In Dependncia

  • April 2020
  • PDF

This document was uploaded by user and they confirmed that they have the permission to share it. If you are author or own the copyright of this book, please report to us by using this DMCA report form. Report DMCA


Overview

Download & View In Dependncia as PDF for free.

More details

  • Words: 7,922
  • Pages: 10
In - dependência

20010130 Reúnem-se aqui alguns recortes da imprensa mais ou menos visível que, nos últimos dois meses tocaram o problema da dependência da droga. Por isso, resolvi chamar a este "jornal" - In-dependência. Porque nos põe dentro -in- do problema da dependência como é vista por vários lados e, porque, nos arma com a independência necessária a não sermos constrangidos a pensar com a mentalidade que mais adeptos arrebanha, isto é, com uma mentalidade que é constantemente construída activa ou passivamente escondendo factos, revelando apenas alguns e, sobretudo, bombardeando com uma opinião dominante e dominadora. Uma frase célebre de John Keneth Galbraith "The conventional way of thinking protects us from the painful job of thinking" põe-nos de sobreaviso para o trabalho que dá combater esta forma de dependência - a dependência da opinião dominante. A arma é avaliar tudo, de forma crítica, isto é, confrontando o que vemos, ouvimos e lemos, com o nosso juízo fortalecido pela aprendizagem, como sabiamente nos aconselha Gandhi. Pedro Aguiar Pinto Vive como se fosses morrer amanhã. Aprende como se fosses viver eternamente Mahatma Gandhi Droga diminui em todo o mundo__________ 1 O efeito do álcool______________________ 2 OS PROBLEMAS DA DROGA ___________ 2 Pobreza É a Segunda Preocupação dos Portugueses __________________________ 3 e… a droga é a primeira!________________ 3 Casa de Chuto por Decreto ______________ 3 Tráfico de Droga: Um Apelo _____________ 4 Governo prepara distribuição de seringas nas prisões ______________________________ 4 Hospital de chuto ______________________ 4 Bélgica Despenaliza Consumo de "Cannabis" 5 Reduzir Os Riscos da Droga _____________ 5 Com Nome Próprio ____________________ 6 Os Próximos Passos____________________ 6 Como Vão Ser as Salas de Injecção________ 6 Números ____________________________ 7 Distribuição por áreas das verbas para 2001 (percentagens) ________________________ 7 A Política do Governo para a Redução de Riscos ____________________________________ 7 "E Lá Dão Droga"? ___________________ 7 Especialistas falam sobre modelo "Minnesota" 8 Os Doze Passos _______________________ 8 Polícias prevêm aumento do tráfico de droga 9 Casas de Chuto-2 ______________________ 9

In - dependência

Droga diminui em todo o mundo In: Expresso-on-line 20010122 16:42

ONU estima 180 milhões de consumidores O número de países produtores de droga está a diminuir e o uso de cocaína e heroína baixou em todo o mundo, ainda que existam cerca de 180 milhões de consumidores. Estas são as principais conclusões do relatório anual das Nações Unidas, divulgado hoje, em Viena, que destaca o Afeganistão como líder dos países fornecedores de droga. O cannabis é a droga mais utilizada (144 milhões), seguida dos estimulantes e anfetaminas (20 milhões), da cocaína (14 milhões) e dos opiáceos (13,5 milhões). O gabinete das Nações Unidas para o controlo das drogas e prevenção do crime (UNDCP) destaca uma diminuição de 70 por cento no consumo de cocaína nos Estados Unidos entre 1985 e 1999, a estabilização do consumo de heroína na Alemanha e uma baixa na Espanha e Itália. O UNDPC sublinha ainda, uma diminuição do número de mortes por overdose em França, Espanha, Alemanha, Itália, Áustria, Luxemburgo e Suiça. As anfetaminas foram maioritariamente consumidas na Ásia (12 por cento da população está em tratamento médico), onde se destaca o Japão, com um aumento de 90 por cento. O continente africano registou um maior consumo de cannabis, (61 por cento), enquanto que na Europa se destaca a Holanda e, sobretudo, Amsterdão, (21 por cento), onde a droga está despenalizada. Na Europa ocidental, cerca de 1,2 milhões de pessoas consomem heroína e nos Estados Unidos são cerca de um milhão os consumidores.

terça-feira, 30 de Janeiro de 2001

pág. 1

Ainda segundo o relatório, os países onde é produzido o opio têm reduzido a sua produção desde 1988, sendo o Paquistão, o país onde esse esforço tem sido mais visível. A Bolívia tem reduzido a sua área de produção de coca, em 78 por cento, desde 1997. Segundo as Nações Unidas, também o Perú, país de onde a maioria da cocaína é originária, tem vindo a cortar as exportações ilícitas de drogas, em 50 por cento, ao longo das últimas décadas.

O efeito do álcool A contradição legislativa confunde toda a gente João Cepeda In: DN, 001104

Respondendo à cruzada contra o consumo excessivo de álcool, o Governo apresentou um pomposo Plano de Acção que tentará banir este fruto do pecado das mentes mais jovens, aparentemente incapazes de lidar com uma liberdade tão perigosa. A medida não chocou ninguém e, à margem do timing político (demasiadamente oportuno), reconhece-se que vai de encontro às preocupações da sociedade. O pior é que se optou novamente por chamar irresponsáveis aos pais e por desconsiderar a maturidade dos jovens. Pode ser que dê votos ou aumente a confiança política, mas só os mais ingénuos poderão acreditar que palavras como cerveja e vodka deixem de fazer parte do vocabulário nocturno juvenil apenas porque a lei assim o dita. Aliás, as dúvidas ficaram imediatamente desfeitas quando, questionados por um jornalista da SIC sobre a proposta, vários jovens disseram que não só não se importavam como estavam de acordo com a proibição. "Então não vai continuar a beber? Claro que vou." Taxativo. Mas pior do que a hipocrisia associada a esta medida é o papel que o Estado desempenha. A reboque do que as famílias já tinham feito, chegou a vez de o próprio Governo se desresponsabilizar das suas funções passando para a lei o que deveria ter feito ao nível da pedagogia. Agora, o mais provável é que o álcool se torne um fruto tão proibido como o tabaco ou as drogas leves já o são. É importante, todavia, não confundir a medida com a situação que lhe dá origem. Seja pela sinistralidade das estradas, seja pelos efeitos na saúde dos jovens, é óbvio que todas as acções que visem combater o alcoolismo são bem recebidas pelo eleitor, saudoso de estratégias sociais concretas, nomeadamente para esta questão sensível. O que não é admissível é que se recorra a uma solução que ameaça a tão reivindicada ética da responsabilidade e que, noutros contextos, já deu provas de total insucesso. Se bem me recordo, havia, na estratégia política da "Nova Maioria" do Partido Socialista, um ênfase dirigido à responsabilização da sociedade civil. Algo que, curiosamente, o próprio primeiro-ministro e o actual ministro da Presidência definiram, em 1995, como uma relação essencial de "subsidiariedade entre cidadãos e governantes". Ficou pelo caminho. Ao invés, assistimos ao nascimento de mais uma política de tolerância zero

In - dependência

que também não ultrapassa este valor em carga de pedagogia. Das duas uma: ou o Governo mudou de ideias ou não foi capaz de criar condições para que isso acontecesse ao longo destes cinco anos. O resultado é esta lamentável recorrência a medidas dirigistas que só provam a ineficácia ou a ausência de reformas sérias na educação cívica. Dos novos e dos velhos.

OS PROBLEMAS DROGA

DA

Como tantas outras substâncias, em si boas, as drogas podem ser usadas para o bem e para o mal, para gerarem vida ou gerarem morte. Depende da conta, peso e medida com que são usadas. Pe. João Filipe In: Família Cristã [17-10-2000 19:32:09] [Editorial] [3445 caracteres] [Grátis] [ Pe. João Filipe ]

Em si mesma a droga, no seu estado natural, é constituída por substâncias que podem ser usadas como remédio em beneficio da saúde do homem. Como tantas outras substâncias, em si boas, as drogas podem ser usadas para o bem e para o mal, para gerarem vida ou gerarem morte. Depende da conta, peso e medida com que são usadas. Ao longo da história houve povos que usaram a droga (o ópio) para submeter outros povos. A destruição de tantas vidas, portanto, é mais da responsabilidade dos homens do que das substâncias da natureza. Podemos dizer que é tudo uma questão de cultura, bom senso, respeito pela vida, para connosco mesmos e para com os outros. Sabemos que nem tudo se pode comer ou beber. A natureza tem leis que, quando transgredidas, levam à morte. Há quem julgue que pode fazer o que bem entender da sua saúde, e desconhece que tem grave obrigação de cuidar dela. Ninguém brinca impunemente com o fogo, com venenos e quaisquer substâncias tóxicas. Arriscar-se por esses caminhos tem por vezes consequências imprevisíveis. Podem tomar-se caminhos irreversíveis, viagens sem regresso para caminheiros incautos, que não souberam resistir à curiosidade e desejo de tudo conhecer e expenmentar. Alguém poderá observar que cada um é livre de tomar as suas opções e portanto de escolher o seu caminho. Em linha de princípio é verdade. Mas já não se afigura uma verdade tão linear quando certas opções de vida envolvem os que nos rodeiam, pondo em risco a sua saúde, vida, tranquilidade e bens. Se os tóxico-dependentes fossem autosuficientes, ganhassem o seu pão, não precisassem do dinheiro dos contribuintes e dos bens alheios, não atentassem contra a vida dos outros (às vezes até dos próprios pais) poderíamos dizer que estavam no seu direito e da sua vida só deveriam prestar contas a Deus. Mas infelizmente a realidade é bem outra. Sabendo nós que os tóxico-dependentes são nossos irmãos que precisam de ser ajudados a curar-se, todos

terça-feira, 30 de Janeiro de 2001

pág. 2

devemos colaborar para que reencontrem o sentido da vida e sejam reintegrados na sociedade. São de incentivar todas as medidas que impeçam o alastrar do contágio e os ajude a sair do buraco em que caíram. Mas despenalizar o consumo da droga parece que não vai diminuir mas aumentar o seu consumo. Este é o parecer de alguns drogados, parecer que, em breve, em Portugal, as estatísticas poderão ou não confirmar. Uma vez que o consumo de droga faz com que uma nação inteira sofra as suas consequências, por que motivo se negou ao povo português o direito de se pronunciar sobre a «despenalização» desse consumo? Achamos que esta é uma das matérias em que mais se justificaria a realização de um referendo. Se é verdade que não devemos copiar tudo o que acontece nos outros países, mormente da Europa, também é verdade que devemos informar-nos devidamente sobre os resultados das suas experiências, para não cairmos nos mesmos erros. Tantos países europeus se debatem, há mais tempo que nós, com este terrível problema e não julgaram oportuno aprovar a despenalização. Impotentes para o impedir, assistimos à aprovação de uma lei que em vez de defender a vida, vem facilitar caminhos de morte e destruição da dignidade humana. Deus é o Senhor da vida. Ele não quer a morte mas a vida dos homens. Bem pelo contrário sempre os convidou a construírem a vida. Só é pena que os homens, ignorando o constante e veemente apelo de Deus, tenham aprendido mais a destruir do que a construir. Barómetro Eleitoral Mostra PS em Maioria Absoluta e PP a Afundar-se

Pobreza É a Segunda Preocupação dos Portugueses A pobreza é o que mais preocupa os portugueses, depois da droga. A sondagem da Universidade Católica para o PÚBLICO/Antena1/RTP mostra ainda o PS com 48 por cento e o PSD muito longe, se bem que a beneficiar da queda do partido de Paulo Portas para os 4,2 por cento. In: Público, 010117

e… a droga é a primeira! No artigo que desenvolve a caixa de primeira página, a palavra droga, a primeira preocupação dos portugueses não aparece mais nenhuma vez. Apenas num gráfico de barras, que não consta do Público-on-line há uma barra legendada – droga e que ocupa o primeiro lugar com uma percentagem superior à pobreza, o segundo lugar. Isto demonstra não só que o problema da droga preocupa os portugueses grandemente, e por isso deve ser debatido/referendado, como também, que existe uma barragem na comunicação social, voluntária ou não, a admitir a necessidade desta discussão.

In - dependência

PAP

Medidas de prevenção da toxicodependência deverão estar prontas até ao fim do mês

Casa de Chuto por Decreto Por SÃO JOSÉ ALMEIDA In: Público: Sexta-feira, 19 de Janeiro de 2001

A política de prevenção do consumo de droga está prestes a dar um novo passo. Até ao fim do mês deverá estar pronta uma iniciativa do Governo que enquadre medidas de forma sistematizada. Entre estas constará o alargamento da metadona e dos centros de abrigo. Mas também deverão surgir casas de chuto. É a resposta não "fracturante" de Vitalino Canas ao Bloco de Esquerda O Governo está a preparar, até ao fim do mês, uma iniciativa legislativa que irá sistematizar de forma global e enquadrada uma série de medidas de prevenção à toxicodependência e de redução dos danos causados pelo consumo de droga sobre o consumidor e sobre a saúde pública O PÚBLICO sabe que estas medidas deverão conter o lançamento dos primeiros ensaios de casas de chuto, ou seja, de lugares onde os artefactos necessário à injecção de drogas seja disponibilizada, obedecendo aos padrões de higiene e saúde pública e evitando a propagação de doenças infectocontagiosas como a sida, a hepatite e até a tuberculose Confrontado com esta questão pelo PÚBLICO, o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Vitalino Canas, apenas confirmou que o assunto está em ponderação. Mas adiantou que a sua própria posição sobre a questão evoluiu depois de analisar experiências neste domínio feitas em Hannover (Alemanha) e em Orense (Espanha) Em declarações ao PÚBLICO, Vitalino Canas frisou: "O Governo está a equacionar políticas de redução de danos, entre os quais estão salas de injecção assistida. Houve uma evolução em relação a isto. Hoje estou mais disponível, menos reticente, menos duvidoso e a minha inclinação por esta solução é maior. Mas isso não é ainda uma decisão do Governo". E Vitalino Canas concluiu que esta medida "não terá intenção de ser fracturante, mas terá intenção de resolver problemas, por isso terá de ser moderado." De acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO, o Governo está a preparar uma rede de medidas que irá pôr à discussão pública antes de virarem lei. A formulação final desta sistematização deverá estar pronta até ao fim do mês, depois de o assunto ser discutido pelo conselho consultivo e pelo conselho coordenador para a toxicodependência. Isto além de o assunto ter de ser ainda oficialmente fechado pelo Governo Esvaziar o Bloco Com esta decisão, o Governo contraria a filosofia e até esvazia a iniciativa similar do Bloco de Esquerda, cujo debate em plenário para aprovação na generalidade pela Assembleia da República está agendada para dia 31 de Janeiro. Em declarações ao PÚBLICO, Francisco Louçã afirmou não desconhecer a intenção do Governo de legislar neste domínio, mas adiantou não conhecer pormenores. Mostrou-se, contudo, expectante sobre o comportamento que o PS assumi-

terça-feira, 30 de Janeiro de 2001

pág. 3

rá em relação ao projecto do Bloco de Esquerda que propõe a criação de casas de chuto no âmbito do Estado e do Serviço Nacional de Saúde. Ou seja, na expectativa de ver se o PS viabilizará ou não este projecto Quem também se prepara para apresentar a discussão no dia 31 um projecto de lei são "Os Verdes". Ontem, Isabel Castro explicou ao PÚBLICO que pretende recuperar e actualizar a sua proposta anteriormente rejeitada de fornecimento de seringas nas prisões JSD quer liberdade de voto Já a JSD acabará por ver anulada a oportunidade do projecto de resolução que está a preparar, caso o Governo avance mesmo com medidas enquadradoras de prevenção. Esta sistematização está, aliás, a ser feita pelos jovens sociaisdemocratas cujo ante-projecto de resolução fala precisamente de vários tipos de medidas para criar uma rede de apoio ao combate à toxicodependência e de defesa da saúde pública Pedro Duarte, líder da JSD, manifestou ao PÚBLICO o seu interesse em que esta questão avance e sustentou que é uma matéria em que deve ser o Governo a legislar, já que há uma complexidade técnica e informativa que só o executivo domina. E fala da urgência de actuar nalgumas questões como a das seringas nas cadeias que considera que "mais do que uma situação gritante é uma questão criminosa" E em relação ao próximo dia 31, Pedro Duarte apenas afirma que não se oporá ao projecto do Bloco, apesar de o considerar limitado. Espera, para isso, que a direcção do grupo parlamentar do PSD dê liberdade de voto: "É o mínimo. Não me podem obrigar a sacrificar a minha consciência."

Tráfico de Droga: Um Apelo Por JOSÉ A. ALMEIDA, Porto In: Público, Domingo, 21 de Janeiro de 2001

Morreu [esta semana] um cidadão português de 36 anos de idade. Dirá a maioria das pessoas: é normal; é mais um! Todavia, para mim, não é assim tão simples. Em primeiro lugar, porque sou o pai; em segundo lugar, e essencialmente por isso, porque é mais um que morreu por culpa da falta de coragem, da apatia, da irresponsabilidade e do cinismo dos nossos políticos e governantes, seja de que área forem, que não querem ou a quem não interessa resolver o problema do tráfico de droga, esse flagelo que, tal como a indústria das armas, e agora também o tráfico de seres humanos, está protegido, a todos os níveis, pelos grandes interesses e pelo poder do dinheiro. Senão vejamos: quem lucra com todos estes tráficos? Lucra o grande traficante, que, mesmo quando é preso, tem tratamento VIP, quer no julgamento, rodeado de advogados competentíssimos (... ), quer em todo o processo, pois tem possibilidade de pagar a caução que lhe for exigida, e, desta forma, pode continuar calmamente a sua actividade e ganhar mais e mais. Lucram alguns médicos que, mesmo ganhando num mês aquilo que os traficantes ganham num minuto, lá vão superando esta diferença montando clínicas privadas onde cobram, no mínimo, 500 contos por três dias de internamento (...). Lucram grandes organizações es-

In - dependência

trangeiras a actuar em Portugal, que obrigam nalguns casos o doente ou os seus familiares a transferir para Espanha verbas avultadas para custear as despesas de internamento e, mesmo assim, sem garantir ao paciente condições mínimas de sobrevivência (...). Depois, lucra também a chusma dos pequenos traficantes, que, na maioria dos casos, traficam para garantir a sua própria "dose". Para agravar toda esta situação temos a desmotivação e o alheamento das autoridades face à actuação dos nossos tribunais, que normalmente põem em liberdade mesmo os detidos em flagrante, sabendo que horas depois estão a fazer o mesmo. (...) É tempo de dizer basta! (...) Apelo aos governantes (...) para que se olhem ao espelho todos os dias e se revejam como pais de família (...). E acabem de vez com as despenalizações daqueles que realmente merecem ser punidos (...). José A. Almeida, Porto Para diminuir a propagação de doenças

Governo prepara distribuição de seringas nas prisões In: Públioc-on-line, 21:09 19 Janeiro 2001

O Governo está a estudar a distribuição de seringas nas prisões, encontrando-se já na última fase dos estudos, de modo a reduzir os danos causados pela toxicodependência, disse hoje o secretário de Estado da Presidência, Vitalino Canas. Esta preocupação enquadra-se dentro de um pacote de medidas sobre a redução de riscos ao nível da toxicodependência. Se a adopção das salas de injecção assistida em espaços abertos é uma medida já plenamente assumida pelo Governo, a distribuição de seringas por substituição nas prisões exigirá ainda o acordo e a participação directa do ministro da Justiça, António Costa. Entre outros aspectos a definir, António Costa e Vitalino Canas terão de escolher entre o modelo em que as seringas são distribuídas de mão em mão aos reclusos toxicodependentes (como acontece em estabelecimentos prisionais espanhóis), ou se preferem o esquema existente nas cadeias suíças, em que o acesso às seringas é feito de forma automática, através de máquinas instaladas para esse efeito.

Há várias maneiras de abrir salas de chuto. Nem todas são higiénicas e seguras..... PAP

Hospital de chuto In: O Independente, 010122 Fernando Esteves [email protected]

O Ministério da Saúde (MS), através da Administração Regional de Saúde (ARS) do Norte, paga à Santa Casa da Misericórdia de Matosinhos (SCMM) cerca de cinco

terça-feira, 30 de Janeiro de 2001

pág. 4

mil contos mensais pelo arrendamento do imóvel onde até há três anos funcionava o Hospital de Matosinhos. O contrato entre as duas instituições foi assinado com Maria de Belém ainda à frente da pasta da Saúde e tem, segundo fontes da ARS, 20 anos de duração. Propriedade da SCMM, o prédio em causa encontra-se em avançado estado de degradação, com vidros partidos, portas estragadas e um aspecto geral de total abandono. Nos últimos tempos, a ex-unidade hospitalar tornou-se num dos locais “preferenciais” dos toxicodependentes para se injectarem. “Isto é escandaloso. Não me parece minimamente racional que o Estado gaste todo este dinheiro no aluguer de uma ‘casa de chuto’, um albergue de toxicodependentes e de marginalidade.” Quem o afirma é Artur Osório, o ex-director do Hospital Pedro Hispano, de Matosinhos. Para o ex-responsável, faria todo o sentido que o Estado, já que paga a renda do edifício, rentabilizasse a sua utilização: “O velho hospital poderia, com algumas obras, funcionar como centro de retaguarda do novo Hospital Pedro Hispano, canalizando a sua acção para o internamento de doentes crónicos, cuja patologia não justifique equipamentos e recursos altamente sofisticados.” Uma espécie de balão de oxigénio para o Pedro Hispano, que actualmente se confronta com uma crescente afluência de doentes com mais de 70 anos. Por outro lado, o número de acidentados com problemas graves de reabilitação tem crescido no distrito de Matosinhos. “Também estes poderiam ser deslocados de um hospital para outro. Mas, em vez disso, o que acontece é que, frequentemente, os doentes ficam dias deitados em macas a aguardar uma cama vaga”, acusa Artur Osório. Contactado por O Independente, o novo presidente da ARS Norte recusou-se a prestar declarações sobre o presente e o futuro do hospital velho.

Comparado ao álcool e ao tabaco

Bélgica Despenaliza Consumo de "Cannabis" In: Público, Sábado, 20 de Janeiro de 2001

A Bélgica decidiu ontem despenalizar a posse e consumo de "cannabis" para uso pessoal, sem fixar uma quantidade máxima autorizada, noticiou a agência AFP. "Em toda a Europa, a terceira droga mais consumida é a 'cannabis'. Quer gostemos quer não, é a realidade", disse a ministra da Saúde, Magda Aelvoet, do partido ecologista. "O consumo limitado de álcool, tabaco e 'cannabis' é cada vez mais socialmente aceite. Não existe nenhuma razão para tratar o álcool e o tabaco de maneira diferente da 'cannabis'", diz-se no documento de descrição da nova política governamental belga em relação às drogas. "A posse da 'cannabis' para consumo pessoal ou numa quantidade que não deixe supor que é para venda já não é acusada." Exceptuam-se os casos de "consumo problemático" e de "prejuízo social", diz ainda o documen-

In - dependência

to. É ainda feita uma distinção entre "cannabis" e "outras drogas ilegais", que mantêm o seu estatuto de consumo e posse proibidos. Esta medida é o resultado de um "compromisso à belga", entre a ala mais liberal da coligação que está no poder, os ecologistas, e a ala mais repressiva, os liberais. Esta despenalização será efectiva dentro de "alguns meses", quando o parlamento modificar a lei sobre drogas, que data já de 1921. A decisão final é, no entanto, diferente da proposta inicial da ministra da Saúde, que pretendia uma distribuição de "cannabis" autorizada, sob controlo das autoridades. A distribuição nas "coffeeshops", como na Holanda, continua proibida.

AFP Política de combate à toxicodependência

Reduzir os Riscos da Droga Por SÃO JOSÉ ALMEIDA In: Público: Terça-feira, 30 de Janeiro de 2001

MINI-CONSELHO DE MINISTROS DISCUTE HOJE UM NOVO REGIME DE CONTROLO DE DANOS SOBRE A SAÚDE PÚBLICA. Entre as medidas a lançar, estão as salas de injecção assistidas e os pontos de informação onde as drogas podem ser analisadas Uma nova política integrada de combate e controlo dos riscos da toxicodepedência sobre a saúde publica é hoje discutida e aprovada pelo Conselho Coordenador da Estratégia Nacional de Luta contra a Droga e a Toxicodependência, uma espécie de miniConselho de Ministro para as questões relacionadas com a Estratégia Nacional de Luta contra a Droga. Entre as novas medidas, que estão em discussão e que o PÚBLICO hoje divulga em linhas gerais, encontra-se o lançamento de salas de injecção asséptica, bem como a instalação de pontos de informação sobre riscos do uso da droga, políticas e meios de recuperação. Nestes locais, que podem funcionar em quiosques, "roulottes", etc., os toxicodependentes ou os meros consumidores poderão pedir para que sejam analisados os estupefacientes que adquiriram e pretendem administrar. A decisão de avançar com medidas na área da prevenção segue-se à aprovação pela Assembleia da República, por acordo conjunto do PS, PCP, Bloco de Esquerda e "Os Verdes", da descriminalização do consumo de drogas. Com base numa proposta base elaborada por Nuno da Silva Miguel, do Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência, e Luís Patrício, director do Centro das Taipas, o secretário de Estado da Presidência, Vitalino Canas, elaborou um anteprojecto de diploma ainda em discussão prévia e que hoje passa pelo crivo do Governo para, em Fevereiro, ser posto à discussão pública durante mês e meio.

terça-feira, 30 de Janeiro de 2001

pág. 5

No final deste processo, o texto final será ajustado e o Governo decidirá então sobre se avança com as medidas sob a forma de decreto-lei ou se, pelo contrário, opta pela proposta de lei para ser discutida pela Assembleia da República. Em declaração ao PÚBLICO, Vitalino Canas não escondeu a sua preferência pelo decreto. "Há medidas que são urgentes, mas não quero fugir à discussão", afirma o secretário de Estado, que, assumindo a sua pressa em avançar com as medidas, confessa: "Este diploma não é para ficar vazio. Logo que tenha uma segurança mínima de que vai ser aprovado, vou dar indicação ao IPDT [Instituto Português da Droga e da Toxicodependência] para iniciar programas de prevenção de riscos. As verbas para as medidas de prevenção estão orçamentadas no Orçamento de 2001. Gostaria que fosse já lançado este ano." O objectivo é, segundo Vitalino Canas, que "se olhe para o mapa e se veja os locais do problema e os meios para o combater, através da construção de uma rede nacional de prevenção de danos". E que se ultrapasse a fase da "intervenção parcelar, experimental, casuística que vigora actualmente".

Capitulação do Estado ou pragmatismo? Vitalino Canas não nega que algumas das medidas propostas agora pelo Governo são polémicas. "Pela primeira vez se elabora uma visão global das políticas de redução de danos com medidas que são mal aceites pelos conservadores", declara o secretário de Estado que tutela as políticas de combate contra a toxicodependência. Sem fugir à discussão e antecipando as críticas, Vitalino Canas defende a sua proposta: "Isto não é o Estado a desistir, é o Estado a chegar onde ainda não chega. Com o tempo, o sistema criado poderá criar confiança no toxicodependente em relação ao sistema e, no futuro, convencê-lo a vir ter connosco para se tratar." O secretário de Estado adverte que "as pessoas a serem aceites são as com experiência profunda de toxicodependência e terão de estar registadas e acompanhadas pelo sistema" e defende que "as políticas de redução de danos não são um fim em si mesmo, também há um objectivo que é o da aproximação do Serviço Nacional de Saúde ao toxicodependente: primeiro substitui-se uma seringa, depois faz-se uma análise, depois um curativo, mais tarde, nalguns casos, o tratamento". A favor da bondade da sua proposta, Vitalino Canas explica que ela se insere na "perspectiva pragmática" de abordar o problema da droga e os riscos sobre a saúde pública da transmissão de doenças como a sida, a tuberculose, a hepatite, etc. E subindo o tom da argumentação, o secretário de Estado atira peremptório: "As pessoas têm de decidir se querem ver os toxicodependentes a drogarem-se à porta da escola onde estão os nossos filhos, na rua, na estação de comboios, ou se o toxicodependente deve ir para um sítio com condições assépticas para consumir. Eu já decidi que não quero ver a droga a ser consumida à porta da escola."

Com Nome Próprio In: Público, Terça-feira, 30 de Janeiro de 2001

Vitalino Canas - Desconhecido do grande público, Vitalino Canas tem um lugar chave no Governo: é o secretá-

In - dependência

rio de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, ou seja, é o responsável técnico-jurídico, o crivo de todo o processo legislativo do Governo. Para o exterior e já no actual Governo, Vitalino tem tido a tutela da droga. Um "dossier" que começou a gerir sem grande conhecimento do tema, mas em que se tem aplicado, de tal forma que este tem sido um dos sectores com uma política mais activa. Ex-chefe de gabinete de Carlos Melancia e de António Vitorino em Macau, integrou o Governo de António Guterres logo em Outubro de 1995, já na pasta que agora ocupa. Só que se hoje responde directamente ao primeiro-ministro e não depende do ministro Guilherme d'Oliveira Martins, no primeiro Governo da "Nova Maioria", Vitalino estava debaixo da tutela do então ministro da Presidência, António Vitorino. Mas se hoje a sua relação orgânica no executivo é directa com Guterres, no plano político, quando se contam espingardas no PS, Vitalino é visto como um homem de Vitorino. Uma lealdade política que o próprio Vitalino não renega, ainda que se prepare para crescer dentro do PS: elabora com Carlos Zorrinho uma moção de estratégia ao congresso e há quem fale na sua promoção dentro da direcção do PS já no próximo congresso dos socialistas.

Os Próximos Passos In: Público, Terça-feira, 30 de Janeiro de 2001

26/01/2001 - O regime geral das políticas de redução de riscos é analisado positivamente pelo Conselho Científico do IPDT. 30/01/2001 - Reunião do Conselho Coordenador da Estratégia Nacional de Luta contra a Drog. Presidido pelo primeiro-ministro, este mini-Conselho de Ministros vai discutir, eventualmente alterar, e aprovar o anteprojecto de diploma que estipula uma rede nacional e integrada. 31/01/2001 - As medidas são analisadas pelo Conselho Nacional da Droga e da Toxicodependência, órgão consultivo do primeiro-ministro onde têm assento instituições públicas e privadas. Primeira quinzena de Fevereiro - Depois de ponderadas as propostas de alteração entretanto sugeridas, será lançada a fase de discussão pública, que durará 45 dias. O documento será editado e distribuído e estará no "site" da IPDT, onde podem ser recebidos contributos, que podem também ser dados também por via normal. No fim, o Governo decidirá se avança com o programa por decreto ou se envia uma proposta à AR.

Como Vão Ser as Salas de Injecção In: Público, Terça-feira, 30 de Janeiro de 2001

O Governo propõe a criação de salas de injecção asséptica em lugares específicos, promovidas pelo Estado e dirigidas por autarquias e instituições privadas. As salas obedecerão a regras de funcionamento específico e serão licenciadas pelo Instituto Português da Droga e da Toxicodependência. No diploma em preparação pelo Governo as salas de injecção asséptica serão instaladas em locais não expos-

terça-feira, 30 de Janeiro de 2001

pág. 6

tos e em zonas onde já há tradicionalmente consumo instalado. O seu uso destina-se exclusivamente a viciados em heroína e cocaína que consumam estas substancias por via intervenosa e para ter entrada neste locais o toxicodependente tem de estar minimanente inserido no sistema, ou seja, registado como tal. Nestes locais serão distribuídos os instrumentos para o consumo - seringa, água, lamparina, etc -, mas não o produto. Também não haverá assistência ao acto de injectar, o toxicodependente tem de fazê-lo sozinho. No entanto se surgir algum problema, os encarregados da sala terão de chamar de imediato assistência médica ou ambulatória. As drogas não serão analisadas nestes locais. É proibída a venda de drogas nas casa de injecção asséptica, bem como nas suas imediações. Os responsáveis que detectem traficanques têm de chamar a polícia. Estas casas funcionarão no primeiro ano à experiência para ver se cumprem os objectivos: retirar o consumo da rua e melhorar a saúde pública. S.J.A.

Números In: Público, Terça-feira, 30 de Janeiro de 2001

Verbas para programas com incidência na prevenção ou tratamento da toxicodependência (milhões de contos) Evolução de 1995 a 2001 1995 - 7,2 milhões de contos 1996 -10 milhões de contos 1997-10 milhões de contos 1998- 15 milhões de contos 1999- 16,5 milhões de contos 2000- 20,7 milhões 2001- 21,15 milhões

"E Lá Dão Droga?" In: Público, Terça-feira, 30 de Janeiro de 2001

Distribuição por áreas das verbas para 2001 (percentagens) In: Público, Terça-feira, 30 de Janeiro de 2001 Prevenção: 5,4 milhões de contos (26,28 %) Tratamento: 6 milhões (29,2 %) Reinserção Social: 3,1 milhões (15,08 %) Segurança Preventiva: 4,6 milhões (22,38%) Redução de Riscos: 830 mil contos (4,03%) Prisões: 450 mil contos (2,19%) Investigação Científica: 140 mil contos (0,68%) Cooperação Internacional: 27 mil (0,13%) Fonte: gabinete do Secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro

A Política do Governo para a Redução de Riscos In: Público, Terça-feira, 30 de Janeiro de 2001

· Passam a ser geridos de forma integrada na rede nacional os centro de abrigo ou de apoio aos toxicodependentes. · Criação de uma rede nacional e integrada de medidas e meios de prevenção dos riscos e controlo dos danos da toxicodependência sobre a saúde pública.

In - dependência

· A distribuição de seringas nas cadeias ainda não foi ponderada, mas poderá sê-lo durante a fase de discussão prévia do ante-projecto. · A rede nacional de prevenção será promovida pelo Estado e os seus encargos suportados pelo Orçamento. A exploração, consoanto o tipo de sitações será mista e organizada pelo Estado, pelas autarquias ou por privados, por exemplo as salas de injecção asséptica será explorada por privados e pelas autarquias. · Aumentar a rede de distribuição e troca de seringas com a adopção de máquinas, instaladas em lugares com segurança contra o vandalismo, onde os toxicodependentes possam trocar seringas a qualquer hora do dia, ou comprá-las por um preço simbólico. · Criação de salas de injecção asséptica. · O novo sistema prevê que a administração de metadona em doses de baixo limiar em locais administrados por privados ou pelas autarquias, mas geridos pelo Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência. A metadona é administrada por enfermeiro e mediante receita médica. · Criação de postos de escuta e informação que além de recolherem informações sobre o meio e o consumo de drogas, fornecem informações sobre tóxicos, toxicodependência, acesso aos programas de prevenção e combate. Este locais, que podem funcionar em quiosques ou roulotes, por exemplo junto a lugares frequentados por toxicodependentes, irão também servir para fazer a análise da qualidade das drogas. · As equipas de ruas passarão a estar organizadas em rede e podrão deslocar-se em automóveis.

No Casal Ventoso, as "casas de chuto" representam uma novidade ainda pouco ou nada interiorizada. O dia-a-dia do bairro vai-se medindo pela droga que está à mão. Reportagem de Anabela Mendes. O Casal Ventoso continua a ser o grande ponto de referência dos toxicodependentes de Lisboa. As romarias na hora da dose continuam a arrastar-se dolorosamente pela encosta sul, mas a verdade é que já se notam as diferenças ditadas pela requalificação urbana do bairro. No terreno já começam a ficar só as cicatrizes de alguns dos pontos malditos, como as "escadinhas da morte" local assim designado porque os que ficavam naqueles degraus estavam em tal estado de degradação física que só lhes restava esperar um fim breve -, e, apesar dos passos daqueles que procuram heroína continuarem a dirigir-se ao Casal Ventoso, a aglomeração de pessoas é menor. Supõe-se que os que ali resistem em breve rumarão a novas paragens na cidade, porque se o espaço muda, o vício fica. Por enquanto o bairro ainda assusta, apesar do ar alegre das novas construções que aparecem em processo acelerado, ainda é complicado visualizar as encostas amplamente relvadas que se projectam para o futuro próximo. Há os que, ainda mantendo o ar banal do cidadão comum, só ali vão para comprar uma dose, furtivamente,

terça-feira, 30 de Janeiro de 2001

pág. 7

muitas vezes só denunciados por uma mancha de sangue numa manga de camisa. Há os que já não escondem nada há muito tempo. Arrastam-se sem força ou dignidade, vivendo só em função da seringa que lhes pode aliviar a ressaca. E as casas de injecção assistida, vulgarmente denominadas "casas de chuto"? Como é que encaram esta novidade? Nas ruas do Casal Ventoso não há grande emoção acerca da novidade. Os que acedem a falar, e que não são muitos, parecem fazê-lo mais por falta de forças para fugir ao entrevistador. Começam por demonstrar logo que não sabem bem do que se está a falar. Depois da explicação, fica um sinal de concordância, vago, muito vago. Fernando, rosto manchado pela porcaria e roupa barrada de lama, demonstra alguma curiosidade. "E lá dão-nos a droga?", pergunta com um certo brilho de esperança nos olhos mortiços. A pergunta faz arrebitar as orelhas a dois ou três colegas que estão próximo. Mas a resposta negativa diluiu de imediato esta brevíssima centelha de entusiasmo. Inesperadamente, o "não" acende a fúria de Luís. Posicionado de cócoras, enrola as palavras num discurso para provar a sua experiência internacional. "Quando estive em... nessas casas davam-nos a seringa, o produto e uma sandes." Os parceiros acenam em concordância. O nome do país progressista não se percebeu mesmo. Insiste-se de novo. Nada feito. Luís cospe para o lado e ignora a pergunta deliberadamente. Rosa arrasta atrás de si um saco monstruoso de tecido sujo e também se presta a falar. Acha bem a ideia, mas não sabe se alguma vez irá utilizar uma "sala de chuto". "Se ficarem em caminho, talvez. Mas não gosto de pessoas a darem-me conselhos. Só nos fazem perder tempo", garante, metendo-se ao caminho, como se os minutos fossem mesmo preciosos. No fundo, todos acham bem, apesar de não saberem com pormenor do que se trata. No meio de todos os expedientes para arranjar dinheiro para os estupefacientes e no estado geral de apatia em que vivem fica claro que não sobra tempo para saber notícias.

Toxicodependências Tratadas ao Estilo Norteamericano Por MARIA JOÃO GUIMARÃES In: Público, Terça-feira, 30 de Janeiro de 2001

Especialistas falam sobre o modelo "Minnesota" O modelo do Minnesota é mais conhecido por ser a base de grupos de auto-ajuda como os Alcoólicos Anónimos ou Narcóticos Anónimos. Muito usado nos Estados Unidos, assim como na Grã-Bretanha, assenta em doze passos de natureza espiritual. Este modelo começou a ser utilizado nos EUA por volta de 1945 por doentes alcoólicos, mas depois foi adoptado para outros tipos de dependências.

In - dependência

Mas na conferência que ontem se realizou em Lisboa sobre o modelo americano de tratamento de toxicodependências falou-se sobretudo deste método usado não em grupos de auto-ajuda mas em unidades de tratamento. A diferença é que os grupos de auto-ajuda estão entregues a si próprios, enquanto que nas unidades de tratamento o doente fica internado, tem uma equipa multidisciplinar (médicos, enfermeiros, psicólogos clínicos e especialistas em desabituação), uma avaliação física e psíquica anterior ao início do tratamento e terapias de desabituação, como a metadona. Mas assentam na mesma filosofia: o primeiro princípio é tratar todos os adictos (viciados ou dependentes mesmo em português usa-se a palavra adictos, o que mostra logo a origem americana do método) de forma igual: quer se trate de um dependente de álcool, heroína, anfetaminas ou outra droga. Depois, usam-se os doze passos para ajudar as pessoas a viverem uma vida sóbria, explicou o vice-presidente da Hazelden Foundation, Timothy Sheehan. Porque a adicção é vista, segundo os seguidores deste modelo, como uma doença incurável. A ideia é que os adictos tentem, um dia de cada vez, manter uma vida sóbria. Em Portugal, este método é seguido pelo Centro de Tratamento de São Fiel (telefone: 272419889). Licenciado pelo Ministério da Saúde, tem uma capacidade máxima para 25 homens e 25 mulheres. O tempo médio de tratamento é de 12 semanas de internamento. O modelo do Minnesota vê este tempo de internamento como uma base para a "vida sóbria". Depois deste período, o paciente poderá começar a frequentar grupos de auto-ajuda ou, se enfrentar uma grande crise, pode mesmo voltar um ou dois dias para a unidade de desabituação. Maria João Guimarães

Os Doze Passos In: Público, Terça-feira, 30 de Janeiro de 2001

1. Admitir impotência em relação à sua adicção, admitir perda do domínio sobre a sua vida 2. Acreditar num poder superior que devolva a sanidade 3. Entregar a vontade e a vida nas mãos de Deus (na forma em que cada um o conceba) 4. Fazer inventário moral de si mesmo 5. Admitir perante Deus, o próprio e outra pessoa a natureza exacta das suas falhas 6. Tentar remover esses defeitos de carácter 7. Pedir a Deus que o livre das imperfeições 8. Saber as pessoas que se prejudicou e dispor-se a reparar os danos causados 9. Reparar, directamente, esses danos (excepto quando isso ainda prejudique mais essas pessoas, ou outras) 10. Fazer um inventário pessoal dos erros. Quando se esteve errado, deve-se admiti-lo prontamente 11. Usar prece e meditação para melhorar o contacto com Deus 12. Se se experimentou um despertar espiritual graças a estes passos, procurar transmiti-los a outras pessoas

terça-feira, 30 de Janeiro de 2001

pág. 8

adictas e praticar estes princípios em todas as actividades Criação de «salas de chuto»

Polícias prevêm aumento do tráfico de droga Mário Costa In: Portugal Diário, 30/01/2001 | 19.20

A maioria dos agentes das várias forças de segurança estão apreensivos com a criação das «salas de chuto», e temem que as consequências não estejam totalmente previstas. Os polícias acreditam que estas «Salas de Injecção Assistida» possam reduzir os riscos de contaminação entre os toxicodependentes, e acabar com as imagens degradantes que se vêm em muitas cidades. Mas ao mesmo tempo, defendem que as «salas de chuto» vão dificultar o combate ao tráfico de droga: «Estas salas vão reduzir a eficácia do combate ao pequeno tráfico, porque vão retirar das ruas o pequeno consumidor e o consumidor-traficante, que são a face visível do tráfico global. Ou seja, vamos ter mais dificuldade em chegar aos traficantes graúdos, que de facto comandam todo o tráfico», disse esta terça-feira ao PortugalDiário, um agente das brigadas anti-crime da PSP de Lisboa. Para este operacional, tudo não passa de uma «manobra de cosmética» por parte do Governo e dos políticos: «Isto deriva da lei de despenalização que permite às pessoas possuírem droga para consumo próprio. Como diminuíram as detenções por posse de estupefacientes, o Governo veio dizer que diminuiu o tráfico. É mentira. E estas salas só vão contribuir para ampliar ainda mais essa mentira. Estatisticamente, que é o que interessa ao Governo, ele baixou, mas na realidade contínua tudo na mesma», garantiu ao PortugalDiário. A mesma opinião tem um graduado do Comando Metropolitano da PSP de Lisboa, - que pediu anonimato que lamenta a falta de verdadeira medidas de combate ao tráfico de droga: «Isto é tapar o sol com a peneira. Com a despenalização do consumo e as salas de chuto, o que vai acontecer, é que vamos ter na rua traficantes que em vez de venderem grandes quantidades de droga, vão optar por vender as doses permitidas por lei para o consumo, sabendo que nunca serão detidos se nós aparecer-mos. Ou seja, vendem mais, mas menos doses de cada vez. Eu só pergunto se isto é um política séria» interrogou-se ao PortugalDiario. Falta de meios Para este graduado, se as «salas de chuto» forem aprovadas, levanta-se uma outra questão: a falta de meios e condições de trabalho dos polícias: «Se vai ser mais difícil apanhar os traficantes, o Governo tem de perceber que tem investir em mais e melhores meios técnicos e melhores condições de trabalho. Não podemos continuar com viaturas velhas e inadequadas para perseguições, não podemos continuar com armas velhas, sem rádios capazes, com ordenados baixos e com um regulamento de disciplina que só penaliza os agentes», disse ao PortugalDiário.

In - dependência

Uma ideia defendida também por Alberto Torres, presidente da Associação Sócio-Profissional da Polícia (ASPP). Para este dirigente associativo, essa é uma questão fundamental: «São precisos mais meios, até porque a nova lei de investigação criminal confere à PSP competência de investigação em pequenos crimes. Isso pressupõe uma alteração ao regulamento disciplinar, que actualmente inibe o desempenho dos agentes, nomeadamente quando os obriga a pagar os danos nas viaturas, resultantes de acidentes em serviço», defende Alberto Torres. Sobre a criação das «casas de chuto», Alberto Torres tem uma posição moderada - idêntica à de António Ramos, da Associação de Profissionais da PSP (APP) que passa pela concordância baseada numa premissa: a continuação e o reforço do combate ao tráfico de droga. Um reforço defendido igualmente pelo subintendente Sobreira, comandante da 4ª divisão da PSP de Lisboa: «Não se deve baixar os braços, até porque esta medida não vem facilitar a vida do polícias. As «casas de chuto» podem ajudar a evitar os problemas de saúde pública, mas não vão acabar com a droga ou com tráfico. Isso só aconteceria se a droga fosse vendida em farmácias». O PortugalDiário tentou obter a posição oficial da PSP à criação das «salas de chuto». Mas da Direcção Nacional não houve qualquer resposta à solicitação feita por fax.

Casas de Chuto-2 Por JOAQUIM AMADO LOPES, Santa Iria da Azóia In: Público, Quarta-feira, 31 de Janeiro de 2001

O fenómeno da toxicodependência obriga a intervenções a diferentes níveis: prevenção (para diminuir o número de novos toxicodependentes); combate (para aumentar o número dos que deixam de ser toxicodependentes); defesa da saúde pública (porque o ambiente associado à toxicodependência é propício à propagação de doenças infecto-contagiosas). Apesar de algumas ideias sobre a melhor forma de atingir cada um destes objectivos não serem consensuais, todos (?) concordamos que os referidos objectivos são desejáveis e mesmo louváveis. O Governo anunciou recentemente uma série de iniciativas no âmbito do combate à toxicodependência e defesa da saúde pública, a mais "mediática" das quais é a criação de "salas de chuto". Esta medida, em particular, merece dois comentários. Primeiro comentário: a criação de "salas de chuto" tem sido apresentada como uma medida de combate à toxicodependência. Não é. Quando muito, é uma medida de defesa da saúde pública. Havendo, na minha opinião, formas mais eficazes e menos discutíveis de defender a saúde pública, aceita-se a discussão sobre se esta medida faz sentido ou não. Não se aceita que seja apresentada como de combate à toxicodepência. Na realidade, é precisamente o contrário, uma medida de promoção da toxicodependência. Ao disponibilizar, gratuitamente(?), instalações, utensílios e assistência para auxiliar os toxicodependentes a consumirem droga, o Estado está não apenas a bran-

terça-feira, 30 de Janeiro de 2001

pág. 9

quear esse comportamento (ajudando a criar a ideia de que consumir droga "não é assim tão mau"), mas também a ajudar os consumidores a continuarem a sê-lo. Qual é o passo seguinte? Se algum toxicodependente morrer numa dessas "salas de chuto", vítima de um mau produto que comprou "na rua", o Estado passará a fornecer também a droga "de boa qualidade"? Segundo comentário: apesar de o consumo de droga já não ser crime, a lei portuguesa continua a proibi-lo. Ao criar "salas de chuto", o Estado não está a criar mecanismos que alguns usarão para cometer uma ilegalidade. Está a criar mecanismos "especificamente" para serem usados para cometer uma ilegalidade. Com a criação das "salas de chuto", o Governo está, na prática, a despenalizar o consumo de droga, já que não faz sentido que o toxicodependente vá a uma dessas salas "chutar" e, à saída, seja identificado para ser multado ou apresentado em tribunal. A lei portuguesa anda pelas ruas da amargura, mas isso não justifica que quem tem a maior responsabilidade por a defender a enxovalhe ainda mais.

In - dependência

terça-feira, 30 de Janeiro de 2001

pág. 10

Related Documents

In Dependncia
April 2020 4
In
November 2019 54
In
November 2019 53
In
June 2020 40
In
November 2019 63
In
June 2020 34