China: Implicações Estratégicas da Dependência Energética A questão das implicações estratégicas das necessidades chinesas de energia deve ser examinada tendo como premissa a crescente dependência da China ao óleo e gás importados, em contraposição ao fato de que no início dos anos 90, do século findo, a China obtinha saldo positivo nas suas transações internacionais com petróleo e, agora, caminha para um volume de importações da ordem de 60% do petróleo e 30% do gás que utiliza, segundo projeções para o ano de 2020. Diante desta crescente dependência ao óleo e gás importados, a questão crítica que se coloca para o governo chinês é a de assegurar um suprimento de energia suficiente para as suas necessidades, a preços convenientes e sem significativos transtornos, a fim de garantir o desenvolvimento econômico e a prosperidade da China. Para as lideranças chinesas, acostumadas a um alto grau de autosuficiência no campo da energia, a necessidade de obter fontes seguras de energia no exterior constitui-se em um importante fator na formulação de sua política externa e de segurança, dado que não mais será possível à China manter-se como um ator neutro e desinteressado no campo da geopolítica regional e internacional. Esta mudança de atitude no campo da política externa e de segurança se expressa, no campo da energia, com uma inserção internacional mais agressiva da estatal petrolífera chinesa CNPC (China National Petroleum Company), cujos investimentos em projetos internacionais têm aumentado desde 1977, especialmente no Cazaquistão, Venezuela, Iraque e Sudão, marcando uma mudança de orientação estratégica e envolvendo um crescente número das principais companhias de petróleo do ocidente. Em 1998, quando da primeira visita oficial de Jiang Zemin à Arábia Saudita, ficou clara a crescente importância estratégica da diplomacia do petróleo na política externa chinesa com a celebração de um compromisso Sino-Saudita aproximando os dois países como parceiros em uma “sociedade estratégica do petróleo”, assim afirmando a importância geopolítica atribuída por Beijing às relações diplomáticas com a Arábia Saudita. De igual modo, tanto no Oriente Médio quanto na Rússia e na Ásia Central, na África (Sudão) e na América Latina (Venezuela), a diplomacia chinesa se faz presente, de forma vigorosa, buscando parcerias estratégicas regionais que viabilizem o suprimento de suas crescentes necessidade de petróleo e gás. Por outro lado, as questões de fronteira, notadamente no Mar do
Sul da China (onde há acirrada disputa com outros países da região que contestam a soberania da China sobre aquelas águas), e o temor quanto aos possíveis problemas com as rotas marítimas pelas quais transitam os suprimentos vindos do Oriente Médio, passaram a ser de enorme importância estratégica para a China. Desde a década de 90, do século XX, a preocupação crescente do governo chinês se volta para a produção de energia no país que se mostra incapaz de acompanhar a demanda. Esta incapacidade não é causada pela absoluta falta de recursos primários de energia porque a China tem a terceira maior reserva de carvão do mundo e é um dos dois maiores consumidores desta fonte energética. A questão é que a demanda de energia é crescente em aplicações nas quais o carvão não é o insumo energético adequado, haja vista o rápido desenvolvimento do transporte rodoviário e o conseqüente aumento da demanda de derivados do petróleo não acompanhada pela produção interna que tende a alcançar o topo da capacidade de produção do país, levando a uma previsão, para o ano de 2010, de tornar-se a China um dos maiores importadores de óleo no mundo. Paralelamente, o consumo de gás tende a aumentar em razão da determinação governamental de reduzir os níveis de poluição atmosférica causados pela queima do carvão e, muito embora tenham sido descobertas novas reservas de gás no território chinês, os projetos dependentes deste insumo levarão a China a tornar-se tão dependente da importação do gás como já o é do petróleo, resultando em que trinta anos de auto-suficiência energética tenham cedido lugar a uma dependência de fontes externas. Tendo em conta que “Segurança Energética” é a disponibilidade de energia a todo momento, em variadas formas, em quantidade suficiente e preços adequados, uma alta de preços ou uma interrupção no seu suprimento poderá causar significativo impacto em um país fortemente importador de energia. Os efeitos econômicos podem incluir queda no nível de atividade econômica, declínio de investimentos, aumento do desemprego, redução da demanda no consumo de bens, menores níveis de bem estar social, inflação, desequilíbrio no balanço de pagamentos, e fluxo de capitais negativo, com a saída de moeda para os países exportadores de petróleo e gás. Por outro lado, no campo da política externa esta dependência acentuada da importação de petróleo e gás pode levar a uma perda de poder e influência e, no extremo, à redução da capacidade militar, expondo o país a uma posição desfavorável no contexto regional e mundial. Daí resulta que uma política energética baseada apenas nas
regras do mercado não pode garantir um nível satisfatório de segurança energética para um suprimento de longo prazo. A questão da segurança energética tem levado a China a investir na pesquisa e produção de óleo e gás baseados em seu próprio território ou no chamado “cinturão de petróleo” que o cerca, reservas ainda intocadas de petróleo e gás na Rússia, Ásia Central e no Oriente Médio. Com exceção do petróleo proveniente das reservas do Oriente Médio, a produção de todas as demais fontes poderão ser levadas aos consumidores na China central e oriental por meio de dutos, o que tem direcionado os investimentos chineses neste sentido. Por sua vez o petróleo do Oriente Médio poderá ser transportado para a China por meio de uma cadeia de suprimentos cujas operações estarão sob o total controle do governo chinês. Em seus objetivos estratégicos para assegurar o fornecimento de petróleo de que necessita para a sua indústria, a China tem como alvo obter o suprimento de 50 milhões de toneladas de petróleo por ano, oriundas da produção externa, até o ano de 2010. Porém, tais planos são extremamente dependentes da construção de oleodutos desde o Cazaquistão até a China, o que a teria levado a temporariamente suspender a execução deste plano. Para a China, gasodutos são um elemento crucial para a sua estratégia energética e, por isso uma aproximação com os demais atores da região é extremamente necessária, posto que as principais fontes de suprimento de gás jazem tanto no norte e no oeste do país, distantes dos mercados potenciais no leste e na Rússia. Por tal razão, seis novos gasodutos estão sendo planejados para transportar o gás existente em novos e antigos campos no norte, noroeste e sudeste do país. O mais longo destes gasodutos traria o gás da bacia do Rio Tarim para Shangai, enquanto outros, destinados à importação, trariam o gás de Irkutsk a Yakutia, na região oriental da Sibéria; de Sakhalin, no leste da Rússia; da região ocidental da Sibéria, do Turcomenistão e de outros pontos do sudeste da Ásia. Entretanto, muitos dos investimentos chineses na produção doméstica e na prospecção internacional parecem continuar altamente dependentes dos mercados internacionais e regionais de gás. Por isto o governo chinês tem perseguido quatro metas estratégicas com respeito à importação: diversificação das fontes; aumento da importação de petróleo bruto a fim de sustentar e incrementar a indústria de refino chinesa; alinhamento dos preços de seus derivados de petróleo aos do mercado internacional; e busca da conclusão de acordos de longo prazo que vinculem seus fornecedores, ao invés de prover suas necessidades no mercado “spot”.
Essa análise demonstra que o governo chinês tem colocado grande ênfase na maximização da produção doméstica de petróleo e gás, investindo na produção fora de seu território e incrementando vínculos políticos com Estados exportadores. Estas medidas são características de uma abordagem “estratégica” que substituiu a abordagem de “mercado” que durante muitos anos caracterizou a política de segurança energética da China. Questão subjacente à segurança energética assegurada pelo suprimento de petróleo via mercados, é a natureza estratégica do petróleo que inevitavelmente produz um grau de competição política e militar entre os Estados. A história do Oriente Médio provê amplas evidências de como o petróleo tem contribuído para o surgimento de conflitos e guerra. A crença de que a China está buscando ganhar o controle das linhas marítimas – principalmente as de comunicação entre o Golfo Pérsico e sobre as reservas de petróleo dos mares do sul e oeste da China (Sea Lines of Communication - SLOC) – vem aguçando o interesse dos analistas militares da região e do ocidente que vêem na corrida naval chinesa uma prova do interesse de Beijing no domínio daquelas águas como uma resposta à sua necessidade estratégica para proteger suas fontes de suprimento de petróleo através do Estreito de Málaga e arredores. Com efeito, a expansão naval da China é vista como uma ameaça direta à segurança energética do Japão e esta percepção é exacerbada pela reivindicação das ilhas Diaoyu/Senkaku no Mar do Leste. Em abril de 2000, o Japão ofereceu sua guarda costeira para liderar uma patrulha regional marítima destinada a prevenir as ações de piratas no Estreito de Málaga, iniciativa esta bem recebida pela Indonésia, Malásia e Singapura que claramente partilham das preocupações japonesas deixando claro, entretanto, que esta preocupação é bem maior com as ações expansionistas chinesas do que com a pirataria. Todavia, em que pesem as preocupações, a capacidade naval chinesa tende a ser superestimada. A incorporação de dois destroyers de fabricação russa em 2000, vista regionalmente como um sinal eloqüente das ambições expansionistas da China, deve ser examinada com reservas, posto que embora modernos, os destroyers chineses são de uma geração anterior aos seus equivalentes norte-americanos. Além disto, mesmo após a Frota Americana do Pacífico ter reduzido em cerca de 40% a sua força, desde 1990, ainda é ela a maior força naval da região. Além disto, mesmo que a China consiga controlar as linhas de navegação no Estreito de Málaga e no Mar do Sul da China, tal fato não interromperia a navegação internacional, pelo simples
fato de existirem rotas marítimas alternativas para o Japão e outros países da região, as quais poderiam passar pelos Estreitos de Sunda ou Lombok a então pelo Estreito de Makassar. Isto implicaria em algum aumento dos custos do frete, aumentos estes pouco significativos nos custos totais do comércio marítimo. De todo modo, a ameaça militar ao fornecimento de petróleo tende a ser exagerada, porque ainda que os chineses sofressem um embargo imposto pelos EUA, seria extremamente difícil que tal medida não atingisse os interesses dos seus aliados, além de não resultar em um enfraquecimento da capacidade bélica da China. Por seu turno, a China não dispõe de meios para impor significativas restrições ao comércio marítimo e, se o tentasse, tais restrições poderiam ser facilmente ultrapassadas. De outro vértice, a China também apresenta vulnerabilidades em suas linhas marítimas, particularmente em razão de sua crescente dependência à importação de petróleo que é maior do que os seus potenciais inimigos. Ao ratificar a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, em 1996, a China vinculou-se a um princípio que deve ser aplicado também aos Mares do Sul e Leste da China, em tudo indicando o seu senso de vulnerabilidade e o seu interesse em respeitar as normas internacionais sobre o direito de passagem. Na verdade, a questão do petróleo tem sido utilizada para justificar ações que sabidamente têm outras razões. Pelo fato de ser o petróleo um insumo crítico para a economia dos países em geral, ele provê as justificativas para que Estados se envolvam em conflitos que poderiam ser evitados por meio de gestões políticas, e os militares são particularmente propensos a utilizálos para justificar ações de guerra. Nada obstante, os riscos presumidos das decisões de governo destinadas a garantir o suprimento de energia associados à disputa competitiva pelos recursos energéticos, têm servido como justificativa para ações militares e aparelhamento naval, bem como para a prática de políticas de expansão territorial. A análise empreendida pelos autores do texto demonstra que a política chinesa para gerenciamento das suas necessidades de segurança energética tende a priorizar a natureza “estratégica” do petróleo em detrimento da “comercial” que durante muitos anos a caracterizou. Advertem, porém, os autores, que se um enfoque estratégico se justifica como inevitável e necessário para a formulação de uma política de segurança energética em razão da natureza estratégica do petróleo como commodity, este enfoque deve ser mitigado por uma política orientada para o mercado que habilite a China a integrar-se no mercado internacional de energia e assegurar uma completa e menos cara política de segurança
energética. Advirta-se que o ocidente pode contribuir para assegurar à China uma bem sucedida política de segurança energética, posto que os demais atores têm interesse na integração da China à Ordem Internacional de modo a assegurar a inexistência de conflitos capazes de impactar negativamente na formulação da política de segurança energética. Por outro lado, os países orientais podem prover assistência e consultoria na formulação de uma política coerente que contemple critérios estratégicos e comerciais, equilibradamente. Em conclusão é possível asseverar que desta maneira o ocidente poderá auxiliar a China a integrar-se tanto na comunidade internacional de energia quanto a estimular que o seu caráter pacífico lhe garanta um lugar de status, de poder e de responsabilidade.