junto con el acompañamiento afectivo y su propio trabajo interior posibilitó que el yo viera incrementada su actividad de una forma flexible y más interactuante con lo interno. De forma que aquellos muros defensivos se abrieron un poco y permitieron también un poco de conexión entre lo externo y lo interno. Eros, la consciencia del valor del amor, vino a rescatar a Tais, de un aislamiento que sirvió durante muchos años de infancia, pero que ahora no servía. El proceso que se inició tuvo una profunda determinación, quizás habría de bajar al Hades más tarde, pero había adquirido algo muy importante, sabía ya mucho de lo que deseaba y esto puso a su Yo en una posición de recuperación. Tanto Psique como Tais encontraron una conexión, un

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sentido por el que valía la pena caminar y se echaron a andar, como también Julia en el poema: Tu no puedes volver atrás porque la vida ya te empuja.... Bibliografía J. Hillman: El mito del analisis. Ed. Siruela. C.G. Jung: A practica da psicoterapia. CW.XVI. Ed Vozes. D. Kalsched: The inner world of trauma. Archetypal defenses of the personal spirit. Ed. Routledge. N. Schwartz-Salant: Narcisismo e transformação do caráter. Ed. Cultrix. M.L. von Franz: L´asino d´oro. Ed. Bollati Boringhieri.

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- Sonhos JULIANA ESTEVEZ Desde os tempos mais remotos, o homem tem tentado atri‑ buir sentido aos seus sonhos. Fascinantes ou tenebrosos os so‑ nhos aludem para um mistério que parece desejar ser desvenda‑ do. Babilónicos, Egípcios, Vedas e antigos Gregos, todos desen‑ volveram sua própria metodologia de significação do conteúdo onírico. Nos textos bíblicos, várias passagens apontam para uma origem divina dos sonhos, e os profetas têm-nos como pre‑ monições do futuro. Para certas tribos indígenas, o sonho de um indivíduo é uma expressão da comunidade inteira, e é através da figura do xamã que eles são descodificados para toda a tribo. Nas últimas décadas tem sido crescente o número de dicio‑ nários de sonhos e de símbolos que estão facilmente acessíveis ao leitor comum e o interesse pela compreensão do significado dos sonhos tem aumentado. A crise de sentido na vida, tão típica dos nossos tempos, pode ser uma explicação. Cada vez mais en‑ contramos indivíduos que procuram uma saída para a alienação tão crescente na nossa cultura, seja devido ao desejo de se liber‑ tar de um sofrimento provocado por uma neurose, seja pelo de‑ sejo crescente de uma relação mais profunda consigo próprios. Há pouco mais de um século, o psicólogo suíço C.G.Jung desenvolveu uma das mais importantes psicologias do incons‑ ciente. Tendo sido inspirado pelos insights de S. Freud sobre o funcionamento da psique humana, Jung foi à procura do signi‑ ficado do inconsciente e de explicações de diferentes enfoques acerca da psicologia do homem através de áreas distintas, tais como a religião, a mitologia, a filosofia, a antropologia, a alqui‑ mia entre muitas outras. Tendo encontrado muitos elementos em comum entre elas, Jung postulou a teoria sobre o Incons‑ ciente Colectivo.

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Esta psicologia tem como um dos seus principais atributos, um olhar positivo do inconsciente, tendo ele até mesmo uma função transcendente. Jung explicou-nos que os sonhos são a linguagem do inconsciente e que são formados por símbolos e imagens arquetípicas, a própria fundação do inconsciente co‑ lectivo. Entretanto, são também paradoxalmente a expressão de processos ímpares de um indivíduo na sua unicidade. Os sonhos confirmam, alertam, ensinam. Revelam aquilo que está inaces‑ sível e que é essencial para a consciência em desenvolvimento, podendo até proporcionar insights acerca do sentido mais pro‑ fundo de nossa vida. Neste sentido, o objectivo deste texto é evidenciar alguns dos aspectos teóricos e práticos da interpretação dos sonhos, bem como algumas atitudes e abordagens a acautelar para um trabalho profundo e isento na leitura da dimensão onírica sob óptica da psicologia analítica. Sonhos na perspectiva da Psicologia Analítica Jung (1931) diz-nos que: “Os sonhos são a mais directa expres‑ são da actividade do inconsciente”. Diz ele também que “(…) todo aquele que considera o papel do inconsciente como deci‑ sivo na etiologia da neurose, também atribui ao sonho, enquan‑ to expressão directa desse inconsciente, um significado prático fundamental.” Se considerarmos então o sonho como uma expressão direc‑ ta do inconsciente, a conscientização e análise de seus conteú‑ dos são uma das principais ferramentas do psicólogo analítico. Sonhos iniciais: diagnóstico e prognóstico Jung percebeu, através da sua vasta experiencia clínica com so‑ nhos, que com frequência, a raiz etiológica do problema que causa o sofrimento neurótico num individuo aparece simbolica‑ mente nos sonhos deste indivíduo. Principalmente nos estágios iniciais de um processo de análise, os “sonhos iniciais” são muito reveladores tanto do

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diagnóstico como do prognóstico do sonhador. Jung (1931) diz ainda que “(…)Mas aqui entra o sonho como expressão de um processo psíquico inconsciente alheio a vontade e longe do controle da consciência. Este sonho representa a verdade e a realidade interiores exactamente como elas são. Não porque eu suponha que assim seja, nem porque o sonhador gostaria que assim fosse, mas simplesmente porque é assim. Por este moti‑ vo, tenho por norma considerar os sonhos de maneira exacta‑ mente igual à de uma manifestação fisiológica, ou seja: se um exame de urina acusar um elevado teor de açúcar, isto quer di‑ zer que está com açúcar e não com albumina ou qualquer outra substância, que talvez corresponda melhor às minhas expectati‑ vas. Concebo portanto, o sonho como uma realidade utilizável no diagnóstico.” Da mesma forma, os sonhos iniciais poderão apresentar sim‑ bolicamente o desfecho do processo analítico, indicando se será bem-sucedido ou não. Outras vezes, estes sonhos podem conter dados que na altura parecem impossíveis de se compreender, mas que com o tempo se vão mostrando altamente relevantes para o processo analítico. Sabemos que a tomada de consciência do factor etiológico de uma neurose é em algumas vezes, o suficiente para a sua eli‑ minação. Mas na maior parte dos casos, é mais uma peça chave no processo de cura, não sendo a mais fundamental. Há muitos casos inclusive, em que nunca se chega à memória ou à con‑ clusão definitiva do factor etiológico, e a procura incessante do mesmo é re-traumatizante ou é causa de uma grande frustração do paciente e/ou do analista. É, por isso mesmo, importante ter em mente, que a procura deste elemento originador da neurose pode ser contraproducente. Às vezes, ele se revela no início da análise, às vezes no final da análise e às vezes nunca se revela‑ rá. Em inúmeros casos, a descoberta deste factor causal não é determinante para o processo de cura.

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Série de sonhos Jung também nos alerta para a fundamental importância de con‑ siderar os sonhos dentro do contexto do sonhador e observar os sonhos numa sequência, pois eles parecem vir em séries. É frequente que os sonhos apareçam em blocos e com formatos ou narrativas semelhantes. Para exemplificar, podemos consi‑ derar que, se acontecem dois, três ou quatro sonhos na mesma noite, eles se referem à mesma questão, ou, ao mesmo comple‑ xo, e estão ligados de alguma forma, como se fossem formas diferentes de contar a mesma história ou perspectivas diferentes sobre uma mesma questão. Analisá-los em conjunto é funda‑ mental para uma compreensão mais abrangente daquilo que o inconsciente tenta exprimir através destas imagens em série. Os sonhos espaçados no tempo e que são referentes ao mes‑ mo tema, também constituem uma dessas sequências. Pode-se observar com regularidade uma tendência do inconsciente em repetir os motivos dos sonhos, alterando alguns elementos, mas cuja essência permanece idêntica. Exemplifico com uma série de sonhos de uma paciente que ocorreram ao longo de 20 dias: 1º sonho: “Estou num campo aberto perto da casa de família da minha infância. Noto que há uma cão raivoso, que está a uma distância segura. Decido que é seguro atravessar o campo. Assim que começo a atravessar o campo, o cão mostra os dentes caninos num sinal claro de que vai atacar e corro desesperada até à casa. Assim que chego fecho a porta atrás de mim e procuro ver o cão pela janela, mas lá fora só vejo uns cãezinhos a brincar com um trapo.” 2º sonho: “Estou na quinta de uma amiga, a passear por um pe‑ queno bosque. De repente, vejo a uma distância mais

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ou menos grande um urso castanho enorme mas que parece estar longe demais para ser uma ameaça. De re‑ pente, o urso começa a correr e a grunhir de forma ex‑ tremamente ameaçadora, na minha direcção, e eu corro em direcção à casa, conseguindo chegar a tempo, mes‑ mo antes de ele me agarrar. Acordo assustada.” 3º sonho: “Estou no mesmo campo aberto perto da minha casa de família da infância, como no primeiro sonho. Vejo uma manada de elefantes que estão serenos a pastar no campo. Decido que é seguro atravessar desde que eu passe ao longe e devagar sem sobressalta-los. De re‑ pente o macho alfa da manada, sente um cheiro vindo de mim, e levanta a tromba fazendo um ruído amea‑ çador. Começa uma corrida em minha direcção, e sei que ele me vai atacar. Assim que chego à varanda da casa, o elefante pára imediatamente de me perseguir e torna-se manso novamente. Fico a olhar admirada, pois sei que ele poderia entrar perfeitamente pela varanda adentro e apanhar-me, mas é como se as redondezas da casa tivessem um efeito mágico sobre mim ou sobre o elefante.” Nesta série de sonhos que ocorreram espaçadamente, podemos observar como a narrativa é quase idêntica. Conforme fomos interpretando os sonhos, o inconsciente da minha paciente pare‑ cia “colaborar”, fornecendo mais pistas e até mesmo corrigindo falhas da interpretação através da alteração de certos detalhes. No final do último sonho, pudemos ter uma compreensão muito clara da situação que o sonho retratava, devido aos novos deta‑ lhes sobre o “cheiro” e sobre o poder “mágico” da varanda da casa. Neste caso, tive a clara sensação que as associações que minha paciente pode fazer sobre estes novos elementos, foram a chave para entender o conteúdo inconsciente destes sonhos.

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Interpretação e sugestão “Quem quiser evitar a sugestão consciente deve considerar que uma interpretação de sonho não tem valor, enquanto não for encontrada a fórmula que implica o consenso do paciente.” (Jung,1931). Numa postura diferente de outras linhas analíticas que também usam a técnica da interpretação dos sonhos, Jung diz-nos que em psicologia analítica “Na assimilação dos conteúdos oníricos é de extrema importância não ferir, muito menos destruir os valores verdadeiros da personalidade consciente (…) É preciso cuidar rigorosamente de conservar os valores da personalidade cons‑ ciente, pois a compensação pelo inconsciente só é eficaz quando coopera com uma consciência integral (…)” (Jung, 1931). Muitas vezes certas interpretações parecem óbvias para o analista, mas se elas forem unilaterais, isto é, vierem apenas do analista, mesmo que estejam correctas ou parcialmente correctas, o analista irá desperdiçar a possibilidade do insight através do simbolismo que o sonho expressa, porque não ajusta a interpretação de forma a não ferir os valores conscientes do paciente. É frequente também o terapeuta privar o paciente do insight, porque se antecipa na interpretação, não respeitando o timing do paciente que poderá levar mais algum tempo para poder reconhecer certos conteúdos que ainda nega em sua cons‑ ciência. Se tentamos interpretar um sonho numa direcção em que o paciente mostra alguma resistência em aceitar, é porque, ou estamos enganados no significado, ou estamos enganados no timing. Entretanto, alguns pacientes irão aceitar uma interpretação errónea devido à situação de transferência positiva em que se encontram com o seu analista no processo de análise. No seu li‑ vro “Persuasion and Healing: A Comparative Study of Psycho‑ therapy” Jerome e Julia Frank revelam através dos seus estudos, do poder sugestivo do analista sobre o seu analisando. De acor‑ do com estes autores, durante a fase da transferência positiva, os analisandos de terapeutas freudianos sonham com os seus

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complexos de édipo, símbolos fálicos e outros elementos que se encaixam com exactidão com o modelo freudiano do seu “querido” analista. Já os pacientes de analistas junguianos, so‑ nham com suas sombras, suas animas e outros elementos que se encaixam com perfeição no modelo junguiano do seu analista, e assim sucessivamente com todas as outras linhas de psicote‑ rapia. Devido ao desejo intenso de agradar ao analista na fase positiva do processo transferencial, os pacientes também ten‑ dem a aceitar toda a interpretação que é feita, e por esta mesma razão, é de vital importância, que o analista encontre a fórmula consensual. Jung alerta para que “Se a interpretação unilateral do médi‑ co estiver apenas concordando com alguma teoria ou opinião preconcebida, o eventual assentimento do paciente, ou um certo êxito terapêutico, estarão apenas baseados na sugestão, e pode‑ rão ser puramente ilusórios. O efeito da sugestão, em si não é condenável, porém, o seu êxito tem as limitações que conhece‑ mos. Além disso, tem efeitos colaterais sobre a autonomia do carácter do paciente. (…) Do ponto de vista do amadurecimento da personalidade, o trabalho analítico situa-se em plano consi‑ deravelmente superior ao da sugestão (…) devendo ser evitada (…) mas apenas quando o médico toma consciência da possibi‑ lidade de ela ocorrer, pois sempre sobram demasiadas influen‑ cias sugestivas inconscientes” (Jung, 1931). O que são os sonhos? Quem os engendra? Na sua psicologia analítica, Jung explica-nos que o modo es‑ pecífico de o inconsciente se comunicar com a consciência é o sonho. Mas o quê no inconsciente cria os sonhos, com suas complexas imagens e narrativas? Ego, Self e Individuação Von Franz, no livro “O caminho dos sonhos”, explica que os sonhos são como cartas que o Self envia ao ego todas as noites. Mostram como estamos enganados, alertam-nos quanto a peri‑

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gos, aludem para o sentido mais profundo das coisas, propiciam insights reveladores. Ego e Self são dois centros da psique, o primeiro é o centro da psique consciente, o segundo o centro da psique total, e têm uma complexa relação entre eles. Jung define o Self como o arquétipo da totalidade, que abran‑ ge tudo na psique, representando simultaneamente o seu centro e a sua totalidade, consciente e inconsciente. O Self tem uma compulsão para a sua realização, sendo aquele que conduz a personalidade à individuação. O ego entretanto é aquela parte da psique que nos identifica‑ mos como sendo o “eu” e que se lembra ao acordar, dos sonhos que o Self engendrou. Por serem manifestações desta entidade psíquica suprema, os sonhos revelam uma inteligência superior, uma sabedoria que nos tenta orientar rumo a individuação, através de uma en‑ genhosa estrutura simbólica e metafórica, que se manifesta sob narrativas cheias de imagens e emoções com significados pron‑ tos a serem percebidos pelo ego atento. Em seu livro “Sonhos - A linguagem enigmática do incons‑ ciente”, Varena Kast define da seguinte forma o processo de individuação: “O processo de individuação é um confronto contínuo entre mundo interno e externo e ocorre igualmente no âmbito dos relacionamentos. É um processo de integração das várias partes de nós (…) O processo de individuação é, entretan‑ to, igualmente um processo de delimitação, de conquista de mais autonomia e liberdade. A delimitação significa por um lado um confronto consciente com a consciência colectiva, com os papéis que exercemos, com as normas. Por outro lado, uma dissolução dos complexos parentais que nos im‑ pedem de vivenciar aquilo que desejamos vivenciar, causan‑ do certa compulsão a repetição em nós. O processo de indi‑ viduação envolve uma investigação consequente a respeito

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de “mim mesmo” no que tange a minha relação com o meu inconsciente, meu próximo e com o mundo que partilho com os outros. E existem sempre respostas que revelam que sou uma pessoa única com exigências únicas na vida, uma pes‑ soa sempre provisória, passível de ser corrigida.”

Sobre o que os sonhos são, Jung diz que os sonhos não masca‑ ram nada, não escondem, nem distorcem nada, pelo contrário, eles procuram expressar algo, que apesar de desconhecido pelo ego, lhe pode proporcionar uma atitude mais madura e mais abrangente sobre a vida. Jung (1931) diz ainda que: “Todo trabalho onírico é essencialmente subjetivo e o sonho é um teatro na qual o próprio sonhador é a cena, o actor, o produtor, o autor, o público e o crítico.” Sonhos como compensação Jung via a alma (psique) como auto-reguladora, assim como o corpo, que se auto-equilibra através de mecanismos de com‑ pensação. “(…) Todos os processos excessivos desencadeiam imediata e obrigatoriamente suas compensações. Sem estes, não haveria nem metabolismos nem psiques normais (…) O que falta de um lado cria um excesso do outro. Da mesma forma, a relação entre o consciente e o inconsciente também é compen‑ satória. Esta é uma das regras operatórias mais bem compro‑ vadas na interpretação dos sonhos. (Jung, 1931). Se a atitude consciente se torna manifestamente doentia, o inconsciente irá compensar no sonho. Jung ensina-nos que para interpretar os sonhos, o analista deve sempre perguntar: — Que situação consciente é compensada pelo sonho? Em seu livro “Jung e a Interpretação dos sonhos”, James A. Hall diz-nos que há essencialmente três formas de o inconscien‑ te compensar através do sonho.

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A primeira compensa distorções temporárias na estrutura do ego, e dirige o indivíduo a uma compreensão maior das suas atitudes e acções. Um paciente meu teve uma ligeira suspeita que estava a negligenciar o seu casamento, fazia tentativas de compensação das suas ausências, numa fase em que a mulher começou a cultivar amizades com antigos colegas da universi‑ dade. Nos seus sonhos, ele deixava-a à espera num restaurante por esquecimento, ou esquecia-se dela numa loja, e ela acabava por se reconciliar com o ex-namorado. Este paciente teve inú‑ meros sonhos deste tipo, onde a sua atitude negligente era am‑ plificada, mostrando que certos esquecimentos que aconteciam na vida real eram uma forma de sabotagem do seu casamento. A segunda forma de compensação é aquela em que o Self do indivíduo o alerta para uma necessidade de que ele seja mais fiel ao cumprimento do seu processo de individuação. “(…) Isso em geral ocorre quando o indivíduo se desvia do caminho pessoal‑ mente correcto e verdadeiro” (Hall, 1983). O sonho avisa sobre este desvio, causando um impacto transformador. Uma importante função do sonho é restabelecer o equilíbrio psíquico ao produzir material onírico que reconstitui de manei‑ ra subtil o equilíbrio psíquico total. Ao reestabelecer a integri‑ dade da psique inconsciente, o sistema de regulação encontra soluções nos sonhos para os problemas reais da vida real, vígil e consciente. Hall (1983) fala ainda de uma terceira e misteriosa função compensatória dos sonhos: “O sonho também pode ser visto como uma tentativa de alterar directamente a estrutura dos com‑ plexos onde o ego arquetípico se apoia, para a identidade em níveis mais conscientes.” As tarefas que o ego onírico realiza no sonho mudam a atitude e estado de ânimo do ego vígil. Por exemplo, num sonho onde conseguimos enfrentar um persona‑ gem opressor, este dá-nos coragem ou pistas, para que na vida vígil, tenhamos insight sobre a forma como devemos lidar com alguém ou alguma situação que nos oprime de facto.

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Jung entendeu que os sonhos, mesmo quando não interpre‑ tados, têm um profundo efeito regulador na psique. A vantagem de se conscientizar e de interpretar o sonho, é que o sonhador fica mais consciente do diálogo que o inconsciente tenta manter com o ego, e, dos processos psíquicos que estão a ocorrer rumo à individuação, mesmo que estes processos ainda não sejam conscientes. A psicologia de Jung é toda ela uma tentativa de travar um diálogo, criando uma ponte entre estes dois mundos que habitamos simultaneamente, o consciente e o inconsciente, sendo que os alicerces desta ponte são os sonhos. Considerações técnicas para a análise dos sonhos Aspectos estruturais do sonho Todos os sonhos têm um significado e um sentido e Jung deixa muito claro que quem determina este sentido não é o intérprete, mas sim o próprio sonho. Por isso precisamos compreender o sentido global do sonho. Geralmente, podemos reconhecer uma estrutura nos sonhos, composta por quatro estágios, como no drama clássico. Mas, dependendo do sonho, qualquer um deles pode estar ausente. Ter estes estágios em mente, ajuda o analista a entender os as‑ pectos mais relevantes do sonho, aqueles que devem ser am‑ pliados e interpretados, sobretudo quando são narrativas muito complexas. A primeira etapa é a exposição, também conhecida como intro‑ dução ou situação. Neste estágio, apresentam-se os personagens, as cenas e a colocação do problema que o sonho vai expressar. O segundo estágio é o desenvolvimento ou peripécia, onde ocorre a acção do sonho, e é através dele que nomeamos o pro‑ blema. O terceiro estágio é o clímax, onde ocorrem os eventos de‑ cisivos do sonho, e onde está contido o pico emocional do so‑ nho. Muitos sonhos terminam neste estágio, como por exemplo acontece com os pesadelos, o que faz com que por vezes, o clí‑ max seja a única parte do sonho que é recordada pelo ego vígil.

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O quarto e último estágio refere-se ao desfecho ou Lysis, e representa a solução final ou catástrofe. Esta última sentença do sonho, com frequência, representa a solução que o inconsciente propõe e que deve ser conscientizada pelo ego. Etapas para interpretação junguiana dos sonhos Há 3 etapas importantes que auxiliam a análise dos sonhos: re‑ colha de detalhes, associações e ampliações, e por fim, a con‑ textualização dos sonhos. Na etapa da recolha de detalhes, o analista tem muitas vezes o papel de ajudar a relembrar o sonho em toda a sua comple‑ xidade. Utilizando o exemplo acima citado, suponhamos que a paciente chega a uma sessão e conta que sonhou com um ele‑ fante que a perseguia. É frequente que pacientes que iniciaram seu processo terapêutico há pouco tempo ou que não têm práti‑ ca em relatar sonhos, o façam com uma simplicidade redutora. O analista, deverá ter então como função, recolher o máximo de detalhes possível, de forma a tentar reconstruir o sonho tal como foi sonhado, ou que seja o mais fidedigno possível. Nesta primeira fase é aconselhável explorar as imagens, ce‑ nários, acções e personagens do sonho; Utilizando o exemplo: “Um elefante perseguia-me”. O analista pode perguntar: Como era o elefante? Descreva-o. Era grande, pequeno, de que cor, estava sujo, era macho ou fêmea, selvagem, de circo, calmo, bravo, tinha algum adorno? O que é que ele estava a fazer antes de ver o sonhador? Como foi a perseguição? Súbita, ou aumentou progressiva‑ mente, por onde passou o sonhador, etc. Como é que o sonhador se sentiu quando viu o elefante, quando estava a ser perseguidor, o que pensou, qual a sua es‑ tratégia de fuga? Aconteceu algum outro evento além da perseguição? É bom ter em mente que esta recolha só se faz com este porme‑ nor quando o analisando não consegue evocar os detalhes do sonho.

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Numa boa parte das vezes e já com alguma prática terapêu‑ tica em tratar sonhos nas sessões de análise, os analisandos tra‑ zem os sonhos com mais detalhes e o analista só recolhe os pormenores das cenas, imagens e personagens que considerar revelantes. Também acontece o contrário, haver sonhos que têm tantos detalhes, tantas cenas, personagens e acções que o analista se sente perdido numa infinidade de elementos. Nestes casos, é preciso entender o sentido global do sonho e tentar enquadrá-lo nas etapas da cena dramática, encontrando o clímax e a Lysis do sonho. A segunda etapa, a das associações e ampliações, parece-me ser a mais determinante e a que mais diferencia a análise dos sonhos na abordagem Junguiana das demais abordagens. Ampliar significa não reduzir o sonho a um único significa‑ do, mas ao contrário, procurar outros significados, através de outras associações que o analisando faz. Aqui, o papel do sonhador é fundamental, porque o analista irá associar os símbolos presentes nos sonhos primeiramente de acordo com as associações no nível individual, depois num ní‑ vel cultural, e por fim num nível arquetípico. Isto significa que o analisando é quem traz as primeiras associações e elas têm prioridade sobre as associações do analista. Uma serpente para mim pode ter um significado muito diferente que tem para um analisando. Não é com base nos meus conteúdos que faço uma análise, mas sim com os do sonhador. Jung (1931) exemplifica assim, quando num sonho aparece a imagem de uma mesa de pinho: “Imagine que eu não sei o que é uma mesa de pinho. Descreva-a com todos os seus detalhes, tudo a seu respeito, inclusive seu aspecto científico.” Também gosto de usar outra sugestão: “Imagine que sou um E.T., explique-me como é esse objec‑ to, como se eu nunca tivesse estado no planeta Terra.” Quando o paciente está a expor uma certa imagem onírica, ele escolhe falar sobre certos atributos e não outros, e isso é o

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que nos trará a chave para interpretação do sonho. Na descrição destes atributos, muitas vezes aparece o significado simbólico que a imagem contém. É frequente um paciente ter um insight precisamente quando me está a descrever o que certo elemento do sonho é para ele. Nesta busca de significados, pergunto exploratóriamente, por exemplo: O que traz à sua mente a imagem de um elefante? O que na sua vida ou em si, pode ter a ver com um elefan‑ te. O que a faz sentir essa imagem do elefante? O que um elefante significa para si? Depois desta exploração, pode ser importante fazer as associa‑ ções culturais e arquetípicas. Se estivéssemos na Índia, o significado do elefante, ou da vaca teria uma conotação bem diferente do que em Portugal. Por isso é importante levarmos em conta o contexto cultural do sonhador. As ampliações culturais podem ser sugeridas pelo analista, mas só devem ser levadas em conta na interpretação se o sonha‑ dor as aceitar. Por exemplo, mulheres vestidas de negro, podem significar luto ou funeral. Por fim, o analista pode recorrer a ampliações arquetípicas. Como sabemos, os arquétipos são elementos primordiais her‑ dados, como formas estruturais da psique humana. São carac‑ terizados pela sua universalidade e atemporalidade. Apesar de serem impossíveis de se representar, manifestam-se sob formas de imagens arquetípicas. As ampliações arquetípicas devem ser usadas com moderação, uma vez que estas sugestões podem afastar o sentido do sonho dos significados que o sonhador e analista conseguiriam atribuir às imagens oníricas. Mas, é pre‑ ciso ter em conta que há certos sonhos onde o analista pode reconhecer um motivo arcaico ou mitológico, e onde a solu‑ ção arquetípica está lá representada, tendo ela uma mensagem

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universal importante, e que “deverá” ser conscientizada pelo sonhador. Existem técnicas que auxiliam a ampliação, tais como a ima‑ ginação activa, que procura retomar o sonho para que o anali‑ sando o sonhe agora acordado e auxiliado pelas explorações do analista. Desenhar, pintar, modelar ou dramatizar o sonho tam‑ bém o amplia. Cedrus Monte tem desenvolvido um trabalho for‑ midável de vivenciar somaticamente uma imagem onírica, o que traz uma consciência profunda dos significados da imagem, para além de permitir a compreensão do arquétipo/instinto subjacen‑ te, possibilitando uma integração através da sua corporificação. A terceira e última etapa é a da contextualização dos sonhos. O sonho deve ser contextualizado tanto em termos da situação de vida no momento em que o sonho ocorre, como deve ser si‑ tuado em termos do processo de individuação como um todo. A teoria do sonho como compensação, deve ser analisada sempre em termos no contexto consciente do sonhador. O sonho ofere‑ ce um contraponto mais abrangente sobre a atitude do ego vígil quando observamos a atitude do ego onírico. Jung também deixa clara a importância da análise levando em conta o contexto e a situação consciente do indivíduo; fazer análise de sonhos sem conhecer minimamente quem os sonha, e, principalmente, sem contextualizá-los na vida real, pode fa‑ cilmente levar a interpretações erróneas. Jung (1931) diz-nos que: “Há entre o consciente e o sonho a mais rigorosa causa‑ lidade e uma relação precisa dos seus mínimos detalhes.” Diz também que “É impossível interpretar um sonho sem tomar conhecimento da situação consciente do sonhador”, e que “O sonho não é um acontecimento isolado, inteiramente dissociado do quotidiano e do carácter do mesmo.” Para facilitar as associações e a contextualização peço aos meus pacientes para escreverem os sonhos num caderno, junta‑ mente com a data e com o que mais importante lhes aconteceu naquela semana e naquele mês, fazendo as associações sobre os elementos do sonho que mais os impressionaram, de forma

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a que o próprio paciente vá ganhando autonomia para ir dando significados aos seus próprios sonhos antes de os trazer para análise conjuntamente comigo. Função terapêutica da análise dos sonhos A análise de sonhos é uma das mais eficazes ferramentas do analista, que pretende possibilitar um diálogo entre a dimen‑ são consciente e o inconsciente de um analisando. O paciente que analisa os seus sonhos com frequência, vai compreendendo a direcção que o seu inconsciente deseja tomar. Ele aprende a confiar que existe em si uma estrutura supraconsciente que sabe mais, e que comunica através de símbolos, possibilitando ex‑ plicações para certos processos exteriores, avisando quanto a certos perigos, em função de seguir este ou aquele rumo, signi‑ ficando certos estados e necessidades emocionais, mostrando a saída de dilemas ou de situações difíceis de lidar. Em síntese, podemos dizer que os sonhos actuam como mensagens sábias e espelham a realidade interior e exterior através de símbolos, sinais, metáforas e imagens que carregam em si um potencial transformador e ampliador da consciência pessoal. É então de vital importância, que no que toca às atribuições do sentido dos sonhos, que o analista descubra a associações e ampliações de acordo com os significados dados pelo seu analisando, de forma a encontrar o verdadeiro sentido do conteúdo expresso pelo inconsciente deste. O analista é como um tradutor que conhece a língua do inconsciente, mas cujo sentido e conteúdo da mensagem ele desconhece, e esta atitude de desconhecimento é a pré-condição para o acesso à verdade interna do seu analisando. Os sonhos mostram os complexos pessoais e a sua ac‑ tuação, através das imagens arquetípicas à que estão asso‑ ciados. Eles expressam teleologicamente o processo de in‑ dividuação, tendo a sua mais impressionante manifestação através das sincronicidades, isto é, do encontro a posteriori

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na realidade extrapsíquica dos elementos presentes no so‑ nho, e que possibilitam a atribuição de significados de gran‑ de relevância e potencial transformador para o indivíduo. Bibliografia Frank, Jerome D and Julia B. Frank. (1991) Persuasion & Healing: A Comparative Study of Psychotherapy. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1991. Hall, J (1983): Jungian Dream Interpretation: A Handbook of Theory and Practice. Toronto: Inner City Books. Jung, C (1931): Wirklichkeit der Seele IN Obras Completas de C. G. Jung Volume XVI/2 “Ab-reação, Análise de Sonhos, Transferência” p11.  Kast, V (2010): Sonhos, A linguagem enigmática do inconsciente. Petrópolis RJ: Vozes. Monte, C. (2010) IN Jungian Psychoanalysis – Working in the spirit of C.G. Jung. Stein, M. (2010) Chicago and La Salle, Illinois: OPEN COURT, Carus Publishing. von Franz, M. L. (1988): O caminho dos Sonhos. São Paulo - Editora Cultrix 2002.

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- A Espiritualidade em Jung MARTA OLIVEIRA “Mas eu vi a grande oportunidade única de unir certas coisas contrastantes em mim.”1

Tal como todos nós, Jung foi um homem que se questionou so‑ bre a sua existência e o sentido da sua vida. O seu interesse pelo conhecimento do ser humano na sua totalidade marcou o seu percurso quer pessoal, quer profissional. Utilizando a sua própria experiência como material de investigação e trabalho, Jung procurava compreender como era estruturada a psique hu‑ mana, quais os seus dinamismos, quais as suas bases e limites, quais as suas fraquezas e potencialidades. Assim, o psiquiatra suíço não se contentava com os meios e métodos que a ciência do seu tempo lhe dava para decifrar aquilo que permanecia, até então (e ainda hoje?), como um mistério. Queria ir mais além, integrar a ciência e a religião, encarando o homem com um ser uno, integral, capaz de unir, reunir, ligar e… religar. É desta postura face ao mundo que resulta o inevitável interesse de Jung pela espiritualidade. A sua conhecida formação religiosa poderia, numa superficial abordagem, constituir a principal justificação para esse interesse pela alma humana. No entanto, a sua experiência de interioridade faziao defender que o desenvolvimento humano era castrado por uma vivência da espiritualidade baseada apenas em dogmas e na sua muda de‑ voção. Jung interessavase, assim, pelos conteúdos e fenómenos inerentes à religiosidade e espiritualidade humanas, conside‑ randoas essenciais para a compreensão profunda da formação psíquica e do seu desenvolvimento. 1 Entrevista de John Freedman (BBC) a Carl Gustav Jung. 1959. Dispo‑ nível em: http://www.youtube.com/watch?v=biu4ds63lqc

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Neste capítulo, pretendemos expor de forma genérica e tão simples quanto possível, a perspectiva que Jung tinha da alma como interioridade, da espiritualidade como numinosidade e da experiência da religiosidade como forma saudável de atribuição de significado e sentido à vida e ao mundo. A relação destes dinamismos com a afectividade, com os conteúdos arquetípicos e o “processo de individuação”, bem como a sua distinção da perspectiva freudiana e a sua abordagem à humanidade/divin‑ dade de Jesus Cristo contribuíram também para a construção do posicionamento teórico de Jung face à espiritualidade e reli‑ giosidade. Tendose baseado também na sua experiência pessoal (através da utilização dos episódios específicos de busca da sua interioridade, relatados na sua obra) e profissional (através dos relatos dos seus pacientes) Jung formula uma nova noção de Deus, uma nova forma de O pensar e sentir, uma nova forma de O conhecer. E para tal, o caminho traçase e percorrese no próprio ser humano, na sua realidade interna e externa, na inte‑ gração da sua experiência de si mesmo e do mundo, na ligação do sentido da vida interior com a vida sentida do exterior. No entanto, não se pretende abordar de forma metafísica estes con‑ teúdos, sendo que nem o próprio Jung tinha esse objectivo, mas sim apresentar os conceitos centrais que conduziram o autor a um processo de reflexão profunda acerca do lugar e da relação destes mesmos constructos com os restantes processos psíqui‑ cos descritos na sua teoria. A definição linear de conceitos tão densos e complexos como a alma ou a espiritualidade constitui apenas uma tentativa de simplificação da perspectiva junguia‑ na, pelo que se ressalva o carácter profundamente interligado e integrado que todas estas noções assumem, tal como o próprio Jung postula.

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Interesse pela Alma Humana “Queria entender o que realmente ocorre na alma das pessoas”2.

Os termos alma, espiritualidade, religião e religiosidade, são utilizados na obra junguiana com considerável cuidado e aten‑ ção. A alma foi entendida por Jung, numa primeira instância, como principal referência à psique, aquando da sua discussão acerca da totalidade dos processos psíquicos, enfatizando pos‑ teriormente a sua complexidade, profundidade, pluralidade, va‑ riedade e impenetrabilidade. A espiritualidade constitui parte integrante desta psique, desta alma, portanto. Tratase de uma dimensão não material do ser humano, a qual podemos rela‑ cionar com os pensamentos, os ideais, as intenções, bem como uma força intuitiva que une e influencia elementos divergen‑ tes, opostos. Na dimensão espiritual encontramos, geralmente, a associação a mitos e orientações religiosas, cuja experiência possui um carácter subjectivo. Neste sentido, podemos afirmar que, para Jung, é através desta dimensão constituinte que o ser humano encontra explicações para a sua vida, para a sua expe‑ riência de si próprio e do mundo. Por sua vez, a religiosidade apresentase em Jung como um conceito também associado à espiritualidade, na medida em que é através dela que o ser hu‑ mano busca significados maiores para a vida, para a sua existên‑ cia no e para o mundo, bem como para o alcance de respostas para as questões acerca do que está para além das aparências da vida. Assim, esta busca é realizada pelo ser humano através da dimensão simbólica, a qual Jung considera ser essencial para a ligação das nossas dimensões consciente e inconsciente. Chegamos, assim, a uma definição de religião: para Jung, “a religião é uma atitude da mente humana”, sendo que os elemen‑ tos mentais envolvidos nesta atitude constituem pura energia psíquica, conferindo sentido à experiência externa. É, portanto, 2

CW (Collected Works of C. G. Jung), Vol. IV, parágrafo 582.

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neste sentido que Jung considera a experiência religiosa como dimensão fundamental do desenvolvimento humano. Chegamos deste modo a um outro conceito que assume, na perspectiva junguiana, um papel determinante para o dinamis‑ mo psicológico. Tratase da função transcendente, a qual se ex‑ prime também por meio de símbolos, estabelecendo a ligação de opostos. Através dos símbolos, a função transcendente age como elemento facilitador da transição de determinada condi‑ ção psicológica para uma outra. Vincula dados racionais e irra‑ cionais, reais e imaginários, conscientes e inconscientes, colo‑ candoos em confronto em termos iguais, através de conteúdos metafóricos, simbólicos, que transcendem o tempo e o conflito. A função transcendente não é entendida por Jung em termos metafísicos ou religiosos, mas sim como um processo natural: “uma manifestação da energia que se origina da tensão dos opostos e consiste numa série de ocorrências de fantasias que surgem espontaneamente em sonhos ou visões”3. Em vez de considerar a função transcendente como uma bênção dos céus, Jung prefere procurar a utilidade deste processo, centrandose na busca do significado específico de determinado símbolo, postu‑ lando ainda que este processo constitui o mais importante factor psicológico, na medida em que permite ao ser humano ir além do conflito, evoluindo, portanto, no seu processo de individu‑ ação (abordaremos com maior pormenor este processo mais à frente). Tal como referimos anteriormente, Jung coloca em questão e análise a sua própria experiência, desenvolvendo, no entanto, uma abordagem científica dos fenómenos espirituais. O autor chegou mesmo a relatar episódios de ordem extraracional, vi‑ vidos tanto por si como pelos seus pacientes, o que o conduziu ao aprofundamento da pesquisa desta dimensão psíquica. Deste modo, Jung desenvolveu o conceito de numinosidade, referin‑ dose à vivência da religiosidade como externa à vontade, que existe por si só e se manifesta através da estrutura arquetípica 3

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CW, Vol. VII, parágrafo 121.

(como veremos mais adiante). O numen impõese à consciência como uma característica essencial do arquétipo, uma imagem arquetípica, de forma forçosa, autónoma, parecendo conter uma mensagem própria, misteriosa, enigmática e impressionante. Podemos, então, afirmar que Jung aborda o tema da espiritu‑ alidade com grande cuidado e profundidade, sendo que a busca espiritual e a vivência da religiosidade se lhe apresentam muito importantes para a saúde psíquica. A busca de Deus é constitu‑ ída pela vivência deste numinoso, desta energia cósmica, natu‑ ral, incontrolável e característica do ser humano. A curiosidade de Jung pelas dimensões psíquicas mais pro‑ fundas deu lugar também ao estudo dos mitos, considerandoos “expressões fundamentais da natureza humana”4, do incons‑ ciente colectivo, de ordem involuntária. A sua experiência em contexto psicoterapêutico permitiulhe identificar a existência de crenças que, quando verbalizadas, ainda que modeladas pela consciência, manifestavam conteúdos, sensações e mesmo um conjunto de elementos de ordem criativa, cuja finalidade não se restringe à explicação de fenómenos físicos mas, para além disso, constitui a expressão da forma como o ser humano expe‑ riencia esses mesmos fenómenos. Tendose dedicado também ao estudo da alquimia, o autor demonstra o seu interesse pela dimensão mágica do ser humano e pela procura de segurança que essa mesma busca representa. Fundamentalmente, interessoulhe o carácter simbólico desses relatos — para Jung, existem nos conhecimentos alquímicos elementos importantes para o estudo do inconsciente, perspec‑ tivando a transformação da personalidade. Assim, assumindo os princípios de procura da conjugação de duas substâncias realizada pelos alquimistas para obtenção de uma nova, Jung pressupõe, em termos simbólicos, a busca de equilíbrio entre opostos, que origina novos estados psicológicos, diferentes dos seus antecessores mas, ainda assim, deles resultante. Embora esta abordagem não escape a críticas e dúvidas por parte da co‑ 4

Fordham, F. (1972). Introdução à Psicologia de Jung. Lisboa: Gris, p. 24.

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munidade científica, este fascínio pela alquimia conduziu Jung a várias outras reflexões e concepções, à luz da sua perspectiva da mente humana. Um outro conceito que se apresenta relacionado com a re‑ flexão de Jung face à espiritualidade é designado por sincroni‑ cidade. O autor experimentou ao longo da sua vida uma série de fenómenos extraracionais que mantinham desperta a sua disponibilidade para os estudar. Tendo considerado também as experiências ditas paranormais dos seus pacientes, Jung avança com o estudo de um processo por ele descrito como pertencen‑ te à camada mais profunda do inconsciente colectivo, relacio‑ nado com os fenómenos que ultrapassam a objectividade das explicações científicas relativas à relação de causalidade que se estabelece entre os fenómenos psíquicos e físicos. Neste senti‑ do, Jung descreve a dimensão psicológica de um conceito que era também estudado por Wolfgang Pauli, físico e vencedor do prémio Nobel da Física em 1945, que estudava a sincronicidade mediante a perspectiva científica. Para Jung, a sincronicidade é definida como um “acaso” não casual, isto é, não passível de ser explicado por leis objectivas de causaefeito. Estes fenómenos são “coincidências” significa‑ tivas, sendo que os acontecimentos externos se ligam aos esta‑ dos internos do ser humano, integrandoo numa totalidade supe‑ rior, num todo maior. Os fenómenos de sincronicidade detêm um significado psicológico que vai para além das dimensões psicológica, temporal e espacial, para além da relação de cau‑ saefeito objectivamente explicadas pela ciência. Ao vivenciar acontecimentos sincronísticos, o ser humano experimenta um sentimento de integração com o universo ao qual Jung chama “consciência cósmica” ou, de algum modo, Deus. Em suma, para Jung há na experiência dos episódios de sincronicidade uma sensação de vivência do sagrado, do numinoso, elemento importante no, por Jung chamado, processo de individuação. Ao abordar o tema da espiritualidade e de todas as dimen‑ sões com ela relacionadas, Jung salienta também a intrínseca

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ligação da afectividade. Para o autor, é a afectividade que está na base da personalidade humana, sustentando os processos e experiências de ordem superior. Importa perceber, agora, de que forma Jung relaciona estes conceitos na sua abordagem de des‑ crição do funcionamento da mente humana. A Afectividade como base da Personalidade “Não há transformação de escuridão em luz, nem de inércia em movimento sem emoção.”5

Jung considerava que a dimensão emocional do ser humano, a sua capacidade de produzir e experimentar a emoção constituía a chave para a compreensão da generalidade dos processos psí‑ quicos. Afirmava: “A base essencial da nossa personalidade é a afectividade. Pen‑ sar e agir são, por assim dizer, meros sintomas de afectividade. Os elementos da vida psíquica, sentimentos, ideias e sensações apresentamse à consciência sob a forma de certas unidades que, numa analogia à química, poderiam ser comparadas às moléculas.”6

Quando nos referimos à espiritualidade e à sua experiência concretizada quer em rituais religiosos, quer em actos e ges‑ tos exteriores ou fluxos e dinamismos interiores, é inevitável utilizarmos a referência à emoção. Para Jung, é a afectividade que move o ser humano e, por inerência, é ela que está na base do seu funcionamento psíquico. É, portanto, a afectividade que preenche o interior humano aquando da sua evolução: “ninguém que haja passado pelo processo de assimilação do inconsciente poderá negar o facto de se ter emocionado profundamente e de 5 6

CW, Vol IX/1, parágrafo 179. CW, Vol III, parágrafo 78.

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se ter transformado.”7 Neste sentido, considerando a dimensão afectiva como constituinte do ser humano, como integrante das dimensões interiores mais profundas que ele detém e tendo também em conta, como afirma Jung, que as suas raízes se encontram na profundidade do inconsciente colectivo e pessoal, conseguimos perceber que, para além de estar intrinsecamente associada à es‑ piritualidade, a afectividade está interligada com os conteúdos mais profundos da personalidade, àquilo que cada ser humano possui como património de realização no e para o mundo. É neste contexto de integração que Jung procura transmitir a importância da descoberta do inconsciente como estratégia de evolução no processo de individuação, sendo que é através do afecto que nos é possível atribuir valor a determinada experiência exterior ou interior. Por conseguinte, é através do afecto que é revelada a posição relativa e a força dos valores psicológicos (nos quais podemos incluir, inerentemente, os ele‑ mentos de natureza espiritual), sendo que, para o nosso autor, uma ferida psíquica deve ser medida pela afectividade que é desencadeada quando a tocamos. Divergência de Freud e da Psicanálise “Eu gostava muito dele, mas logo descobri que, quando ele pensava em algo, então estava estabelecido, enquanto eu duvidava o tempo todo.”8

Embora tenham marcado o percurso de Jung alguns e intensos anos de amizade e colaboração com Freud, a sua divergência conceptual não permitiu que esta relação perdurasse. Jung dis‑ tinguiase de Freud, defendendo que os problemas psíquicos não possuem necessariamente um teor puramente sexual, referin‑ CW, Vol VII, parágrafo 361. Entrevista de John Freedman (BBC) a Carl Gustav Jung. 1959. Dispo‑ nível em http://www.youtube.com/watch?v=biu4ds63lqc 7 8

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dose, por exemplo, às neuroses, às quais não atribuía, necessa‑ riamente, uma matriz interpretativa libidinal, mas encaravaas como apelativas a uma busca de uma vivência mais profunda. No que se refere especificamente ao posicionamento destes dois autores face à religião, verificamos que Freud a encarava como figura de projecção de uma certa experiência neurótica da figura paterna, sendo que Jung contrapõe a sua posição, ar‑ gumentando que a relação que estabelecemos com a figura pa‑ terna histórica é resultado da dimensão arquetípica, profunda, interior, inata e inconsciente do contacto divino. Deste modo, para Jung, é esta experiência profunda que determina a nos‑ sa experiência histórica referente à figura paterna. É, assim, o psíquico mais profundo que orienta a nossa experiência externa de relação paternal, a experiência histórica. Para Freud, a religião é uma experiência infantil. O cresci‑ mento é um processo ligado ao alcance da fase adulta, através do qual se desencadeia o afastamento das experiências religio‑ sas. Jung, de forma completamente oposta a Freud, encara a experiência religiosa e o crescimento como um atingir, tocar e poder englobar as experiências e dimensões mais profundas, aproximandose gradualmente de si mesmo, conseguindo conju‑ gar a dimensão consciente da própria personalidade com as di‑ mensões inconscientes, de ordem ancestral, com o inconsciente colectivo. É a este processo que Jung chama de individuação. Uma outra crítica à teoria de Freud, o qual confere gran‑ de importância aos sinais, utilizando os significados imediatos, Jung recorre à referência aos símbolos, inesgotáveis nos seus significados, tal como se referiu anteriormente. Neste sentido, Freud referiase à concepção de Deus como uma projecção da imagem do “pai protector”, que é procurada pelo ser humano ao longo da sua vida. É este o significado da religiosidade para Freud, não existindo espaço para qualquer outro conteúdo pas‑ sível de ser considerado que não o que é também passível de ser objectivado. Por outro lado, Jung considera essencial o conhe‑ cimento da religiosidade humana, encarandoa de um ponto de

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vista simbólico e defendendo a importância que esta dimensão assume para a saúde psíquica do ser humano. As divergências teóricas entre Jung e Freud não se restrin‑ gem ao tema da espiritualidade e religiosidade, sendo que são claras as distinções noutros aspectos teóricos das suas perspec‑ tivas. Assim, ainda que o percurso de Jung muito se tenha rela‑ cionado com o de Freud em determinada fase do seu percurso, a sua orientação teórica e a sua experiência pessoal não lhe per‑ mitiram seguir as orientações da Psicanálise. Arquétipos e Individuação aplicados à Espiritualidade Os indivíduos não chegam a uma total autocompreensão en‑ quanto não aceitam o aspecto numinoso de suas existências.

A definição do conceito de arquétipo utilizado por Jung assu‑ me um carácter de considerável complexidade e tem suscitado grande debate, tanto mais que várias concepções de arquéti‑ po podem ser encontradas ao longo da obra de Jung. Aqui, no entanto, não nos queremos imiscuir nesta polémica, pelo que adoptamos para esta reflexão as propriedades gerais desse vo‑ cábulo. Assim, e tendo em conta que existe no ser humano um património inato que se define na teoria junguiana através do conceito de inconsciente colectivo, a noção de arquétipo para Jung revelase uma manifestação deste mesmo inconsciente co‑ lectivo, assumindo também características inatas, independen‑ tes da cultura e constituintes da essência da Humanidade. Através da sua vasta investigação literária mundial, o autor vai procurar determinar os diferentes arquétipos constituintes da essência humana, sendo que Deus estará presente num des‑ tes arquétipos, numa destas formas de entender o inconsciente colectivo. O arquétipo de Deus é, assim, uma realidade psíquica, um factor fundamental e psicologicamente demonstrável da expe‑ riência humana. Esta realidade psíquica assumese como interna

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ao ser humano, brota do seu interior, sendo que Jung não se interessa pela verificação da existência de uma dimensão divina exterior. Na perspectiva junguiana, Deus assume uma dimensão for‑ mal, arquetípica, inata, inconsciente. O autor defende que existe em cada sujeito esta estrutura primordial, inconsciente, que não é necessariamente assumida por todos os sujeitos, mas repre‑ senta antes uma possibilidade de experienciação, de reconheci‑ mento deste arquétipo de Deus enquanto forma. Neste sentido, a relação com Deus, com a Divindade, com o transcendente, realizase através da experiência, onde se inclui a experiência religiosa. Desta forma, podemos afirmar que a energia psíquica da es‑ piritualidade humana se encontra profundamente integrada no funcionamento geral da psique, emanando das suas dimensões mais profundas e internas e manifestandose na experiência de contacto do ser humano com o mundo. Verificamos deste modo que Jung não se restringe à experiência religiosa formalizada e ritualizada, indo para além desta, aumentando o seu espectro de experienciação, que vai desde a atribuição de profundidade e numinosidade à experiência de Deus até à sua manifestação na vida exterior do ser humano e, consequentemente, ao reconheci‑ mento da sua importância para o seu processo de individuação. Ao considerar que o desenvolvimento saudável da mente humana constitui um processo, um caminho que o ser humano percorre, ao longo da sua vida, recheado de desafios, descober‑ tas e construções, Jung concebeu o conceito de individuação. Se enquadrarmos este conceito num formato de integração com outros dinamismos psicológicos, não se revela complexa a tare‑ fa de estabelecimento de relação entre o processo de individua‑ ção e a dimensão espiritual. Neste sentido, a individuação é apresentada por Jung como isso mesmo: um processo. No entanto, o vocábulo ‘individua‑ ção’ em nada se refere ao individualismo que vai caracterizando o tempo presente, de conotação profundamente negativa e que

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se refere ao egocentrismo que isola e desconecta o indivíduo dos demais. Em Jung, esta perspectiva não é plausível, sendo que a individuação consiste no oposto, consiste na conjugação de uma modo equilibrado das dimensões psíquicas do sujeito de ordem consciente e inconsciente. Esta é a meta do processo de individuação, sendo que consiste, simultaneamente, no proces‑ so em si. E só um sujeito individuado se ligará aos demais de um modo salutar. Na sua obra, Jung define a individuação como “tornarse um indivíduo”, em que tal assume osignificado de: não dividido em si próprio (há aqui então uma passagem da divisão para a in‑ tegração e harmonia), na medida em que abarca a nossa mais profunda e íntima individualidade, tornandose a pessoa aquilo que ela é. Podemos encarar este processo como proveniente do interior do sujeito e direccionado para o exterior, sendo que a esta questão está ligada a questão da liberdade, a questão da tomada de decisões e a questão das escolhas conscientes. Neste sentido, não se adere à perspectiva linearmente defensora da to‑ tal influência do exterior sobre a nossa caminhada. Para Jung, é fundamental o sujeito tomar consciência de si mesmo, das suas estruturas, das suas características mais autênticas e consequen‑ temente a consciência das suas escolhas e compromissos com essas mesmas metas. A direccionalidade do processo de individuação (de dentro para fora) advém também do facto do sujeito, uma vez conhe‑ cedor de si mesmo, das suas virtudes e limites, ser também mais tolerante às limitações dos outros, estar mais próximo do seu semelhante, podendo mesmo rever no outro o seu próprio re‑ flexo. Esta é a condição do verdadeiro eu, não individualista, mas individuado. Jung designa este resultado também como a realização do self. Não falamos aqui de um self perfeito, mas sim de um self amadurecido que integra também o lado sombrio do ser humano, não se restringindo portanto ao determinismo do meio exterior, mas sim partindo do interior do ser para o seu reflexo exterior.

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A abordagem da individuação enquanto projecto de vida, en‑ quanto processo natural que está inscrito no processo de desen‑ volvimento do ser humano, é uma dimensão de alguma forma inevitável. Não quer isto dizer que o processo de individuação possua sempre um resultado positivo. O grau de êxito deste pro‑ cesso não é previsível, não é determinado. Assim, o objectivo do processo de individuação encontrase na criação de equilíbrio entre os elementos contrapostos da personalidade. As características de profundidade e interioridade do pro‑ cesso de individuação assumem, na perspectiva junguiana, uma natureza arquetípica, na medida em que a sua manifestação tem uma raiz inata, numinosa e inconsciente. Deste modo, Jung é claro na sua abordagem à relação da individuação com a espiri‑ tualidade, afirmando mesmo que toda a orientação arquetípica tem um cunho religioso e que a experiência religiosa detém o aspecto primordial, arquetípico e colectivo do indivíduo. Tra‑ tase de uma experiência de carácter suprapessoal (processo ar‑ quetípico, portanto, numinoso/religioso) e que se encontra em relação profunda com o processo de individuação. Neste sentido, a individuação assume não um carácter meta‑ físico, de credo ou ritos específicos, mas sim uma componente religiosa decorrente da sua matriz colectiva. É assim demanda‑ do ao self em individuação que perceba a sua própria natureza psíquica, que desenvolva um olhar religioso sobre a vida e que se aperceba da matriz profunda, anterior e interior, de funda‑ mento eterno e arquetípico que a sua psique possui e manifesta através do desejo de realização integral. Jesus Cristo Humanado?

à luz de

Carl Jung: Homem Divino

ou

Deus

“Não foi o homem Jesus que criou o mito do homemdeus: este já existia muitos séculos antes do seu nascimento. E ele mesmo foi dominado por esta ideia simbólica que, segundo São Mar‑

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cos, o elevou para muito além da obscura vida de um carpin‑ teiro de Nazaré.”9

A abordagem junguiana a temas divinos como Deus, religião, Cristo, Cristianismo e Igreja Cristã constitui um dos mais desa‑ fiadores, controversos, mas também essenciais conteúdos da sua teoria. Mais uma vez, o autor utiliza a sua experiência de vida pessoal para reflectir e investigar estes temas, tendo dado espe‑ cial enfoque à experiência religiosa, bem como aos símbolos do mito cristão. Jung considerava que os padrões de pensamento destes temas estão presos em moldes históricos e estanques. Em termos metafóricos, Jung propunha que estas mesmas formas de pensamento fossem derretidas e colocadas nos moldes da experiência imediata. Tendo dedicado anos da sua pesquisa à investigação destes conteúdos, Jung descobriu que é possível estabelecer uma dis‑ tinção entre Jesus enquanto uma figura histórica, factual, de um rabino nascido em Nazaré, e o arquétipo de Cristo que é enca‑ rado como o Redentor. Jung distingue duas grandes dimensões em Jesus Cristo: a dimensão histórica e a dimensão simbólica. Jesus, a figura história, viveu uma vida concreta, uma vida pessoal. Porém, a imagem arquetípica de um Redentor, pree‑ xistente no inconsciente colectivo dos seus contemporâneos foiLhe projectada, pelo que Jung salienta que não foi Ele quem criou esta imagem arquetípica. A vida de Jesus assume assim o arquétipo do Cristo, a imagem interior de Deus, presente em cada ser humano. Tendo dado especial enfoque ao estudo dos arquétipos em sua abordagem, Jung verifica que o símbolo de Cristo assume atributos do arquétipo do herói. Dentre as características deste arquétipo destacamse a improbabilidade da sua origem, a di‑ vindade de seu Pai, o seu desenvolvimento precoce, as acções milagrosas, a morte prematura, entre outras. As conclusões que 9 Jung., C. G. (s/d). O Homem e seus Símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, p. 89.

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Jung retira dos seus estudos remetem assim para a semelhança dos símbolos arquetípicos de Cristo com a imagem arquetípica do self presente no inconsciente de cada pessoa. Neste sentido, este Cristo constitui, em termos psicológicos, o arquétipo do self que responde à mensagem cristã. Jung verificou assim que o rabino Jesus se divinizou através destes símbolos arquetípi‑ cos. Para Jung, Jesus concretiza, realiza o seu potencial arque‑ típico, sendo que é aqui que o autor defende a vantagem de considerarmos diferentes as imagens de Jesus e de Cristo. Se‑ guindo este raciocínio podemos, através desta diferenciação, prosseguir distinguindo a verdade factual da verdade simbólica, o facto do mito, o exterior do interior, o visível do invisível, o material e o espiritual. Numa sociedade onde se sobrevaloriza a verdade factual, o exterior, o visível e o material, Jung postula que a experiência externa e dogmática de Jesus não permite a realização efectiva de um Cristo presente no nosso interior, um Cristo arquetípico que representa uma personalidade maior presente, em poten‑ cial, em cada ser humano, o self. A vida de Cristo, quando enca‑ rada segundo esta abordagem interior, representa as diferentes fases do processo de individuação ao qual Jung dedica, em sua obra, a sua proposta ao mundo. Segundo esta perspectiva, se apenas se colocar a figura de Jesus Cristo numa dimensão de culto, externa, metafísica e dog‑ mática, não há lugar para experimentar este Cristo interior que se situa numa das dimensões psicológicas mais profundas do ser humano. Para Jung, esta vivência apenas externa do exem‑ plo de Jesus pode mesmo conduzir à racionalização da prática religiosa, ao literalismo e à sobrevalorização do cumprimento de regras externas. Jung acrescenta: seguir Jesus Cristo significa, do ponto de vista psicológico, não copiáLo literalmente, mas concretizar total e autenticamente o que no nosso interior existe de mais profundo. Imitar Jesus significa, tal como Jesus o fez, realizar

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o self, procurar um padrão próprio de plenitude, concretizar o próprio processo de individuação, em termos psicológicos, ou de redenção ou santificação, em termos teológicos. Em suma, Jung considera que a distinção entre a figura hsitó‑ rica de Jesus e o arquétipo, o mito, o símbolo do Cristo Reden‑ tor é essencial para que o cristianismo possa, através dos seus símbolos, continuar a chegar ao interior do ser humano moder‑ no. Para o autor, a sociedade está subnutrida espiritualmente, sendo a sua principal fome a fome de símbolos. A abordagem unilateral e racional conferida, na modernidade, aos assuntos religiosos, deu origem a um abandono da linguagem simbólica. Será então a recuperação desta linguagem a medida a adoptar para superar este diagnótico de Jung10. Aproximação Religioso

gradual entre o

Conhecimento Científico

e

Se a psique não é obrigada a viver no tempo e no espaço ape‑ nas — e obviamente não vive — então a psique não está sujeita àquelas leis, o que indica uma continuação prática, uma espé‑ cie de existência psíquica além do tempo e do espaço.

Tal como fomos apresentando ao longo deste capítulo, a abor‑ dagem junguiana ao tema da espiritualidade encontrase profun‑ damente integrada na sua perspectiva de compreensão dos me‑ canismos e dinâmicas desencadeados pela e na mente humana. A paixão e fascínio pela integração dos diferentes caminhos que permitem o alcance e construção de conhecimento foram, desde sempre, assumidos por Jung, ainda que ele não se tenha afasta‑ do do cumprimento do rigor científico. Jung desafia a sociedade, através da sua coragem para ler a espiritualidade humana com lentes da ciência, a avançar nas suas concepções mais antigas, mais estanques, oferecendo um 10 Wright, J. (2001). “Christ a Symbol of the Self”. C.G. Jung Society of Atlanta. Disponível em: http://www.jungatlanta.com/ChristSelf.html

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quadro conceptual e uma linguagem interpretativa da mente hu‑ mana, como ferramentas para ajudar o ser humano a evoluir no conhecimento de si próprio e, consequentemente, a progredir na busca do sentido da sua existência. Para Jung, o universo é regido pela integralidade. Tudo está relacionado, ligado e interligado, dependente e interdependen‑ te, associado numa lógica relacional11. É portanto desta dinâmi‑ ca de relações que resulta a totalidade, e será na totalidade que o ser humano encontra o sentido de vida. Por pensar e sentir assim, Jung não dissociou as suas expe‑ riências, inquietudes e aspirações profissionais e pessoais. Por pensar e sentir assim, não se impediu de observar a sua própria individualidade à luz da sua profissão. Por pensar e sentir assim, não se contentou com a abordagem objectiva de conhecimento da mente humana e atreveuse a desbravar e aproximar da ci‑ ência o que, até então, permanecia intocável e dissociado dela — a espiritualidade. Por pensar e sentir assim, não se limitou a utilizar a objectividade, tendo procurado demonstrar o que na subjectividade existe, não de desinteressante e inválido, mas de significativo e verdadeiro para o alcance de uma vida psíquica saudável e com sentido. Com Jung, podemos hoje questionar o que na sua época era inquestionável: existirá uma dimensão interna ao ser humano que o constitui enquanto tal possuindo, simultaneamente, um substrato transcendental? Será realmente necessário questionar cientificamente a existência externa de um Deus, ou será possí‑ vel experimentáLo dentro de nós? Poderá a Psicologia evoluir na sua utilidade para o ser humano se integrar efectivamente a dimensão espiritual na sua leitura da mente humana? Estas e muitas outras questões a este respeito poderão ser colocadas, após o legado que Jung nos deixa. Se realmente o Universo é integrado, porque não experimentar integrar o que dele faz parte? 11 Cfr. Major, J.C. (2009). Cérebro, Mente e Sociedade: Por uma Psico‑ logia Relacional. Braga: Sapientiae.

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- A Investigação em Psicologia Analítica Domingos Ferreira Romão Araújo Este capítulo trata da investigação empírica em Psicologia Ana‑ lítica, conceptualizando métodos e técnicas que podem ser em‑ piricamente implementadas, bem como especificando algumas investigações efectuadas até à data sobre a teoria elaborada por Jung. Uma das principais críticas académicas à Psicologia Ana‑ lítica prende-se com o facto de não estar empiricamente funda‑ mentada. No mesmo sentido, a natureza exótica de alguns fenó‑ menos descritos por Jung causam, de certa forma, um elevado cepticismo a um vasto número de investigadores (Limar, 2011). Este facto fundamenta o isolamento da Psicologia Jungiana das principais correntes na cultura académica, em detrimento não apenas da teoria de Jung, mas também da restante ciência. Em‑ bora muitos autores Jungianos tenham mencionado esta falha de confirmação empírica, as investigações científicas levadas a cabo em Psicologia Analítica continuam a ser escassas (Kee‑ nan, 2008). De facto, Jung não é particularmente conhecido pelas suas contribuições epistemológicas ou metodológicas. Pelo contrá‑ rio, é sobretudo conhecido pelo elevado número de inovações e contribuições tanto no campo teórico (e.g., inconsciente colec‑ tivo, arquétipos, entre outros) como psicoterapêutico (e.g., de‑ fendia a não rejeição do sintoma mas sim a busca do seu signifi‑ cado) (Papadopoulos, 2006). Todavia, Jung sempre fez questão em que os seus dados, obtidos a partir de observações clínicas, estivessem conformes com os princípios das ciências naturais (Limar, 2011). Apesar da investigação científica e metodológi‑ ca não ser uma área comummente associada a Jung, este capí‑ tulo pretende demonstrar que a escassez de investigação nesta temática não é necessariamente sinónimo de impossibilidade

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conceptual ou metodológica na implementação de estudos em‑ píricos. Pelo contrário, acreditamos que o aprofundamento des‑ ta temática poderá enriquecer substancialmente o debate neste campo. Dada a complexidade teórica de alguns conceitos presentes na teoria de Jung, a testagem de algumas hipóteses, nomeada‑ mente acerca de arquétipos e inconsciente colectivo, têm sido difíceis de implementar empiricamente (Rosen et al., 1991). No entanto, determinar a natureza de fenómenos conceptualiza‑ dos por Jung, como por exemplo sincronicidade, pode ter um impacto enorme na prática psicoterapêutica. De igual forma, a confirmação empírica das hipóteses de Jung porderia criar uma ponte entre a sua teoria e a fisiologia (Keenan, 2008). As‑ sim, este capítulo trata da investigação em psicologia analítica, iniciando por uma perspectiva do que tem sido a investigação empírica na psicanálise e passando para a investigação empí‑ rica Jungiana, não descurando as metodologias utilizadas por Jung no desenvolvimento da sua teoria. Desta forma, iremos descrever o que tem sido a investigação da teoria Jungiana e dos seus construtos, nomeadamente as pesquisas relativas ao inconsciente colectivo e seus arquétipos, as pesquisas relativas aos tipos psicológicos e à importância dos sonhos, bem como as pesquisas dirigidas a avaliar a eficácia da psicoterapia Jungiana e dos seus métodos. Por fim, daremos uma pequena perspectiva daquilo que poderá ser o futuro em termos de pesquisas no âm‑ bito desta teoria. Investigação em Psicanálise Neste subcapítulo temos o intento de, pelo menos em parte, dar enfoque àquilo que tem sido a pesquisa, não só na Tera‑ pia e Teoria Jungianas, mas, também, em grande parte das te‑ orias e terapias de pendor psicanalítico. No entanto, e antes de qualquer exposição, há que ter em conta o seguinte: a ânsia de pesquisa empírica no mundo psicanalítico é algo relativamente novo, contando com apenas 20 anos. Existia por isso, desde os

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tempos de Freud, a ideia na maior parte dos psicanalistas de que a pesquisa empírica seria de menor importância no contexto do que seria a psicanálise e, até, uma prática “antipsicanalítica”. A conclusão de que a psicanálise é uma disciplina autónoma que gera as suas próprias ferramentas de investigação levou a que, de uma forma implícita, o analista se sentisse autorizado a produzir explicações sobre o funcionamento da mente incons‑ ciente e do processo terapêutico sem a necessidade de construir, para isso, quaisquer ferramentas que verificassem a validade das suas hipóteses. Todavia, mesmo da parte de certos psicanalistas ortodoxos, existia uma ânsia para a investigação. Veja-se o caso de alguns estudos famosos, nomeadamente o Menninger Study, o Colum‑ bia Research Project e o Boston Psychoanalytic Prediction Stu‑ dy, isto apesar de muitos arguirem, ainda nos nossos dias, que os construtos psicanalíticos, por terem uma índole inconsciente, não são directamente observáveis, e que, um treino específico no âmbito da psicanálise é essencial para a sua correcta obser‑ vação, investigação e compreensão. Apesar da divergência de opiniões entre os psicanalistas e os psicoterapeutas analíticos, pensamos ser importante na consolidação da psicanálise como um todo, e no caso da psicologia analítica em particular, se prosseguir o caminho do estudo empírico das suas hipóteses. Mesmo conscientes que a realidade dos factos possa infirmar muitas das teorias e hipóteses psicanalíticas, é, no nosso enten‑ der, um imperativo científico, mas também ético, perceber se a forma como os psicanalistas vêem a realidade mental e a forma como as diferentes escolas da psicanálise conduzem as suas te‑ rapias, efectivamente funciona no mundo real. Só assim se poderá almejar, na linha daquilo que a psico‑ logia de pendor cognitivista tem vindo a fazer, a ganhar cre‑ dibilidade. Note-se por exemplo que, ao contrário das terapias cognitivo-comportamentais, as terapias de pendor psicanalíti‑ co não se encontram figuradas no livro de Medicina MERCK, nomeadamente na secção que diz respeito à saúde mental. É

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precisamente por existirem grandes evidências empíricas da efi‑ cácia da terapia cognitiva-comportamental que na comunidade médica, nomeadamente em publicações como o Manual Merck e Manual Harrison, existe consenso quanto à necessidade de utilização deste tipo de terapias, coisa que, de momento, não acontece com as terapias de inspiração psicanalítica. (Para uma revisão do estado da terapia Cognitiva aconselha-se o trabalho de Beck (2005)). Iremos agora referir-nos, em concreto, a alguns estudos que vão no sentido de confirmar a hipótese de que a terapia psico‑ dinâmica é eficaz no tratamento de algumas patologias psiquiá‑ tricas. A posição da psicoterapia Psicanalítica é controversa no mundo científico. Apesar de existir alguma evidência da eficá‑ cia da terapia psicodinâmica a curto prazo, a sua eficácia a lon‑ go prazo é bastante contestada e posta em causa. Vamos então verificar se o cepticismo é justo. Para isso, teremos em conta os estudos randomizados e controlados. Este tipo de estudo é a base para a confirmação da eficácia de uma terapia. Consiste, muito sucintamente, em utilizar uma amostra significativa que, aleatoriamente é enviada para um grupo experimental ou um grupo de controlo. No grupo experimental teremos os indivídu‑ os que serão submetidos à terapia. Já no que concerne ao grupo de controlo, este poderá ser sujeito a uma terapia placebo, uma terapia alternativa à que está a ser estudada ou, ao invés de exis‑ tir alguma intervenção, simplesmente pôr o grupo de controlo na wait-list, ou seja, sem existir qualquer intervenção da parte dos investigadores (Gleitman, Fridlund, Reisberg, 2007). Note‑ -se ainda que, no que diz respeito à aleatorização da amostra, esta é necessária visto que, sem ela, o grupo experimental está muito mais sujeito a factores externos à investigação, as chama‑ das variáveis parasitas. Faremos então um resumo sucinto dos estudos por nós conhe‑ cidos. Como é evidente, trata-se de uma apresentação genérica, pelo que, para melhor compreender a metodologia e conclu‑ sões dos estudos, é aconselhável a consulta do próprio estudo.

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O primeiro estudo que iremos apresentar foi realizado em 1999 por Bachar, Latzer, Kreitler e Berry. Neste estudo, foi posta em confrontação a terapia cognitiva com a terapia psicodinâmica a longo prazo, numa amostra com perturbações alimentares. A amostra era composta por 34 pessoas, tendo sido aleatoriamente divididas em dois grupos, 17 pessoas foram submetidas a psico‑ terapia psicodinâmica de longo prazo (12 meses, 40 sessões) e as restantes foram submetidas a 12 meses de Terapia cognitiva. Os instrumentos de medida foram: Symptomatology Scale for Anorexia and Bulimia; Eating Attitudes Test; Symptom Check List-90 (SCL-90) e o Selves Q. Os autores concluíram que a psicoterapia psicodinâmica era eficaz, verificando-se uma me‑ lhoria dos índices revelados pelos instrumentos de medida. Num outro estudo que incidia sobre uma população com anorexia nervosa, Dare, Eisler, Russell, Treasure & Dodge (2001), compararam 21 pessoas que receberam terapia psicodi‑ nâmica com 82 pessoas que foram submetidas a uma panóplia de intervenções terapêuticas variadas. Os instrumentos de me‑ dida utilizados neste estudo foram: O índice de massa corporal e a média de peso corporal, que sendo medidas com maior ob‑ jectividade, possuem, por isso, maior fiabilidade. Neste caso, a terapia psicodinâmica de longa duração teve efeitos benéficos na população em estudo, apesar de se tratar de uma amostra pe‑ quena. Iremos expor, ainda que brevemente, um estudo no qual foi utilizado o instrumento Ressonância Magnética Funcional para avaliar a eficácia terapêutica de uma terapia breve psicana‑ lítica em pacientes com Stress Pós-traumático. Contudo, antes de explicar em pormenor o estudo propriamente dito, é de todo o interesse explicar, em traços gerais, o que é a Ressonância Magnética Funcional e como funciona. Desde a descoberta de que os níveis de oxigenação do san‑ gue poderiam ser observáveis através da ressonância magnética funcional (fMRI) (Ogawa et al., 1992), que as suas aplicações ao nível de observação da estímulação cognitiva em huma‑ nos in vivo tem sido muito valorizada e utilizada (Kwong et

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al., 1992). As técnicas de imagiologia funcional têm verificado um aumento muito significativo na sua utilização no âmbito da investigação nas áreas das neurociências cognitivas. Desde a sua invenção no início dos anos 90 até ao fim de 2007 mais de 12.000 artigos foram publicados mencionando a palavra fMRI no abstract ou título e este número sobe a um ritmo de 30 a 40 artigos por semana (Poldrack, 2008). Ainda, de uma pesquisa que realizamos, verificou-se que existiam 260570 artigos com a expressão “fMRI” realizados até ao mês de Julho de 2010. De igual forma, muitos milhões de dólares estão a ser investidos em investigação utilizando a ressonância magnética funcional, pelo que artigos de alta qualidade estão a ser cada vez mais vis‑ tos pela comunidade científica, pois são publicados em revistas de grande visibilidade (Poldrack, 2008). Mais recentemente, investigadores têm utilizado a imagio‑ logia funcional com o objectivo de obter informação cada vez mais detalhada sobre a localização anatómica e funcional da actividade cognitiva no cérebro, fazendo avanços nas áreas téc‑ nicas, estatísticas e experimentais. Inevitavelmente, emergindo alguns problemas conceptuais que se verificaram com o avançar de todo este manancial de técnicas (Brett, Johnsrude & Owen, 2002; Rogers et al., 2006), sendo que entre estas questões con‑ ceptuais, levantou-se a dúvida de como interpretar da melhor forma os padrões de actividade cerebral. Tal como Mcintosh e Gonzalez-Lima (1994) e Horwitz, Mcintosh, Haxby e Grady (1995) afirmam, para uma maior compreensão do funcionamen‑ to cerebral é necessária a caracterização tanto de especialização funcional, como de integração dos vários módulos funcionais, enfatizando a necessidade de um funcionamento integral de to‑ das as áreas especializadas, para um funcionamento adaptativo do cérebro. No entanto, apesar das grandes contribuições que a imagio‑ logia funcional traz para a compreensão dos fenómenos psico‑ lógicos é necessário ter alguma cautela na análise dos dados. Veja-se o exemplo do hipocampo. Esta zona demonstrou estar

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bastante activa aquando de tarefas de condicionamento clássico (Knight, Smith, Cheng, Stein & Helmstetter, 2004). Porém, os dados provenientes de estudos de lesões nesta àrea cerebral não demonstraram qualquer défice no que toca ao condicionamen‑ to clássico (Gabrieli, Carrillo, Cermak, Mcglinchey-Berroth, Gluck & Disterhoft, 1995). Devido à natureza correlacional dos dados provenientes das neurociências experimentais, es‑ pecialmente as que envolvem realização de tarefas por parte dos indivíduos deveremos ter em atenção que correlação não implica causalidade (Gleitman, Fridlund & Reisberg, 2007). Por isso, tal como refere Poldrack (2008), unicamente se pode examinar a função cerebral de forma indirecta, através de es‑ tudos de lesões localizadas, ou directa, através da estimulação magnética transcraneal. Sendo que estas técnicas continuarão a ser cruciais para as neurociências cognitivas, é importante frisar que nenhuma técnica de obtenção de dados é infalível, pois o cérebro poderá ter várias formas de executar a mesma função, pelo que o estudo de múltiplas lesões poderá elucidar quais as diferentes redes neuronais que entram na realização da mesma função (Price & Friston, 1999). Contudo, e mesmo tendo em conta os estudos que à frente referiremos no que concerne aos substractos neuronais da fobia social, a investigação tem-se centrado na definição e análise de áreas específicas e especializadas, em detrimento de uma análi‑ se que englobe todo o sistema nervoso. Como Amaro e Barker (2006) referem, o método imagiológico usualmente utilizado no estudo da função cerebral é a ressonância magnética fun‑ cional (fMRI). Ao contrário do PET e do SPECT, a ressonância magnética funcional não necessita de qualquer introdução no organismo de qualquer marcador radioactivo, já que os corre‑ latos da actividade cerebral, medidos no fMRI são transferidos para o computador em diferenças de contraste denominadas de “efeito dependente de nível de oxigénio no sangue”, que está relacionado com diferenças magnéticas entre a oxihemoglobina e deoxihemoglobina. As mudanças hemodinâmicas são modu‑

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ladas por um paradigma, o qual é definido como de construção, organização temporal e predição comportamental de tarefas cognitivas executadas pelos sujeitos, durante a experiência de fMRI. Assim, o estudo sobre o qual o iremos incidir pertence a Beutel, Stark, Pan, Silbersweig e Dietrich (2010). Os autores utilizaram o paradigma de activação para avaliar a eficácia de uma terapia psicanalítica breve numa amostra de pessoas diagnosticadas com Stress Pós-traumático. Estes autores, por se terem apercebido do numero crescente de estudos com res‑ sonância magnética funcional que vinham, desde à muito, a demonstrar a eficácia das terapias cognitivo-comportamentais no funcionamento do cérebro (para uma revisão ver Linden (2006)), resolveram utilizar um metodologia similar à utilizada pelos investigadores da cognitivo-comportamental, com vista a verificarem se existia alguma alteração considerável no fun‑ cionamento do cérebro, que fosse derivada de uma forma de terapia psicodinâmica breve, baseada nos trabalho de Milrod, Leon, Busch, Rudden, Schwalberg, Clarkin, Aronson, Singer., Turchin, Klass, Graf, Teres & Shear (2007). Em linhas gerais, esta forma de terapia psicodinâmica breve consiste em três fases, a ser abordadas durante um programa intensivo de quatro semanas. A primeira fase consiste no tra‑ tamento do pânico agudo, através da avaliação e da enumera‑ ção dos conflitos psicodinâmicos; a segunda fase incide sobre o tratamento das vulnerabilidades que levam ao pânico, ou seja, através do trabalho dos conflitos na transferência e dos padrões relacionais conflituosos. Por fim, numa última fase, é feito um trabalho de conclusão no qual, no âmbito da transferência, são trabalhadas as questões relacionadas com a separação e a fúria. Esta foi, então, a terapia utilizada. Sendo o paradigma presente no estudo, o da activação, a ideia central era a de que os sujeitos, perante certos tipos de palavras com um teor emocional (Berth, 1998), teriam reacções emocionais que poderiam ser observáveis através da ressonân‑

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cia magnética funcional. Foram controladas variáveis como a idade, sexo e grau educacional tanto da amostra experimental como do grupo de controlo. O grupo experimental era com‑ posto, inicialmente por 12 pessoas com Stress Pós-Traumático, porém apenas nove fizeram o scan após a terapia. É preciso ter também em atenção que cinco destas pessoas estava a receber medicação psicotrópica em concomitância com a terapia, o que poderá comprometer os resultados. No que diz respeito ao gru‑ po controlo, era composto por 18 pessoas, com uma média de idades que rondava os 29 anos de idade. Após quatro semanas de terapia, foi realizado novo scan, para verificar se existia alguma diferença estatisticamente assi‑ nalável. Tal como na Terapia Cognitiva, existiu uma regulação da hiperactivação do sistema límbico, que anteriormente se en‑ contrava com um sobreactivação em relação ao grupo controlo, e na qual, além de se ter verificado a diminuição da actividade límbica perante o estímulo indutor de stress, verificou-se, tam‑ bém, o aumento da actividade pré-frontal, tal como se verifica‑ va na terapia cognitiva, o que vai de encontro a outros estudos de carácter experimental que foram sendo realizados, nomea‑ damente, em Gorman, Kent, Sullivan & Coplan, num estudo de 2000. Também os resultados dos instrumentos de auto-relato, no‑ meadamente o Agoraphobic Cognitions Questionnaire, o Body Sensations Questionnaire e o State-Trait Anxiety Inventory eram, estatisticamente falando, significativamente menores do que antes da terapia. Ou seja, de um ponto de vista subjectivo, as pessoas experienciaram menos sentimentos e cognições re‑ lacionadas com ansiedade. Este caso serve para ilustrar como poderão ser utilizados diferentes modos de confirmar uma hi‑ pótese, neste caso, tanto medidas de carácter biológico, como medidas de auto-relato. Apenas assim se poderá almejar a uma maior credibilização da eficácia de uma forma de terapia, seja ela qual for, junto da comunidade científica. Tendo descrito o ponto em que se encontram as investigações empíricas na psica‑

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nálise, passaremos em seguida à psicologia analítica, começan‑ do pela descrição da metodologia empírica que conduziu Jung ao desenvolvimento das suas teorias. Método empírico de Jung É notavelmente importante verificar que o percurso académico e profissional de Jung envolveu sérias investigações empíricas que fundamentaram alguns dos conceitos base da sua teoria. De facto, enquanto esteve no Hospital Burghölzli (entre 1900 e 1909), em Zurique, além do seu trabalho enquanto psiquiatra, Jung conduziu investigações pioneiras na esquizofrenia, utili‑ zando testes de associação de palavras. De igual forma, na sua pesquisa para a dissertação de doutoramento, Jung desenvolveu o seu método específico de observação participante, que acabou por tornar-se a sua abordagem característica em termos metodo‑ lógicos (Papadopoulos, 2006). Assim, enquanto trabalhou no Hospital Burghölzli (entre 1900 e 1909), sob a orientação do Professor Eugen Bleuler, fez parte de uma equipa de investigadores que estudaram condições psicóticas a partir de um ponto de vista não apenas académico, mas também clinico. Muitas inovações emergiram destas inves‑ tigações, mas a considerada mais importante terá sido o conceito de complexo (Papadopoulos, 2006). De forma mais específica, a metodologia utilizada por Jung, nomeadamente o teste de asso‑ ciação de palavras era usada, com o propósito de estudar a for‑ ma como os pacientes esquizofrénicos desenvolvem a sua per‑ cepção e conhecimento, no sentido de conceptualizar a forma como a “personalidade dividida” funciona. Assim, as respostas dos pacientes às palavras estímulo eram analisadas segundo di‑ versas categorias, nomeadamente semântica, fonética, sintácti‑ ca e gramatical. Com este método, era possível, experimental‑ mente, identificar essa divisão interna através da identificação de diversas temáticas que formavam buracos coerentes nas suas respostas. Mais concretamente, Jung descobriu nas respostas, que certos conjuntos de ideias e pensamentos, com um certo

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grau de carga emocional, formavam entidades distintas a que Jung chamou “complexos” (Papadopoulos, 2006). Assim, ao longo da sua vida, Jung procurou provar a exis‑ tência dos arquétipos e do inconsciente colectivo através da uti‑ lização de principalmente três métodos. Como vimos, primeiro usou o teste de associação de palavras para demonstrar extensi‑ vamente que vários complexos se formaram na psique. Segun‑ do, documentou a presença de símbolos arquetípicos na activi‑ dade mental inconsciente manifestada em delírios, alucinações e sonhos de pessoas que nunca foram expostas a tais símbolos, tanto por educação como por viagens. Por fim, Jung debruçou‑ -se acerca das semelhanças nos mitos e símbolos presentes em culturas tão díspares e com desenvolvimentos antagónicos e sem qualquer contacto entre si (Rosen et al., 1991). Tendo des‑ crito o percurso e metodologia utilizada por Jung no desenvol‑ vimento da sua teoria e na fundamentação dos seus construtos, em seguida iremos explanar o que tem sido feito em termos de investigação empírica relativamente à teoria Jungiana. Investigação do Inconsciente Colectivo e seus Arquétipos De uma forma sucinta, o inconsciente colectivo pode ser carac‑ terizado como o corpo de conhecimento com o qual todos os seres humanos nascem. Este conhecimento caracteriza-se por arquétipos, que representam formas inatas e universais de per‑ ceber o mundo (Groeppel-Klein, Domke & Bartmann, 2006). Rosen e colaboradores (1991) efectuaram uma investigação empírica acerca destas temáticas. Para os autores, associado ao inconsciente colectivo encontra-se uma memória arquetípica ou colectiva que tem a sua base na biologia, sendo o resultado de uma evolução psíquica que decorreu paralelamente à evolução física. Neste sentido, tentaram testar empiricamente a força da relação entre símbolos arquetípicos e o significado a eles atribu‑ ídos, tendo usado como metodologia a apresentação de listas de estímulos aos sujeitos participantes (Rosen et al., 1991).

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Esta investigação foi constituída por três experiências, sendo que duas (experiências I e II) testaram a metodologia utilizada e uma a hipótese orientadora da investigação, sendo a experiência principal (experiência III). Assim, em termos metodológicos, os autores construíram um instrumento que serviu para apresen‑ tação e associação dos estímulos simbólicos, nomeadamente o Association Symbol Index (ASI; Rosen et al., 1991). Este ins‑ trumento consiste em 40 símbolos e 40 palavras associadas, que indicam o significado arquetípico dos símbolos. Para a escolha dos símbolos, os autores utilizaram o Archive for Research in Archetypal Symbolism (ARAS), que é uma colecção online de mais de 14.000 fotografias de obras de arte e outros artefactos humanos, angariados para referência arquetípica através do seu conteúdo simbólico (Prochaska, 1984). Utilizando este instrumento, os autores efectuaram dois tes‑ tes de associações de símbolos, nomeadamente a experiência I, que foi um teste de associação simbólica livre, e a experiên‑ cia II, um teste de associação forçada. O propósito destas duas experiências foi o de verificar o conhecimento consciente dos itens e, dessa forma, verificar o possível viés cultural do instru‑ mento. Neste sentido, os autores pretendiam verificar se alguns dos símbolos eram reconhecidos por serem culturalmente co‑ nhecidos ou se eram conhecidos por serem arquetípicos, tendo concluído que os participantes na investigação (29 participantes em cada uma das experiências) tinham pouco ou nenhum co‑ nhecimento dos símbolos que constituíam o ASI, descartando desta forma o possível viés cultural da investigação. Na última experiência (experiência III), os autores previram que na apresentação de listas de estímulos (imagens e signifi‑ cado grafado), as imagens que representavam símbolos arquetí‑ picos seriam mais facilmente associadas aos seus significados. Desta forma, os autores acreditavam que sendo a apresentação dos estímulos uma correcta representação de conteúdos arquetí‑ picos, os sujeitos sem conhecimento prévio desses mesmos estí‑

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mulos deveriam aprender rapidamente o seu significado (Rosen et al., 1991). Para tal, os investigadores utilizaram uma amostra constituída por 235 alunos de psicologia, que não tinham parti‑ cipado em nenhuma das experiências anteriores. De facto, os resultados obtidos apontam precisamente para a confirmação desta hipótese, bem como da teoria Jungiana do inconsciente colectivo e da memória arquetípica (Rosen et al., 1991). De igual forma, a metodologia utilizada pelos autores desta investigação permite verificar, de forma empírica, cons‑ trutos tão abstractos e alheados do empirismo científico, como os conceitos Jungianos. De notar também que, embora Jung te‑ nha trabalhado extensivamente com o teste de associação de pa‑ lavras, nunca usou imagens ou símbolos nas suas experiências. Neste sentido, o teste de associação de símbolos aqui descrito e elaborado por Rosen e colaboradores (1991) é a extensão lógica do trabalho de Jung, abrindo portas a toda uma possibilidade de investigações nesta temática. Outro estudo que pretendeu verificar a influência do con‑ teúdo arquetípico no comportamento foi levado a cabo por Groeppel-Klein, Domke e Bartmann (2006) na área da publici‑ dade e do cinema. Os autores efectuaram um estudo utilizando uma pequena amostra composta por estudantes universitários, que pretendia verificar que influência exercem os arquétipos na avaliação consciente de anúncios, marcas e filmes, bem como uma aproximação inconsciente às reacções que esses mesmos anúncios, marcas e filmes provocavam na amostra. Segundo os autores, homens e mulheres reagem de forma semelhante à exposição. Neste sentido, utilizaram uma amostra composta por pessoas de ambos os sexos, tendo enfatizado a utilização de arquétipos dos contos de fada na perspectiva masculina e feminina. Assim, relativamente à perspectiva masculina, os au‑ tores utilizaram o arquétipo do herói, caracterizado pelos au‑ tores como sendo um homem que consegue ultrapassar todos os desafios na vida e capaz de resgatar uma infeliz ou amea‑ çada mulher. Na perspectiva feminina os autores utilizaram o

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arquétipo da Cinderela, a jovem, inocente e bonita mulher, que se encontra em dificuldades e é resgatada pelo galante príncipe que lhe promete uma maravilhosa vida livre de preocupações (Groeppel-Klein, Domke & Bartmann, 2006). Uma vez que os arquétipos têm uma função instintiva ou biológica, bem como uma função activadora do comportamen‑ to, de forma a verificar as reacções in(conscientes), os autores, mediram reacções electrodérmicas evocadas pela estimulação arquetípica. Nesta perspectiva, os autores acreditavam que a publicidade ou os filmes que fizessem uso de conteúdos arque‑ típicos típicos de contos de fada evocariam maiores reacções electrodérmicas do que a publicidade e os filmes que não fa‑ zem uso de tais arquétipos. Assim, para verificar este pressu‑ posto, Groeppel-Klein, Domke e Bartmann (2006) compararam inicialmente um anúncio de televisão arquetípico com quatro outros anúncios não arquetípicos, tendo verificado excitações fisiológicas significativamente mais elevadas no anúncio arque‑ típico. De igual forma, a popularidade de filmes com orientação ar‑ quetípica é particularmente relevante neste contexto. Os filmes que retratam figuras marcadamente arquetípicas criam ícones vivos que são usados pelos consumidores como importantes ân‑ coras pessoais (Hirchman, 2000; cit in Groeppel-Klein, Domke & Bartmann, 2006). Assim, numa segunda experiência para examinar empiricamente esta questão, os autores compararam o filme “Pretty Woman”, que utiliza o arquétipo da Cinderela, ao filme “Gone With the Wind”, que apresenta a personagem feminina principal como uma mulher fria e corajosa. Os resul‑ tados demonstraram que o filme que apresentava o arquétipo da Cinderela evocava maior excitação fisiológica além de uma atitude mais positiva face ao filme por parte das mulheres. Es‑ tes resultados são fundamentais para a teoria dos arquétipos de Jung, pois demonstram claramente a influência e o impacto dos arquétipos nas pessoas.

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Investigação dos Tipos Psicológicos A teoria dos Tipos Psicológicos de Jung tenta categorizar as pes‑ soas relativamente aos seus modos primários de funcionamento psicológico e baseia-se no pressuposto de que existem diferen‑ tes funções e atitudes da consciência. As funções da consciência referem-se às diferentes formas com que a mente consciente pode apreender a realidade. Segundo Jung (1971), estas funções são a Sensação, Intuição, Pensamento e Sentimento. Estas qua‑ tro funções organizam-se em dois pares de opostos, nomeada‑ mente as duas funções perceptivas (não racionais) Sensação-In‑ tuição, e as duas funções de julgamento (racionais) Pensamen‑ to-Sentimento. Para Jung (1971), qualquer função que domine a consciência terá o seu oposto reprimido, sendo por essa forma característico do funcionamento inconsciente. Juntamente com a função dominante, as pessoas têm geralmente uma auxiliar (ou secundária), do par oposto ao par da função dominante. De igual forma, Jung (1971) referiu a existência de duas ati‑ tudes da consciência, Introversão e Extroversão que caracteri‑ zam o funcionamento da pessoa. Tal como nas funções da cons‑ ciência, a atitude dominante da consciência terá a sua oposta reprimida e caracterizando o seu funcionamento inconsciente. De forma a obter uma descrição completa do tipo psicológi‑ co de uma pessoa, a teoria de Jung refere-se tanto às funções como ao tipo de atitude. Actualmente existe um instrumento de avaliação psicológica que serve para verificar a tipologia da personalidade das pessoas, de acordo com a teoria Jungiana, nomeadamente o Myers-Briggs Type Indicator (MBTI; Myers & McCaulley, 1985). Em termos de investigação empírica, muito pouco foi ex‑ plorado relativamente aos tipos psicológicos, no entanto uma investigação foi importante relativamente à conceptualização do mencionado instrumento. Assim, Coolidge e colaboradores (2001) efectuaram um estudo cujo objectivo foi o de determinar em que sentido a teoria dos tipos psicológicos de Jung, tal como operacionalizada pelo Myers-Briggs Type Indicator (Myers &

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McCaulley, 1985), se relaciona com as perturbações da perso‑ nalidade, como operacionalizadas pelo Coolidge Axis II Inven‑ tory (CATI; Coolidge, 1993, cit in Coolidge et al., 2001). Para tal, os autores utilizaram uma amostra constituída por 332 adultos a quem aplicaram ambos os instrumentos, tendo concluído que o MBTI tem um valor heurístico na compreensão das perturbações da personalidade. Estes resultados são extre‑ mamente importantes, dado que a utilização prévia do MBTI foi predominantemente no âmbito de uma medida de avaliação dirigida a amostras não clínicas. Este estudo sugere que o MBTI pode também ser uma ferramenta útil em contexto clínico já que os autores conseguiram correlacionar as tipologias jungia‑ nas (medidas pelo MBTI) com perturbações da personalidade (medidas pelo CATI) (Coolidge et al., 2001). Todavia, algumas limitações desta investigação devem ser mencionadas. Apesar de importante, o mencionado estudo é limitado por uma amostra não-clinica de conveniência. De igual forma, os tipos jungianos não foram verificados por ou‑ tro instrumento que não o MBTI, assim como as perturbações da personalidade não foram verificadas com outro instrumento além do CATI. No mesmo sentido, ambos os instrumentos uti‑ lizados são de auto-relato. Apesar desse facto, esta investigação demonstra, por um lado, a importância da teoria dos tipos psico‑ lógicos de Jung em contexto clínico e, por outro, abre as portas a futuras investigações nesta temática, apontando para a utiliza‑ ção de medidas adicionais de avaliação, tais como instrumentos de hetero-relato ou entrevistas clínicas. Investigação dos Sonhos Os sonhos são um componente importantíssimo e estrutural em toda a teoria Jungiana. Uma hipótese central em Jung era a de que o conteúdo dos sonhos, embora culturalmente e individual‑ mente afectado, reflecte fielmente não apenas o estado interior do sonhador, mas também as suas mudanças interiores ao longo da vida, tanto físicas como psicológicas. A investigação empíri‑

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ca desta temática é extremamente complexa, no entanto Keenan (2008) propôs uma metodologia dirigida precisamente a inves‑ tigar empiricamente essa hipótese central de Jung relativamente aos sonhos. Para tal, o investigador aponta a metodologia elabo‑ rada por Chalmers (1999, cit in Keenan, 2008), que diz respeito à observação partilhada, como podendo ser um método válido. A observação partilhada, tal como proposta por Chalmers, va‑ lida um novo e pouco testado método de observação, baseado num antigo método de observação utilizado ao longo do tempo, em ciência. De facto, a observação partilhada foi utilizada por Galileu para validar dados telescópicos quando os seus contemporâneos críticos acreditavam que os dados telescópicos eram ilusórios. Outro exemplo da sua utilização remete-nos para a Segunda Guerra Mundial, quando o radar ainda estava a ser desenvol‑ vido, tendo a observação partilhada sido utilizada para validar as primeiras utilizações do radar com propósitos terrestres (Co‑ nant, 2002, cit in Keenan, 2008). De igual forma, logo após a Segunda Guerra Mundial, a observação partilhada foi utilizada para validar dados celestiais de rádio-telescópios. A utilização de radar para a observação do espaço era nessa altura, ainda um novo e não testado método de observação. Para Keenan (2008), a utilização do conteúdo dos sonhos por Jung para observar o estado interior dos indivíduos, encontra-se na mesma categoria de métodos novos e não testados, quando visto a partir de uma perspectiva puramente científica. Assim, de uma forma concreta, na observação partilhada dois conjuntos de dados são adquiridos, um a partir de um an‑ tigo, estabelecido e fiável método e outro conjunto de dados é obtido a partir de um método de observação ainda não testa‑ do. Os dois conjuntos de dados são adquiridos a partir de um objecto assumido como podendo integrar-se na sobreposição dos dois métodos. Desta forma, a mesma metodologia de obser‑ vação partilhada pode ser usada para validar dados de sonhos, colocando-os juntamente com dados já encontrados e válidos

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através de questionários. Se ambos os métodos se correlacio‑ nam repetidamente, validará o conteúdo dos sonhos como da‑ dos concretos para determinar o estado interior do sonhador em termos empíricos e objectivamente válidos (Keenan, 2008). Através desta metodologia, o autor propõe uma simples mo‑ dificação de uma experiência levada a cabo por Natasha Spen‑ cer e colaboradores, publicada num jornal médico em 2004 (Keenan, 2008). A investigação de Spencer mostrou que o de‑ sejo sexual em mulheres férteis aumentava quando estas eram expostas a exócrinas humanas ou compostos de amamentação, quando comparadas com um grupo de controlo exposto a pla‑ cebos. Nessa experiência, o desejo sexual foi medido através de um questionário. Nenhum aumento significativo foi encontrado no grupo de controlo, no entanto, no grupo experimental, mu‑ danças significativas ocorreram de facto, manifestando-se no aumento da fantasia sexual nas mulheres sem parceiros sexuais e no aumento da actividade sexual nas mulheres com parceiro, durante os dois meses de exposição. As modificações específicas da experiência de Spencer pro‑ postas por Keenan consistem no facto de as participantes escre‑ verem os seus sonhos durante um período de 90 dias. Nos pri‑ meiros 30 dias seriam todas expostas a um placebo e nos restan‑ tes 60, as participantes do grupo de controlo seriam expostas a exócrinas humanas ou compostos de amamentação, enquanto as participantes do grupo de controlo continuariam com os place‑ bos. Um questionário relativo aos níveis de desejo sexual expe‑ rienciados pelos sujeitos seria a principal ferramenta objectiva. O novo método, ainda não testado seria implementado através do conteúdo dos sonhos, que seriam registados num diário de sonhos por cada participante, durante os 90 dias de duração da experiência. Os dados de ambas as fontes, uma consciente e outra incons‑ ciente, são então comparados (Keenan, 2008). Esta metodolo‑ gia permite uma aproximação da psicologia analítica a factores biológicos que possam fundamentar diversos aspectos da teoria

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Jungiana, no entanto possui diversas falhas, nomeadamente a enfâse na subjectividade e na utilização de medidas não com‑ provadas de observação. Apesar deste facto, a sua importância é notável e constitui o primeiro passo na investigação de temá‑ ticas tão complexas como os sonhos na perspectiva Jungiana. Investigação em Psicoterapia Jungiana Uma componente importante de toda a teoria Jungiana, assim como de todas as grandes teorias acerca do funcionamento psi‑ cológico, prende-se com a sua aplicabilidade prática, nomea‑ damente com os benefícios clínicos que possam advir da sua utilização em contexto terapêutico. De facto, toda a teoria de Jung gira em torno da sua aplicabilidade prática, sendo funda‑ mentada pelos casos clínicos que por ele passaram. No entanto, e contrariamente à psicanálise Freudiana, a psicoterapia Jungia‑ na não conta com muitas investigações acerca da sua eficácia em termos empíricos. As razões para esta escassez de pesqui‑ sas incluem a longa duração dos casos de estudo e os elevados custos envolvidos, bem como as dificuldades metodológicas envolvidas na investigação em contexto privado. Actualmente, as psicoterapias psicanalíticas, entre elas a Jungiana, têm sido pressionadas a facultar evidências convincentes da sua eficácia. O estudo de Keller e colaboradores (1998) é um esforço para colmatar essa falha relativamente à psicoterapia Jungiana. No estudo de Keller e colaboradores (1998), chamado Estudo de Berlin, os autores procuraram provar a eficácia das análises de longo-termo (mais de 100 sessões) na prática de tratamento e examinar a estabilidade dos resultados do tratamento no tem‑ po (follow-up de 6 anos após a conclusão da terapia). De igual forma, tiveram como objectivo a avaliação de alguns aspectos relacionados ao custo-benefício da terapia Jungiana e a imple‑ mentação de estratégias de pesquisa na área do tratamento psi‑ coterapêutico, tendo em vista os seguros, uma vez que toda a investigação foi patrocinada por companhias de seguro que ten‑ tavam verificar as psicoterapias com um melhor custo/benefício.

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Em termos metodológicos, os autores contactaram todos os membros da Sociedade Alemã de Psicologia Analítica (German Society for Analytical Psychology – DGAP) da altura, cerca de 223 membros, convidando-os a participar na investigação, ten‑ do recebido uma resposta afirmativa de 55 membros (24.9%). Com base nas suas notas clinicas, os terapeutas participantes documentaram todos os seus casos (incluindo os desistentes) que terminaram entre 1987 e 1988. Completaram um questio‑ nário básico relativo a dados clínicos e sociodemográficos, bem como características do setting no início da terapia e fornece‑ ram uma avaliação retrospectiva global do estado dos seus pa‑ cientes no final da terapia. (Keller et al., 1998). Em 1994, 111 antigos pacientes, que haviam terminado a psicoterapia em 1987 ou 1988 e aceitaram participar no estudo, receberam um questionário de follow-up que incluía medidas de satisfação de vida, bem-estar, funcionamento social, traços de personalidade, problemas interpessoais, utilização de cuidados de saúde, juntamente com alguns testes psicométricos (SCL-90‑ -R, VEV, Gieben-Test). Em 33 casos (na região de Berlim), uma entrevista de follow-up foi levada a cabo e o estado de saúde actual foi avaliado por dois psicólogos independentes treina‑ dos em psicanálise Jungiana. Adicionalmente, dados objectivos acerca da utilização de serviços de saúde, foram obtidos a par‑ tir dos registos de companhias de seguros (número de dias de abstinência relacionados com doença) no período de cinco anos antes e depois da terapia. (Keller et al., 1998). Em termos de resultados, comparando o estado antes da te‑ rapia e 6 anos após o termo do tratamento, 70-94% dos antigos pacientes relataram boas ou muito boas melhorias relativamen‑ te à angústia física ou psicológica, ao bem-estar geral, satis‑ fação de vida, desempenho no trabalho e relações familiares bem como o funcionamento social. Este facto levou a que os autores concluíssem que a psicoterapia de longo-prazo é mais bem-sucedida que a de curto-prazo (Keller et al., 1998). Estes resultados são extremamente importantes, no entanto devem

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considerar-se algumas limitações na metodologia empregue pe‑ los autores. De facto, verificou-se que a psicoterapia Jungiana é eficaz, todavia, essa eficácia foi verificada com base num nú‑ mero de diferentes perspectivas e critérios de sucesso aplicados a uma amostra seleccionada e não necessariamente representa‑ tiva. De igual forma, o mencionado estudo trata da avaliação da eficácia, no entanto não utiliza um grupo de controlo para se poder comparar as diferenças entre um grupo que passa pela psicoterapia Jungiana e outro que não passa. Apesar destas limitações, os dados obtidos fornecem argu‑ mentos convincentes acerca da eficácia da psicoterapia Jungiana e é incontornável a sua importância num contexto de investigação Jungiana. De facto, mesmo após 5 anos, as melhorias no estado de saúde dos pacientes e na sua atitude perante a doença parece ter resultado numa redução mensurável da utilização dos segu‑ ros de saúde (abstinência devido à doença, dias de internamento hospitalar, visitas ao médico e consumo de fármacos). Este facto sugere que a psicoterapia Jungiana está relacionada com uma re‑ dução dos cuidados de saúde e dos custos relacionados, demons‑ trando a importância que a sua investigação empírica tem. Um outro estudo tendo em vista a avaliação da eficácia na psicoterapia Jungiana foi implementado por Posse (2004). O autor pretendeu verificar a aplicabilidade e eficácia desta terapia em casos de somatização, tendo utilizado uma pequena amos‑ tra de 10 pessoas com problemas de alextimia ou pontuações elevadas em somatização nos cuidados de saúde primários. A psicoterapia Jungiana foi implementada durante seis meses e, contrariamente ao estudo anteriormente mencionado, Pos‑ se (2004) utilizou um grupo de controlo que não foi sujeito à psicoterapia para comparar os resultados em ambos os grupos. Apesar da pequena amostra e da impossibilidade de se poderem tirar conclusões definitivas desta investigação, os resultados a que Posse (2004) chegou levam-no a considerar a psicoterapia Jungiana como um tratamento viável, capaz de envolver os pa‑ cientes numa relação terapêutica de confiança.

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Por fim, iremos também mencionar um estudo não apenas relativo à eficácia da psicoterapia Jungiana, mas dirigido pri‑ meiramente à avaliação da eficácia de algumas estratégias espe‑ cíficas da psicoterapia Jungiana. Henderson, Rosen e Mascaro (2007) efectuaram uma investigação empírica com o propósito de verificarem os benefícios da utilização das mandalas, nome‑ adamente a sua criação, no processamento de eventos traumá‑ ticos em pacientes com perturbação de stress pós-traumático. As mandalas foram usadas pela primeira vez por Jung, que considerava que o acto de desenhar mandalas tinha um efeito calmante nos pacientes, enquanto ao mesmo tempo facilitava a integração psíquica. Os autores mediram os benefícios da uti‑ lização da mandala através das mudanças nas variáveis de sin‑ tomas da perturbação, sintomas depressivos, ansiedade, signifi‑ cado espiritual e frequência de sintomas físicos e doenças. Tal como no estudo anterior, também esta investigação teve grupo de controlo, sendo que somente os participantes pertencentes ao grupo experimental utilizaram as mandalas. Em termos de resultados, os participantes do grupo experi‑ mental relataram grandes diminuições nos sintomas do trauma ao fim do primeiro mês, após a intervenção, não se tendo ve‑ rificado mais nenhuma diferença estatisticamente significativa entre os grupos (Henderson, Rosen & Mascaro, 2007). Esta investigação tem um cariz importante não pelo facto de ava‑ liar a eficácia da intervenção, mas pela concreta avaliação que faz de uma estratégia interventiva, nomeadamente a utilização da mandala. Este facto torna-se importante na medida em que não só podemos ter acesso a investigações que confirmam a importância e eficácia da psicoterapia Jungiana, mas podemos verificar também que algumas estratégias criadas por Jung, tendo em vista apenas a componente prática e terapêutica da sua teoria, podem ser empiricamente testadas e a sua eficá‑ cia ser cientificamente comprovada. Neste sentido, pode-se abrir a porta a inúmeras investigações relativas não apenas à psicoterapia em si, mas também a estratégias terapêuticas, ao

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setting terapêutico, à relação entre analista e analisando, entre outras. Perspectivas futuras Como vimos, apesar de pouco numerosos, já começam a existir estudos no âmbito psicodinâmico que têm como objectivo veri‑ ficar a eficácia das terapias. Curiosamente, tanto a metodologia, como os instrumentos de medida, são os utilizados na Psicolo‑ gia Experimental convencional. Também, o facto de estarem a ser usados paradigmas de activação e a utilização de métodos não-invasivos de observação da actividade neuronal, nomea‑ damente a ressonância magnética funcional ou a medição de reacções electrodérmicas, vêm dando, gradualmente, credibi‑ lidade às práticas Psicanalíticas no seio académico. Assim, o ideal seria existir um estudo abrangente no qual, numa amostra suficientemente grande, utilizando a aleatorização, existindo um grupo controlo e utilizando medidas tanto de auto-relato, como de carácter biológico (e.g., fMRI), se pudesse testar, com maior precisão, a eficácia da Terapia Jungiana numa população com determinada psicopatologia diagnosticada. Como é óbvio, existem alguns entraves à realização de um intento deste género. Nomeadamente financeiros, já que é pre‑ ciso ter em conta que tal estudo envolveria várias dezenas de analistas e centenas de analisandos. Por outro lado, a utiliza‑ ção de alguns dos instrumentos de medida comportam custos exorbitantes, assim como logísticos, uma vez que seria preciso uma grande organização para conseguirmos implementar algo do género, além de que, seria preciso uma grande harmonização nos instrumentos de medida utilizados. Apesar de todas estas li‑ mitações e a partir da realização deste artigo, verificamos que a implementação de investigações empíricas em Psicologia Ana‑ lítica é viável, pelo menos no que concerne a estudos iniciais que abrem a porta a pesquisas mais aprofundadas no sentido de verificar empiricamente a teoria Jungiana e os seus construtos. Assim, é possível operacionalizar investigações preliminares

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que testem hipóteses relacionadas com o inconsciente colec‑ tivo, com os arquétipos e com os tipos psicológicos tal como descritos por Jung. De igual forma, é possivel, embora metodo‑ logicamente complexo e moroso, efectuar pesquisas para com‑ provar empiricamente o impacto da psicoterapia de índole ana‑ lítica, bem como de estratégias utilizadas no âmbito terapêutico Jungiano, nomeadamente os sonhos ou outras técnicas dirigidas a funções terapêuticas específicas. Bibliografia Amaro, E., & Barker, G. (2006). Study design in fMRI: basic prin‑ ciples. Brain Cognition, 60 (3):220–232. Bachar, E., Latzer, Y., Kreitler, S., Berry, E. (1999). Empirical com‑ parison of two psychological therapies: self psychology and cogni‑ tive orientation in the treatment of anorexia and bulimia. J Psycho‑ ther Pract Res., 8(2):115-128. Beck, A. (2005). The current state of Cognitive Therapy. Archives of General Psychiatry, 62: 953-959. Berth, H. (1998). Das Dresdner Angstwörterbuch (DAW). (OnlineDocument). Http:// rcswww.urz.tu-dresden.de/berth/daw/daw. html1998. Beutel, M., Stark, R., Pan, H., Silbersweig, D., & Dietrich, S. (2010). Changes of brain activation pre-post short-term psychodynamic inpa‑ tient psychotherapy: An fMRI study of panic disorder patients. Psy‑ chiatry Research: Neuroimagingm, 184:96–104. Brett, M., Johnsrude, I., & Owen, A. (2002). The problem of func‑ tional localization in the human brain. Nature Reviews Neuroscience, 3(3):243–249. Coolidge, F., Segal, D., Hook, J., Yamazaki, T., & Ellett, J. (2001). An Empirical Investigation of Jung’s Psychological Types and Personal‑ ity Disorder Features. Journal of Psychological Type, 58: 33-36. Dare, C., Eisler, I., Russell, G., Treasure, J., & Dodge, L. (2001). Psy‑

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- Theatre as Symbolic Enactment of the Struggle for Power: Reflections on The Seagull, by Anton Chekhov Armando Nascimento Rosa Being the first of the four major plays that brought everlasting influence to its author, The Seagull (1896), by Anton Chekhov, contains an aesthetical treatise on literary art, disguised within its dramatic form. The play depicts the clash between two rather different attitudes towards artistic creativity. Through the interaction of its characters, we can outline the fierce struggle for power concerning these antithetic positions. From one side, we have Treplev, the anguished and insecure, yet idealistic young writer, who dreams with new artistic forms in drama, with aims much alike those addressed by the Symbolist movement. On the other side we face Arkadina, his mother, the prototype of a narcissistic stage diva on the mainstream theatre of the time, together with Trigorin, the well succeeded and famous writer, representing a conventional and pragmatic profile of a mature fictionist who, nevertheless, would prefer to spend his days fishing at the lake, than doing what his compulsive urge to write imposes him to do in a in a realistic mode of mimesis. Both these views exposed by Chekhov’s play will be confronted with Jung’s differentiation between psychological art and visionary art, interpreting art as knowledge of the psyche. Key words: dramatic aesthetics; Chekhov and Symbolist theatre; psychological art; visionary art

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«A dramatist will always provide stimulus if he [or she] effectively illuminates in a new way some aspect of the human condition neglected by his [or her] predecessors.» Ronald Hingley, Introduction to Five Plays by Anton Chekhov «Psychology and aesthetics will always have to turn to one another for help, and the one will not invalidate the other. It is an important principle of psychology that any given psychic material can be shown to derive from causal antecedents; it is a principle of aesthetics that a psychic product can be regarded as existing in and for itself. Whether the work of art or the artist himself is in question, both principles are valid in spite of their relativity.» Carl Gustav Jung, The Spirit in Man, Art and Literature

It won’t be an exaggeration to say that The Seagull (1896), by Anton Chekhov, is a turning point in Western drama. One reason I would like to recall for its importance is the fact that this masterpiece is the powerful seed which enables the beginning of a process of research towards a new poetics for the actor on stage; in that precise moment when Stanislavsky confronts himself with the need to enact the resourceful yet not conventional theatre that was hidden in such a peculiar play, composed by a well gifted short story writer, where the real action takes place mainly in the inner living psyche of its characters. The impressionistic plot of having a group of people, most of them linked by family ties, gathered around a lake in rural Russia, at the end of the nineteenth century, seems like a pretext to show deeper turmoil and motivations that escape the conscious awareness of these individuals. Thus it doesn’t surprise to know that the first clumsy attempt to put The Seagull on the scene, at St. Petersburg (1896), had

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been an artistic and public failure that was almost about to shy Chekhov away from playwriting. Following the wise and persistent advice of Nemirovich-Danchenko (who saw the performance at St. Petersburg and loved the innovative quality of the text), the play will be brilliantly rediscovered to the stage by Stanislavsky two years later at his Moscow Art Theatre, as well as it will be pivotal for Stanislavsky himself to discover his own experimental, researching path. Making use of a philosophic analogy, one may say that Chekhov is the Socrates of Stanislavsky, operating with the latter through the medium of The Seagull, by helping to give birth to the most influential (even when contradicted) modern methodology of the art of acting: the so-called system of Stanislavsky. Being the first of the cycle of four major plays that asserted the distinctiveness of its author’s unique style, The Seagull differs from the other «younger sisters» (Uncle Vanya, Three Sisters, and The Cherry Orchard) because it contains a treatise on drama aesthetics, disguised within its theatrical form. The play depicts the clash between two rather different attitudes towards artistic creativity. We can outline the fierce struggle for power concerning these apparently antithetic positions, embodied in Treplev and Trigorin, the two living portraits of writers in the play; although the clash turns to be more vivid through the opposition between Treplev and his mother Arkadina, most definitely the central conflict of the whole play. From one side, we have Treplev, the anguished and insecure, yet idealistic young writer, who dreams with new artistic forms in drama, and is animated by aims much alike those addressed by the Symbolist movement, as it is shown in Treplev’s poetic and prophetic play presented to a domestic audience, which would be certainly an excellent example for what Jung defines as visionary art, nourished by the collective unconscious and flourishing from its heights and abysses. On another side, we face Trigorin, the well succeded and

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famous writer, representing a conventional and pragmatic profile of a fictionist who, nevertheless, would prefer to spend his days fishing at the lake, than doing what his compulsive urge to write imposes him to do, in a realistic mode of mimesis. Trigorin is indeed constantly compelled to make annotations in his precious notebook concerning things he observes on the human and physical landscape, or occurrences in daily conversations; hence he gathers material he will use later in his tales and novels. His writing methods can be a fine illustration of Jung’s conception of a psychological art, dominated by the ruling laws of consciousness, constellated within the narrow confinements of the ego. According to the biographer Donald Rayfield, the use of such an inseparable notebook was a characteristic of Chekhov himself that he would project on Trigorin’s behaviour. But the superficial Trigorin (who doesn’t understand a thing from Treplev’s play, as he tells Nina) is no self-portrait of his author. The same can be said of Treplev. Unlike Strindberg, Chekhov is a superb representative of that Shakespearean category of dramatic author who disseminates himself within the multiplicity of faces that will never portray his own. Even so, we are always more inclined to see a bit of the author consciously projected, as a painter’s signature, in the medical doctors of his plays, although there may lie another trap to mistake the reader/spectator. Anyway, the character of Dorn, the physician of The Seagull, with a well deserved fame of Don Juan (another self-mocking echo of the author himself), is a lucid analyst of Treplev’s writing, and produces some remarkable - though sententious - considerations (never forget the trickster’s humour of Chekhov on every subject he treats). Dorn affiliates Treplev’s views to a Platonic aesthetics, eager to reach the mimesis of the archetypal realm of Ideas. See how Dorn ends his reflections here with a rather serious advice addressed to an inattentive Treplev, who doesn’t seem to hear him at all, since he has only Nina on his mind. Dorn defends the call to a conscious mastery of the

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artist towards the process of his (unconscious) drive to creation, in order not to be destroyed by the autonomous complex, Jung would say, that can make someone an artist. The creative faith provided by the artist’s inspiration must turn itself into a kind of gnosis: the artist’s knowledge. With a powerful tragic irony, the following last words of the physician may diagnose in advance something which will eventually take place in Treplev’s psyche. DORN: (…) Now, my point is this. You took your plot from the realm of abstract ideas, and quite right too, because a work of art simply must express some great idea. Nothing can be beautiful unless it’s also serious. I say, you are pale. TREPLEV: So you don’t think I should give up? DORN: No. But you must describe only the significant and the eternal. As you know, I’ve lived a varied life and enjoyed myself, I’m satisfied. But if I’d ever experienced the uplift that an artist feels when he’s creating, I think I’d have scorned my material environment and all that goes with it, and I’d have taken wing and soared away into the sky. TREPLEV: I’m sorry, where’s Nina? DORN: And then a work of art must express a clear, precise idea. You must know why you write, or else – if you take this picturesque path without knowing where you’re going you’ll loose your way and your gifts will destroy you. (Chekhov, 1998, p. 80) It is indeed symptomatic the way Chekhov presents the Symbolist author in this play: as a young man of twenty-five years old, son of an idolized actress, Arkadina, a narcissistic diva who has a distressful relationship with him, since she is not able to show a real affection for her troubled and talented

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son. In Sally Porterfield’s words, Arkadina is a monster, another devouring mother who would happily eat her young in order to secure her own happiness. (Porterfield, 2004, p. 177) To add more to their mother-son conflict, Arkadina maintains a love affair with writer Trigorin, who is in his early thirties, thus a little older than her own son. Treplev abandoned university in the third year and came back to live on the countryside at his uncle’s farm, while her mother, the stage star, lives apart from him in Moscow or wherever her theatre tours leads her. Hence Treplev is financially dependent from his relatives. We know too briefly that his father, who was also an actor, already passed away. We may only guess if Chekhov, the great ironist, took some inspiration from the conflict between mother and son that was widely known to happen between Schopenhauer, the German philosopher, and her mother, a social celebrity in her time who wrote light entertaining love stories. What we can be sure is that the play contains a crossed dialogue with some motifs of Hamlet, the play and the personage. Not only Treplev and Arkadina quote some lines of Shakespeare in one of their dialogues, and even have a scene alone that reminds, ironically, the bedroom scene between Gertrude and Hamlet, two aspects highlights, in my point of view, this intertextuality: the strong presence of the theatre within the theatre (Treplev’s play performed by Nina), resembling the hamletian model; and the melancholic type of Treplev’s psychological profile. Initially, Chekhov had the intention to use Treplev’s name for the title of the play (as he did with his previous, less mature full-length dramas: Platonov, and Ivanov), as a resonance of the logic for the name Hamlet in the title of Shakespeare’s work. However, although Treplev is also a rather intellectualised character, not a haunted prince but a haunted aspiring writer, Chekhov makes him act out the destiny of the Shakespearean Ophelia. The Russian author inverts the gender of the suicidal character for it is Treplev who kills himself at the end of the play, instead of Nina, the young aspiring actress with whom

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Treplev is desperately in love, while she doesn’t correspond to his feelings, enchanted as she becomes to be with Trigorin, the successful writer. Trigorin is not only an aesthetical opponent to Treplev, but he is also his absolute rival man who keeps under his seducing charms the two women of Treplev’s life: his mother and his short term girl friend Nina, with whom Trigorin will join for a short and disastrous marital life. As a matter of fact, The Seagull plays all the time with the self destructive power of unrequited love, dealing with the pathetic effects of loving the wrong person among the emotional alignment of its several human masks. The tragedy of Treplev is also a son’s unconscious demand to love a mother who happens to be a purely negative influence exerted on him. But since the son is a playwright and the mother is an actress, we can extract important elements of aesthetical discussion from this central struggle. Art, in the forms of theatre and literature, is embroiled with the life of each one of these characters; something that is visible, for instance, in the dialogue between Treplev and Nina right before the performance of his play. Nina throws upon Treplev’s face how she dislikes his artistic choice as a writer to be. She both shows her misunderstanding towards the text she’s about to perform, as well as her puerile fascination over Trigorin. In the play’s struggle, Treplev doesn’t have Nina’s support. What this country girl aims is simply to belong to the dominating mainstream sphere where Arkadina and Trigorin reign. TREPLEV: (…) Run along then – you’ll find everything ready. Nervous? NINA: Yes, terribly. I don’t mind your mother, I’m not afraid of her, but Trigorin’s here. To have him in the audience – I’m just a bundle of nerves. A famous writer! Is he young? TREPLEV: Yes.

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NINA: His stories are marvellous, aren’t they? TREPLEV: (coldly). I don’t know, I’ve never read them. NINA: Your play’s hard to act, there are no real living people in it. TREPLEV: Living people! We should show life neither as it is not as it ought to be, but as we see it in our dreams. NINA: There’s not much action, it’s just a lot of speeches. I think a play really needs a love interest. (Chekhov, 1998, p. 72) The opposition between what we could call a conventional or commercial art and an experimental one, for which public accessibility is more demanding, begins to be presented by Treplev’s virulent criticism towards his mother Arkadina, in the second scene of act one, when he is speaking with his uncle Sorin. After claiming that she doesn’t care for him and that he is a «constant reminder that she’s not so young as she» (..) would like to be seen, the target of his words will be the trivial, predictable banality, of a naturalistic theatre made of clichés where his mother exercises her art; an art with which he can not identify himself. And it is noteworthy that Arkadina, in the theatre acting, and Trigorin, in literature, are two faces of the same coin in what concerns the interplay between art and society. Both represent what Treplev abhors in the struggle of different worldviews in the play - a conservative and an innovative one. TREPLEV: (…) [S]he knows I’ve no use for the theatre. She adores the stage. Serving humanity in the sacred cause of art, that’s how she thinks of it. But the theatre is in a rut nowadays, if you ask me – it’s so one-sided. The curtain goes up and you see a room with three walls. It’s evening, so the lights are on. And in the room you have these geniuses, these high priests of

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art, to show you how people eat, drink, love, walk about and wear their jackets. Out of mediocre scenes and lines they try to drag a moral, some commonplace that doesn’t tax the brain and might come in useful about the house. When I’m offered a thousand different variations on the same old theme, I have to escape – run for it, as Maupassant ran from the Eiffel Tower because it was so vulgar he felt it was driving him crazy. SORIN: But we must have a theatre. TREPLEV: What we need’s a new kind of theatre. New forms are what we need, and if we haven’t got them we’d be a sight better off with nothing at all. (Chekhov, 1998, p. 70) Treplev’s refusal for the mainstream theatre of his days goes side by side with the consequent search for new forms that the monologue he wrote manifests, as an amplification of the psyche through theatrical imagination. This allegorical play within the play situates Treplev close to the Symbolist sensibility, that opened inner wide new doors for the theatre to come whilst its poetic subjectivism sustains a rejection of most of the features we would find traditionally essential for the theatre to happen (action, conflict, movement, individualized characters). The little we see and hear from Treplev’s play is astonishing, and no description does justice to its condensed imagery. In the depths of its visionary symbols we may grasp the meaning key of The Seagull. Announcing a future cosmic devastation of the planet, at a time where all living beings suffered extinction, a feminine voice speaks identifying herself as the soul of the world, which joins within her the souls of all the people, great or simple, famous or anonymous, as well as the breath of all the beasts that merge in her with the collective human consciousness that remembers all. The bodies of living creatures have turned to dust, and eternal matter has converted them into stones, water, clouds. But their

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souls have all been fused into a single whole. That World Spirit am I. I. Within me is the soul of Alexander the Great, of Caeser, Shakespeare and Napoleon – and of the most miserable leech. In me the thoughts of men are mingled with the instincts of the animals. I remember all, all, all, and I relive anew in my own being every other life. (Chekhov, 1998, p. 73) She is a goddess of memory in the very eye of a cosmic struggle. A Gnostic battle is explicitly at work between her, as the spiritual synthesis of an anima mundi, and «[t]he Devil, Father of Eternal Matter» (Ibid.). The battle of this archetypal goddess of memory against the archons of material world can be read as a metaphor for the fight of Treplev’s idealism in face of the common sense dictatorship of Arkadina and Trigorin. However, this peculiar Gnostic Sophia possesses also some memory of the future. Like a prisoner flung into a deep, empty well, I know not where I am or what awaits me. All is hidden from me except that in the cruel, unrelenting struggle with the Devil, the principle of Material Force, I am destined to triumph. (Ibid.) This sibyl thus prophesises the triumph of the «reign of Cosmic Will», but only «after a long, long succession of millennia when Moon, bright Sirius and Earth shall gradually have turned to dust.» (Ibid.) Chekhov’s Treplev is a real myth maker along this posthuman fable, where I tend to see a source of future inspiration for Samuel Beckett’s Winnie, buried alive in the desert land of Happy Days. Chekhov reaches in literary and dramatic expression that «sublime visionary» which Jung identifies in his second essay on aesthetics: Psychology and Literature. According to Susan Rowland, from her analysis on this essay: The sublime visionary is of itself unrepresentable because it is the defeat of all cultural codes of understanding. Myth is a necessary resource because it preserves something of the numinous collective nature of the visionary, while at the same time managing its dangerous volatility by transmuting it into

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something less devastating to the ego. (…) Art, like dreams, has the power to heal by taking the compensatory function of dreams into collective consciousness. (Rowland, 2005, p. 15) Among the practitioners of a dreamlike aesthetics with affinities of style with Treplev’s play, Chekhov truly admired the dramatic works of the Belgian Maurice Maeterlinck, the exponential playwright of Symbolist drama. In The Seagull we can eventually watch Chekhov establishing a confrontation with Maeterlinck’s vision and writing style, precisely through the Symbolist theatrical composition that Treplev addresses to his beloved Nina for her to perform in front of all the guests, on an improvised wooden stage build by the lake. We can not assist to it till its ending since Treplev interrupts the performance in anger after the nasty remarks of her mother who thus breaks the atmosphere for such a special moment of a lyrical and dramatic piece for a single voice. Diverging from the entertainment hour they all expected to enjoy (with the single exception of Dorn, who adheres to the play’s aesthetics), Treplev wants to recapture an experience of the numinous in the performance of his drama, but he would need a different audience, preferably with his mother out of sight. Indirectly, Chekhov demonstrates here the obstacles of public reception when an artist exposes a visionary theatre play like this one Treplev wrote and putted on the scene. It’s important to keep in mind that the writing of Treplev’s play is the unique example of Symbolist drama, in all of Chekhov’s work for the stage. For this unfinished experience, Chekhov wears the mask given by his own character. This fictional mediation may show us also how the author both evaluates creatively this delicate aesthetics and feels the need to avoid it as an improper way to achieve the goals he aims for the theatre he wants to see on stage. I usually challenge my Dramaturgy students with the following hermeneutical hypothesis on the symbolical relationship between author (Chekhov) and character (Treplev), no matter how risky these

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conjectures always are, as Jung wisely advised: Chekhov acts out the Symbolist author that lives within his psyche in the first chapter of the journey that leads him to create his four mature plays (curiously or not, the Jungian talismanic number). Chekhov frees himself from this aesthetic temptation which he envisions as shadowed (or dominated?) by a death wish. Hence he gives birth to the hamletian Symbolist author Treplev and ends the play with his suicide. To put it roughly: in The Seagull Chekhov gives theatrical life to the Symbolist author that dwells in him, in the portrait of Treplev, and finally kills him to move ahead. With the same gesture of writing a treatise in dramatic form, isn’t Chekhov also using it as a creative and experimental catharsis? We may seriously fantasise that with this killing Chekhov incorporates Treplev’s ghost who will inhabit the unconscious backstage of his last three following dramatic works. Notwithstanding, this is also the only one of these four mentioned plays whose title is so acutely symbolic; in fact The Seagull is a Symbolist title, very far from a pure naturalistic one. As it happens with all the real symbols (differently from the restrictive preconceived meaning of an allegory), the title can be unravelled in multiple ways that I doubt we can cover all in an exhaustive manner, from the most concrete and explicit to the more complex level. The seagull begins to be the bird that Treplev shoots in the first act. Trigorin will refer to it as a premonition of what he will do to Nina, since he is going to seduce her, then live with her, but instead of constituting both a real couple, he will make her life miserable (not to mention the fact that their child will die as a baby). From this angle (and Nina even compares herself with the bird), the seagull might be seen, as it is most commonly accepted, as a symbol of Nina. However, this is not so simple if we attend to the following evidence: the bird dies in the play (and its corpse will be stuffed, appearing later as a set’s adornment) but Nina remains well alive, despite the sorrows of the heart she experienced from living together with Trigorin. She shows all her strength and wild ambition, as

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well as a new acquired and hard wisdom, in the final meeting she has with Treplev, two years after the moment when the play began its action. She is now a survivor and even if she was terribly disappointed by the man she still loves (Trigorin), her artistic dream somehow began to take shape, because she is already a professional actress even if she acts in a modest theatre company of the province. At this point, the symbol of the dead bird makes us remember more of Treplev, the unexpected hunter, who eventually killed the seagull and then, at the end of the play, commits suicide; as if the killing of the bird would be the unconscious announcement of his suicidal gesture. On the other hand, the affectionate image we may project onto the seagull may represent Treplev’s creative soul, his darkened anima that he is tragically incapable of disconnect with the death wish, and thus he kills the bird as he is going to make with his loss of self-esteem towards his art, as a symptom that precedes the attempt against his own life. A third level can be found in the relationship between the objective image of the seagull and Treplev’s troubled psyche. Besides its harmonious flying image by the shore, which always led to project on this sea bird our poetic imagination related to freedom, beauty and aerial adventure, the seagull is, biologically speaking, a voracious predator and an undifferentiated eater, capable to survive in the most hostile of environments. This would makes us think of how the shooting of the seagull could be a symbolic attempt of Treplev who tries to eliminate what he fears in his struggle with the other as a dyonisian feminine he can not control, neither within him (see for instance Dorn’s premonitory advice to him on artistic creativity) nor in Arkadina, his «bad mother», nor yet in Nina, who escapes from his helpless arms and will be after all a wounded winner and a rough survivor like the seagulls. (This image of the seagull as the other, a savage feminine that the male character wishes to kill in order to feed the illusion of possessing it, could also be another link between Chekhov’s play and Hamlet, concerning representations of the fear of

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the feminine in both plays.) The seagull as a dyonisian image of the feminine, feared by Treplev’s immature anxiety, at the unconscious roots of the psyche, is a rich symbol for life itself, exhibiting the renewal power of nature, with all its mixture of organic harmony and cruel violence, a mixture Treplev could no longer endure, hence the killing of the bird and his consequent suicide. The dramatic struggle I’ve wished to introduce here in the play’s reading is strongly fostered by Jung’s opposite definitions of visionary and psychological modes of art. Nevertheless, as Susan Rowland points in Jung as Writer, it is not surprising that the retention of the binary frame in the division of art into ‘psychological’ and ‘visionary’ proves problematic. Visionary art answers the thirst of the age. It is the compensatory dream of the collective culture. However, Jung acknowledges, not only is visionary art sometimes mistaken for psychological and vice versa, its cultural location cannot be securely pinpointed. (Rowland, 2005, p. 16) Chekhov’s play seems to me a subtle and sublime fusion of both which results in a third form where psychological and visionary arts are mapped and mingled, for if we can discern the visionary within Treplev’s play and the psychological in Trigorin and Arkadina’s art, what will we say about the theatrical space where their conflict takes place; The Seagull as the dramatic work that enacts both of them for the theatre stage? Therefore, one possible conclusion I derive from this approach on Chekhov’s play: perhaps greatest art arises from the alchemical union of the visionary and the psychological in a way that both acquire a nameless and fascinating identity. References Chekhov, Anton. Five Plays. (1904/1998). Translated and with an introduction by Ronald Hingley. Oxford/New York: Oxford University Press.

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Índice Da Dissociação à Individuação

7

João Carlos Major

O Arquétipo como Conceito Fundamental em Psicologia Analítica

29

LUÍS SARAIVA

Eros y Transformación

46

CONCHA PAZO

Sonhos

64

juliana estevez

A Espiritualidade em Jung

81

Marta oliveira

A Investigação em Psicologia Analítica

98

domingos ferreira romão araújo

Theatre as Symbolic Enactment of the Struggle for Power: Reflections on The Seagull, by Anton Chekhov armando nascimento rosa

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