Diálogos Com A Superação

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DI�LOGOS COM A SUPERA��O: SOBRE FORMA��O, QUALIFICA��O PROFISSIONAL E RECONSTRU��O DE HIST�RIAS DE VIDA DE DEFICIENTES VISUAIS

Cristina Maria Barros de Medeiros

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de P�s-gradua��o em Engenharia de Produ��o, COPPE, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necess�rios � obten��o do t�tulo de Doutor em Engenharia de Produ��o. Orientador: Roberto dos Santos Bartholo Jr.

Rio de Janeiro Dezembro de 2010 DI�LOGOS COM A SUPERA��O: SOBRE FORMA��O, QUALIFICA��O PROFISSIONAL E RECONSTRU��O DE HIST�RIAS DE VIDA DE DEFICIENTES VISUAIS Cristina Maria Barros de Medeiros TESE SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DO INSTITUTO ALBERTO LUIZ COIMBRA DE P�S-GRADUA��O E PESQUISA DE ENGENHARIA (COPPE) DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESS�RIOS PARA A OBTEN��O DO GRAU DE DOUTOR EM CI�NCIAS EM ENGENHARIA DE PRODU��O. Examinada por:

________________________________________________ Prof. Roberto dos Santos Bartholo Jr, Dr. ________________________________________________ Prof. Francisco Jos� de Castro Moura Duarte, Dr. ________________________________________________ Prof. F�bio Luiz Zamberlan, Dr. ________________________________________________

Profa. Elizabeth Tunes, Ph. D. ________________________________________________ Profa. Maria Tavares Cavalcanti, Dra.

RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL DEZEMBRO DE 2010 Medeiros, Cristina Maria Barros de Di�logos com a Supera��o: sobre forma��o, qualifica��o profissional e reconstru��o de hist�rias de vida de deficientes visuais/ Cristina Maria Barros de Medeiros. � Rio de Janeiro: UFRJ/COPPE, 2010. XIV, 235 p.: il.; 29,7 cm. Orientador: Roberto dos Santos Bartholo Jr Tese (doutorado) � UFRJ/ COPPE/ Programa de Engenharia de Produ��o, 2010. Referencias Bibliogr�ficas: p. 193-217. 1. Deficiente Visual. 2. Reabilita��o. 3. Hist�rias de Vida. I. Bartholo Jr, Roberto dos Santos. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPE, Programa de Engenharia de Produ��o. III. Titulo.

� Daniel e Raphael

iii

iv AGRADECIMENTOS A Deus, por conceder-me a gra�a da vida e permitir alcan�ar mais esta vit�ria. Ao Geraldo, por me incentivar a conhecer os caminhos acad�micos e me ajudar com suas id�ias em muitas discuss�es sobre a pesquisa. � minha m�e, por continuar ao meu lado em mais este momento t�o importante para todos n�s. Ao mestre e amigo Roberto Bartholo, por acreditar na concretude deste tema desde o mestrado, deixando-me livre para caminhar e criar. Sentimentos s�o para al�m das palavras. Os ensinamentos estar�o gravados na mem�ria onde quer que eu esteja. � querida amiga Profa. Elizabeth Tunes pelos momentos de trocas em semin�rios de fim de semana em Bras�lia e outros encontros com preciosas sugest�es, o meu eterno agradecimento pele amizade para al�m das orienta��es.

Ao Instituto Benjamin Constant por me receber gentilmente e fornecer-me todas as condi��es para a execu��o desta pesquisa em especial a Dra. M�rcia Nabais, diretora do Departamento de Estudos e Pesquisas M�dicas e de Reabilita��o � DMR, meus sinceros agradecimentos. Aos professores, profissionais e demais funcion�rios da Divis�o de Reabilita��o, Prepara��o para o Trabalho e Encaminhamento Profissional � DRT do Instituto Benjamin Constant. Aos professores e profissionais do Instituto Helena Antipoff da Secretaria Municipal de Educa��o do munic�pio do Rio de Janeiro meus sinceros agradecimentos �s professoras Lourdes, Aida e Vilma pela gentileza com que me recebeu e pelas longas conversas travadas.

v � Claudete, Maria de F�tima, Roberta, Pedrinho, Diogo e Diego pelo carinho nas orienta��es administrativas e escuta nos momentos agudos quanto aos prazos e dificuldades no curso do trabalho. Aos amigos do LTDS onde tudo come�ou minha eterna lembran�a pela constru��o coletiva de saber e pr�ticas vivenciadas a cada dia num ambiente rico de experi�ncias pessoais. Aos amigos professores Carlos Renato e Maur�cio Delamaro, presen�a na aus�ncia. � Funda��o Oswaldo Cruz, onde exer�o minhas atividades profissionais, um sonho que esta tese frutifique. Aos moradores de Manguinhos onde a supera��o � vivenciada a cada novo dia. Aos amigos presentes e ausentes da Pedra de Guaratiba, meu especial muito obrigado pela aten��o nos momentos dif�ceis n�o captados pela medicina dos homens. A todos os amigos que fiz no curso desses tr�s anos e que participaram dessa pesquisa com os quais aprendi o verdadeiro sentido do encontro, os quais cederam seu tempo e suas hist�rias para que todos pudessem conhecer o potencial que trazem dentro de si.

vi Resumo da Tese apresentada � COPPE/UFRJ como parte dos requisitos necess�rios

para a obten��o do grau de Doutor em Ci�ncias (D.Sc.) DI�LOGOS COM A SUPERA��O: SOBRE FORMA��O, QUALIFICA��O PROFISSIONAL E RECONSTRU��O DE HIST�RIAS DE VIDA DE DEFICIENTES VISUAIS Cristina Maria Barros de Medeiros Dezembro/2010 Orientador: Roberto dos Santos Bartholo Jr. Programa: Engenharia de Produ��o Esta tese busca compreender como a imagina��o e a criatividade humanas elaboram novas formas de estar no mundo, construindo caminhos para a supera��o das dificuldades interpostas, face �s situa��es extremas de perda da vis�o na idade adulta. Tendo como base de refer�ncia conceitual a antropologia filos�fica, segundo os escritos de Martin Buber, e os trabalhos sobre a defectologia, escritos por Lev Semionovitch Vigotski, foram estudados o preconceito, o estigma, a vulnerabilidade, as dificuldades e as alegrias que perpassam o mundo dos deficientes visuais. Durante a realiza��o do trabalho, em um per�odo de tr�s anos, foram realizadas entrevistas e di�logos com profissionais cegos e videntes que trabalham em programas de reabilita��o de cegos. Neste per�odo, uma aproxima��o ao entendimento sobre os desafios, oportunidades e dificuldades determinados pela cegueira, tornou-se poss�vel mediante a conviv�ncia e realiza��o de atividades diversas com grupos de cegos. Proponho que os caminhos para a supera��o dos desafios ocasionados pela cegueira, com a constru��o de novos sentidos para a vida, est�o vinculados � cria��o de espa�os de oportunidade para a realiza��o de atividades de trabalho e espa�os de conviv�ncia rec�proca, nos quais o potencial humano possa se manifestar, sobrepujando mudan�as s�bitas e permanentes.

vii Abstract of Thesis presented to COPPE/UFRJ as a partial fulfillment of the requirements for the degree of Doctor of Science (D.Sc.) DIALOGUES WITH OVERCOMING. ON EDUCATION, PROFESSIONAL QUALIFICATIONS AND RECONSTRUCTION OF LIFE STORIES OF VISUAL HANDICAPPED. Cristina Maria Barros de Medeiros

December/2010 Advisor: Roberto dos Santos Bartholo Jr Department: Production Engineering This thesis aims to understand how the human imagination and creativity elaborate new ways of being in the world, building ways to overcome the difficulties brought in face of hard situations of vision loss in adulthood. We studied the prejudice/prejudgement, stigma, vulnerability, the difficulties and joys that pervade the world of the visually impaired/ visual handicapped, based on a conceptual framework of philosophical anthropology, according to the writings of Martin Buber, and work on defectology written by Lev Vygotsky Semionovitch. During the work, in a period of three years, there were interviews and conversations with the blind and sighted professionals who work in the rehabilitation of the blind. During this period, an approach to understanding the challenges, opportunities and difficulties, as determined by blindness, became possible through the coexistence and conducting various activities with groups of blind. I propose that the ways to overcome the challenges caused by blindness, with the construction of new meanings for life, are linked to the creation of spaces of opportunity for performing work activities and of areas of mutual coexistence, in which human potential can manifest, overcoming the sudden and permanent changes.

viii

SUM�RIO PRIMEIRAS PALAVRAS .......................................................................... ................... 1 PARTE I � IMAGENS DO TEMPO ............................................................................ 12 CAP�TULO 1 � DEFICI�NCIA: ESPERAN�AS E INCERTEZAS DE NOVOS TEMPOS ........................ 13 1. Desafios e caminhos a percorrer ......................................................................... ........... 13 2. A realidade da defici�ncia ....................................................................... ...................... 16

3. De paciente a sujeito ........................................................................... .................................. 18 4. Evolu��o e conceitos ......................................................................... ............................ 21 5. Institui��es e bases de dados sobre defici�ncia e cegueira ............................................ 27 5.1. Cegos no mundo e no Brasil ............................................................................ ........ 29 CAP�TULO 2 � OS CEGOS E A CEGUEIRA ............................................................. 37 1. Aspectos hist�rico-culturais da cegueira ....................................................................... 37 2. A fase m�stica da cegueira .......................................................................... ................... 39 3. O per�odo biol�gico ing�nuo ........................................................................... .............. 45 3.1. O nascimento do instituto de Valentin Ha�y ........................................................... 47 3.2. Dos sistemas de lecto escritura para cegos .............................................................. 50 3.3. Da escrita sonogr�fica de Barbier � g�nese do alfabeto Braille .............................. 53 4. As ideias do per�odo cient�fico e sua origem ................................................................. 60 4.1. A corrente hist�rico-cultural e seu m�todo ............................................................. 62 4.2. A atividade humana ............................................................................ ..................... 63 4.3. As fun��es psicol�gicas superiores ........................................................................ . 65 4.4. O per�odo cient�fico e a defectologia ...................................................................... . 67 5. Di�logos entre Vigotski e Buber ............................................................................. ...... 70 CAP�TULO 3 � VIDA E EDUCA��O DE CEGOS NO BRASIL ......................... 73 1. A cria��o de uma institui��o para atendimento a cegos ................................................ 73 2. A consolida��o do Instituto Benjamin Constant ...........................................................

75 3. A imprensa Braille ........................................................................... .............................. 80 4. Os cegos e seus professores ....................................................................... .................... 82 5. A reabilita��o de cegos ............................................................................. ..................... 84 5.1. A��es e programas para a reabilita��o de cegos ..................................................... 84 5.2. A reabilita��o de cegos e o Instituto Benjamin Constant ........................................ 88 PARTE I � IMAGENS DO TEMPO: Algumas Considera��es ................................ 92 ix PARTE II � DI�LOGOS .......................................................................... .................... 95 O caminho metodol�gico ...................................................................... ............................ 95 CAP�TULO 4 � DI�LOGO COM OS ART�FICES DA SUPERA��O ................ 101 1. Sobre o grupo pesquisado ........................................................................ ...................... 101 2. Cegueira: preconceito e estigma ........................................................................... ......... 106 2.1. Conceitos e preconceitos ...................................................................... ................... 109 2.2. Vivenciando o preconceito ....................................................................... ..................... 112 2.3. Aprendizados sobre preconceitos e estigmas .......................................................... 116 3. O que � reabilita��o de cegos tardios? .......................................................................... 119 3.1. A reabilita��o em seus aspectos funcionais ............................................................. 121 3.2. O que os profissionais nos relatam sobre a reabilita��o? ........................................ 123 3.3. Algumas reflex�es sobre a reabilita��o de cegos tardios ........................................ 129 4. A forma��o e a qualifica��o de cegos ........................................................................... 130 4.1. Alguns

conceitos ......................................................................... ............................ 131 4.2. Os relatos sobre a forma��o e qualifica��o de cegos .............................................. 134 4.3. Sobre forma��o e qualifica��o de profissionais que reabilitam cegos .................... 138 4.4. Algumas considera��es sobre forma��o e qualifica��o .......................................... 142 5. Trabalho e Emprego ........................................................................... ........................... 143 5.1. O trabalho e o psiquismo humano ........................................................................... 144 5.2. O emprego para deficientes � as formas de institucionaliza��o do trabalho ........... 146 5.3. Os balc�es de empregos para deficientes ................................................................ 148 5.4. Trabalho e di�logo: cria��o e supera��o ................................................................. 152 5.5. A supera��o e seus art�fices ......................................................................... ............ 154 CAP�TULO 5 � DI�LOGO COM A SUPERA��O ................................................. 157 1. Aproxima��o e acolhimento ....................................................................... ................... 157 2. Di�logos com Cl�udio, �ngela, Evaldo e Ana .............................................................. 162 2.1. Empreendendo a pr�pria vida � Cl�udio ................................................................. 162 2.2. Os olhos das m�os � �ngela ............................................................................ .............. 171 2.3. Dambirad�: uma proposta afrossocial Evaldo ....................................................... 177 2.4. Quando o esporte � a supera��o � Ana .................................................................... 183 CONCLUS�ES ........................................................................ ....................................... 188 REFER�NCIAS BIBLIOGR�FICAS .................................................................... ..... 193 x ANEXOS ............................................................................ .............................................. 218

1. Escala optom�trica de Snellen. .......................................................................... ............ 219 2. Quadro s�ntese dos profissionais entrevistados e suas respectivas fun��es com roteiro de perguntas. ........................................................................ ........................................... 221 3. Autoriza��o pesquisa IBC ............................................................................... .............. 224 4. Acompanhamento de pesquisa IBC .............................................................................. 226 5. Autoriza��o de pesquisa da Secretaria Municipal de Educa��o � SME ....................... 228 6. Termo de compromisso da Secretaria Municipal de Educa��o � SME ........................ 230 7. Lista de empresas cadastradas como participantes do programa de encaminhamento profissional do Instituto Benjamin Constant em 2009 ................................................... 231 8. 1� Fase da pesquisa - Entrevista semi-estruturada e roteiro semiaberto ....................... 232 9. Termo de Consentimento Informado ......................................................................... .... 234 10. 2� Fase da pesquisa - Roteiro de perguntas ................................................................. 235

xi LISTA DE FIGURAS

Figura 1.1. Principais causas de cegueira no mundo em 2002 .....................................

20

Figura 2.1. Alfabeto reproduzido com letras em relevo ...............................................

52

Figura 2.2. Alfabeto Moon .............................................................................. ............. 53 Figura 2.3. Sonografia noturna de Barbier de La Serre ................................................ Figura 2.4. Sonografia de Barbier adaptada � leitura dos cegos ...................................

54 55

Figura 2.5. C�lula Braille ........................................................................... .................. 56

Figura 2.6. Alfabeto Braille ........................................................................... .............. 57 Figura 2.7. Quadro de notas musicais e valores ........................................................... 58 Figura 2.8. N�meros e signos matem�ticos .................................................................... 58 Figura 2.5. C�lula Braille ........................................................................... ..................... 44 Figura 2.6. Alfabeto Braille ........................................................................... ................. 45 Figura 2.3. Sonografia noturna de Barbier de La Serre .................................................. 42 Figura 2.4. Sonografia de Barbier adaptada � leitura dos cegos ..................................... 43 Figura 4.1. Hom�nculo de Penfield .......................................................................... ...... 144

xii LISTA DE TABELAS

Tabela 1.1. Dados regionais m�dios de cegueira e popula��o mundial em 2002 .................. 18 Tabela 1.2. Percentual de pessoas com defici�ncia por regi�o brasileira ............................... 21 Tabela 1.3. Popula��o brasileira com alguma dificuldade de enxergar por regi�o .................. 21 Tabela 1.4. Distribui��o populacional por grau de defici�ncia visual no Rio de Janeiro ....... 22 Tabela 3.1. Aspectos objetivos considerados em programas de reabilita��o de cegos ........... 87 Tabela 3.2. Aspectos subjetivos considerados em programas de reabilita��o de cegos .......... 88 Tabela 4.1. Elabora��o das frases-s�nteses de elementos recorrentes no relato dos entrevistados .....................................................................

................................... 101 Tabela 4.2. Procura por atendimentos de reabilita��o por pessoas com cegueira repentina em progress�o ........................................................................ .............................. 125 Tabela 5.1. Informa��es gerais sobre as entrevistas aplicadas na primeira fase � Dados gerais ............................................................................ ....................................... 159 Tabela 5.2. Resultados das entrevistas aplicadas na primeira fase - Dados relativos ao acometimento visual ............................................................................ .................. 160 Tabela 5.3. Resultados das entrevistas aplicadas na primeira fase � Dados espec�ficos condi��es socioculturais .................................................................... ................ 161

xiii LISTA DE SIGLAS ASL

American Sign Language

CBO

Conselho Brasileiro de Oftalmologia

CID

Classifica��o Internacional de Doen�as

CIDID CIF

Classifica��o Internacional das Defici�ncias, Incapacidades e Desvantagens Classifica��o Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Sa�de

DISTAT

Demographic and Social Statistics - United Nations Statistics Division

DMRI

Degenera��o Macular Relacionada � Idade

EIDD

European Institute for Design and Disability

EUROSTAT

European Union Statistics Division

IAPB

International Center of Eye Health London

IBGE

Instituto Brasileiro de Geografia Estat�stica

ICIDH IDF

International Classification of Impairments, Disabilities and Handicaps International Diabetes Federation

ILO

International Labour Organization

MEC

Minist�rio da Educa��o

MS

Minist�rio da Sa�de

OECD

Organization for Economic Co-Operation and Development

OIT

Organiza��o Internacional do Trabalho

OMS

Organiza��o Mundial de Sa�de

ONU

Organiza��o das Na��es Unidas

OPAS

Organiza��o Panamericana de Sa�de

PNUD

Programa das Na��es Unidas para o Desenvolvimento

SUS

Sistema �nico de Sa�de

UN

Uniteds Nations

UNSO

Uniteds Nations Statistical Office

WHO

World Health Organization

xv

xiv PRIMEIRAS PALAVRAS

Origens e motiva��es

Esta tese procura estabelecer um di�logo sobre a vulnerabilidade e a supera��o, buscando compreender, como preocupa��o central, as condi��es para a reestrutura��o da vida ap�s a perda da vis�o na idade adulta, em especial no que se relaciona �s possibilidades de realiza��o de atividades do trabalho. Com esse objetivo, durante um per�odo de cerca de tr�s anos, principalmente a partir de encontros constru�dos tendo o Instituto Benjamin Constant, na Cidade do Rio de Janeiro, como refer�ncia, estabeleci uma rede de conviv�ncia e aproxima��o com um grupo de cegos afetados pela perda da vis�o na idade adulta e mantive contato com profissionais que trabalham em programas de reabilita��o de cegos. Neste per�odo foram feitos estudos, pesquisas, entrevistas, e participa��es em eventos desenvolvidos para e por pessoas cegas. Os cegos com os quais mantive contato mais pr�ximo s�o a verdadeira fonte de inspira��o para este trabalho. Por interm�dio dos mesmos, fui estimulada a incorporar a meu conhecimento anterior uma s�rie ampla de refer�ncias conceituais, penetrando, por fim, em um mundo instigante que tem me

proporcionado uma nova compreens�o do potencial de realiza��o humano e de nossa rela��o mesma com a vida. Pessoas especiais deste grupo de conviv�ncia � cujas hist�rias de vida relato neste trabalho � me apresentaram, em ricos di�logos e exemplos de vida, extraordin�rias trajet�rias de empenho e dedica��o em suas vidas pessoais, que s�o testemunhos de caminhos trilhados na reconstru��o e adapta��o das suas vidas para uma condi��o nova, extremamente diversa e inesperada. Os estudos desenvolvidos nesta tese d�o seq��ncia e aprofundam os trabalhos iniciados no mestrado, tamb�m realizado no Programa de Engenharia de Produ��o, na COPPE/UFRJ, sob orienta��o do Prof. Roberto Bartholo, na Linha de Pesquisa de Gest�o de Iniciativas Sociais. Durante o mestrado, desenvolvi pesquisas e atividades associadas � compreens�o da recep��o da defici�ncia pelos ordenamentos institucionais

1 brasileiros, o que culminou com a elabora��o da disserta��o "Ajuda m�tua e parcerias na a��o social: a Funlar como estudo de caso de gest�o participativa". Ap�s ter conclu�do o mestrado em 2002, dei continuidade a estudos nesta mesma linha de pesquisa, em um rico per�odo de participa��o como pesquisadora integrante da equipe do Laborat�rio de Tecnologia e Desenvolvimento Social � LTDS. Neste per�odo, integrei a equipe, coordenada pelo Prof. Roberto Bartholo e pela Profa. Elizabeth Tunes, da Faculdade de Educa��o da UnB � Universidade de Bras�lia, que concebeu e realizou, em maio de 2005, na COPPE/UFRJ, o Semin�rio Nacional "Preconceito, Inclus�o e Defici�ncia", que contou, al�m dos participantes nacionais, com pesquisadores e professores provenientes da Espanha, Argentina e Estados Unidos. Minha participa��o nesse semin�rio possibilitou uma oportunidade �mpar de manter contacto com pesquisadores diversos e de estabelecer v�nculos que, al�m de contribu�rem para enriquecer as reflex�es sobre o campo de estudos sobre a defici�ncia, me propiciaram condi��es de estruturar e delimitar a continuidade dessa reflex�o no doutorado. Pelas leituras acumuladas, percebi que o tema defici�ncia admite m�ltiplas abordagens, pode ser estudado com o aux�lio de diferentes disciplinas e, al�m disso, permite e necessita da colabora��o desses m�ltiplos enfoques. O presente estudo buscou estruturar o tema defici�ncia, lan�ando m�o de conhecimentos e viv�ncias e expondo-as em uma seq��ncia compreens�vel de dados e fatos. O estudo possibilitou igualmente um exerc�cio de n�o me deixar ser levada para um lugar comum que reforce ou aprofunde defeitos, limites, impossibilidades e restri��es. O mesmo encontra-se impregnado por minhas impress�es, sendo uma vers�o e an�lise, sob minha inteira responsabilidade, dos fatos. Uma vers�o contingente. A

minha vers�o. Obviamente, para cada leitor desse trabalho, o tema lhe tocar� de modos particulares, levando cada um deles para diferentes lugares. Assim, esta tese �, ao mesmo tempo, uma escuta e um olhar que investigam e refletem as impress�es sobre o potencial humano � sobre o que o mesmo nos informa, sobre como ele atua �, quando se defronta com uma adversidade s�bita ou gradual, mas que � permanente, impondo uma mudan�a radical no curso de vida de qualquer pessoa. Parafraseando Oliver Sacks (2006: 17), autodenominado "neuroantrop�logo em trabalho de campo", que estuda a vida onde a maioria das pessoas v� sen�o a morte, tentei estudar o papel, muitas das vezes paradoxal, da defici�ncia que desvela

2 capacidades latentes e at� surpreendentes para muitos de n�s. A adapta��o segue caminhos diferentes e n�o pode ser observada por lentes de mesmo grau que transmitem a mesma imagem ou engendra as mesmas id�ias. Caminhos de supera��o �, portanto, a frase que poderia simbolizar o tema central dessa pesquisa. E porque estudar os cegos? Existiriam outros caminhos igualmente de supera��o a conhecer, a narrar. Poderia ser outro grupo de pessoas tamb�m. Cada defici�ncia remete a mundos inimagin�veis, apenas aflorados a partir de um olhar mais detido. Mas a escolha n�o � neutra. A abrang�ncia de diferentes graus de dificuldade visual e o grande contingente populacional brasileiro acometido por esta defici�ncia, identificado no censo de 2000, chamou-me a aten��o, significando quase 50% do total das defici�ncias registradas naquele levantamento. Outro fator motivador e relevante da pesquisa � o fato de que, em nossa contemporaneidade, o sentido da vis�o tende a ganhar primazia por sobre os demais sentidos humanos, ao estarmos penetrando em um mundo centralizado e interpretado cada vez mais sob o signo das imagens. Portanto, ser cego ou tornar-se cego, no mundo atual, al�m de ser raz�o de vivenciar o sofrimento e ser motivo de preconceito, significa ser portador de um acr�scimo de carga existencial pela condena��o a viver em um mundo cada vez mais organizado ao entorno da percep��o do olhar.

Sobre o problema e objetivo da pesquisa

Para levar adiante a execu��o desta pesquisa, envolvendo o desafio de compreender a vulnerabilidade da pessoa cega no mundo contempor�neo, foram concebidas algumas quest�es focais, que norteiam a investiga��o e o desenvolvimento do estudo, a saber:

3

i.

como as pessoas cegas lidam com a perda da vis�o na idade adulta e que desafios a perda da vis�o proporciona para a continuidade do desenvolvimento das atividades da vida di�ria e do trabalho?

ii.

em que medida as pessoas que perdem a vis�o na vida adulta conseguem continuar desenvolvendo as atividades costumeiras no trabalho, ou

mesmo,

como as mesmas se estruturam e restruturam a sua vida para a conquista

e iii. iv.

ocupa��o de novos espa�os de trabalho? como as institui��es de apoio a pessoas cegas operam e como estabelecem programas de reabilita��o para indiv�duos que perdem a vis�o na idade adulta? O que estes programas proporcionam?; como as pessoas cegas se organizam e se articulam no sentido de criarem uma l�gica de ajuda m�tua?

A constru��o desta tese foi elaborada de forma a dar respostas a estas perguntas e a atender, em um �mbito mais amplo, ao seu objetivo geral: investigar, no �mbito da vulnerabilidade, do preconceito e do estigma, impostos pela cegueira, as condi��es de supera��o que levam � reestrutura��o da vida ap�s a perda da vis�o na idade adulta, em especial no que se relaciona �s possibilidades de realiza��o de atividades do trabalho. Essa miss�o foi desdobrada, ao longo do trabalho, nos objetivos espec�ficos: i. base em

estudo e compreens�o sobre o preconceito, estigma e situa��o de vulnerabilidade dos deficientes, em especial, de pessoas cegas, com

uma perspectiva hist�rica ampla e, em particular, na �poca contempor�nea; ii. compreens�o do desenvolvimento das ferramentas de leitura para cegos, com �nfase na t�cnica do Braile, bem como sua recep��o e institucionaliza��o no �mbito do Estado Brasileiro; iii. entendimento das oportunidades, dificuldades e desafios da realidade concreta vivida pelos cegos, a partir do tratamento dispensado pelo Estado, em programas de reabilita��o; por meio de entrevistas e viv�ncias com profissionais cegos e videntes que trabalham nos programas de reabilita��o, e com os cegos, p�blico-alvo destes programas de reabilita��o; iv. levantamento, pesquisa e estudo das condi��es que tornam-se favor�veis para a abertura de caminhos de supera��o, entendidos como novas e diversas perspectivas de vida constru�das pelas pessoas afetadas pela perda da vis�o, por meio de entrevistas e conviv�ncia com pessoas cegas.

4

Este trabalho, portanto, se baseia em pesquisa emp�rica, apoiada na observa��o participante, na conviv�ncia em espa�os comuns, relatos, entrevistas e oficinas realizadas com pessoas cegas e deficientes visuais, educadores, pesquisadores e profissionais que trabalham com este grupo. Tendo como base conceptual de refer�ncia a antropologia filos�fica, segundo os escritos de Martin Buber, e os trabalhos escritos sob a defectologia por Lev Semionovitch Vigotski, no pano de fundo das particularidades das mudan�as culturais contempor�neas, este trabalho busca compreender tamb�m como a imagina��o e a criatividade humanas elaboram novas formas de estar no mundo, construindo caminhos para supera��o das dificuldades interpostas, de certa forma, entendendo o humano para al�m dos limites formais usualmente concebidos.

Sobre o caminho, dificuldades e alegrias da pesquisa

Estudar o mundo dos cegos n�o � uma tarefa simples. Embora se tenha conhecimento de que a dificuldade em enxergar cresce com a longevidade � al�m de ser a que apresenta o maior n�mero de casos das categorias de defici�ncias �, � fato que n�o � comum encontrar cegos nas pra�as, nas ruas e nos demais ambientes p�blicos. Como qualquer pesquisador iniciante no tema em estudo, procurei encontr�-los nas bibliotecas com acervo Braille ou junto a professores que estudam esse grupo h� mais tempo. Outro fato remete a recorrente abordagem da defici�ncia. N�o me sentia motivada para explorar o universo sombrio da cegueira. Achava que era poss�vel um novo olhar sobre esta defici�ncia. N�o quis estudar o que n�o � poss�vel, a dificuldade e a limita��o. Grande parte dos trabalhos cient�ficos entre teses e artigos trata a defici�ncia sempre da mesma forma. Retratam as perdas, tristezas e a limita��o. N�o queria refor�ar estas estimativas sobre o tema. Queria abordar um campo de possibilidades de supera��o e, em �ltima palavra, a consolida��o de esperan�as. Participei de col�quios, transitei por exposi��es e participei de encontros, tendo os cegos como companhia. Antes de tudo, realizei quatro entrevistas abertas. Uma foi por telefone, com um pesquisador (22 de janeiro de 2008), e as demais se realizaram em tr�s diferentes locais: uma biblioteca p�blica central (19 de mar�o de 2008); uma universidade do Rio

5 de Janeiro (9 de janeiro de 2008); e um col�quio realizado no Rio de Janeiro (23 de outubro de 2007). Escolhi essa biblioteca, entre as onze existentes no Rio de Janeiro com acervo em c�digo Braille, por ser possuidora de maior n�mero de t�tulos no

respectivo c�digo, al�m de ter a melhor infra-estrutura para cegos leitores, al�m de estar sob a responsabilidade de uma bibliotec�ria cega. Na universidade, conversei com um professor vidente que leciona disciplinas no curso de gradua��o em Inform�tica e que j� teve alguns alunos cegos, dos quais um deles o ajudou a desenvolver um dos primeiros softwares leitor de tela para cegos no Brasil; num col�quio, entrevistei uma professora universit�ria cega, que leciona na Faculdade de Comunica��o da Universidade Federal de Pernambuco; e, a partir de uma reportagem na internet, localizei um pesquisador cego que desenvolve sistemas de informa��o para cegos em bases gratuitas. Perguntei aos entrevistados sobre seu trabalho com cegos, sua forma��o e experi�ncia em pesquisa, pedindo-lhes tamb�m sugest�es. Cada um me mostrou uma perspectiva e um cuidado na pesquisa de campo. Ap�s conversar com os quatro profissionais � tr�s cegos e um vidente � e com outros cegos participantes dos eventos, deparei-me com os primeiros relatos que viriam constituir a pesquisa explorat�ria sobre onde estudam e trabalham, e que locais freq�entam os cegos no Munic�pio do Rio de Janeiro. Sob efeito da influ�ncia exercida pelos livros estudados nas aulas do doutorado, mergulhei numa importante literatura sob a radical reorganiza��o da cultura letrada no mundo contempor�neo, pois instigavame o potencial impacto dessa reorganiza��o sobre o modus vivendi dos deficientes visuais. Cegos, m�todo Braille, internet e tecnologias de informa��o foram elementos que se configuravam no meu universo tem�tico de estudo pelo di�logo estabelecido com El vinhedo do texto1 de Ivan Illich e Mundo codificado2 de Vill�m Flusser. Os temas tratados por esses autores refletem a reestrutura��o do pensamento humano pela converg�ncia de novas formas comunicacionais. O primeiro reflete sobre o papel da leitura na organiza��o da cultura europeia ocidental, interrogando: o que aconteceu? Ser� que hoje, quando se fala em leitura, est� se falando da mesma coisa? Mudaram o m�todo, a raz�o e o lugar? O que se tem hoje por leitura n�o � uma radiografia do sentido. 1

Refiro-me ao livro cuja cita��o completa �: Illich, Ivan. El vi�hedo del texto. Etolog�a de la lecture: um coment�rio al "Didascalicon" de Hugo de San Victor. M�xico: Fondo de Cultura Econ�mica, 2002. 2 Flusser, V. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunica��o. S�o Paulo: Cosac Naify, 2007.

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R�dio, televis�o, internet mudaram o que era a leitura. A tela, os meios de difus�o e a "comunica��o" de massa substitu�ram a p�gina, as letras e a leitura,

que, agora, se denomina "mensagem". Illich (2002: 15) n�o critica os novos h�bitos e comportamentos estabelecidos a partir dos meios de comunica��o e m�todos de ensino. Nem tampouco questiona a import�ncia e a beleza da leitura livresca em suas m�ltiplas variedades. Ao voltar-se para a cultura livresca, ressalta o distanciamento entre o leitor que agora l� um livro e a atividade que realiza enquanto l�. Flusser aponta as linhas escritas como representa��o do mundo por meio de significados, implicando um estar-no-mundo "hist�rico" para os que escrevem e l�em. Paralelamente aos escritos, as superf�cies ou imagens sempre existiram, impondo, no entanto, uma estrutura muito diferente ao pensamento, ao representar o mesmo mundo por meios de imagens est�ticas. Hoje as imagens se dinamizaram para al�m de seus significados est�ticos. Os novos canais comunicativos (filmes, TV, outdoor, internet, etc) incorporam as linhas escritas � superf�cie para al�m de seus significados. Essas reflex�es me fizeram buscar outros estudiosos na vanguarda de seu tempo, como Marshall McLuhan3, Walter Ong4, George Steiner5 que, j� atentos �s mudan�as dos meios comunicativos na d�cada de setenta do s�culo passado, anteviram as mudan�as ora em curso. Umberto Eco6 faria uma confer�ncia em 1996 atualizando o pensamento de McLuhan a respeito de a m�dia estar prestes a ser orientada por imagem. 3

A tese central de McLuhan � que as mudan�as nas interrela��es humanas e na estrutura social que delas se originam foram e v�m sendo promovidas e precipitadas pela evolu��o dos meios de comunica��o. Segundo ele, quando uma forma de express�o, um meio comunicativo, � interiorizado, verifica-se uma altera��o das rela��es entre os nossos sentidos e, em consequ�ncia, mudam os processos mentais. Os conhecidos estudos de Marshall McLuchan enfatizaram os antagonismos audi��ovis�o, oral-textual, chamando a aten��o de pessoas que trabalhavam nos meios de comunica��o de massa e do p�blico informado de um modo geral, ao afirmar "o meio � a mensagem". Suas reflex�es exprimiam a consci�ncia aguda do poder das mudan�as dos meios comunicacionais, antevendo a m�dia eletr�nica. Estas id�ias est�o aprofundadas em Os meios de comunica��o como extens�es do homem. S�o Paulo: Cultrix, 1964 e A gal�xia de Gutenberg. S�o Paulo: Editora Nacional, Ed. da USP, 1972. 4 Afirma que sabemos o que podemos recordar. O conhecimento organizado que o indiv�duo pertencente � cultura escrita det�m foi reunido e colocado a sua disposi��o pelo advento da escrita. As reflex�es e os m�todos de memoriza��o est�o entrela�ados. Oralidade e cultura escrita. A tecnologiza��o da palavra. Campinas: Papirus, 1998. 5 Segundo esse autor, cujas ideias foram compartilhadas por Illich, haveria fora do sistema educativo e assumindo fun��es completamente diferentes casas de leitura e similares. Referese aos shul dos judeus

e � medersa isl�mica ou monast�rios, onde os poucos que descobrissem seu envolvimento numa vida centrada na leitura pudessem encontrar o sil�ncio e a cumplicidade do companheirismo disciplinado que se necessita para inicia��o de uma ou outras diferentes "espiritualidades" ou estilo de celebrar um livro. Steiner, G. Linguagem e sil�ncio. Ensaios sobre a crise da palavra. S�o Paulo: Companhia das Letras, 1988. 6 From Internet to Gutenberg. A lecture presented by Umberto Eco at The Italian Academy for Advanced Studies in America. (November 12, 1996). Umberto Eco. Dispon�vel em http://www.hf.ntnu.no/anv/Finnbo/tekster/Eco/Internet.htm

7 Hoje em dia isso � palavra de ordem para qualquer telejornal. O que � curioso � que a m�dia come�ou a celebrar o poder da imagem no momento em que, na cena mundial, surgia o computador pessoal. Na tela de um computador pessoal rolam palavras, linhas e, para usar um computador, deve-se ser capaz de escrever e ler. A nova gera��o � treinada para ler em uma velocidade incr�vel. Um professor universit�rio menos treinado, segundo Umberto Eco, � hoje incapaz de ler uma tela de computador na mesma velocidade que um adolescente. Esses mesmos adolescentes, se por acaso desejarem programar o seu pr�prio computador, devem saber, ou aprender, procedimentos l�gicos e algoritmos, e digitar palavras e n�meros no teclado a grande velocidade. Nesse sentido, Eco compara o computador � Gal�xia de Gutenberg. Esse leque de indaga��es rebate incisivamente em quem n�o enxerga. Imaginemos um mundo onde a maioria � cega e poucos enxergam! Saramago vislumbrou essa situa��o em seu Ensaio sobre a cegueira, tendo um dos seus personagens afirmado ao recuperar a vis�o: "Penso que n�o cegamos, penso que estamos cegos. Cegos que v�em, cegos que, vendo, n�o v�em..." Saramago mostra, atrav�s dessa obra intensiva e sofrida, as rea��es do ser humano �s necessidades, � incapacidade, � impot�ncia, ao desprezo e ao abandono. Leva-nos tamb�m a refletir sobre moral, costumes, �tica e preconceito atrav�s dos olhos da personagem que v�. � um convite a fazer-nos perceber nossa pr�pria cegueira (SARAMAGO, 1995:310). Alguns filmes7 e document�rios de curta e longa-metragem me permitiram olhar para a perda parcial ou total da vis�o e promoveram um aprofundamento na frui��o dos outros sentidos. Rotina em casa e no trabalho, habilidades, resposta a est�mulos, compreens�o e a luta contra todo tipo de preconceito eram temas enfocados com sutileza, lirismo e poesia, retratando realidades de modo diverso daquele com que costumamos representar os cegos.

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Luzes da cidade (Chaplin, 1931), � primeira vista (1998), Olhos opacos (1999),

A cor do para�so (1999), Reminisc�ncia (2001), Janela da alma (2001), A pessoa � para o que nasce (2004), Um toque de cor (2004), Uma mudan�a na percep��o (2006), Sentidos � flor da pele, (2008), Ensaio sobre a cegueira (2008). Esses filmes retratam estudos experimental, human�stico e informal sobre viver sem vis�o. Di�logos ilustrados com anima��es, fotos e imagens convidam a celebrar a beleza das perspectivas apresentadas pelas pessoas cegas. Imagens vivificam depoimentos na tentativa de traduzirem sentimentos. Pintores, intelectuais, gente do povo retratando cada um por sua perspectiva a cegueira. Mito e verdade misturam-se �s narrativas captadas por lentes que n�o s�o neutras.

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Essas reflex�es ferveram num caldeir�o de possibilidades com m�ltiplas dire��es. O interesse pelo desenvolvimento de um tema � mesclado por meios comunicacionais impressos e digitais e sua influ�ncia na organiza��o da cultura dos cegos � estava embalado por uma necessidade apresentada a mim � �poca8 da aprova��o de meu projeto de pesquisa na Divis�o de Pesquisa, Documenta��o e Informa��o do Instituto Benjamin Constant. As atividades de pesquisa seriam desenvolvidas no Departamento de Estudos e Pesquisas M�dicas e de Reabilita��o do Instituto Benjamin Constant (IBC) e veio acompanhado de uma solicita��o: estudar o desinteresse dos cegos adultos tardios pelo aprendizado do Braille. Narrativas de profissionais9 cegos e videntes descortinaram diferentes perspectivas. O que mobilizava o aprendizado de um novo sistema de escrita e leitura para quem j� tinha sido educado pelos m�todos convencionais? Por que existiam resist�ncias, apontadas pelos profissionais respons�veis pelo seu aprendizado? Para que aprender um novo sistema? Responder a essas perguntas exigia uma aten��o para al�m das entrevistas com os profissionais, pois seria apenas uma face da quest�o. Paralelamente aos di�logos com profissionais cegos e videntes que participavam do dia a dia dos cegos10 em reabilita��o, comecei a partilhar os espa�os de conviv�ncia junto aos cegos para captar suas experi�ncias, necessidades e emo��es. Passei a visitar uma vez por semana o IBC e o Instituto Helena Antipoff (IHA) durante o primeiro ano. Nos per�odos subseq�entes, freq�entei apenas a primeira institui��o com a mesma regularidade, al�m de outros locais onde houvesse oportunidade de conv�vio. J� em contato com profissionais que atuavam junto aos cegos e com os pr�prios reabilitandos dos dois institutos, procurei assistir a aulas, participar de semin�rios, de oficinas, de jornadas, de centros de estudos, de encontros descontra�dos em lanchonetes, ou circulava pelos corredores ouvindo hist�rias informalmente, sem tomadas de depoimentos. S� depois, pouco a pouco, fui conhecendo mais o universo de lutas, tristezas, alegrias e vit�rias que cerca os cegos e seus familiares. De repente, vime envolvida com muitos relatos pessoais e dramas vividos por aquelas pessoas. Reparei, em muitos deles, seq��ncia de fatos e experi�ncias que refletiam

diferentes 8

Em dezembro de 2007 iniciei minhas visitas peri�dicas ao IBC e Secretaria Municipal de Educa��o do Rio de Janeiro. Tive o projeto aprovado em maio e junho de 2008 em cada institui��o, respectivamente. A pesquisa de tese iniciada extra oficialmente em dezembro de 2007 foi finalizada em janeiro de 2010. Contudo os la�os criados ainda permanecem e perduraram para al�m do trabalho. 9 Foram entrevistados 15 profissionais, sendo 10 videntes e 5 cegos. 10 Foram entrevistadas 76 pessoas sendo 38 cegas e 38 deficientes visuais.

9 contextos, embora unidos por um fio condutor: a supera��o. Esse tema passou a ter centralidade na pesquisa, substituindo o aprendizado do Braille e promovendo uma guinada no trabalho. Algo particular e �nico, ao mesmo tempo em que comum e compartilhado, permeava os relatos. O desejo de todos que perdem a vis�o depois de ter enxergado � retornar a vida t�o normal quanto poss�vel. As experi�ncias acumuladas e caminhos a seguir s�o singulares, assim como a capacidade criativa, comportando infinitas possibilidades, embora referidas a um lugar comum. Contudo, o anseio de dar um novo sentido � pr�pria vida e se p�r em atividade eram prerrogativas presentes em cada uma das falas. Ou seja, a experi�ncia da perda da vis�o � �nica, pessoal, singular. Havia algo de comum no objetivo daquelas vidas: ter uma atividade e ser feliz. Os caminhos para alcan�ar esse objetivo eram infinitamente diferenciados. Essa aproxima��o vivencial permitiu um melhor delineamento do estudo e, antes da finaliza��o da pesquisa, j� era poss�vel sugerir algumas respostas para as quest�es que envolviam os profissionais preocupados com o pouco interesse no aprendizado do Braille: o ensino de qualquer t�cnica ou treinamento passa, necessariamente, por um curvar-se � alteridade do outro, permiss�o m�tua, na qual quem aprende e quem ensina s�o respons�veis; e, acima de tudo, respeitando-se, por quem ensina a apropria��o do sentido do aprendizado para cada um. Logo percebi que ter uma atividade, ser reconhecido pela experi�ncia acumulada e participar da vida social eram condi��es essenciais � supera��o de uma limita��o (qualquer dificuldade). O aprendizado de t�cnicas comunicativas (Braille, softwares, computadores adaptados e demais perif�ricos) e de mobilidade (uso de bengalas) se constitu�a em ferramental �til � consecu��o de novos objetivos que se interp�em � nova vida que cada um passa a ter, desde que embalados por sentido e aplica��o na nova condi��o. � poss�vel ver diferentes sentidos e relev�ncia para uma mesma atividade. Assim, para entender a necessidade do conhecimento de uma t�cnica, � preciso saber qual aplica��o ser� dada ela. E, a partir dos di�logos com a supera��o, fui percebendo a riqueza e o valor dados a simples encontro, conversa e conv�vio em muitas ocasi�es vividas e compartilhadas com aqueles que eu precisava ouvir. A aceita��o para integrar o grupo foi consentida pelo conv�vio e rela��o estabelecida, at� que, num dado momento, era avisada e convidada pelos cegos para

10 participar de encontros e comemora��es, embora soubessem que eu estava ali na tentativa de colher por "uma" lente os caminhos individuais e coletivos adotados por aqueles que me recepcionavam. Mas n�o � poss�vel apenas dialogar e colher informa��es sem um respaldo conceitual. Busquei nas id�ias de Lev Semionovitch Vigotski11 e Martin Buber um apoio conceitual que pudesse orientar as reflex�es e an�lise dos relatos dos sujeitos da pesquisa. As interlocu��es foram de uma riqueza inestim�vel permitindo a reconstru��o de hist�rias de vida e caminhos de supera��o de pessoas que perderam a vis�o ap�s terem enxergado. As hist�rias de vida precisavam de uma orquestra��o e moldura. A minha seq��ncia de escrita zigzagueou do conceito para a pr�tica e da pr�tica para o conceito. Os cap�tulos constru�dos revelaram um ordenamento de minhas id�ias e por isso constru� a primeira parte que chamei Imagens do Tempo por retratar fatos e dados fora do meu universo investigativo, mas importantes como "pano de fundo" para as hist�rias que eu ainda nem sabia como escrever. O Cap�tulo I me permitiu apresentar um panorama qualitativo e quantitativo da cegueira, tendo relevante import�ncia no entendimento do grupo analisado. O Cap�tulo II me transportou para tempos e lugares remotos apresentando a evolu��o de conceitos e introduzindo as quest�es conceituais que me prepararam para a an�lise dos fatos e dados. Por fim, o Cap�tulo III mergulhou no passado e no presente do g�rmen da educa��o de cegos no Brasil, enfim todos fundamentais para a segunda parte. O t�tulo Di�logos para a parte II n�o foi escolhido por acaso. Significou a ess�ncia do que se seguiu. Seja com art�fices, seja com a pr�pria supera��o, os di�logos me informaram o que o potencial humano � capaz diante de s�bitas e permanentes mudan�as.

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H� diversas tradu��es/translitera��es das obras deste autor do russo (alfabeto cir�lico) para outras l�nguas e posteriormente para o portugu�s segundo nos orienta Zoia Prestes uma das tradutoras das obras de Vigotski do russo para o portugu�s no Brasil. Utilizarei a grafia Vigotski em refer�ncia �s suas id�ias. Grafarei de outro modo em conformidade com a refer�ncia bibliogr�fica consultada (PRESTES, 2010.

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PARTE I � IMAGENS DO TEMPO Introdu��o Uma pesquisa analisa dados colhidos no presente. Contudo, n�o � poss�vel a uma abordagem ater-se apenas ao momento atual. Uma narrativa para ser bem compreendida deve ser subsidiada por elementos da pesquisa hist�rica, cronologia necess�ria ao entendimento dos resultados alcan�ados. � importante um retorno ao passado e �s origens sobre os quais se edificaram os dados do presente. Imagens do tempo descortina em seus tr�s cap�tulos fatos e abordagens sobre defici�ncia e cegueira. Por isso, entendeu-se que as informa��es que se seguem constituem-se na base para o trabalho, fornecendo a compreens�o requerida sobre os elementos fundantes do tema em quest�o. Nessa primeira parte ser�o apresentadas reflex�es e informa��es sobre desafios, incertezas, conceitos e bases de dados sobre defici�ncia, al�m de aspectos relacionados � hist�ria dos cegos e da cegueira no mundo e no Brasil. Ser� apresentada uma perspectiva hist�rico-cultural da cegueira apoiada nos estudos vigotskianos e de outros autores. Trata-se de uma prepara��o do "terreno" para a apresenta��o dos dados da pesquisa realizada.

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CAP�TULO I DEFICI�NCIA: ESPERAN�AS E INCERTEZAS DE NOVOS TEMPOS

1. Desafios e caminhos a percorrer

Evid�ncias hist�ricas mostram que o desenvolvimento humano n�o ocorre paralelo ao progresso material. Os novos desafios que a humanidade enfrenta n�o se encontram no plano econ�mico e t�cnico, mas nas rela��es interpessoais. O s�culo XX encerrou-se com grandes avan�os sociais e tecnol�gicos que promoveram melhorias na comunica��o e no contato entre sociedades e indiv�duos; e isso se deu de tal forma acelerado, que resultou em interatividades deslocalizadas, choques culturais e desequil�brios em modelos sociopol�ticos, assimilados sem adequa��es ou sequer avaliados em seus benef�cios. � certo que avan�os se sucederam, apoiados por conta e risco de saberes e suas ferramentas, sem que, em muitos casos, se desse conta de qual a dire��o acertada. Igualmente estes mesmos avan�os reinaram em diferentes campos a servi�o do homem, permitindo sua aplica��o generalizada na supera��o de desvantagens naturais. Os mesmos avan�os tecnol�gicos forneceram os meios e os elementos necess�rios para que grupos de pessoas gestassem suas possibilidades para aquisi��o de conhecimentos, sem os quais n�o seria fact�vel participar ativamente da vida social e econ�mica.

As sociedades organizadas em torno do trabalho e do emprego constroem seus valores e princ�pios morais na rela��o dos indiv�duos com suas atividades produtivas. Dispor de um emprego sup�e o desempenho num rol socialmente valorado, sendo reconhecido como sujeito de direitos e obriga��es, num c�rculo virtuoso de bemestar social. N�o dispor de uma coloca��o � um fator de marginalidade e risco de exclus�o das rela��es sociais (ARENDT, 2003: 90). Dada esta realidade inquestion�vel � em que importa a l�gica dominante da m�xima produtividade e rentabilidade com o m�nimo custo � as pessoas com limita��es t�m reduzidas as suas possibilidades de participa��o na vida social e produtiva.

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Valorizar a diversidade e a diferen�a manifestada pelo humano requer que os princ�pios �ticos e solid�rios, associados � compreens�o da vulnerabilidade e alteridade, sejam levados em considera��o na elabora��o de saberes, pr�ticas e inova��es, de modo a permitir que as pessoas portadoras de limita��es f�sicas, sensoriais e ps�quicas sejam integradas ao c�rculo virtuoso das atividades, ocupa��es, direitos e obriga��es que fazem parte do universo de qualquer membro de uma sociedade. O n�mero de pessoas que apresentam necessidades especiais vem crescendo por conta do aumento da expectativa de vida e dos fatores ambientais. Tal n�mero se refere a mais de 10% da popula��o mundial ou mais de 600 milh�es de pessoas cuja aten��o segue insuficiente e para as quais as expectativas de integra��o na vida di�ria ainda s�o muito reduzidas em todas as sociedades, desenvolvidas ou n�o (GARC�A, 2003:50). Embora nos �ltimos trinta anos muitos esfor�os tenham sido realizados no �mbito de pol�ticas e programas de preven��o, aten��o, reabilita��o e integra��o dessas pessoas, permanecem lacunas que refletem o descumprimento de normas e pr�ticas para o desfrute das oportunidades propugnadas. As sociedades modernas est�o, sem d�vida, mais conscientes da situa��o dessas pessoas, sendo numerosos os pa�ses que incorporaram, em suas cartas magnas e normas, a erradica��o da discrimina��o de pessoas com defici�ncias e promoveram sua integra��o com propostas e acordos internacionais. A hist�ria constitucional brasileira, por exemplo, somente a partir de 1978 observou dispositivos espec�ficos acerca dos direitos das pessoas com defici�ncia, com a edi��o da Emenda Constitucional 12/78, que representou um marco na defesa deste grupo. Seu conte�do compreendia os principais direitos das pessoas deficientes, sendo-lhes assegurada a melhoria de sua condi��o social e econ�mica, especialmente referentes � educa��o, assist�ncia e reabilita��o, proibi��o de discrimina��o e acessibilidade. A Carta Brasileira de 1988 manteve os direitos que j� eram previstos na referida Emenda, conferindo a eles maior detalhamento e especificidade, al�m de

fixar as atribui��es executivo-legislativas dos estados da federa��o. Ressalte-se, ainda, que a Constitui��o sofreu a influ�ncia e o impacto do movimento crescente de tutela da pessoa com defici�ncia no �mbito internacional.

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Muitas vezes, a presen�a das refer�ncias �s pessoas deficientes na legisla��o s�o aspectos formais que n�o necessariamente contribuem para a integra��o real e efetiva dessas pessoas. Esta incapacidade dos poderes p�blicos e dos grupos sociais para promover a integra��o efetiva � uma manifesta��o da inefici�ncia social dos sistemas criados e uma constata��o clara de que se corre o risco de utilizar valores e normas morais em discursos com ret�rica n�o aplicada nas atividades da vida cotidiana e nem nas empresas. N�o se trata, portanto, de incorporar marcos legais, mas sim de incorporar princ�pios na raiz das pr�ticas convivenciais e atitudinais. No hay excepciones. En todos los pa�ses del mundo, los discapacitados

han sufrido

y sufren discriminaciones y violaciones a diario, a pesar de la protecci�n que les ofrecen diferentes tratados internacionales (KANG, 2009). As pessoas com defici�ncia devem sentir que podem exercer seus direitos, sendo estimuladas ao di�logo e � escuta de suas necessidades, embaladas em valores fundados na liberdade individual. Legar esses valores � permitir que estas pessoas possam ter clareza para influenciar os tratamentos cl�nicos, a reabilita��o prescrita, a proposta de aprendizado e o trabalho que podem desenvolver � constru�dos a partir de possibilidades e limita��es. Este campo de influ�ncia varia em termos de cultura, segmento social, regi�o geogr�fica, escolariza��o, acesso a equipamentos e instrumentos p�blicos ou privados, al�m de outras vari�veis facilmente identificadas. Em resumo, n�o se pode enquadrar as pessoas em manuais de habilidades pass�veis de se desenvolver por quem quer que seja. H� de se reconhecer o avan�o e o dom�nio da t�cnica pelo homem para o homem, permitindo que um reequilibre as diferen�as do outro, propiciando a elabora��o de pol�ticas que atendam �s expectativas. Mas como organizar os servi�os e produtos que atendam a uma popula��o cada vez mais expressiva? O poder p�blico e a iniciativa privada precisam encarar demandas da popula��o para a qual a esperan�a de vida se alarga consideravelmente. �

necess�rio identificar oportunidades e amea�as a fim de que se tenha em mente qual o modelo adequado de sociedade para abertura da cultura da diversidade, respeitando-se a dignidade de cada pessoa, para que se possibilitem escolhas sobre seu futuro e modo de viver melhor.

15 2. A realidade da defici�ncia

Pelo seu car�ter at�pico, surpreendente, ora divertido, vez por outra repelente e repulsivo, pelas mais diferentes raz�es � por ignor�ncia, supersti��o, altru�smo ou raz�es humanit�rias e religiosas; por compaix�o, temor, conveni�ncia e ego�smo; pela for�a do sangue; por motivos de manuten��o da ordem social, por in�rcia de costumes; pela necessidade de m�o de obra barata; por requerimentos de mandados legais ou por falta de alternativas �, a quest�o � que em todas as culturas sempre houve indiv�duos diferentes que adquiriram v�rias denomina��es e foram objetos das mais variadas concep��es e formas de trato. Subordinaram-se tamb�m a variadas institui��es dominantes que estabeleciam as bases do que � diferen�a, quem s�o os diferentes, qual o lugar deles na sociedade e qual o trato prescrito a eles. Cada sociedade, em momentos hist�ricos diversos, desenvolveu necessidades e estabeleceu valores sociais, em fun��o dos quais se determinava o que era adequado ou inadequado (diferente) socialmente. Criaram-se institui��es que fixavam e distinguiam crit�rios de sele��o dos sujeitos diferentes, estabelecendo terminologias, a fun��o a desempenhar na sociedade, o ambiente em que deveriam permanecer reclusos e o tratamento a receber (D�AZ, 1995:20). Na atualidade, a supera��o de obst�culos alcan�ada pelas pessoas deficientes e outras minorias sociais deveu-se ao esfor�o conjunto das fam�lias, associa��es de pessoas com defici�ncia, profissionais e institui��es. Entretanto, existe unanimidade em considerar que ainda h� barreiras s�cio-espaciais limitadoras da participa��o dessas pessoas na sociedade. Elas t�m menos oportunidades que outros cidad�os para viver uma vida com possibilidades de realiza��o, porque possuem mais dificuldades para estudar e para encontrar trabalho; al�m disso, muitas delas s�o exclu�das de diferentes �mbitos da sociedade porque simplesmente n�o t�m acesso a eles. A maior barreira, contudo, est� dentro de nossas mentes. Frequentemente, quando se pensa em pessoas com limita��es sensoriais, f�sicas ou ps�quicas, pensase

apenas na defici�ncia que as converte em diferentes, construindo-se uma generaliza��o da incapacidade, n�o se levando em conta que a defici�ncia n�o � um atributo da pessoa, descaracterizando, assim, suas qualidades e restringindo suas possibilidades.

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O esfor�o por lograr uma vis�o mais consciente dentro do imagin�rio coletivo dessas pessoas tem se revelado quase in�til. Ocorre o mesmo com as leis que, por si mesmas, sem outro tipo de medida, n�o logram os objetivos a que se prop�em. � necess�rio outro tipo de estrat�gia que veicule imagens que se possam contrapor �s que se associam � dor, ao sofrimento e � incapacidade. Em geral nos relacionamos com a imagem que temos do outro, n�o com sua realidade. E este mecanismo mental est� na base de muitas dificuldades de rela��o, de mal-entendidos, rejei��es e preconceitos. A imagem da defici�ncia em muitas vezes apresenta-se para n�s associada � piedade, ao medo e � d�vida. Como as pessoas ditas normais se relacionam com pessoas com defici�ncias? Quem de antem�o querer� a companhia de algu�m que � visto como diferente? Vivemos numa sociedade que valora a est�tica e a apar�ncia em detrimento da �tica e do significado profundo das coisas e das pessoas. Num mundo de falsas imagens de normalidade, que promete felicidade ou infelicidade segundo nos acerquemos mais ou menos delas. Esta sociedade tende a gerar frustra��es e sofrimentos na base das rela��es fundadas na apar�ncia, derivando males do corpo e do esp�rito pelo n�o enquadramento em categorias bem vistas. Aceitamos pessoas com apar�ncias que incomodam aos nossos olhos desde que tenhamos v�nculos com elas. Surge ent�o um segundo elemento que se traduz como conveni�ncia ou utilidade. Sem nos darmos conta disso, assumimos e animamos atitudes �ticas e moralmente convenientes, desde que tenhamos interesse nas a��es. � necess�rio refletirmos sobre a ess�ncia das pessoas � um elemento de percep��o que permanece com ou sem defici�ncia, com ou sem apar�ncia aceit�vel � como a forma de se alterarem as distor��es de percep��o das pessoas com defici�ncia e de outras minorias, por parte da sociedade . O conceito de exclus�o social n�o alude unicamente �s situa��es econ�micas, pois se relaciona tamb�m com a pobreza de rela��es interpessoais. A priva��o social, produto de atitudes sociais negativas, engendra situa��es estigmatizantes e de abandono, elevando o risco de desinforma��o e isolamento que levam � redu��o de oportunidades e de participa��o na vida em sociedade. A situa��o em desvantagem ou n�o a que � submetida a pessoa com defici�ncia

� o resultado da intera��o de circunst�ncias pessoais e de fatores sociais, da maior ou

17 menor acessibilidade do entorno, da exist�ncia e do acesso de ajudas t�cnicas apropriadas, das atitudes, dos comportamentos e das normas sociais, do ambiente familiar � todos elementos-chave na busca de uma vida digna e plena, possibilitando um repensar de imagens e conceitos sobre a defici�ncia. A quest�o da defici�ncia tem merecido a��es preventivas em seu controle pela mudan�a de h�bitos e costumes inadequados. Surgem campanhas de preven��o que pressup�em a��es objetivas, na medida do poss�vel, contra les�es permanentes evit�veis1. O fator mais contundente deste cen�rio � a condi��o socioecon�mica de grupos desfavorecidos que veem incrementados os riscos de ter um membro da fam�lia portando alguma defici�ncia. No limiar do s�culo XXI, os contingentes populacionais em condi��es socioecon�micas desvantajosas aumentaram as estat�sticas de defici�ncia pelo n�o acesso �s condi��es de saneamento b�sico e �gua tratada, al�m, por exemplo, da longevidade da popula��o (PNUD, 2000). Tradicionalmente, a prioridade das respostas pol�ticas ao fen�meno da defici�ncia t�m consistido em medidas de compensa��o social canalizada atrav�s da benefic�ncia ou de benef�cios concedidos aos familiares. Outras medidas se referem a a��es ao pr�prio deficiente, com servi�os integradores na vida comunit�ria (GARC�A, 2003:76).

3. De paciente a sujeito

A defici�ncia passou por interpreta��es que a levaram desde o exterm�nio � venera��o em contextos hist�ricos distintos: dos medos irracionais, passando pela ignor�ncia at� as desigualdades sociais. Na passagem da Idade M�dia para a Idade Moderna, a busca pelo propagado ideal de conhecimento cr�tico poderia ter contribu�do para a supera��o de supersti��es e mitos vigentes, mas continuou a vigorar um entendimento de que as pessoas incapacitadas seriam inferiores. As id�ias iluministas, embora tenham gestado os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, em cuja raiz floresceram os direitos humanos e a cidadania, deixaram como legado um novo rol de pobres e in�teis, sujeitos � assist�ncia, em contraposi��o 1

Campanhas de vacina��o, diagn�sticos precoces de doen�as cong�nitas e doen�as que ocasionam les�es permanentes incapacitantes e a��es preventivas de acidentes dom�sticos, de tr�nsito e outras.

18 aos cidad�os de pleno direito. O inv�lido se converteu em sujeito protegido ou tutelado, transformando-se paulatinamente em sujeito de medidas sociossanit�rias e dos sistemas de seguridade social. A marginaliza��o da defici�ncia atravessou culturas por muitos s�culos. Foi entre a 1� e 2� grandes guerras que surgiu um novo paradigma: a reabilita��o. N�o que em outros momentos n�o houvesse a��es de tal natureza, como veremos adiante, mas neste per�odo institucionalizaram-se as medidas de saneamento social. Os mutilados de guerra � e posteriormente todos os deficientes � tornaram-se pacientes da assist�ncia e ganharam tratamento m�dico para corrigir ou modificar seus estados f�sico, ps�quico e sensorial, convertendo-se em objeto da reabilita��o (GARC�A, 2003:60). O paradigma da reabilita��o pressup�e a supera��o do enfoque tradicional da defici�ncia centrado na oposi��o entre apto e inapto, ou capaz e incapaz. Inaugura um enfoque moderno em que a defici�ncia � algo modific�vel, aportando a abordagem terap�utica multiprofissional. O novo enfoque n�o supera a contribui��o dos modelos anteriores centrados na imutabilidade da doen�a (modelo organicista-biol�gico) e no tratamento cl�nico (modelo humanista-emp�rico) que coexistem, mas incorpora ideias inovadoras, agregando aspectos socioambientais de diferentes disciplinas, al�m de perspectivas de acesso a oportunidades e de constru��o de uma vida independente (D�AZ, 1995:101 e 404). O per�odo entre guerras fez surgir tamb�m a Ergonomia com seu enfoque sist�mico, das intera��es pessoa-posto (referido � atividade desenvolvida) e pessoaentorno (referido ao ambiente). Esta disciplina contribuiu de forma significativa no desenho de ajudas t�cnicas e de espa�os para pessoas deficientes, al�m da promo��o de um novo conceito de adapta��o do trabalho ao homem, revendo antigos padr�es de adaptabilidade inaplic�veis a pessoas com limita��es. No congresso de Ergonomia e Incapacidade celebrado em 1982 em Lorient (Fran�a), prop�s-se o termo incapacidade de situa��o, que se define como uma desarmonia entre o homem e seu entorno, em que ambos s�o respons�veis pelos esfor�os de atenuar ou incrementar condi��es pr�ximas ao ideal. Se a incapacidade � um obst�culo para desenvolver uma tarefa devido ao desenvolvimento tecnol�gico, h� de se transpor tal impedimento com projetos nos quais desapare�am os obst�culos e apare�am novas adapta��es, deduzindo-se, pois, que a incapacidade � um conceito, al�m de cambiante, em permanente mudan�a. 19

Os obst�culos devem ser vistos como desafios a serem transpostos, superados ou minimizados, desde que os projetos dos ambientes e atividades preponham as solu��es adequadas �s necessidades requeridas para a ocupa��o e o desempenho de fun��es. A Ergonomia propugna adequar o entorno e as atividades que s�o realizadas pelo homem, e n�o o contr�rio, como vinha acontecendo antes de seu aparecimento

(GARC�A, 2003:62). A Ergonomia pode contribuir em uma perspectiva de an�lise do conceito de converg�ncia pessoa-ambiente que se estabelece entre o paradigma da reabilita��o e da vida independente. Tal paradigma considera o indiv�duo como possuidor de determinadas necessidades, for�as, destrezas, d�ficits e limita��es dentro do contexto de entorno onde vive. Por sua vez, esses entornos devem proporcionar recursos e oportunidades relacionadas com as demandas e expectativas que o indiv�duo vivencia para otimizar a converg�ncia pessoa-entorno. Desta an�lise se evidencia a quest�o da capacidade de o indiv�duo dominar o ambiente que lhe facilite a vida cotidiana. H� entornos verdadeiramente hostis para muitos cidad�os (incluindo-se pessoas com idades avan�adas e crian�as). Contudo, existem ambientes que, pelo que representam, devem estar plenamente acess�veis (escolas, centros de trabalho, museus, mercados), pois, do contr�rio, impedem a participa��o de muitos indiv�duos. Esta an�lise imp�e uma corresponsabilidade para tomada de consci�ncia dos atores envolvidos na concep��o de cada espa�o da vida em sociedade. O contexto anterior est� na base do "Desenho para Todos", cujo conceito � uma resposta que ajusta n�o apenas as necessidades atuais das pessoas incapacitadas, como tamb�m prop�e uma concep��o de sistemas, produtos e objetos que podem ser utilizados pelo maior n�mero poss�vel de pessoas, em v�rias situa��es, com seus diferentes n�veis de habilidades e capacidades. A transi��o de um modelo m�dico-assistencial para um modelo social orientado para conquista de direitos incorporou em suas propostas projetos de ambientes e objetos adequados � necessidades das pessoas. Possibilitou uma mudan�a de olhar sobre a pessoa como objeto e possuidora de doen�a para um sujeito que precisa ter seus direitos atendidos. Esta mudan�a foi iniciada em 1975, quando pela primeira vez a ONU falou de direitos humanos das pessoas incapacitadas, pela promulga��o da Declara��o sobre Direitos Humanos das Pessoas com Incapacidades (ONU, 2009). 20

A celebra��o do Ano Internacional das Pessoas com Incapacidades, em 1981, por iniciativa das Na��es Unidas, trouxe o primeiro Programa Europeu a favor de pessoas com incapacidades, em 1983, e a Conven��o 1592 da Organiza��o Internacional do Trabalho - OIT (ILO, 1983). Por esta Conven��o, fica assegurado, tanto nas zonas rurais como nas urbanas, a igualdade de oportunidade e tratamento a todas as categorias de pessoas deficientes no que se refere a emprego e integra��o na comunidade. O Brasil ratificou em 1991 as recomenda��es da Conven��o 159 sobre habilita��o e reabilita��o profissional (BRASIL, 2004). Al�m da Conven��o 159/83 da Organiza��o Internacional do Trabalho (OIT), o Brasil ratificou a Conven��o Interamericana para a Elimina��o de Todas as Formas de Discrimina��o Contra as Pessoas Portadoras de Defici�ncia, tamb�m conhecida como a

Conven��o de Guatemala. Ambas as normas apresentam status de leis nacionais e tratam da garantia de emprego adequado e da possibilidade de integra��o ou reintegra��o na sociedade das pessoas com defici�ncia. Quem as ratifica, como foi o caso do Brasil, deve formular e aplicar pol�tica nacional para a readapta��o profissional e de emprego para pessoas deficientes. Em 2006, a OIT aprovou a Conven��o Internacional de Direitos da Pessoa com Defici�ncia. Entre outras determina��es, a nova norma da OIT estabelece que as cerca de 650 milh�es de pessoas com defici�ncia, em todo o planeta, t�m direito � sa�de, � educa��o inclusiva e ao transporte. O Brasil foi um dos primeiros pa�ses a assinar esta Conven��o, em 30/03/2007, na sede da Organiza��o das Na��es Unidas (ONU), em Nova York.

4. Evolu��o de conceitos

Pode-se afirmar que o conceito de defici�ncia seguiu passos bem semelhantes em muitas culturas. Do discurso m�stico ao discurso pol�tico, a abordagem biol�gica marcou seu lugar ap�s a supera��o do car�ter demon�aco que sempre esteve presente. � 2

Para efeito desta Conven��o, entende-se por "pessoa deficiente" todas as pessoas cujas possibilidades de obter e conservar um emprego adequado e de progredir no mesmo fiquem substancialmente reduzidas devido a uma defici�ncia de car�ter f�sico ou mental devidamente comprovada. Todo pa�s que a ratifique dever� considerar que a finalidade da reabilita��o profissional � a de permitir que a pessoa deficiente obtenha e conserve um emprego e progrida no mesmo, e que se promova, assim, a integra��o ou a reintegra��o dessa pessoa na sociedade. Essa pol�tica tem por finalidade assegurar que existam medidas adequadas de reabilita��o profissional ao alcance de todas as categorias de pessoas deficientes e promover oportunidades no mercado regular de trabalho (ILO, 1983).

21 medida que a incapacidade foi sendo pesquisada e dados produzidos, houve a necessidade de sistematiza��o e revis�o de conceitos e modelos que possibilitassem aos pesquisadores de diferentes disciplinas e ramos do conhecimento comparar seus resultados e an�lises. Muitas institui��es internacionais v�m ampliando os modelos de abordagem sobre a defici�ncia, sendo o proposto pela Organiza��o Mundial de Sa�de (2001, 2002, 2007) o mais utilizado para fins estat�sticos, complementado pela Organiza��o Internacional do Trabalho � OIT (1983, 2007), Organiza��o das Na��es Unidas � ONU (2006, 2009), Organization for Economic Co-Operation and Development � OECD (2007) e Statistical Office European Communities � EUROSTAT (2002).

Um bom entendimento sobre a terminologia utilizada por pesquisadores e estudiosos no tema da defici�ncia favorece a compara��o de trabalhos. Existem, contudo, varia��es relacionadas ao modelo m�dico e ao modelo social que dificultam a aplica��o e a utiliza��o do conhecimento produzido (AMIRALIAN et all, 2000). O modelo cl�nico ou m�dico da defici�ncia prop�e uma abordagem organicistabiol�gico e v� a incapacidade como um atributo da pessoa, diretamente causado por doen�a, trauma ou outra condi��o de sa�de, que requer cuidado m�dico oferecido por profissionais na forma de tratamento individual. A incapacidade, neste modelo, clama por tratamento m�dico ou outra interven��o, para `corrigir' o problema do indiv�duo (OMS, 2002). Para a o modelo social da defici�ncia, por outro lado, v� a incapacidade como um problema socialmente criado e n�o totalmente como um atributo de um indiv�duo. No modelo social, a incapacidade demanda uma resposta pol�tica, uma vez que o problema � criado por um ambiente n�o acomodat�rio, trazido por atitudes e outras caracter�sticas de planejamento (OMS, 2002). Foi proposto o modelo biopsicossocial que integra conceitos das dimens�es m�dico e social, pelo fato de nenhum dos dois modelos ser suficiente para definir ou caracterizar adequadamente a defici�ncia, al�m de os dois possu�rem fragilidades conceituais. A Classifica��o Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Sa�de (CIF) � baseada neste modelo, que incorpora as perspectivas biol�gica, individual e social (FARIAS e BUCHALLA, 2005).

22

A CIF pertence � fam�lia de classifica��es internacionais da OMS, cujo membro mais conhecido � a CID-10, que significa Classifica��o Estat�stica Internacional de Doen�as e Problemas Relacionados � Sa�de. A CID-10 fornece aos usu�rios uma estrutura etiol�gica, atrav�s de diagn�sticos, para a classifica��o de doen�as, dist�rbios e outras condi��es de sa�de. Em contraste, a CIF classifica funcionalidade e incapacidade associadas a estados de sa�de. Portanto, CID-10 e CIF s�o complementares. A Classifica��o Internacional de Doen�as (CID) vem sendo estruturada, por mais de um s�culo, primeiramente como forma de responder � necessidade de conhecer as causas de morte. Passou a ser alvo de crescente interesse, sendo seu uso ampliado para codificar situa��es de pacientes hospitalizados, depois para consultas de ambulat�rio e aten��o prim�ria, e posteriormente tamb�m para morbidade. Em sua d�cima revis�o, a Classifica��o Estat�stica Internacional de Doen�as e Problemas Relacionados � Sa�de, ou de forma abreviada "CID-10", � a mais recente revis�o da "Classifica��o de Bertillon" de 1893, que era inicialmente uma classifica��o de causas de morte, passando, a partir da sexta revis�o, a ser uma classifica��o que incluiu todas as doen�as e motivos de consultas, o que possibilitou seu uso em morbidade (DI NUBILA & BUCHALLA, 2008).

O conceito de uma "fam�lia" de Classifica��es foi surgindo na medida da percep��o dos usu�rios de que uma classifica��o de doen�as n�o seria suficiente para todas as quest�es relacionadas � sa�de. Segundo esse conceito, a CID atenderia as necessidades de informa��o diagn�stica para finalidades gerais, enquanto outras classifica��es seriam usadas em conjunto com ela, tratando entre outros, com diferentes enfoques, informa��es sobre os procedimentos m�dicos e cir�rgicos e as incapacidades. Assim, a partir da d�cima revis�o foi aprovada a id�ia de desenvolver uma "fam�lia" de classifica��es para os mais diversos usos em administra��o de servi�os de sa�de e epidemiologia. A ideia de desenvolvimento da CIF partiu da necessidade de cobrir as quest�es sobre consequ�ncias das doen�as n�o tratadas pela CID, fato amplamente publicado, avaliado e revisado. Com isso se desenvolveu a CIF a partir da "Classifica��o Internacional das Defici�ncias, Incapacidades e Desvantagens" publicada em 1980 (ou International Classification of Impairments, Disabilities and Handicaps, conhecidas pelas siglas CIDID em portugu�s ou ICIDH em ingl�s), em car�ter experimental para 23 prop�sitos duradouras de Impairment (AMIRALIAN

de teste, que incorporava categorias correspondentes �s consequ�ncias das doen�as. Por esta classifica��o definiu-se a distin��o dos conceitos (defici�ncia), Disability (incapacidade) e Handicap (desvantagem) et all, 2000):

i. Defici�ncia: perda ou anormalidade de estrutura ou fun��o psicol�gica, fisiol�gica ou anat�mica, tempor�ria ou permanente. Inclui-se a� a ocorr�ncia de uma anomalia, defeito ou perda de um membro, �rg�o, tecido ou qualquer outra estrutura do corpo, inclusive das fun��es mentais. Representa a exterioriza��o de um estado patol�gico, refletindo um dist�rbio org�nico, uma perturba��o no �rg�o. Incapacidade: restri��o, resultante de uma defici�ncia, da habilidade para desempenhar uma atividade considerada normal para o ser humano. Surge como consequ�ncia direta ou � resposta do indiv�duo a uma defici�ncia psicol�gica, f�sica, sensorial ou outra. Representa a objetiva��o da defici�ncia e reflete os dist�rbios da pr�pria pessoa, nas atividades e comportamentos essenciais � vida di�ria. ii.

Desvantagem: preju�zo para o indiv�duo, resultante de uma defici�ncia ou uma incapacidade, que limita ou impede o desempenho de pap�is � de acordo com a idade, sexo, fatores sociais e culturais. Caracteriza-se por uma discord�ncia entre a capacidade individual de realiza��o e as expectativas do indiv�duo ou do seu grupo social. Representa a socializa��o da defici�ncia e relaciona-se �s dificuldades nas habilidades de sobreviv�ncia. iii.

A CIF foi desenvolvida ap�s estudos sistem�ticos de campo e consulta

internacional, internacional. conhecimento e Rehabilitation conceituais ao CIF (WHO, 2001).

no in�cio dos anos 90, sendo aprovada em maio de 2001 para uso Foi endossada como segunda edi��o da ICIDH, refletindo o o pensamento de uma d�cada diferente. Organiza��es como a International (RI) tiveram participa��o importante em quest�es longo das revis�es sucessivas da CIDID/ICIDH at� a vers�o final da

A CIF � uma classifica��o de sa�de cujos dom�nios s�o agrupados de acordo com suas caracter�sticas comuns (tais como origem, tipo ou similaridade) e ordenados de um modo significativo.

24

Com uma estrutura que obedece a um modelo, sua informa��o est� organizada em tr�s componentes: O "Corpo", compreendendo duas classifica��es, uma para fun��es e outra para estruturas. Os c�digos usados para fun��es corporais s�o precedidos da letra

i. "b"

(de body functions) e as estruturas corporais pela letra "s" (de structure);

ii. da

"Atividade" e "Participa��o" � o que o "corpo" realiza. Representam aspectos

iii.

O "Contexto" � a circunst�ncia em que o "corpo" realiza suas "atividades e participa��o". Entre os fatores contextuais est�o os "fatores ambientais",

funcionalidade a partir das perspectivas individual e social, inclu�das em uma lista �nica que engloba todas as �reas vitais, das quais fazem parte desde a aprendizagem b�sica at� as intera��es interpessoais ou de trabalho. Os c�digos para atividades e participa��o s�o precedidos pela letra "d" (de domain).

que n�o

s� representam os ambientes f�sico, social e de atitudes nos quais as

pessoas mais

vivem e conduzem suas vidas, mas tamb�m provocam um impacto sobre todos os tr�s componentes. Estes s�o organizados em uma lista, partindo do ambiente pr�ximo do indiv�duo para o ambiente mais geral, sendo representados pelos c�digos que se iniciam com a letra "e" (de environment).

Um dos principais objetivos da nova classifica��o internacional � colocar �nfase numa linguagem positiva, al�m de incorporar termos como participa��o e atividade que permitem ampliar e relacionar diferentes enfoques, n�o se restringindo, por exemplo, a bin�mios sa�de-doen�a nem incapacidade-normalidade. Antes de a OMS elaborar a Classifica��o Internacional das Defici�ncias, Incapacidade e Desvantagens (CIDID), em 1980, n�o existiam dados estat�sticos internacionalmente compar�veis devido �s diferen�as de conceito de defici�ncia aplicado em cada pa�s, embora a Organiza��o para a Coopera��o e o Desenvolvimento Econ�mico j� pensasse numa sistematiza��o e padroniza��o no final da d�cada de 1970 (GARC�A, 2003: 82). A Rehabilitation Intemational � uma rede mundial de pessoas com

defici�ncia, provedora de servi�os e �rg�os governamentais destinados a melhorar a qualidade de vida das pessoas com defici�ncia � realizou em 1969 um levantamento sobre a incid�ncia de defici�ncia no mundo. A partir desta an�lise se descobriu que "uma pessoa em cada dez possu�a algum tipo de defici�ncia". Posteriormente, a Rehabilitation

25 lnternational efetuou proje��es para outros anos, sempre aplicando a mesma propor��o. Em 1980 divulgou-se que havia no mundo 500 milh�es de pessoas com defici�ncia. Em 1988 as Na��es Unidas criaram uma Base de Dados Estat�sticos sobre Defici�ncia (DISTAT), fruto de um acordo de colabora��o entre a Oficina de Estat�stica das Na��es Unidas (UNSO) e o Instituto de Investiga��o da Universidade de Gallaudet3, que representou o primeiro intento para identificar e compilar diferentes dados estat�sticos sobre defici�ncia existentes em v�rios pa�ses. No esfor�o de busca de cole��es estat�sticas para serem inclu�das na DISTAT, evidenciaram-se apenas 95 pa�ses ou �reas geogr�ficas possuidoras de s�ries estat�sticas entre os anos de 1975 e 1988. Da compila��o desse material, publicou-se em 1990 o Comp�ndio de Estat�sticas de Defici�ncia das Na��es Unidas, com informa��es de 55 pa�ses do mundo. Doze anos depois, em 2002, esta base de dados contava com 177 estudos nacionais de 102 pa�ses (GARC�A, 2003:83; UN, 2009). Verifica-se que o conhecimento das s�ries estat�sticas sobre defici�ncia � facilmente intelig�vel quando se observam pequenos grupos de popula��o situados numa �rea geogr�fica espec�fica. Torna-se, por�m, altamente complexo quando se intenta levantar dados numa escala regional, nacional ou supranacional. Outra quest�o observada � que os dados estat�sticos sobre pessoas com defici�ncia s�o abundantes quando se trata de pa�ses desenvolvidos, mas reduzidos em pa�ses em desenvolvimento, que n�o contam com infraestrutura necess�ria. Levantar inqu�ritos sobre defici�ncia pressup�e um reconhecimento sobre a realidade das pessoas deficientes, o que em muitos pa�ses se torna condi��o de dif�cil aceita��o e �s vezes tabu, pelo preconceito e discrimina��o social. Al�m disso, persiste ainda em algumas concep��es culturais a ideia de que a defici�ncia � um castigo por pecado cometido em exist�ncias anteriores. Os conceitos e modelos propostos t�m por finalidade n�o s� conhecer o contingente populacional afetado, a regi�o geogr�fica em que ocorre, o n�vel de 3

A Universidade Gallaudet (Gallaudet University) desenvolve programas exclusivos para pessoas surdas. Est� localizada em Washington, DC, capital dos Estados Unidos da Am�rica. � uma institui��o privada,

que conta com o apoio direto do Congresso esse pa�s. A primeira l�ngua oficial de Gallaudet � a American Sign Language (ASL), a l�ngua de sinais dos Estados Unidos (o ingl�s � a segunda). Nessa l�ngua se comunicam entre si empregados, estudantes e professores, e se ditam a maioria dos cursos. Ainda que se conceda prioridade aos estudantes surdos, a universidade admite, tamb�m, um pequeno n�mero de pessoas ouvintes a cada semestre. A estas se exige o dom�nio da ASL como requisito para permanecer na institui��o. Dispon�vel em http://www.gallaudet.edu/. Acesso em 10 de outubro de 2009.

26 desenvolvimento, as causas comuns, mas tamb�m estabelecer crit�rios comuns que possibilitem dados comparativos para avalia��o. Ainda assim, numa mesma �rea, dependendo do crit�rio eleito, podem ser encontradas informa��es distintas. (GARC�A, 2003:80)

5. Institui��es e bases de dados sobre defici�ncia e cegueira

Estudos sobre defici�ncia t�m sido atrelados aos valores de cada momento hist�rico numa dada cultura. A delimita��o e a magnitude da quest�o s�o fatores indispens�veis para qualquer proposta de interven��o. Quando se olha para estimativas populacionais sobre pessoas com defici�ncia, devem-se observar conceitos, crit�rios e modelos aplicados. Existem estimativas sobre pessoas com limita��es f�sica, sensorial e motora realizadas pela ONU4, PNUD5, OIT6, OMS7, OPAS8, OCDE9, DISTAT10, EUROSTAT11 e no Brasil pelo IBGE12, entre as mais importantes, que estabelecem pol�ticas internacionais com padr�es de refer�ncia. Segundo a OIT (2007) uma em cada dez pessoas no mundo possui algum tipo de defici�ncia. Em torno de 650 milh�es de pessoas das quais 450 milh�es em idade de trabalhar. Alguns t�m emprego e est�o totalmente integrados na sociedade. Mas a maior parte enfrentam com freq��ncias situa��es de pobreza e desemprego. Cerca de 80% de todas as pessoas com defici�ncias vivem em pa�ses em desenvolvimento e tem pouco ou nenhum acesso a servi�os. As pessoas com defici�ncia registram maior desemprego e menor ingresso que as n�o deficientes, estando relegadas a trabalhos de menor qualifica��o. Grande parte se encontra desempregada e de tanto procurarem e sempre ouvirem negativas, acabam desistindo e resignando-se a viver sob as expensas familiares. Entretanto, quando lhes �

4

Organiza��o das Na��es Unidas

5

United Nations Development. Programme

6

Organiza��o Internacional do Trabalho

7

Organiza��o Mundial da Sa�de

8

Organiza��o Panamericana de Sa�de

9

Organiza��o para a Coopera��o e Desenvolvimento Econ�mico.

10 11 12

Demographic and Social Statistics - United Nations Statistics Division European Union Statistics Division Instituto Brasileiro de Geografia Estat�stica

27 dada oportunidade, segundo suas habilidades e capacidades, correspondem �s expectativas, alcan�ando cargos de responsabilidade. A Conven��o 159 ratificada por oitenta pa�ses afirma que as organiza��es de empregadores, de trabalhadores e de deficientes devem ser consultadas sobre a aplica��o de pol�ticas nacionais relacionadas com a readapta��o profissional e emprego de pessoas com defici�ncia. A necessidade de realizar estas consultas com atores chave tamb�m est� inclu�da na Conven��o. O universo de pessoas deficientes no Brasil foi melhor mensurado a partir do censo demogr�fico de 2000. Anteriormente, os censos apontavam um contingente de pessoas com defici�ncia menor que 2% (NERI: 2003,1). O salto para 14,5% em 2000 decorreu de mudan�as na metodologia adotada, melhorias nos instrumentos aplicados, seguindo as �ltimas recomenda��es da Organiza��o Mundial de Sa�de. A diferen�a b�sica entre os levantamentos anteriores e o de 2000 � conceitual. Neste, o instrumento de coleta de informa��es permitiu aos respondentes uma auto avalia��o de suas capacidades ps�quica, sensorial e motora, reportando possuir alguma ou grande dificuldade permanente que limitasse o exerc�cio de atividades habituais como brincar, estudar e trabalhar ou enxergar, ouvir e caminhar. Esses questionamentos n�o estavam presentes nos inqu�ritos anteriores. Inovou tamb�m ao perguntar � popula��o quanto ao uso de bengalas, aparelhos auditivos, lentes de contato e outras pr�teses e �rteses13. Anteriormente, consideravam-se pessoas com defici�ncia apenas as que eram absolutamente incapazes, omitindo-se um largo contingente populacional que apresentava um n�vel de limita��o que a impedia de participar da vida social.

(NERI: 2003, 10).

13

�rtese refere-se unicamente aos aparelhos ou dispositivos ortop�dicos de uso provis�rio, destinados a prevenir ou corrigir deformidades ou melhorar a fun��o das partes m�veis do corpo. Exemplo: O aparelho dent�rio ortod�ntico � uma �rtese, pois corrige a deformidade da arcada dent�ria (orto=reto, correto), j� a dentadura ou um implante dent�rio � uma pr�tese pois substitui o �rg�o ou sua fun��o (substitui os dentes). Exemplos: Andador, bengala, cadeira de rodas, colar cervical, muleta, lente de contato. Pr�tese � o componente artificial que tem por finalidade suprir necessidades e fun��es de indiv�duos seq�elados por amputa��es traum�ticas ou n�o. Uma pr�tese substitui um membro ou uma parte do organismo. No censo de 2000 os respondentes auto avaliaram-se introduzindo o par�metro de percep��o da pr�pria defici�ncia, diferentemente dos outros inqu�ritos nos quais o avaliador considerava a resposta fechada sobre capacidade ou incapacidade de fun��es sens�rias (NERI: 2003, 1).

28 5.1. Cegos no mundo e no Brasil

Define-se cegueira legal como sendo a presen�a de acuidade visual14 pior ou igual a 20/400 no melhor olho com a melhor corre��o poss�vel ou a presen�a de campo visual inferior a 20�. Esse campo visual restrito � muitas vezes chamado "vis�o em t�nel" ou "em ponta de alfinete", atribuindo-se denomina��o conhecidas como "cegueira legal" ou "cegueira econ�mica". Para definir-se que uma pessoas � deficiente visual ou cega, utilizam-se duas escalas oftalmol�gicas: acuidade visual � aquilo que se enxerga em detalhes a determinada dist�ncia � e campo visual � a amplitude da �rea alcan�ada pela vis�o (CBO: 52, 2009). Em 1966 a Organiza��o Mundial de Sa�de (OMS) registrou 66 diferentes defini��es de cegueira, utilizadas para fins estat�sticos em diversos pa�ses. Para simplificar a forma de abordar essa quest�o, um grupo de estudos sobre a Preven��o da Cegueira da OMS, em 1972, prop�s normas para a defini��o de cegueira e para uniformizar as anota��es dos valores de acuidade visual com finalidades estat�sticas. A dificuldade de enxergar passou por defini��es em momentos distintos, em raz�o das abordagens assumidas pela intera��o/compreens�o da influ�ncia de fatores ambientais, sociais e culturais da pr�pria evolu��o dos conceitos e da capacidade diagn�stica.

A partir de trabalho conjunto entre a American Academy of Ophthalmology e o Conselho Internacional de Oftalmologia, vieram extensas defini��es, conceitos e coment�rios, transcritos no Relat�rio Oficial do IV Congresso Brasileiro de Preven��o da Cegueira. Na oportunidade foi introduzido, ao lado de "cegueira", o termo "vis�o subnormal" ("low vision", em l�ngua inglesa) (CBO, 1980). Diversamente do que se poderia supor, o termo cegueira n�o � absoluto, pois re�ne indiv�duos com v�rios graus de vis�o residual. Ela n�o significa, necessariamente, total incapacidade para ver, mas, isso sim, preju�zo dessa aptid�o a n�veis incapacitantes para o exerc�cio de tarefas rotineiras.

14

A acuidade visual que determina a capacidade de vis�o de uma pessoa � medida pelo opt�tico de Snellen ou escala optom�trica de Snellen. � poss�vel, por esta escala, estabelecer n�veis de vis�o normal, moderadamente defeituosa, com defeito severo e cegueira. 20/20 quer dizer que uma pessoa consegue ler a uma dist�ncia de vinte p�s o que o que um olho normal l� numa dist�ncia de 20 p�s. 20/20 foi arbitrado como padr�o normovisual. A escala e suas caracter�sticas encontram-se descritas no Anexo I. (ZAPPAROLI at all, 2009).

29

A "cegueira parcial" (tamb�m dita legal ou profissional) inclui indiv�duos apenas capazes de contar dedos a curta dist�ncia e os que s� percebem vultos. Pr�ximos da cegueira total est�o os indiv�duos que s� t�m percep��o de proje��o luminosa. No primeiro caso, ocorre distin��o entre claro e escuro; no segundo (proje��o), o indiv�duo � capaz de identificar tamb�m a dire��o de onde prov�m a luz. A cegueira total ou amaurose pressup�e completa perda de vis�o. A vis�o � nula, nem a percep��o luminosa est� presente. No jarg�o oftalmol�gico, usa-se a express�o "vis�o zero". Pedagogicamente, delimita-se como cego aquele que, mesmo possuindo vis�o subnormal, necessita de instru��o em Braille (sistema de escrita por pontos em relevo) e como portador de vis�o subnormal aquele que l� tipos impressos ampliados ou com o aux�lio de potentes recursos �pticos (CONDE, 2009). Em 2002, mais de 161 milh�es de pessoas em todo mundo apresentavam alguma dificuldade em enxergar devido �s doen�as do olho. Desses, 124 milh�es possuem baixa vis�o e quase 37 milh�es s�o cegos como demonstra tabela 1.1. Nessa estat�stica n�o foram considerados os preju�zos na vis�o por erros de refra��o. No mundo inteiro, para cada pessoa cega 3,4 em m�dia, posuem baixa vis�o. Esses dados podem variar de regi�o para regi�o do mundo tendo em vista o acesso da popula��o aos servi�os de sa�de p�blica, padr�o s�cio-econ�mico podendo aquele valor variar entre

2,4 nas regi�es mais desenvolvidas para 5,5 que posuem condi��es prec�rias de acesso aos servi�os de sa�de (RESNIKOFF, 2001, 2004). Tabela 1.1. Dados regionais m�dios de cegueira e popula��o mundial em 2002. Pessoas cegas Popula��o Regi�o N�mero N�mero (x103) % (x103)

%

�frica

7.288

19,8

715.289

11,5

Am�ricas

2.418

6,6

852.551

13,7

12.558

34,1

1.799.358

29,0

Europa

2.732

7,4

877.886

14,1

Mediterr�neo

2.482

6,7

286.933

4,6

Pac�fico Ocidental

9.378

25,4

1.681.851

27,1

6.213.869

100,0

Sudoeste da �sia

Total Fonte: (RESNIKOFF, 2004)

36.857

100,0

30 A partir de 2006, a OMS divulgou novas estimativas globais, incluindo os valores relativos a erros refrativos n�o corrigidos, o que representou um adicional de 153 milh�es de pessoas. Pelo menos 13 milh�es de crian�as (com idades entre 5-15) e 45 milh�es de adultos em idade ativa (entre os 16-49) est�o inclu�dos no n�mero acima em todo o mundo. Dessa forma, os dados ampliaram-se para 314 milh�es de pessoas ao redor do mundo, cuja vis�o � prejudicada, devido a doen�as oculares ou erros refrativos n�o corrigidos. A nova estimativa de 2006 acusou a exist�ncia de 45 milh�es de pessoas cegas em todo o mundo (WHO: 2006; 2007:2). Entretanto, nesse mesmo per�odo evidenciou-se um decl�nio da cegueira em alguns pa�ses devido a melhorias no desenvolvimento s�cio-econ�mico e incrementos na provis�o de servi�os de sa�de dos olhos. Pode-se citar o tracoma e a oncocercose como exemplos de doen�as que levam � pedra da vis�o em tand�ncia decrescente. N�o obstante, com o envelhecimento, cresce a propens�o a doen�as relacionadas a quadros cr�nicos como diabetis, obesidade e hipertens�o, exigindo acompanhamento de longo prazo desde sua detec��o (WHO: 2007, 4). Segundo informa��es contidas no Plano de A��o 2006-2011 para elimina��o da cegueira evit�vel da Organiza��o Mundial da Sa�de (WHO: 2007, 18) o n�mero de pessoas com baixa vis�o ir� aumentar como resultado do envelhecimento da popula��o mundial, sendo a degenera��o macular, glaucoma e retinopatia diab�tica, as causas mais freq�entes de patologias que determinam sua eleva��o. Para complicar este quadro, os servi�os de atendimentos a pessoas de baixa vis�o n�o est�o dispon�veis ou s�o acess�veis a pequena parcela da popula��o em muitos

pa�ses, particularmente aqueles em desenvolvimento, ou se encontram apenas nas grandes cidades. As principais patologias oculares em adultos s�o catarata, glaucoma, retinose diab�tica, degenera��o macular relacionada � idade, tracoma, traumatismos, uveorretinites, descolamento de retina e as decorrentes de infec��es e tumores. Nas crian�as, anomalias decorrentes de infec��es transplacent�rias neonatais (toxoplasmose, rub�ola, s�filis), erros inatos de metabolismo, traumas e tumores. Catarata, tracoma, oncocercose e taxas reduzidas de vitamina A comp�em o grupo das patologias evit�veis ou trat�veis com interven��es cir�rgicas, medicamentos e medidas de sa�de p�blica. As

31 irrevers�veis s�o a degenera��o macular relacionada � idade (DMRI) e glaucoma15 (QUIGLEY, 2006; KASAHARA , 2009). As causas mais comuns de cegueira variam em diferentes pa�ses e regi�es segundo seu desenvolvimento econ�mico e o n�vel de aten��o � sa�de. As principais patologias no continente africano incluem catarata, tracoma, enfermidades da c�rnea, glaucoma, oncocercose e defici�ncia de vitamina A; na �sia se constituem de catarata, enfermidades da c�rnea, glaucoma e efermidades da retina. Na Am�rica Latina e Europa Oriental, os acometimentos mais frequentes incluem catarata, glaucoma e retinopatia diab�tica. Na Am�rica do Norte e Europa Ocidental s�o degenera��o macular relacionada � idade � DMRI, retinopatia diab�tica e glaucoma. (IAPB: 2004, 8) O gr�fico a seguir apresenta dados percentuais das principais causas da cegueira no mundo (WHO, 2005).

Figura 1.1. Principais causas de cegueira no mundo em 2002. No Brasil, o levantamento do IBGE em 2000 contabilizou 16.644.842 pessoas com diferentes grada��es na capacidade de enxergar, desde erro refrativos corrig�veis 15

A estimativa do n�mero de pessoas com as diversas formas de glaucoma para 2010 � de 60,5 milh�es, aumentando para 79,6 milh�es, em 2020. A cegueira bilateral por glaucoma afetar� 8,4 milh�es de pessoas, em 2010, e 11,2 milh�es, em 2020. Embora seja a segunda causa de cegueira no mundo, o glaucoma ainda � uma doen�a relativamente pouco conhecida do p�blico em geral

e seu diagn�stico na pr�tica cl�nica � subestimado. Estudos populacionais sugerem que mais da metade dos indiv�duos com glaucoma identificados nos Estados Unidos n�o sabiam ser portadores da doen�a anteriormente. Dados referentes � doen�a no Brasil s�o escassos. (QUIGLEY, 2006)

32 at� incapacidade de enxergar. Nesse n�mero est�o inclu�das pessoas com alguma, grande ou total incapacidade visual. Daquele total, 14.060.946 apresentam alguma dificuldade, 2.435.873 apresentam grande dificuldade visual e 148.023 s�o cegos. O Nordeste concentra o maior n�mero de deficientes em geral e de cegos, como se observa nas tabelas 1.2 e 1.3. Contudo, o estado brasileiro com maior n�mero de cegos � S�o Paulo (23900) seguido da Bahia (15400) (IBGE, 2000a; NERI:2003). Os dados sobre defici�ncia visual no estado do Rio de Janeiro s�o mostrados na Tabela 1.4. Tabela 1.2. Percentual de pessoas com defici�ncia por regi�o brasileira. Regi�es Brasileiras Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

Propor��o da popula��o (%) 14,5 14,7 16,8 13,1 14,3 13,9

Fonte Censo IBGE 2000a Tabela 1.3. Popula��o brasileira com alguma dificuldade de enxergar por regi�o. Alguma, Alguma Grande grande ou dificuldade dificuldade Popula��o Incapaz de Popula��o total permanente permanente Deficiente enxergar incapacidade em enxergar em enxergar visual Brasil 148.023 169.872.856 Norte

24.600.256

16.644.842

14.060.946

2.435.873

1.901.892

1.415.370

1.199.136

205.173

8.025.537

5.747.461

4.836.931

853.114

11.061 12 911 170 Nordeste 57.416 47.782.487 Sudeste

9.459.596

6.031.472

5.113.771

863.101

3.595.028

2.326.259

1.953.350

355.348

1 618.204

1.124.279

957.757

159.139

54.600 72.430.193 Sul 17.562 25.110.348 Centro Oeste 7.384 11.638.658

Fonte: Censo demogr�fico (IBGE 2000 e NERI, 2003).

33

Tabela 1.4. Distribui��o populacional por grau de defici�ncia visual no Rio de Janeiro. Grau de Dificuldade Visual Regi�o Total

Grande Incapaz de

dificuldade

Alguma dificuldade em

enxergar em enxergar

enxergar

Brasil 16.644.842

148.023

2.435.873

14.060.946

Sudeste 6.031.472

54.600

863.100

5.113.772

Rio de Janeiro 1.383.875

14.418

191.336

1.178.121

Fonte: Censo IBGE 2000a e NERI, 2003 Pesquisas detalhadas que associem o contingente populacional com as patologias visuais s�o escarssas no Brasil. Os dados comumente utilizados partem das informa��es do censo 2000 do IBGE, cujo question�rio aplicado na �poca, o primeiro que computou informa��es autovaliadas sobre o tipo de defici�ncia, n�o solicitava maiores detalhes sobre as causa ou patologia associadas � defici�ncia (cong�nita, adquirida, etc). Infelizmente, o question�rio do censo de 2010 aplicado na fase de coleta dos dados domiciliares em agosto de 2010 n�o contempla tamb�m perguntas sobre as causas ou diagn�stico da cegueira e dificuldades visuais, informa��es importantes para propostas educacionais e de sa�de p�blica, tendo em vista o contingente de deficientes visuais em rela��o ao total de defici�ncias levantados no censo de 2000 conforme tabela

anterior. Permanecer� a lacuna sobre informa��es das principais causas de doen�as oculares e da cegueira nas amostras coletadas. Grande parte das disserta��es e teses al�m dos trabalhos publicados em revistas brasileiras consideram os dados do IBGE como fonte b�sica de literatura. Contudo, o Conselho Brasileiro de Oftalmologia calcula a incid�ncia da cegueira a partir de um percentual de seu acometimento nas diferentes classes sociais. Sua estimativa excede os valores do censo no total de incapazes e com grande dificuldade em enxergar, totalizando a exist�ncia de 4 milh�es de brasileiros com defici�ncia visual e cegueira (CBO: 2009, 10). Em pesquisa feita na base de teses da CAPES identificaram-se 66 teses de doutorado no per�odo compreendido entre 2000 e 2009, utilizando-se cegueira, pessoas

34 cegas e reabilita��o como palavras-chave. As tem�ticas das pesquisas envolveram fundamentalmente aspectos educacionais, de mobilidade e dom�nio espacial, interven��es cir�rgicas e procedimentos relativos � traumas acidentais em hospitais de atendimento emergencial, al�m de desenvolvimento de sistemas eletroeletr�nicos para melhoria da percep��o e locomo��o. Faltam estudos de base populacional (VIACAVA, 2002) sobre a din�mica da cegueira desde suas causas, sintomas e dados cl�nicos at� como os cegos vivem, trabalham e evelhecem. O cerne da quest�o � o fato de a popula��o pobre n�o ter acesso a oftalmologistas, fato esse que dificulta o diagn�stico precoce de patologias facilmente reduzidas ou estabilizadas (CASTAGNO, 2009). Alguns estudos de base populacional recentes destacados que relaciona n�meros e causas da cegueira no Brasil s�o o projeto Pequenos Olhares16 e outro sobre fatores associados a preval�ncia de algumas defici�ncias (CASTRO at all, 2008). Pequenos Olhares foi desenvolvido em v�rios munic�pios brasileiros por um grupo de oftalmologistas com o apoio do Conselho Brasileiro de Oftalmologia. Foi nesse estudo que os pesquisadores da CBO chegaram ao contingente populacional de 4 milh�es descrito acima, considerando a acuidade visual no melhor olho o intervalo entre 20/60 e 20/400. O estudo sobre fatores associados a preval�ncia de defici�ncia, dentre elas a cegueira, foi realizado em S�o Paulo. Outro estudo (GON�ALVES, 2005) apontou que 10% das pessoas entre 65 e 74 anos e aproximadamente 30% dos maiores de 75 anos s�o afetados em alguma extens�o pela degenera��o macular relacionada � idade � DMRI no Brasil. Esses dados possibilitam calcular que cerca de 2.902.400 mil brasileiros acima de 65 anos sofrem de DMRI. Os fatores de risco al�m da idade s�o o sexo (as mulheres s�o mais afetadas), hereditariedade e a ra�a (indiv�duos brancos s�o mais acometidos pela doen�a). Al�m desses fatores, existem o tabagismo, a hipertens�o arterial, as doen�as cardiovasculares, a hipermetropia e a nutri��o como outras causas de desencadeamento da doen�a. A catarata ainda � a primeira grande causa de cegueira evit�vel no

mundo e no Brasil, principalmente nos pa�ses em desenvolvimento que n�o oferecem servi�os cir�rgicos p�blicos em larga escala � popula��o, a exemplo do que ocorre em parte da 16

Projeto realizado no ano de 2005 destinado ao atendimento de crian�as de 330 munic�pios brasileiros com triagem, acompanhamento e atendimento, al�m de palestras sobre a import�ncia dos cuidados com a vis�o. O Conselho Brasileiro de Oftalmologia e a Frente Parlamentar de Sa�de apoiaram esta iniciativa, sob a coordena��o Elisabeto Ribeiro Gon�alves, Marcos e Nelson Louzada. Maiores detalhes no s�tio ; e .

35 Europa e Am�rica do Norte. No Brasil � uma doen�a largamente encontrada na popula��o acima de cinq�enta e cinco anos. Sua incid�ncia � de 17,6% nas pessoas entre 55 e 65 anos; 47,1% no grupo entre 65-74 e 73% nos pacientes acima de 75 anos. � seguida pelo glaucoma e retinopatia diab�tica (GON�ALVES, 2005). Outro fator de risco de problemas na vis�o e que vem merecendo aten��o das autoridades de sa�de � o diabetes. Dados recentes do International Diabetes Federation IDF revelam que mais de 285 milh�es de pessoas em todo o mundo vivem com diabetes e este n�mero ir� chegar a 435 milh�es em 2030(IDF, 2009 a,b). A retinopatia diab�tica � uma das principais causas de cegueira e defici�ncia visual em adultos nas sociedades desenvolvidas. Cerca de 2% de todas as pessoas que tiveram diabetes por 15 anos ficam cegas, enquanto cerca de 10% desenvolvem uma defici�ncia visual severa. No Brasil existem hoje 7.632.500 diab�ticos segundo mapa da diabetes no mundo (IDF, 2010) (NAKANAMI, 2007). Desde 2007 o Departamento de Aten��o Especializada da Secretaria de Aten��o � Sa�de do Minist�rio da Sa�de em colabora��o com o Minist�rio da Educa��o lan�aram o Projeto Olhar Brasil. Trata-se de uma iniciativa que visa identificar problemas visuais, em alunos matriculados na rede p�blica de ensino fundamental (1� a 9� s�rie), no programa "Brasil Alfabetizado" do MEC e na popula��o acima de 60 anos de idade, prestando assist�ncia oftalmol�gica com o fornecimento de �culos nos casos de detec��o de erros de refra��o. As a��es previstas at� 2011 objetivam tamb�m otimizar a atua��o dos servi�os especializados em oftalmologia, ampliando o acesso � consulta e interven��es em outras patologias, no �mbito do Sistema �nico de Sa�de � SUS e propiciar condi��es de sa�de ocular favor�vel ao aprendizado do alunado, melhorando o rendimento escolar dos estudantes do ensino p�blico fundamental, jovens e adultos do Programa Brasil Alfabetizado (BRASIL, 2007, 2008, 2009).

36

CAP�TULO II OS CEGOS E A CEGUEIRA

1. Aspectos hist�rico-culturais da cegueira

Em todas as sociedades, desde a pr�-hist�ria, as pessoas incapacitadas, incluindo-se a� os cegos, por serem vistas como uma pesada carga, eram deixadas pelo caminho em fun��o da dificuldade do grupo lhe prover o sustento e a seguran�a. Ademais, o medo e a supersti��o apareciam inconscientemente na mentalidade do homem primitivo. Acreditava-se que a crian�a nascida cega ou o adulto que cegava tardiamente eram s�mbolos de maus press�gios e castigo da ira de divindades. Ocorria em alguns casos a expuls�o da tribo, atitude considerada justa pelos demais membros (MART�NEZ, 1991:17). O conceito fundamental arraigado na mentalidade primitiva foi, sobretudo, de que a cegueira constitu�a castigo para expiar uma culpa misteriosa. Mas de quem era a culpa? Seria o cego culpado por uma culpa cometida antes de nascer? Seria atribu�da � pessoa cega uma culpa dos pais, de outros parentes, de seus antepassados? Pouco a pouco se engendrou a ideia de uma justi�a reparadora, segundo a qual se atribu�am culpas passadas �s pessoas, ainda que nada se soubesse sobre o que elas haviam cometido. N�o obstante, tinha-se por certo que tais delitos ou faltas se materializavam no peso de uma desgra�a f�sica. No presente cap�tulo s�o abordados aspectos considerados relevantes sobre os est�gios constituintes da evolu��o hist�rica da concep��o de cegueira � o per�odo m�stico, o per�odo biol�gico ing�nuo e o per�odo cient�fico �, usando-se como refer�ncia principal os escritos de Lev Semionovic Vigotski (1896-1934). Vigotski aponta que o per�odo m�stico se estende da Antiguidade � passando pela Idade M�dia � a uma parte significativa da Idade Moderna. Esta fase � rica em registros que confirmam as opini�es populares, as lendas e f�bulas e os prov�rbios. A cegueira era tratada com temor, supersti��o e respeito. Considerava-se o cego um ser indefeso, desvalido, abandonado, surgindo a convic��o geral de que se desenvolviam

37 nele for�as m�sticas superiores da alma, que lhes agraciava acesso ao conhecimento e � vis�o espiritual, em lugar do sentido ausente (VYGOTSKI, 1997:100). O per�odo biol�gico ing�nuo inaugurou uma nova concep��o de cegueira, com

a m�stica cedendo lugar � ci�ncia. A partir do s�culo XVIII, os cegos s�o vistos como educ�veis e capazes de participar na vida social. Surgem novos fundamentos para explicar a supl�ncia dos sentidos, ao mesmo tempo em que teorias afirmam existir uma compensa��o de uma fun��o org�nica em detrimento de outra. Segundo tais teorias, acreditava-se que a perda de uma das fun��es de percep��o ou mesmo de um �rg�o se compensava com o funcionamento e desenvolvimento acentuado de outros �rg�os; ou seja: a aus�ncia ou enfermidade num dos �rg�os pares (pulm�o, rim), seria compensado pelo outro remanescente saud�vel. Ainda por esta teoria, acreditava-se que a aus�ncia da vis�o promovia o desenvolvimento acentuado do ouvido, do tato e de outros sentidos. Criaram-se convic��es e lendas sobre a supercapacidade do sentido do tato, al�m da musicalidade exacerbada por um ouvido bem dotado. Somava-se a tudo isso um sexto sentido inalcan��vel pelos videntes. Rapidamente a inconsist�ncia destas teoriza��es caiu por terra, revelando que as fun��es do tato e da audi��o n�o estariam acentuadas nos cegos, mas, pelo contr�rio, eram at� em menor medida que aquelas observadas nos videntes. Para Vigotski, uma elevada fun��o t�til ou auditiva, em compara��o com a normal, era tida como resultado secund�rio, dependente e derivado, uma consequ�ncia de algo desenvolvido e exercitado, e n�o causa direta da vis�o ausente. A supl�ncia n�o surge da compensa��o fisiol�gica direta pelo d�ficit da vis�o, mas como compensa��o sociopsicol�gica geral que surge num curso complexo, indireto, sem substituir a fun��o suprimida nem ocupar o lugar do �rg�o insuficiente. A concep��o biol�gica ing�nua resultou falsa, mas abriu caminhos para o entendimento cient�fico sobre a cegueira. As conclus�es desta fase possibilitaram perceber a cegueira n�o como um defeito humano, n�o como um fator restritivo da organiza��o das fun��es cognitivas, mas como insufici�ncia de um sentido (VYGOTSKI 1997:101). As ideias do per�odo cient�fico a partir da Idade Moderna caracterizaram-se pela �nfase na capacidade de aprendizagem do cego com base na conviv�ncia social. Surgem os estudos sobre os aspectos sociopsicol�gicos da cegueira, seus comprometimentos e vias de compensa��o; n�o oriundos de uma substitui��o org�nica

38 ou fisiol�gica, como se acreditava na fase anterior, mas compreendidos como processos sociais. O cego, em contato com o mundo que o cerca, elabora seus significados de forma independente da restri��o sensorial, sendo mediado em suas aquisi��es pelos diferentes canais de intera��o, fundamentalmente pela linguagem, principal sistema comunicativo e estruturante das rela��es que estabelece na atividade humana (VYGOTSKI 1997:103). No estudo do per�odo cient�fico, em fun��o da import�ncia consignada por Vigotski � conviv�ncia social e � linguagem, como estruturantes dos processos de aprendizagem das pessoas cegas, o texto ap�ia-se tamb�m sobre contribui��es dos conceitos da ontologia relacional de Martin Buber (1878-1965). A associa��o entre

os dois autores, pela relev�ncia que enfatizam � vida em rela��o como suporte da constru��o e forma��o da pessoa, permite trazer fundamentos mais consistentes para auxiliar a compreens�o das hist�rias de vida de pessoas que perderam a vis�o na idade adulta, apresentadas no cap�tulo V. � luz das refer�ncias conceituais de Vigotski, Buber e outros autores, tais relatos de perda de vis�o exprimem caminhos de supera��o e de compensa��o, mediante a elabora��o de efetivas formas organizativas ps�quicas, que engendram estruturas e mecanismos de transforma��o das dificuldades impostas pela restri��o da vis�o. Essas restri��es podem possibilitar o desenvolvimento de novas habilidades em fun��o das intera��es que o meio social oferece, das condi��es socioculturais individuais e coletivas e dos aspectos singulares e particulares de cada pessoa cega.

2. A fase m�stica da cegueira

Na apresenta��o de algumas caracter�sticas para a compreens�o da fase m�stica da cegueira s�o usadas as obras de S�FOCLES (1976), SILVA, (1986), HENRI, (1988), ROCHA, (1987), MART�NEZ (1991), dentre outros, que possibilitam apresentar um relato hist�rico sobre a cegueira. Desde a Antiguidade, o indiv�duo cego era pensado comumente de duas formas: ora como algu�m desdenhado pela sorte, ora com a ideia de um "escolhido", mediador entre os deuses e os homens. Em outras vezes, como algu�m que "v�" al�m das apar�ncias porque tem uma "outra vis�o" mais penetrante e mais precisa. Tamb�m �

39 comum perceb�-lo na figura de um "condenado" que deve expiar sua culpa pela priva��o do prazer de ver e de receber informa��es � experi�ncias cotidianas dos "normais", n�o "culpados" de algum pecado ou crime que merecesse tal puni��o. O cego � "visto" como "divino" ou "maldito", "incapaz" ou "necess�rio". Exemplo liter�rio deste fato � a trag�dia �dipo, de S�focles. Ao cego Tir�sias foi dado primeiramente o car�ter positivo da cegueira, o car�ter de "vidente espiritual", capaz de ver at� mesmo o futuro. Sua imagem mudar�, contudo, conforme mudam as circunst�ncias ou o contexto em que ele se insere como cego. Vejamos o que diz Corifeu sobre Tir�sias quando este � chamado a solucionar o enigma da desgra�a que ocorre em Tebas e esclarecer seu significado: vidente

mist�rios,

Corifeu: Mas est� a� quem pode descobrir o criminoso! Afinal trazem o iluminado! Se algum mortal tem acesso � verdade, � ele! �dipo: Tir�sias! Tu que tudo percebes, do mais claro ao mais denso dos alto nos c�us ou rasteiro na terra, tu h�s de sentir, mesmo sem poder

ver, a desgra�a que assola a cidade... (S�FOCLES:1976:22). Este car�ter � refor�ado pelo pr�prio Tir�sias que, ao mesmo tempo que o justifica, indica a possibilidade de erro da vis�o. Quando ele declara que �dipo vive em pecado, maritalmente, com sua m�e, �dipo inverte sua perspectiva e humilha Tir�sias. Este se defende apontando a "pobreza" da vis�o diante da "cegueira" do esp�rito. Ao saber que vivia incestuosamente com a pr�pria m�e, �dipo se imp�e o que considera o maior dos castigos como puni��o: a cegueira, que surge assim como expia��o de seu "pecado", e que lhe serve ao mesmo tempo de ref�gio para n�o ter de enfrentar a vergonha diante do mundo que o acusar�. �dipo: N�o me venhais dizer que n�o fiz bem assim. J� n�o care�o de conselhos. Se eu ainda enxergasse, com que olhos fitaria meu pai ou minha m�e, entre os mortos, depois de cometer tais crimes contra os dois, crimes que nem na forca estariam bem pagos? [...] (S�FOCLES, 1976:82). templos N�o! E se ainda mais

Ver meus filhos n�o me alegraria, nem mais a cidade com seus muros, seus e as imagens de seus deuses? [...] como iria eu olhar de frente o povo? ainda soubesse de algum meio de fazer sil�ncio nos ouvidos eu vedaria

por completo esta triste carca�a � e me faria, al�m de cego, inteiramente surdo!

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Como se v� nesta fala de �dipo, a cegueira e a surdez s�o pensadas como fatores de distanciamento do indiv�duo da vida social. E, mesmo neste sentido, a ambiguidade se mant�m, pois, se por um lado s�o vistas como defeito, por outro tamb�m podem ser entendidas como virtudes, quando se pensa que este distanciamento permite ao deficiente "viver" numa outra realidade, em outro mundo, o das percep��es extrassensoriais. Pela pe�a de teatro de S�focles, observa-se a altern�ncia de percep��o da pessoa cega, ora fr�gil e amaldi�oada, ora como dotada de poderes metaf�sicos, contemplada com a gra�a divina. Foram muitos os cegos que viveram tendo a profiss�o de poeta, de trabalhadores dom�sticos e de artes�os � desde o tempo de Homero at� 1440 com a imprensa de Gutemberg. Os povos escandinavos e eslavos, em constante atrito, viviam em organiza��es pastoris e comunit�rias nas quais era comum os mais fortes protegerem os mais fracos. Nesta estrutura social, a solidariedade dos fortes, na figura da autoridade patriarcal, favorecia a exist�ncia de grandes grupos familiares, levando a que os produtos

obtidos fossem compartilhados entre todos, fortes e fracos. Aos desprovidos de capacidade para luta, incluindo os cegos, havia lugar espec�fico nas atividades comunit�rias: eram reservadas tarefas de curti��o de peles, ordenha de animais, fabrica��o de derivados de leite, cuidado com os cavalos e a lavoura, tecelagem de redes, remendo de tendas de campanha; em suma, uma s�rie de atividades muito �teis a todos que compartilhavam a vida comunit�ria. Em troca, obtinham o reconhecimento e respeito pelas habilidades e trabalhos �teis a todos, al�m da prote��o dos fortes. Em muitos acampamentos eslavos, a alguns cegos era conferida a incumb�ncia da vigil�ncia noturna, porque os mesmos atribu�am aguda perspic�cia auditiva aos faltosos das vistas, com capacidade de perceber a chegada do inimigo antes do companheiro vidente (MART�NEZ, 1991: 456). Na Idade M�dia, os cegos, a maioria desafortunada, associaram-se em gr�mios e corpora��es dedicadas a distintos menestr�is, quase sempre relacionados com artesanatos e, principalmente, dedicados a rezas e cantos lit�rgicos por encargo de pessoas devotas.

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Muitos deles encontravam alojamento e ocupa��o em abadias, monast�rios e catedrais � como m�sicos, tocando algum instrumento ou tomando parte em scholae cantorum. Alguns tiveram que vencer a oposi��o do clero para continuar praticando a m�sica e tocar instrumentos com a finalidade de ganhar seu sustento. Participavam de corais exclusivos de cegos, atuando em festas religiosas em pal�cios e castelos de senhores feudais, alegrando datas festivas (MART�NEZ, 1991: 473). Nessa �poca, cegos foram tamb�m curandeiros, pessoas tidas � �poca como devolvedores da sa�de � possuidores de faculdades extraordin�rias para curar. Eram fitoterapeutas, servindo-se de plantas para sanar os males dos doentes, como por exemplo, o emprego da raiz da erva de santa rosa para curar a gota. Havia os que conheciam as caracter�sticas antiespasm�dicas da valeriana e sabiam que suas ra�zes possu�am propriedades estimulantes. Receitavam-na em infus�es com o objetivo de tratar dist�rbios nervosos. Aplicavam a s�lvia (erva-sacra) no tratamento do reumatismo cr�nico, queimaduras e �lceras. Tais conhecimentos eram-lhes repassado por predecessores. Nos mosteiros e conventos da Idade M�dia era comum o preparo de unguentos e f�rmacos, oferecidos � popula��o por cegos que corriam �s aldeias. Tamb�m h� relatos de numerosos astr�logos, apesar de mal vistos e considerados hereges pela Igreja. Aplicavam a adivinha��o e premoni��es. Os romanceiros de cordel tamb�m se espalharam afamados pela capacidade de comercializar seus produtos, enquanto seus clientes se divertiam com as rimas. As congrega��es medievais de cegos eram formadas tamb�m para m�tuo socorro contra enfermidades e, em geral, para defesa dos riscos que a cegueira comportava. As associa��es de invidentes, cujos membros tratavam-se como irm�os, tinham como domic�lio social algum templo, buscando sempre a prote��o da Igreja e os

lugares onde se praticava a caridade mais pr�diga. Espalhavam-se em pequenos grupos pelas cidades vizinhas, fixando-se no entorno de templos para exercer a mendic�ncia (MART�NEZ, 1991: 483). Existiam algumas ordens religiosas que admitiam jovens cegas, cujo prest�gio e considera��o guardavam propor��o com o dote que cada uma possu�a. As pobres n�o eram admitidas, a n�o ser que se dedicassem ao trabalho dom�stico ou servissem de companhia a uma monja vidente; ou, ainda, para pedir esmola de casa em casa. A

42 maioria permanecia em casa na companhia de familiares, dedicadas aos afazeres dom�sticos ou vendendo pequenos produtos artesanais por elas confeccionados. Em 1314 fundou-se em Val�ncia na Espanha a confraria dos Cegos Oracioneiros, cujos membros se encarregavam de dirigir o ros�rio e demais respons�rios em vel�rios, novenas, tr�duos e em outros atos devotos, que se ofereciam pela alma de quem acabava de falecer, ou em agradecimento e louvor. Os irm�os desta confraria deviam ser cidad�os exemplares por sua conduta. Estavam obrigados a ser virtuosos em sua moral e costumes, fervorosos e crist�os praticantes. Cabia ao irm�o maior a cobran�a de valores pelos trabalhos realizados pelos confrades, para depois distribuir o arrecadado (dinheiro e bens) convenientemente. A irmandade se regia por severos estatutos e era muito exigente na admiss�o e no comportamento de seus membros (MART�NEZ, 1991: 562). Em algumas localidades, no per�odo medieval europeu, adotaram-se atitudes de prote��o com respeito aos cegos, eximindo-os de impostos e tributos, nem lhes impondo penalidades pela mendic�ncia. Por outro lado, continuava-se a consider�-los in�teis para o trabalho honrado e incapazes de serem educados � exig�ncia para se incorporarem � vida ativa em igualdade de condi��o com seus concidad�os. No entanto, naquela �poca proliferaram as institui��es para manter e albergar os carentes de vis�o. S�o exemplos, o asilo fundado por S�o Bas�lio em Ces�rea de Capad�cia (�sia Menor) no s�culo IV e institui��es similares na S�ria, Jerusal�m, It�lia e Alemanha. Estes asilos-hospitais dedicavam tratamento a toda sorte de enfermos, incluindo tanto cegos como leprosos, com base nos conhecimentos derivados dos c�lebres m�dicos Hip�crates, Galeno, Diosc�rides, Aureliano Celi (GARRISON, 1966). Na Fran�a, no s�culo XI, ganha destaque a Escola de Medicina de Montpellier, que concentrava grande conhecimento sobre infec��es e proporcionava tratamento e opera��es nos olhos. Em 1285, Bernard de Gordon, c�lebre m�dico da cidade, escreveu "L�rio da Medicina", obra em que relata as primeiras experi�ncias com �culos de berilo, material utilizado na fabrica��o de bin�culos.. Neste mesmo per�odo, criou-se uma casa para cegos chamada "Les Quinze-Vingts", institui��o que possu�a caracter�sticas de

asilo-hospital, constituindo-se num dos primeiros modelos para abrigar somente cegos debilitados (HENRI, 1988: 23).

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Alguns autores associam a cria��o da casa "Les Quinze-Vingts" a uma antiga hist�ria envolvendo S�o Luiz, o rei Luiz IX de Fran�a. Conta-se que o rei e seu ex�rcito teriam sido presos pelos turcos durante as cruzadas. Como resgate, um sult�o turco que mantinha o rei e seus comandados prisioneiros, pediu uma fabulosa soma em dinheiro, sob a amea�a de que, por dia que demorasse a entrega, vinte prisioneiros franceses seriam cegados. Durante quinze dias o fato se sucedeu at� que foram libertados os prisioneiros juntamente com o rei. O rei Luiz IX criou ent�o em Paris, no ano de 1265, o Quinze-Vingts (15x20) para servir de ref�gio a trezentos franceses cegados nas cruzadas. (ROCHA, 1987:183). Contudo, existem diverg�ncias quanto a atribuir a S�o Luiz a cria��o da congrega��o Quinze-Vingts, uma vez que alguns autores salientam que a mesma j� existia no reinado de Philipe Augusto, av� de Luiz IX. Nesta perspectiva, ficaria a cargo do rei apenas o estatuto, elaborado ap�s o retorno da 7� cruzada, que recupera a cidade de Damieta, no Egito (SILVA, 1986). Em que pese a boa disposi��o da Igreja e de alguns governantes e senhores em favor dos carentes do sentido da vis�o e das atividades profissionais a que os cegos se dedicavam, a maior parte deles teve que recorrer, para garantir seu sustento, � mendic�ncia, uma pr�tica que se tornara uma institui��o sagrada e merecedora de respeito. A mendic�ncia, entre os povos crist�os, foi praticada em locais diversos por v�rias classes, principalmente pelos cegos, pelas dificuldades em proverem seu pr�prio sustento. A funda��o de asilos e de hospitais para cegos n�o pretendia elevar sua condi��o social, nem melhorar seu n�vel cultural. Na realidade, outorgava-lhes, caritativamente, a condi��o de mendigos privilegiados, reservando-se a bem poucos o desfrute e acesso � cultura da �poca. Mesmo durante a Idade M�dia se diversificavam os sentimentos e as opini�es que os cegos despertavam entre as pessoas com quem conviviam: alguns se compadeciam, outros os julgavam privilegiados, muitos os temiam (MART�NEZ, 1991: 494). O advento da imprensa em 1445 sugeriu mudan�as nas mentes, impulsionando a ideia de ensinar os cegos a ler e a escrever. Os cal�grafos e os que trabalhavam nos impressos foram os que mais se destacaram neste intento, em conflito com as pessoas dedicadas ao ensino. Os cal�grafos acreditavam que era poss�vel ao cego reconhecer objetos pelo tato. Eles observaram que o relevo das ferramentas era facilmente identificado pelos cegos que visitavam as oficinas. Entre os cegos mais interessados em

44 aprender estavam os que se envolviam em of�cios relacionados a empr�stimos, cujo treinamento pr�tico, capacitava-os na distin��o de recibos e papeletas que entregavam como garantia aos clientes. Para os dedicados ao ensino, prevalecia a ideia do treinamento e da capacita��o com caracteres vulgares, a escrita praticada pelos videntes em relevo, sendo esta �ltima iniciativa j� praticada neste per�odo (MART�NEZ, 1992: 14).

3. O per�odo biol�gico ing�nuo

O s�culo XVIII com suas tend�ncias humanit�rias trouxe fecundas inova��es � Europa, imprimindo-lhe um car�ter sociol�gico que acenava com novas perspectivas de concep��o da cegueira. A Revolu��o Francesa e a Revolu��o Industrial afirmaram novos tempos para a humanidade. Criaram-se disposi��es na dire��o de um otimismo pedag�gico, da dessacraliza��o da natureza e do mundo pelo imp�rio da t�cnica. As novas concep��es se contrapuseram ao imp�rio da f�, mas ocorreram tamb�m formas novas de opress�o, resultantes da racionaliza��o da diferen�a entre os seres humanos aplic�vel �s institui��es escolares e sanit�rias. A mesma revolu��o que iluminou as possibilidades de instru��o criou novos ordenamentos sociais segregadores. Os movimentos de reforma das revolu��es cient�fico-econ�micas, ao racionalizarem os procedimentos nas escolas-asilo, mistos de hospital, escola e oficina de mestres e aprendizes, equipando-as com recursos humanos e instrumentais, isolaram parcela expressiva da popula��o. Ao internarem pessoas "anormais", promovendo o saneamento social, deram guarida ao nascimento de hosp�cios e a institucionaliza��o da defici�ncia (BUENO, 1997:165). Os hosp�cios antecedem em cerca de um s�culo as institui��es para deficientes. Promoviam o isolamento como forma de prote��o do meio social de manifesta��es individuais de estado "anormal" n�o revers�veis e com potencial de interferir na nova ordem racional-cient�fica. Desajustados de toda a natureza conviviam internados conjuntamente � usur�rios, mulheres de conduta extravagante, vision�rios, paral�ticos e criminosos. Em algumas institui��es usava-se o crit�rio de separa��o dos "pobres bons" � cegos, paral�ticos e doentes ven�reos � em pavilh�es distintos dos loucos internados por cartas r�gias e delinq�entes assassinos.

45 s�culo XVIII

As institui��es para instru��o de crian�as deficientes surgem no

em Paris, dedicadas a cegos1 e surdos2, tendo em comum com os hosp�cios o fato de serem internatos. Estas escolas propugnavam uma forma��o profissionalizante, visando ao aprendizado de of�cios, em decorr�ncia de experi�ncias exitosas anteriores na educa��o de cegos. De forma distinta dos hosp�cios, as escolas para deficientes se ocupavam em restabelecer ou desenvolver habilidades prejudicadas pela defici�ncia, seja na linguagem, seja na leitura ou na escrita, com aperfei�oamento de dispositivos espec�ficos. Contudo, boa parte dos educandos profissionalizados levava a vida nas mesmas condi��es daqueles sem acesso a educa��o, por n�o encontrarem trabalho, nem oportunidade de se manterem fora do ambiente institucional. O pr�prio Luis Braille viveu at� sua morte, aos 43 anos, na institui��o em que ingressou como aluno e se tornou professor (BUENO, 1997: 168). A cria��o de institui��es voltadas ao atendimento de crian�as cegas preencheu tr�s fun��es fundamentais, que espelhavam os conflitos e contradi��es que permearam sua g�nese, e que permanecem at� os nossos dias, segundo Bueno (1997:167): i. acesso

proporcionar a uma crian�a com altera��es evidentes, incluindo a cegueira,

� cultura socialmente valorizada, propiciando o desenvolvimento de potencialidades e habilidades necess�rias a uma vida relativamente �til; ii. "contribuir para a separa��o e segrega��o dos divergentes, dos que atrapalhavam a nova ordem social" atingindo, fundamentalmente, os deficientes de camadas populares, j� que os bem-nascidos, mesmo com limita��es e preconceitos, podiam usufruir a conviv�ncia e riqueza familiar socialmente produzida; iii.

"conformar novas subjetividades sobre as pessoas que se incorporavam �s institui��es, por meio de pr�ticas como a interna��o, a auto-sufici�ncia institucional em rela��o ao meio social e a incorpora��o de fun��es como o trabalho em oficinas segregadas."

Em pouco tempo, alguns institutos abandonaram a fun��o inicialmente proposta de promo��o de acesso dos cegos � cultura pela educa��o escolar, transformando-se em asilos fornecedores de "m�o de obra barata, pela retirada dos desocupados das ruas e seu encaminhamento para o trabalho manual e tedioso" 1

Instituto dos Jovens Cegos de Paris criado por Valentim Ha�y em 1784 (JANNUZZI: 2004, 29). 2 Escola Abade de L'Ep�e, criada em 1760, transformou-se no Instituto Nacional de Surdos-Mudos (JANNUZZI: 2004, 30).

46 parcamente remunerado, quando n�o, em "troca de um prato de comida e um catre no asilo-escola-oficina" (BUENO, 1997:167). Jovens

Embora haja cr�ticas3 sobre a forma como se estruturou o Instituto dos

Cegos de Paris, criado por Valentim Ha�y (1745-1822) em 1784, o fato � que outros institutos com a mesma conforma��o se espalharam por v�rios pa�ses da Europa4. No Brasil a experi�ncia de implanta��o da primeira escola para cegos ocorreu em 1854 com a cria��o do Instituto Benjamin Constant, a partir do modelo de Ha�y (MAZZOTTA, 2003:19).

3.1. O nascimento do instituto de Valentin Ha�y

Valentin Ha�y (1745-1822) � tido como o precursor do sistema Braille e pai da institucionaliza��o da instru��o das pessoas cegas. Dentre suas m�ltiplas ocupa��es, listavam-se as atividades de poliglota, pale�grafo e perito na decifra��o de escritas e c�digos secretos, professor de l�nguas antigas como o grego, latim e hebraico, e de mais dez l�nguas modernas. Durante mais de trinta anos foi tradutor e int�rprete em entidades privadas e p�blicas na Fran�a. Possu�a aguda sensibilidade pelos infort�nios das minorias e inconformismo com situa��es para as quais devotava enorme capacidade de entrega e generosidade. Suas a��es surgiram na Fran�a num momento de expressiva preocupa��o sociocultural e efervescente luta entre o antigo regime e seus opositores (GUERREIRO, 2000:110). Segundo relato de Maurice de la Sizeranne (1857-1924), Ha�y vivenciou experi�ncias impactantes que o motivaram a criar um instituto para cegos. Na feira de Santo Ov�dio, em Paris, presenciou um empres�rio, em um caf� na Pra�a da Conc�rdia, atraindo clientes pela exibi��o de dez mendigos cegos atuando como fantoches. "Empunhavam desajeitados instrumentos musicais" em trajes e �culos rid�culos, "entoando melodia mon�tona em un�ssono". "Um maestro tamb�m cego, em traje 3 Segundo Bueno, a escola fundada por Valentin, cujo curr�culo se compunha de linguagem escrita (atrav�s de letras em relevo), aritm�tica, geografia, m�sica, e treinamento industrial, foi incorporada pelo governo revolucion�rio em 1791 sob a denomina��o de Instituto para Cegos de Nascimento, aceitando, a partir de ent�o, somente cegos que pudessem trabalhar, passando a denominar-se Instituto de Trabalhadores Cegos em 1795. Este autor aponta que tais transforma��es n�o podem ser vistas apenas como mudan�as de denomina��es ou incorpora��o de atividades profissionais, j� que estas atividades j� estavam presentes no curr�culo da institui��o desde a cria��o por Ha�y. (BUENO, 1993: 168) 4 Liverpool em 1791, Londres em 1799, Viena em 1805, Berlim em 1806, Estocolmo 1808, dentre outras. (SILVA: 1986, 256)

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grotesco, apresentava-se com uma cauda de pav�o, � frente do conjunto" (GUERREIRO, 2000:111). O repugnante "espet�culo concebido para provocar hilaridade" desgostou Valentin Ha�y, causando-lhe viva indigna��o. O choque produzido pelo degradante espet�culo suscitou a forma��o de prop�sitos verdadeiramente tifl�filos, que o pr�prio Ha�y exp�e nos seguintes termos: "Por que foi que a ideia duma cena t�o vergonhosa para a esp�cie humana n�o ter� morrido logo no momento em que foi concebida? Por que foi que o divino minist�rio da poesia e da gravura foram postos ao servi�o da divulga��o duma tal atrocidade? Ah! foi sem d�vida para que o quadro reproduzido diante dos meus olhos, enchendo-me o cora��o duma afli��o profunda, me excitasse o engenho". E assim, tomado dum nobre entusiasmo, afirmou: "porei a verdade no lugar desta farsa rid�cula, farei ler os cegos e colocarei em suas m�os livros impressos para eles pr�prios. Eles tra�ar�o os caracteres e ler�o a sua pr�pria escrita. Finalmente, farei com que sejam capazes de interpretar m�sica decentemente" (GUERREIRO, 2000:112). Ap�s este epis�dio, um acontecimento fortuito refor�ou a ideia de Valentin Ha�y ao in�cio da atividade docente. Em 31 de maio de 1784, ao sair da Igreja de S�o Roque no bairro de Saint Germain des Pr�s, depois da celebra��o da festa de Pentecostes, deixou como esmola uma moeda de prata na caixa de um mendigo cego, de nome Fran�ois Lesueur, que contava 17 anos de idade. O rapaz dirigiu-se a Ha�y para lhe dizer que este havia se enganado, visto que lhe tinha dado uma moeda em prata em vez de um soldo. Surpreendido, Ha�y lhe perguntou como se tinha apercebido disso, ao que Lesueur respondeu que havia sido pelo ouvido e pelo tacto. Maurice de la Sizeranne (1916) e Oliva (1984) salientam que "impressionado por esta capacidade e estimulado pela honestidade e intelig�ncia de Lesueur, Ha�y convidou-o a aprender a ler". O passo seguinte era vencer a resist�ncia dos pais de Lesueur, que n�o podiam prescindir do produto das esmolas recebidas pelo filho. Ha�y prop�s aos pais do aprendiz entregar, por dia, o equivalente recebido pelo rapaz em esmolas em troca da permiss�o de professor e aluno se encontrar diariamente. A partir de caracteres em alto e baixo relevo, Lesueur aprendeu as letras e os algarismos, al�m das suas combina��es para formar palavras, frases e n�meros. Mas um dia, quando apalpava pap�is que estavam sobre a escrivaninha de Ha�y, Lesueur encontrou um cart�o de visita em que a impress�o apresentava algum relevo,

48 identificando um caractere gravado. Logo se apressou em participar a descoberta ao mestre, o qual, n�o menos entusiasmado, com o bico do cabo da sua pena gravou no papel diversas letras, que Lesueur reconheceu sem qualquer hesita��o. A impress�o de caracteres em relevo foi aperfei�oada por Valentin Ha�y, a partir das experi�ncias com Lesueur. A t�cnica envolvia a fundi��o dos caracteres e a concep��o de um dispositivo especial para pigmenta��o dos relevos, o que permitia facilmente a utiliza��o dos livros tamb�m pelos videntes. A inten��o de Valentin

era possibilitar que cada um dos seus alunos tivesse acesso � biblioteca � e � constitui��o da sua pr�pria �, al�m de esperar que os cegos pudessem dedicar-se ao ensino de crian�as videntes. Estes passos culminaram com a funda��o da primeira escola para cegos no mundo, em 1784, funcionando, a princ�pio, na pr�pria resid�ncia de Ha�y. Em 1786, a institui��o foi transferida para instala��es alugadas, reunindo escola e oficinas no mesmo estabelecimento. Nesta �poca Ha�y ficou respons�vel pela sociedade filantr�pica de educa��o das pessoas cegas, nascendo assim a "Institution des Enfants Aveugles" (mais tarde "Institution Nationale des Jeunes Aveugles"), cuja oficializa��o s� se consumou em 1791. Como revela Oliva (1984), "em pouco tempo a atividade educativa de Ha�y conhecia um crescimento not�vel", com o n�mero de alunos ultrapassando algumas dezenas. O novo instituto contava tamb�m com o prest�gio e a influ�ncia da Academia das Ci�ncias, da qual o irm�o de Ha�y era membro, e do Gabinete Acad�mico das Escritas, de que era membro o pr�prio Ha�y. No ano de 1786, em pleno funcionamento do "Institution Nationale des Jeunes Aveugles" e �s v�speras do Natal, na continua��o de uma extensa s�rie de demonstra��es com a dupla finalidade de impressionar a opini�o p�blica e de angariar aux�lios financeiros, 24 alunos da escola de Ha�y se apresentaram perante a Fam�lia Real e a Corte, no pal�cio de Versalhes. A apresenta��o tinha por finalidade p�r � prova a capacidade na leitura, realiza��o de opera��es matem�ticas, utiliza��o de mapas geogr�ficos, interpreta��o musical, composi��o e revis�o tipogr�fica. Executaram tarefas oficinais e, mais tarde, em 1789, alguns alunos da institui��o foram admitidos como m�sicos da capela real. Diversos autores como Oliva (1984), Villey (1984), Henri (1988) e Guerreiro (2000) apontam Ha�y como o precursor da tiflopedagogia, pelo seu esfor�o na

49 elabora��o dos primeiros materiais em relevo � livros textuais, matem�tica, mapas �, utilizados na escola que fundou para os cegos; al�m de desenvolver um adaptador utilizado na impress�o em relevo e de criar as primeiras oficinas para cegos. Ha�y foi o pioneiro que desbravou o caminho para Barbier de la Serre e para a hist�rica inven��o de Louis Braille, provando que o problema essencial na educa��o das pessoas cegas consistia em transformar o "vis�vel" em "tang�vel" (OLIVA, 1984). Entretanto, com a eclos�o da Revolu��o Francesa, sua atividade tifl�fila se defrontou com m�ltiplas dificuldades financeiras, agravadas pelos efeitos de in�meras vicissitudes pol�tico-sociais, que levaram a escola quase � extin��o. N�o obstante

estas conturbadas circunst�ncias, em que as diferen�as da cena pol�tica e at� das religiosas (mesmo as mais influentes) mal deixavam aquecer os lugares, Ha�y procurava mover-se no seu meio. N�o tardou que a sua versatilidade o fizesse confrontar nefastas consequ�ncias, que vieram a lhe impor o abandono da dire��o administrativa das suas atividades tifl�filas e tiflopedag�gicas. A restri��o de recursos financeiros determinou a jun��o da Escola para Cegos com a Escola para Surdos-Mudos no mesmo pr�dio. Pouco tempo depois, a Escola para Cegos foi incorporada ao Hosp�cio dos "Quinze-Vingt" e Ha�y foi afastado da dire��o administrativa da escola que fundou. Embora tais medidas tenham desgastado sua imagem, no plano pol�tico e no religioso, al�m de ter sido preso por duas vezes, ele conseguiu fundar, no ano de 1802, uma pequena escola privada, � semelhan�a da existente. Esta escola, batizada com o nome de "Le Mus�e des Aveugles", acolheu um pequeno n�mero de indiv�duos cegos franceses e estrangeiros abastados. Apesar da escassez de recursos, bons alunos foram formados na escola, fato que difundiu, para al�m das fronteiras francesas, informa��es favor�veis sobre o novo lugar de instru��o e sobre o nome de Valentim Ha�y (GUERREIRO, 2000:118).

3.2. Dos sistemas de lecto escritura para cegos

Alguns s�culos se contam desde as primeiras tentativas conhecidas para dotar as pessoas cegas de um "sistema de letras ou sinais sens�veis ao tato que lhes facultasse a leitura ou que a necessidade da sua cultura impusesse". Grande parte dos processos antigos partia da grava��o de caracteres comuns do alfabeto latino em t�buas enceradas

50 e outros artefatos como estanho. Em 1517, o espanhol Francisco Lucas, de Sarago�a, emparelhou uma s�rie de letras sobre placas de madeira, sistema aperfei�oado por volta de 1575 pelo italiano Rampansetto, de Roma, que gravou-as em baixo-relevo e com maiores dimens�es (GUERREIRO, 2000:114). Na Fran�a de 1640, o not�rio Pedro Moreau fabricava letras m�veis de chumbo. Na Alemanha, Sch�nberger as usava com o mesmo prop�sito, feitas em estanho. Outros seguidores, como Jorge Harsdorffor de Nuremberg, em 1651, e Padre Terzi, da It�lia, em 1676, recriaram o velho processo de gravar letras com estilete em t�buas cobertas de cera. Estes sistemas possu�am pouca aplicabilidade pr�tica pela dificuldade de manuseio, sendo rapidamente postos de lado pelos seus utilizadores (GUERREIRO, 2000:114). Grande parte dos cegos que alcan�aram a celebridade por seus estudos e conhecimentos, at� o advento do sistema Braille, empregaram alguns m�todos particulares desenvolvidos por curiosos ou mestres5 inovadores, n�o dando

prosseguimento aos seus inventos pela dificuldade que apresentavam para os aprendizes. Assim, muitos m�todos e ferramentas foram criados como tentativas para a instru��o de cegos. Em comum possu�am baixa praticidade e dificuldade de manuseio, al�m da pouca reprodutibilidade das ferramentas necess�rias ao uso, quase podendo dizer-se que cada pessoa cega que "se instru�a o fazia por diferente modo, servindo-se de meios mais ou menos engenhosos conforme as circunst�ncias". Neste sentido, Diderot, em "Cartas sobre os cegos", refere-se a Srta. Melanie de Salignac, nascida em 1741, que lia com a ajuda de letras recortadas em papel e escrevia com a ajuda de um alfinete (DIDEROT, 1985:36). A preocupa��o com a instru��o dos cegos, portanto, n�o data do aparecimento da primeira escola de Paris em 1784. Muito antes, j� havia v�rias tentativas nesse campo. Para Veiga (1983:25), esta constata��o se verifica tanto pela capacidade dos cegos de se instru�rem, quanto pelos sentimentos piedosos inspirados. Por um fato ou

5

Jacques Bernouilli (1654-1705) se notabilizou ensinando crian�as cegas em caracteres vulgares a partir de linhas e relevos de letras gravados em blocos de madeira, cujo contorno era poss�vel acompanhar para desenvolvimentos de pequenos textos; Nicol�s Sounderson (1682-1739), ao final do s�c. XVII se servia de um sistema de s�mbolos geom�tricos de diferentes tamanhos e formas aos quais atribu�a valores e ideias segundo uma determinada posi��o (DIDEROT, 1985:11).

51 por outro, � de longa data a exist�ncia de m�todos e processos para ensinar os cegos a ler e escrever. Os m�todos desenvolvidos na instru��o de cegos obedeciam a certa regularidade em seus princ�pios, sendo, a partir do s�culo XIX, identificados e classificados segundo sistemas de grava��o de caracteres e meios de reprodu��o. Grande parte dos mais difundidos pode ser classificada em sistemas de grava��o de caracteres vulgares e angular em relevo. O sistema vulgar em relevo, como representado na Figura 2.1, consiste na reprodu��o de formas e letras dos signos do alfabeto comum por meio de grava��o, com estilete, de linhas em alto e baixo relevo. Alguns de seus idealizadores foram Edmundo Frey (Londres), John Alston (Glasgow), James Halle (Edimburgo), Thomas M. Lucas (Bristol) e Valentin Ha�y (Fran�a), este �ltimo o mais ilustre representante desta grafia (MART�NEZ, 1992: 411).

412)

Figura 2.1. Alfabeto reproduzido com letras em relevo. (MART�NEZ: 1991,

O sistema angular em relevo � aquele que tem por objetivo reproduzir a forma das letras e dos demais signos do alfabeto, mediante s�mbolos em cujas estruturas se observam a grafia de �ngulos retos, agudos e obtusos, como mostra a Figura 2.2. Os procedimentos de Fr�re, William Moon (1818-1894) y Pedro Llorens Yatchots s�o os principais exemplos de idealizadores de sistemas alfab�ticos em relevo que utilizam este tipo de grafia. O sistema Llorens foi utilizado em musicografia durante o s�culo XIX. Outro catal�o, Aniceto Mascaro (1842-1906), inventou no final do mesmo s�culo um sistema em que se reproduzia a figura das letras dos videntes com pontos em relevo �

52 popularizado por toda a Pen�nsula Ib�rica com a denomina��o de Sistema Mascaro (BORDONAU, 2005:7), (MART�NEZ, 1992, 410) e (MART�NEZ, 1993:323).

Figura 2.2. Alfabeto Moon (MART�NEZ, 1991, 413).

De todos os sistemas introduzidos numa �poca de grande rivalidade tipogr�fica para os cegos, o sistema Moon (Figura 2.2) ainda permanece utilizado, principalmente nos pa�ses de l�ngua inglesa. Seu inventor foi William Moon, de Brighton, em 1847. Moon, que mantinha um res�duo visual desde inf�ncia, acabou por ficar cego aos 21 anos de idade, dominando bem depressa todos os sistemas de leitura em relevo conhecidos �quela �poca. Rapidamente percebeu que poucos indiv�duos cegos conseguiam usar esses sistemas com efic�cia, levando-o a inventar o seu pr�prio alfabeto, ao qual conferiu o seu sobrenome como denomina��o (GUERREIRO, 2000:125; MART�NEZ, 1991: 413).

3.3. Da escrita sonogr�fica de Barbier � g�nese do alfabeto Braille

As origens do sistema Braille se encontram no procedimento conhecido com a denomina��o de sonografia noturna, leitura noturna ou simplesmente sonografia, idealizado pelo franc�s Carlos Maria Nicolas Barbier de la Serr� (1767-1841), ou simplesmente Barbier de la Serre. Barbier era capit�o no ex�rcito napole�nico e, em

53 campanha, necessitava transmitir e enviar dados durante a noite. Tal necessidade o fez idealizar um sistema de pontos telegr�ficos que podiam ser lidos no escuro por soldados. Este sistema evoluiu para um c�digo cifrado, criptografado, pr�prio para guarda e envio de mensagens das trincheiras militares � noite (Figura 2.3) (MART�NEZ, 1992:418).

Figura 2.3. Sonografia noturna de Barbier de La Serre (Mart�nez, 1991:419). Tendo em vista que a sonografia era destinada a pessoas videntes, Barbier teve a ideia de usar pontos na confec��o do relevo, talvez porque os pontos fossem mais f�ceis de fazer do que a linha lisa j� adotada. Mas como a leitura pelo tato n�o poderia ser impingida aos soldados de olhos abertos, o capit�o franc�s levou seu alfabeto � escola de Ha�y, em 1819, para testar sua inven��o pelas pessoas cegas. No plano funcional, acreditava que seu m�todo possu�a vantagens � pela maior flu�ncia � sobre o processo de escrita e leitura das letras do alfabeto latino em relevo. A diferen�a � que o novo m�todo necessitava de memoriza��o de sua simbologia, prescindindo, no entanto, das m�quinas tipogr�ficas exigidas no sistema de Ha�y, pois os pontos poderiam ser feitos � m�o sobre um papel. A simbologia de Barbier se baseava em sinais representativos de sons, princ�pios fon�ticos, sendo constitu�da por trinta e seis fonemas b�sicos mais frequentemente utilizados na l�ngua francesa (HENRI, 1988:37). Pelo fato de se basear em princ�pios fon�ticos e n�o em princ�pios ortogr�ficos, a estrutura dos caracteres

54 possu�a grande complexidade que dificultava a determina��o exata do significado de cada um. Outra quest�o importante era que os pontos possu�am grandes disposi��es, em virtude das dimens�es dos caracteres. O leitor era for�ado a percorrer um ziguezague com o dedo sobre o papel, em vez de percorr�-lo horizontalmente. A Figura 2.4 demonstra o sistema de Barbier adaptado para os cegos.

Figura 2.4. Sonografia de Barbier adaptada � leitura dos cegos. Obs.: Para cada s�mbolo fon�tico h� arranjo de pontos. (HENRI, 1988: 42) Luis Braille (1809-1852) e seus contempor�neos Ha�y, Moon, Mascaro e Llorens reconheceram a ineg�vel contribui��o do sistema sonogr�fico de Barbier em rela��o ao sistema de caractere vulgar em relevo. Atrav�s do primeiro, v�rios cegos

foram alfabetizados, inclusive o pr�prio Braille. Entendiam, no entanto, que tamb�m n�o lhes era poss�vel restringir-se a uma escrita fon�tica. Tal sistema n�o se prestava aos ditados ortogr�ficos nem a deveres de c�lculo. Al�m do mais, doze pontos eram bem mais que o necess�rio para produzir os sessenta signos, faltando ainda representar as letras ausentes, sinais de pontua��o as cifras e s�mbolos matem�ticos (HENRI, 1988:45).

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A primeira transforma��o da "Sonographie Barbier" operada por Louis Braille, contando pouco mais que dez anos, foi "dividir ao meio", no sentido da altura, o ret�ngulo formado pelos doze pontos (seis em cada fila). A nova c�lula Braille6 (Figura 2.5) adaptada � escrita dos cegos contou com duas colunas e tr�s linhas, totalizando seis pontos numerados de 1 a 6, de cima para baixo e da esquerda para a direita, sendo a fila esquerda representada pelos pontos 1,2 e 3 e a fila direita pelos pontos 4, 5 e 6, como representado abaixo (ZURITA, 2005).

Figura 2.5. C�lula Braille (ZURITA, 2005)

As mudan�as ocorreram porque Luis Braille reconhecera, desde logo, que os s�mbolos com mais de tr�s pontos em cada fila n�o eram abrang�veis num s� contacto pela parte mais sens�vel do dedo e, por consequ�ncia, a percep��o imediata de um sinal representativo de um determinado caractere era imposs�vel. Esta constata��o da dimens�o ideal de um relevo sens�vel � capacidade de apreens�o permitiu a representa��o por pontos mais ajustada � percep��o t�ctil. Braille concebeu um c�digo que possui uma l�gica de representa��o (Figura 2.6): as dez primeiras letras consistem na combina��o unicamente dos quatro pontos das filas superiores da c�lula; as dez seguintes letras s�o as mesmas, com a adi��o de um ponto inferior na coluna da esquerda; e as seguintes da mesma forma, com a adi��o do ponto se dando na fila inferior (ZURITA, 2005, 2010). Pierre Villey (1879-1933) � professor universit�rio cego, historiador e cr�tico �, cujas obras envolvem ensaios sobre Montaigne, sobre a psicologia e a pedagogia dos cegos, afirma a refer�ncia e classifica como "prod�gio do alfabeto Braille" o fato de o

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Com o Braille se representam os alfabetos latino, grego, hebraico, cir�lico e outros, bem como os alfabetos e outros processos de escrita das l�nguas orientais; escreve-se o texto vocabular, tanto no modo integral como no estenogr�fico, a matem�tica, a geometria, a qu�mica, a fon�tica, a inform�tica, a m�sica etc. O Braille � utilizado nos idiomas japon�s e chin�s com uma c�lula de oito pontos que representam os ideogramas. � utilizado tamb�m no mundo �rabe, na �frica e pa�ses da Oceania. Os povos que utilizam o c�digo mais recentemente s�o: os guaranis, os do But�n, o tibetano e os de Ruanda e Burundi na �frica (ZURITA, 2005).

56 seu s�mbolo gen�tico se compor apenas de seis pontos que, n�o excedendo o campo da tactilidade, satisfazem todas as necessidades da sua utiliza��o. Pierre Villey se refere � Barbier, como um precursor expressivo da obra de Luis Braille (GUERREIRO, 2000:121).

Figura 2.6. Alfabeto Braille No alfabeto proposto por Braille, cada sinal passou a corresponder a uma s� letra, a um s� algarismo, a um s� sinal de pontua��o. Existem informa��es de que o primeiro trabalho de Luis Braille fora pensado, e realizado, aos dezesseis anos de idade, durante um per�odo de f�rias. A partir da multiplicidade das combina��es das quais se originam seis pontos, extraiu uma s�rie de caracteres metodicamente dispostos e conseq�entes uns dos outros. Tal simplicidade surpreende, sobretudo, se pensarmos que o novo sistema foi conclu�do em primeira e �ltima vers�o, al�m de editado em 1829, contando seu idealizador vinte anos de idade. Nele, Braille exp�e o seu novo m�todo de

57 escrita e de leitura que permite escrever n�o s� palavras e n�meros, mas tamb�m notas musicais e s�mbolos matem�ticos (Figuras 2.7 e 2.8).

Figura 2.7. Quadro de notas musicais e valores (HENRI, 1988:56)

Figura 2.8. N�meros e signos matem�ticos (Henri, 1988:52) O c�digo Braille passou a ser usado pelos alunos da Institution Nationale des Jeunes Aveugles na escrita e leitura das aulas a partir de 1830. Essa experi�ncia possibilitou a seu idealizador aperfei�oar o sistema quanto � pontua��o, acolhendo o uso corrente de simbologia j� utilizada pelos alunos. Em conseq��ncia dessa utiliza��o � que foram criados os dez novos sinais que Braille adotou definitivamente para representar as pontua��es. O sistema proposto por Braille rompeu com a concep��o fon�tica, em que os s�mbolos representavam sons sil�bicos, e deu ao seu c�digo fundamento ortogr�fico e alfab�tico, consagrando-o como o inventor do maior e melhor sistema de lectoescritura para os cegos. Bastante influenciado por m�todos de escrita e, fundamentalmente, de leituras anteriores, em sua primeira edi��o o m�todo ainda era perme�vel � ado��o de elementos do relevo linear.

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Nem tudo era otimismo na aceita��o do sistema Braille. Muitos professores videntes ofereceram resist�ncia ao novo m�todo de leitura, lan�ando novos m�todos de lectoescritura para cegos. O New York Points dos Estados Unidos e o alfabeto Moon da Inglaterra fizeram oposi��o, que acabou sendo derrubada pelos pr�prios cegos. Entretanto, esta oposi��o permanece entre professores videntes que encontram dificuldade na memoriza��o e percep��o pelo tato. Tal dificuldade � apontada como causa de grande preju�zo para os cegos, dada a redu��o de professores com interesse em dedicar-se a aprender e ensinar este sistema (VEIGA, 1983:27). Assim, seguindo o Braille, sistemas "paralelos" n�o tardaram a se desenvolver, sendo um deles assentado numa c�lula de tr�s colunas por duas linhas, em vez de duas colunas por tr�s linhas. Esta iniciativa persistiu nos Estados Unidos at� a segunda d�cada do s�culo XX, "tendo o seu abandono e a ado��o do Braille padr�o ficado a dever-se aos esfor�os e empenhos de Helen Keller7 que, tamb�m para esse fim, conduziu uma das suas muitas cruzadas" (GUERREIRO, 2000:122). Embora o uso do sistema Braille j� estivesse difundido e apontado entre os alunos do col�gio de Ha�y como mais vantajoso em rela��o aos sistemas anteriores, permanecia a impress�o de livros em relevo linear. Apenas em 1837, ano da 2� edi��o da obra de Luis Braille, ap�s oito anos de experi�ncias e de ajustes, com a colabora��o de alunos, professores e demais entusiastas do novo sistema, o sistema de pontos em relevo se apresentou quase exatamente como hoje se conhece (com sessenta e tr�s sinais).

Luis Braille contemplou na edi��o de seu not�vel sistema, em 1837, a representa��o de quase todos os sinais utilizados da escrita em caracteres comuns. Contudo, seu sistema s� foi oficializado na Fran�a em 1854 (dois anos depois da morte do seu autor) e, no restante da Europa, apenas em 1870. � importante salientar que a referida edi��o fixou, al�m do alfabeto, dos algarismos e da pontua��o, outros sinais ortogr�ficos, bem como os sinais aritm�ticos e alg�bricos (que posteriormente sofreram diversas modifica��es), um sistema estenogr�fico (quase totalmente modificado) e um 7

Helen Keller (1880-1968). Surda-muda e cega que, mesmo privada desses sentidos desde os dezenove meses de idade, conseguia comunicar-se com outras pessoas pela m�mica e palavra articulada. Nasceu no Alabama, Estados Unidos. Dotada de grande intelig�ncia e sensibilidade, graduou-se em filosofia pela Universidade Radcliffe. Recebeu t�tulos e diplomas honor�rios das Universidades Temple e de Harward e das Universidades da Esc�cia (Glasgow), Alemanha (Berlim), �ndia (Nova Delhi) e de Witwaterstrand (Johannesburg) �frica do Sul. Esteve no Brasil em 1953 em convite oficial do governo brasileiro. (MACHADO, 1980: 63)

59 c�digo de nota��o musical que constitui, no essencial das suas linhas, a atual musicografia braille universal (BRASIL, 2004). A este respeito cabe apontar que, at� o advento desta musicografia espec�fica, nenhum outro sistema satisfazia as necessidades dos estudantes e profissionais cegos. Os sinais musicogr�ficos s�o capazes de reproduzir com exatid�o os textos musicais escritos � tinta, proporcionando �s pessoas cegas, deste modo, a possibilidade de explora��o da m�sica, itiner�rio que, na �poca, lhes sorria irrecusavelmente, transbordante de promessas. A m�sica, seja como arte (exprimindo sentimentos ou impress�es por meio de sons), seja como ci�ncia, come�ou a estar progressivamente acess�vel e ao inteiro alcance das pessoas cegas (GUERREIRO, 2000:127).

4. As ideias do per�odo cient�fico e sua origem

O per�odo cient�fico foi marcado pelas ideias da corrente hist�ricocultural da personalidade, cujas origens est�o associadas fundamentalmente aos nomes dos pensadores russos L. S. Vigotski (1896-1934), A. N. Leontiev (1903-1979) e A. R. Luria (1902-1977). Tais autores desenvolveram trabalhos em diferentes �reas disciplinares como a ling��stica, a psicologia, a pedagogia e a neurologia. Na �poca em

que aparecem seus primeiros trabalhos a psicologia est� fortemente marcada pelo experimentalismo. Do ponto de vista, te�rico tr�s linhas principais disputavam o campo psicol�gico: a introspeccionista, inaugurada pelos trabalhos de W. Wundt (18321928), que se propunha � descri��o dos fen�menos da consci�ncia por meio da an�lise dos seus elementos constituintes; a gestaltista, fundada nos trabalhos de M. Wertheimer (18801943), K. Koffka (1871-1946) e W. Kohler (1887-1946), que se opunha ao elementarismo introspecionista, propondo uma an�lise hol�stica dos fen�menos ps�quicos; e a funcionalista que, a partir dos trabalhos de J. Dewey (1859-1952) e de J. R. Angell (1889-1949), contrapunha-se tamb�m ao elementarismo introspecionista pela an�lise das fun��es da atividade consciente (VALSINER: 2001, 212). A psicologia russa, no in�cio do s�culo vinte, apresentava caracter�sticas culturais peculiares em raz�o da sua hist�ria e da fermenta��o socialista que marcou o fim da era tzarista. Segundo Valsiner (2001, 214), duas tradi��es tiveram grande

60 influ�ncia na psicologia russa: a primeira, no contexto da biologia evolucionista, com nomes como V. A. Vagner (1849-1934) e A. Severtsov (1866-1936) e a outra, no contexto da neurofisiologia, onde se destaca I.M. Sechenov (1829-1905), iniciador da corrente reflexol�gica, e seus sucessores V. Bekhterev, fundador do Laborat�rio de Psicologia de Kazan e I. Pavlov. V�rias das id�ias da constru��o te�rica de Vigotski, Luria e Leontiev t�m sua origem nestas duas tradi��es, tais como a linha de desenvolvimento natural e a hist�rico- cultural, a fun��o dos instrumentos na atividade humana, a exist�ncia de duas categorias de fun��es, as elementares e as superiores, assim como o conceito de interioriza��o das fun��es ps�quicas, al�m da import�ncia da atividade na transforma��o da realidade externa e interna da pessoa. Merece destaque as fortes ideias filos�ficas de Karl Marx e Friedrich Engels, implantadas na R�ssia p�s-revolucion�ria de 1917, que influenciaram enormemente o per�odo cient�fico e cujos princ�pios socialistas baseavam-se na forma��o do homem novo (SIRGADO: 1990). A implanta��o do marxismo representou uma transforma��o radical da sociedade russa e da futura URSS nos campos social, econ�mico, pol�tico e ideol�gico, com profundas repercuss�es no campo da ci�ncia e das ideias. O desenvolvimento cient�fico na d�cada de 1920 � exemplar. De um lado, porque a ideologia oficial assume progressivamente um papel controlador da atividade cient�fica, significando controle da produ��o e dissemina��o dessas ideias. De outro, porque uma boa parte da jovem gera��o de psic�logos dedica-se, com entusiasmo, a construir novos sistemas te�ricos em psicologia com base nas teses principais do materialismo dial�tico (PRESTES:

2010, 28). Paralelamente sob o olhar "vigilante" do partido, que n�o tolera desvios doutrin�rios, mas deixa que eles sejam resolvidos ao n�vel interno das pr�prias comunidades cient�ficas, florescem as bases de uma nova psicologia, pretendendo superar os impasses e paradoxos com que se debatia a psicologia da �poca. Esta parece ter sido a posi��o do grupo que deu origem � corrente hist�rico-cultural e dos seus continuadores, depois. A corrente hist�rico-cultural com fundamento nos trabalhos de Vigotski, Leontiev e Luria contribuiu particularmente quanto ao m�todo, ao conceito de atividade e quanto � origem das fun��es psicol�gicas, inaugurando uma nova concep��o sobre o

61 psiquismo humano. Vigotski afirma que o m�todo deve considerar a natureza do objeto. A investiga��o de um problema novo requer o desenvolvimento de um novo m�todo. Se nem todos os problemas investigados s�o novos, uma nova forma de abordagem deve ser considerada para um problema aparentemente semelhante (VIGOTSKI: 2004, 93).

4.1. A corrente hist�rico-cultural e seu m�todo

O m�todo utilizado pela corrente hist�rico-cultural no estudo do comportamento humano foi desenvolvido principalmente por Vigotski. Um ponto central do mesmo � que os fen�menos ps�quicos n�o podem ser considerados e estudados como meros objetos, mas sim como processos em mudan�a (VIGOTSKI: 2004, 94). Vigotski sustenta que, mesmo que o m�todo possa ser adequado ao estudo de processos elementares (de natureza biol�gica), n�o pode servir de base para o estudo de processos complexos, como as formas de comportamento especificamente humanas. O desenvolvimento psicol�gico dos homens difere qualitativamente e exige um m�todo pr�prio. Tr�s princ�pios b�sicos definem, segundo Vigoski, a abordagem metodol�gica das fun��es especificamente humanas. O primeiro � que ela vise a processos e n�o a objetos. Os processos implicam mudan�as que requerem tempo de dura��o e cuja g�nese e evolu��o podem ser seguidas em determinadas circunst�ncias. A an�lise do processo pressup�e uma exposi��o din�mica dos pontos que constituem a hist�ria deste processo. O segundo � que ela seja explicativa e n�o meramente descritiva, chegando �s rela��es internas constitutivas do processo, pois a mera descri��o n�o ultrapassa o n�vel das apar�ncias. O terceiro afirma que a abordagem seja gen�tica e din�mica, ou seja, que ouse buscar as origens das fun��es; o que n�o quer dizer estudar um evento no passado, mas estud�-lo no seu processo de mudan�a. Segundo Vigotski "o

comportamento s� pode ser entendido como a hist�ria do comportamento". A hist�ria sendo mudan�a, ela traduz o processo de constitui��o do comportamento. A reconstitui��o deste processo d� acesso ao seu conhecimento (VIGOTSKI, 2004, 98). Na sua an�lise da consci�ncia, Vigotski estabelece dois processos b�sicos desta metodologia, articuladores da teoria e do m�todo: a unidade de an�lise e o princ�pio explicativo. Prop�e uma metodologia que investigue os fen�menos por meio de uma

62 unidade que, como ele diz, "ret�m todas as propriedades b�sicas do todo". A an�lise deve ser, portanto, hol�stica e n�o elementarista, uma vez que os elementos s� t�m significa��o na totalidade em que est�o integrados. O princ�pio explicativo � um conceito que "reflete certa realidade que, por sua vez, determina fen�menos mentais e torna poss�vel sua reconstru��o" (DAVIDOV apud SIRGADO: 1990). Assim, a unidade de an�lise define um campo te�rico-metodol�gico de investiga��o. O princ�pio explicativo permite um construto que vincula determinada realidade com uma elabora��o te�rica.

4.2. A atividade humana

O desenvolvimento da teoria da atividade surgiu no campo da psicologia com os trabalhos de Vigotski, Leontiev e Luria. Ela pode ser considerada um desdobramento do esfor�o para constru��o de uma psicologia hist�rico-cultural fundamentada na filosofia marxista. Embora a denomina��o "teoria da atividade" tenha surgido mais especificamente a partir dos trabalhos de Leontiev, muitos autores acabaram por adotar essa denomina��o tamb�m para se referirem aos trabalhos de Vigotski, Luria e outros estudiosos e pesquisadores sovi�ticos integrantes dessa escola de psicologia. (PRESTES, 2010:154) Atualmente essa teoria apresenta claramente um car�ter multidisciplinar, abarcando campos como a educa��o, a antropologia, a sociologia do trabalho, a ling��stica, a filosofia. Tanto Vigotski como Leontiev se referem ao conceito de trabalho em Marx e Engels, para elaborarem o conceito de atividade. A atividade humana, mediadora das rela��es do homem com a natureza, tem um car�ter criador, forma e conforma a realidade, diferenciando-se das formas de atividade animal, como nos apresenta Duarte: entre o

A estrutura da atividade animal caracteriza-se por uma rela��o imediata

objeto da atividade e a necessidade que leva o animal a agir sobre aquele objeto. H�, portanto, uma coincid�ncia entre o objeto e o motivo da atividade. O resultado imediato da atividade animal acarreta a satisfa��o da necessidade que levou � atividade, desde que esta seja bem sucedida. Ao longo da evolu��o humana, mais precisamente ao longo do processo de passagem da evolu��o biol�gica �

hist�ria

social e cultural, a estrutura da atividade coletiva humana foi assumindo cada vez mais a forma mediatizada. A atividade coletiva dos primitivos seres humanos foi se

63

transformando, surgindo assim uma estrutura complexa, na qual a atividade coletiva passou a ser composta de a��es individuais diferenciadas em termos de uma divis�o t�cnica do trabalho, ou seja, uma divis�o de tarefas a qual s� veio a se confundir com a divis�o social do trabalho num momento hist�rico posterior (DUARTE: 2002). Este car�ter criador define o significado do trabalho, pelo qual o homem, ao mesmo tempo em que "age sobre a natureza externa e a modifica, modifica sua pr�pria natureza e desenvolve as faculdades nela adormecidas" (MARX apud SIRGADO: 1990), sendo as a��es de produzir o trabalho o meio atrav�s do qual a atividade � realizada pelo homem. A atividade de trabalho concretiza-se por meio de instrumentos fabricados pelo homem e seu dom�nio na consecu��o de uma a��o. Os instrumentos refletem, antecipadamente, as caracter�sticas e propriedades do objeto que vai ser produzido, o que torna o homem possuidor, como diz Leontiev (1972: 99), "da primeira verdadeira abstra��o consciente e racional". Na objetiva��o da atividade do homem, ocorre, ao mesmo tempo, um produto e uma fonte de conhecimento. De forma similar, na atividade de trabalho, o homem encontra, por meio de suas produ��es culturais tanto t�cnicas quanto art�sticas, o meio de fazer emergir, em si, fun��es e habilidades humanas. Os fen�menos psicol�gicos humanos, incluindo a consci�ncia humana, originam-se a partir da atividade pr�tica socialmente organizada. Pelo trabalho o homem adquire a consci�ncia de si mesmo pelas rela��es que estabelece com as coisas e com outros homens. � medida que o homem encontra sentido e necessidade para as coisas que precisa construir mais rela��es precisa estabelecer para consecu��o de seus objetivos. Com isso, o trabalho se perpetua pelos tra�os que deixa (objetos, instrumentos, regras) �s gera��es que se sucedem, e mesmo atrav�s das aliena��es e ang�stias que transmite. Uma mem�ria coletiva que permanece ao longo do tempo com caracteres impessoais pelos artefatos deixados. Al�m disso, sistemas de rela��es se reelaboram com particularidades segundo a cultura vigente. O trabalho como conjunto de atividades desdobrado em a��es � um sistema organizativo que supre necessidades do psiquismo humano pelo sentido e trocas que possibilita (CLOT: 2006, 76). O que permitiu fundamentalmente o estabelecimento dessas trocas e perpetua��o de condi��es de atividade coletiva foi a capacidade humana no exerc�cio do

64 pensar e agir. A fala foi o meio atrav�s do qual um e outro se intercambiaram. Contudo, para Vigotski o intelecto pr�tico � mais antigo do que o verbal, sendo a a��o anterior � palavra; at� mesmo uma a��o mental � anterior � palavra mental (PRESTES: 2010, 155). Esta an�lise mostra as rela��es estreitas que ligam o pensamento humano � fala, uma vez que os significados das palavras, socialmente constru�dos, cumprem uma dupla fun��o: de representa��o e de generaliza��o. Pela representa��o � poss�vel ao homem a reconstru��o do real ao n�vel do simb�lico. Na generaliza��o ocorre a constru��o de sistemas l�gicos de pensamento � condi��o de possibilidade para a elabora��o de sistemas explicativos da realidade. Esta dupla fun��o permite a comunica��o da experi�ncia, individual e coletiva, tornando poss�vel a compreens�o e a origem da natureza da vida ps�quica, al�m da exposi��o da experi�ncia (VIGOTSKI: 2007, 63).

4.3. As fun��es psicol�gicas superiores

A atividade humana � mediada pelos s�mbolos constru�dos historicamente e internalizados culturalmente pelo comportamento. A fala o principal destes s�mbolos, possibilita o aprimoramento da elabora��o de processos ps�quicos superiores e das fun��es humanas � o pensamento, a pr�pria fala e diversas habilidades. Neste processo de desenvolvimento humano � poss�vel distinguir duas linhas qualitativamente diferentes quanto � origem das fun��es psicol�gicas, diferindo cada uma delas quanto � origem. De um lado, os processos elementares, que s�o de origem biol�gica; de outro, as fun��es psicol�gicas superiores, de origem hist�ricocultural, que s�o fun��es ps�quicas complexas e mais abrangentes que as biol�gicas. A hist�ria do comportamento do ser humano nasce do entrela�amento dessas duas linhas. Para Vigotski os processos mentais podem ser agrupados em dois n�veis: processos psicol�gicos elementares � sensa��es, percep��es imediatas, emo��es primitivas � e os processos psicol�gicos superiores � aten��o volunt�ria, a��es conscientemente controladas, capacidade de planejamento, forma��o de conceitos, mem�ria l�gica, imagina��o. Os processos elementares est�o presentes no ser humano,

65 desde a crian�a na mais tenra idade, e nos animais, tais como rea��es autom�ticas, a��es reflexas e associa��es simples. A modifica��o da natureza pela a��o humana est� relacionada ao desenvolvimento das fun��es psicol�gicas superiores; rela��es sociais externas que,

em um processo que ocorre ao longo da hist�ria do indiv�duo, numa sucess�o de eventos, permeada sempre por aspectos cognitivos, motores e afetivos, est�o na base para o desenvolvimento do comportamento do indiv�duo. Ao longo desse processo que, segundo Luria (1987, 13), "o homem, diferentemente dos animais, pode operar n�o somente em um plano imediato, mas tamb�m em um plano abstrato, penetrando assim profundamente a ess�ncia das coisas e suas rela��es", reside a capacidade da consci�ncia humana, diferindo-o grandemente dos animais, de ir al�m da experi�ncia imediata, podendo refletir sobre a realidade por meio da experi�ncia abstrata. Vygotski em seus apontamentos sobre o desenvolvimento das fun��es psicol�gicas superiores postula que o dom�nio da pr�pria conduta e das pr�prias rea��es com a ajuda de diferentes meios � uma caracter�stica inerente ao homem, residindo nesta a condi��o de possibilidade de o homem dominar a natureza, dominando-se a si; pelo conhecimento de si, de outros homens e em rela��o � situa��o em que se encontra, entendendo os motivos relacionados a esta situa��o e � sua a��o (SILVA e DAVIS, 2004). A teoria hist�rico-cultural proposta por Vigotski e desenvolvida em colabora��o com Leontiev e Luria baseou-se nos princ�pios do materialismo dial�tico, procurando construir uma nova psicologia com o objetivo de integrar, numa mesma perspectiva, o homem enquanto corpo e mente, enquanto ser biol�gico e social, participante de um processo hist�rico e cultural. Os elementos desta teoria enfocam aspectos da rela��o indiv�duo-sociedade, resultante da intera��o dial�tica do homem com o seu meio hist�rico-cultural: ao mesmo tempo em que o ser humano transforma o seu meio para atender �s suas necessidades b�sicas, transforma-se a si mesmo.

66 4.4. O per�odo cient�fico e a defectologia8

Entre 1925 e 1930, os estudos de Vigotski e de seu grupo provocaram mudan�as na interpreta��o da consci�ncia como uma forma especial de organiza��o do comportamento. Com essa teoria, "as fun��es naturais, ao longo do desenvolvimento, s�o substitu�das pelas fun��es culturais, que s�o o resultado de assimila��o dos meios historicamente elaborados para orientar os processos ps�quicos" (PRESTES: 2010, 31). A aplica��o da abordagem cient�fica por Vigotski ao estudo da cegueira suscitou questionamentos fecundos e produziu resultados expressivos. Ao assinalar o papel social do "defeito" na forma��o da personalidade do cego, enfatizou como caracter�stica fundamental para a compreens�o e estudo da cegueira a import�ncia da educa��o social de crian�as com defici�ncia, assim como seu potencial para o desenvolvimento normal. pela

Pela primeira vez, a partir dos crit�rios da observa��o cient�fica e

experi�ncia, a cegueira foi abordada n�o somente como um defeito em si, mas como uma limita��o sensorial restrita ao sentido ausente, mas que potencialmente pode originar novos mecanismos e distintas fun��es ps�quicas a partir de instrumentos presentes e acess�veis na cultura. Segundo Vigotski, as defici�ncias corporais � seja a cegueira, a surdomudez ou defici�ncia mental � afetam antes de tudo as rela��es sociais e n�o suas intera��es diretas com o ambiente f�sico. O defeito manifesta-se como uma altera��o da situa��o social. Assim, o tratamento dispensado a crian�as que apresentem tais defici�ncias por pais, parentes e colegas, seja pelo car�ter super protetor ou restritivo quanto �s possibilidades de descobertas, distinguindo-as de uma forma ou de outra, afeta substancialmente as rela��es das crian�as com o meio que vivem (VYGOTSKI:1997, 102). A partir de 1928, Vigotski acrescentou a essas id�ias o fato de que "a cegueira n�o era apenas a falta de vis�o, mas significava a reestrutura��o do organismo e da personalidade"; a cegueira influenciava a base org�nica e mental, determinando uma 8

Ramo da ci�ncia que estudava os diferentes problemas (ou "defeitos") f�sicos e mentais. Em tese, um diagn�stico defectol�gico de determinada crian�a e um progn�stico para sua recupera��o (mesmo que parcial) exigia avalia��o combinada de especialistas na �rea de psicologia, psiquiatria infantil, pedagogia e medicina (VALSINER: 2001, 73).

67 reorganiza��o de toda a mente e envolvendo o uso de novos meios e instrumentos, determinando novos modos para alcan�ar os mesmos objetivos e metas (VALSINER: 2001, 82; VYGOTSKI: 1997, 37 e 99). Para Vigotski, em seus primeiros escritos de 1925, um defeito n�o afetaria a personalidade do sujeito diretamente. Entre o sujeito e o mundo circundante existiria o ambiente social, que transforma a reciprocidade das a��es. Portanto, era o problema social resultante de uma defici�ncia que necessitaria de aten��o como algo principal e n�o o defeito em si. Esses escritos est�o sob forte influ�ncia das id�ias do papel do defeito e da compensa��o de W. Stern9 (1871-1938), seu contempor�neo, e de Alfred Adler10 (18511914). Stern assinalou o duplo papel do defeito. Uma mem�ria fr�gil, al�m do problema em si, por exemplo, se compensaria com o exerc�cio da observa��o, suprindo a capacidade de recordar. O sentido do tato nos cegos poderia ser desenvolvido, a partir da pr�tica de exerc�cios da percep��o11, compara��o e valora��o das diferen�as percebidas (VYGOTSKI:1997, 100).

Segundo as id�ias de Alfred Adler � preciso ver o todo e n�o a parte. Se uma crian�a � m�ope seu corpo n�o possui uma anomalia. N�o existe dificuldade para falar ou ouvir. O desejo de voar estar� expresso com m�xima intensidade nas crian�as que experimentam grandes dificuldades em saltar. � o contraste entre a insufici�ncia org�nica e os desejos, as fantasias, os sonhos, isto �, as aspira��es ps�quicas e a compensa��o. A transforma��o dial�tica da desvantagem org�nica, por meio do sentimento subjetivo da desvantagem (VYGOTSKI: 1997,16). Durante o contato com o meio exterior surge um conflito provocado pela falta de correspond�ncia entre o �rg�o ou fun��o insuficiente e as tarefas planejadas. Mas 9 Psic�logo alem�o que trabalhou no campo da psicologia infantil e diferencial. Vigotski recepciona as id�ias de Stern sobre o duplo papel do feito e na inter-rela��o entre linguagem e pensamento, al�m do papel dos exerc�cios no desenvolvimento do sentido do tato. Stern partiu da filosofia idealista para fundamentar suas id�ias filos�ficas da defectologia. (Vygotski, L.S. Fundamentos de Defectolog�a. Obras Escogidas V. Madrid: Visor Dis. S.A. 1997, p.37) 10 Psiquiatra e psic�logo austr�aco. Fundou a escola de psicologia individual (psicologia da personalidade). Separou-se da escola de Freud discordando em termos pol�ticos e sociais. Vigotski destaca o car�ter dial�tico de sua teoria e sua id�ias opostas � Freud e Kretschmer, acerca da base social do desenvolvimento da personalidade. Vigotski atribui particular import�ncia �s id�ias de Adler em rela��o a quest�o da compensa��o como for�a motriz do processo de desenvolvimento da crian�a anormal. Critica, por�m, a limitada e err�nea redu��o da influ�ncia ambiental no processo de desenvolvimento da crian�a, o "sentimento de inferioridade" e a inconsist�ncia filos�fica do conceito de super compensa��o. (Vygotski, L.S. Fundamentos de Defectolog�a. Obras Escogidas V. Madrid: Visor Dis. S.A. 1997, p.19) 11 Referida como exerc�cio de sensibilidade, treinamento do sentir superf�cies de diferentes texturas.

68 esse conflito cria tamb�m grandes possibilidades e est�mulos para a supera��o da fun��o restritiva. O defeito se converte, por conseguinte, no ponto de partida e principal for�a motriz do desenvolvimento ps�quico da personalidade. O defeito cria uma elevada tend�ncia ao avan�o, estimulando fen�menos ps�quicos de previs�o e pressentimento, assim como seus fatores ativos � mem�ria, aten��o, intui��o, sensibilidade, interesse �, todos a n�vel psicol�gico � elementos em um grau acentuado (VYGOTSKI: 1997, 15).

Sobre o defeito e a compensa��o, Vigotski menciona que o direcionamento dos atos psicol�gicos para o futuro j� est� presente nas formas mais simples do comportamento e que os mesmos se orientam para uma dada finalidade. Assim, a atividade racionalmente direcionada possui rela��o com seu fim. Tais id�ias, compartilhadas por A. N. Leontiev, um de seus colaboradores, seriam conformadas por Vigotski, como atividade realizadora da vida, demonstrando sua preocupa��o com seu papel no desenvolvimento do psiquismo humano, uma de suas linhas de investiga��o. Afirma que a socializa��o do intelecto leva �s necessidades n�o s� dos objetivos, como tamb�m das a��es. Destaca o lugar da colabora��o e coopera��o orientada para um objetivo (PRESTES: 2010, 33). Em seus escritos de 1931, a partir de sua teoria hist�rico-cultural j� formulada, Vigotski afirmaria que � no espa�o da vida social que se elabora e desenvolve todas as formas superiores de atividade intelectual pr�pria do homem. Para Vigotski as formas colaborativas de conduta precedem as condutas individuais. A crian�a assimila um modo social de conduta que emprega a si mesmo, como outros aplicaram em rela��o a ela, e que, por sua vez, ela reproduz no conv�vio com outras pessoas (VYGOTSKI:1997, 219). A investiga��o sobre a personalidade do cego permite inferir que a compensa��o das conseq��ncias da cegueira n�o reside no campo das percep��es, ou seja, n�o � no campo dos processos elementares, mas no campo dos conceitos adquiridos no coletivo, no campo das fun��es superiores. � poss�vel ao cego ter acesso ilimitado ao conhecimento, uma vez que o pensamento, que � o modo reelaborado dos dados da experi�ncia, comp�e-se tanto pelos dados da realidade direta que o rodea quanto pela experi�ncia racionalmente elaborada. As propostas de Vigotski v�o contra a suposi��o tradicional e do senso comum de sua �poca que toda a vida e desenvolvimento de um ser humano cego, desde quando

69 crian�a, se estrutura seguindo a "linha social pelo fato de n�o atribuir � cegueira um mudan�as de atitude que acarreta. A participa��o aspectos, � a possibilidade de supera��o do defeito estabelecidas.

da cegueira". Vigotski defende a educa��o fato psicol�gico, mas sim social, pelas ativa na vida social em todos os seus pela oportunidade de trocas nas rela��es

5. Di�logos entre Vigotski e Buber

Vigotski (1997:78) afirma que o desenvolvimento das crian�as com defici�ncia � semelhante ao desenvolvimento das demais crian�as, com altera��es na estrutura que

se estabelece no curso de seu desenvolvimento. Ele considera imprescind�vel tomar as leis gerais que orientam o desenvolvimento da crian�a e o seu comportamento para a compreens�o das peculiaridades que a crian�a deficiente apresenta. Criticou as classifica��es psicom�tricas obtidas por meio de testes de intelig�ncia e as categoriza��es, propondo que crian�as cegas precisavam ser consideradas como sujeitos singulares, concretos, influenciados pelo contexto de rela��es sociais e de condi��es materiais onde nascem, vivem e onde constroem seu ambiente. O autor pontua que o campo primordial, que possibilita a compensa��o da defici�ncia e o surgimento de caminhos de supera��o, � o conv�vio s�cio-cultural, visto que, mediante as impossibilidades impostas pela condi��o org�nica restritiva, existe um espa�o ilimitado e imprevis�vel para o desenvolvimento cultural. Vygotski (1997:107) chama aten��o para o fato que a compensa��o social dos cegos, segundo sua avalia��o, n�o se radica no desenvolvimento do tato ou na maior sutileza do ouvir, mas sim na linguagem, na experi�ncia social e na comunica��o relacional com os videntes, pelo ser e estar no mundo em uma atitude ativa, din�mica e dial�gica perante a vida. As id�ias deste educador estavam na vanguarda de seu tempo e levaram mais meio s�culo at� serem incorporadas e disseminadas nos meios e organiza��es educacionais. Essa perspectiva vigotskiana encontra resson�ncia na antropologia filos�fica de Martin Buber, embora esse autor n�o tenha escrito uma linha sequer sobre a defici�ncia.

70 Contudo, Buber12 salienta que o homem vive em rela��o, descreve as diversas possibilidades de rela��o interhumana, e constr�i sua antropologia filos�fica como uma ontologia relacional (BUBER, 1979). V�rios autores, dentre os quais AYRES (1999), BARTHOLO (2001, 2007) e FERREIRA (2002), utilizam a antropologia buberiana como base de refer�ncia para trabalhos que pensam o homem a partir de sua inquietude e consci�ncia comprometidas com as causas do dia a dia, buscando o entendimento de sua exist�ncia sustentada pelo respeito e resposta por seus atos, pensados como ideal de civiliza��o humana. O homem pode ser estudado em seus aspectos fisiol�gicos e mentais. Estud�-lo em sua inteireza � desafiador. Estud�-lo de forma fragmentada � negar-lhe a integridade do car�ter humano, arriscando-se a avaliar o todo por suas partes constitutivas. Nesse sentido, a valiosa contribui��o da antropologia filos�fica buberiana ao estudo do homem que porta uma defici�ncia, n�o � entend�-lo como um homem deficiente, mas possibilitar uma reflex�o do homem sobre si mesmo, pela consci�ncia de sua

capacidade de pensar sobre si; auxiliando a contribuir e lembrando-nos que apenas na perspectiva da unidade o homem � capaz de saber de si (BUBER:1995, 13). A compreens�o buberiana do humano n�o se restringe � diferencia��o ou compara��o dos elementos de um ideal humano. Reside a� a converg�ncia de suas id�ias pelo fato de n�o tomar o homem como um objeto cognosc�vel, mas captando do humano suas particularidades e individualidades que o distingue de outros humanos. Estudar a rela��o interhumana para Buber � mergulhar no universo de possibilidades de escolhas de um ser dotado de liberdade. A exist�ncia aponta para um car�ter hist�rico e din�mico do relacionar-se. O homem n�o pode ser estudado a partir de perguntas e respostas numa observa��o emp�rica (BUBER:1995, 11). Pelo pensamento, pelo uso das palavras que representam realidades vivenciadas e conv�vio com videntes � poss�vel ao cego elaborar a percep��o de objetos inacess�vel � vis�o. Assim, um objeto n�o se revela exclusivamente na viv�ncia direta, mas a partir de toda a diversidade de nexos e rela��es que determinam seu lugar no universo apreens�vel e sua conex�o com o restante da realidade para cada indiv�duo cego. 12

No livro Eu e Tu o autor exp�e tanto a fenomenologia da palavra como uma ontologia da rela��o. Este � o fundamento para uma antropologia e uma �tica do inter-humano. Para desenvolver Eu e Tu, Buber n�o se fundamentou em princ�pios e conceitos abstratos, mas na experi�ncia concreta de sua vida vivida (BARTHOLO, 2001).

71

O conceito, da� elaborado, � profundo, adequado � realidade e reflete de maneira mais aut�ntica e plena como aquela verificada na representa��o. O conceito, como os demais processos psicol�gicos superiores, n�o se desenvolvem na crian�a cega de outro modo a n�o ser pela atividade coletiva, em di�logo, numa rela��o de troca, na comunica��o. A socializa��o do pensamento via intercomunica��o pela fala possibilita a forma��o de conceitos, onde a colabora��o dos videntes � o elo fundamental, eliminando as conseq��ncias secund�rias da cegueira, ou a pr�pria causa da limita��o do desenvolvimento das fun��es ps�quicas superiores pelas possibilidades ilimitadas que o conv�vio social e a cultura oferecem (VYGOTSKI:1997, 230).

72

CAP�TULO III VIDA E EDUCA��O DE CEGOS NO BRASIL

1. A cria��o de uma institui��o para atendimento a cegos

As primeiras tentativas de institucionaliza��o do atendimento � defici�ncia no Brasil surgem de forma t�mida, a partir da dissemina��o de um conjunto de id�ias liberais no final do s�culo XVIII e come�o do s�culo XIX. Essas id�ias j� estavam latentes na Inconfid�ncia Mineira (1789), na Conjura��o Baiana (1798) e na Revolu��o Pernambucana (1817), reunindo diferentes categorias profissionais entre m�dicos, advogados, professores, artes�os e soldados. Tais id�ias defendiam que o desenvolvimento e o bem estar social dependiam da divis�o do trabalho, do direito de propriedade, da livre concorr�ncia e do sentimento de fraternidade e responsabilidade filantr�pica frente � diversidade de aptid�es e de recursos dos indiv�duos. Esse ide�rio liberal, que estava vinculado � ascens�o da burguesia brasileira � preocupada com a consecu��o de tais id�ias, desde que seus interesses se mantivessem inabalados �, possu�a certo vi�s elitista, pois a educa��o b�sica e fundamental para a grande massa permanecia no esquecimento. Em 1878 contava-se pouco mais de 15 mil escolas prim�rias com 175mil alunos em 9 milh�es de habitantes. Apenas 2% da popula��o escolarizada (JANNUZZI, 2004: 6). Em um cen�rio educacional sombrio das primeiras letras para a grande massa da popula��o no in�cio do s�culo XVIII, a educa��o de deficientes encontrou quase nenhum est�mulo institucional e poucas iniciativas individuais, sendo nulas as estimativas de escolariza��o desse grupo de pessoas. O atendimento a necessidades b�sicas educacionais dos deficientes ficava sob a guarda das C�maras Municipais ou das confrarias particulares que tamb�m atendiam aos desvalidos (JANNUZZI, 2004: 8). A primeira demonstra��o oficial dedicada � educa��o de cegos remonta a 1835 e ficou a cargo do conselheiro Corn�lio Ferreira Fran�a, deputado da prov�ncia da Bahia, sendo apresentada � Assembl�ia Geral Legislativa. O projeto propunha a cria��o de uma cadeira de professores de primeiras letras para o ensino de cegos e surdosmudos, nas escolas da corte e das capitais das prov�ncias. Contudo, a baixa prioridade e

73 import�ncia do assunto � �poca condenaram a proposta do conselheiro ao esquecimento (COSTA, 1902). A segunda tentativa que desdobraria na cria��o do primeiro instituto para cegos da Am�rica Latina iniciou-se em 1839, sendo figuras centrais desta iniciativa o desembargador Maximiliano Ant�nio de Lemos e o garoto Jos� �lvares de Azevedo. Em suas viagens e despachos como adido na Fran�a, Ant�nio de Lemos teve oportunidade de conhecer o Instituto Nacional de Jovens Cegos de Valentim Ha�y. Como visitava costumeiramente a fam�lia do tamb�m desembargador Jos� Ign�cio Vaz Vieira no Rio de Janeiro, chamou-lhe a aten��o por muitas vezes um menino cego de grande expressividade, Jos� �lvares de Azevedo, sobrinho de Vaz Vieira, contando cerca de quatro anos de idade na �poca. Dado o seu conhecimento e influ�ncia junto aos

familiares do menino e n�o havendo instru��o especializada para cegos no Brasil � �poca, Maximiliano estimulou-os a encaminhar o garoto � not�ria institui��o francesa t�o logo chegasse � idade conveniente. Jos� �lvares de Azevedo partiu do Brasil em 1844 para iniciar seus estudos na primeira escola do g�nero no mundo, por onde passou Luis Braille, seu contempor�neo (COSTA, 1902). De volta ao Brasil em 1852 ap�s oito anos no Instituto de Paris, o jovem traz na bagagem excelente educa��o e instru��o em alguns of�cios, al�m de demonstrar largo conhecimento em geografia e hist�ria. Trouxe tamb�m muitos livros impressos e manuscritos em Braille, cartas geogr�ficas, pranchas e r�guas para escrita e opera��o aritm�tica, objetos ainda n�o vistos no Brasil. Converteu-se em defensor fervoroso da educa��o e profissionaliza��o de cegos, empenhando-se, atrav�s da comunica��o de artigos em jornais e ministrando aulas particulares aos seus compatriotas. Na condi��o de professor tornou conhecido o m�todo que o instru�ra. O jovem cego, sabendo que Dr. Jos� Francisco Xavier Sigaud, m�dico da casa imperial, possu�a uma filha cega, ofereceu-se para ensinar a ler e escrever a Ad�le Maria Luisa Sigaud. A jovem em pouco tempo apresentou muitos progressos, demonstrando tamb�m a habilidade de Azevedo em transmitir o novo m�todo de leitura e escrita aprendido na escola francesa. Mais tarde, Ad�le se tornaria professora do instituto (AZEVEDO: 1877, 94). Sabendo, o pai de Ad�le, do projeto que nutria Alves de Azevedo de estabelecer um instituto para os privados da vis�o nos moldes parisienses, possibilitou a apresenta��o do mo�o cego ao Imperador, expondo suas id�ias e seus conhecimentos 74 adquiridos. � �poca, 1853, era ent�o ministro do imp�rio Dr. Luiz Pedreira do Couto Ferraz, mais tarde, Visconde do Bom Retiro, que, compreendendo a utilidade e import�ncia do projeto de �lvares de Azevedo, adotou-o logo como projeto seu, propondo e obtendo da assembl�ia legislativa autoriza��o para fundar um instituto de cegos. Enquanto tramitava o projeto, o ministro mandou vir de Paris alfabetos em Braille, livros impressos em l�ngua portuguesa e demais materiais apropriados a educa��o dos cegos conforme solicita��o de Sigaud e Azevedo (AZEVEDO: 1877, 95). Em 17 de setembro de 1854, ap�s sua cria��o mediante o Decreto n�. 1428 de 12 de setembro de 1854 (LEMOS, 1981), inaugura-se o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, instalado na ch�cara n�. 3 do Morro da Sa�de, pr�ximo � praia do Lazareto, tendo como diretor o m�dico Jos� Francisco Xavier Sigaud. A inaugura��o n�o contou com a presen�a de Jos� �lvares de Azevedo, que morreu prematuramente com dezenove anos de idade, seis meses antes (AZEVEDO: 1877: 95). Um jornal da �poca noticia a finalidade do instituto:

profiss�o hosp�cio;

O instituto tem por fim educar meninos cegos e prepar�-los, segundo sua capacidade individual, para exerc�cio de uma arte, de um of�cio, de uma liberal. �, pois, uma casa de educa��o e n�o um asilo, e muito menos um

uma tr�plice especialidade, m�sica, trabalho, ci�ncia, eis o que constitui sua organiza��o especial (JORNAL DO COM�RCIO, 1854).

2. A consolida��o do Instituto Benjamin Constant

Estava criada a primeira escola de cegos da Am�rica Latina com cotas de gratuidade num primeiro momento e totalmente isento de despesas a partir de 1946, pela Portaria Ministerial n� 385, de 08 de junho de 1946. Os Estados Unidos j� tinham a sua escola desde 1832, a Escola Perkins, ainda hoje proeminente entre as maiores. Mas tratava-se de escola inteiramente particular como ainda o �. A primazia da cria��o de uma escola atendendo cegos pobres deveu-se a participa��o ativa de vanguardistas na educa��o de cegos e a conjuga��o de fatores pessoais e institucionais, determinando a cria��o e crescimento cada vez maior de vagas para atender um contingente em ascens�o (LEMOS e FERREIRA, 1995).

75

O primeiro regulamento do instituto previa a instru��o prim�ria, educa��o moral e religiosa, o ensino de m�sica, o ensino de of�cios fabris, e de alguns ramos de instru��o secund�ria. Come�ou a funcionar com trinta vagas, sendo dez inteiramente gratuitas para reconhecidamente pobres, cabendo aos demais a obrigatoriedade do pagamento de pens�o, dado o regime de internato. Aos alunos fornecia-se sustento, vestu�rio e cuidados m�dicos, tamb�m os livros e instrumentos necess�rios ao aprendizado do Braille, de c�lculos, assim como o aprendizado de um of�cio. O tempo de perman�ncia no instituto era de oito anos. N�o se admitiam menores de seis e maiores de quatorze anos. Al�m dos of�cios, aos alunos que se distinguiam era concedido o cargo de repetidor1. Ap�s dois anos de exerc�cio nesta fun��o, ocorreria o aproveitamento como professor, segundo a necessidade institucional (HILDEBRANDT, 2004). Neste primeiro documento, que regulamentava o funcionamento e a admiss�o de alunos ao instituto, n�o h� refer�ncias � presen�a de meninas, deixando transparecer, de modo sutil, que a institui��o volta-se apenas para alunos do sexo masculino. O car�ter misto s� ganhou express�o no regimento publicado em 18 de dezembro de 1854, no qual se encontra expl�cita a separa��o entre meninos e meninas. Este regimento ainda estava aqu�m de um ide�rio de escola p�blica, preconizado somente ap�s a proclama��o da independ�ncia em 1822. Nele, a propor��o de alunos contribuintes para os isentos era do dobro de vagas. Dois anos depois, a Constitui��o do Imp�rio do Brasil, em seu artigo 179, inciso 32, limitou-se a afirmar que "a instru��o prim�ria � gratuita a

todos os cidad�os" (HILDEBRANDT, 2004; SAVIANI, 2008: 124). O Imperial Instituto de Meninos Cegos, de 1854, passou a chamar-se Instituto Nacional dos Cegos, em 1889, e finalmente Instituto Benjamin Constant, em 1891. A partir de 1856, a dire��o do Instituto de Cegos ficou a cargo de Cl�udio Luiz da Costa, professor e sogro do positivista Benjamin Constant, que o sucedeu na dire��o do instituto, dando prosseguimento aos trabalhos j� iniciados e que teve papel destacado na proclama��o da rep�blica (JANNUZZI: 2004, 25). Cl�udio Costa buscou a melhoria do funcionamento da institui��o, contratando profissionais que ensinassem aos cegos os of�cios de empalhador de cadeiras, tamanqueiro, torneiro e encadernador. Contratou tamb�m uma mestra em costura para substituir a esposa do Dr. Sigaud, que muito se dedicara nessa tarefa no Instituto, pois 1 Of�cio de professor monitor que auxiliava outros cegos nas li��es.

76 entendia que nem todos os alunos se realizariam nas atividades intelectuais, quer pelas limita��es individuais de alguns, quer pela dificuldade de obten��o de trabalho, acrescida dos preconceitos da �poca. A dire��o de Cl�udio Costa efetuou a cria��o de uma tipografia para impress�o em pontos salientes, tarefa atribu�da mais tarde, em 1861, ao artes�o Sr. Nicolau Henrique Soares. Estava lan�ado o alicerce da atual Imprensa Braille e, j� em 1863, publicava-se o primeiro livro em alto-relevo no Brasil, a "Hist�ria Cronol�gica do Imperial Instituto dos Meninos Cegos", escrito pelo pr�prio Cl�udio Luiz da Costa, abrangendo, em tr�s volumes, os fatos importantes das duas primeiras administra��es. O ensino do instituto passou a obedecer a programas planejados para as necessidades dos alunos. Os alunos do quinto ano deviam saber toda a gram�tica portuguesa e realizar vers�es para o franc�s, al�m de saber conjugar qualquer verbo nas duas l�nguas. Al�m disso, deviam aprender geografia, f�sica, geometria, �lgebra e no��es gen�ricas de ci�ncias naturais. As alunas eram isentas destas mat�rias (LEMOS e FERREIRA: 1995). � medida que a institui��o se tornava conhecida, aumentava o n�mero de alunos interessados em escolariza��o e forma��o profissional. As profiss�es iam de encadernadores, organistas, afinadores de piano a professores de portugu�s, franc�s, m�sica e hist�ria sagrada. Alguns destes alunos empregavam-se no pr�prio instituto, como auxiliares de ensino ou repetidores, enquanto outros iam para col�gios particulares ou se dedicavam a atividades aut�nomas. O falecimento de Cl�udio Luiz da Costa, em junho de 1869, ensejou ao Dr. Benjamin Constant Botelho de Magalh�es, que, desde 1861, j� vinha lecionando matem�tica e ci�ncias naturais no educand�rio, tornar-se o seu terceiro diretor,

cargo exercido, durante 20 anos, at� novembro de 1889, quando assumiu a pasta do Minist�rio da Guerra no Brasil Rep�blica. O terceiro diretor recebeu um instituto consolidado e organizado, num pr�dio de instala��es modestas na Pra�a da Aclama��o, atual Largo do Santana, na Cidade do Rio de Janeiro, para onde se mudara na d�cada de 1860. Naquela altura, a demanda por vagas crescia cada vez mais, inclusive das prov�ncias mais distantes, o que levou a planejar um edif�cio em propor��es tais que n�o se cingisse �s necessidades da �poca apenas, mas pudesse atender a uma procura que, tudo indicava, seria sempre ascendente.

77 Baseava sua quase certeza na estimativa feita, por volta de 1870, em 12.000 deficientes visuais no pa�s. Entendendo o cen�rio apresentado por Benjamin Constant, D. Pedro II n�o s� concordou como tamb�m o amparou de forma concreta, doando ao Imperial Instituto dos Meninos Cegos um terreno de sua propriedade particular, com �rea de 9.515 m�, situado na Praia Vermelha, hoje Urca, na Av. Pasteur, 350/368. Deu-se in�cio ao preparo do projeto de constru��o do que viria a ser o atual pr�dio do instituto, confiando a medi��o e o arruamento ao engenheiro Carlos Ara�jo Ledo Neves, e ao construtor, Torquato Martins Ribeiro. O lan�amento da pedra fundamental ocorreu em solenidade aos 29 de junho de 1872. Apenas em 1890, um ano antes da morte de Benjamin Constant, que, ali�s, j� n�o era diretor do instituto, foi conclu�da a primeira etapa da constru��o. Neste momento, deu-se a mudan�a para o novo pr�dio, finalizando-se a segunda etapa das obras apenas em 1944. Benjamin Constant consolidou o instituto � a primeira institui��o para cegos na Am�rica Latina � em �mbito nacional. Seu interesse pela integra��o social das pessoas cegas era de tal ordem que, mesmo no exerc�cio da pasta no Minist�rio da Guerra e, posteriormente, como Ministro dos Correios e Instru��o P�blica, n�o se descuidou dos problemas relativos � educa��o dos cegos. Enviou � Europa uma comiss�o para estudar e adquirir o que de mais moderno houvesse para o completo aparelhamento pedag�gico da institui��o (LEMOS e FERREIRA: 1995). O terceiro Regimento Interno deu �nfase � forma��o pol�tica dos alunos. Benjamin Constant os levava habitualmente �s reuni�es republicanas realizadas nas depend�ncias do instituto. Melhorou os cursos j� existentes, criando outros e desmembrando algumas cadeiras � surgem em associa��o com o ensino liter�rio, disciplinas cient�ficas, al�m da forma��o para o trabalho �; ampliou tamb�m o n�mero de vagas para cento e cinq�enta e admitiu, em conseq��ncia, novos funcion�rios ao magist�rio. Tamanha dedica��o do mestre Benjamin Constant desencadeou bons frutos.

Alunos egressos conseguem expressiva proje��o, sendo exemplos: Ant�nio Fagundes Lisboa, jornalista cego, que escreve os primeiros artigos de propaganda republicana em pleno imp�rio; Jos� Serqueira tornou-se ex�mio pianista, sendo convidado pelo professor de piano do Pal�cio Imperial, para se exibir em p�blico, tocando a quatro

78 m�os. Professores cegos se sucederam sob orienta��o de Benjamin Constant (VEIGA: 1983, 39). Benjamin costumava levar alunos cegos a eventos, comemora��es e aos mais not�veis acontecimentos nacionais. N�o hesitou levar os alunos �s falas de Patroc�nio e de outros propagandistas republicanos. Assim se desenvolvia a educa��o pol�tica dos cegos com a participa��o destes nas orat�rias republicanas. Alunos internados sa�am constantemente para participar de acontecimentos sociais na cidade do Rio de Janeiro e eram visitados pelas mais altas express�es do pensamento da �poca. O instituto, por mais de cinq�enta anos ap�s a sua funda��o, continuou merecendo a aten��o e a freq��ncia de vultos da intelectualidade e da sociedade brasileira. Entre os nomes de destaque, pode-se citar Maria Jacobina Rabelo, poetisa e l�der inspiradora dos primeiros movimentos de g�nero ainda no tempo do imp�rio, que dedicava algumas manh�s por semana para ler, recitar e palestrar para os alunos do col�gio. Ela estimulava os mais expressivos poetas e artistas de seu tempo, tais como Olavo Bilac, Raimundo Corr�a, Coelho Neto, Guiomar Novaes, a terem o mesmo h�bito (VEIGA: 1983, 42). O Instituto Benjamin Constant n�o se restringiu a educa��o das pessoas cegas e deficientes da vis�o, ocorrendo posteriormente iniciativas dedicadas � pesquisa, difus�o de conhecimentos, reabilita��o e encaminhamento profissional. Acrescenta-se a produ��o e distribui��o de material especializado. Outra tarefa tem sido a forma��o especializada de professores e t�cnicos provenientes dos mais diferentes regi�es brasileiras, os quais para l� retornam, aplicando conhecimentos, difundindo t�cnicas e transmitindo experi�ncias adquiridas nos cursos e est�gios realizados (LEMOS e FERREIRA, 1995). Professores cegos, ex-alunos do instituto, conservaram o esp�rito das tradi��es implantadas por Benjamin Constant. A escola que recebeu o nome de seu benfeitor propagou as melhores id�ias sobre a educa��o de cegos, inspirando o aparecimento de outras escolas e modelando a forma��o de professores e alunos cegos no Brasil. De l� sa�ram os professores fundadores de escolas e associa��es de cegos em todo o pa�s. A forma��o ampliada preconizada pelos professores cegos egressos do instituto permaneceu vigente pelas primeiras tr�s d�cadas do s�culo XX. A partir da Revolu��o de 1930, iniciaram-se transforma��es que culminaram em trocas de diretores, alguns

79 deles ignorantes das reais necessidades do instituto, o que prejudicou enormemente a forma��o dos alunos. O pr�dio da Avenida Pasteur, na Urca, foi fechado em 1937, para a conclus�o da segunda etapa de constru��o, apenas retornando em 1944, para as aulas. Na retomada de atividades, expandiram-se as atividades educacionais e seu regimento interno foi revisto, pouco depois, em 1945. Dentre outras medidas, foi criado o curso ginasial, equiparado, posteriormente, ao ministrado no Col�gio Pedro II. Esta medida beneficiou sobremaneira os discentes da �poca, pois lhe propiciava a oportunidade do ingresso na universidade (VEIGA: 1983, 42; LEMOS e FERREIRA, 1995).

3. A Imprensa Braille

� dif�cil imaginar a hist�ria do Instituto Benjamin Constant sem o suporte, regular e cont�nuo, das transcri��es para o Sistema Braille. Isto tornaria inexeq��vel o processo de leitura direta por parte do estudante cego cong�nito, privando-o, no m�nimo, do conhecimento da ortografia e das pontua��es, com s�rios preju�zos para a compreens�o de conceitos diferentes representados por s�mbolos foneticamente semelhantes, ou, ainda, para o atendimento dos diversos matizes de linguagem escrita, contidos nas pausas, na entona��o ou na ordem das id�ias. Afinal, foi lendo e escrevendo que Jos� �lvares de Azevedo persuadiu D. Pedro II sobre a necessidade e vantagem de se criar uma institui��o voltada ao ensino de pessoas deficientes da vis�o. Sete anos ap�s a inaugura��o desta institui��o iniciaram-se os primeiros trabalhos nas oficinas de tipografia e encaderna��o, origem incontest�vel da atual Imprensa Braille, j� assim chamada a partir dos primeiros anos da d�cada de 1940 (LEMOS e FERREIRA: 1995). As oficinas de cria��o de livros em caracteres em relevos destinavam-se a suprir as necessidades dos alunos que tinham de us�-los por muitos anos, pois, para cada obra, era exigida uma composi��o tipogr�fica (matriz em metal) e os trabalhos de encaderna��o e tipografia � executados pelos alunos das s�ries mais adiantadas com a orienta��o de um mestre � eram todos manuais. Os trabalhos com tipos m�veis continuaram at� 1937, apesar da aquisi��o, em 1934, de duas m�quinas de estereotipia Braille e de uma impressora. Como as atividades do Instituto foram suspensas no terceiro trimestre daquele ano, para a conclus�o da segunda etapa do projeto de

80 constru��o idealizado por Benjamin Constant, as oficinas, que funcionavam nos corredores de seu andar t�rreo, tamb�m foram fechadas, sendo reabertas em 22 de junho de 1939. No ano anterior, mais duas m�quinas de impress�o com tipos m�veis chegaram da Fran�a. A reabertura das oficinas tipogr�ficas e de encaderna��o inaugurou a se��o Braille, subordinada � se��o de educa��o. A se��o era dirigida pelo professor Jos� Esp�nola Veiga que prop�s ao diretor Jo�o Alfredo Lopes Braga, a desvincula��o entre as duas se��es e a constru��o de um pr�dio para a Imprensa Braille, conclu�do em 1945, dando-se a mudan�a no dia 26 de junho. Entretanto, por falta de infra-estrutura de �gua e luz no pr�dio, as atividades s� puderam ser reiniciadas em janeiro do ano seguinte. A Imprensa Braille comercializava os livros impressos a pre�os m�dicos, mas as prec�rias condi��es econ�micas das pessoas cegas impediam-nas de compr�-los. Assim, o diretor do instituto � �poca, professor Joaquim Bittencourt Fernandes de S�, exp�s a quest�o ao Ministro da Educa��o e Sa�de, professor Clementi Mariani, que, em 17 de setembro de 1949, baixou a Portaria Ministerial n� 504, estabelecendo gratuidade para as obras distribu�das pelo Instituto. J� em abril de 1942, a Revista Brasileira para Cegos - RBC, criada por sugest�o do professor Jos� Esp�nola Veiga, tinha distribui��o gratuita. Em setembro de 1959, a Imprensa Braille transcrevia o n�mero "1" da revista infanto-juvenil "Pontinhos", fundada pelo professor Renato Monard da Gama Malcher, que j� coordenava a elabora��o da RBC (LEMOS e FERREIRA, 1995). Atualmente, a Imprensa Braille do Instituo Benjamin Constant produz e imprime obras did�ticas e revistas, distribu�das para as pessoas cegas e institui��es cong�neres do Brasil, e tamb�m presta servi�os de transcri��o para as escolas onde h� pessoas cegas matriculadas, sobretudo para a realiza��o de testes e provas. Outros institutos como Helena Antipoff2 - IHA tamb�m possuem maquin�rio para impress�o e oferecem o mesmo servi�o � rede municipal de ensino do Rio de Janeiro.

2

O IHA � o �rg�o da Secretaria Municipal de Educa��o do Rio de Janeiro respons�vel pela implementa��o de a��es de acompanhamento escolar dos alunos com necessidades educacionais especiais, atualiza��o de professores do ensino especial que atuam na educa��o infantil, no ensino fundamental e no programa de jovens e adultos. Possui um importante Centro de Transcri��o Braille, que elabora e reproduz material pedag�gico multissensorial para as classes

especiais, regulares e de apoio. S�o produzidos livros em Braille e tinta, matrizes com ilustra��es t�teis, maquetes e kits adaptados para facilitar o ensino e aprendizado na rede de escolas n�o s� do munic�pio do Rio de Janeiro, como tamb�m em todo estado.

81 4. Os cegos e seus professores

Assim como no Brasil, com Ad�lie Sigaud e Jos� �lvares de Azevedo, e na Fran�a, com Lu�s Braille, muitos pa�ses iniciaram o ensino de cegos com professores cegos. O Instituto Benjamin Constant formou muitos alunos que se tornaram professores. Contudo, n�o se pode negar que, capacitados �s pressas, os profissionais n�o possu�am plenas condi��es para exercerem plenamente o of�cio docente. Apesar de tudo, esses professores sabiam identificar as necessidades dos alunos, compreendendoos muito bem com base em uma rela��o de reciprocidade e de confian�a no processo de ensino e aprendizagem (VEIGA: 1983, 46). O professor Jos� Esp�nola Veiga aponta que: e

... cegos como eu, que passaram por escolas onde havia professores cegos

videntes, uns e outros sem preparo t�cnico, quem passou por estas escolas, sabe que aprendeu muito mais aqueles que se deixaram penetrar mais profundamente pelas li��es de seus professores cegos do que pelos professores videntes (VEIGA: 1983, 47). Segundo este professor, embora os mestres que enxergavam repreendessem com veem�ncia erros comuns de posturas, cabia aos professores cegos falar melhor � sensibilidade de seu igual de infort�nio, referindo-se com mais acerto �s verdadeiras sensa��es; sabendo apelar com propriedade �s impress�es t�teis e auditivas. Para ele, pouca coisa ser� mais dif�cil de transmitir a um cego do que o ensino de instrumentos complexos como o piano e o violino. Mas o grande pianista cego do Brasil � Arnaldo Marchesotti � teve, desde o in�cio, a maior parte de seus estudos orientada por pianistas cegos, como Alfredo Sangiorge. Veiga, ex-aluno e professor do instituto, confessa ter sido mau aluno de piano, enganando sempre a professora vidente, desculpando as m�s li��es com a inven��o de erros nos livros Braille que ela n�o sabia ler para descobrir a mentira. Com os professores cegos, ele n�o podia fazer isto. Para ele, os professores mal preparados videntes ser�o sempre piores que os maus professores cegos. Segundo sua avalia��o, s� quem � cego e foi educado pelas duas categorias de professores pode avaliar esta situa��o. O relato abaixo reflete sua avalia��o do que � ser educado por um

professor cego e por um vidente:

82

Conheci, e todos os cegos conheceram nos educand�rios, professores de

vista que

s� se dirigiam aos alunos nas classes, que nunca lhes falavam fora

delas, que nem fora dele, sim, falta no d�. N�o d� que o di�rias e

mantinham rela��es com professores cegos, nem no estabelecimento, nem em qualquer conv�vio social. Isso n�o � falta de preparo t�cnico: �, foro �ntimo de certa qualifica��o psicol�gica que a universidade n�o nem pode medir sen�o atrav�s da observa��o de um est�gio constante professor deve fazer no meio de alunos cegos, em todas as atividades permanentes da vida do educando (VEIGA:1983, 47).

Dentre os professores cegos eminentes formados pela escola ao tempo do imp�rio, pode-se citar Mauro Montagna. Ilustrado e ativo professor de geografia, tinha por h�bito projetar na alma de seus alunos o saber de sua disciplina e demais assuntos importantes. N�o se reservava apenas ao ensino da ci�ncia de seu dom�nio, mas cuidava de informar fatos relevantes ocorridos na sociedade e na pol�tica de seu tempo. Comunicava aos disc�pulos o aparecimento das primeiras esta��es de r�dio, os feitos da avia��o, as gl�rias e conflitos dos pol�ticos, o valor das descobertas cient�ficas. Mauro Montagna foi tamb�m o precursor do desenvolvimento de mapas em relevo no pa�s, tendo criado, em madeira, maquetes onde se representavam os principais acidentes geogr�ficos. Muitos outros professores egressos do instituto poderiam ser citados no �mbito da m�sica, artes, literatura, l�ngua francesa, al�m de mestres no of�cio manual e fabril. Coube a Montagna a primazia na cria��o da assist�ncia particular dos cegos no Brasil, em 1912, no Rio de Janeiro - a Escola e Asilo para Cegos Adultos3. Em 17 de outubro de 1920, criava-se ainda na capital da rep�blica a Liga de Aux�lios M�tuos de Cegos do Brasil, mais tarde passando a chamar-se Liga de Prote��o aos Cegos no Brasil. A Uni�o dos Cegos no Brasil foi fundada em 1924 e, em 1925, a Sociedade Alian�a dos Cegos, todas no Rio de Janeiro (VEIGA: 1983, 41). A forma��o de alunos e professores cegos permaneceu por cerca de 50 anos sob a responsabilidade do Instituto Benjamin Constant. Nas primeiras d�cadas do s�culo XX, s�o fundados novos institutos em outros estados brasileiros como: Instituto S�o Rafael, em Minas Gerais (1926), Instituto Profissional para Cegos, em S�o Paulo (1927), Instituto de Cegos da Bahia (1933), seguindo-se os estados do Rio Grande do Sul, Pernambuco e Paran� (ROCHA: 1987, 187).

3

Uma antecipa��o das oficinas protegidas americanas surgidas em 1980 nas quais os oper�rios tinham moradia, alimenta��o e trabalho remunerado (Veiga:1983:41).

83 5. A reabilita��o de cegos

Reabilitar � restituir ao estado anterior, regenerar. Contudo, a reabilita��o de cegos n�o recupera o sentido perdido, pois a perda repentina deste sentido t�o importante � muito dif�cil para uma pessoa com vis�o normal, principalmente se considerarmos o grande volume de informa��es da contemporaneidade, cada vez mais orientado por imagens. Entretanto, apesar dos procedimentos m�dicos e tecnol�gicos com os quais se pode contar para evitar a perda da vis�o, muitas pessoas ainda se tornam cegas por doen�as, acidentes ou pelo envelhecimento. Do ponto de vista psicol�gico, cada indiv�duo utilizar� mecanismos mentais diferenciados para a sua adapta��o � cegueira. A necessidade de uma profunda reorganiza��o psicol�gica destas pessoas requer um amparo urgente para que elas possam lidar com esta perda que influi em todos os aspectos de suas vidas. As pessoas que s�o atendidas pelos programas de reabilita��o de diversas institui��es e do Instituto Benjamin Constant apresentam uma variada gama de problemas visuais. Apresentam-se com restri��es distintas desde acometimentos progressivos a acidentes traum�ticos que os incapacita subitamente. Qualquer que seja os mecanismos da perda ou restri��o visual, seu portador precisa a reaprender as mais diferentes situa��es de espa�o e tempo, requerendo um esfor�o grandioso.

5.1. A��es e programas para a reabilita��o de cegos

Os aspectos associados � perda da vis�o t�m sido estudados por diversos autores. Segundo Adams (1980), um dos primeiros trabalhos da literatura psiqui�trica que falava sobre as rea��es � cegueira intitula-se "The Mental State of the Blind", de 1908, de autoria de William Dunton, publicado no American Journal of Insanity. Nos diversos trabalhos que se seguiram a este, envolvendo pacientes com perda de vis�o, psiquiatras e psic�logos observam predom�nio de tra�os paran�icos, apontando que tais rea��es n�o devem ser avaliadas somente como fantasia, pois existe um rep�dio real da sociedade em rela��o ao deficiente visual.

84

H� concord�ncia quanto �s fases que ocorrem, quase universalmente, nos primeiros est�gios da cegueira: descren�a, protesto, depress�o e finalmente aceita��o (BARCZINSKI, 2001). Assim, a perda da vis�o provoca diversos est�gios comportamentais, que podem ser caracterizados da seguinte forma: i. mais

um

um estado de imobilidade psicol�gica que aparece com o choque da cegueira, podendo ser descrito como uma "prote��o emocional anest�sica". N�o � simples caracterizar o limite de tempo de dura��o desta fase, mas quanto mais longa, prolongado e dif�cil � processo de adapta��o. A esse estado de imobilidade podem se associar duas fases de comportamento, primeiro em que ocorre a descren�a, quando os pacientes tendem a negar sua cegueira. Posteriormente, uma fase de protesto, quando os pacientes procuram uma segunda opini�o ou recusam-se a reaprender a lomoverem-se;

ii. e

a depress�o � o est�gio seq�encial � fase do choque, envolvendo sentimentos

iii. um

por fim, acontece a recupera��o, quando os pacientes aceitam a cegueira, em

desejos de autopiedade, necessidade de confid�ncias, pensamentos suicidas e retardamento psicomotor. Apresenta sintomas cl�ssicos de perda de peso, mudan�a de apetite e ansiedades;

est�gio em que se reduz ou n�o se percebe dist�rbios psiqui�tricos.

O estudo sistem�tico e cient�fico em rela��o �s rea��es � perda da vis�o estima que, em m�dia, um paciente percorra essas quatro etapas em um per�odo de dez meses (AMIRALIAN, 1997: 67; BARCZINSKI, 2001). Do ponto de vista mais amplo � importante salientar que a presen�a da defici�ncia se estende � fam�lia, alterando a sua din�mica, uma vez que os pap�is entram em desequil�brio; por outro lado, gera um bloqueio afetivo que frustra o processo de socializa��o, ou seja, a participa��o nos diferentes grupos sociais com autonomia e independ�ncia, interferindo e at� prejudicando o estabelecimento de projetos de vida. No caso de indiv�duos com vis�o reduzida, as limita��es variam de acordo com a patologia ocular apresentada e com as experi�ncias acumuladas no decorrer da vida. Contudo, tanto a perda total da vis�o quanto a vis�o reduzida n�o eliminam a

85 reorganiza��o nem o redimensionamento da participa��o do indiv�duo no conv�vio social (CARROL, 1968: 84).

O jovem ou adulto que perde a vis�o � fortemente influenciado pelas atitudes e rea��es emocionais dos membros da fam�lia. Ele ter� de superar n�o apenas o sentimento de grande perda que sofreu, como tamb�m seus temores e ansiedade, mas ter� de lutar tamb�m com sentimentos e preocupa��es dos outros membros da fam�lia, que em muitos casos, est�o totalmente ignorantes quanto aos efeitos da defici�ncia e n�o se sentem capazes de resolver os problemas decorrentes do novo quadro. No processo de adapta��o � defici�ncia � necess�rio que a pessoa tenha conhecimento sobre as implica��es e as limita��es que a perda imp�e � pessoa e, nesse processo, � envolvida a fam�lia nuclear � enquanto grupo respons�vel pelo estabelecimento de valores e aprendizado do desempenho de pap�is sociais �, o grupo de amigos e a pr�pria comunidade (DE MASI, 1996). De acordo com Batista (1975), a supera��o da condi��o incapacitante varia de pessoa para pessoa e depende de muitos fatores relacionados. Pode-se citar como exemplo o reconhecimento do que uma perda dessa ordem pode ocasionar � vida futura, estere�tipos desenvolvidos em rela��o a outros deficientes visuais, culto ao corpo como est�mulo est�tico de prazer, restri��o na execu��o de tarefas e limita��es f�sicas preexistentes ou concomitantes no momento da perda. Portanto, o grau de impacto da defici�ncia n�o est� t�o somente ligado ao grau da defici�ncia, mas ao indiv�duo de "per si". O atendimento a esse grupo de pessoas d�se por meio dos programas de reabilita��o, concretizado por interm�dio de equipes multidisciplinares, que se constituem como um canal para a auto-sufici�ncia e produtividade. Os programas de reabilita��o s�o dotados de filosofia pr�pria, de m�todos e t�cnicas especiais e realizam um trabalho que envolve uma abordagem que por vezes negligencia a totalidade do indiv�duo. Em alguns casos, restringem-se a uma �nica dimens�o que pode estar referida ao diagn�stico m�dico, condi��es educacionais ou profissionais que se vinculam �s condi��es de trabalho. A interconex�o entre as dimens�es citadas proporciona a adapta��o � nova condi��o de vida (DE MASI, 1996).

86

As a��es de reabilita��o de cegos podem ser agrupadas em aspectos objetivos e subjetivos, como pode ser observado nas tabelas a seguir: Tabela 3.1. Aspectos objetivos considerados em programas de reabilita��o de cegos. Componentes

Conte�dos

Objetivos

terapia corretiva capacita��o f�sica Fisioterapia

independ�ncia e da Atividade de vida di�ria atividades sociais

comunica��o Comunica��o possibilitando retomada educativa e vocacional

Orienta��o e mobilidade promo��o da locomo��o

treinamento na Desenvolvimento de atividades habilidades profissionais

potencialidades e Orienta��o profissional individuais �s pessoais e �s mercado de

promo��o da

terapia do movimento atividades f�sicas alimenta��o, cuidados pessoais, administra��o dom�stica, etc

aprendizado do Braille Sorob� uso de aux�lios �pticos

da pessoa promo��o da autonomia nas pessoais e

readapta��o da escrita, informativo-

inform�tica utiliza��o de recursos mec�nicos, �pticos e eletr�nicos,

orienta��o para a independ�ncia na

orienta��o na pr�pria locomo��o f�sica e orienta��o mental ensino de pr�ticas de novas habilidades profissionais

capacita��o e execu��o de novas

artesanais e industriais avalia��o das potencialidades individuais avalia��o das necessidades individuais

adequa��o das necessidades expectativas exig�ncias do

trabalho Coloca��o ou recoloca��o recoloca��o no profissional trabalho

atividades para a orienta��o na decis�o profissional

coloca��o ou mercado de

treinamento nas habilidades

para a procura de trabalho negocia��es com empres�rios "follow-up". Fonte: Elabora��o pr�pria a partir de adapta��o de De Masi (1996).

87

Tabela 3.2. Aspectos subjetivos considerados em programas de reabilita��o de cegos. Conte�dos e Objetivos

Componentes consiga n�veis de Servi�o Social

Psicologia compreens�o da

desenvolvimento pessoal do indiv�duo, a fim de que atua��o consciente, plena e produtiva no seu meio identifica��o das necessidade da pessoa e sua fam�lia avalia��o psicol�gica desenvolvimento de condi��es internas favor�veis para defici�ncia e melhor adapta��o no conv�vio com a mesma crescimento intraps�quico

Fonte: Elabora��o pr�pria a partir de adapta��o de De Masi (1996).

5.2. A reabilita��o de cegos e o Instituto Benjamin Constant

No Brasil, a Secretaria de Educa��o Especial do Minist�rio da Educa��o, em colabora��o com a Uni�o Brasileira de Cegos � UBC e a Associa��o Brasileira de Educadores de Deficientes Visuais t�m preconizado a��es e servi�os de reabilita��o de cegos que envolvem, prioritariamente, os aspectos subjetivos e objetivos. Os adultos cegos, ou em processo progressivo de perda da vis�o, quando recorrem ao Instituto Benjamin Constant � IBC s�o encaminhados para o Departamento de Estudos e Pesquisas M�dicas e de Reabilita��o � DMR, sendo inseridos num programa de reabilita��o desenvolvido pela Divis�o de Reabilita��o, Prepara��o para o Trabalho e Encaminhamento Profissional � DRT, vinculado ao DMR. � importante ressaltar os termos usados nos centros e institutos que promovem a reabilita��o. Reabilitando � o nome que se d� �s pessoas que perdem a vis�o na adolesc�ncia ou na idade adulta. Vez por outra, os professores, profissionais ou instrutores de t�cnicas de reabilita��o denominam alunos �s pessoas que se encontram em processo de reabilita��o. Neste trabalho, adota-se a denomina��o reabilitando, a nomenclatura mais

comumente utilizada tanto no Instituto Benjamin Constant como em outros institutos e centros de readapta��o de cegos com os quais se manteve contato durante a pesquisa.

88 Deixa-se claro, entretanto, que tal nomea��o n�o guarda rela��o com a recupera��o da condi��o visual anterior. Reabilitando a que se refere na presente pesquisa � a pessoa que precisa readquirir novas habilidades pelo fato de se encontrar em circunst�ncias adversas devido � perda da vis�o. Numa primeira visita nos centros e institutos de reabilita��o, o reabilitando e a sua fam�lia passam por distintos setores nos quais s�o avaliados quanto �s condi��es f�sico-nutricionais e a seguir quanto aos aspectos s�cio-psicol�gicos. Assim, segundo aspectos descritivos do planejamento de a��es de reabilita��o de cegos no caso espec�fico do DMR/DRT do Instituto Benjamin Constant, seguem-se avalia��es cl�nico-oftalmol�gico-odontol�gicas e nutricionais. A avalia��o nutricional compreende exames laboratoriais, anamnese alimentar, al�m de peso e altura. Ap�s essa avalia��o f�sica, todos os membros da fam�lia ou quem se apresenta como respons�veis s�o entrevistados por um psic�logo e depois por uma assistente social. Terminadas todas as avalia��es e entrevistas, uma equipe interdisciplinar constr�i um planejamento de a��es segundo prefer�ncias e necessidades elencadas. Al�m do IBC, pessoas acometidas por perda gradativa ou s�bita de vis�o podem recorrer no Rio de Janeiro, a centros municipais e estaduais. O Centro Integrado de Aten��o � Pessoa com Defici�ncia - CIAD4 Mestre Candeia oferece servi�os e atendimentos � popula��o deficiente, al�m de capacitar profissionais para atuarem no munic�pio do Rio de Janeiro. O Centro de Apoio Pedag�gico ao Atendimento de Pessoas com Defici�ncia Visual - CAP5 vincula-se � Secretaria Estadual de Educa��o do Rio de Janeiro6. Existem tamb�m associa��es filantr�picas7 que oferecem atendimento, orienta��o e aux�lio aos cegos. 4

Embora o CIAD se vincule � Secretaria Municipal da Pessoa com Defici�ncia, atua de forma integrada com outras cinco secretarias municipais: Esporte e Lazer (SMEL); Educa��o (SME), Sa�de (SMS), Assist�ncia Social (SMAS) e Trabalho e Emprego (SMTE). 5 Constitui-se em uma unidade de servi�os de apoio pedag�gico e suplementa��o did�tica ao sistema de ensino. Foi institucionalizado pelo Minist�rio da Educa��o e Cultura - MEC, atrav�s da Secretaria de Educa��o Especial em conjunto com a Uni�o Brasileira de Cegos - UBC (Associa��o

Brasileira de Educadores de Deficientes Visuais - ABEDEV, Instituto Benjamin Constant - IBC e Funda��o Dorina Nowill para Cegos). 6 Existem dois centros para cegos e deficientes visuais vinculados � Secretaria Estadual de Educa��o do Rio de Janeiro: um em S�o Gon�alo, Niter�i e outro em Angra dos Reis. Dispon�vel em http://www.educacao.rj.gov.br/index5.aspx?tipo=secao&idsecao=172&spid=12. Consulta em 21 de Maio de 2010. 7 Associa��o Alian�a dos Cegos, Associa��o Brasileira de Cegos, Associa��o Uni�o Geral dos Cegos, Cen�culo Protetor dos Cegos, Conselho Brasileiro para o Bem Estar dos Cegos, Sociedade Pr�-LivroEsp�rita em Braille � SPLEB e Uni�o dos Cegos no Brasil. Dispon�vel em http://www.sac.org.br/ Mapa_Br.htm#Rio%20de%20Janeiro. Consulta em 27 de Maio de 2010.

89

Al�m de cegos tardios, o DRT tamb�m atende alunos da rede escolar, ou seja, crian�as e jovens da comunidade com problemas de vis�o subnormal. Os alunos s�o atendidos por uma equipe formada por um m�dico especialista e um professor que avaliam, esclarecem, orientam e realizam treinamento para o uso de recursos �pticos e n�o-�pticos, a fim de proporcionar-lhes um melhor desempenho visual nas tarefas escolares e na vida di�ria. O p�blico que busca atendimento no DMR/DRT se comp�e, em sua maioria, de pessoas com defici�ncia visual adquirida na idade adulta (reabilitandos), os quais s�o inseridos num um elenco variado de atividades: orienta��o e mobilidade, atividade da vida di�ria, habilidades b�sicas de prepara��o para o Braille, leitura e escrita atrav�s do sistema Braille, escrita cursiva, ingl�s b�sico, m�sica, teatro, cestaria, artesanato (biscuit, tric�, tape�aria), cer�mica, educa��o f�sica, capacita��o de usu�rios de computadores equipados com software do sistema dosvox, sistema magic (ampliador de tela para pessoas com baixa vis�o) e do jaws (leitor de tela), atendimento social e psicol�gico. Oferece tamb�m cursos profissionalizantes como massoterapia, shiatsuterapia, drenagem linf�tica manual, reflexologia dos p�s, afina��o de piano, oficina de cer�mica. O DRT desenvolve ainda o programa de atendimento e apoio ao surdo-cego e o encaminhamento ao mercado de trabalho de alunos e reabilitandos. Os alunos e reabilitandos podem contar com um atendimento social que abrange desde a aquisi��o de �culos at� orienta��es quanto aos seus direitos e deveres. Participam de programas espec�ficos como o Grupo da Terceira Idade e o Centro de Conviv�ncia (atividades educativas, culturais e de promo��o da autonomia psico-

social de reabilitandos egressos das atividades b�sicas de reabilita��o). Al�m disso, esse Departamento oferece um programa de Resid�ncia M�dica na �rea de oftalmologia, credenciado pelo MEC � Minist�rio da Educa��o e Cultura, que conta atualmente com 06 m�dicos residentes/ano. Possui tamb�m, no �mbito da Divis�o de Pesquisas M�dicas, Oftalmol�gicas e Nutri��o - DPMO, uma Cl�nica de Fisioterapia, que desempenha suas atividades buscando alternativas de tratamento com o objetivo de melhorar a qualidade de vida dos alunos, reabilitandos, atletas e funcion�rios portadores de dist�rbios neurol�gicos, ortop�dicos e reumatol�gicos (IBC, 2009).

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Nos dois pr�ximos cap�tulos ser� apresentada a pesquisa feita com os profissionais que trabalham com a readapta��o de cegos e participantes de programas de reabilita��o, quando ser�o fornecidas informa��es mais detalhadas sobre o funcionamento de tais programas, o olhar desses profissionais sobre o universo em que atuam e hist�rias de vida de pessoas que freq�entam a institui��o pesquisada.

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PARTE I � IMAGENS DO TEMPO

Algumas Considera��es

Embora muitos avan�os tenham ocorrido na �rea dos direitos, da sa�de e da educa��o, persiste o problema do acesso ao trabalho para os deficientes. Persiste, a exemplo do que ocorreu em momentos hist�ricos passados. As transforma��es oriundas das mudan�as da sociedade agr�ria para a sociedade industrial, al�m do aumento da longevidade, t�m corroborado para a dificuldade cada vez maior de as pessoas deficientes encontrarem trabalho, a despeito de pol�ticas de cotas ou incentivos fiscais. Quest�es vinculadas ao acesso aos servi�os oftalmol�gicos gratuitos ainda � um dos maiores entraves no diagn�stico precoce de patologias visuais. A oferta de servi�os de atendimento ocular est� concentrada na avalia��o de problemas refrativos. Os pacientes portadores de patologias oculares cr�nicas como catarata, glaucoma e retinopatia diab�tica padecem pela car�ncia desses servi�os nos pa�ses em desenvolvimento como Brasil. A escassez de estudos de bases populacional sobre a preval�ncia dessas patologias em rela��o � faixa et�ria de acometimento, popula��o de risco e fatores externos desencadeantes, aliados � falta de informa��o sobre crescimento

dessas doen�as silenciosas e de suas causas, reduzem a preocupa��o e a aten��o ao problema. Ap�s a apresenta��o dos elementos caracter�sticos dos tr�s per�odos de investiga��o da cegueira proposto por Vigotski, pode-se depreender que na fase m�stica admitia-se a sobrevaloriza��o da cegueira como possibilitadora de poderes ilimitados para al�m do homem cego, referido como ser dotado de vis�o espiritual; o per�odo biol�gico ing�nuo inaugurou a compensa��o org�nica do defeito, onde um �rg�o ou fun��o org�nica poderia substituir o sentido ausente. Essa fase que persistiu por toda a Idade M�dia trouxe tamb�m a subvaloriza��o da cegueira e a degrada��o do cego como algu�m digno de pena e justificativa da caridade humana. A fase pr�-cient�fica confundiu o cego com sua cegueira, atribuindo de forma positiva ou negativa, valores e lugar social ao homem cego. Vigotski salienta que "as id�ias, assim como as pessoas, se conhecem melhor pelos seus atos". Ele acreditava que

92 uma crian�a que possua uma limita��o sens�ria n�o � uma pessoa limitada. As ideias do per�odo pr�-cient�fico n�o conseguiram separar a pessoa de sua limita��o, atribuindo a todo o ser a condi��o incapacitante. Tais ideias "negam a unidade humana", fragmentando e reduzindo o homem a uma de suas partes em detrimento do todo (VYGOTSKI:1997, 111). A fase cient�fica revelou a cegueira como um problema social e psicol�gico. A compensa��o ps�quica do defeito desenvolvida nesta fase n�o deve, por�m, ser confundida com um papel positivo do sofrimento e os mart�rios da perspectiva da defici�ncia presente na Idade M�dia. O per�odo cient�fico n�o traz a valoriza��o positiva do defeito nem da cegueira, mas dos mecanismos de supera��o da dificuldade da cegueira mediante est�mulos positivos pelo contato e apropria��o da cultura. A limita��o sens�ria est� restrita ao sentido ausente e n�o a pessoa em sua inteireza. O enfoque cient�fico introduz tr�s dispositivos ou linhas de a��o para compreens�o e integra��o do cego: profilaxia social que consiste fundamentalmente no combate ao preconceito ainda bastante comum nos dias de hoje, alijando o cego do conv�vio social; a educa��o social, baseada num conv�vio escolar irrestrito, eliminando insulamentos pseudoprotegidos, acreditando no desenvolvimento pleno da pessoa cega e o trabalho social, permitindo ao cego elaborar as condi��es necess�rias a sua vida laboral, como atividades e postos de trabalho onde possa criar as condi��es para sua realiza��o na vida produtiva. As id�ias desse per�odo foram propostas por Vigotski em 1925, observando-se a atualidade do seu pensamento e import�ncia de seu estudo.

Portanto, para Vigotski (1997, 228) "tanto a pessoa cega quanto a vidente conhecem muito mais do que podem imaginar e muito mais que podem perceber pela ajuda dos cinco sentidos". A qualidade dos objetos n�o � percebida apenas pela forma visualmente direta, mas o que se descobre nos objetos com a ajuda do pensamento. Assim, a capacidade de elabora��o mental, imagina��o e cria��o que o pensamento proporciona � a esfera fundamental da compensa��o de uma insufici�ncia no campo das representa��es e generaliza��es. A capacidade do conhecimento pelas fun��es superiores supera o adestramento sensoriomotor, que � poss�vel no �mbito dos processos elementares. O conceito e demais processos psicol�gicos superiores n�o se desenvolvem na crian�a cega de outro modo a n�o ser pela atividade coletiva, em di�logo, numa rela��o de troca, na comunica��o. Elimina-se desta forma as conseq��ncias secund�rias da 93 cegueira, ou a pr�pria causa da limita��o do desenvolvimento das fun��es ps�quicas superiores pelas possibilidades ilimitadas que o conv�vio social e a cultura oferecem (VYGOTSI:1997, 230).

94

PARTE II - DI�LOGOS

O caminho metodol�gico Os cap�tulos IV e V a seguir apresentam a an�lise dos dois grupos pesquisados: profissionais que atuam na forma��o e reabilita��o de cegos e as pessoas com perda de vis�o na idade adulta. Embora os dois grupos guardem rela��o pelo fato de interagirem no cotidiano, o tratamento das entrevistas de ambos os grupos diferenciou-se na etapa de an�lise. Na fase inicial da pesquisa, para ambos os grupo, aplicou-se a metodologia da observa��o participante, recorrendo-se �s t�cnicas utilizadas na antropologia social MINAYO (1998, 89), BECKER (1994) OLIVEIRA (2000). A seguir, aplicaram-se question�rios semi estruturados diferenciados para ambos os grupos e s� depois se partiu para um roteiro de perguntas, nas quais tanto os profissionais quanto os cegos puderam discorrer sobre quest�es inerentes � pesquisa de forma livre. Posteriormente, na fase de an�lise das entrevistas recorreu-se � sistematiza��o de relatos verbais apoiada pela psicologia hist�rico-cultural como descrito adiante. As vividas,

entrevistas

semi-abertas

permitiram

captar

experi�ncias

expectativas, frustra��es, comportamentos, emo��es e sentimentos, para ambos os grupos, al�m de possibilitar o entendimento sobre o processo de reabilita��o, do ponto de vista do profissional e das pessoas que perderam a vis�o. Nesse primeiro contato compartilhando os ambientes do cotidiano dos dois grupos a pesquisar, dificuldades se apresentaram, sendo escolhida uma abordagem para entrada. Como um of�cio antropol�gico, os trabalhos basearam-se em tr�s etapas inicialmente. Na primeira deu-se a apreens�o de um fen�meno social e a respectiva tematiza��o com questionamentos ainda incipientes (OLIVEIRA, 2000:17). Como algo merecedor de reflex�o no exerc�cio da investiga��o, partiu-se para o campo assumindo uma atitude de olhar, ouvir e escrever.

95 O olhar

A experi�ncia de pesquisar espelha uma domestica��o do olhar. A partir do momento em que se sente preparado para a investiga��o emp�rica, o objeto, sobre o qual se dirige o olhar, j� foi previamente alterado pelo pr�prio modo de visualiz�-lo. Seja qual for esse objeto, ele n�o escapa de ser apreendido pelo esquema conceitual da disciplina formadora do pesquisador e sua forma de ver a realidade. Esse esquema conceitual disciplinadamente apreendido durante o itiner�rio acad�mico conduz a um caminho dentre tantos (CHAU�: 1988, 37). Funciona como uma esp�cie de prisma por meio do qual a realidade observada sofre um processo de refra��o, obtendo uma imagem. � certo que isso n�o � exclusivo do olhar, uma vez que est� presente em todo processo de conhecimento, envolvendo, portanto, atos cognitivos e outros sentidos em conjunto. Contudo, � certamente no olhar que essa refra��o pode ser mais bem compreendida (BECKER: 1994, 47). O primeiro momento em campo surgiu a necessidade de saber qual grupo trabalhar? A abordagem seria feita ao acaso? Qual seria a receptividade? Como abord�los? O que proporia? Por fim, decidi-me simplesmente servir de guia e acompanhar, como algu�m que chega num ambiente desconhecido e precisa se aproximar, mas sem conhecer ningu�m. Quando se enxerga e dada � circunst�ncia, �s vezes, o melhor a fazer � n�o fazer nada. Esperar ser solicitado, esperar ser consultado, esperar ser convidado para qualquer conversa e por fim ser percebido.

O ouvir

O olhar possui uma significa��o espec�fica que varia segundo a cogni��o

de cada um. Disciplina e sofistica a nossa capacidade de observa��o. Esta capacidade de elabora��o faz-se e refaz-se a cada olhar numa seq��ncia de reflex�es. O ouvir possui um lugar que goza de propriedades similares a do olhar. O ouvir e o olhar n�o podem ser interpretados como faculdades independentes no exerc�cio investigativo. Ambos complementam-se e servem como duas ferramentas. O ouvir sofre as mesmas restri��es do olhar, pela elimina��o de ru�dos que nos pare�am insignificantes, isto �, que n�o

96 fa�am nenhum sentido no escopo da pesquisa ou para o paradigma no interior do qual pesquisamos ou fomos treinados. Assim, como em qualquer rito que requer uma observa��o e uma audi��o para compreender-lhe o sentido e significa��o, uma entrevista requer um olhar e um ouvir todo especial, principalmente quando se tratam de pessoas em situa��o de sofrimento. Contudo, h� de se saber ouvir. Aparentemente, a entrevista tende a ser encarada como algo sem maiores dificuldades. No entanto, torna-se muito mais complexa quando consideramos a diferen�a de condi��o de vida, a saber, o mundo do pesquisador e do pesquisado, mundo no qual desejamos penetrar. O que desejamos saber est� no confronto entre esses dois mundos que constitui o contexto no qual ocorre a entrevista. Neste lugar, o ouvir e o olhar do entrevistado devem sintonizar-se aos questionamentos do entrevistador. No ato de ouvir o pesquisador necessita quebrar um exerc�cio de poder que autores como Foucault foram incans�veis de denunciar na rela��o pesquisador /informante. As perguntas em busca de respostas pontuais, lado a lado da autoridade de quem as fazem, com ou sem autoritarismo, criam um campo ilus�rio de respostas. A rela��o precisa ser dial�gica. Estabelece-se no entre. O informante � transformado em interlocutor. Uma modalidade de relacionamento inaugura-se. Esta modalidade guarda pelo menos uma grande superioridade sobre os procedimentos tradicionais de entrevistas. O pesquisador e o pesquisado no di�logo abrem-se um ao outro de maneira a transformar um confronto em um encontro (TUNES e BARTHOLO, 2004: 45). O ouvir no di�logo � compartilhar. O ouvir ganha em qualidade e altera uma rela��o, transformando uma estrada de m�o �nica em m�o dupla, uma intera��o genu�na. Significa dizer que o papel do pesquisador � aceito no grupo pesquisado de modo a n�o impedir a necess�ria intera��o. A observa��o participante, mediante ato de cogni��o pela compreens�o do que se est� compartilhando, permite captar significa��es que escapam �s metodologias convencionais (OLIVEIRA: 2000, 24).

O escrever

O olhar o ouvir s�o considerados como atos cognitivos preliminares no trabalho de campo. O escrever traz os fatos observados � vistos e ouvidos � para o plano

97 do transcrito, sendo particular por quem observa refletindo o processo inter pares. A descri��o e interpreta��o de observa��es, entrevistas e relatos levantados em campo, n�o s�o realizadas de forma solit�ria, mas no interior de um espa�o socialmente constru�do pelo grupo que se pesquisa e pela bagagem acad�mica e de vida do pesquisador (OLIVEIRA: 2000, 25). O olhar e o ouvir constituem a nossa percep��o da realidade focada na pesquisa emp�rica, o escrever passa a ser parte do nosso pensamento sendo conseq��ncia de nossa cogni��o. No processo de reda��o o texto emerge do pensamento e caminha na busca de solu��es que dificilmente apareceriam antes da textualiza��o dos dados provenientes das observa��es. O ato de olhar, ouvir e escrever est�o sintonizados com sistemas de id�ias e valores. Nesse sentido, os atos de olhar e de ouvir s�o, a rigor, fun��es de um g�nero de observa��o muito peculiar, que acreditamos permitir ao pesquisador, interpretar ou compreender a sociedade e a cultura do "outro", sendo os questionamentos, etapas de um processo de constru��o que se refaz pela rela��o que se estabelece.

A pesquisa e an�lise dos relatos

As an�lises das entrevistas, das anota��es de campo e de dados de literatura basearam-se em FERREIRA (2006), THIOLLENT (2005), OLIVEIRA (2000), MINAYO (1998, 89), TUNES e SIM�O (1998), BECKER (1994), LE GOFF (1990). A fase explorat�ria da pesquisa � considerada t�o importante quanto � pr�pria pesquisa em si. Compreende a etapa de escolha do t�pico de investiga��o, de delimita��o do problema, de defini��o do objetivo, de constru��o do marco te�rico conceitual, dos instrumentos de coleta de dados e da explora��o de campo. A an�lise e sistematiza��o de relatos verbais (TUNES e SIM�O, 1998) permitiram a elabora��o de um conhecimento coletivo de dois atores: o pesquisador e o pesquisado. Alguns profissionais entrevistados integraram comiss�es para cria��o de pol�ticas p�blicas de reabilita��o para pessoas deficientes visuais e cegas no Brasil. Por meio dos relatos de suas viv�ncias e experi�ncias no campo da concep��o e na implementa��o de programas foi poss�vel reunir elementos vinculados �s propostas

que deram origem �s a��es e �s conseq�entes cr�ticas oriundas das pr�ticas observadas

98 no dia a dia de cada profissional. �s entrevistas agregaram-se anota��es sobre o conv�vio com esses profissionais durante os dois anos (2008 a 2010) da pesquisa e dados de literatura que possibilitassem esclarecimento das informa��es obtidas. Alguns autores (VIGOTSKI: 2004,16 e BUBER: 1979) compartilham a id�ia de que o processo de conhecer acontece na "inter-rela��o", no "entre", em colabora��o, pressupondo, portanto, o estabelecimento de uma rela��o dialogal do pesquisador com os pesquisados. Essa perspectiva converte-se tamb�m num elemento de aprendizado para o pesquisador. Como num processo cooperativo, pesquisador e pesquisado compartilham e geram saberes no ato do encontro. O pesquisador, portanto, integra a pesquisa. Interfere e sofre interfer�ncia em sua a��o e nos modos de configurar sua an�lise. Conforme essa abordagem, conhecer significa, antes de tudo, o voltar-se para o diferente, o particular, o singular; o reconhecimento da alteridade do outro e de sua irredutibilidade (BARTHOLO, 2001, 80). � precisamente o fato de o processo de conhecimento acontecer entre pessoas o que traz uma interessante singularidade para a investiga��o cient�fica no �mbito das ci�ncias humanas e sociais. Num acontecimento dial�gico aut�ntico, as pessoas que participam da rela��o n�o se tomam a si nem ao outro como objeto de conhecimento, pois, assim fazendo, rompem com a autenticidade do di�logo. Todavia, sem realizar esse rompimento, podem tomar como objeto do conhecer o que ocorre entre elas, a saber, a palavra, o di�logo, fazendo com que, destarte, a validade do que � cientificamente conhecido situe-se n�o em um indiv�duo particular, supostamente detentor e propriet�rio de uma informa��o, mas na troca que circula entre pessoas em rela��o. Ainda que fuja aos prop�sitos do presente trabalho discutir a quest�o da validade cient�fica do discurso, ou relato verbal, que circula entre pessoas em rela��o, vale dizer que ela � de enorme interesse para a psicologia e est� na pauta de suas preocupa��es desde o nascimento desta disciplina como ci�ncia (TUNES, 1984; TUNES e SIM�O, 1998; VIGOTSKI, 2004). Resumidamente, pode-se dizer que: A pesquisa no �mbito das humanidades � de car�ter social e a rela��o pesquisador-participante constitui uma situa��o singular, irreplic�vel; ii. "o relato verbal n�o � uma superestrutura da coleta de dados da pesquisa, mas parte org�nica e integrante da mesma" (TUNES e SIM�O, 1998); i.

99 Na do

iii.

Pesquisador e pesquisado n�o s�o observadores e analistas de si mesmos. pesquisa com relatos verbais, cabe ao pesquisado a fun��o de selecionador

iv. a��o sabe o v. no

que, em sua realidade, recorta e relata. Por sua vez, cabe ao pesquisador organizar, inferencialmente, o conte�do que circula na sua rela��o com o pesquisado, atribuindo-lhe significado de valor te�rico e cientificamente v�lido; "o relato verbal � diferente dos informes cotidianos, na medida em que a do pesquisador, ao planejar a pesquisa, � orientada para uma meta: ele que deve perguntar e por que" (TUNES e SIM�O, 1998); "o relato verbal permite o estudo do fen�meno em seu car�ter processual, momento

mesmo

ambos

de

sua

emerg�ncia

e

desenvolvimento,

intencionalmente provocados pela a��o do pesquisador" (TUNES e SIM�O, 1998); vi. o fen�meno investigado pelo pesquisador � de car�ter hist�rico, portanto, transit�rio; vii. "a pesquisa com relatos verbais n�o se prop�e ao exame da veracidade do que � referido no relato do sujeito, mas � busca de precis�o e confiabilidade

das

infer�ncias feitas pelo pesquisador" (TUNES e SIM�O, 1998); viii. "a precis�o e a confiabilidade das infer�ncias do pesquisador podem ser avaliadas no curso do pr�prio procedimento, uma vez que � tratado como ind�cio do processo em curso tudo o que � referido no relato. Importa, pois, nessa avalia��o, a l�gica das rela��es que o pesquisador vai estabelecendo entre os ind�cios, no ato mesmo de atribui��o de significados ao relatado" (TUNES e SIM�O, 1998). Vale ressaltar que todos os procedimentos �ticos foram respeitados em aten��o � resolu��o 196/96 (BRASIL, 1996) do Conselho Nacional de Sa�de, que estabelece diretrizes e normas regulamentares sobre pesquisas que implicam a obten��o de informa��es a respeito de seres humanos.

100

CAP�TULO IV DI�LOGOS COM OS ART�FICES DA SUPERA��O

1. Sobre o grupo pesquisado

No presente cap�tulo, s�o apresentadas as an�lises de entrevistas feitas com quinze profissionais, sendo cinco cegos e dez videntes, envolvidos com os programas de readapta��o de cegos tardios no Instituto Benjamin Constant (IBC), no Instituto Helena Antipoff (IHA) e na Escola Municipal Conselheiro Mayrink, no Rio de Janeiro. A primeira institui��o � refer�ncia h� 155 anos na forma��o educacional de cegos cong�nitos e oferece um programa de reabilita��o de cegos tardios h� 20 anos. O IHA �

respons�vel pelas pol�ticas de educa��o especial do munic�pio do Rio de Janeiro, incluindo-se as classes especiais e de apoio para os professores fixos ou itinerantes1. A terceira institui��o � uma escola do munic�pio do Rio de Janeiro, com classes regular, especial e de apoio a deficientes visuais. A sele��o dos entrevistados2 levou em considera��o os v�nculos institucionais, a natureza da atividade desenvolvida junto �s pessoas cegas e, para o caso dos profissionais cegos, as hist�rias de vida pessoais. Todos desenvolvem atividades de gest�o, coordena��o, forma��o, encaminhamento profissional e acolhimento de pessoas que perderam a vis�o de forma progressiva ou repentina na adolesc�ncia ou idade adulta. Em termos de formaliza��o da atividade, atuam como professores de inform�tica (1), ci�ncias (1), letras (1), educa��o f�sica (1), hist�ria (1), sorob� (2), Braille (2), habilidades b�sicas (1) orienta��o pedag�gica (2), atendimento psicol�gico (2) e na assist�ncia social (1). Alguns dos profissionais entrevistados participam ativamente de comiss�es para cria��o de pol�ticas contempor�neas de reabilita��o para pessoas deficientes visuais e cegas no Brasil.

1

S�o professores coordenadores que atendem tanto professores quanto alunos da rede municipal, orientando os trabalhos no quais se incluem alunos que perdem a vis�o na adolesc�ncia e desejam dar continuidade � escolariza��o. Estes professores d�o apoio pedag�gico no Programa de Educa��o de Jovens e Adultos - PEJA destinado a alunos que possuem algum defici�ncia visual e cegos. 2 Anexo II � Tabela com profissionais entrevistados e institui��es, atividade desenvolvida e o respectivo roteiro de perguntas aplicado.

101

A narrativa dos profissionais foi orientada pela aplica��o de um roteiro de perguntas3, visando a obter informa��es sobre: atividades realizadas, v�nculos institucionais e respectivos lugares na reorienta��o das pessoas cegas. Os profissionais cegos entrevistados foram alunos ou mantiveram algum contato com as institui��es pesquisadas, por isso, possuem viv�ncia como aluno e, atualmente, como professor/profissional. Durante as entrevistas foi solicitado aos profissionais que discorressem sobre i. suas atividades, ii. sobre o comportamento dos alunos cegos, quando da chegada � institui��o, iii. sobre as dificuldades dos mesmos e iv. sobre o que consideram mais importante na rela��o ensino-aprendizagem. Al�m dessas informa��es, foram feitas perguntas sobre a condi��o familiar, sobre os elementos motivadores e desanimadores dos alunos cegos na nova condi��o e sobre os fatores de supera��o das dificuldades dos alunos.

A pesquisa no IBC foi condicionada � aprova��o pr�via de um projeto-base submetido ao Comit� da Divis�o de Pesquisa, Documenta��o e Informa��o (DDI) daquele instituto, que controla e apoia atividades de pesquisadores, sendo aprovado em maio de 20084. Contudo, o conv�vio j� havia se estabelecido desde dezembro de 2007. O projeto de pesquisa foi aprovado para ser implementado na Divis�o de Reabilita��o, Prepara��o para o Trabalho e Encaminhamento Profissional (DRT), vinculado ao Departamento de Estudos e Pesquisas M�dicas e de Reabilita��o (DMR) do Instituto Benjamin Constant. Para a realiza��o da pesquisa no Instituto Helena Antipoff (IHA) e na Escola Municipal Conselheiro Mayrink, al�m de outras escolas da rede municipal, foi submetido um projeto de pesquisa � Secretaria Municipal de Educa��o do Rio de Janeiro. Ap�s an�lise e aprova��o5 do projeto de pesquisa, foram viabilizadas as visitas aos centros de impress�o de material did�tico em Braille, o acesso �s salas de aula e autorizadas as entrevistas com professores e alunos. No IBC as pessoas atendidas pela Divis�o de Reabilita��o, Prepara��o para o Trabalho e Encaminhamento Profissional (DRT) s�o chamadas reabilitandos e, �s vezes,de alunos. No IHA s�o referidos como alunos. Neste trabalho, os entrevistados do

3

Anexo II

4

Anexo III e IV � Autoriza��o e acompanhamento da Pesquisa no Instituto Benjamin Constant. 5 Anexo V e VI � Autoriza��o de Pesquisa Secretaria Municipal de Educa��o e Termo de compromisso.

102 IBC ser�o chamados reabilitandos e do IHA ser�o referidos como alunos, mantendo-se a refer�ncia utilizada pelos pr�prios profissionais. As entrevistas foram feitas entre junto de 2008 a dezembro de 2009, no local de trabalho dos profissionais, em mais de um encontro pessoal com os diversos entrevistados. Foram transcritas com fidelidade, sendo mantidos os tempos das falas e todas as cita��es. Optou-se por identificar, no texto, as cita��es dos entrevistados como PV, para profissionais videntes, e PC, para profissionais cegos. As rela��es interpessoais e as hist�rias individuais se misturam, constituindo um expressivo am�lgama de vida e de trabalho nos ambientes pesquisados; com influ�ncias significativas dos percursos pessoais sobre o destino coletivo, e deste sobre

aqueles. A partir das hist�rias profissionais individuais, foi poss�vel construir um panorama sobre a hist�ria de pessoas e sobre as institui��es que trabalham com cegos tardios, em um arco temporal que se estende da d�cada de 1990 at� os dias atuais (19902010). Foram tamb�m obtidas informa��es que tornaram poss�vel a compreens�o de algumas das principais caracter�sticas marcantes da hist�ria de vida dos profissionais cegos que, entre os anos de 1960 e 1980, realizaram seu pr�prio processo de forma��o educacional e profissional. A an�lise e a sistematiza��o dos relatos verbais (TUNES, 1998) propiciaram condi��es de acesso ao conhecimento coletivo que se estabelece no ambiente profissional, como tamb�m uma compreens�o expressiva das conson�ncias e diverg�ncias de pensamentos entre os profissionais videntes e os cegos, no que diz respeito � orienta��o e �s formas de lidar com as pessoas que acabaram de perder a vis�o. Ao longo do trabalho foram focados dois lugares-fontes dos relatos. Ora o profissional vidente falando do aluno cego; ora o profissional cego dirigindo sua fala ao ambiente institucional, mas, em alguns momentos, incluindo-se no relato. Buscou-se captar, nas falas dos profissionais � frente deste trabalho, aspectos relacionados aos cegos no momento da chegada e no conv�vio � no processo de readapta��o � nova condi��o, a partir da perspectiva de compreens�o do lugar ocupado pelo profissional que o recebe. A sistematiza��o das entrevistas levou � identifica��o de estruturas recorrentes nas falas e relatos, tornando-se poss�vel captar as rela��es de significados ou n�cleos de

103 sentidos, sendo associados a quatro temas principais que emergiram a partir dos relatos classificados em unidades de registro conforme descrito por Bardin (2009:129-130). A an�lise dos relatos individuais assim identificados permitiu estabelecer interrela��es entre os diferentes profissionais; tornando-se poss�vel efetuar infer�ncias e melhorar a compreens�o sobre a hist�ria e mem�ria dos profissionais que atuam na reabilita��o de cegos tardios. A cada uma das quatro unidades de registro tem�ticas identificadas atribuiu-se uma frase-s�ntese que referenciasse os significados dos relatos fornecidos. Tais unidades n�o esgotam a complexidade das informa��es presentes, nem com rela��o �s suas viv�ncias no dia a dia institucional, nem no que diz respeito � riqueza das hist�rias de vida pessoal. Foram selecionados e usados como ferramentas metodol�gicas para

nortear a constru��o do conhecimento, visando � consecu��o dos objetivos da pesquisa. A primeira unidade de registro tem�tico � cegueira: preconceito e estigma � cont�m elementos que remetem ao momento da chegada dos alunos e reabilitandos cegos, descrevendo como os profissionais os percebem, identificando o reconhecer-se cego, o aceitar-se cego e como lidar com a cegueira. � segunda unidade atribuiu-se o questionamento o que � reabilita��o de cegos tardios? � e nela s�o abordados os desafios enfrentados pelos profissionais que atuam com os cegos, entre a perspectiva da sa�de e da educa��o, em realidades muitas vezes perpassadas por contextos de pobreza e incertezas. A terceira unidade compreende as narrativas do contexto de forma��o e qualifica��o, apresentando os avan�os e as dificuldades enfrentadas pelas pol�ticas vigentes na educa��o profissional de cegos. A quarta e �ltima unidade trata do trabalho e emprego, contemplando aspectos vinculados a estas atividades nos �mbitos formal e informal, ou apenas exercendo uma a��o compartilhada. Apresenta-se tamb�m a organiza��o e o encaminhamento do trabalho por meio do banco de empregos para cegos no Rio de Janeiro. A atribui��o das frases-s�nteses foi precedida pela leitura cuidadosa de todas as entrevistas, de sua codifica��o em unidades de registro sem�ntico, da identifica��o da recorr�ncia desses elementos sem�nticos e do recorte e grupamento dessas unidades em grupos de mesmo significado, para posterior an�lise e infer�ncia. A tabela 4.1 sintetiza as unidades de significados que remeteram � codifica��o das frases-s�nteses:

104 Tabela 4.1. Elabora��o das frases-s�nteses de elementos recorrentes no relato dos entrevistados. Frases-s�nteses Cegueira: preconceito e emprego e estigma

O que �

reabilita��o de cegos tardios?

carentes, abandono, de montagem dif�cil, descartados, vida mecanizada, automatizada, sofrida informatizada

readapt�-lo, reinserir, informa��o

Forma��o e

Trabalho

qualifica��o poder de concentra��o

linha

chocam as pessoas benef�cio presta��o continuada, emprego

limita��es

habilidade manual

orienta��o mobilidade

apoiado,

empresa adaptada estigmatizada, impacto sucedido, advogados, muito forte, depress�o psic�logos, pedagogos e funcion�rios p�blicos colchoaria, estofaria, pena, d�, deboches vassouraria, empalha��o de cadeiras, encaderna��o, operadores de r�dio amador Nacional de depend�ncia, vergonha Motores, Empresa de Costeira, Ford Brasil, Gr�fica Mau�. aposentadorias, v�nculos falta, autoestima, trabalhistas, direito, desajustes inv�lidos

DATASUS, pr�-avalia��o, SERPRO, Tribunal de preconceito do Rio de Janeiro, concursos p�blicos,

seguran�a, independ�ncia,

suporte legal,

bem

aparato legal

confian�a

riscos,

gravadores,

impasses,

segmentado

rejei��o, lento

fragmentar F�brica

nova possibilidade, di�logo

aparato tecnol�gico, programas de

Navega��o

computadores

do

retomar, vida

forma��o, unidade,

nova, sentidos,

agrupados orientado,

estimulado

conviver IBGE,

reeducar, ver

qualifica��o,

com a m�o,

capacidade

compreens�o

oportunidades

Justi�a

capacidade intelectual

A an�lise das entrevistas apresentada a seguir foi realizada no �mbito de cada um das quatro unidades tem�ticas salientadas. Para compreens�o adequada da

exposi��o, antes da apresenta��o das entrevistas, foi realizada uma perspectiva

105 conceitual e explana��o da abordagem adotada, utilizando-se refer�ncias da literatura associadas � perspectiva conceitual do presente trabalho.

2. Cegueira: preconceito e estigma6

As pessoas imaginam o cego cercado por escurid�o e trevas. Jorge Luis Borges (1899-1986)7 apresenta sua cegueira atrav�s das cores. Fala de um mundo de cores que o cego tem. Aponta a dificuldade da aus�ncia do preto. A outra � o vermelho. Acostumado a dormir no escuro, viu-se por um longo tempo adormecendo num mundo de neblina esverdeada ou azulada, vagamente luminosa, pr�pria ao mundo do cego. Afirmava que o mundo do cego n�o � noite como se sup�e. Fala de si, do pai e da av�, que morreram cegos � "mas sorridentes e corajosos". Retrata uma heran�a comum: a cegueira, mas exalta a coragem de um viver (BORGES, 1980: 164). A cegueira n�o � um mundo negro. O cego vive num mundo indefinido de cores. "Vejo o vermelho como marrom. No meu caso ainda existe o amarelo, o azul e o verde". Revela uma modesta cegueira pessoal. Cegueira imperfeita. N�o atribu�a a si um car�ter dram�tico como muitos especulam. Segundo Borges (1980, 166), "mais dram�tico � o caso daqueles que perdem a vis�o repentinamente � como um raio fulminante ou um eclipse". Borges relata que a sua perda foi um lento crep�sculo que se iniciou quando come�ou a ver. A cegueira de Borges se iniciou quando nasceu. Mas durou mais de meio s�culo para se concluir. 6

O estigma configura uma institui��o social analisada por diversos autores, dentre os quais Erving Goffman. No seu significado original, "estigma" designava os sinais corp�reos que indicavam a inferioridade de car�ter ou fraqueza moral. O conceito � aplicado quando, de forma ampla, uma caracter�stica � observ�vel, sendo esta identificada a uma categoria de pessoas, passando a descrev�-las e interpret�-las como um sinal de falha oculta. As pessoas passam a ser reconhecidas pelo sinal. A ess�ncia do estigma consiste em refor�ar a diferen�a. A marca est� para al�m de sua evid�ncia, justificando uma permanente exclus�o. A pessoa passa ser a sua marca, indissoci�vel, indel�vel. Tal marca s� se apaga se o significante for reinterpretado como neutro e in�cuo ou se tornar socialmente invis�vel (GOFFMAN, 1982).

7

Poeta e intelectual argentino que, aos 50 anos, come�ou a perder a vis�o. Filho de fam�lia erudita, construiu sua vida intelectual nas muitas viagens, acompanhando o pai contra o avan�o da cegueira. "Quanto mais se inviabilizavam as pretens�es intelectuais paternas, tanto mais estridentes as ousadias do emergente veio autoral de Borges. Enquanto a orfandade precoce do pai lhe obrigara a arranjar desde cedo uma profiss�o que lhe garantisse a sobreviv�ncia, Borges foi tendo de lidar com uma esp�cie de orfandade diferida, na medida em que a cegueira paterna lhe infundiu um sentimento irrefre�vel de urg�ncia no tocante � defini��o precoce de uma voca��o liter�ria" (MICELI, 2007).

106

Uma outra declara��o expressiva sobre a condi��o de "ser cego" � fornecida por Dorina Nowill8. Ela afirma que, quando se fica cego, n�o s�o trevas que se v�em. Pontos luminosos caleidosc�picos se colocavam todos sempre em movimento. "Apenas percebo a cortina movimentada quando penso nela ou tento descrev�-la. De resto, ela n�o me perturba e nem sequer me lembro que ela existe". Quando ficou cega, procurou lembrar a si mesma que precisava enfrentar a palavra "cega". N�o enxergava. N�o podia ver. Sabia que todas as pessoas que perdem a vis�o evitam as palavras cego e cegueira. � uma realidade. A aceita��o dessas palavras significa a aceita��o de um estado definitivo, quando imut�vel. Entretanto, Dorina ensina que se deve educar para a vida. E esta, n�o � feita de momentos felizes apenas. � preciso educar o homem procurando fortalec�-lo para que tenha condi��es de aceitar frustra��es. Sem passividade nem conformismo. A esperan�a verdadeira tem um fundamento dentro de si; a ilus�o, por�m, � infundada. Ela jamais gostou de ser tratada como portadora de defici�ncia visual, preferindo ser uma cega portadora de uma causa (NOWILL, 1996:13). N�o se deve subestimar a aus�ncia de um sentido t�o caro. Entretanto, a cegueira passa a ser um estado normal n�o patol�gico; passa a ter um car�ter sombrio como resultado de experi�ncias sociais ruins refletidas nesse estado. Certa vez, uma rep�rter perguntou a Dorina Nowill, em entrevista, se ela sentiu seu mundo cair quando ficou cega. Ela respondeu: "� N�o. Eu apenas me senti cega"9. Hellen Keller (18801968), autoreferindo-se, afirmava que o maior problema que os cegos enfrentam � a "falta de vis�o dos seus amigos que v�em". Portanto, a convic��o de que a cegueira � um estado permanente nas trevas � err�nea. � um construto do universo dos videntes. Constitui-se em falso e ing�nuo simular o estado de cegueira. O cego cong�nito experimenta sua cegueira de forma natural e os videntes projetam suas percep��es sobre a cegueira dos cegos. Incluemse o pavor da priva��o da luz e do mundo que o cerca. O cego n�o se encontra envolto na escurid�o ou imerso nas trevas, nem tampouco se esfor�a para se libertar das

"sombras". 8

Perdeu a vis�o aos 17 anos. Cursando pedagogia, viajou para os Estados Unidos e concluiu seus estudos com uma bolsa da American Foundation for Overseas Blind na Teacher's College da Universidade de Columbia. Criou a Funda��o para o Livro do Cego no Brasil em 11 de mar�o de 1946. Ocupou importantes cargos em organiza��es internacionais de cegos. Foi Presidente do "Conselho Mundial para o Bem-Estar dos Cegos", hoje "Uni�o Mundial dos Cegos". Informa��o dispon�vel em: . Acesso em 16 de Mar�o de 2010. 9 Albuquerque, L. Aos 90 anos, rec�m-completados, a paulistana Dorina Nowill escreveu as primeiras p�ginas da hist�ria da inclus�o dos deficientes visuais no Brasil. Entrevista. Revista da Folha de S�o. 14 de junho de 2009. http://www1.folha.uol.com.br/revista/

107

Segundo Vigotski (1997: 79), o cego n�o tem necessidade org�nica de ver a luz. Sua necessidade � continuar participando da vida coletiva de modo que possa dar continuidade ao desenvolvimento de fun��es mentais superiores. A necessidade de ver � de quem enxerga. No caso dos cegos de ber�o, seu psiquismo se torna pr�tico e pragm�tico, elaborando particularidades como uma segunda natureza, n�o sentindo a diferen�a diretamente. A escurid�o n�o � uma realidade imediata para o cego, nem uma desgra�a como todos pensam. Passa a ser uma desgra�a quando a vida social lhe vira as costas. Quem perde a vis�o, j� tendo enxergado, experiencia uma seq��ncia cronol�gica de manifesta��es com distintas ordens de perdas. Diferentes �reas do saber se debru�am sobre essas manifesta��es, a construir apoio aos cegos. A cegueira s�bita, ao acometer a pessoa em plena atividade produtiva ou na adolesc�ncia, limita as rotinas e os atos f�sicos desempenhados de forma autom�tica. Rec�m cegos tamb�m descobrem o universo das opini�es de outras pessoas sobre a cegueira: opini�es preconceituosas, estigmas, mas tamb�m apoio de quem enfrenta a situa��o, e sobrevive. Buscam criar condi��es nas quais a situa��o de cegueira tardia suscita novas percep��es da realidade, novos entendimentos e autoconceitos e uma nova compreens�o do papel social que passam a desempenhar, de modo que possam reexaminar suas metas e objetivos de vida pessoais (ROBERTS, 1996)10. Acresce-se ao turbilh�o vivido pelo rec�m cego a sensibilidade, perspic�cia e forma��o dos profissionais que atuam na reabilita��o. Cada �rea de conhecimento, o

campo de atua��o � sa�de, educa��o, gest�o �, os dilemas institucionais e pessoais, a experi�ncia de vida particular dos profissionais, tudo isso se mistura e produz um olhar espec�fico sobre a cegueira e impactam na atua��o profissional refletindo na realidade do cego. Vigotski acentua que, os cegos com e suas cegueiras, cada um vive-a de forma espec�fica, distinta, e individualizada. Vivem segundo o ambiente sociocultural em que est�o inseridos. Mas, sentimentos sobre mart�rio, pena e piedade em rela��o ao cego n�o fazem parte de sua estrutura biol�gica. Est�o, na origem, vinculados a sensa��es de 10

Alvin Roberts dedica um cap�tulo de seu livro a descri��es sobre as fases vividas pelos cegos acidentais. Enumera as rea��es iniciais que envolvem o choque, a depress�o e a capacidade de verbaliza��o sobre o problema pelo rec�m-cego. A seguir apresenta as possibilidades de reorganiza��o e rotiniza��o da nova vida como forma de constru��o de objetivos futuros e enfrentamento de novas crises (ROBERTS, 1996).

108 pessoas videntes que as transmitem e n�o sediados no imagin�rio do cego. Portanto, a cegueira � uma situa��o particular para cada pessoa. N�o existem generaliza��es. Quem enxerga n�o possui alcance do que � a cegueira para um cego. � particular e �nica. A concep��o de mundo para cada pessoa que perde a vis�o � �nica. O mundo �. Mas a ideia do mesmo varia de pessoa a pessoa.

2.1. Conceitos e preconceitos

V�tor Rapoula Reino, psic�logo, perdeu a vis�o ainda jovem, um "mergulhar nas trevas da eterna noite...". Para ele as pessoas videntes, ao adotarem uma determinada atitude face aos cegos e � cegueira, se defrontam com seus fantasmas inconscientes, reagindo ao medo de se verem atingidas pelo que consideram o mais tem�vel dos males. Se a morte em diferentes culturas encerra um potencial simb�lico negativo, n�o ser� exagerado afirmar que a ideia de cegueira seja, em muitos aspectos, compar�vel a uma morte simb�lica (GUERREIRO, 2000: 45). Ao receio de perder a vista se associam fatores de natureza psicossociais mais ou menos estereotipados, que condicionam atitudes frente � cegueira, confundindo-se e

interpenetrando-se numa complexa rede que influencia decisivamente a gama de comportamentos sociais perante a aus�ncia do sistema sensorial visual. V�tor Reino realizou um estudo em que inquiriu sessenta diferentes professores sobre palavras associadas � cegueira. Prop�s a seguinte viv�ncia: "Pense, durante cerca de trinta segundos, o que lhe ocorre espontaneamente a prop�sito do termo cegueira. Em seguida, escreva duas palavras (ou ideias) que mais representem esse termo". A ideia era motivar uma situa��o de associa��o livre (resposta r�pida e pouco elaborada a um est�mulo verbal). Desta forma, obtiveram-se termos ou palavras-chave remetidas ao termo cegueira (REINO, 1992 apud GUERREIRO, 2000:45). O estudo foi aplicado em tr�s categorias de professores. O primeiro composto por vinte professores do ensino regular; o segundo constitu�do por vinte professores do ensino especial; e o terceiro por vinte pessoas cegas. As palavras sugeridas por cada grupo foram classificadas e analisadas em quatro categorias: palavras de car�ter estereotipado, palavras de resson�ncia emocional, respostas por racionaliza��o e respostas tipicamente subjetivas.

109

O grupo constitu�do por professores do ensino regular forneceu o maior n�mero de palavras classificadas, segundo a an�lise do pesquisador, como estereotipadas e de forte ideia estigmatizante sobre a cegueira como: "buraco", "escurid�o", "mundo de trevas", "nada", "pavor", "cat�strofe", "choque", "vazio". Coube ao grupo constitu�do por pessoas cegas as sugest�es de ideias e palavras que exprimiam estados ou condi��es concretas face ao mundo que as rodeia, como: "limite", "bengala", "apoio", "cor", "vis�o", "luz", "marginaliza��o", "mendicidade", "desemprego", "desvantagem". Houve outras categorias de classifica��o de palavras, denotando racionaliza��o, como "bengala", "glaucoma", "Braille", "apoio". E aquelas classificadas como subjetivas, incluindo-se "m�e", "homem", "rua". O autor da pesquisa refor�a que, tratando-se de uma situa��o de associa��o livre, o aparecimento das respostas acima traduz a influ�ncia de sentimentos ou atitudes pr�prios da individualidade psicol�gica de cada sujeito ou da sua idiossincrasia. Al�m disso, constitui uma base para importantes reflex�es sobre uma vasta �rea de problemas em torno dos significados psicol�gico, sociol�gico e semiol�gico da cegueira. O estudo de Vitor Reino revelou que a ideia de "escurid�o" associada � cegueira aparece de forma maci�a no primeiro grupo, significativa para o segundo grupo e apenas uma ocorr�ncia para o grupo composto de pessoas cegas. Tal estudo permitiu elencar o lugar-comum da incompreens�o sobre a cegueira pelos que v�em. Revela tamb�m como a palavra cegueira evoca rea��es de medo, temores e demais estados emocionais de profundo impacto, nas pessoas videntes. O autor sugere que ocorra a afirma��o do componente simb�lico que acompanhou a cultura humana em momentos passados, mas ainda enraizado em grupos que lidam com a quest�o em sala de aula. A cegueira tamb�m infunde em in�meras pessoas sentimentos de que os

cegos vivem possa como regra noite

�s escuras, s�o seres tristes e sem �nimo. Talvez como imagem liter�ria isso servir a escritores e jornalistas que se dedicam a estabelecer esta conduta geral e que exploram tais estere�tipos � exaust�o. N�o existe o mergulho numa eterna como estado permanente para os cegos.

No presente estudo, as entrevistas evidenciaram distin��es entre as id�ias e concep��es de cegueira para videntes e cegos. A perspectiva da cegueira no rol das defici�ncias remete para um "campo de bioidentidades criadas pela expectativa

110 socialmente constru�da" (TUNES, 2007: 53). A pessoa cega � reconhecida pela defici�ncia, instaurando uma desarmonia atribu�da a uma pseudoiner�ncia ao ser. Tal circunst�ncia, oriunda de um pr�-conceito, impossibilita qualquer rela��o dial�gica. Os trabalhos de Gordon W. Allport, em especial a obra A Natureza do Preconceito, auxiliam a compreens�o deste tratamento pr�-conceituoso em rela��o �s pessoas com defici�ncia, incluindo a cegueira. O autor, refer�ncia nas �reas de psicologia, antropologia, educa��o e sociologia, ao analisar as diferentes causas, os fatores socioculturais e a din�mica do preconceito em rela��o a determinados grupamentos humanos, afirma que a defini��o de preconceito sofreu mudan�as de significado em tr�s momentos desde o per�odo cl�ssico (ALLPORT apud CAVALCANTE, 2004): i. baseava

para os antigos, praejudicium queria dizer precedente, um conceito que se em decis�es e experi�ncias pr�vias;

ii. depois, em ingl�s, o termo recebeu o significado de um conceito formado antes do exame e considera��o dos fatos: um conceito prematuro, apressado; e, iii. ao pr�vio e

finalmente, o termo tamb�m adquiriu sua matriz emocional atual, aludindo estado de �nimo favor�vel ou desfavor�vel que acompanha esse conceito sem fundamentos.

O preconceituoso defende seu posicionamento de forma veemente, independentemente de sua consist�ncia e suas experi�ncias diretas pr�vias. Allport define o preconceito como uma atitude hostil ou preventiva que se faz a uma pessoa que pertence a um grupo, simplesmente porque pertence a esse grupo, supondo-se, portanto, que possui as qualidades objetivas atribu�das ao grupo. Esse preconceito pode ser positivo ou negativo11, dependendo das predisposi��es pessoais do sujeito que o emite, e pode apresentar grada��es e intensifica��es de efeitos danosos, desde o i. "falar mal", quando h� livre express�o de conceitos e ideias sobre fatos e pessoas, passando ao ii. "evitar contato" direto com o grupo que desagrada, tamb�m as iii. formas

11 Considerando-se o preconceito positivo como atitude preventiva conforme defini��o de Allport, pertence ao dom�nio do prejulgamento sem o devido crivo da raz�o ou elementos consistentes, n�o possuindo, pois, valida��o a priori. Determina, embora em menor grau, as mesmas conseq��ncias nocivas de uma pr� avalia��o inconsistente. O emissor de uma fala preconceituosa positiva, por exemplo, constr�i sua argumenta��o em terreno arenoso e sem fundamenta��o concreta, consistindo da mesma forma, inst�ncia danosa para o receptor.

111 discriminat�rias, com pr�ticas ativas de distin��o de pessoa ou grupo, at� as formas agressivas por iv. "ataque f�sico" e v. "exterm�nio". Allport salienta que preconceito n�o � discrimina��o. Para ele, a discrimina��o � uma das a��es preconceituosas negativas, com s�rias conseq��ncias sociais, mas n�o ultrapassa os campos de grada��o do "falar mal" e "evitar o contato" (ALLPORT apud CAVALCANTE, 2004).

2.2. Vivenciando o preconceito

As perspectivas apresentadas por Allport remetem a um preconceito em rela��o ao outro, que pode estar pr�ximo ou distante. Existe, no entanto, o preconceito nascido a partir das rela��es pr�ximas que os cegos estabelecem, mas que possuem como distintivos o sil�ncio (n�o existe um falar mal, muito menos di�logo...) e a clausura (as evid�ncias de um mundo de cegos e seus contextos familiares est�o fechadas em grupos distintos em um amontoado de pensamentos e a��es, cada qual para seu lado...). Esta constata��o esteve presente na fala de um dos profissionais cego, cuja narrativa se mostra: "respeito mais nada,

Os la�os s�o rompidos Porque perde-se, digamos assim, entre aspas, o familiar" porque agora � cego: "Ah, voc� agora � cego, n�o pode fazer tem que ficar sentadinho ouvindo o seu radinho". (PC1)

Para muitas fam�lias a cegueira � algo vergonhoso, que n�o se deseja exibir e sobre a qual n�o se quer falar. Dessa forma, desencadeiam-se comportamentos refletidos na pessoa que acabou de perder a vis�o, dificultando sua adapta��o. Isso

independe de classe social, g�nero e idade, verificando-se em todas as camadas da popula��o. A perda da vis�o repentina acarreta infort�nios ainda mais dr�sticos, uma vez que a fam�lia n�o sabe o que fazer, e nem a quem recorrer no primeiro momento, sendo comum ouvir-se que a primeira forma de preconceito nasce na pr�prio seio familiar:. Quer jantar na hora que

112 vontade informa��o

Muitos s�o descartados em casa. "Ah, voc� � cego tem que ficar aqui. agora?" Voc� janta a hora que voc� quiser, mas os reabilitandos jantam a gestora da casa quiser... (PC1)

O estigma de um modo geral come�a na pr�pria fam�lia. Nem sempre por pr�pria da fam�lia, mas sim por desconhecimento mesmo. � por falta de mesmo... (PC1).

Grande parte das pessoas adultas que procura atendimentos aos menores sinais de perda parcial da vis�o ou na cegueira s�bita, segundo informa��es das institui��es pesquisadas, est� acompanhada por algu�m que n�o integra sua fam�lia consang��nea. Este fato chamou-me a aten��o pelas conversas que travei em dois percorrendo os corredores do Benjamin Constant, quando conversava com muitos cegos desacompanhados de seus familiares. Nas entrevistas com os profissionais, confirmouse o que j� tinha sido verificado nas conversas com acompanhantes: acompanha, agarram a deixam seus filhos na

Muitos chegam at� aqui com acompanhante, porque a fam�lia n�o n�o quer saber. A maioria n�o tem apoio da fam�lia. Alguns ent�o se alguma religi�o, fazem amigos e um ajuda o outro. Alguns pais n�o entes fazerem nada em casa. Uns buscam ajuda muito tarde para os idade adulta, prejudicando o aprendizado... (PV4).

A partir da fala dos profissionais entrevistados, identifica-se que pode existir um preconceito originado no pr�prio seio familiar dirigido ao ente cego. PC1b relata a forte marca que a cegueira imp�e pelo desconhecimento do ocorrido. Os sentimentos de pena e d� permeiam o comportamento das fam�lias, fechando-as num imobilismo cujo tempo � imprevis�vel. Entre os pr�prios profissionais cegos os efeitos da cegueira s�o destacados. A �nfase no estigma da cegueira relatada por um deles ratifica a ideia de um preconceito do cego em rela��o � cegueira, embora admitindo que a aus�ncia da vis�o n�o inviabiliza a pr�pria vida:

a mais as pessoas, muito 80% das falta pessoa achar isso na

Mas o que acontece � que a defici�ncia visual ainda � das defici�ncias estigmatizada. � claro que, digamos, h� outras defici�ncias que chocam a defici�ncia visual embora n�o choque, �s vezes at� choque, mas ela � estigmatizada porque ela causa pena, ela causa d�. Exatamente porque informa��es que recebemos do mundo s�o via olho, ent�o no momento que esse sentido, esse ve�culo de comunica��o que � a vis�o, o normal � a que perdeu 80% da sua capacidade de viver, de interagir. Quando n�o � realidade... isso n�o corresponde � verdade (PC1).

As dificuldades enfrentadas pelos cegos em seus contextos familiares podem ser entendidas por meio dos relatos de quatro profissionais: dois videntes e dois cegos.

113 Na narrativa de PV1 e PV2 est�o presentes muitos elementos de forte carga emocional, apresentando um cen�rio onde existe tristeza, dor e ina��o: cheias de

S�o pessoas com condi��o de vida muito sofrida. Tem pessoas �s vezes

car�ncia, sabe, de toda esp�cie. A� acontece uma cegueira, isso tudo se intensifica. Ent�o a gente trabalha n�o o sujeito que ficou cego, mas esse sujeito que � pobre, que est� com dificuldade financeira, desajustes na fam�lia, que mora �s vezes em comunidade de risco (PV2). vergonha, � a

O sofrimento � muito grande. � o abandono, � a dificuldade, � a

pobreza, � a falta de possibilidades. (...). Ent�o tem muito sofrimento. PV1. Porque quando a pessoa fica cega, tudo que acontece na vida, ela culpa a cegueira. Por exemplo, o casamento vai mal, ficou cego, rompeu, mas rompeu porque estava mal. (...). � muito dif�cil, porque quando fica cego vem tudo � tona, quando aconteceu uma crise tudo vem � tona (PV1). A perda da vis�o na idade adulta n�o pode ser comparada a algu�m que nasceu cego. S�o muitos os problemas enfrentados pelo primeiro grupo. Os pr�prios cegos cong�nitos afirmam diferen�as entre a aceita��o da cegueira pelos cegos de "carteirinha" e o cego "avulso", jarg�o utilizado entre eles para distinguir as duas categorias.

No relato de PC4 s�o explicitadas as dificuldades de relacionamento no conv�vio de seus alunos com seus familiares. O profissional n�o se coloca no centro da rela��o, mas escuta e compreende os dilemas enfrentados no in�cio da adapta��o. A escuta dos dilemas colocados � compreendida por algu�m que j� vivenciou ou vivencia tais situa��es. Observa-se nas palavras do profissional PC4 uma abertura e um acolhimento para algo que � pr�prio de algu�m que se dirige a ele: Ensinava artesanato para pessoas que perderam a vis�o depois de

adulto. Esta

atividade tinha mais um car�ter de socializa��o do que de forma��o.

Muitas pessoas soltando e pessoa que

chegavam e me abra�avam e n�o diziam nada. Com o tempo, elas iam se uma queixa comum era a falta de aten��o e ajuda da fam�lia. Qualquer

perde uma condi��o aut�noma leva um tempo para readquirir a autoconfian�a. � uma coisa que s� quem passa sabe. Como eu tamb�m sou cego, elas tinham uma refer�ncia comum. Os alunos possu�am uma car�ncia muito forte (PC4). Uma mesma situa��o e seus respectivos conte�dos podem ser comunicados de muitas maneiras. O diferencial partir� do modo relacional estabelecido entre o

114 profissional e o cego, independentemente de o profissional ser cego ou vidente. � uma inst�ncia de encontro. A situa��o descrita acima compreende um modo relacional EuTu, no qual a perspectiva adotada pelo profissional atendeu ao apelo de um Tu que cobra uma resposta dirigida a ele. Os elementos para esse encontro est�o dados: a escuta e a disponibilidade para o di�logo. N�o h� interfer�ncias que se interponham � alteridade e � vulnerabilidade. N�o h� preconceito. Est�o postos os "fundamentos da vida �tica, do aprendizado e do exerc�cio de virtudes a ela vinculadas" (BARTHOLO, 2007: 45): compreens�o e um pouco de

� fundamental muito di�logo entre alunos e professores para confian�a. Pegar na m�o para saber qual o melhor tato. Precisa contar sua vida e abrir para um universo a compartilhar (PC3).

A narrativa de PC1 apresenta uma interpreta��o pessoal sobre a evolu��o do preconceito vivido pelos cegos e critica, posicionando-se n�o como profissional, mas no lugar ocupado pelo aluno/reabilitando, observando o modus operandi do profissional vidente endere�ado aos cegos. Aus�ncia de autonomia e a afirma��o de tutela est�o evidenciadas em seu relato: N�s sofr�amos muito com o pr�-conceito, hoje a gente sofre a pr�avalia��o. S�o as pessoas videntes que dizem o que a gente pode e o que n�o pode fazer. Isso n�o � evidentemente uma cr�tica ao processo ou �s pessoas, mas uma

cr�tica... (PC1). O relato acima identifica a nega��o da alteridade internalizada por algu�m que sofreu os efeitos do preconceito e de seus desdobramentos. � negada a possibilidade do exerc�cio do aprendizado e de virtudes pelo n�o reconhecimento do que � pr�prio do Outro. O desafio �tico que est� posto � vencer as predetermina��es em espa�os institucionalizados. Ao Outro � negado o face a face e o campo de rela��es aut�nticas. O lugar do incerto, do n�o sabido, do surpreender-se � dimensionado a priori. A afirma��o do outro como pessoa � substitu�do pelo j� vivenciado, parametrizado e sem o direito de correr riscos. Cada um possui um grupo com o qual se identifica e a que pertence. Existe a tend�ncia de sobrevaloriza��o do grupo a que se pertence, ocorrendo algumas intoler�ncias em rela��o a membros de outros grupos. A imposi��o de normas e regras pode ocultar uma intoler�ncia que mora ao lado do preconceito. Podem estar referidas �s melhores inten��es, mas exercem coer��o e levam � incompreens�o e desrespeito � livre decis�o do Outro enquanto sujeito. O preconceito pode decorrer de

115 incompatibilidades entre a atua��o do profissional e a alteridade da pessoa a quem a a��o est� dirigida. A ideia do que � bom ou ruim pode estar presa �s normas e proporcionar uma n�o escuta pelo profissional, desdobrando-se em condi��es impostas. O preconceito pode construir-se sobre o que nem foi pensado, mas apenas assimilado culturalmente ou plasmado em irracionalidades, emo��es e sentimentos. O preconceito, portanto, n�o tem origem na cr�tica, mas na tradi��o, no costume ou na autoridade. "O preconceito � uma opini�o n�o submetida � raz�o" (AROUET, 2002). Tamb�m o preconceito reflete a maneira como a sociedade lida com a natureza e o valor do indiv�duo, assim como pressup�e as rela��es inter-humanas. Alguns grupos que interagem com o cego desconhecem seu valor e negam sua participa��o social e sua dignidade humana, devido � preexist�ncia de valores concebidos sem o necess�rio crivo da raz�o ou pela aus�ncia de legitimiza��o a partir de situa��es concretas. O respeito � singularidade cede lugar � �tica individualista e discriminat�ria da pr�-avalia��o. A nega��o do preconceito requer uma aceita��o irrestrita da pessoa, de forma integral, n�o redut�vel a uma limita��o. O cego n�o pode ser visto como alienado, conformado e oprimido no mundo circundante. "O homem n�o � uma solid�o, mas s� existe na medida em que entra em rela��o", em que existe para os outros. Esta capacidade de existir ultrapassa viver, porque � mais do que estar no mundo. A capacidade ou possibilidade comunicativa com o mundo objetivo incorpora ao existir o sentido de criticidade que permite transcender, discernir e, principalmente, dialogar. "O existir � individual". Contudo, "s� se realiza em rela��o a outros existires", em comunica��o com ele (MOUNIER, 1964:38).

2.3. Aprendizados sobre preconceitos e estigmas

O di�logo humano n�o existe somente sob forma objetivamente capt�vel em signos como o som e o gesto. Buber considera que, em suas formas mais elevadas, ele transcende (mas n�o no sentido de um acontecimento m�stico) os limites dos conte�dos comunic�veis, permanecendo, no entanto, inserido no mundo comum dos homens e na seq��ncia temporal concreta. Para Buber, o homem acaba, pelos seus h�bitos, construindo uma prote��o � uma coura�a � que deixa sua alma esterilizada face aos instantes em que os signos a incitam � receptividade. Somente no "voltar-se-para-o-

116 outro" � que o Eu est� em "aus�ncia de reservas" e assim se permite a transforma��o da comunica��o, elemento constituinte de todo di�logo humano, em comunh�o, que � a corporifica��o da palavra dial�gica (BUBER, 1982: 37). O que o homem recebe no encontro � a for�a da concretude de um Outro com toda a sua alteridade. Essa for�a est� para al�m de qualquer face espa�o-temporal da exist�ncia, � algo que ele n�o conhece e n�o controla, mas "acontece" a ele, acrescentando-se-lhe e passando a constitu�-lo em ess�ncia, formando-o como pessoa. "A verdade � que recebemos algo que n�o possu�amos antes e o recebemos de tal modo que sabemos que isto nos foi dado". Esse algo promove nossa vincula��o � vida, tornando-a pesada de sentido. (BUBER, 1979: 127). "Viver � ser alvo da palavra dirigida". (BUBER, 1982: 43) � estar aberto ao di�logo. Os limites de possibilidades da dialogicidade humana, em que se d� a recep��o da pessoa � do Outro � n�o dependem nem de uma atitude de observa��o, que capta e acumula tra�os do real pela concentra��o, nem de uma atitude de contempla��o, que espera que a apresenta��o do real se d� a ele. Os limites para a condi��o dialogal s�o os limites da tomada de conhecimento �ntimo. E esse conhecimento � uma forma de percep��o que exige reciprocidade da a��o interior, pois no encontro acontece uma palavra que exige resposta. A resposta aqui referida pressup�e responsabilidade de algu�m a quem se dirige e se deve prestar contas do confiado. O estabelecimento de rela��o de confian�a e abertura para o di�logo � a chave para o atendimento numa resposta verdadeira. O contato deve ser constru�do desde um lugar de ajuda m�tua e reconhecimento do que � pr�prio do Outro. O di�logo pode ser t�cnico e contemplar "existires". Mas o que importar� verdadeiramente ser� a plenitude do compromisso assumido no encontro. A expectativa desse encontro estar� enraizada na constru��o compartilhada de saberes e pr�ticas para profissionais e os cegos.

Existe um campo de desconfian�a no lidar com o deficiente. O profissional cego credita ao profissional vidente uma tutela, mas existem cr�ticas de profissionais videntes ao modo de atuar dos profissionais cegos: Hoje muitos professores de cegos (a maioria) s�o videntes... 80%... . Nada contra os videntes... Mas 80% sendo bonzinhos... Na minha visit�vamos uma empresa acompanhados de um psic�logo, assistente social que fosse... .Quando cheg�vamos,

117 assim. e fala:

o cara colocava um motor na m�o da gente e se vire � "� funciona assim e V� o que voc�s conseguem fazer". E a gente dava conta. Hoje o vidente v� N�o. � muito perigoso! (PC1)

Aqui se expressa uma cr�tica do profissional cego ao vidente, atribuindolhe o papel de bonzinho. � poss�vel caracterizar o fragmento na grada��o categorizada como "falar mal" segundo perspectiva apresentada por Allport. A cr�tica formulada se apoiou no car�ter impeditivo da experimenta��o em nome de um "cuidado" est�ril. A� come�a, a� vem, a� o professor tem que ler a prova, a prova oral, e a� a tend�ncia dele foi de tanto artif�cio que a� eles foram se acomodando de tal ponto e como estudante ... n�o cabe. N�s n�o podemos facilitar, porque na medida em que est� facilitando, voc� est� ... o potencial desses sujeitos � o mesmo (PV2). No fragmento acima atitude do profissional cego. Nela aprendizagem, que, segundo desenvolvimento ao contato

est� evidenciada a cr�tica do profissional vidente � est� impl�cita uma "facilita��o" do processo de a l�gica dos profissionais videntes, � nociva ao com o Braille.

O preconceito em rela��o � cegueira � fato, est� pr�ximo e em alguns casos est� presente no profissional que atua junto ao cego. Pertence a um conjunto de elementos cultivados e renovados de forma consciente ou inconsciente no dia a dia daqueles dos quais deveria estar ausente. � reprodut�vel em todas as inst�ncias em que conceitos e valores se corporificam no pensar e agir. Remete a um campo de complexidades de experi�ncias individuais e coletivas nas quais o preconceituoso est� inserido. Sofre a a��o do lugar onde o conhecimento t�cnico cient�fico est� ancorado, mas fundamentalmente se vincula � experi�ncia de vida vivida pessoal. Os relatos do PC4 est�o em sintonia com as ideias de Martin Buber. � poss�vel o compartilhar de experi�ncias remetendo a um campo de modos relacionais distintos. A forma Eu-Tu est� presente a partir do momento do encontro no qual quem escuta

est� ciente dos dilemas que infunde quem fala. Por outro lado, assiste-se com mais frequ�ncia a modos relacionais Eu-Isso, fundamentados na experi�ncia do profissional isento de uma perspectiva dial�gica aut�ntica. Existe algu�m que fala e outro que escuta. O que se experiencia � sempre um Isso ao atribuir um leque de categoriza��es e generaliza��es (BUBER, 1979:12). O relato de PC4 a partir de sua viv�ncia com alunos cegos retrata a viv�ncia rec�proca, embora n�o implicando simetria, como � poss�vel observar. � algo n�o 118 planejado pelo profissional: acontece, desde que o outro seja visto em sua totalidade. Aqui ocorreu uma disponibilidade, condi��o pr�via para o consentimento. Este consentimento permitiu em sua dire��o a morada acolhedora, condi��o autenticamente humana.

3. O que � reabilita��o de cegos tardios?

Reabilitar pressup�e a restitui��o de uma condi��o anterior. Significa agir ou recuperar uma capacidade f�sica, intelectual, moral, profissional, psicol�gica. � conceituado tamb�m como recupera��o12. A reabilita��o abrange um conjunto de pr�ticas e opera��es metodol�gicas, variando seu campo de atua��o em fun��o da �rea e disciplina dedicada a ela. Tamb�m diz respeito ao restabelecimento de diferentes sistemas do corpo humano no plano som�tico, ps�quico e sens�rio. A reabilita��o tamb�m � tratada no campo funcional da pessoa, quando referida a uma condi��o de trabalho que se deseja restabelecer. Sua refer�ncia mais antiga e mais abrangente se aplica ao campo fisiol�gico, na recupera��o de partes do sistema motor. A reabilita��o � orientada por pr�ticas e servi�os do campo das ci�ncias da sa�de, humanas, sociais e mais recentemente das exatas. No campo da sa�de, liga-se � necessidade de diagn�stico, de tratamento e de prescri��o de medidas preventivas e curativas, na humana e social; ao desenvolvimento de novas habilidades da pessoa e � adequa��o de condi��es ambientais. No campo das ci�ncias exatas, pressup�e a concep��o e elabora��o de suportes t�cnicos, equipamentos, materiais e servi�os compat�veis e �teis ao bem-estar dos indiv�duos (COOK & HUSSEY, 2002). O processo de reabilita��o n�o se vincula a uma �nica �rea espec�fica do conhecimento, e tampouco existe uma teoria da reabilita��o. Como campo de estudo, admite, de forma concomitante, a contribui��o de diferentes disciplinas. Em decorr�ncia, estabelece-se um �mbito de pesquisa e de produ��o tecnol�gica multidisciplinar, em que se situam aportes te�ricos e emp�ricos, fragmentados e diversificados, concorrentes e complementares, cujo fim destina-se � consecu��o de um

projeto comum. Tais pr�ticas podem envolver um conjunto de a��es que ocorre por 12

Dicion�rio Houaiss. Dispon�vel em: . Acesso em 25 de Janeiro de 2009.

119 meio da compatibiliza��o ou conflitos de conhecimentos tecnocient�ficos que pertencem a diferentes categorias profissionais (VOGTLE at al, 2000; CARAYON, 2006; ERIN, 2008). Disso resulta que a pr�tica da reabilita��o pressup�e uma perspectiva multiprofissional, plurissetorial e multifacetada, na qual cada profissional de cada lugar emite seu "parecer" sobre uma face espec�fica do problema humano. Desde a d�cada de 1960, apontam-se, al�m do m�dico, os fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudi�logos, psic�logos, enfermeiros e assistentes sociais como os profissionais indispens�veis � reabilita��o (RUSK, 1964; KRUSEN, 1971; GUTMANN, 1975). Outros discutem a import�ncia de se agregar � equipe nutricionistas, pedagogos e t�cnicos desportivos para diagnosticar e propor solu��o parra os problemas humanos (LOUREN�O et. al, 1995; WARD, 2006). A reabilita��o, como norma legal dentro de uma pol�tica de equipara��o de oportunidades, surge no Brasil pelo Decreto 3298/99 que regulamenta a Pol�tica Nacional para a Integra��o da Pessoa Portadora de Defici�ncia. Por este dispositivo considera-se reabilita��o: o processo de dura��o limitada e com objetivo definido, destinado a permitir que a pessoa com defici�ncia alcance o n�vel f�sico, mental ou social funcional �timo, proporcionando-lhe os meios de modificar sua pr�pria vida, podendo compreender medidas visando a compensar a perda de uma fun��o ou uma limita��o funcional e facilitar ajustes ou reajustes sociais (BRASIL, 1999). As medidas compensat�rias envolvem uma "reabilita��o integral", entendida como o desenvolvimento das potencialidades da pessoa deficiente, facilitando sua atividade laboral, educativa e social; forma��o profissional e qualifica��o para o trabalho; escolariza��o em estabelecimentos de ensino regular com a provis�o dos apoios necess�rios, ou em estabelecimentos de ensino especial; orienta��o e promo��o individual, familiar e social. A reabilita��o profissional de trabalhadores acidentados em ambiente de trabalho se encontra na legisla��o brasileira desde 1943, a cargo dos institutos de aposentadoria e pens�o (IAPs). Nas d�cadas de 1960 e 1970, ocorre a cria��o dos Centros de Reabilita��o Profissional (CRP) nos centros urbanos e os N�cleos de Reabilita��o Profissional (NRPs) em cidades de menor porte.

120

A pessoa com defici�ncia adquirida, benefici�ria ou n�o do regime geral de previd�ncia social, tem direito �s presta��es de habilita��o e reabilita��o profissional para capacitar-se a obter trabalho, conserv�-lo e progredir profissionalmente. Segundo o decreto, entende-se por habilita��o e reabilita��o profissional o processo orientado a possibilitar que a pessoa deficiente, a partir da identifica��o de suas potencialidades laborativas, desenvolva as condi��es necess�rias para ingresso ou reingresso no mercado de trabalho (BRASIL, 1999).

3.1. A reabilita��o em seus aspectos funcionais

Os programas de reabilita��o espec�ficos para pessoas com defici�ncia visual no Brasil tiveram in�cio em 1957, por iniciativa da Funda��o para o Livro do Cego no Brasil, hoje Funda��o Dorina Nowill em S�o Paulo. Contou com a parceria da Organiza��o Internacional do Trabalho (OIT), embora antes dessa data, desde 1930, j� existisse a Cl�nica Escolar Oscar Clark, mais tarde Instituto Oscar Clark, refer�ncia em medicina f�sica como ser� apresentado adiante. No ano de 1960 foi criado o primeiro Centro de Reabilita��o para pessoas com defici�ncia visual na pr�pria Funda��o Dorina, sendo desenvolvidos programas que contavam com uma equipe multidisciplinar (De MASI, 2002). Nos anos que se seguiram, a reabilita��o de cegos tardios se tornou uma pr�tica inclu�da no rol dos programas sob a �gide da seguridade social e da educa��o. No primeiro caso, s�o atendidos os trabalhadores com v�nculo empregat�cio, acometidos por uma condi��o incapacitante relacionada � vis�o que os impossibilita de dar continuidade ao trabalho. Por isso, s�o aposentados por invalidez e encaminhados para os Centros de Reabilita��o Profissional (CRPs) vinculados ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS)13, onde come�am sua peregrina��o em fun��o do sucateamento e da car�ncia de atendimentos e servi�os. Como aponta TAKAHASHI & 13 Os aposentados por invalidez ou aposentadoria especial que em atividade laborativa, tenham reduzido sua capacidade funcional em decorr�ncia de doen�a, acidente de qualquer natureza ou causa, al�m de benefici�rio em gozo de aux�lio-doen�a, acident�rio ou previdenci�rio, s�o avaliados e encaminhados para reabilita��o profissional nos n�cleos do INSS. Em alguns casos s�o orientados a procurar institui��es especializadas para ingressarem em programas de reabilita��o, como no caso dos cegos. Para os n�o contribuintes da previd�ncia n�o existe obrigatoriedade por parte do INSS no fornecimento dos servi�os de reabilita��o profissional, "ficando condicionado �s possibilidades administrativas,

t�cnicas, financeiras e �s caracter�sticas locais" para a presta��o de servi�os. (Instru��o Normativa/INSS, 2007)

121 IGUTI (2008), em 2000 os CRPs e NRPs foram desativados e substitu�dos pelo Programa Reabilita, subprograma de atendimentos prestados nas ag�ncias da Previd�ncia Social. As institui��es de educa��o, como o Instituto Benjamin Constant, respons�vel pela pol�tica de educa��o de cegos, forma��o de professores de classes de alfabetiza��o e de apoio, viram crescer a procura por atendimentos de pessoas com baixa vis�o e cegueira adquirida na idade adulta, a partir da d�cada de 1980. Por certo, tal crescimento se vincula � redu��o dos servi�os oferecidos nos CRPs e NRPs, "inchando" institui��es direcionadas � educa��o de cegos cong�nitos. Ou seja, quando a condi��o incapacitante est� relacionada � vis�o, mais cedo ou mais tarde a pessoa acaba sendo encaminhada para institui��es que possuem programas espec�ficos relativos ao acometimento incapacitante; em alguns casos, contudo, desprovidas de condi��es de atendimentos espec�fico, tendo em vista a institui��o n�o possuir esse foco de atua��o. Os programas de reabilita��o de cegos tardios, tanto na perspectiva profissional quanto educacional, se apresentam r�gidos e modelares, reduzindo os alunos ou reabilitandos a benefici�rios dos servi�os e objetos da a��o terap�utica, pouco flex�veis �s experi�ncias e aos percursos de vida particulares. Os participantes dos programas n�o s�o identificados em suas singularidades, mas em rela��o � sua patologia, reduzindo ao mesmo n�vel hist�rias e lugares distintos, fornecendo os mesmos treinamentos, como o ensino do Braille, o uso de bengalas e atividades da vida di�ria incompat�veis com a vida antes da cegueira. Essas prescri��es s�o impostas de forma pouco discriminada, sem que se realize uma consulta aprofundada sobre a realidade e expectativa do rec�mcego (ALMEIDA, 2000). Nos programas em quest�o vigora a representa��o do "reabilitando ideal" que "aceitou" a cegueira, estando, portanto, apto �s prescri��es institucionais. Outra quest�o � o aspecto motivacional, condi��o indispens�vel ao bom andamento dos trabalhos, trazendo aos reabilitandos recupera��o inequ�voca e aplica��o profissional. A fam�lia � fundamentalmente co-part�cipe do processo, sem a qual as a��es se frustram. Sem este conjunto de prerrogativas n�o h� o que reabilitar. V�rios autores, contudo, reiteram o papel da fam�lia no processo de adequa��o � nova condi��o, significando na pr�tica a

continuidade dos trabalhos da institui��o no ambiente dom�stico para o bom andamento do processo (KRUSEN et. al, 1971; ALMEIDA, 2000).

122

Os cegos cong�nitos constroem sua base sensorial nos elementos dos sentidos remanescentes, sem refer�ncia a elementos visuais. Cegos precoces s�o aqueles que perderam a vis�o entre seis meses e um ano de idade, tamb�m n�o guardando refer�ncias imag�ticas. Como o diagn�stico da cegueira pode n�o ser imediato, existem diferentes graus de percep��o visual, que v�o desde feixes de luz coloridos ou brancos opacos, at� vis�es deformadas que n�o permitem a identifica��o de objetos, pessoas ou lugares. Al�m disso, existe a quest�o de a perda visual ter sido s�bita ou gradativa, estendendo-se esta �ltima, em alguns casos, por anos, de forma progressiva (KASTRUP, 2007). Dentro de cada �ngulo, conceito e �rea do conhecimento, existem diversas possibilidades de di�logos interdisciplinares. Tomando-se como refer�ncia, para uma an�lise mais detida, a pessoa que acabou de ficar cega, � importante identificar a fase em que ocorre a perda � na adolesc�ncia, j� adulta ou na terceira idade � e o modo como a perda se deu: s�bita ou gradativa. V�rias combina��es de condi��es do sujeito requerem estudos com especificidades distintas. Assim, os efeitos da perda da vis�o dependem da idade do acometimento, a forma com que se instala (gradativa ou s�bita) e as condi��es socioculturais da pessoa (contexto familiar e profissional) antes da ocorr�ncia da cegueira (AMIRALIAN, 1997:67).

3.2. O que os profissionais nos relatam sobre a reabilita��o?

Embora o Instituto Benjamin Constant possua 155 anos de atividades voltadas � educa��o de cegos cong�nitos, sua atua��o na �rea de reabilita��o surgiu formalmente em 1994, sendo criada a Divis�o de Reabilita��o, embora a procura por atendimentos desta natureza j� crescesse de forma significativa desde 1988. Ao longo da d�cada de 1990, houve aumento de atendimentos na Divis�o de Reabilita��o, Prepara��o para o Trabalho e Encaminhamento Profissional (DRT) do IBC. A institui��o, que apenas fornecia atendimentos para seus alunos cegos cong�nitos, viu-se, em pouco menos de vinte anos, atuando em um segmento para o qual ainda n�o possu�a recursos humanos com forma��o diferenciada, nem equipamentos para suporte aos diagn�sticos.

123

Este aumento, segundo informa��es obtidas no pr�prio IBC, � atribu�do a uma pol�tica de comunica��o da institui��o e aos movimentos de inclus�o social, fazendo que mais pessoas buscassem orienta��es em centros de refer�ncias em defici�ncia visual. Paralelamente, a formaliza��o de patroc�nios junto a grandes empresas possibilitou a montagem de ambulat�rios e aquisi��o de equipamentos para diagn�sticos, acompanhamentos e interven��es cir�rgicas. A necessidade de amplia��o nas instala��es m�dicas surgiu a partir do desafio da alta procura, implicando a elabora��o de diagn�sticos e atendimentos diferenciados, dada a complexidade de patologias e quadros cl�nicos vinculados �s causas de perda da vis�o. Some-se a isso a cria��o de uma resid�ncia em oftalmologia no IBC, que se tornou refer�ncia no Rio de Janeiro. Os pr�prios profissionais das redes p�blicas de atendimentos nas �reas da sa�de e educa��o come�aram a encaminhar pacientes e alunos ao IBC, aumentando ainda mais o fluxo de procura. A eleva��o do n�mero de idosos pela melhoria da qualidade de vida, a refer�ncia no diagn�stico de problemas visuais e os encaminhamentos da rede p�blica de sa�de e educa��o de v�rios munic�pios do estado Rio de Janeiro e at� de outras unidades da federa��o elevaram o contingente atendido na DRT. A Tabela 4.2 sintetiza o crescimento da procura por atendimentos de reabilita��o por pessoas com cegueira repentina ou em progress�o no Instituto Benjamin Constant. O contingente anual de matriculados apresenta tr�s tipos de v�nculos com a institui��o: novos reabilitandos, rematr�culas de cegos que iniciaram o processo em anos anteriores e avulsos. Os avulsos s�o caracterizados dessa forma porque apresentam demandas por treinamentos ou desenvolvimento de alguma habilidade espec�fica. A institui��o atua em "carga m�xima", pois seu limite de capacidade de atendimento � de 500 pessoas, divididas em dois turnos de segunda a sexta-feira, com atividades de quarenta e cinco minutos de dura��o cada. A efetiva��o da matr�cula dos rec�m-chegados ao programa de reabilita��o segue um procedimento sistematizado. Num primeiro momento, a pessoa cega, ou em processo de perda da vis�o, � avaliada em suas condi��es cl�nicas gerais, quanto � patologia relacionada � perda progressiva da vis�o e em seus aspectos psicol�gicos. Neste momento, a fam�lia tamb�m � atendida pela assist�ncia social, sendo, a seguir, montado um plano de trabalho que envolve as atividades: i. desenvolvimento de

124 habilidades b�sicas, ii. aprendizado do Braille, iii. atividades de vida di�ria, e iv. orienta��o e mobilidade. Essas atividades n�o ocorrem necessariamente nesta ordem. Tabela 4.2. Procura por atendimentos de reabilita��o por pessoas com cegueira repentina ou em progress�o. Matr�culas na Reabilita��o no Instituto

Benjamin Constant Per�odos (anos)

N�mero de matr�culas

1990-1999

326

2002

152

2006

132

2007

405

2008

432

2009

428

Fonte: Elabora��o pr�pria a partir de entrevistas e pesquisas no acervo do Instituto Benjamin Constant. Um dos profissionais entrevistados apontou para a necessidade de liberdade e autonomia do reabilitando na escolha de atividades, como, por exemplo, a op��o em aprender ou n�o o Braille, n�o se devendo "amarrar" ao processo de reabilita��o seu aprendizado. Afirmou que se deve respeitar a vontade do cego em n�o querer aprender: sobretudo uma

n�o � pelo fato de a pessoa ser cega que ela tem que saber Braille, as que perderam a vis�o quando adultas. O Braille tem que ser para eles op��o... n�o uma obriga��o (PC1).

Em rela��o � produ��o de material did�tico especializado utilizado nas aulas, observa-se a dificuldade de se encontrar bons revisores para as obras em Braille, determinando erros crassos nos livros distribu�dos aos alunos e professores e fazendo com que os �ltimos aprovem os primeiros sem que nem um nem outro saibam ler corretamente. Outro ponto negativo � o acesso �s obras nas bibliotecas, porque h� pouca disponibilidade de livros transcritos. No Rio de Janeiro, o munic�pio � encarregado pela 125 forma��o at� o 9� ano e desenvolve materiais para suas classes. Se o aluno desejar prosseguir seus estudos no n�vel m�dio, j� encontra escassez de obras, o que restringe a continuidade de sua forma��o. Outra quest�o apontada pelos profissionais entrevistados � a dificuldade de di�logo quanto ao estabelecimento de um plano de atividades para pessoas que chegam �s institui��es com demandas determinadas. Ocorre a procura por treinamentos e capacita��es focadas em necessidades mapeadas pelos pr�prios cegos. Estas solicita��es esbarram em quest�es burocr�ticas, n�o sendo atendidas em nome de um "planejamento" definido, mas existem diverg�ncias entre os profissionais. PC5 cr� na

necessidade de uma pessoa cega defender seu pr�prio plano de reabilita��o e constru�-lo de forma conjunta com os profissionais da reabilita��o: Braille.

um professor que entrou junto comigo e que ficou cego tarde n�o sabia

Perguntou como poderia aprender o Braille. Enviei para a reabilita��o. Ele teria que entrar para a reabilita��o e fazer todo o processo.... J� sabia ler e escrever normal. Como ele ainda tinha res�duo visual, falaram que ele teria de se matricular na reabilita��o e aprender toda aquela forma��o de orienta��o, �til � claro, para a� aprender Braille (PC5). Numa mesma institui��o, h�, entre os profissionais entrevistados, discord�ncias de procedimentos quanto ao planejamento das atividades de reabilita��o, em rela��o aos cegos que j� possuem uma forma��o/escolariza��o antes de perder a vis�o e que chegam com interesses mapeados. Opini�o compartilhada tanto por profissionais cegos quanto videntes � a facilita��o do aprendizado para o cego, fato que, em alguns casos, mais prejudica do que auxilia a sua forma��o: Quando cheguei � institui��o onde atuo, as provas para os cursos profissionalizantes eram todas em Braille. Os professores que ensinavam o Braille sabiam o Braille. Hoje, muitos professores n�o sabem Braille nem para eles, que dir� para ensinar... . Facilitam lendo as provas ou gravando para os alunos executarem em casa...fazendo a exce��o virar a regra. (PC5). que n�s ampliada, vem o ent�o o

...na pr�tica nos curso de massoterapia que � o curso profissionalizante oferecemos a gente sempre pergunta: quem � baixa vis�o usa escrita quem � cego, Braille. Ou isto ou aquilo. Voc� precisa do Braile. Ent�o professor com tantos artif�cios, leitura oral da prova, por exemplo, e

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alunado de tanto artif�cio se acomoda a tal ponto que n�o querem aprender o Braille mais.... N�s n�o podemos facilitar! (PV2) Outra quest�o que define o interesse pelo Braille � a exist�ncia de um objetivo para seu aprendizado. Para os mais jovens, que desejam continuar suas atividades escolares ou laborais, ele � importante. Mas, para os idosos ou quando n�o existe a

necessidade clara de sua aplica��o, n�o h� interesse em aprend�-lo. Os avan�os tecnol�gicos reduziram ainda mais o interesse pelo aprendizado do Braille entre os cegos tardios. � preciso avaliar o sentido do aprendizado de uma t�cnica. Deve ser �til a partir desse momento. Do contr�rio, perde-se o est�mulo e a motiva��o, apontados como marcas dos rec�m-cegos. A falta de interesse adv�m da conjuga��o desses fatores. Aprender para qu�? Aplicar onde? Quando se perde a vis�o, tem-se que desenvolver a capacidade de prestar

a aten��o,

"ver com a m�o" Pegar a vis�o da lembran�a e transpor para o tato. A

maioria dos entre 20 e

alunos est� acima de 40 anos. Alguns acima de 70 anos. Os jovens est�o

38 anos. Adultos mais velhos acima de 65 anos t�m dificuldades e falta de interesse em aprender o Braille, diferente dos jovens que precisam estudar e aprender (PV3). O Braille � importante, d� autonomia, mas hoje em dia a inform�tica veio complementar o Braille. N�o precisa pedir os outros para ler. Hoje os computadores l�em (PC2). Os relatos dos profissionais que ensinam o Braille, etapa seguinte ao dom�nio das habilidades b�sicas, permitem identificar resist�ncias e desist�ncias no aprendizado com rela��o �s dificuldades desta t�cnica. As opini�es dos profissionais cegos e videntes se dividem. Para PC2, PC3 e PV3 "... o Braille � �rduo e anal�tico e a maioria dos reabilitandos n�o aprende. Mas n�o aprendem porque s�o incapazes ou porque n�o querem". � apontada a mudan�a de treinamento de um sistema cursivo de leitura e escrita � caneta para um sistema de pontos. A escrita e leitura linear s�o colocadas como habilidades que permitem a perspectiva sint�tica, diferentemente do sistema Braille que n�o d� no��o de conjunto e parte do anal�tico para o sint�tico. Outros profissionais, PV4, PC4, PV6, que trabalham com ensino de Braille argumentam a import�ncia do aprendizado dessa t�cnica pelos cegos, sejam eles adquiridos ou cong�nitos. Apontam que o problema � que muitos professores n�o sabem o Braille. E como v�o ensinar? Para PV5 e PV6 o aluno que sabe Braille melhora o seu desempenho na utiliza��o do computador, ajudando ainda mais a forma��o, "mas

127 aquele que n�o sabe � uma falsa impress�o de que sabe alguma coisa e � tudo de ouvido... vai gravar o que ouve, depois esquece...". Segundo PC4, hoje existem muitos m�todos de ensino do Braille: Muitos deles criados por pessoas videntes. O que � um fator facilitador para os que enxergam, pode n�o ser para um cego. O gravador tinha o problema que o cego

algumas

aprendia pela audi��o, mas n�o sabia escrever nada, o que ocorre com pessoas que dominam o computador, mas n�o escrevem uma linha (PC4).

Ao tomar conhecimento do "plano de reabilita��o" e suas atividades, naturalmente, afloram no matriculado a realidade da cegueira e a inseguran�a quanto aos exerc�cios propostos, ocasionando novas desist�ncias ou resist�ncias na execu��o do plano. Para PC1, os procedimentos-padr�o engessam e impossibilitam uma diferencia��o ou criatividade no exerc�cio das atividades. N�o h� como ensinar uma atividade de vida di�ria (avd) completamente estranha e n�o praticada anteriormente pelo cego: vai para um qu�? Arroz, eles dizem. que eles

Voc� pega uma pessoa, digamos, um motorista, ele perdeu a vis�o, ele centro de reabilita��o e mete ele no avd. E no avd ele vai fazer o feij�o... . Ent�o a atividade da vida di�ria n�o � cuidar da casa como Atividade da vida di�ria � recuperar, na medida do poss�vel, as coisas faziam antes... com limita��o... mas � isso! (PC1)

Para algu�m que perdeu ou est� em vias de perder a vis�o, a submiss�o na execu��o de uma tarefa completamente desconhecida de sua rotina provoca sentimentos confusos sobre suas reais necessidades e sobre o sentido da proposta de reabilita��o. � preciso, no caso exemplar de, por exemplo, um motorista, saber dele quais atividades deseja retomar, que necessidades e limites adequar, ajustando a vontade �s reais possibilidades. Isto efetivamente readapta o indiv�duo numa nova condi��o. O mesmo racioc�nio pode ser aplicado ao desenvolvimento de habilidades b�sicas. Este treinamento � indicado numa fase anterior ao aprendizado do Braille. Destina-se ao exerc�cio da sensibilidade t�til, usando materiais de diferentes texturas e formas para treinamento para o novo contato com o mundo tang�vel. Fatores fisiol�gicos em alguns indiv�duos impedem o bom desenvolvimento dessa habilidade. � o caso de trabalhadores da ind�stria pesada que, por terem as m�os desgastadas pelo trabalho rude, apresentam dificuldades impeditivas de contarem com a sutileza ou delicadeza t�til. Dificuldades desta natureza tamb�m s�o comuns ao grupo de pacientes

128 diab�ticos que, pelos muitos testes de glicose realizados ao longo da vida, possuem sensibilidade reduzida nas pontas dos dedos e, com isso, baixa capacidade de percep��o de texturas semelhantes, por�m distintas (PV2).

3.3. Algumas reflex�es sobre a reabilita��o de cegos tardios

As a��es de habilita��o e reabilita��o abrangem aspectos f�sicos, ps�quicos,

sociais e educativos. Devem estar ancoradas em tr�s premissas b�sicas: a autonomia, a intera��o e a participa��o. A autonomia se relaciona com os cuidados pessoais, a comunica��o interpessoal e a possibilidade de ir e vir, deslocando-se de forma independente. A intera��o est� ligada ao desenvolvimento de possibilidades individuais e � compreens�o de c�digos e s�mbolos que se estabelecem na linguagem verbal, ou de sinais no �mbito da comunica��o social, verificadas nos espa�os de seu cotidiano, como fam�lia, escola, comunidade, igreja ou clube. A participa��o se imbrica nas atividades pr�prias da idade de cada pessoa, vinculando-se � vida escolar, profissional e comunit�ria. As necessidades de cada pessoa devem ser constru�das a partir da abertura de canais de escuta por parte dos profissionais e demais participantes do programa, de forma coletiva, privilegiando aspectos singulares e espec�ficos de cada um. As principais dificuldades relatadas s�o a perda de autonomia e a perda dos pap�is sociais, segundo os relatos de PV 9 e PV10. "Sempre precisamos das pessoas, mas em geral n�o temos essa consci�ncia". � percebida uma forte quest�o de g�nero. No caso das mulheres, elas deixam de ser a refer�ncia da dona de casa, respons�vel pelo cuidado de toda fam�lia, porque agora elas precisam ser cuidadas, situa��o dif�cil para a fam�lia, que n�o est� acostumada com essa invers�o de pap�is. Em rela��o ao sexo masculino, em sua maioria ocorre a dificuldade de lidar com a perda de ser o principal provedor da fam�lia. Tendo em vista o perfil de baixa renda das fam�lias, esses homens, mesmo aposentados, precisam exercer alguma atividade geradora de renda. No caso de ainda permanecerem em algum trabalho complementador da aposentadoria, pela baixa escolariza��o e falta de especializa��o, exercem atividades de pouca import�ncia socialmente. Por conta de recursos humanos insuficientes e alta procura por servi�os de reabilita��o, as institui��es atuam de forma prec�ria quanto � sua identidade ideol�gica,

129 ora transitando sob os c�nones da educa��o, cobradora de produtos e resultados concretos; ora transitando na sa�de, restabelecedora de uma ordem org�nica perfeita, em que corpo e mente ou f�sico e psiquismo se encontram ajustados e organizados, ou contr�rios �s prescri��es de cada �rea do conhecimento. As institui��es de reabilita��o de cegos estudadas, como exemplo da situa��o brasileira, vivem os mesmos dilemas por transitarem da sa�de para a educa��o e viceversa. A l�gica da produtividade � do alcance de metas e objetivos e enquadramento dos profissionais nos par�metros organizacionais estipulados � imp�em aos profissionais a aplica��o de planos de reabilita��o predefinidos aos cegos que buscam uma reabilita��o.

Por outro lado, a forma��o do profissional, sua experi�ncia de vida e os fatores pessoais interferem, auxiliando ou dificultando a adequa��o das propostas, seja pela aproxima��o, seja pelo distanciamento do mundo dos cegos. Alguns profissionais entendem que algu�m que perde a vis�o na idade adulta � dependendo da idade, escolariza��o, padr�o socioecon�mico � possui caracter�sticas singularidades e necessidade distintas, devendo, portanto, participar do processo de elabora��o de sua reabilita��o e n�o ser apresentado a um "curriculum" pronto. A proposi��o de atendimentos socioeducativos para desenvolvimento de novas habilidades em programas de reabilita��o � tendo em vista as singularidades com as quais se deparam os profissionais em rela��o �s caracter�sticas patol�gicas, propens�o � supera��o e contexto hist�rico-cultural em que se inserem os reabilitandos � � uma atividade demasiado complexa, tendo em vista o perfil da maioria dos profissionais, contratados para prestar servi�os por tempo determinado.

4. A forma��o e a qualifica��o de cegos

Para uma compreens�o adequada dos relatos que foram analisados e caracterizados nesse n�cleo de sentido tem�tico � importante fazer uma breve exposi��o sobre os sentidos relacionados aos termos forma��o e qualifica��o e seu entrela�amento com o universo das pessoas cegas abordadas na pesquisa. A import�ncia dessa considera��o se relaciona ao fato que a abordagem dos conceitos e sentidos de forma��o e qualifica��o para os cegos tardios mostra

130 singularidades espec�ficas, que impactam (mas tamb�m sofrem as conseq��ncias) sobre a forma��o e qualifica��o dos cegos, mas tamb�m a forma��o e qualifica��o dos pr�prios profissionais cegos e ou videntes, que atuam na reabilita��o de cegos. Somente um olhar acurado para o lugar e para a atividade que essas pessoas desenvolvem exp�e tais singularidades.

4.1 Alguns conceitos

No �mbito do presente trabalho est� sendo levada em considera��o a acep��o de forma��o para pessoas que j� possuem uma hist�ria de vida. Forma��o diz respeito a tudo que molda e influencia o car�ter e a personalidade de uma pessoa, � sua educa��o;

enfim, uma concep��o que se remete ao conjunto de conhecimentos e habilidades espec�ficos de um determinado campo de atividade pr�tica ou intelectual (HOUAISS, 2010). A forma��o de cegos tardios pode, portanto, ser abordada com o aux�lio de conceitos e ensinamentos propugnados em trabalhos de Vigotski e de Martim Buber. Vigotski aponta que o meio social atua sobre o ser humano, desde crian�a, criando e desenvolvendo fun��es ps�quicas superiores de origem e natureza sociais; fun��es estas que s�o criadas em ambiente coletivo, em sociedade. Para ele, o outro assume papel fundamental na constitui��o cultural do homem, postulando que "nos tornamos n�s mesmos atrav�s dos outros". Em Vigotski, o outro n�o � um mero mediador instrumental, pois a sua presen�a possui um sentido profundo, que lhe outorga condi��o fundamental para o aprendizado Dessa forma, a dimens�o social, ambiente de encontro com o outro, � um campo de possibilidades adaptativas das condutas individuais �s a��es em sociedade, promovendo condi��es para o desenvolvimento das fun��es ps�quicas superiores nos cegos. A viv�ncia em grupos, em livres associa��es �, portanto, fundamental para a forma��o dos cegos (SIRGADO, 2000). Em uma linha de racioc�nio muito pr�xima sobre a import�ncia da vida em rela��o, em sociedade, para a forma��o aut�ntica, Buber explicita que o mundo todo � a natureza e a sociedade � formam, educam o homem. Sobre ele ocorrem interfer�ncias

131 de v�rias ordens. A forma��o que promova uma nova condi��o se d� na tentativa de interferir sobre o feixe de rela��es que o mundo apresenta e que chega � pessoa. O processo de forma��o pode ser visto, assim, como uma filtragem destas interfer�ncias pelo educador � pelo mestre, pelo professor. O educador n�o educa. Quem educa o educador e o educando � o mundo. Logo, a fun��o do educador � ser um filtro de efetividades que, selecionando determinadas rela��es e eliminando outras, possa criar condi��es para que haja a transforma��o das individualidades. Esse processo, essa rela��o pedag�gica, formadora, se d� no �mbito da rela��o dial�gica, no encontro. Uma rela��o pedag�gica plena, em liberdade, ocorre quando o educando escolhe a sua "liberdade de devir", escolhe quando quer se confrontar com a realidade. O educando diz ao educador aquilo de que precisa. Nesse di�logo, n�o existe rela��o de poder, mas disponibilidade, responsabilidade e confian�a, uma presen�a verdadeira (BUBER, 1975a). A forma��o � algo que se logra com a rela��o com o mundo, n�o � uma concep��o do mundo. Quando se restringem as possibilidades do ensinamento a uma concep��o de mundo espec�fica e particular, restringem-se e limitam-se condi��es de estar no mundo. A forma��o precisa estar ciente de que n�o se pode ter o mundo. Cada forma��o pertence a um campo de concep��o que � fato para cada pessoa. O que n�o se deve fazer � achar que se pode substituir o mundo. Quando se trata de pessoas que perderam a vis�o e de profissionais formadores,

uma quest�o central que se apresenta para ambos os lados � o confronto entre as concep��es de mundo dessas pessoas. Buber, em um texto sobre a educa��o de adultos, pontua que o trabalho de forma��o n�o � uma realidade est�tica; � sempre algo que lida com duas possibilidades de for�as formadoras originais: "de onde a pessoa vem" e "para onde ela quer ir". � parte do trabalho de forma��o recuperar estas for�as criativas das pessoas. A ideia de forma��o n�o pode prescindir deste aspecto. "De onde vem" pertence � dimens�o do vivido e experienciado. "Para onde ela quer ir" remete-se aos limites e possibilidades de cada um de n�s, pois a concep��o que possu�mos de um dado problema � particular, � inerente � nossa pessoa. Al�m disso, onde cada um deseja chegar � inimagin�vel, decorre de elementos que pertencem ao dom�nio de nossas singularidades (BUBER, 1975b).

132

Portanto, na institucionaliza��o de processos de forma��o e reabilita��o de pessoas com defici�ncia, deve-se procurar levar em considera��o um leque mais amplo poss�vel de recep��o das singularidades das pessoas envolvidas. A qualifica��o, por sua vez, se relaciona ao conjunto de atributos que habilitam uma pessoa ao exerc�cio de uma dada fun��o (HOUAISS, 2010); ao desenvolvimento de atitudes favor�veis � atividade produtiva. O termo tem sido relacionado � necessidade de planejamento e de racionaliza��o de investimentos na educa��o escolar, com vistas � adequa��o entre as demandas dos sistemas ocupacionais e dos sistemas educacionais, de modo a se associar a educa��o ao desenvolvimento econ�mico e ao emprego, mobilidade e ascens�o social (MANFREDI, 1999, FRIGOTTO, 2001)14. A concep��o de qualifica��o gerou diversas pol�ticas educacionais para atender aos sistemas de forma��o profissional que preparavam m�o de obra especializada para as demandas do mercado do trabalho (MANFREDI, 1999). O conceito hegem�nico de qualifica��o, vigente at� a d�cada de 1980, estava associado ao modelo de organiza��o da produ��o taylorista/fordista e estava estruturado de acordo com as tarefas, as ocupa��es e as fun��es exercidas no posto de trabalho. Ou seja, as habilidades requisitadas do trabalhador se vinculavam � sua inser��o e posi��o na empresa. A forma��o para o trabalho era um "conhecimento ou treinamento b�sico necess�rio para o exerc�cio de uma dada fun��o, adquiridos por instru��o formal ou por treinamento preliminar" (KUENZER 1985 apud MANFREDI, 1999). A reorganiza��o do sistema capitalista, a partir da d�cada de 1980, implantou a ado��o de sistemas de produ��o flex�veis, como o toyotismo, e a cria��o de novas formas de organiza��o do trabalho, sendo instaurado um conceito de qualifica��o baseado na compet�ncia do trabalhador (YANNOULAS & SOARES, 2009), e n�o mais em saberes e conhecimentos das ocupa��es e das tarefas a serem exercidas no posto de trabalho (RAMOS, 2002). Nesse sistema de produ��o flex�vel o que determina a inclus�o de um

trabalhador na cadeia produtiva n�o � a presen�a ou a aus�ncia de qualifica��o, mas sim 14

Num sentido mais amplo a qualifica��o est� ancorada na economia da educa��o; um campo de conhecimento cujos trabalhos seminais foram desenvolvidos por Theodore Schultz (1974) e Frederick Harbison (1974), economistas americanos que defendiam o valor da instru��o e do progresso como fundamentos essenciais para a forma��o do capital humano, recursos humanos detentores de habilidades-chave para a moderniza��o, compreendida como a ado��o do modelo industrial capitalista. (SCHULTZ, 1973; FRIGOTTO, 2005 e RAMOS, 2006).

133 as demandas do processo produtivo, que combinam diferentes necessidades de ocupa��o da for�a de trabalho, a partir da tarefa necess�ria � realiza��o da mercadoria. � for�a de trabalho se atribui um car�ter flex�vel, no qual importa menos a qualifica��o pr�via do que a adaptabilidade, que inclui tanto as compet�ncias anteriormente desenvolvidas, cognitivas, pr�ticas ou comportamentais, quanto a compet�ncia para aprender e para submeter-se ao novo (KUENZER, 2007). Passa a vigorar uma suposi��o, e que se transforma em uma exig�ncia individual, que as pessoas sejam disciplinadas e que lidem adequadamente com a dinamicidade, com a instabilidade e com a fluidez. Para isso o desenvolvimento de habilidades espec�ficas ou especializadas � menos importante que o desenvolvimento de habilidades b�sicas e de gest�o do trabalho. Uma forma��o polivalente � mais funcional aos requerimentos do novo modelo de produ��o flex�vel, que uma forma��o altamente t�cnica e especializada (YANNOULAS&SOARES, 2009).

4.2. Os relatos sobre a forma��o e qualifica��o de cegos

O impacto desse mundo moderno repleto de fluidez, no sentido de Bauman (2000), sobre a qualifica��o e forma��o dos cegos � significativo. Al�m de lidar com os desafios para a supera��o no �mbito pessoal, aos cegos � exigido tamb�m, no mundo do trabalho, que "se quiser ir a algum outro lugar, deve correr pelo menos duas vezes mais depressa do que isso"15. At� a primeira metade do s�culo passado, poucas institui��es atuavam no ensino e na capacita��o de cegos para o trabalho, pois as mesmas possu�am um car�ter mais de abrigo do que de institui��o com �nfase em ensino, forma��o e qualifica��o.

No Rio de Janeiro, s�o exemplos do primeiro caso institui��es filantr�picas como a Uni�o dos Cegos do Brasil, a Associa��o Alian�a dos Cegos e a Liga dos Cegos, que captavam recursos para a subsist�ncia dos cegos. Nesse per�odo, o Instituto Benjamin Constant proporcionava treinamento de deficientes visuais e cegos, que permaneciam, em geral, na institui��o. Eventualmente, alguma empresa solicitava treinamento espec�fico e, ao 15

A express�o completa � "Agora, aqui, veja, � preciso correr o m�ximo quiser ir a algum outro lugar, deve correr pelo por usada por Bauman, (2000) para expressar o humana.

de Lewis Carroll, em Alice no pa�s das maravilhas: que voc� puder para permanecer no mesmo lugar. Se menos duas vezes mais depressa do que isso", e � usada impacto das transforma��es contempor�neas sobre a vida

134 serem absorvidos pelas mesmas, os cegos ganhavam maior autonomia. Os cursos mais comuns eram: colchoaria, estofaria, vassouraria, empalha��o de cadeiras, encaderna��o e opera��o de r�dio amador. Nas d�cadas de 1950 e 1960, era vigente no Brasil uma cren�a que os cegos e deficientes visuais possu�am boa concentra��o e habilidade manual. Empregavam-se cegos em metal�rgicas e gr�ficas. Neste per�odo, surgem, no Rio de Janeiro, iniciativas educacionais e de reabilita��o de cegos. Destacam-se, entre as mesmas, a inaugura��o do Centro de Reabilita��o do Deficiente, com o nome de Instituto Oscar Clark16, em 1962. A hist�ria deste instituto tem in�cio em 1930, quando � fundado com o nome de Cl�nica Escolar Oscar Clark. Atualmente, o Instituto Oscar Clark � uma Unidade de Refer�ncia em Medicina F�sica e Reabilita��o da Secretaria Municipal de Sa�de e Defesa Civil da Cidade do Rio de Janeiro (SMS/RJ)17. Embora o Instituto Benjamin Constant exista h� mais de 155 anos, as iniciativas envolvendo capacita��o, forma��o e encaminhamento profissional de cegos datam de 1958. A contribui��o expressiva sobre o conhecimento da trajet�ria da forma��o e qualifica��o de cegos desde 1950 at� os dias de hoje no Instituto Benjamin Constant, para o presente trabalho, foram relatadas pelo profissional PC1a. Este profissional concedeu quatro entrevistas em diferentes momentos da elabora��o desta tese. Para conveni�ncia e racionalidade de exposi��o, os relatos est�o identificados com a refer�ncia PC1a, quando referidos aos conceitos, pr�ticas e experi�ncias vividas e relacionadas com forma��o, com a refer�ncia PC1b, quando relacionados ao tema trabalho e emprego. O profissional PC1a possui v�nculo com o IBC, ora como aluno, ora como profissional, formando-se e se qualificando, formando e qualificando outros cegos.

16

O Instituto Municipal de Medicina F�sica e Reabilita��o Oscar Clark possui 80 anos de hist�ria, sendo 46 de reabilita��o. Em 1940 foi transformado em Posto M�dico Pedag�gico, e, em 1944, foi inaugurado como Hospital-Escola com capacidade para interna��o de 150 crian�as. A partir de 1975 integra a rede da Secretaria Municipal de Sa�de da Cidade do Rio de Janeiro. Atualmente s�o desenvolvidos onze programas de reabilita��o, sendo um deles voltado para aten��o � Pessoa com Defici�ncia Visual (UDV). 17 No �mbito do munic�pio do Rio de Janeiro, as a��es de reabilita��o est�o sob a responsabilidade da Coordena��o de Programas de Reabilita��o vinculada � SMS/RJ. A coordena��o desenvolve a��es integradas de fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional, em unidades de sa�de distribu�das nas dez �reas de planejamento da Cidade, visando � promo��o da autonomia e independ�ncia da pessoa com defici�ncia. Informa��o dispon�vel em . Acesso em 12 de Outubro de 2009.

135

Segundo relata PC1a, h� trinta anos n�o existia, no �mbito do IBC, o suporte legal nem o aparato tecnol�gico de hoje. "N�o existia a microinform�tica nem dispositivos de aprendizagem que os cegos disp�em na atualidade". Mas toda essa evolu��o n�o foi acompanhada pela forma��o. PC1a menciona a diferen�a entre forma��o profissional e qualifica��o para uma pessoa cega. Forma��o profissional, segundo ele, envolve orienta��es desde natureza da apresenta��o pessoal � como se vestir, se portar, se apresentar � at� corre��es referentes a "cacoetes" que "normalmente o deficiente visual tem". Esse aprendizado deve ser feito com a orienta��o de um vidente. A pessoa cega, sobretudo a cong�nita, n�o sabe se uma "cal�a comprida preta fica bem com uma camisa verde". Ele precisa aprender v�rios detalhes �bvios para quem enxerga. Por outro lado, "o mercado de trabalho est� muito t�cnico, muito tecnol�gico, tudo est� muito automatizado. Tudo � controlado por computador". "Quando se visita uma sider�rgica hoje e se compara com outra h� 50 anos, percebe-se essa diferen�a". O que fica claro � que a velocidade que se imp�e a qualifica��o tecnol�gica � muito maior que a educa��o tecnol�gica. Quando se trata de pessoas com alguma defici�ncia, no caso a cegueira, este distanciamento � bem mais expressivo. No entanto, seja ou n�o deficiente, todos est�o submetidos a tempos e movimentos tecnol�gicos diferenciados.

Parece repetitivo o que a gente ouve por a�, muita gente fala pelo que acha, eu falo pelo que eu vivo, porque uma das minhas fun��es aqui � encaminhar para as vagas que me oferecem, e � dif�cil (PC1b). N�o houve uma contrapartida de forma��o e qualifica��o do deficiente. O mercado existe e as vagas s�o disponibilizadas, mas n�o existem deficientes preparados (PC1b). O problema apontado na forma��o e qualifica��o dos cegos e deficientes em geral est� remetido �s institui��es de ensino que n�o se adaptaram ou n�o acompanharam o parque tecnol�gico montado nos ambientes de trabalho. Por mais que existam aparatos educacionais formais, esse descompasso existe. Para lidar com essa quest�o, desde o ano de 2000, encontra-se em opera��o o Programa de Educa��o, Tecnologia e Profissionaliza��o para Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais (TEC NEP)18 do MEC, visando � inser��o das pessoas com necessidades educacionais 18

Informa��o dispon�vel em: . Consulta em 19 de Outubro de 2009.

136 espec�ficas nos cursos de forma��o inicial e continuada, de n�vel t�cnico e tecnol�gico, nas institui��es federais de educa��o tecnol�gica, em parceria com os sistemas estaduais e municipais, bem como o segmento comunit�rio. O TEC NEP tem como objetivo principal criar nas empresas e outras institui��es a aceita��o da diversidade, buscando a quebra das barreiras arquitet�nicas, educacionais e atitudinais, dotando-as de uma cultura da "educa��o para a conviv�ncia". O programa tamb�m objetiva dotar as escolas da rede federal de condi��es para atender a alunos com defici�ncias. O entrevistado PC1b trabalhou em Bras�lia na concep��o desse programa na �rea de defici�ncia visual, junto com outros t�cnicos e educadores. Dentre os campos de desenvolvimento do programa, s�o apontados aspectos relacionados a acessibilidade arquitet�nica (pistas-guia), softwares para deficientes visuais e esta��es de trabalho espec�ficas para esses deficientes. PC1b relata que trabalhou focado: que tenha

na forma como uma pessoa cega concebe o mundo, seja ela cong�nita ou perdido a vis�o na adolesc�ncia ou idade adulta (PC1b).

Segundo informa��o dada por ele, 90% das escolas da rede federal j� est�o em condi��es de atender o aluno cego. Hoje apesar de

Existem pessoas de baixa vis�o cursando escola agrot�cnica no CEFET. existem muito mais oportunidades e chances de ingressar no mercado, toda a discrimina��o de que falam (PC1b).

Outro programa importante de forma��o e qualifica��o destinado a deficientes visuais � jovens e adultos em reabilita��o � � o Sem Limites19 desenvolvido pelo Senac (Sistema S) no Rio de Janeiro para o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), por meio do Centro de Educa��o para o Trabalho e a Cidadania, levando-se em considera��o os princ�pios de responsabilidade social e desenvolvimento sustent�vel, na programa��o das atividades. No programa ocorre o ajuste de diferentes forma��es profissionais para as necessidades das pessoas deficientes, em idade economicamente ativa, que possuem plena condi��o de desenvolver atividades laborais. O projeto Sem Limite oferece cursos de capacita��o profissional nas �reas de conhecimento do Senac-Rio, nas unidades de Iraj�, Bonsucesso, Marechal Floriano, 19

Informa��o dispon�vel em: . Consulta em 21 de Outubro de 2009.

137 Madureira e Campo Grande, aos segurados do INSS em processo de reabilita��o. O programa procura propiciar uma qualifica��o adequada �s possibilidades do aluno, em sete diferentes cursos: Operador de Elevador, Desvendando a Inform�tica, Assistente Administrativo, Shiatsuterapia, Montagem e Manuten��o de Micros, Costureiro e Telemarketing Informatizado.

4.3. Sobre forma��o e qualifica��o de profissionais que reabilitam cegos

Duas quest�es importantes emergiram na pesquisa no que diz respeito � qualifica��o dos cegos: o fato de os profissionais serem videntes ou n�o videntes e a cria��o de um ambiente prop�cio � continuidade de forma��o de grupos de aprendizagem que possam permutar e trocar experi�ncias e viv�ncias. Segundo o relato de PC1a: v�rios

Eu j� era deficiente quando fiz duas faculdades e uma p�s-gradua��o e

cursos t�cnicos... trabalhei em v�rios lugares. Mas por qu�? A minha

gera��o era

uma gera��o que tinha consci�ncia da sua limita��o, da sua condi��o,

digamos

assim. Ent�o os nossos professores eram tamb�m deficientes visuais...

Eles

souberam passar para n�s `o pulo do gato' o que essa gera��o de hoje n�o

tem. Hoje

muitos professores de cegos (a maioria) s�o videntes... 80%... Nada

contra os

videntes... Mas oitenta por cento sendo bonzinhos... Na minha gera��o

n�s �amos

visitar uma empresa acompanhados de um psic�logo, assistente social que

fosse...

Quando cheg�vamos, o cara colocava um motor na m�o da gente e se vire �

`�

funciona assim e assim. V� o que voc�s conseguem fazer'. E a gente dava

conta.

Hoje o vidente v� um neg�cio e fala: `n�o... � muito perigoso... e o

cego n�o

acompanha (PC1a).

O depoimento acima de um profissional cego, PC1a, critica a preponder�ncia de atua��o dos profissionais videntes no momento atual e destaca o tratamento dispensado � �poca em que o mesmo foi formado, mostrando a import�ncia de cegos estarem presentes na forma��o de outros cegos. Segundo o relato de PC1a, a gera��o dele foi bem sucedida em termos de forma��o e qualifica��o, quando comparada com as gera��es atuais. Mas atribui ao fato de existir um "agrupamento", um esp�rito de uni�o, uma vontade de vencer "muito grande" que foi passada para eles por outros deficientes visuais que foram vencedores,

138 que tiveram muito mais dificuldades que eles. N�o era uma coisa dispersa. Segundo PC1a, voc� diz: Ah, o que aconteceu com a qualidade dos profissionais que se formam hoje

em dia,

que caiu muito? Simples, duas coisas b�sicas. Quando n�o envolvia

sistemas de

cr�dito o que acontecia, voc� come�ava numa turma e ia at� o final da

sua

faculdade, n�o � verdade? Voc� formava um grupo, voc� formava uma

ideologia,

nova ou reacion�ria que fosse, mas transformava, influenciava, um grupo ideol�gico, n�o � verdade? Pois �! A� a legisla��o diz � `Ah, vamos acabar com isso'. Estavam

preocupados voc�

com o sistema de cr�dito. Ent�o o chamado b�sico, n�o sei como chamavam,

tinha aula no primeiro hor�rio com a turma de educa��o f�sica, no segundo hor�rio com a turma de letras, no terceiro hor�rio com a turma de direito. Voc� formava

grupo? Voc� formava id�ia?

Essa argumenta��o est� associada ao contexto das mudan�as de concep��o de ensino superior implantadas no Brasil pelas reformas na d�cada de 1960-1970, quando houve a transposi��o de valores e id�ias do mundo gerencial para as institui��es de ensino, com a implanta��o do fordismo na educa��o e conseq�ente ado��o do sistema de cr�ditos e disciplinas. A id�ia hegem�nica de universidade humboldtiana como lugar de "liberdade na busca da verdade mediada pelo di�logo e a livre associa��o" (FERREIRA, 2002:72) � substitu�da por uma id�ia origin�ria de matriz norteamericana que "inaugura e exporta para o ocidente a id�ia do curr�culo, de departamento e do sistema de cr�dito" (BARTHOLO, 2001: 54). primeiro, visuais do Grande do pessoas

Isso aconteceu no nosso meio tamb�m. Ent�o hoje � muito dif�cil, porque para o Benjamin Constant, do qual eu era aluno, vinham deficientes Brasil inteiro. Ent�o aqui tinha gente do Paran�, Cear�, Pernambuco, Rio Sul, Amazonas, tinha at� do Peru e Bol�via. Ent�o o que acontecia, essas

eram multiplicadores... Tinha toda uma gera��o sendo formada ali. Ficavam no IBC at� concluir a primeira faculdade... Hoje n�o (PC1a). O sistema de cr�ditos e disciplinas desarticulou as turmas e grupos de aprendizado, implantando uma mudan�a que tolheu a cria��o de ambientes prop�cios � convivencialidade. A narrativa de PC1a encerra uma nostalgia de quem vivenciou um tempo dif�cil, mas com perspectivas de futuro:

139 Isso eu uma

no meu entender, o que falta � unidade, coisa que a gente n�o tem mais. estou te falando, n�o existe nenhum tratado cient�fico dizendo isso! � observa��o, principalmente porque eu j� trabalhei no Brasil inteiro.

Os efeitos devastadores dessa transposi��o rebateram de forma contundente sobre as estruturas institucionalizadas de forma��o da pessoa, com efeitos acentuados sobre os deficientes. As pessoas fora....

faziam o ensino fundamental aqui e depois ficavam residindo e estudando

Foi metade de toda minha gera��o. Fiz minha primeira faculdade de letras na UFRJ e depois para uma complementa��o pedag�gica fiz pedagogia. Ent�o essa coisa de separar, voc� criou um n�cleo em S�o Paulo, um n�cleo em Pernambuco, um n�cleo do Cear�, ent�o voc� acabou com aquele esp�rito de unidade que n�s t�nhamos. Ent�o, o pessoal de S�o Paulo recebe informa��es que n�o s�o mais

Ent�o acabou deficiente

dirigidas por cegos. Eles at� tem esp�rito de luta mas s�o limitados. com essa coisa. N�o foram formando novas lideran�as. Ent�o hoje o visual por conviver menos com o deficiente visual ele conhece menos a

sua

limita��o, sua capacidade, e ele aceita o que � imposto com muita facilidade. Eu acho que o cerne da quest�o est� a� (PC1a). A fragmenta��o dos espa�os de socializa��o e de troca de pr�ticas e de saberes ao se estabelecer nos espa�os de forma��o da pessoa deficiente deteriorou a possibilidade de integra��o e de conv�vio cont�nuo nos ambientes de aprendizagem, impedindo a forma��o de lideran�as e de uma atmosfera prop�cia ao surgimento do esp�rito de luta. N�o h� unanimidade sobre a forma��o de cegos ser conduzida, prioritariamente, por cegos ou por videntes. A quest�o est� permeada de controv�rsias. Tomando-se como refer�ncia a perspectiva profissional-aluno e analisando relatos de profissionais cegos entrevistados que ratificam as id�ias de PC1a acima, dois deles apontam a quest�o da exemplaridade e refer�ncia pessoal como fatores estruturantes e criadores de v�nculos entre profissional-aluno. Os fragmentos de entrevistas fornecidos por PC3 e PC4, corroboram a assertiva de PC1a: Precisa contar um pouco de sua vida (pessoal) e abrir para um universo a

140

compartilhar (PC3).

Como eu tamb�m sou cego, elas (pessoas que perdem a vis�o) tinham uma refer�ncia comum. Os alunos possu�am uma car�ncia muito forte (PC4).

Essas id�ias tamb�m s�o corroboradas por exemplos da literatura. Em seu livro, O caso de Helena Keller, Ayres da Mata Machado relata que a preceptora de Helena Keller, Ana M. Sullivan, ficou cega quando menina, depois recuperando quase completamente a vis�o. Segundo Machado (1980, p. 21): para fazer

as experi�ncias pessoais das coisas da cegueira de Sullivan concorreram

dela a mestra talhada para a miss�o que levou a termo. Sem o conhecimento pessoal das peculiaridades da cegueira, seriam imposs�veis tantas descri��es n�tidas e oportunas, gra�as �s quais a professora como que enxerga pela disc�pula, que adquire assim a id�ia exata mesmo dos objetos fora do alcance do seu tato.

Igualmente, Esp�nola Veiga relata que os professores cegos s�o os que sentem na pr�pria carne o que � ser cego, s�o os que melhor conhecem as necessidades de seus alunos (VEIGA, 1983: 43). Mesmo que muitas restri��es mostra o relato de Dorina Nowill, a salientam a capacidade de supera��o no enfrentamento das quest�es do dia a mesa diante O In�meros

sejam vivenciadas na rela��o com alunos, como seguir, as entrevistas e relatos bibliogr�ficos de obst�culos para um professor cego surgidos dia de uma sala de aula:

no meu primeiro dia aula, a sensa��o foi arrasadora, atr�s de uma de uma classe embora com poucos alunos, uma sensa��o inesquec�vel... encontro com alunos cegos � muito dif�cil para um professor cego.

problemas surgiam e no momento era preciso ter iniciativa e criatividade para resolv�-los. O professor cego precisa ter muita capacidade imaginativa para criar solu��es no momento certo, solu��es que ele n�o aprendeu na escola (NOWILL,1996:25). Mesmo com dificuldades desta natureza, um professor n�o vidente vive a realidade dos "alunos", mas tamb�m a sua vida � um exemplo a ser seguido. Retirar tais professores pode levar a problemas que, facilitando, dificultam o aprendizado, como mostra PC5: antes as provas eram lidas e escritas em Braille. N�o havia essa facilita��o como existe hoje. Muitos professores, mesmo cegos, tendem a facilitar o aprendizado do cego, mas est�o prejudicando.

141 4.4. Algumas considera��es sobre forma��o e qualifica��o

Neste item da pesquisa, diversos aspectos se destacaram como importantes para a compreens�o da problem�tica relacionada � forma��o e qualifica��o de cegos tardios. Em conson�ncia com os aspectos conceituais apresentados por Vigotski e Buber, � importante construir um espa�o de conviv�ncia, de sociabilidade, de encontro, onde, sendo respeitadas as singularidades de cada pessoa, possam ser liberadas as for�as criativas de cada um, a partir, n�o da corre��o l�gico-racional de determinadas proposituras de forma��o e qualifica��o, mas sim de um trabalho enraizado na concretude da vida vivida das pessoas cegas. Outra quest�o importante, � que a forma��o e a qualifica��o dos cegos t�m,

para cada um, o seu tempo. Como uma semeadura, cada semente possui um tempo pr�prio a germinar. � pr�prio de cada pessoa o tempo de descobrir e descobrir-se. � preciso reconhecer esse tempo. O trabalho de quem forma e ensina precisa aceitar esse tempo, que n�o � s� tempo do que se produz e de quem imp�e ou predetermina. � o tempo necess�rio para a confronta��o dos fatos, tempo de quem apreende e aprende. O reconhecimento do tempo, a aceita��o dos fatos e a confronta��o com um mundo novo pertencem ao dom�nio da alteridade; que n�o deve ser pr�-concebida, nem pr�-elaborada, nem pr�-definida. N�o pertence ao exerc�cio da toler�ncia, mas da atualiza��o pr�pria e incondicional do dom�nio da experi�ncia vivida. A ideia � oferecer o que � necess�rio. Tamb�m, a rigor, n�o existe uma l�gica espec�fica que demarque qual � o melhor profissional para forma��o de cegos. Se cegos ou videntes. Tem que ter cegos. Tem que ter videntes. Tem que ser plural. Nesta pluralidade, o que � importante � a manuten��o de condi��es de possibilidade da exist�ncia de espa�os de ajuda m�tua, onde professores e alunos aprimorem virtudes convivenciais, n�o somente sob a �gide do predom�nio da transmiss�o de supostas cargas program�ticas para a reabilita��o, mas, sobretudo, pela �nfase na liberdade de ser e conhecer. Entretanto, parece existir uma tend�ncia de ocupa��o por videntes dos espa�os acad�micos e t�cnico-administrativos que outrora eram ocupados prioritariamente por cegos. Isso se faz notar nos relatos do PC1, PC3 e PC4. Os relatos do PC1 permitem inferir os seguintes pontos:

142 i. a fala do PC1a,b est� referida desde um lugar que pressup�e uma experi�ncia enraizada num tempo vivenciado em condi��es plenas no �mbito da forma��o da pessoa conforme preceitos da antropologia buberiana, um campo de rela��es aut�nticas; ii. a experi�ncia como aluno e profissional lhe confere confort�vel predisposi��o para falar de um passado de lutas e gl�rias, n�o visualizadas no tempo presente; e, iii. do visuais

a possibilidade do estabelecimento de v�nculos alargados em muitos pontos territ�rio brasileiro na forma��o de formadores de cegos e deficientes

regentes de turmas sugere legitimidade e genuinidade a PC1a,b embora "carregada nas tintas", mas n�o menos valorosa pelos espa�os de aprendizagem vivenciados em �pocas distintas � sua.

5. Trabalho e Emprego

O desenvolvimento da vida do homem exige evidentemente uma intera��o constante com o meio natural, numa troca. Essa intera��o executa o processo de adapta��o do homem � natureza que o circunda, produzindo as modifica��es necess�rias a sua pr�pria exist�ncia. Gra�as a isso, o homem, diferentemente do animal, mediatiza, regula e controla esse processo pela sua atividade; que ele pr�prio desempenha. Muitas pessoas que perdem a vis�o na idade adulta possu�am profiss�es e atividades de trabalho. Pelo menos metade dos cegos entrevistados, objeto do pr�ximo cap�tulo, encontrava-se trabalhando no momento da perda. A baixa escolaridade em sua maioria afeta a recoloca��o em outras profiss�es, uma vez que a maioria n�o consegue inserir-se no mesmo segmento. Quando a empresa permanece com o trabalhador em seus quadros, o faz remanejando-o para outras atividades e at� deixando-o sem ter o que fazer. As condi��es de readapta��o dos cegos numa nova condi��o passam pelas rela��es que estabelecem com outras pessoas e o trabalho � um dos fatores mais importantes para a auto-realiza��o e equil�brio do seu psiquismo. Trabalho aqui deve ser entendido como qualquer atividade que seja �til e boa e constru�do coletivamente.

143 5.1. O trabalho e o psiquismo humano

As experi�ncias de Penfield20 (1891-1976) salientam a import�ncia do trabalho e da linguagem no desenvolvimento e expans�o do c�rebro humano. Penfield descobriu que poderia mapear as representa��es corporais no c�rebro e, por meio de suas experi�ncias, evidenciou a propor��o relativa, em superf�cie, que os �rg�os motores (como a m�o) e os �rg�os da linguagem sonora (m�sculos da boca, da l�ngua, da laringe), cujas fun��es s�o mais desenvolvidas nos humanos (pelo trabalho e comunica��o verbal), ocupam com rela��o � superf�cie do c�rebro. O Hom�nculo de Penfield, cuja figura � representada abaixo, explicita a correspond�ncia entre os �rg�os do corpo humano e seus respectivos impulsos cerebrais:

Figura 4.1 � Hom�nculo de Penfield1

20

Wilder Penfield foi um m�dico neurocirurgi�o e neurologista canadense que, entre 1928 e 1947,

realizou um conjunto de experi�ncias em suas cirurgias destinadas � remo��o de focos epil�ticos em 369 pacientes. Para garantir que nenhuma fun��o vital fosse comprometida, as cirurgias eram realizadas com os pacientes acordados e submetidos apenas � anestesia local. Assim, antes da retirada do foco epil�tico, Penfield fazia estimula��es el�tricas (pequenos choques) no tecido nervoso ao redor do foco e, observando qual fun��o corporal tinha sido afetada pelo est�mulo (por exemplo, fala, vis�o, movimento ou sensibilidade de alguma regi�o corporal) ele podia mapear as fun��es cerebrais desempenhadas em cada por��o corporal. Ao longo de 19 anos, enquanto Penfield identificava o mapa corporal no c�rtex motor (respons�vel pelos comandos motores) e no c�rtex somest�sico (respons�vel pela percep��o somest�sica como tato, dor, temperatura e press�o), sua secret�ria, H. P. Cantlie, reproduzia em seu caderno os mapas descritos por Penfield. Os desenhos de Cantlie descrevem o que ficou conhecido como o Hom�nculo de Penfield, e suas medidas, desproporcionais em rela��o �s medidas corporais verdadeiras, representam como cada parte do corpo se relaciona � capacidade de percep��o somest�sica ou de controle motor no c�rebro (SCHOTT, 1993).

144

O principal �rg�o ligado ao trabalho � a m�o humana e gra�as � adapta��o da mesma as "opera��es diferentes e novas atingiram este grau, especializando-se e fazendo surgir quadros famosos, partituras musicais e outros trabalhos art�sticos conhecidos pela humanidade" (LEONTIEV, 1972: 76). Os �rg�os dos sentidos foram igualmente aperfei�oados sob a influ�ncia do trabalho, adquirindo tra�os qualitativamente novos, e com forte liga��o com o desenvolvimento do c�rebro. O sentido do tato tornou-se mais preciso, o olho humanizado v� muito mais, o ouvido tornou-se capaz de perceber as diferen�as e as semelhan�as mais ligeiras entre os sons da linguagem articulada do homem. O desenvolvimento do c�rebro e dos �rg�os do sentido agiu em contrapartida sobre o trabalho e sobre a linguagem para lhes "dar, a um e a outro, impuls�es sempre novas para continuar a aperfei�oar-se" (ENGELS apud LEONTIEV: 1972: 76). As transforma��es anat�micas e fisiol�gicas devidas ao trabalho acarretaram uma modifica��o global do organismo, alteraram a apar�ncia f�sica do homem e tamb�m a sua organiza��o anat�mica e fisiol�gica (LEONTIEV: 1972:79). O trabalho, como atividade humana espec�fica, � um processo que liga o homem � natureza, colocando em movimento for�as de bra�os, pernas, m�os, mente, para esculpir, usando as mat�rias-primas, os materiais �teis � pr�pria vida. Pelo trabalho, o homem modifica a natureza, altera a sua pr�pria natureza e desenvolve faculdades adormecidas. Para Leontiev (1972:81), pelo trabalho o homem se relaciona com a natureza, mas entra em rela��o com a mesma por interm�dio da rela��o com outros homens, pois as a��es que o caracterizam s�o interdependentes: o uso e fabrico de instrumentos e a realiza��o de atividades comuns e coletivas, em coopera��o. Esse imbricamento de rela��es e v�nculos em sociedade, desde uma divis�o fortuita das atividades t�cnicas,

nos prim�rdios da cultura humana, at� as complexas divis�es das tarefas e atividades do trabalho nos processos de produ��o modernos, promove o desenvolvimento do psiquismo humano (LEONTIEV, 1972:81). Para uma pessoa que perde subitamente a vis�o, os sentidos remanescentes como audi��o, olfato, gusta��o e tato n�o se alteram. O que ocorre � uma mudan�a de percep��o e sensa��o pelo exerc�cio e emprego dos sentidos, antes poucos treinados, para percep��es n�o percebidas antes, pois o que se percebe � o que se aprende a perceber. Pode-se citar o exerc�cio do trabalho de campo para um ge�logo e um bi�logo.

145 Os afloramentos apenas s�o percept�veis por olhos treinados para perceber. Um exemplar raro numa floresta s� � percebido se j� foi identificado antes ou por olhos treinados. E, aos olhos de um leigo, � impercept�vel. Ou seja, singularidades, particularidades e detalhes passam ao largo de olhos, olfatos e tatos n�o treinados anteriormente.

5.2. O emprego para deficientes � as formas de institucionaliza��o do trabalho

O trabalho como pressuposto facilitador da reintegra��o e habilita��o dos cegos numa nova condi��o configura-se em algo dif�cil a despeito de uma legisla��o abundante e expressiva quanto aos direitos acumulados. Por outro lado, as institui��es privadas s�o for�adas a cumprir a lei de cotas por conta de uma fiscaliza��o que lhes bate � porta, mas alegam n�o terem como cumpri-la, pelo despreparo dos poss�veis candidatos para prover tais vagas. Por parte dos cegos existe uma resist�ncia em n�o ingressar em empresas privadas, como aponta PC1a: anos

Muitos n�o querem ir para a iniciativa privada. Eles preferem ficar 10

estudando at� passar em concurso p�blico. Ent�o � muito dif�cil. �s vezes eu recebo oferta de vagas aqui e eu n�o consigo indicar ningu�m. Os dispositivos de coloca��o e organiza��o do trabalho sofreram mudan�as a partir de 1999. Por conta dos movimentos sociais e de grupos exclu�dos, reivindicando o cumprimento de legisla��o precedente, foi criado um conjunto de normas para atender segmentos diferenciados em rela��o � defici�ncia adquirida ou cong�nita. A partir deste per�odo, criaram-se formas distintas de trabalho institucionalizado. Existem tr�s tipos de inser��o em situa��o de trabalho propostas para adequar o trabalho � pessoa com defici�ncia. A coloca��o competitiva, a seletiva e a promo��o do trabalho por conta pr�pria (BRASIL, 1999b):

i. a coloca��o competitiva refere-se o processo de contrata��o regular, nos termos da legisla��o trabalhista e previdenci�ria, independente da ado��o de procedimentos especiais para sua concretiza��o, n�o sendo exclu�da a possibilidade de utiliza��o de apoios especiais;

146 ii. a coloca��o seletiva � um modo de contrata��o regular, nos termos da legisla��o trabalhista e previdenci�ria, dependente da ado��o de procedimentos e apoios especiais para sua concretiza��o; e, iii. de regime

a promo��o do trabalho por conta pr�pria, que pressup�e o fomento da a��o uma ou mais pessoas, mediante trabalho aut�nomo, cooperativado ou em de economia familiar, com vistas � emancipa��o econ�mica e pessoal.

S�o considerados procedimentos especiais os meios necess�rios para a contrata��o de uma pessoa que, devido ao seu grau de defici�ncia, transit�ria ou permanente, exija condi��es especiais, tais como jornada vari�vel, hor�rio flex�vel, proporcionalidade de sal�rio, ambiente de trabalho adequado �s suas especificidades, entre outros. J� os apoios especiais compreendem a orienta��o, a supervis�o e as ajudas t�cnicas que auxiliem ou permitam compensar uma ou mais limita��es funcionais motoras, sensoriais ou mentais da pessoa com defici�ncia; com o objetivo de superar as barreiras da mobilidade e da comunica��o, possibilitando a plena utiliza��o de suas capacidades em condi��es de normalidade. No caso de defici�ncia grave ou severa o acesso ao mercado de trabalho ou sua incorpora��o ao sistema produtivo se dar� atrav�s de regime especial de trabalho protegido, efetivado mediante a contrata��o de cooperativas sociais21. Existem dois tipos de regimes de trabalho protegido: as oficinas protegidas de produ��o e as oficinas protegidas terap�uticas. O Minist�rio do Trabalho e do Emprego considera oficina protegida de produ��o unidades em funcionamento nos Sistemas de Aprendizagem Comercial e Industrial � SENAC e SENAI. Essas unidades funcionam em rela��o de depend�ncia com entidade p�blica ou beneficente de assist�ncia social e que t�m por objetivo desenvolver programa de habilita��o profissional para adolescente e adulto com defici�ncia, provendo-o com trabalho remunerado, com vista � emancipa��o econ�mica e pessoal relativa. Esta modalidade possibilita contratos de trabalho diferenciados segundo as caracter�sticas individuais, levando em considera��o

o hor�rio e a produtividade de cada um (MTE, 2010). 21

Determinado tipo de cooperativa que visa � integra��o social dos cidad�os em desvantagem no mercado econ�mico, por meio do trabalho, dentre eles os deficientes f�sicos, sensoriais e mentais. Fundamentam-se no interesse geral da comunidade em promover a pessoa humana e a integra��o social. Suas atividades envolvem a organiza��o e gest�o de servi�os sociossanit�rios e educativos e o desenvolvimento de atividades agr�colas, industriais, comerciais e de servi�os. (Brasil, 1999a)

147

A oficina protegida terap�utica funciona numa unidade em rela��o de depend�ncia com entidade p�blica ou beneficente de assist�ncia social. Tem por objetivo a integra��o social por meio de atividades de adapta��o e capacita��o para o trabalho de adolescente e adulto que devido ao seu grau de defici�ncia, transit�ria ou permanente, n�o possa desempenhar atividade laboral no mercado competitivo de trabalho ou em oficina protegida de produ��o. Restringem-se �s pessoas com defici�ncias severas, que n�o tenham condi��es de ingresso no mercado de trabalho competitivo ou em oficina protegida de produ��o, segundo avalia��o individual de desenvolvimento biopsicossocial. O per�odo de adapta��o e capacita��o para o trabalho de adolescente e adulto deficiente em oficina protegida terap�utica n�o caracteriza v�nculo empregat�cio. Este dispositivo legal pressup�e a anu�ncia do empresariado em possuir equipes para acompanhamento e capacita��o permanente do trabalho via coloca��o espec�fica. Contudo, isso nem sempre acontece. O empresariado alega despreparo e falta de adequa��o do ambiente de trabalho para recep��o dos deficientes. A capacita��o dos cegos e deficientes visuais no trabalho apresenta peculiaridades adaptativas em fun��o das atividades a desempenhar, principalmente nos dispositivos de interface homemm�quina (PC1b). A operacionaliza��o das situa��es legais de trabalho dava-se a partir de visitas �s empresas por equipes multidisciplinares integrada por profissionais do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais An�sio Teixeira � INEP e do Instituto Benjamim Constant, para acompanhamento e realiza��o de testes de aptid�o e voca��o nas atividades previamente selecionadas. Para isso, firmaram-se conv�nios entre o IBC e FIRJAN, facilitando a comunica��o interinstitucional (PC1a). Na pr�tica, estas situa��es legais de trabalho se operacionalizam hoje a partir de balc�es de empregos.

5.3. Os balc�es de empregos para deficientes

O encaminhamento profissional dos cegos que ocorria a partir de visitas guiadas �s empresas, com sensibiliza��o do empresariado por equipes do INEP e do IBC, e apresenta��o do potencial de integra��o dos cegos no trabalho foi se tornando menos utilizado, os conv�nios expirados deixaram de ser renovados.

148

Os chamados balc�es de empregos foram o meio encontrado por um grupo de institui��es que se uniram no Rio de Janeiro para aumentar a oferta de emprego para os deficientes de uma forma ampla, incluindo-se os visuais. At� o ano de 2009, existiam em opera��o na cidade do Rio de Janeiro quatro grandes balc�es de emprego (PC1 b): i.

o Banco de Emprego do Deficiente - BED, coordenado pela Secretaria de Estado de Trabalho e Renda do Rio de Janeiro;

ii.

o Instituto Brasileiro dos Direitos das Pessoas com Defici�ncia - IBDD, uma organiza��o n�o governamental que n�o atua apenas na empregabilidade, mas tamb�m na �rea de esportes e em cursos de qualifica��o profissional;

iii.

o Centro de Vida Independente - CVI que funciona na Pontif�cia Universidade Cat�lica do Rio de Janeiro; e,

iv.

o Instituto Benjamin Constant.

O funcionamento consiste na troca de informa��es a partir do contato das empresas. Quando uma empresa contata o IBC e este n�o possui um candidato com perfil desejado, imediatamente ocorre a comunica��o com o CVI e o BED que consultam seus cadastros de candidatos. O mesmo ocorre com o IBDD. Trabalham em rede para reduzir o tempo de desemprego do deficiente. O objetivo � o mesmo para todos. Incluir no trabalho. O IBDD e CVI trabalham tamb�m com terceiriza��o, ou seja, eles terceirizam algumas �reas de trabalho de algumas empresas. O servi�o de telemarketing da Petrobr�s, por exemplo, � terceirizado pelo CVI. Devido a sua constitui��o jur�dica como �rg�o da administra��o direta o IBC � o �nico que n�o terceiriza contrata��es. Os demais balc�es atuam tamb�m na contrata��o de deficientes. Existem associa��es22, cooperativas e institui��es do sistema S23 que atuam intermediando postos de trabalho para deficientes visuais. Mas alguns possuem um car�ter tempor�rio, na medida do fluxo de cadastrados e disposi��o das empresas, mas igualmente importantes na coloca��o em atividade (PC1b). O IBDD � uma organiza��o n�o governamental ligada � Coordenadoria Nacional para a Integra��o da Pessoa Portadora de Defici�ncia - CORDE. Atua no 22

Associa��o Brasileira de Cegos: http://www.qype.com.br/place/preview/br322021-associacaobrasileira-de-cegos-rio-de-janeiro; Associa��o dos Deficientes Visuais do Rio de Janeiro . 23

http://www.senai.br/psai/parcerias.asp; http://www.trabalhoespecial.com.br/index.php?a=28&b=139.

149 segmento de empregabilidade, capacita��o e apoio a atletas de diferentes modalidades esportivas e categorias. Possui patroc�nios de grandes empresas para seus cursos, mediante concess�o de bolsas para atletas cadastrados. Muitos atletas vinculados ao IBDD participaram do �ltimo para-pan e para-olimp�adas, al�m de outras competi��es. Mas o apoio � concedido na medida do bom desempenho (tempos e marcas) dos atletas. A Petrobr�s � uma das empresas que ap�ia atletas fornecendo bolsas para subsist�ncia e translados em competi��es (PC1b). Essa mudan�a de procedimento e a ado��o dos balc�es de emprego deveramse tamb�m a altera��es no processo de interlocu��o entre o Instituto Benjamin Constant e as empresas. Atualmente, s�o as empresas privadas de v�rios ramos que contatam o IBC e solicitam um perfil profissional, oferecendo as vagas. S�o solicitados profissionais com n�veis distintos de escolaridade, desde o n�vel superior at� auxiliar de servi�os gerais, que, em sua maioria, correspondem a esses �ltimos. No ano de 2008, segundo PC1b e PV10, foram inseridos 139 deficientes visuais e cegos no mercado de trabalho em diferentes cargos. As institui��es p�blicas tamb�m cumprem as reservas de vagas, mas desde que os profissionais sejam aprovados em concursos p�blicos. Segundo informa��o de PC1b as institui��es p�blicas s�o as que mais empregam deficientes visuais no Brasil inteiro. Institui��es p�blicas que possuem cegos em seus quadros s�o o IBGE, SERPRO, DATASUS, Tribunal de Justi�a do Rio de Janeiro. Este �ltimo contempla 64 cegos (dados de 2008), trabalhando em diferentes fun��es, aprovados em concurso p�blico, todos com passagem pelo IBC (PC1b e FRANCISCO, 2007). Novas iniciativas est�o em andamento no IBC no sentido de fortalecer e ampliar a comunica��o com diferentes empresas24. A estrat�gia consiste em criar ferramentas acess�veis aos deficientes e �s equipes das empresas interessadas em contratar, elaborando manuais, v�deos com entrevistas de cegos e montagem de cadastro para deficientes e empresas. A acumula��o de fun��es dos integrantes de equipe do IBC que atuam na atual proposta de encaminhamento profissional (2008-2010) dificulta o seu acompanhamento. Tais profissionais n�o conseguem dispensar a aten��o requerida nos encaminhamentos realizados (PV10): 24

O Anexo VII apresenta uma lista de empresas participantes do Programa de encaminhamento profissional do Instituto Benjamin Constant at� dezembro de 2009.

150 contratadas"

"percebemos neste processo que muitas empresas solicitam candidatos

com a estarem sendo por parte

"por isso n�o temos o controle real de quantas pessoas foram

finalidade de atender os requisitos legais da lei de cotas, por fiscalizadas. N�o percebemos uma real necessidade e conscientiza��o delas".

Em termos gerais, as empresas efetuam o contato com o IBC, ao encaminharem os perfis dos candidatos. A partir de ent�o, s�o cadastradas para a realiza��o de um trabalho de conscientiza��o, condi��o fundamental para criar uma cultura institucional e desconstruir o culto da incapacidade pr�-concebida. Com base no cruzamento das demandas das empresas e dos perfis dos deficientes visuais e cegos existentes, o IBC realiza o encaminhamento dos candidatos para as empresas. O que a institui��o deseja alterar � esta forma utilitarista que as empresas adotam de apenas recorrerem aos cadastros dos profissionais com defici�ncia, quando necessitam cumprir requisitos legais. O deficiente visual e cego encaminhado via balc�o de emprego n�o se submete mais ao acompanhamento realizado pelo IBC, tanto pelo fato do ac�mulo de fun��es anteriormente apontado, quanto pelo fato de que n�o � eficaz. � importante para o cego vivenciar as situa��es e ambiente de trabalho de modo a encontrar as formas mais adequadas de atuar. Entretanto, antes do encaminhamento, � junto � empresa que se realiza uma prepara��o quanto � recep��o do novo funcion�rio. � claro que at� ele se entrosar no trabalho, nesse per�odo, algumas empresas ainda fazem um "acompanhamentozinho", mas hoje nenhuma delas faz um acompanhamento formal. Fica parecendo tutela (PC1b). O sistema de balc�o de empregos n�o promove uma orquestra��o entre vagas e deficientes. H� momentos em que existem vagas e n�o existem deficientes, em outros ocorre o oposto. Assim, as ofertas e demandas s�o c�clicas e desencontradas. As iniciativas s�o ainda isoladas e espor�dicas, ora concentrando-se na capacita��o de deficientes, ora captando vagas para inser��o destes sem que haja uma comunicabilidade entre qualifica��o e emprego. Porque as

Infelizmente n�o � uma coisa muito estruturada. Mas por que n�o �?

institui��es especializadas n�o t�m condi��es de acompanhar o desenvolvimento tecnol�gico do mercado. O Instituto Benjamin Constant hoje (2009) n�o tem

151

condi��es de dar um curso de Open Book25 que � um programa

magistral para o porta de

deficiente visual. A forma��o em tecnologia de informa��o � uma boa entrada do deficiente visual no mercado de trabalho (PC1b).

5.4. Trabalho e di�logo: cria��o e supera��o

Al�m das formas institucionalizadas de trabalho pr�prias para os cegos, existem os casos de grupos de cegos livres que se associam em condi��es plenas para realiza��o de atividades, remunerados ou n�o, reunidos em defesa de direitos ou para reivindica��es espec�ficas como os anjos sem vis�o, anjos da vis�o em a��es, �guias de vis�o, Blind Brasil e Planet Vox. Um desses grupos, Planet Vox, costuma promover encontros em capitais brasileiras. H� tamb�m in�meros grupos de discuss�o na internet de acesso restrito aos cegos (PC1b). Esses grupos de acolhimento e di�logo formam-se por motiva��o individual ou coletiva. Partilham viv�ncias, lutam por emprego e criam redes de rela��es afetivas. Podem se reunir em escolas ou lugares p�blicos. Alguns grupos elegem uma "madrinha" ou "padrinho" como rela��es p�blicas, buscando oportunidade para torn�los conhecidos. Alguns cegos j� confessaram terem sido enganados por alguns desses supostos bem-intencionados, mas o desejo de criar novos rumos para suas vidas n�o os impede de continuar tentando. Os grupos t�m objetivos que em geral se fundam na apresenta��o de uma atividade art�stico-cultural, como teatro, dan�a ou algum tipo de sensibiliza��o em rela��o � cegueira. Em sua maioria possuem um "orientador" de atividades, algu�m que dirige e toma a frente nas discuss�es com videntes sobre propostas de apresenta��o. A partir de entrevistas e relatos informais, constata-se que tais atividades propiciam um 25

Open Book � um software que foi desenvolvido para os indiv�duos cegos e deficientes visuais. Permite ler, editar e gerenciar imagens digitalizadas de livros, revistas, manuais, notas, jornais e outros impressos. Transforma o computador em uma m�quina de varredura e leitura. Os guias de instala��o falam mediante leitor de tela. Al�m disso, Open Book vem completo com uma ampla gama de ferramentas de produtividade como a capacidade de enviar e-mail, um sistema de processamento de texto, descritores de layout de p�gina e um menu inteiro de recursos para os usu�rios de baixa vis�o. Open Book � f�cil de usar. Basta colocar o texto no scanner. Uma vez digitalizada, o software converte a p�gina impressa em texto eletr�nico para ser lido em voz alta pelo

sintetizador. Usu�rios de baixa vis�o podem optar por personalizar a exibi��o visual atrav�s de amplia��o, espa�amento entre caracteres especiais e as configura��es de cores de alto contraste. Dispon�vel em: e http://www.freedomscientific.com/PDF/ visionloss/manuals/OpenBook-Manual.pdf>. Acesso em 26 de Julho de 2010.

152 novo sentido para a nova vida que t�m, pois jamais suporiam encarnar personagens ou ensaiar coreografias antes da perda da vis�o. Essas atividades demonstram as for�as criativas capazes de engendrar novos modos de estar no mundo. Evidentemente, nem todos possuem "veia" art�stica para sa�rem representando, mas todos se valem da possibilidade de caminhos de supera��o do humano � quando submetidos a condi��es adversas e extremas � para vencerem obst�culos interpostos. Vigotski (1997:51) salienta que a capacidade de supera��o pode ser explicada pelo trabalho do fisi�logo russo Ivan Petrovich P�vlov (1849-1936)26, quando afirma que "o car�ter final dos atos psicol�gicos, sua orienta��o para o futuro e para um dado objetivo aparecem nas formas mais elementares da conduta". Pavlov cr� que a vida � a realiza��o de um objetivo; precisamente at� a prote��o da pr�pria vida: reflexo do (Pavlov apud

Toda vida, todo seu melhoramento, toda sua cultura est� referida pelo objetivo para cada homem, que ele planeja para sua pr�pria exist�ncia Vigotski: 1997:52)

Vigotski nos exp�e que a id�ia de que um obst�culo faz surgir uma resposta a ele. A exist�ncia deste obst�culo p�e em marcha mecanismos de transposi��o da dificuldade, configurando o reflexo do objetivo. Na tens�o, o organismo humano orienta-se para a cria��o de for�as capazes de transposi��o do obst�culo. Um exemplo concreto do reflexo do objetivo em resposta � exist�ncia do obst�culo � dado por Vigotski (1997:54), ao analisar a vida de Helen Keller27:

vida.

se [Helen Keller] n�o fosse cega nem surda-muda, jamais lograria o desenvolvimento, a influ�ncia e a notoriedade que lhe tocaram a

26 Tornou-se conhecido por suas descobertas sobre o papel do condicionamento na psicologia do comportamento. Ganhou o Pr�mio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 1904 n�o por estes feitos, mas por suas descobertas sobre os processos digestivos de animais. A id�ia b�sica do condicionamento cl�ssico consiste em que algumas respostas comportamentais s�o reflexos

incondicionados, ou seja, s�o inatas em vez de aprendidas, enquanto que outras s�o reflexos condicionados, aprendidos atrav�s do emparelhamento com situa��es agrad�veis ou aversivas simult�neas ou imediatamente posteriores. Atrav�s da repeti��o consistente desses emparelhamentos � poss�vel criar ou remover respostas fisiol�gicas e psicol�gicas em seres humanos e animais. Essa descoberta abriu caminho para o desenvolvimento da psicologia comportamental e mostrou ter ampla aplica��o pr�tica, inclusive no tratamento de fobias e nos an�ncios publicit�rios. 27 Nota de refer�ncia: Vygotski analisa a hist�ria do desenvolvimento de H. Keller (1880-1968) desde a perspectiva da compensa��o, a partir das condi��es sociais particularmente favor�veis que se criaram para a norte-americana cega e surda-muda. Recebeu instru��o superior, converteuse em escritora, doutorou-se em filosofia. Vygotski, L.S. Fundamentos de Defectolog�a. Obras escogidas V. Madrid: Visor dist. S.A. 1997. p. 54

153 Como entender isto? Em primeiro lugar, isto significa que suas graves defici�ncias puseram em jogo grandes for�as de compensa��o. Em segundo lugar, temse as condi��es adversas e a capacidade de supera��o pelo acesso � cultura que lhe foi propiciada, converteram seu defeito em vantagens sociais �, seguiria sua vida como uma pessoa impercept�vel na pequena prov�ncia norte-americana em que nasceu. Mas Helen Keller se converteu em uma pessoa diferenciada, tornou-se o centro de aten��o p�blica, se transformou uma celebridade, uma hero�na nacional, um milagre divino para alguns, orgulho nacional ou fetiche para outros. Para ela, seu defeito n�o criou nenhum sentimento de inferioridade e sua aprendizagem se converteu em causa de todo o pa�s. Planejaram para ela enormes exig�ncias sociais: queriam v�-la transformada em doutora e escritora; e ela os satisfez. Segundo Vygotski (1997:55) "� quase imposs�vel distinguir o que realmente pertence a ela e o que foi feito para ela pela sociedade". Isso � o melhor exemplo do que � capaz de fazer um mandato social em rela��o � educa��o de uma pessoa. A pr�pria Helen Keller, � �poca, escreveu que se tivesse nascido num meio distinto ao seu, viveria num estado de ignor�ncia eterna pelo fato de n�o ter acesso � vida social. Estaria fadada � exclus�o rodeada por um sil�ncio des�rtico, desconectada de toda comunica��o com o mundo exterior. Entre o sucesso e o fracasso existem ilimitadas possibilidades. Crer que toda

defici�ncia determina um reflexo do objetivo ou compensa��o � ing�nuo. Qualquer obst�culo deve ser visto com crit�rio e realismo. O caminho da supera��o para cada indiv�duo que perdeu a vis�o � particular. A dire��o escolhida ser� determinada pela personalidade de cada um, experi�ncias acumuladas ao longo da vida e o objetivo de vida que cada um reestrutura.

5.5. A supera��o e seus art�fices O homem encontra na sociedade e no mundo transformado pelo processo hist�rico-cultural os meios, as aptid�es e o saber-fazer necess�rios para realizar atividade que mediatiza a sua liga��o com a natureza. Para executar os seus meios, suas aptid�es, o seu saber-fazer, o homem deve entrar em rela��o com outros homens e com a realizada humana material. � no decurso do desenvolvimento destas rela��es que realiza o processo da ontog�nese humana, a transforma��o gradual das a��es exteriores

154 em a��es interiores, intelectuais, consistindo da apropria��o das aquisi��es do desenvolvimento hist�rico da humanidade, em particular das do pensamento e do conhecimento humano. Estas aquisi��es se manifestam sob a forma de fen�menos exteriores � objetos, conceitos verbais, saberes �, passando, num momento seguinte, � interioriza��o destes fen�menos e os transmitindo por gera��es (LEONTIEV, 1972:197). A vida e a obra relatadas em muitas biografias de H. Keller demonstram a clareza de algo que n�o se v� e n�o se toca, mas que ilumina e pode libertar um "esp�rito recluso no calabou�o do corpo". As influ�ncias exteriores que agiram sobre ela se evidenciaram na plenitude de sua vida, soltando as amarras de um enclausuramento aparente que a defici�ncia imp�e a muitos. Sua limita��o, contudo, n�o a impossibilitou de vencer as condi��es mais adversas que marcaram a sua exist�ncia. A ess�ncia do conceito de cegueira e surdo-mudez n�o significa apenas incapacidade. � muito mais profunda, segundo a concep��o m�stica religiosa que marcava a vida de pessoas como ela. A vida de H. Keller, entretanto, n�o tem nada de misterioso, revelando que o processo de compensa��o � determinado inteiramente por duas grandes for�as: as exig�ncias sociais que se apresentam como propulsoras do desenvolvimento da educa��o, e as for�as da psiqu� humana. Os fatores que se criaram � a partir de uma educa��o primorosa pelas m�os de uma preceptora que lhe forneceu o "filtro" sob medida � fundamentaram as condi��es para uma exist�ncia rica em criatividade e imagina��o, t�o necess�rias na forma��o de um cego. Seu defeito n�o agiu como freio, pelo contr�rio, se converteu em impulso para transposi��o dos obst�culos. Seu obst�culo foi fundamental para o desenvolvimento do reflexo objetivo constru�do com sua capacidade de supera��o. � preciso ter em mente que as investiga��es vigotskianas � �poca (1925) de seus apontamentos sobre H. Keller se baseavam parcialmente na educa��o das crian�as

deficientes como estabelecimento de reflexos condicionados, sem ver distin��o, a princ�pio, entre a educa��o de crian�as deficientes e as normais. Com base nisso, postulou dois anos depois, sob influ�ncia das id�ias de Adler, cujos preceitos afirmam que "conhecendo as inten��es de uma pessoa, pode-se prever mais ou menos seu comportamento" � as tend�ncias compensat�rias se originariam de forma autom�tica e natural na crian�a com defeito. O defeito em si constitu�a o est�mulo prim�rio para o

155 desenvolvimento da personalidade e o processo educacional poderia se utilizar dessas tend�ncias naturais. Mais tarde, em 1929, aquelas ideias ajudaram a alicer�ar sua teoria hist�rico-cultural. Para a crian�a cega, no caso destacado de H. Keller, foram a perfeita adequa��o dos meios culturais e sua respectiva assimila��o que determinaram o desenvolvimento das fun��es psicol�gicas superiores permitindo a Keller estruturar e dominar seu pensamento, criando e recombinando um n�mero cada vez maior em termos quantitativo e qualitativos que lhe disponibilizavam. Os argumentos b�sicos vigotskianos radicam no fato de que o homem domina seus processos mentais introduzindo elementos novos e artificiais numa situa��o. Este enunciado decorre do fato de que a imagem de homem racional para Vigotski � aquele que aprendeu a submeter seus impulsos e emo��es ao controle do intelecto. Aprendeu a dominar seu comportamento fazendo uso dos meios acess�veis na cultura que est� inserido, sendo espec�fico e �nico o processo de controle dos instrumentos intelectuais.

156

CAP�TULO V DI�LOGOS COM A SUPERA��O

1. Aproxima��o e acolhimento

As pessoas com as quais tive contato me marcaram pela simplicidade e alegria de viver. Em cada relato colhido, lembran�as, hist�rias e particularidades vinham � tona. Muitas vezes me via em situa��es embara�osas pela emo��o que envolvia a conversa, mas logo era preciso "desconversar" ou falar sobre minha pr�pria vida, num outro contexto, dissipando a narrativa. Na pesquisa explorat�ria, etapa pr�via que empreendi antes da aprova��o da pesquisa no IBC, um dos pesquisadores com quem conversei, e que desenvolve softwares para deficientes visuais e cegos, me falou que, para que eu pesquisasse o universo dos cegos, deveria participar de alguma comunidade de pertencimento, pela internet ou institui��o de assist�ncia a eles. Essa orienta��o foi importante

porque me permitiu efetivamente chegar at� eles, n�o os abordando ao acaso e de forma impositiva, mas respeitando o tempo necess�rio de "aceita��o" do pesquisador pelo pesquisado. � muito dif�cil a um vidente se aproximar de um cego e lhe apresentar uma pesquisa e mostrar sua utilidade e necessidade. Fixar uma base do trabalho de pesquisa no Instituto Benjamin Constant IBC n�o me impediu de conhecer pessoas cegas que n�o participavam do grupo de conviv�ncia e que nunca haviam participado do processo de reabilita��o. A fala das pessoas n�o participantes de treinamentos em programas de reabilita��o era igualmente esclarecedora sobre eventuais potencialidades a desenvolver pelo exerc�cio do estar em atividade. Com isso, por meio de alguns integrantes do grupo de conviv�ncia, que se compunha de cegos concluintes da reabilita��o do IBC, tive acesso a deficientes visuais e cegos sem v�nculos com institui��es de reabilita��o, mas participantes de programas art�sticos, culturais de outras institui��es. Nenhum desses n�o freq�entadores de programa de reabilita��o, entretanto, foi entrevistado no primeiro momento da apresenta��o, mas apenas depois que estabeleci uma aproxima��o, a partir do segundo ou terceiro encontro.

157

Alguns membros de um dos grupos de cegos pesquisados apontaram queixas relativas ao modo de aproxima��o de alguns pesquisadores. Sentem-se incomodados e invadidos quando algu�m se aproxima deles, observando-os como dados ou objetos a conhecer. Revelaram desapontamento devido ao fato de n�o terem qualquer retorno dos desdobramentos e divulga��o das pesquisas de que participam. Isso foi verificado ao apresentar minha proposta aos quarenta e oito integrantes do grupo de conviv�ncia do IBC, sendo indagada por alguns a respeito das inten��es veladas e expl�citas dos dados da pesquisa. Os questionamentos apresentados eram desde o "por qu�?", passando pelo "para qu�?", at� chegar aos poss�veis v�nculos do pesquisador com o tema a pesquisar. Voc� tem cego na fam�lia? Perguntaram-me. O que voc� pretende fazer com os resultados da pesquisa? Como os resultados poderiam reverter para n�s? Estava diante de uma plateia cr�tica e receosa de que suas informa��es fossem utilizadas indevidamente, sem que pudessem interpor impeditivos. Al�m desse grupo participante do centro de conviv�ncia, foram entrevistadas mais vinte e oito outras pessoas, perfazendo um total de setenta e seis. O crit�rio de elei��o dos sujeitos da pesquisa inclui videntes que sofreram perda de vis�o ao longo da vida. A pesquisa compreendeu tr�s fases. Na primeira fase, os setenta e seis participantes responderam a um question�rio semi-estruturado e um roteiro de perguntas s�cio-culturais espec�ficas (Anexo VIII), como tamb�m concordaram com um termo de consentimento informado (Anexo IX). As tabelas a seguir mostram uma s�ntese sobre todos os setenta e seis

entrevistados, no que diz respeito �s informa��es gerais � Tabela 5.1, aos dados relativos ao acometimento visual � Tabela 5.2 e �s informa��es s�cio-culturais espec�ficas � Tabela 5.3. A partir das respostas obtidas e pelo acolhimento proporcionado pelo grupo, convidei alguns respondentes para continuar participando do trabalho. Essa tentativa de maior aproxima��o se deveu � necessidade de um aprofundamento na realidade vivida pelas pessoas que responderam um question�rio semi-estruturado e um roteiro de perguntas. Das pessoas convidadas, dezesseis aceitaram e com elas passei a partilhar momentos e situa��es, individuais ou coletivos. Sem querer invadir ou impor um ritmo pessoal, mas pela necessidade de dados e pelo tempo reduzido, passei a ouvir e registrar encontros que, mesmo fragmentados em narrativas, propiciavam uma condi��o "desarmada" e desprovida de pr�-condi��es por parte dos entrevistados.

158 Tabela 5.1. Informa��es gerais sobre as entrevistas aplicadas na primeira fase. Dados gerais � 76 entrevistas Vari�veis N % Sexo Masculino 34 45 Feminino 42 55 Idade 27-50 18,4 51-69 57,9 70-90 23,7 Escolaridade Ens. Fund. Incompleto 27 35,5 Ens. Fund. Completo 14 18,4 Ens. M�dio Incompleto 9 11,8 Ens. M�dio Completo 16 21,1 Ensino Superior 6 7,9 Analfabetos 4 5,3 Profiss�o Do lar 14 18,4 Professora 9 11,8 Funcion�rio P�blico 6 7,9 Artes�o 5 6,6 Motorista 6 7,9 Costureira 3 3,9 Atleta 3 3,9 Pedreiro 2 2,6 Vendedor 2 2,6 1 Outras 10 13 2 N�o responderam 16 21,1 Renda 1 a 2sm 18 23,7 2 a 3sm 7 9,2 3 a 4sm 13 17,1 > 4sm 7 9,2 N�o responderam 31 40,8

Com quem mora Fam�lia 42 55,3 Sozinho 13 17,1 Abrigo 5 6,6 Casa de amigos 5 6,6 N�o responderam 16 21,1 (1) Outras: inclui seguran�a, cozinheira, auxiliar administrativo, operador de m�quinas, secret�ria, auxiliar de enfermagem, aplicador de laminados, aerovi�rio, gar�om, massoterapeuta contabilizam um membro cada (1,3%). (2) 16 pessoas n�o quiseram responder.

159

%

Tabela 5.2. Resultados das entrevistas aplicadas na primeira fase. Dados relativos ao acometimento visual Vari�veis N

50

Condi��o visual Cego

38

Baixa vis�o

50

38

Diagn�stico oftalmol�gico Doen�as degenerativas da retina1

26,3

Glaucoma

27,6

20 21

Retinose diab�tica

10,5

8

Descolamento retina2

10,5

Alta Miopia

3

7,9 Doen�as da c�rnea

7,9 5,3 2,6 1,3

8 6 4

Catarata

4

Amaurose5

2

Uve�te

1

Diagn�stico cl�nico Diabetes

21,1 32,9 2,6 11,8

6

Hipertens�o

16 25

Alergia

2

N�o sabidos (incertos)

9

N�o responderam

24

31,6

1

Est�o inclu�das a degenera��o macular da retina ligada � idade � DMRI, retinose pigmentar cong�nita, s�ndromes e de origem infecciosa. Fonte: Foundation Fighting Blindness (http://www.blindness.org/). 2 Causado por trauma e ferimento penetrante. 3 Nesta classifica��o est�o inclu�das os erros de refra��o graves (miopia, astigmatismo e estrabismo). 4 Ceratocone, �lceras, infec��es bacterianas, virais e fungos; distrofias gen�ticas; opacidade corneana por toxoplasma, s�ndromes, rub�ola cong�nita, choques al�rgicos Stevens Jonhson (Adam Netto et al., 2006). 5 Cegueira total ou parcial que n�o apresenta altera��o ou les�o grosseira dos olhos (como aquelas associada a les�o do nervo �ptico). Na busca de informa��es, sem querer invadir ou impor um ritmo pessoal, mas pela necessidade de dados e pelo tempo reduzido, passei a ouvir e registrar encontros que, mesmo fragmentados em narrativas, propiciavam uma condi��o "desarmada" e desprovida de pr�-condi��es por parte dos entrevistados. A abertura para possibilidades de participa��es em lugares comumente freq�entados pelos cegos permitiu observar situa��es, contextos e tomadas de decis�o de alguns integrantes em nome de todo um grupo. Essa constata��o me foi poss�vel pelo acompanhamento de situa��es vividas e coordenadas por eles, percebida quando no exerc�cio da atividade em grupo e sem um cen�rio espec�fico de tomada de depoimentos.

160

Tabela 5.3. Resultados das entrevistas aplicadas na primeira fase. Dados espec�ficos condi��es socioculturais Vari�veis N

%

Atividades que gosta de fazer Artesanato1 15,8 13,2 13,2 5,3 9,2 11,8

12

Canto, teatro, dan�a

10

Cer�mica

10

Ingl�s, inform�tica

4

Nata��o e exerc�cios

7

Passeios2

9

Estudar e capacitar para retorno ao trabalho 6,6 6,6 18,4

3

5

Aprender Braille

5

N�o responderam

14

Onde realiza atividades ou frequenta Apenas no IBC 47,4

36

4 CIAD

3,9

3 5

Outros locais 6,6

5 6

IBC e Grupos independentes

25

N�o participa de nenhuma atividade

7

Qual o motivo de freq�entar locais acima Conhecer pessoas

6

32,9 9,2

7,9 22,3 21,1 14,5 11,8 6,6 5,3 3,9 6,6

1 2

Conviv�ncia com pares e n�o sente preconceito

17

Amizade e v�nculos

16

Estar em atividade

11

Aprendizado

9

Exemplo de vida

5

Preencher o tempo

4

Outros (conflitos em casa adaptar-se � vida)

3

N�o responderam

5

Cestaria, biscuit, tricot, tape�aria.

Locais preferidos: Conhecer o Corcovado, P�o de A��car, Jardim Bot�nico, Ilha Fiscal. 3 Aprender nova profiss�o (massoterapia, c�mara escura, telemarketing), fazer supletivo, cursar universidade. 4 Centro Integrado de Aten��o a Pessoa Deficiente � CIAD - Prefeitura do Rio de Janeiro. 5 Universidade Aberta da Terceira Idade (UnATI), Narc�ticos An�nimos, Jardim Sensorial do Jardim Bot�nico do Rio de Janeiro, Blind Games Brasil, Team Speak, Centro de Integra��o

Comunit�ria (CEDICOM), Instituto Brasileiro das Pessoas com Defici�ncia

(IBDD). 6

Alguns cegos agrupam-se por uma causa, entretenimento ou trabalho: Anjos sem Vis�o e Anjos da Vis�o em A��o Participam de grupos carnavalescos como Bloco Carnavalesco Benjamin no Escuro e Embaixadores da Alegria (outros deficientes al�m de cegos). � comum a participa��o dos cegos em todos os grupos. Esse momento constitui a segunda fase da pesquisa na qual trabalhei um novo roteiro de perguntas (Anexo X). Evidentemente, o conv�vio com dezesseis cegos, familiares de alguns deles e suas particularidades remeteram a um campo vasto de possibilidades. Precisava eleger, dentre os integrantes desse novo grupo de dezesseis 161 pessoas, um subgrupo que se dispusesse, nesta terceira fase da pesquisa, a me acompanhar e aceitasse a minha companhia por ainda um tempo, continuando as narrativas de suas experi�ncias em novas oportunidades de encontros. E assim chegamos ao n�mero de quatro participantes, cujas hist�rias de supera��o s�o exemplos do potencial humano e que apresentamos a seguir. Poder�amos apresentar outros relatos igualmente ricos de experi�ncias. Mas a escolha foi muito mais pela empatia m�tua inerente aos encontros que estabelecemos ao longo da pesquisa.

2. Di�logos com Cl�udio, �ngela, Evaldo e Ana

Conhecemos muitas pessoas em nosso dia a dia, mas poucas nos marcam e nos fazem refletir e olhar para dentro de n�s mesmos. E essas pessoas foram exemplares nesse exerc�cio, por darem testemunhos de novos objetivos e sentidos para suas vidas. Essas quatro pessoas integraram a terceira e �ltima fase da pesquisa. Contudo, a sele��o desse novo subgrupo n�o determinou um distanciamento dos demais membros, pelo contr�rio. Novos integrantes volunt�rios para primeira fase se apresentaram convidados pelos antigos participantes, mas n�o havia tempo h�bil para retomar o primeiro momento da pesquisa, sendo-lhes explicados esses motivos.

2.1. Empreendendo a pr�pria vida � Cl�udio ouvido". Cl�udio

"Passamos a ter a vis�o no pensamento e no

Cl�udio come�ou a trabalhar desde muito cedo. Com cerca de cinco anos de idade trabalhava na ro�a em Nazar�, conhecida como "das farinhas", cidade do rec�ncavo baiano, �s margens do Rio Jaguaribe. Tal foi a import�ncia no desenvolvimento do munic�pio dos produtos extra�do da mandioca, que a cidade passou a ser conhecida como "Nazar� das farinhas". Das farinhas, a que mais lhe conferiu fama pela larga produ��o foi a de copioba. Hoje � uma grande produtora de azeite de dend�, entre outros, e possui grande patrim�nio cultural. A fam�lia de Cl�udio plantava banana e mandioca e, aos oito anos, o menino levava as coisas da ro�a para vender na feira de

162 miudeza de s�bado. Era comum nessas feiras os comerciantes de Salvador comprarem produtos para vender na capital. Mas o menino tinha o sonho de conhecer o mar. E num dia de sol, o patriarca levou a fam�lia para conhec�-lo. Nesse dia, depois de deixar a fam�lia aguardando, o pai sumiu e nunca mais o viram. O menino j� contava doze anos na �poca. E assim, Cl�udio sua m�e e cinco irm�os retornaram a Nazar� e nunca mais o pai voltou. Depois do desaparecimento Cl�udio teve que trabalhar duro. Ordenhava rebanhos em fazendas locais e plantava, sendo os produtos vendidos de porta em porta no centro de Nazar�. Com quatorze anos foi para Salvador e passou a vender caf�, f�sforo, vela e tempero seco. Coisas que n�o se estragavam facilmente. Gritava o dia inteiro na feira de S�o Joaquim. Mas, como muitos jovens, ganhava de dia e gastava � noite, seguindo esta rotina at� completar dezoito anos. Resolveu que se alistaria em S�o Paulo, para mudar de vida. L� chegando, pelos anos de 1979, tirou carta e conseguiu um emprego, sabe-se l� como, mediante um teste, afirmando: "Minha vida sempre foi assim... arriscando coisas...". O trabalho era num grande estacionamento da empresa Napoleano e Alves. Ficou pouco tempo, indo para a Ouro Park em 1980. No ano seguinte, o patr�o, H�lio Cerqueira1, almo�ando em sua companhia falou: � "Cl�udio, estou abrindo um estacionamento no Rio e estou pensando em mandar voc� para l�. Voc� tem uma pinta de malandro � e o Rio � um lugar de malandragem...." Nessa �poca, Cl�udio estava cheio de namoradas em S�o Paulo. Entretanto, o Rio lhe dava um frio na barriga, ao mesmo tempo em que o enchia de coragem para novos desafios. Ent�o respondeu: "P�... deixar tudo aqui pelo Rio!" Dois meses se passaram e, num belo dia, o chefe que lhe fizera a proposta disse: "E a� cara, t� lembrado da proposta que eu fiz de ir para o Rio e tal?" Ele respondeu: "Eu t�". E ent�o o chefe completou: "Voc� ter� que ir semana que vem". Isso era uma sexta-feira e a viagem seria na quarta-feira seguinte. N�o deu para fazer quase nada a n�o ser se despedir do pessoal amigo e das namoradas mais pr�ximas. E no dia 4 de novembro de 1981 partia o baiano de Nazar� das Farinhas para trabalhar na

1

Come�ou sua vida como manobrista hoje administra junto com o irm�o uma rede de servi�os de estacionamentos em muitas cidades brasileiras. A Estapar foi fundada em 1982 com a finalidade de operar as vagas do Centro Comercial It�lia, garagem administrada pela empresa at� hoje em S�o Paulo. Com o objetivo de conquistar o mercado paulista, em janeiro de 1987 a Estapar associou-se � Riopark, empresa que atuava desde 1981 no mercado carioca, dando in�cio � rede Estapar Riopark. Entrevista concedida por Cl�udio

163 primeira Estapar Riopark inaugurada no Rio de Janeiro. Cada novo estacionamento aberto, l� estava Cl�udio auxiliando no treinamento dos novos. Era encarregado. Nos finais de semana fazia o trabalho de supervisor. Num domingo, ap�s quatro anos j� adaptado no Rio de Janeiro, por volta de 1985, saiu com os amigos, sofrendo no retorno um acidente automobil�stico. O carro que dirigia capotou e bateu numa pilastra num dos viadutos que atravessam a avenida Brasil no Rio de Janeiro. Sofreu traumatismo no rosto, afetando os olhos e lhe trazendo opacidade corneana2 3. Segundo seu relato, se fosse prestado o atendimento r�pido no hospital, n�o perderia a vis�o. S� que n�o contava � �poca com uma greve no hospital p�blico em que foi atendido, que o impediu de ter acesso aos procedimentos imediatos. Dois dias ap�s o acidente, ainda internado, Cl�udio teve a not�cia de que n�o enxergaria mais. A not�cia lhe caiu como uma bomba. N�o tinha conhecimento nem contato com nenhum cego. A ideia que fazia de um cego era algu�m que pedia esmola na esquina, todo maltrapilho, e esse estere�tipo lhe corro�a a imagina��o. Segundo conta, o que lhe deu certa seguran�a foi estar vinculado a uma empresa que n�o o deixou desamparado nessa hora. Ficou um ano em casa, sofrendo � claro, tentando aprender outras coisas. Enquanto isso, afastado pelo seguro doen�a, a empresa complementava sua renda com um sal�rio m�nimo por quinzena. At� que, findo o primeiro ano (1986), uma antiga cliente do edif�cio F�rum de Ipanema o aconselhou a procurar o Instituto Benjamin Constant. Matriculou-se, passou pela avalia��o e ficou nove meses aprendendo um pouco de Braille, a locomover-se e usar a bengala. Ap�s esse per�odo, sem que houvesse cumprido as atividades de reabilita��o propostas, deixou para traz uma prescri��o e tratou da vida como sempre fazia, desta feita, em condi��o bem distinta. Retornou ao IBC apenas em 2004.

2

� o resultado causado por les�o direta do cristalino que pode ocorrer de modo penetrante ou por traumatismo contuso do globo ocular. Dependendo do tipo de opacifica��o do cristalino e do envolvimento do eixo visual, os sintomas s�o desde baixa a aus�ncia total da

vis�o. A cirurgia nesses casos deve ser imediata, embora com riscos de insucesso (AGARWAL, 2010). 3 O processo cicatricial de repara��o ao trauma se inicia imediatamente ap�s a les�o epitelial, com a secund�ria libera��o de citocinas e fatores de crescimento. Entende-se que as c�lulas epiteliais estejam em constante atividade metab�lica e os diversos fatores tr�ficos produzidos por elas sejam respons�veis pela ativa��o dos diferentes sistemas que interagem entre si com o objetivo de preserva��o das propriedades anat�micas e fisiol�gicas do tecido corneano. Portanto, a cicatriza��o corneana nada mais � do que uma resposta de defesa celular observada nos quadros de infec��o e inj�ria mec�nica, cujos principais objetivos s�o a restaura��o da estrutura tecidual e o restabelecimento de suas caracter�sticas funcionais (VIEIRA NETTO, 2005).

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Mesmo depois de aposentado pelo INSS, a empresa continuava complementando seu benef�cio. Mas isso incomodava Cl�udio. N�o fazia nada que justificasse o sal�rio recebido, segundo seu entendimento. Um ano ap�s o acidente, com vinte e seis anos, queria continuar desenvolvendo alguma atividade na empresa. Ent�o resolveu ter uma conversa com uns dos s�cios da Estapar Riopark. No encontro falou: "Seu H�lio, eu quero voltar a trabalhar", ao que ele respondeu: "Mas Cl�udio, o que voc� vai fazer aqui? O que tem para voc� fazer?" E Cl�udio respondeu: "Oh, se o senhor me der uma oportunidade, eu vou mostrar que eu tenho o que fazer aqui na sua empresa. Por exemplo, eu posso pegar uma ficha no arquivo que as pessoas pedirem no departamento pessoal, eu posso datilografar, posso fazer memorando, uma carta, sei l�!" Na �poca do acidente Cl�udio era encarregado de estacionamento. O senhor H�lio pegou uma s�rie de fichas num arquivo e deu-as nas m�os de Cl�udio, falando: "Se eu te pedir uma ficha, qual que voc� vai me dar?" Ele respondeu: "N�o sei." Quando o senhor H�lio teve que se ausentar por alguns instantes, Cl�udio perfurou uma das fichas fornecidas pelo chefe com a letra "a" em Braille para lembrar o nome Ant�nio. Colocou todas de volta no arquivo e aguardou. Findo o telefonema, O senhor H�lio falou: "Cl�udio, vai at� l� no arquivo e pega aquela ficha que eu lhe dei e me traz at� aqui!" Cl�udio pensou consigo mesmo: "Agora eu quero ver a malandragem do Cl�udio!" Foi at� o arquivo e pegou a ficha perfurada e disse: "T� aqui, senhor H�lio, a ficha do Ant�nio!" Surpreso, ele respondeu: "Cl�udio voc� � advinha? Como � que voc� fez isso?" E Cl�udio respondeu: "A� doutor, � a malandragem, se eu for te ensinar o pulo do gato, a malandragem, eu estou perdido, n�o estou?" O chefe continuou perguntando sobre o que tinha acontecido. Mas Cl�udio desconversou a curiosidade. E o chefe insistente continuava: "Cara, o que voc� fez? Voc� � muito malandro!" E Cl�udio para encerrar o interrogat�rio falou: "Senhor H�lio, eu n�o sou

malandro. S� estou aprendendo a viver novamente!" Depois disso, Cl�udio come�ou a dar outras sugest�es de atividades que ele poderia desenvolver na empresa, aceitas pelo patr�o. Segundo seu relato, as atividades da empresa envolviam comunica��es constantes ao longo do dia com cada filial de estacionamento. O sistema utilizado era do tipo linha privada � LP4. Esse sistema, para Cl�udio, era caro e pouco eficiente:

4

Esp�cie de interfone que quando se retira do gancho aciona no destino.

165 as uma pessoa

Tem uma coisa que eu n�o falei ainda, voc�s tem um sistema de LP para garagens; ao inv�s de ficar ligando para os encarregados e levantando

de sua mesa para ir atender e anotar o que precisa na garagem, eu fa�o isso cara. Eu fico sentado, eu pego os telefones, eu fa�o isso, n�o tem problema. Como � que voc� vai fazer? A�, doutor, voc� tem que me dar a oportunidade para o senhor v�. O chefe resolveu apostar na ideia de Cl�udio e falou num sal�o para os demais funcion�rios: "Gente, o Cl�udio vai voltar a trabalhar aqui conosco na segundafeira, eu n�o quero que trate ele como cego...", e continuou... "... tratem-no como uma pessoa normal. Se ele faltar � para dar falta. Ele s� vai ter liberdade aqui um dia por semana, que � segunda-feira, para ele resolver a vida dele no Benjamin Constant, vai marcar consulta neste dia, m�dico para este dia, tudo para este dia. � o dia que eu vou dar para ele, se outro dia ele faltar, a� � falta. Ele vai ser um funcion�rio como um outro qualquer, s� n�o vai ser registrado por causa do INSS, n�o pode registrar ainda." Ent�o todos come�aram a tratar Cl�udio de forma normal. Chegava l� de manh�, abria a sala e fazia tudo. Na �poca, havia tr�s LPs apenas. As sugest�es do antigo funcion�rio envolviam investimentos e Cl�udio dizia para o chefe adotar o sistema em todas as garagens: tinha um

Vai facilitar o meu trabalho, dos encarregados e do supervisor. S�

supervisor na rua. Ent�o o chefe falou: Mas vai ficar caro e tal. Eu falei: Caro, mas uma vez s�. Telefone voc� gasta no telefone, gasta conta, gasta matr�cula e o LP n�o, voc� gasta s� uma mensalidade, fica dez merr�s por m�s. Voc� faz uma liga��o e gasta conta. A� ele falou assim: Poxa, Cl�udio, vou pensar nisso. Passou um

tempo a minha mesa j� estava com vinte e cinco aparelhos. Al�m desses, acrescentaram uma linha telef�nica comum e um r�dio. Tudo sob a responsabilidade de Cl�udio que cancelou sua aposentadoria pelo INSS e foi recontratado pela empresa. Nesse �nterim, conseguiu apoio para modernizar ainda mais seu posto de trabalho, implantando os KS5 (key system), que possibilitaram ainda mais as trocas de comunica��o no ambiente dentro da empresa. Com isso, passou a supervisor, sua primeira promo��o depois de cego. Tr�s anos depois j� era supervisorchefe, coordenando dez supervisores.

5

Aparelho que permite visualizar linhas e ramais, que est�o ocupados no momento, atrav�s de leds (luzes) de sinaliza��o.

166

Essa ascens�o lhe permitiu conhecer melhor a empresa. Por sua seriedade no trabalho, alem do pr�prio senhor H�lio, todos os demais diretores o consultavam para que emitisse opini�o a respeito do que propunham. Conseguia memorizar cento e trinta telefones entre clientes e fornecedores: A� o H�lio falou assim: Ah Cl�udio, eu vou colocar voc� como conselheiro da diretoria. Eu falei: tudo bem, pra mim � um cargo pesado... . P�xa cara, voc� acha que eu tenho condi��es de... .Ent�o o chefe respondeu: Cl�udio, tudo o que a gente faz aqui n�s comunicamos a voc� e suas opini�es s�o sempre muito v�lidas para a gente. Inclusive voc� daqui, voc� consegue descobrir quem est� roubando na garagem, isso � uma coisa incr�vel. E eu descobria mesmo. Cl�udio passou a ocupar o cargo de conselheiro de diretoria depois de cinco anos de sua reinser��o na empresa. J� estava cego h� seis anos. O novo cargo fora criado para ele, pois n�o existia antes. Formalmente o registraram como coordenador de opera��es gerais. Ent�o, segundo ele mesmo afirma no meio quinze.

comprei a camisa da empresa, o sal�rio melhorou, a moral tamb�m. Poxa, de tanta gente enxergando!... . Trabalhou mais dez anos, num total de

O trabalho satisfazia plenamente Cl�udio, mas algumas pessoas passaram a criar intriga para v�-lo em situa��o dif�cil. At� que chegou num momento em que as

press�es come�aram a afetar seu trabalho. As persegui��es n�o tardaram como a qualquer pessoa que atua em cargo de confian�a e tem o apoio do escal�o. A empresa tinha crescido bastante. N�o tinha s� vinte e cinco filiais, com mais de cinq�enta. Quando saiu, no ano 2000, deixou-a com cinq�enta e seis. indaga: muito ruim, separando cabe�a.

a acontecer alto j� estava E Cl�udio

A� voc� me pergunta: Por que eu sa�? A� veio o desespero, uma �poca eu tinha aberto uma lanchonete, estava falindo, eu estava quase me tamb�m, problemas s�rios, amea�as na empresa, a� veio tudo na minha

Para Cl�udio a empresa em que trabalhou lhe deu uma grande oportunidade. "Fizeram uma readapta��o pra mim, na �poca n�o tinha nada disso, de cego trabalhar em certos locais. Era muito dif�cil h� alguns anos atr�s. E eu fiquei no meu espa�o, cada coisa que eu descobria eu falava com eles e eles me apoiavam". "Eles viam que eu era produtivo....". "Sa� em 21/01/2000, ou seja, janeiro de 2010, faz dez anos, mas gra�as a Deus eu desenvolvi um bom trabalho.... Eu tenho boas amizades l� dentro".

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Cl�udio fechou a lanchonete e ficou um ano e meio em casa sem fazer nada, lavando roupa, lavando lou�a. Ent�o pensou: "Gente, pera�, Cl�udio em casa, que usava a casa s� para dormir. Ficar vinte e quatro horas em casa. Eu vou � luta". Ent�o tomou a decis�o de retornar ao Benjamin Constant, rematriculando-se no final de 2003. "Ah! Agora vou voltar e aprender algumas coisas". Na primeira vez que esteve no IBC em 1986, fez "um pouquinho s� de reabilita��o". Aprendeu a andar com a bengala sem passar pelo treinamento convencional: "Eu n�o passei pela reabilita��o". "Eu segui a minha vida". Pensava: "O que eu j� sei me basta." Em seu retorno, em 2004, aperfei�oou o Braille. N�o se identificou com a oficina de cer�mica. Ent�o parou. O curso de cestaria com jornal foi o que mais lhe agradou, passando a criar artesanatos. Come�ou a vend�-los numa banca armada em frente � sua casa: "Tenho uma loja hoje que � a Nossa Senhora do Relento, ela pega muito sol, chuva e muito vento. Ela n�o tem parede nem teto". Mas foi no teatro e na cria��o do grupo Anjos da Vis�o em A��o que encontrou novos desafios. No come�o n�o gostava nem um pouco da ideia. Representou por insist�ncia do ent�o diretor, numa pe�a intitulada �ndia Pach�. O carro chefe era uma outra pe�a � Homem Divis�o. Na v�spera de uma das apresenta��es, um dos atores ficou doente e teve que ser substitu�do. Eram oito horas da noite e a pe�a seria apresentada no dia seguinte �s quatorze horas. Cl�udio substituiu o ausente a contragosto. "S� para fazer vontade do diretor". O resultado foi t�o positivo, que foi estimulado a continuar porque levava jeito para a coisa.

Depois dessa experi�ncia, Cl�udio se incorporou ao grupo de teatro, n�o apenas como mero expectador como fazia usualmente acompanhando as apresenta��es, mas representando. "Depois da apresenta��o, o diretor insistiu para que eu continuasse, que eu daria certo e tal. A� eu fiquei". Fez v�rias pe�as, v�rios esquetes, e at� pensa em se profissionalizar porque acha que o teatro � uma coisa boa pelo trabalho em p�blico. O teatro possibilita reconhecer todo mundo, conhecer pessoas, conhecer coisas novas. "O teatro foi muito legal, o teatro me deu, digamos assim, mais uma supera��o". Segundo sua avalia��o, os deficientes s�o marginalizados. uma rua, ningu�m

Ou t�m que ser apresentado por algu�m, ou quando voc� est� atravessando ele lhe oferece ajuda. Ningu�m sabe sua hist�ria, n�o sabe quem � voc�,

sabe de nada. Ent�o a gente, no teatro, tem essa oportunidade, de mostrar a nossa cara, mostrar que estamos fazendo algumas coisas, fazer o pessoal rir tamb�m.

168

Depois da apresenta��o as pessoas v�m te fazer perguntas, v�m perguntar como � que � ser cego. O teatro oferece a oportunidade de expressar habilidades. Nas palavras de Cl�udio: na si. Voc� palco. � estou

N�s estamos tendo resultados com isso porque o teatro nos ajudou muito reabilita��o, est� nos ajudando porque n�o fica s� na reabilita��o em expressa um papel de um ator e incorpora esse ator quando voc� sobe no uma coisa muito gostosa. Ent�o eu aprendi com o teatro, aprendi n�o, aprendendo.

Cl�udio, depois que ficou cego, tinha o desejo de abrir um clube de cegos, porque todo mundo tem clube e os cegos n�o t�m. Criou o grupo Anjos da Vis�o em A��o, que apresenta pe�as teatrais, re�ne-se para eventos de sensibiliza��o em empresas e escolas para os cuidados com a vis�o, e criou uma proposta de socializa��o para integrar cegos avulsos (cegos n�o cong�nitos, no jarg�o dos pr�prios cegos). Cl�udio cr� que � preciso elaborar alguma coisa com a qual se possa mostrar para o mundo a capacidade dos cegos, porque a maioria est� escondida, trancada ou presa, e ele se sente na obriga��o dessa tarefa. Est� criando, no mesmo sentido dos Anjos da Vis�o em A��o, o "Conhecer

sem Ver", e acha que vai ampliar este conceito "Para al�m da Vis�o". Pensa tamb�m em criar um ponto de encontro para as pessoas se conhecerem sem se ver. Entrariam mulheres de um lado e homens pelo outro e se encontrariam no escuro. Afirma que n�o seria "para namorar n�o, mas se da� pintar sua cara metade, se voc� for solteira e tal...". Est� empenhado nessa tarefa de aproximar as pessoas dos cegos e entre os pr�prios cegos. A reabilita��o � um reaprender. "� voc� achar que o mundo acabou para voc�, porque voc� ficou cego, claro que o mundo acabou momentaneamente". As institui��es especializadas fornecem um grande suporte. Vai ensinar a voc� descobrir um novo mundo, dentro daquilo que voc�

vive, mas

sem o campo visual. A chave para o reaprender � individual. Um mesmo

est�mulo

pode provocar variadas formas de agir. As hist�rias s�o �nicas, mas os

caminhos

s�o m�ltiplos. Cada qual com suas refer�ncias pessoais.

Descobre-se que o aprender se faz a partir de coisas que n�o dependem da vis�o, mas do pensamento, de um saber todo pr�prio que cada um carrega. "Digamos

169 assim, trabalho manual, por exemplo, fazer enxergando � uma coisa, agora fazer sem ver � bem diferente. � algo que se idealiza e desenvolve na mente. Imagina-se. N�o que seja diferente com os videntes; mas, quando se enxerga, fica-se dependente exclusivamente do sentido da vis�o e pouco se imagina fora do observ�vel". As refer�ncias s�o visuais. "Passamos a ter a vis�o no pensamento e no ouvido". Quando � pedido refer�ncia visual de um o que � um copo, eu j� vi um copo, sem voc� estar

a um cego que confeccione uma caneca de cer�mica, a copo com al�as aparece, porque j� foi visto um dia. "Eu sei um copo. Voc� para modelar aquela cer�mica at� o formato de vendo, � meio complicado. Mas tudo se aprende".

O primeiro passo � andar de bengala para aprender a se locomover sozinho; depois � o Braile, porque o Braile d� o contato com mundo exterior pela leitura. � a descoberta pelo tatear as coisas, � tocar, e, digamos assim, dar seguimento � vida. Reabilita��o � isso, � voc� ter um novo aprendizado sem a tua vista. A �nica coisa que voc� n�o pode fazer de forma alguma sem enxergar � dirigir, mas o resto voc� consegue fazer igual aos outros, �s vezes at� melhor. Agora, realmente, se voc� depende da vista mesmo, a� voc� n�o faz. Eu descobri coisas novas. Aprendi coisas novas. Tem coisa que eu fa�o

hoje porque

eu estou cego. Por exemplo, o teatro, se eu enxergasse nunca iria fazer

teatro. De

jeito nenhum! Eu n�o ia fazer teatro. Eu tenho certeza que eu n�o faria. O mais importante para Cl�udio, fundamentalmente, foi saber se locomover. O Braille tamb�m foi importante, mas se revelou numa perspectiva diferenciada. Para ele, aprender a ter aten��o pelo tato forneceu a dist�ncia das coisas: "O Braile te ensina isso". Aprende-se a pegar um copo com �gua, por exemplo, e n�o derrubar. Segundo Cl�udio, o Braille d� uma mobilidade sutil. � para al�m da leitura. Fornece no��o de espa�o. De profundidade das coisas, no��o de leveza. Para ele, quando se fica cego, aprende-se a ter a clara no��o de um corpo. Principalmente das m�os. Exercita-se a todo instante o dom�nio do uso das m�os. Leve ou muito pesada. � preciso aprender a tocar tudo com leveza. Escrever, ler e lidar com as pessoas. "Voc� n�o vai ser bruto como voc� era antes". "Voc� n�o chega e esbarra. Aproxima-se lentamente." Adquire-se nova coordena��o motora e mental da proximidade das coisas.

alguma

�s vezes a gente � feliz e n�o sabe. Fa�a com convic��o tudo aquilo que desejar fazer. Fa�a com amor, carinho, dedica��o para deixar sempre

170 A��o

coisa para algu�m. Eu sempre digo para esse grupo Anjos da Vis�o em (AVA) que n�o quero que ele morra.

2.2. Os olhos das m�os � �ngela

e eu n�o sabia. respirar ou beber �gua.

Eu acho que sempre esteve dentro de mim, � muito f�cil para mim, � como

�ngela

�ngela descobriu-se artista quase por acaso. Aposentada em 2004 aos quarenta e seis anos, ap�s vinte e cinco trabalhando em c�mara escura em hospitais da rede p�blica do Rio de Janeiro, procurou o Instituto Benjamin Constant para aprender ingl�s e inform�tica. Nunca havia ido l�, embora estivesse no Rio desde 1970 para tratamento de uma cegueira adquirida pela s�ndrome de Stevens Johnson6. N�o cursou nem um nem outro. Ao visitar a oficina de cer�mica, jamais poderia supor que ali estava a descoberta de uma potencialidade. O convite partiu de uma amiga que queria partilhar a

experi�ncia do aprendizado. Mas �ngela logo se mostrou incr�dula dizendo: "Eu n�o! Ir l� pra fazer canequinha, eu n�o vou n�o..." A amiga insistiu, dizendo que fariam um pres�pio... e ela aceitou. Luciana sentou-se ao lado da amiga que lhe passou uma bola de argila dizendo que trabalhasse a massa, apertando aqui e ali; com isso, foi achando interessante o contato com o barro. Na aula seguinte, l� estava �ngela dizendo que era ouvinte, pois n�o havia vaga na turma e existia uma fila de espera para cursar a oficina, segunda a professora. Nessa mesma aula, a turma aprenderia a fazer m�scaras. �ngela trabalhou o barro e fez um rosto. Ao perceber sua primeira cria��o, exclamou: "Gente! isso aqui � fant�stico!" Sua m�scara surpreendeu a pr�pria professora e outros alunos, sendo 6

A s�ndrome de Stevens-Johnson pode ser definida como uma afec��o inflamat�ria aguda, febril e autolimitada, com dura��o aproximada de duas a quatro semanas, que afeta a pele e a membrana mucosa. A s�ndrome inicia-se geralmente ap�s o uso de medica��es ou ocorr�ncia de infec��es e provavelmente apresenta etiopatogenia autoimune. O quadro ocular � caracterizado por uma conjuntivite purulenta catarral bilateral, membranosa ou pseudomembranosa. Na fase cr�nica, a maioria dos pacientes apresenta numerosas altera��es da superf�cie ocular que podem comprometer a acuidade visual, destacando olho seco, conjuntivaliza��o e queratiniza��o corneana. A incid�ncia da s�ndrome de Stevens-Johnson est� estimada entre um a seis casos por um milh�o de habitantes. Apesar de rara, esta doen�a gera um forte impacto emocional, social e econ�mico e leva potencialmente � cegueira pacientes jovens (NOGUEIRA et al, 2003).

171 colocada num grande painel, em exposi��o at� hoje. A combina��o de cores e linhas foi motivo de elogios. Logo os coment�rios n�o faltaram entre os participantes, que alegavam ter entre eles algu�m que n�o havia respeitado a lista de espera por uma vaga. �ngela, no entanto, insistia que n�o estava tirando a vez de ningu�m e que apenas era ouvinte. S� que as participa��es se sucederam um dia ap�s outro de aula e em cada trabalho mais est�mulo para continuar, pois a experi�ncia da cria��o lhe infundia uma felicidade que ainda n�o tinha vivido. Numa das aulas, a professora fez um coment�rio com um dos participantes: "Essa mo�a n�o pode sair daqui n�o..." E desse momento em diante, a professora deixou �ngela livre para criar. No ano seguinte, em 2005, passou a fazer esculturas por conta pr�pria.

Para �ngela a arte sempre esteve dentro dela, embora ela n�o soubesse. � natural. � como respirar. Preferiu se dedicar � escultura de bustos, pequenas estatuetas e mulheres como sua marca mais expressiva. No come�o e ainda hoje faz esculturas sob encomenda. Segundo ela, � comum homenagear personalidades, em eventos, com presentes feitos por artes�os. No grupo7 que integra � a �nica com habilidades pl�sticas. Com isso, quando algu�m de seu conhecimento ou conv�vio recebe um convite para um evento, ou existe a possibilidade de criar pe�as para personalizadas, ela � acionada para uma possibilidade de encomendas de pe�as. Existe uma rede de coopera��o entre os membros do grupo, em que cada qual sabe o seu potencial de realiza��o. J� participou de muitas exposi��es desde 2006 no Rio de Janeiro e na Bahia. Apresentou-se na Exposi��o de Esculturas realizada no Hotel Transam�rica em Comandatuba na Bahia, na I Feira Nacional de Acessibilidade e Reabilita��o REACESS no Rio de Janeiro, na exposi��o "Olhos da Alma" no Jardim Sensorial do Jardim Bot�nico do Rio de Janeiro, no sal�o de Belas Artes do Clube Naval. Nesse ano de 2010, participou da exposi��o de Arte Muito Especial no Centro Cultural Justi�a Federal, tamb�m no Rio de Janeiro, entre outras. Em boa parte delas, �ngela realizou oficinas de cria��o de esculturas, apresentando sua t�cnica de cria��o. 7

� comum aos deficientes visuais integrarem um determinado grupo de atividades. Formam-se pelas prefer�ncias compartilhadas. Os que gostam de representar articulam-se numa rede de rela��es a qual se subordina a um diretor, no caso do teatro, a um professor de artes pl�sticas ou artista vidente, no caso de pintura e escultura. Essas redes agem na promo��o de eventos, exposi��es ou outras atividades art�sticas. H� os que n�o desenvolvem a atividade art�stica em si, mas acompanham os amigos nas apresenta��es. No caso de �ngela, desde 2006 realiza exposi��o e oficinas de pe�as onde ensina para os que enxergam como se d� o seu processo de cria��o.

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As obras de �ngela apresentam movimento. Enquanto convers�vamos, trabalhava o barro. N�o possui forno em casa e, por isso, precisa levar as pe�as para "queimar" na oficina de cer�mica do Instituto Benjamin Constant. Suas pe�as s�o trabalhadas com texturas diferentes. As mulheres, em especial, possuem vestimentas longas, nas quais s�o aplicadas pedrinhas, sementes, conchas, rendas, tecidos e outros materiais. Em sua casa est�o expostas v�rias de suas cria��es: uma indiana, cujo v�u de cer�mica envolve a cabe�a enrolando o pesco�o e projetando-se para as costas como um tecido; a escultura de uma vov� de touca com rendinha na ponta e �culos na ponta do nariz.

Seus trabalhos guardam as lembran�as de momentos de sua vida. � medida que me mostrava suas obras, ia narrando seu processo de cria��o. Mostrou-me o busto do personagem mascarado do Fantasma da �pera. Muito bonito. Contou-me que um dia pegou para ver em casa o musical e pediu que seu sobrinho descrevesse as cenas, j� que o musical era legendado. As m�sicas tocando e as narrativas do sobrinho faziam-na associar momentos de dor, tristeza, apreens�o ou outros sentimentos que pouco a pouco iluminavam sua mente para trabalhar o barro. Dos detalhes das cenas criava os complementos necess�rios para o esbo�o do personagem que queria esculpir. As mulheres8 que ela cria guardam proximidade com seu universo �ntimo. Luciana, uma de suas cria��es, foi encomendada pela sobrinha neta de Santos Dumont para ser a protagonista de seu livro. No livro, uma menina que nasce cega se torna escultora. Luciana, a escultura em refer�ncia, � uma menina de cerca de quinze anos, com vestido decotado e la�o nas costas. Segundo informa��o de �ngela o lan�amento do livro est� previsto para o segundo semestre de 2010. Quando perguntei se a autora havia se inspirado na vida dela, respondeu que conversaram longamente, sendo inclu�das no livro da sobrinha neta de Santos Dumont algumas frases suas. A capa do livro ser� ilustrada pela fotografia da escultura Luciana. A elabora��o de suas esculturas � marcada por forte influ�ncia de suas viv�ncias. Dependendo de seu estado emocional, inicia e conclui um trabalho em argila no mesmo dia. Aponta tr�s cria��es que considera marcantes em sua vida. A primeira � a de uma m�e sentada numa poltrona, amamentando uma crian�a. Essa poltrona faz parte de um conjunto de vagas lembran�as da �poca em que morou no Sodal�cio 8

As esculturas de mulheres s�o uma japonesa, uma indiana, yemanj�, Luciana, Emily, uma cigana, uma vov�, m�e natureza, uma debutante, a noiva e uma m�e amamentando seu filho.

173 Sagrada Fam�lia, institui��o que abriga meninas cegas no bairro do Maracan�, Rio Janeiro. Contava treze anos de idade. A outra escultura de igual import�ncia � de uma mulher gr�vida. A terceira s�o duas m�scaras entrela�adas, como dois rostos que se cruzam num cumprimento, mas o detalhe � que escorrem l�grimas de seus olhos. �ngela costuma levar as m�scaras e algumas esculturas para escolas e realizar oficinas de elabora��o de esculturas. Numa dessas visitas, esteve numa escola de crian�as com defici�ncias. E, � medida que questionava os alunos sobre o que lhes inspiravam as esculturas apresentadas, um universo de possibilidades de interpreta��es se abria. Para a maioria, as m�scaras entrela�adas representavam despedidas. M�e se despedindo do filho era o consenso da maioria. A elabora��o das m�scaras envolve di�logos que �ngela costuma manter com seus interlocutores. Ela diz que todos precisam ter "olhos nas m�os", uma vez que as pessoas s�o vendadas durante a oficina. S� depois da finaliza��o podem observar seu produto, feito a partir da t�cnica utilizada

pela artista. Mas todo esse processo dedicado � cria��o art�stica foi precedido de uma longa caminhada, que se iniciou numa cidadezinha pernambucana chamada Iguara�u. �ngela morava com seus pais e mais seis irm�os numa ch�cara. No retorno de uma de suas idas habituais para buscar �gua num rio pr�ximo, para regar o jardim e a horta que cuidava, sentiu calafrios que prenunciavam uma febre. Ao chegar a casa, relatou a sensa��o para a m�e que lhe deu uma aspirina. A simples aspirina deflagrou uma forte rea��o al�rgica, desencadeando um quadro diagnosticado como s�ndrome de Stevens Johnson. Era maio de 1968; �ngela, no m�s seguinte, completaria doze anos. � noite adormeceu, sendo acordada no dia seguinte pelo pai, que estranhara o fato de a filha ainda n�o ter levantado: "�ngela! Levanta! Isso n�o � hora de ficar na cama!" Disse-lhe o pai. Ent�o �ngela respondeu "Mas pai, t� tudo escuro ainda! Abre a janela, pai!" E o pai sem entender falou: "Mas t� tudo aberto e claro, filha!" E a menina respondeu: "Ent�o eu n�o t� vendo nada!". O pai pediu que a filha levantasse assim mesmo e andasse na sua dire��o. Mas �ngela n�o conseguia. Foi quando o pai percebeu que algo estranho havia acontecido, pois os olhos da filha estavam com um derrame violento, mas n�o tinha a menor ideia do que era aquilo. Por cinco dias a menina permaneceu em casa sem enxergar; em seguida apareceram erup��es em forma de bolhas na pele, assustando um vizinho que

174 aconselhou o pai da menina a lev�-la a um hospital. Os m�dicos � por temerem se tratar de uma doen�a infectocontagiosa perigosa � colocaram-na no isolamento. Trataram com antibi�ticos e, ap�s vinte e um dias, nada ainda sabiam sobre a doen�a. As cicatrizes apenas testemunhavam algo estranho acontecido, mas, mesmo assim, a menina foi liberara para ir para casa. A vis�o ficou comprometida e �ngela estava praticamente sem enxergar nada, alternando per�odos com vis�o reduzid�ssima, apenas percebendo vultos e luz. Nesse mesmo ano um irm�o de �ngela veio servir ao ex�rcito no Rio de Janeiro, o que motivou a vinda da menina para Rio. Sua m�e soube que na Santa Casa de Miseric�rdia havia tratamento para o mal da filha. Ao irm�o que veio primeiro coube a tarefa de encontrar acomoda��es para �ngela, o irm�o mais novo e uma irm� mais velha que acompanhou a fam�lia ao Rio de Janeiro. Foram morar numa modesta habita��o no bairro do M�ier. A m�e era a mais empenhada em tratar a filha na esperan�a de cur�-la. Por cerca de seis anos ficou enxergando muito pouco, sendo a fam�lia aconselhada a submeter a jovem a um transplante de c�rnea, Quando, enfim, foi submetida a tal procedimento, indicada para o seu caso, perdeu totalmente a vis�o por

uma rejei��o � c�rnea recebida, fato comum nesses processos. O per�odo que compreendeu a chegada ao Rio de Janeiro, em 1970, at� 1976, �ngela ficou sem estudar; j� estava com dezenove anos de idade. Sua m�e foi aconselhada a procurar ajuda para a filha numa institui��o especializada. No Instituto Oscar Clark aprendeu o Braille, retomando os estudos. Devido � dificuldade da fam�lia, um de seus professores sugeriu a visita ao Sodal�cio da Sagrada Fam�lia, pensionato � coordenado por irm�s de caridade � que abrigava meninas cegas. Nesse pensionato, � exce��o de cozinhar, todo o servi�o era organizado e realizado pelas meninas cegas. Uma rep�blica onde as mo�as aprendiam a cuidar da casa e a serem independentes. De quinze em quinze dias as mo�as passavam o fim de semana com a fam�lia. Quando pequenas, as fam�lias as buscavam, mas � medida que cresciam, costumavam andar em "bando", muitas sem bengalas. Era costume uma ir para casa da outra, alternando as visitas. Certo dia, �ngela apareceu em casa com uma bengala. Disse que havia ganhado de presente. E assim aprendeu a andar de bengala... No Sodal�cio n�o havia curr�culo: as meninas aprendiam o Braille, recebiam

175 conhecimentos gerais e aprendiam sorob�. As irm�s forneciam refor�o nos estudos. Cursou o supletivo at� a 2� s�rie do 2�. grau, parando os estudos para se casar com um dos seus professores do Sodal�cio, tamb�m cego. Nessa ocasi�o, j� por volta de 1982, �ngela tomou conhecimento de um curso de operador de c�mara escura promovido por um setor do Hospital Miguel Couto. Resolveram oferecer esse curso a deficientes visuais, ou seja, eles teriam forma��o para trabalhar nesta fun��o. Era para trabalhar o tempo todo no escuro. Uma oportunidade de forma��o para quem n�o enxerga, pensou �ngela. Cursou seis meses e depois fez est�gios nos hospitais Souza Aguiar, Salgado Filho e Miguel Couto, dois meses em cada um. Ao final do curso, convidado pela turma, o prefeito � �poca compareceu � formatura. No discurso da formatura o ent�o prefeito refor�ou que a profiss�o de operador t�cnico de c�mara escura n�o existia, mas falou: "Os seis primeiros colocados eu emprego no munic�pio". �ngela foi a quinta colocada. Como n�o era reconhecido e n�o havia esse cargo, os concluintes cegos ingressaram no munic�pio como auxiliares t�cnicos de laborat�rio. Enfrentou muitas dificuldades no in�cio do trabalho: porque na a matricula, fazia

Um d� for�a para o outro. Eu ia para o col�gio, eu fiz o supletivo, verdade eu fiz o primeiro e o segundo ano, o terceiro ano eu tranquei porque eu arrumei emprego e era uma confus�o danada de trabalho, eu

plant�o, morava em Campo Grande, trabalhava no Leblon no hospital

Miguel

Couto, e a� quando eu arrumei emprego eu sa� do col�gio. Fazia

forma��o de

professores no Instituto Isabel na Mariz e Barros, Tijuca, Rio de

Janeiro.

Mas foi assim que �ngela come�ou a trabalhar num per�odo dif�cil de coloca��o do cego no mercado de trabalho. Adotou uma menina em 1991. Aposentou-se em 2003. Passou a viver para o lar. "Esqueci os estudos, mas eu sempre fui frustrada por n�o ter continuado". Em 2004 procurou o Benjamim Constant: A� eu renasci, a� resolvi fazer alguma coisa da minha vida, j� estava

aposentada, e

pensei: eu n�o vou s� ficar cuidando do lar, a� eu fui para o Benjamim

fazer curso

de ingl�s e inform�tica, e a� eu n�o fiz nada disso, eu descobri a

cer�mica.

176 2.3. Dambirad�: uma proposta afrossocial - Evaldo

terapia � a busca se acredita"

"Diante das perdas, a maior da realiza��o no que

Evaldo

Evaldo � uma daquelas pessoas que aprendeu praticamente sozinho o que � e como viver uma nova vida como cego. Come�ou a perder a vis�o em 1987, com vinte e seis anos. Aos trinta, j� estava cego. Trabalhava como auxiliar administrativo prestador de servi�os no Instituto de Biof�sica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde conseguiu muitos amigos. Antes da perda total da vis�o e ainda vinculado ao Instituto de Biof�sica, costumava ir com freq��ncia ao campus da UFRJ na Praia Vermelha, vendo muitos cegos transitando nas redondezas. eles comecei a

Percebia um monte de cego andando sozinho. �s vezes a bengala quebrava e ficavam em p�. Se eles resistem, eu tenho que fazer como eles. Ent�o eu me perguntar, Como � que eu fa�o para chegar at� a eles?

Quando finalmente percebeu que precisava de orienta��o, bateu � porta do Instituto Benjamin Constant para conversar. � �poca, morava no Bairro de Campo Grande, sendo aconselhado a residir num local mais pr�ximo. A mesma professora que

o atendeu no IBC tamb�m era servidora do Instituto Oscar Clark, localizado no bairro do Maracan�. Ao chegar l� ao fim de 1991, pediram que retornasse em fevereiro de 1992, pois come�aria o recesso de fim de ano e as avalia��es seriam agendadas apenas no in�cio do ano letivo seguinte. Em fevereiro estava l�. Pronto para a primeira avalia��o do estado psicol�gico. J� andava sozinho para todo lado. Apresentava-se bem f�sica e mentalmente. Fez v�rios testes de atividade de vida di�ria e terapia ocupacional para reconhecimento de objetos, ambiente e no��o de espa�o. No mesmo dia foi liberado. "Nossa! Voc� est� muito bem!" � disseram os avaliadores. A partir da�, Evaldo foi encaminhado para o aprendizado do Braille na Unidade de Defici�ncia Visual (UDV) do Oscar Clark, tendo como professor Ant�nio Lopes, cego e ex-aluno do Benjamin Constant. Tornaram-se amigos

177 Permaneceu por um ano na UDV, por ter sido indicado para cursar uma forma��o em c�mera escura, sendo liberado a seguir, por solicita��o pr�pria, porque "n�o tinha mais o que fazer, eu queria passar a vaga para outro". Nessa �poca, pelos idos de 1993, sua situa��o trabalhista era prec�ria. Dispensaram-no do trabalho e o mandaram procurar os direitos na justi�a. "Evaldo, a gente n�o tem condi��es de ficar com voc� aqui... porque voc� ficou cego". "A� eu falei tudo bem, ia fazer o qu�?" Com isso, procurou uma unidade do INSS, onde foi feita uma pesquisa sobre sua situa��o. O sistema informou que ele n�o teria direito de receber aposentadoria porque n�o existia v�nculo empregat�cio e a forma de pagamento realizada era contra recibo, que revelava o servi�o prestado e import�ncia recebida. "Eles, quando me pagavam, eu assinava um documento". Diante da impossibilidade de receber qualquer benef�cio pela inexist�ncia de v�nculo com o �rg�o previdenci�rio, dado ao n�o recolhimento de tributos, Evaldo entrou com a��o na justi�a do trabalho, aguardando por quatorze anos o resultado, que lhe foi positivo: "Eu ganhei meu aviso e FGTS percentual ao que eu trabalhei. Foram oito mil reais de indeniza��o". Contudo, outra luta teve que travar. Antes, quando trabalhava, ganhava tr�s sal�rios m�nimos. A aposentadoria por invalidez lhe rendeu apenas um sal�rio. Embora afirme que j� seja aposentado pela autonomia, precisa obter na justi�a o direito de contabilizar o tempo que trabalhou na Ilha do Fund�o, para, depois, solicitar revis�o do valor que recebe atualmente. Nem a cegueira nem as dificuldades financeiras foram obst�culos para antigos desejos. Criar um grupo social ou bloco carnavalesco. Auto define-se como "vocacionado para a cultura negra". Juntou amigos interessados no projeto e conseguiu um espa�o, saindo a pesquisar informa��es sobre a ocupa��o do bairro de Realengo e as

primeiras fam�lias. Visitou bibliotecas p�blicas e o Instituto de Filosofia e Ci�ncias Sociais (UFRJ) no centro do Rio de Janeiro. Visitou col�gios antigos de Realengo que contassem um pouco da hist�ria do lugar. Dambirad� se tornou um centro que congregava trabalhos de educa��o f�sica, dan�a e assist�ncia social, pois grande parte dos integrantes era de moradores de Vila Vint�m, favela da localidade. A sede do grupo tamb�m era pr�xima � favela. Evaldo dava aulas de artes marciais e de dan�a. Na sede do grupo funcionava um servi�o de enfermagem volunt�ria que prestava atendimentos � popula��o carente local. Havia aula

178 de percuss�o para as crian�as, ocupando-as com algum tipo de atividade. O grupo promovia desfiles no carnaval, com alegorias e fantasias por conta do Dambirad�. O grupo era mantido com a renda de almo�os aos domingos e doa��o de comerciantes � tudo o que era arrecadado revertia para as atividades do grupo como a compra de materiais, instrumentos de percuss�o e passeios para a crian�ada. Trabalho em comunidade sabe como �, precisava de um curativo, ver a

press�o,

alguma coisa, tinha uma enfermeira volunt�ria. Ningu�m ganhava nada,

Fazia por para o grupo. A

amor de ver as crian�as ocupadas com coisas �teis. Tinha cesta b�sica pessoal carente. A molecada da rua eu recrutava para tocar percuss�o no gente desfilava l� na cidade no carnaval.

O grupo funcionou por dois anos. Por motivos de m� administra��o, Evaldo dissolveu as atividades: percebeu que estavam subtraindo os recursos oriundos dos almo�os e doa��es. Como presidente do grupo, acompanhava de perto a contabilidade. Afirma que foi roubado pelo padrinho. Tio de sangue. "Eu cego e ele vidente, tinha todas as fotos, livros, lan�amento de sa�da e entrada de dinheiro." O grupo animou o carnaval de Itagua� a convite do prefeito "com direito a �nibus e tudo". Cada vez as pessoas acreditavam mais no trabalho. Ent�o falou: "Gente, o trabalho aqui n�o � para ganhar dinheiro, isso � trabalho de comunidade, quem n�o estiver com este esp�rito n�o entra no grupo" Evaldo n�o admitia qualquer tipo de trapa�a. Dizia que os meninos tocavam na banda gratuitamente, o mesmo acontecendo com as professoras e enfermeiras volunt�rias, por acreditarem no trabalho social criado. N�o aceitava que a popula��o fosse enganada, e assim decidiu demitir o tio. "Porque quem est� enganando n�o � voc�, sou eu. Eu devo satisfa��es a eles." Dambirad� foi extinto dois anos depois de criado. O grupo sonhava al�ar v�os mais altos. Evaldo, seu idealizador, pensava em

montar uma feira semelhante � dos nordestinos do Campo de S�o Crist�v�o. Sonhava fazer aos domingos uma feira com comidas e artesanatos afrobrasileiros numa das ruas pr�ximas � sede do grupo, de ponta a ponta. J� estava preparada a documenta��o e autoriza��o junto ao batalh�o e � prefeitura. J� havia inclusive realizado entrevista na localidade sobre a expans�o do trabalho social que realizaria. e

Eu ia fazer uma feira domingueira, onde ia ter comidas t�picas africanas

indument�rias como blusas, colares, tiaras para as pessoas funcionarem ali com suas

179

barracas e comidas t�picas todos os domingos, o dia todo. J� tinha nome e tudo, a feira da serpente. Mas tudo acabou. Mais uma vez deu a volta por cima e engajou-se em novos movimentos. Come�ou a participar de atividades no Centro Esportivo Mi�cimo da Silva9, em Campo Grande, e na Vila Ol�mpica Mestre Andr�, em Padre Miguel. No centro esportivo pratica nata��o e na vila ol�mpica desenvolve um trabalho de dan�a adaptada para deficientes e trabalho volunt�rio sobre direitos do deficiente: n�o tem Ent�o eu oriento e, se

"� periferia. Pessoas da favela, pessoal desorientado, pessoal que no��es sobre defici�ncia. Muitos ficam em casa, n�o t�m recursos. ajudo no sentido de informar, oriento como tirar passe RioCard, eu

� necess�rio ir at� o centro da cidade, ofere�o-me para acompanhar. Informo sobre as coisas que est�o acontecendo no universo do cego". Evaldo � extrovertido e muito consciente de sua condi��o. Preocupa-se em levar informa��o aos que nada sabem. Al�m do trabalho volunt�rio na Vila, ministra palestras na disciplina de educa��o f�sica adaptada ao curso de educa��o f�sica da UniverCidade, unidade Jacarepagu�, com a professora L�cia Sodr� que tamb�m atua na Vila Ol�mpica. Orienta os novos mestres sobre como conviver com a diferen�a, fala sobre sua vida e sobre a educa��o f�sica para cegos. Al�m das atividades descritas acima, sempre que pode Evaldo participa de encontros e semin�rios que discutem temas relacionados � defici�ncia. Participa de salas de bate-papo de cegos por telefone, como o Oblind10 Brasil. Outro exemplo de m�dia interativa � o MIDIchat11. A comunidade Oblind costuma se encontrar todos os meses num determinado estado brasileiro. Em outubro de 2009, ocorreu um desses encontros no Rio de Janeiro. Contudo, segundo Evaldo, o chat n�o � exclusivo dos cegos, sendo 9 Este centro � refer�ncia no munic�pio do Rio de Janeiro, tendo sediado diversas competi��es nacionais e internacionais, como a Copa do Mundo de Jud� para Deficientes Visuais, em 2001; o Grand Prix de Atletismo, a Copa do Mundo de Nata��o e a Copa do Mundo de Gin�stica, todos em 2004; e os Jogos

Mundiais em cadeira de Rodas & Amputados, em setembro de 2005. Funciona de ter�a a domingo. Maiores informa��es: http://www2.rio.rj.gov.br/smel/VilasOlimpicas.html 10 Oblid Brasil � um chat por telefone 4003-0104 onde os cegos podem se comunicar e combinar encontros. Funciona vinte e quatro horas. No fim de semana as diferentes salas costumam ter cerca de 200 pessoas. Existem salas particulares, anfiteatros tem�ticos e abertos. O pulso s� � cobrado no primeiro minuto, depois � gratuito. 11 Outro tipo de rede social na web. Consiste de um programa de m�sica pela internet que permite o ensaio de orquestras virtuais com os m�sicos em diferentes locais. O nome MIDIchat resulta de combina��o do protocolo musical MIDI com a designa��o gen�rica das plataformas de conversa��o online na internet � CHAT. A ideia original do projeto visava estabelecer uma plataforma de ensaio virtual para pessoas com defici�ncia visual ou motora. No entanto, o programa pode ser utilizado gratuitamente por qualquer pessoa com maior ou menor aptid�o musical, a partir de um ambiente dom�stico ou de outro local com acesso � internet.

180 aceita a participa��o de videntes. No m�s de setembro de 2009, um grupo formado a partir do Oblind encontrou-se em Belo Horizonte, onde foi realizado um concurso para grava��o de um DVD com meninas cegas cantoras. Existe tamb�m a comunidade Blind Games Brasil12 cuja finalidade � informar, difundir e trocar audiogames entre cegos e deficientes visuais. Todos esses exemplos interativos s�o redes sociais constru�das entre deficientes visuais e cegos que buscam, al�m de companhia, atualiza��o, entretenimento, ajuda e orienta��o m�tua. Evaldo esclarece que muitos cegos s�o abandonados pela fam�lia ou s�o enganados por um falso solidarismo. Busca-se o deficiente para proveitos particulares, principalmente em per�odos de sucess�o de cargos pol�ticos, nos quais pseudodefensores de direitos correm atr�s de causas leg�timas. Considera a fam�lia o melhor lugar de apoio. Quem nasce numa fam�lia desestruturada fatalmente ter� muitas dificuldades para superar uma condi��o desvantajosa. "Como se sair bem, abra�ar a vida e deixar o trauma e a revolta para tr�s? � raro quem consegue." Voc� j� deve dif�cil. Eu falo

Quem n�o diz � porque tem vergonha. Voc� vai sentir no semblante. ter sentido em algum grupo. Sobrepor a esta condi��o � ainda mais para meus amigos: Gente, voc�s querendo ou n�o o cego est�

mergulhado dentro dele mesmo. Cada um precisa buscar o seu caminho. Mas o caminho se faz caminhando. "Se eu estivesse aqui sozinho esperando algu�m, como � que eu estava? Estaria mergulhado na agonia". Afirma que o primeiro passo para algu�m que perdeu a vis�o � se aceitar. A partir desse momento, tudo � decorrente. "Isso � a minha vis�o, enquanto cego." Evaldo aponta que � complicada a irreversibilidade da situa��o. O que se tinha antes n�o se ter� mais. Segue-se por um novo caminho. Assumir-se deficiente � entender a defici�ncia 12

A possibilidade de acesso a jogos eletr�nicos n�o � nova para este segmento, pois com o surgimento dos leitores de tela (programas que permitem o acesso de pessoas cegas a um computador) jogos textuais passaram a ser acess�veis, como RPG, jogo da forca, jogo da mem�ria, dentre tantos. Os programadores do projeto Dosvox no Rio de Janeiro foram pioneiros no desenvolvimento de jogos textuais no Brasil, chegando a produzir inclusive jogos online. Os audiogames, por�m, remontam a um novo paradigma, pois permitem aos usu�rios situa��es sonoras de ambiente, por exemplo, em uma guerra espacial. As informa��es textuais s�o apenas um complemento e n�o determinantes para se jogar. Nesses jogos os jogadores necessitam se orientar mentalmente num espa�o e tempo para atacar e se defender de naves ou invasores, garantindo, assim, toda a emo��o experimentada por usu�rios de videogames. Desde 2006 que usu�rios de l�ngua portuguesa come�aram a ter acesso a esses jogos, com manuais e locu��o em sua l�ngua. A utiliza��o dos jogos por alguns usu�rios, que at� aquele momento tinham acesso aos jogos em ingl�s, deu origem � constitui��o de um grupo informal (Blind Games Brasil) com a miss�o de conhecer novos jogos, contatar seus criadores, traduzi-los, e difundir toda essa tecnologia, de forma a se tornar acess�vel a um maior n�mero poss�vel de pessoas. O grupo que nasceu a princ�pio com quatro colaboradores, j� conta com mais de cem envolvidos. Fonte: Entrevista Evaldo.

181 que se tem. � saber conviver com limita��es. "Eu sou cego, se n�o consigo escrever, preciso aprender escrever em Braile". Eu preciso saber como andar nas ruas novamente, agora enquanto cego. "� buscar a minha mem�ria visual, eu j� enxerguei. Onde � o centro da cidade, o Minist�rio da Fazenda, onde � o Minist�rio do Trabalho... Como � isso?" "Eu vou fazendo uma retrospectiva da minha mem�ria. Porque a cegueira faz muitos bloqueios". Evaldo relata

que muitos cegos chegam aos centros de reabilita��o sem dimens�o espacial. "A� quando falamos vira para direita, a mente dele fica buscando o que � direita e o que � esquerda". Evaldo se sente plenamente reabilitado, embora afirme que n�o fez reabilita��o. Mora sozinho, cuida da casa e se cuida quando est� doente, vai a todos os lugares de que necessita, viaja, participa de congressos. Diz: "Eu sou reabilitado". "Eu sou ressocializado". Considera que, diante de uma perda n�o se pode perder a coragem e a liberdade. � dif�cil aceitar, mas � preciso entender que as perdas ocorrem. Fala sobre diferentes perdas sofridas (por ele): um casamento, o pai, a m�e, a vis�o. Trabalhar e servir s�o formas de recuperar a vis�o. Considera a cegueira institucional a pior de todas. Refere-se aos que nasceram cegos e permanecem por anos numa dada institui��o especializada, submetidos ao mundo restritivo do que � poss�vel e do que n�o � permitido fazer. Fala de uma aus�ncia de liberdade de escolha:. Aquela coisa de monitor � leva para um lado, leva para o outro, determina a hora para dormir. Como um alienado do mundo. Vivendo fora. Enclausurado do lado de fora. Como cada um com sua hist�ria, cultura, cada um com seus v�cios, cada um com suas manias. Como viver sem se relacionarem com o mundo em geral? Afirma que as pessoas tamb�m se entregam com muita facilidade. Evaldo critica os cegos e fala da denomina��o que recebem em diferentes categorias, referindose a duas delas: os de carteirinha (cong�nitos) e os cegos avulsos (adquiridos). Indaga ainda que em cada uma das duas classes existem pelo menos duas outras: os cegos que concordam com tudo e est�o sempre prontos para fazer o que � mandado, comumente confundidos com puxa-sacos. E aqueles que n�o se conformam e lutam por suas posi��es, por aquilo que querem e em que acreditam. Os conformados s�o cegos de corpo e de alma. "Vai pra l�! Sai daqui!". "Cego de mente � pior que cego de vis�o".

182 2.4. Quando o esporte � a supera��o � Ana pretendo parar nunca. nem no escuro". Ana

"Continuarei nadando e n�o � a minha forma de n�o me sentir no vazio

Ana foi morar ainda muito pequena com os pais e mais cinco irm�os na Barreira do Vasco em S�o Crist�v�o, no Rio de Janeiro. Seu av� n�o se conformava com a vida que as crian�as levavam "soltas na rua e sem ocupa��o". Cursou as primeiras letras na Escola Municipal Edmundo Bittencourt13, onde funciona o Clube Escolar L�a Oliva14, unidade municipal do programa de extens�o educacional que oferece, prioritariamente aos alunos matriculados na rede p�blica municipal, oficinas em diversas modalidades f�sicas e esportivas. Desde novinha, com sete a oito anos, come�ou a nadar na piscina do Edmundo Bittencourt. Como a escola era pr�xima � sede do Clube de Regatas Vasco da Gama, era comum ver diretores esportivos na d�cada de 1960 rondando a escola em busca de novos talentos, coisa que hoje em dia, segundo Ana, n�o se faz mais. Numa dessas visitas, Ana foi descoberta e levada para fazer um teste na piscina da sede do Vasco. Ap�s a prova, o t�cnico afirmou: "Voc� � daqui, n�o pode sair mais, voc� � do Vasco!". A primeira competi��o de que Ana participou igualou o recorde da categoria para al�m de sua idade sem saber sequer o que significava a palavra recorde. Com oito anos j� nadava no time petiz, uma categoria de nadadores infantis com idade superior � sua, embora, por sua faixa et�ria, pertencesse � da mirim. N�o se intimidava, igualando as marcas de meninas bem mais velhas. A partir da�, nadou em v�rias competi��es � carioca, brasileiro, latino-americano. Competiu em v�rios luso-brasileiros e dois panamericanos, sendo o primeiro, com quatorze anos, no Canad�, e o segundo no Chile.

13 Essa escola situa-se no conjunto habitacional do Pedregulho no bairro de Benfica, Rio de Janeiro. Nela funciona o Clube Escolar Professora Leia Oliva. Esse clube, segundo relato de Ana, permaneceu fechado durante vinte anos e depois reabriu. O projeto do conjunto habitacional e da escola � do arquiteto Affonso Eduardo Reidy, um dos mais importantes participantes da moderna arquitetura brasileira. Na fachada principal da edifica��o h� um painel de azulejos desenhado por Portinari. No local existe um painel feito com pastilhas vidrotil, situado no p�tio interno, e um afresco na sala da diretoria, ambos assinados por Roberto Burle Marx. Dispon�vel em e . Acesso em 14 de agosto de 2010. 14 Cada Coordenadoria Regional de Educa��o do munic�pio do Rio de Janeiro possui pelo menos um desses clubes. Para saber mais consultar: http://www0.rio.rj.gov.br/sme/projprog/programas/clube.htm.

183

Treinando por um clube que lhe fornecia uma boa infraestrutura, logo p�de estudar no Col�gio Brasileiro, em S�o Crist�v�o, e n�o tardaram mudan�as para novas bra�adas. Aos dezessete anos foi para o Fluminense, participando de novo panamericano e de campeonatos regionais. Mas a vida de atleta n�o � longa. Precisava ter um ganho garantido. Cursou educa��o f�sica na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, passando, depois de conclu�do o curso, a dar aulas no Parque Aqu�tico J�lio Delamare, no Maracan�. Ap�s constituir fam�lia, ao se casar com um companheiro de competi��es, passou aos filhos o que o av� lhe legara: um esporte para complementar as atividades escolares. E como n�o poderia fugir � regra, a nata��o foi apresentada �s crian�as, que depois optaram pelo atletismo. Orgulha-se em afirmar que nunca deixou seus filhos fora do esporte. Fala tamb�m com orgulho sobre a primeira competi��o que participou fora do Rio de Janeiro, no Sport Club Corinthians Paulista, em S�o Paulo. Contava onze anos e a "melhor competidora paulista era loira e bem mais velha que eu". Ana era a �nica negra do grupo, afirmando que a nata��o � um esporte de elite e pouco dado a acolher negros entre seus representantes. O resultado foi uma boa vit�ria de Ana que, ao final da prova, ouviu um coro em alto e bom tom: "macaca" "criola". Sua primeira grande oportunidade de competi��o fora do Rio trouxe o gosto amargo do preconceito. Diz que n�o chorou ag�entando firme e de cabe�a alta. Na premia��o, os aplausos confirmaram que era poss�vel muito mais. No final de 2004, um acidente automobil�stico sem grandes propor��es levou-a a um hospital onde foram feitos os atendimentos usuais de qualquer emerg�ncia m�dica. Aparentemente n�o havia ferimentos. O choque do rosto junto ao para-brisa lhe reservou grande perda da vis�o seis meses depois, por n�o ter tido uma avalia��o oftalmol�gica no atendimento hospitalar, o qual pudesse apontar um descolamento de retina15. No per�odo entre o acidente e o diagn�stico de descolamento, come�ou a perceber que quando dirigia o carro tendia para a esquerda. Ao consultar um especialista recebeu o diagn�stico. Fez quatro cirurgias. Ficou com um res�duo visual e um quadro cl�nico caracterizado como baixa vis�o. 15

Pode ser revertido imediatamente ap�s o trauma pela fixa��o cir�rgica da retina. Quando n�o diagnosticado ou tratado em algum momento, pode levar a cegueira. Para saber mais consultar: . Acesso em 12/08/2010.

184

A pr�tica de atividades motoras por pessoas com defici�ncia visual e cegueira � como processo de habilita��o e intera��o social � constitui-se num dos principais instrumentos para o desenvolvimento das potencialidades individuais e coletivas dessa parcela da popula��o. Inegavelmente s�o muitos os ganhos decorrentes da participa��o em atividades de lazer e esporte, sejam eles no �mbito sens�rio-motor ou psicossocial. A nata��o, dessa forma, tem sido de grande import�ncia para o desenvolvimento global das pessoas com defici�ncia visual, pois pode ser praticada em qualquer idade e condi��o f�sica, trazendo benef�cios que influenciar�o diretamente as suas atividades di�rias, favorecendo e facilitando a inser��o social dessas pessoas, al�m da readapta��o f�sica e mental. Portanto, a utiliza��o da modalidade nata��o como atividade motora para pessoas com defici�ncia visual � altamente recomend�vel, pois este � um esporte que possibilita independ�ncia e autonomia ao seu praticante, al�m de trazer v�rios benef�cios que est�o ligados � seguran�a e � qualidade de vida do aluno/atleta. A pr�tica da nata��o por pessoas com cegueira e defici�ncia visual esteve inicialmente restrita a uma utiliza��o terap�utica. Contudo, os ganhos inerentes � atividade motora, readapta��o espacial e conv�vio social permitiram aos praticantes um novo sentido de sua rela��o com mundo vis�vel e invis�vel, uma nova forma de se ver e se sentir participante na vida em sociedade. A atividade esportiva produz um deslocamento da limita��o para um campo onde a disciplina, o condicionamento f�sico e o desempenho independem da condi��o limitante. A organiza��o das competi��es para pessoas com defici�ncia em �mbito internacional � responsabilidade do Comit� Paraol�mpico Internacional (IPC) e da Federa��o Internacional de Esportes para Cegos (IBSA). O Comit� Paraol�mpico Internacional, entidade m�xima do desporto para pessoas com defici�ncia, congrega diversos tipos de defici�ncia em suas competi��es; a IBSA � respons�vel somente pelas competi��es esportivas de pessoas com cegueira e defici�ncia visual. No Brasil, a Confedera��o Brasileira de Desporto para Cegos (CBDC), entidade fundada em 1984, � a respons�vel pela pr�tica desportiva de rendimento para pessoas com cegueira e defici�ncia visual (CABESTRE, 2007). Em 2006, a conselho de um compadre, Ana procurou um professor de educa��o f�sica que lhe proporcionaria uma reabilita��o pela nata��o no Instituto

185 Benjamin Constant. Apresentando-se ao departamento de educa��o f�sica, perguntaram-

lhe se sabia nadar. Acenou que sim. Ao cair na piscina, s� conseguiu nadar vinte cinco metros e se decepcionou com sua nova condi��o. O ent�o coordenador consolou-a, dizendo "isso acontece, fique tranquila" � mas, a partir disso, Ana foi embora s� retornando quase um ano depois. No regresso ao IBC, voltou a nadar, e sua nova professora j� tinha tomado conhecimento de sua capacidade e de suas possibilidades pelo professor anterior: embora mais

Hum! Ramon j� me falou de voc�. Desta vez n�o vamos deixar voc� ir

n�o, hein. Eu vou deixar voc� ir, mas amanh� voc� volta. Eu falei: N�o, Soraia, eu n�o vou embora mais n�o. E ela falava: Voc� tem porte para nadar, voc� pode ganhar dinheiro. Vem a� o parapan, vem a� o mundial. O Mundial e o Parapan eu consegui tudo em 2007. Consegui isso tudo. O IBC oferece e treina algumas modalidades esportivas para cegos e deficientes visuais que queiram desenvolver ou que j� possuam habilidades esportivas. O instituto oferece nata��o, atletismo, artes marciais e goalball16. Aqueles que apresentam bom desempenho (tempo e/ou marca) podem preitear a bolsas atleta17. Essas bolsas possuem diferentes categorias (estudantil, nacional, internacional e paraol�mpica). As bolsas s�o concedidas para qualquer modalidade e podem ser renovadas anualmente, mediante a manuten��o ou supera��o de marcas e tempos em competi��es individuais ou bom rendimento do time nos esportes coletivos. 16

O goalball foi criado em 1946 pelo austr�aco Hanz Lorezen e o alem�o Sepp Reindle, que tinham como objetivo reabilitar veteranos da Segunda Guerra Mundial que perderam a vis�o. Em 1980, na Paraolimp�ada de Arnhem, o esporte passou a integrar o programa paraol�mpico. Em 1982, a Federa��o Internacional de Esportes para Cegos (IBSA) come�ou a gerenciar a modalidade. Foi implementado no Brasil em 1985. Inicialmente, o Clube de Apoio ao Deficiente Visual (CADEVI) e a Associa��o de Deficientes Visuais do Paran� (ADEVIPAR) realizaram as primeiras partidas. Ao contr�rio de outras modalidades paraol�mpicas, o goalball foi desenvolvido exclusivamente para pessoas com defici�ncia � neste caso a visual. A quadra tem as mesmas dimens�es da de v�lei. As partidas duram 20 minutos, com dois tempos de 10. Cada equipe conta com tr�s jogadores titulares e tr�s reservas. De cada lado da quadra h� um gol com nove metros de largura e 1,2 de altura. Os atletas s�o, ao mesmo tempo, arremessadores e defensores. O arremesso deve ser rasteiro e o objetivo � balan�ar a rede advers�ria. A bola possui um guizo em seu interior que emite sons � existem furos que permitem a passagem do som � para que os jogadores saibam sua dire��o. Existe tamb�m o futsal de cinco, onde apenas o goleiro enxerga, sendo modalidade adaptada do futsal comum dos videntes. CPB - Comit�

Paraol�mpico Brasileiro. Goalball: descri��o e hist�rico. Dispon�vel em: . Acesso em 14/08/2010. 17 Visa garantir uma manuten��o pessoal m�nima aos atletas de alto rendimento, que n�o possuem patroc�nio, buscando dar condi��es para que se dediquem ao treinamento esportivo e participa��o em competi��es visando ao desenvolvimento pleno de sua carreira esportiva. Objetiva formar, manter e renovar periodicamente gera��es de atletas com potencial para representar o pa�s nos Jogos Ol�mpicos e Paraol�mpicos. Dispon�vel em: . Acesso em 14/08/2010.

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A primeira participa��o de Ana depois de ficar cega lhe rendeu uma marca expressiva e a possibilidade de pleitear uma bolsa. De 2006 a 2007 passou da bolsa nacional para internacional e hoje � patrocinada pela Caixa Econ�mica Federal, competindo no Brasil e internacionalmente. Afirma que, no tempo em que competia enxergando, nunca teve patroc�nio, ganhando hoje mais do que antes. Em sua participa��o no III Jogos Parapanamericanos no Rio em 2007 espantou-se com o material esportivo que ganhou coisa nunca acontecida antes. Aos cinq�enta e sete anos ap�s cinco vivendo com baixa vis�o e h� tr�s nadando patrocinada, declara que j� participou de campeonatos brasileiros, mundial e parapan, deslocando com suas boas marcas competidoras nas mesmas condi��es invisuais, mas bem mais jovens. Vive uma rotina semelhante � de qualquer nadador. Recebeu convite, depois de ficar cega, para treinar crian�as no Maracan�. Mas recusou, pois afirma que j� ministrou muitas aulas e prefere agora ficar distante daquela rotina. "Aquilo (o Maracan�) era minha paix�o... eu adorava. Os meus alunos me adoravam porque eu era muito animada". "Eu sempre falo para as crian�as com defici�ncia visual que elas podem trilhar o caminho do esporte". me sentir

Continuarei nadando e n�o pretendo parar nunca. � a minha forma de n�o

no vazio nem no escuro. O esporte restaura as energias e d� um novo sentido � vida. A nata��o mexe com a mente, seja deficiente ou n�o. O esporte � supera��o da dificuldade para qualquer pessoa.

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CONCLUS�ES Quando se inicia uma pesquisa com um determinado grupo de pessoas,

pressup�e-se ou imaginam-se determinados resultado. A posterior consolida��o das informa��es traz algumas surpresas. Uma das in�meras surpresas que tive ao longo deste trabalho diz respeito ao que se espera obter de novos sentidos para a vida ap�s a perda da vis�o. Esperava que as pessoas que j� enxergaram um dia e que perderam a vis�o no curso de suas vidas, muitas delas no auge de suas carreiras profissionais e conv�vios pessoais, buscassem de modo fren�tico recuperar a condi��o anterior, ou seja, atuar nas �reas onde possu�am dom�nio e manter os mesmos h�bitos e atitudes. A pesquisa n�o confirmou essa pressuposi��o. A perda da vis�o n�o determina um empenho pelo retorno �s condi��es anteriores � situa��o incapacitante. Apenas em dois dos setenta e seis relatos foi percebido empenho e dedica��o na continuidade de atividades na mesma �rea em que as pessoas atuavam antes de se tornarem cegas. Isto foi apresentado na hist�ria de Ana em "Quando o esporte � a supera��o" e na de Cl�udio na narrativa "Empreendendo a pr�pria vida". No primeiro caso, Ana v� com resist�ncia o retorno � piscina, mas depois, adaptando-se e adequando a atividade anterior � condi��o atual com baixa vis�o. O outro relato, de Cl�udio, apresenta uma mudan�a radical na vida mesmo depois de adequar as tarefas exercidas anteriormente �s realizadas ap�s a perda da vis�o, contando com todo apoio dos dirigentes para implementa��o de seu intento. Contudo, foi do pr�prio Cl�udio a disposi��o e desejo de deixar o emprego que ele mesmo adaptou �s suas condi��es adversas, percebendo, depois de quinze anos, que o motivo que o prendia ali ficava cada vez menos expressivo e o sentido de tudo aquilo que ele mesmo proporcionara � sua nova exist�ncia come�ava a descolorir-se e desintegrar-se. Racioc�nio an�logo poderia ser feito com Ana, que, mesmo tendo convite para continuar dando aulas no Maracan� de nata��o como fazia anteriormente como professora de educa��o f�sica, preferiu afastar-se das atividades como docente e mergulhar na nata��o profissional, que lhe abriu caminhos e patroc�nio jamais conseguidos no tempo em que lecionava. Hoje, est� feliz e afirma que nadar� at� morrer.

188 Dos setenta e quatro relatos restantes, vinte mulheres se declararam mais felizes por terem descoberto uma nova vida. Hist�rias diferentes, por�m com desfechos semelhantes, independente da perda lenta ou s�bita da vis�o. Eram casadas e com filhos adolescentes e adultos dedicadas exclusivamente ao lar. Com a cegueira vieram as desaven�as e brigas freq�entes nos relacionamentos "quando o casamento n�o vai bem, um acontecimento desses s� precipita decis�es" afirmou uma assistente social com quem conversei. Separam-se de seus maridos e reconstroem suas vidas, umas em outras cidades, outras at� desenvolvendo atividades fora de casa como nunca antes da perda da vis�o, mas todas se declarando de bem com a vida que levam e algumas at� afirmando serem mais felizes do que antes quando enxergavam. Os demais cinq�enta e quatro

relatos n�o desempenham as atividades desenvolvidas antes da perda. A supera��o pode ser vista como algo a desenvolver, que pode ter ou n�o algum v�nculo com as atividades anteriores. No caso de �ngela, uma outra hist�ria de vida, descobriu-se artista, a contra gosto a princ�pio, depois de vinte anos trabalhando com revela��o de filmes em c�mara escura de hospitais. Quando j� estava aposentada, quase por acaso descobriu a alegria de viver, hoje afirmando que "n�o consigo mais me ver sem fazer cer�mica". Haveria outros exemplos a dar, como no caso do pedreiro Djalma, que hoje integra grupos independentes, realizando apresenta��es em escolas e encenado pe�as teatrais no grupo de teatro Gente que participa, al�m de criar vasos e outras pe�as em cer�mica. Al�m dele, pode-se citar a hist�ria de Sr. Aroldo, � �poca da entrevista em 2008, presidente da associa��o de deficientes visuais, que comp�e a associa��o de pacientes e amigos do Instituto Oscar Clark, acumulando tamb�m a presid�ncia da associa��o do bairro onde mora. Dos vinte aos trinta e nove anos, Sr. Aroldo exerceu a atividade de t�cnico de refrigera��o central no Hospital Geral de Bonsucesso no Rio de Janeiro e, desconhecendo que era portador de glaucoma, perdeu a vis�o num curto intervalo de tempo. Ap�s a perda da vis�o, al�m da representa��o de seus pares na associa��o, aprendeu a fazer bengalas que vendia na pr�pria associa��o a pre�os m�dicos. Afirma que, antes da perda da vis�o, n�o gostava de ler nada. N�o nutria nenhum interesse pela leitura. Hoje, declara-se um devorador de livros religiosos. "Teve professor que me disse que eu n�o aprenderia Braille" afirmou Sr. Aroldo. Aprendeu e depois mostrou a quem lhe havia feito tal afirmativa, mostrando seu progresso e capacidade.

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A hist�ria de Helena tamb�m � bastante expressiva. Empres�ria propriet�ria de uma editora de livros infanto-juvenis e livros jur�dicos, chegou a lan�ar a id�ia, junto a alguns professores universit�rios, de editar materiais escolares a baixo custo para alunos carentes. Sua id�ia era editar as t�o propagadas "apostilas" e textos de aula, confeccionando encaderna��es simples a pre�os acess�veis. J� havia contatado algumas faculdades e na SUAM conseguiu seu intento. Quando o descolamento da retina veio pelo desdobramento de uma miopia intensa, teve que abandonar seus planos, mas n�o seus sonhos. Hoje, aos 56 anos, e h� dois cega, define-se como algu�m de esp�rito jovem que busca a alegria de viver ao lado da filha, separada do marido. Voltou a estudar. Quer concluir o curso superior em pedagogia para dar aulas, a exemplo do que fazia na adolesc�ncia para custear seus estudos de n�vel m�dio. Esses pequenos fragmentos complementam as hist�rias apresentadas no quinto cap�tulo anterior. Desfechos surpreendentes diante de tantas hist�rias comumente tr�gicas que ouvimos de pessoas que n�o s�o cegas a respeito dos cegos. Exemplos concretos de supera��o.

A supera��o pode ser assim potencializada por tr�s grandes pilares: pela riqueza da diversidade das experi�ncias acumuladas at� o momento da condi��o adversa; pela capacidade de criar e recombinar elementos da realidade vivida e pela delicadeza em selecionar impress�es e ideias a partir de uma situa��o limite e traduzilas positivamente. Numa express�o: a vontade de mudar. A transposi��o de uma condi��o limite reside na conflu�ncia desses tr�s est�gios, n�o necessariamente nessa ordem. Raz�o e emo��o entrela�am-se sem que uma prescinda da outra. � preciso vencer a si mesmo e dominar o desconhecido. � o empenho pela cria��o de sentido, condi��o de possibilidade para confrontarmos a conting�ncia da vida, que requer conex�o consciente com os outros. Di�logos e n�o discursos. O primeiro produz informa��es de "primeira ordem". Possui significado e produz sentido � condi��o humana. � fonte de novos conhecimentos. Os discursos, de diferentes matizes e influ�ncias transmitem os significados sendo fonte de "segunda ordem". (BARTHOLO, 2010). Triunfar diante de uma circunst�ncia contingencial � escapar �s descri��es cotidianas e estabelecer uma vontade de auto-supera��o com redefini��es do pr�prio "eu". � o esfor�o de tecer a si pr�prio o drama de uma vida redescobrindo-se. Cada um

190 de n�s � uma trama de conting�ncias que se ordena e desordena em determinadas circunst�ncias. A condi��o limite e limitadora nos colocam face a face com o desconhecido e, diante dele, estruturamos uma ordem na desordem entrando em cena estrat�gias inconscientes jamais sabidas, a menos que estejamos vivenciando tal condi��o. Modalidades adaptativas do ser humano, libertando-se do presente e construindo um novo existir no mesmo instante. Coisas, sentimentos e palavras passam a ter nova dimens�o antes n�o percebida. O que antes parecia rid�culo ou estranho passa a revelar uma proximidade e destacar-se se tornando componente de uma conduta. O sentido de uma nova identidade � alterado e apenas intelig�vel para uma �nica pessoa. N�o h� semelhan�as ou proximidades. Nenhum projeto de recria��o de si mesmo admite c�pias. S�o �nicos. Embora o grupo com quem convivi por dois anos possu�sse como caracter�stica comum a perda da vis�o na idade adulta, posso afirmar que, para cada um, a descoberta de novo existir a partir de uma nova atividade forneceu a chave para o entendimento de um novo estar-no-mundo. Assim: i. As artes pl�sticas e c�nicas demarcaram, como um divisor de �guas, a linha que separa a fraqueza da for�a. Promoveu um despertar atrav�s de suas mais variadas manifesta��es, para al�m da restri��o fisiol�gica. N�o ocorreu um alinhamento das mentes frente a uma quest�o comum. Mas apontou um fio condutor capaz de unir os mais diferentes comportamentos e caracter�sticas humanas reveladas e corporificadas concretamente na reconstru��o de vidas; ii. O exerc�cio f�sico e a atividade esportiva, em alguns casos,

permitem tamb�m a reestrutura��o da identidade. Em conversa com um oftalmologista1, respons�vel pela execu��o e avalia��o de exames para classifica��o da categoria de defici�ncia visual de nadadores competidores, foi-me apontado que a arte e o esporte s�o atividades que melhor preenchem o universo da perda da vis�o; iii. A imagina��o e cria��o engendram novos sentidos para a vida que passa pela experi�ncia na vida vivida. A atividade � o elemento operacionalizador da supera��o da adversidade.

1

Entrevista com Dr. Helder Costa, m�dico oftalmologista chefe da baixa vis�o do Instituto Benjamin Constant e avaliador de atletas competidores. Entrevista concedida em 14 de setembro de 2010 em sua cl�nica.

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iv. Superar � um aprender a aprender algo que fa�a sentido e que motive caminhar por ou para algum lugar. Novas pr�ticas muitas vezes pressup�em conhecimentos que simplesmente n�o se encontram acess�veis a n�s por meios que n�o sejam pela pr�pria pr�tica. N�o existe uma teoria nem tampouco uma pr�tica da supera��o que permita sua reprodu��o. A interpreta��o de qualquer narrativa em particular tamb�m n�o descarta outras interpreta��es, pois as narrativas s�o poliss�micas. Essa foi a minha interpreta��o e conclus�o a partir dos relatos e conv�vio com o grupo. O dilema no estudo do comportamento do homem � compreender n�o apenas os princ�pios causais de sua fisiologia e de seu psiquismo, mas entend�-los � luz dos processos interpretativos de seus significados. Quando abordamos pessoas fragilizadas por circunst�ncias contingenciais nos deparamos com um universo com o qual precisamos nos deter e dar um passo atr�s, para n�o aumentarmos a dor de quem j� sofre. Estabelecer com clareza o momento de se distanciar para depois imergir no mundo desconhecido � tarefa que todo pesquisador precisa aprender a respeitar.

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http://pfdc.pgr.mpf.gov.br Rede Saci http://http://www.saci.org.br/

ACERVOS DOCUMENTAIS PESQUISADOS:

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Arquivo Nacional (Rio de Janeiro) Biblioteca do Instituto Benjamin Constant Centro de Pesquisa Documenta��o e Informa��o do Instituto Benjamin Constant IBCENTRO Museu Casa de Rui Barbosa Museu do Instituto Benjamin Constant Real Gabinete Portugu�s

FILMES E NOT�CIAS

214

Luzes da Cidade (1931)

e

Sinopse: A hist�ria do filme, com�dia dram�tica protagonizada por Charles Chaplin, utiliza-se do ic�nico personagem do Vagabundo, que se apaixona por uma florista cega. A mo�a, em raz�o de um mal entendido, acredita que ele seja rico. O protagonista Charles Chaplin tentar� fazer de tudo para manter essa "imagem". Aproxima-se de um rica�o, que tentara suic�dio e fora salvo por ele, come�a a utilizar-se de todas as suas regalias, procurando sempre encontrar um modo de ajudar a pobre mo�a, ora com dinheiro, ora com carinho.

� Primeira Vista (1998) Sinopse: Contracenado principalmente por Amy (Mira Sorvino), que se apaixona por Virgil (Val Kilmer), conta uma hist�ria, baseadas em fatos reais, de um dos contos de "Um Antrop�logo em Marte" do neurologista Oliver Sacks. O filme se resume em um homem bonito que ficou cego acidentalmente na inf�ncia. Eis que ent�o surge uma esperan�a, atrav�s de um novo e revolucion�rio tratamento experimental, e Virgil � operado com sucesso. Ele recome�ar� tudo de novo, aprendendo mais uma vez a enxergar a luz do dia e, quem sabe, descobrir a for�a do amor.

Olhos Opacos (1999) Sinopse: Enquadramento da �ris fosca do olhar cego e as imagens da mem�ria desses olhos. A Cor do Para�so (1999) Sinopse: Seguindo a tradi��o do cinema iraniano de abordar o universo infantil, Majid Majidi, o mesmo diretor de "Filhos do Para�so", traz a hist�ria de Mohamed, um menino cego que busca o sentido da vida nas m�nimas coisas, nos sons mais singelos da natureza e na sensibilidade do toque. Majidi povoa o filme com met�foras casadas com belas seq��ncias de imagens, close-ups, ilumina�o e m�sica. A pel�cula se passa em regi�es rurais do Ir�, atrav�s das quais visualizamos o que se passa na cabe�a e no cora��o de um menino cego.

215 Reminisc�ncia (2001) Sinopse: Lembran�a do que a alma contemplou em uma vida anterior, quando, ao lado dos deuses, tinha a vis�o direta das id�ias. Uma senhora sem vis�o descreve lembran�as da inf�ncia e a experi�ncia sensorial. Janela da Alma (2001) Sinopse: Investiga��o po�tica e filos�fica sobre o olhar. Depoimentos. A pessoa � para o que nasce (2004) Sinopse: A hist�ria de tr�s irm�s cegas, Regina, Maria e Concei��o, ex�mias cantadoras e tocadoras de ganz� em feiras do Nordeste. Um Toque de Cor (2004) Sinopse: Ap�s adquirir uma defici�ncia visual, o pintor ingl�s Terry Jackson teve que reestruturar radicalmente tanto sua vida quanto sua t�cnica de pintura. Sua arte reflete a mudan�a pela qual passou, e mostra sua constante luta para manter a pintura como forma de express�o. Uma mudan�a na percep��o (2006). Sentidos � Flor da Pele (2008) Sinopse: Vivemos num mundo cada vez mais dominado por imagens. A perda parcial ou total da vis�o promove um aprofundamento na frui��o dos outros sentidos, que se tornam muito mais agu�ado. O filme acompanha a rotina de deficientes visuais que atuam de modo nada convencional no mercado de trabalho. Mostra capacidade e habilidades, al�m de evidenciar os est�mulos, a compreens�o e a luta contra todo tipo de preconceito.

Ensaio sobre a cegueira (2008) Sinopse: Hist�ria de uma in�dita epidemia de cegueira, inexplic�vel, que se abate sobre uma cidade n�o identificada. Tal "cegueira branca" - assim chamada, pois as pessoas infectadas passam a ver apenas uma superf�cie leitosa. O foco do filme,

216

no entanto, n�o � desvendar a causa da doen�a ou sua cura, mas mostrar o desmoronar e o colapso completo da sociedade que perde tudo aquilo que considera civilizado. Retrata um mundo instintivo de pura emo��o. O olhar de quem n�o v�.

NOT�CIAS INTERESSANTES Fot�grafo exibe imagens para cegos Uma exposi��o com imagens destinadas a cegos ser� exibida em Madrid. "Imagens para tocar". Re�ne instant�neas criadas pelo fot�grafo Juan Torres que tem apenas 10% da vis�o. Torres trabalhou com foto jornalismo durante 30 anos. Mas, em 1990 ele se aposentou devido a uma doen�a que lhe deixou praticamente cego. Desde ent�o, o fot�grafo se dedica a criar imagens em alto relevo para que os deficientes visuais possam desfrutar da fotografia. A exposi��o estar� aberta ao p�blico at� o dia 18 de setembro de 2010. Acessado em 14 de junho de 2010. Dispon�vel em . Sensores permitem que cegos percebam obst�culos Uma pesquisa da Universidade Polit�cnica de Val�ncia do Centro de Pesquisas Gr�ficas na Espanha, desenvolveu prot�tipos que v�o ajudar os cegos a pressentirem obst�culos e permitir que se movimentem tanto em espa�os abertos como em fechados. A pesquisa est� em seu terceiro ano. A tecnologia usa conceitos de vis�o artificial, an�lise ac�stica, sensores de informa��o 2D e sistemas de posicionamento GPS Acessado em 14 de junho de 2010. Dispon�vel em .

217 ANEXOS Anexo I Escala optom�trica de Snellen.

O sistema ler linhas de dist�ncia uma gradua��o

padr�o universal para avaliar a vis�o � o teste de Snellen. Consiste em letras cujo tamanho vai diminuindo e as quais est�o penduradas a uma padronizada da pessoa a ser testada. Cada linha na tabela diz respeito a que representa a acuidade visual.

Cada fileira � designada por um n�mero, correspondente a dist�ncia na qual um olho normal � capaz de ler todas as letras da fileira. Por exemplo, as letras na fileira "40" s�o suficientemente grandes para que um olho normal veja na dist�ncia de 40 p�s Por conven��o, a vis�o pode ser medida ou na dist�ncia de 20 p�s (6 metros), ou ainda mais perto, a 14 polegadas de dist�ncia. Para fins de diagn�stico, a dist�ncia da acuidade � o padr�o para compara��o, sendo sempre testado cada olho separadamente. A acuidade � marcada com dois n�meros (por exemplo, "20/40"). O primeiro n�mero 219 representa a dist�ncia de teste em p�s entre o quadro e o paciente, e o segundo representa a fileira menor das letras que o olho do paciente pode ler. 20/20 � uma vis�o normal; 20/60 indica que o olho do paciente pode apenas ler letras suficientemente grandes numa dist�ncia de 20 p�s, o que um olho normal pode ler numa dist�ncia de 60 p�s. Existe a tabela de Optotipos

Os quadros que cont�m numerais podem ser usados por pacientes n�o-familiarizados com o alfabeto. A tabela de optotipos � usada para testes com crian�as menores ou quando houver uma barreira na linguagem. As figuras "E" s�o giradas aleatoriamente em quatro orienta��es diferentes ao longo do quadro. Para cada alvo, o paciente � perguntado para apontar na mesma dire��o das tr�s "barras" do E. A maioria das crian�as podem ser testadas dessa maneira por volta dos tr�s anos e meio de idade. A acuidade visual n�o corrigida � medida sem a ajuda de �culos ou lentes de contato. A acuidade visual corrigida significa que esses auxiliares foram utilizados. Uma vez que a dist�ncia da acuidade visual n�o corrigida pode ser baixa simplesmente devido a erro refrativo (isto �, foco), a acuidade visual corrigida � a mais relevante avalia��o da sa�de ocular.

220

Anexo II

Quadro s�ntese dos profissionais entrevistados e suas respectivas fun��es com roteiro de perguntas. FORMA��O

PROFISSIONAIS ATIVIDADE

(PV 10)

Assistente Social

Respons�vel pela Divis�o de ADMINISTRA��O/COORDENA��O

Orienta��o e Acompanhamento

DV (PC 1)*

Profissional

Analista de Sistema

Respons�vel pela Divis�o de Reabilita��o, Prepara��o para o

Trabalho e Encaminhamento

IBC

VIDENTES

Profissional � DRT

(PV2)

Letras, Msc

(PV 1)

Psic�loga

Respons�vel pelo Departamento de Estudos e Pesquisas M�dicas e de Reabilita��o � DMR

Coordenadora da sala de apoio

IHA

dos professores do munic�pio do

(PV 7)*

Pedagoga

Rio de Janeiro

Professora de orienta��o e psicomotricidade mobilidade

(PV 9)

Ed. F�sica e p�s

(PV 3)

Pedagoga

(PV 4)

Licenciatura ci�ncias

IBC

Professora de habilidades b�sicas Professora de Braille

VIDENTES

Professor classe

especial do PROFISSIONAIS/PROFESSORES

EM

Professor de Braille e Sorob�

Realiza transcri��es de tinta para Braille

Realiza transcri��es de tinta para Braille

(PV 8)

munic�pio

(PV 6)

Professora

(PV 5)

Psic�loga

(PV 7)*

Pedagoga

IHA

Professora educa��o especial

Revisor de textos em Braille

DV (PC 5)

Prof. Hist�ria

cego (PC 4)

Prof. Portugu�s

cego (PC 3)

Professor

IHA

Revisor de textos em Braille CEGOS

Professor de Braille humana,

Professora de Sorob� e

Terapias alternativas Professor de Inform�tica

Letras e Motricidade IBC

cega (PC 2) DV (PC 1)*

Msc Analista de Sistema

221 Legenda: * Aparece duas vezes, mas contado como um �nico participante embora em cada uma das entrevistas tivesse tratado de tema diferente segundo fun��o desempenhada. Cada um deles foi entrevistado duas vezes. Uma entrevista como coordenador de atividade/departamento e outra como professor. Todavia, os demais forneceram mais de um depoimento. Sigla adotada: PV para profissional vidente (10) e PC para profissional cego e baixa vis�o (5), totalizando 15 entrevistados. IBC: Instituto Benjamin Constant; EM: Escola Municipal Conselheiro Mayring; IHA: Instituto Helena Antipoff Roteiro de perguntas: 1. O que voc� faz e onde atua? 2. Como os alunos se apresentam no primeiro momento? 3. Qual a maior dificuldade que voc� percebe? 4. O que voc� considera mais importante no processo ensino-aprendizagem? 5. O que os mant�m motividados? 6. Em sua opini�o, quais os fatores facilitadores para a supera��o das dificuldades? 7. O que voc� considera importante para eles? 8. Fale-me do seu trabalho? 9. H� quanto tempo desenvolve estas atividades? 10. Fale-me do seu dia a dia? 11. Fale-

me de voc�? 12. Onde iniciou os trabalhos? 13. Como voc� v� o trabalho que realiza? 14. O que o(a) fez trabalhar nesta �rea? 15. Qual ou quais fator (s) lhe impede(m) de realizar um bom trabalho? 16. E qual ou quais lhe favorecem? 17. O que voc� considera essencial no seu trabalho? Temas que emergiram a partir das entrevistas com os profissionais Tema Tema Tema Tema

1. 2. 3. 4.

Cegueira, preconceito e estigma O que � reabilita��o de cegos tardios? Forma��o e qualifica��o Trabalho e emprego

222

Anexo III Autoriza��o pesquisa IBC

223 224

Anexo IV Acompanhamento de pesquisa IBC

225 226

Anexo V Autoriza��o de pesquisa da Secretaria Municipal de Educa��o - SME

227 228

Anexo VI Termo de compromisso da Secretaria Municipal de Educa��o - SME

229 230

Anexo VII

Lista de empresas cadastradas como participantes do de encaminhamento profissional do Instituto Benjamin Constant - 2009.

programa

EMPRESAS Grupo LET-RH (Matriz RJ, filiais em S�o Grupo MPE-EBE Paulo, Curitiba e Juiz de Fora) TMKT (SP) Logictel Alliage Consultoria (RJ, SP e BH) Biap� Programa Diversidade Nextel Motivendas Apoio RH CVI Seres Consultoria Moinhos Cruzeiro do Sul Instituto Pr�-Cidadania Novezala - Wall Mart DSRM CDI e Rede Cidad�o Monteal Inform�tica Stefanini IT Solutions GE Celma Better Recursos Humanos Anglo Americano Atos Origin-Humanos Nirvana Uni�o dos Cegos Taxi Meier Funda��o Roberto Marinho Puras (alimenta��o) Confederal Casa Show Consultoria Empresarial LTDA/Bob's Prezunic Hoteis Hothon Sonda Brasil Michelin Mc Donald's (atrav�s do BED) Instituto Costa Verde Casa e Video (atrav�s da Novezala) Novezala Lojas Americanas Sodexo alimenta��o servi�os Supermercados Mundial LTDA CIEE (Centro de Integra��o Empresa Escola) Funda��o F� e Alegria (ONG) Rede D'or Cooper Consultores Advocacia Supermercados P�o de A��car

231

Anexo VIII 1� Fase da pesquisa - Entrevista semi-estruturada e roteiro semi-aberto ALUNOS/REABILITANDOS Aplicado em 76 pessoas de baixa vis�o e cegos tardios 1. Dados gerais: Data: Local: Nome: Sexo: ( ) Feminino

( ) Masculino

Local, dia, m�s e ano de nascimento: Estado civil: ( ) solteiro ( ) casado

( ) separado

( ) vi�vo

Situa��o de moradia: ( ) sozinho ( ) com companheiro(a) /esposo(a) ( ) com familiares e parentes ( ) em institui��o Situa��o do im�vel: ( ) pr�prio

(

) alugado ( ) institui��o

Escolaridade: ( ) analfabeto completo ou funcional ( ) n�vel b�sico (de 1 a 4 anos) ( ) n�vel

m�dio (5 a 8 anos) ( ) n�vel superior (mais de 9 anos) N�vel de renda: ( ) at� 2 SM ( ) de 3 a 5 SM ( ) de 6 a 10 SM ( ) mais de 10 SM Possui renda pr�pria? ( ) sim ( ) n�o Se possui renda pr�pria, qual a origem? ( ) aposentadoria ( ) pens�o ( ) trabalho ( ) programa social ( ) outros. Se marcou "outros" na resposta anterior, qual a origem da renda?____________________________ 2. Roteiro semi-aberto - Dados s�cio-culturais espec�ficos A vida antes e depois da perda da vis�o 1. 2. 3. 4. 5. 6.

Qual sua profiss�o? Qual condi��o visual? E diagn�stico oftalmol�gico? Possui diagn�stico cl�nico associado � perda da vis�o? Qual? Fale um pouco da sua vida. Fale sobre a sua fam�lia. Com quem voc� mora? Tem filhos?

232 7. Como era a sua rotina di�ria antes de perder a vis�o? Trabalhava? Com que? Estudava? O qu�? 8. Qual sua rotina di�ria atualmente? Quais atividades voc� faz hoje? 9. Voc� parou de trabalhar? 10. De estudar? 11. Como era a sua vida social? 12. O que gostava de fazer nos momentos de lazer? 13. Tinha alguma atividade freq�ente? 14. Com que idade voc� perdeu a vis�o ou come�ou a perceber a vis�o? 15. Como sua fam�lia reagiu? 16. Perder a vis�o afetou sua maneira de ser? O qu�? 17. E sua fam�lia? Percebeu alguma mudan�a? 18. Qual ou quais pessoas lhe ofereceram mais apoio? 19. O que voc� sentiu no momento que percebeu que estava cego? 20. Voc� participa de algum grupo social ou de apoio? Qual? 21. Voc� tem amigos no seu bairro? 22. Voc� freq�enta alguma comunidade? 23. Freq�enta quais locais? 24. E fora do seu bairro? 25. Voc� costuma sair com algu�m ou sozinho? 26. Atualmente, como voc� est� enfrentando a cegueira? 27. Quem atualmente mais lhe ajuda? 28. Quais seus planos?

233 Anexo IX Termo de Consentimento Informado (lido para os cegos)

Pelo presente instrumento, declaro que fui suficientemente esclarecido (a) pela pesquisadora Cristina Maria Barros de Medeiros sobre os questionamentos, a que vou me submeter, assim como os fins que se destinam a pesquisa, al�m de ter preservada minha identidade por pseud�nimos. Pelo presente tamb�m manifesto expressamente minha concord�ncia e meu consentimento para a divulga��o dos dados da pesquisa respeitado os fins acad�micos a que se destina.

Rio de Janeiro, (data) ____________________________________________ Nome e assinatura do pesquisado (ou representante legal)

234 Anexo X 2� Fase da Pesquisa - Roteiro de perguntas. Aplicado em 16 participantes. O processo de reabilita��o e a nova condi��o 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20.

Voc� participa ou j� participou de programa de reabilita��o? Se sim, onde? Quem lhe acompanhou? Como foi a chegada? O que voc� pensou? Porque voc� procurou um lugar especializado? Voc� j� conhecia antes? Quando chegou sabia o que era reabilita��o E hoje, voc� sabe o que �? Voc� tem amizade com outros cegos? O que mudou a partir do conv�vio com outros cegos? Fale da sua rela��o com os profissionais e professores? Qual atividade foi mais importante para voc�? Por qu�? Qual atividade foi menos importante? Por qu�? A reabilita��o alterou a sua rotina de vida? Em que? E de sua fam�lia? Voc� acha que sua vida mudou? Em que? Houve alguma altera��o no enfrentamento da cegueira? Qual? O que mais colaborou para isso na sua opini�o?

235

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