O Que é Contracultura

  • Uploaded by: Gustavo Hanke
  • 0
  • 0
  • October 2019
  • PDF

This document was uploaded by user and they confirmed that they have the permission to share it. If you are author or own the copyright of this book, please report to us by using this DMCA report form. Report DMCA


Overview

Download & View O Que é Contracultura as PDF for free.

More details

  • Words: 19,284
  • Pages: 37
Carlos Alberto Messeder Pereira O QUE �

CONTRACULTURA

EDITORA BRASILIENSE "Eu pensava ter dado um grande salto para a frente e percebo que na verdade apenas ensaiei os tmidos primeiros passos de uma longa marcha." (A Chinesa - Godard) Agradecimentos a: Alberto Sabino Jr., Helo�sa Buarque de Hollanda, Jos� Leonardo Gomes da Silva Neto, Lu�s Carlos Maciel, Lu�s Carlos Fridman e Maria Lygia M, C. Pereira. H� ALGO NO AR AL�M DOS

AVI�ES DE CARREIRA

Paz e Amor. Paradise Now. Desbunde. Desrepress�o. Re- volu��o Individual. You Are What You Eat. Aqui e Agora. � Proibido Proibir. A Imagina��o Est� Tomando o Poder. Flower Power. Turn on, Turne in and Drop out. Etc. Etc. . . . Palavras de ordem e express�es como estas foram, num determinado momento, capazes de mobilizar multd�es de jovens e intelectuais, nas mais diferentes partes do mundo. Corriam os anos 60 e um novo estlo de mobi- liza��o e contesta��o social, bastante diferente da pr�tca pol�tca da esquerda tradicional, frmava-se cada vez com maior for�a, pe- gando a cr�tca e o pr�prio Sistema de surpresa e transformando a juventude, enquanto grupo, num novo foco de contesta��o radi- cal. O que estava acontecendo? Falava-se no surgimento de uma nova consci�ncia, de uma nova era, enfm, de novos tempos. Era uma revolu��o em curso? Estava-se presenciando o surgimento de uma nova utopia? Aos poucos, os meios de comunica��o de massa come- �avam a veicular um termo novo: contracultura. Inicialmente, o fen�meno � caracterizado por seus sinais mais evidentes: cabelos compridos, roupas coloridas, mistcismo, um tpo de m�sica, drogas e assim por diante. Um conjunto de h�bitos que, aos olhos das fam�lias de classe m�dia, t�o ciosas de seu projeto de ascens�o social, parecia no m�nimo um desprop�sito, um absurdo mesmo. Rapidamente, no entanto, come�a a fcar mais claro que aquele conjunto de manifesta��es culturais novas n�o se limitava a estas marcas superfciais. Ao contr�rio, signifcava tamb�m novas ma- neiras de pensar, modos diferentes de encarar e de se relacionar com o mundo e com as pessoas. Enfm, um outro universo de sig- nifcados e valores, com suas regras pr�prias. Come�avam a se delinear, assim, os contornos de um movimento social de car�ter fortemente libert�rio, com enorme apelo junto a uma juventude de camadas m�dias urbanas e com uma pr�tca e um ide�rio que colocavam em xeque, frontalmente, alguns valores centrais da cultura ocidental, especialmente certos aspectos essenciais da racionalidade veiculada e privilegiada por esta mesma cultura. Ainda que diferindo muito dos tradicionais movimentos organizados de contesta��o social - e isto tanto pelas bandeiras que levantava, quanto pelo modo como as en- caminhava - a

contracultura conseguia se afrmar, aos olhos do Sistema e das oposi��es (ainda que gerando incans�veis discus- s�es), como um movimento profundamente catalisador e questonador, capaz de inaugurar para setores signifcatvos da popula��o dos Estados Unidos e da Europa, inicialmente, e de v�rios pa�ses de fora do mundo desenvolvido, posteriormente, um estlo, um modo devida e uma cultura underground, marginal, que, no m�nimo, davam o que pensar. Esse esp�rito libert�rio e questonador da racionalidade ocidental, que viria a marcar t�o fortemente isto que fcou conhecido como a contracultura, j� se anunciava nos Estados Unidos, desde os anos 50, com uma gera��o de poetas - a beat generaton - que produziu um verdadeiro s�mbolo do fen�meno com o poema "Howl" (Allen Ginsberg, 1956), que, traduzido, signifca uivo ou berro. Nesta mesma �poca, com seu apogeu por volta dos anos 1956-1968, surge o rock-'n-roll, sintetzado na fgura provocatva de Elvis Presley, aglutnando um p�blico jovem que come- �ava a fazer deste tpo de m�sica a express�o de seu descontentamento e rebeldia, tornando insepar�veis a m�sica (ou a arte) e o comportamento. � a chamada juventude transviada, com suas gangs, motocicletas e revoltas contra os professores nas salas de aula. S�o os "rebeldes sem causa" t�o retratados, n�o importa se justa ou injustamente, pelos flmes da �poca e encarnados na fgura de James Dean. J� come�ava a se delinear, de modo bastante claro, algo que seria de grande import�ncia para a compreens�o da d�cada seguinte: uma consci�ncia et�ria. A oposi��o jovem/ n�o-jovem come�ava a ganhar cada vez maior sentdo para a compreens�o de determinados movimentos sociais. �, no entanto, nos anos 60, que essa explos�o pol�tco-cultural ganha pot�ncia m�xima. Na m�sica, o i�-i�-i� dos Beatles e o novo som de Bob Dylan come�avam a reunir um p�blico crescente e cada vez mais signifcatvo diante da opini�o p�blica. A segunda metade da d�cada � marcada por grandes concertos e festvais de rock que, na verdade, se transformavam sempre em grandes happenings. Entre alguns dos mais importantes est�o o de Monterey, em 1967, quando surgem Jimmy Hendrix e Janis Joplin; o de Woodstock, em 1969; o de Altamont, ainda no mesmo ano, quando um negro � assassinado pelos Hells Angels, evidenciando-se a presen�a da viol�ncia no interior da contracultura; e, fnalmente, o da Ilha de Wight. Este, por sua vez, contou com a presen�a de fgu- ras importantes da m�sica brasileira, ou melhor, do Tropicalismo, como Caetano Veloso, Gilberto Gil (ambos vivendo em Londres na �poca) e Gal Gosta, ao lado de pessoas de outras �reas, como Rog�rio Sganzerla, Jos� Vicente ou Ant�nio Bivar, que realizava a cobertura jornal�stca do festval para um jornal underground bra- sileiro. Toda essa movimenta��o na m�sica era seguida de perto pelo movimento hippie, com suas comunidades e passeatas pela paz. Por volta de 1967, na mesma �poca em que na lend�ria S�o Francisco era realizado com grande alarde o enterro simb�lico do mesmo movimento hippie, surgia um curioso partdo: o Youth Internatonal Party (Partdo Internacional da Juventude), que vinha lan�ar a fgura do yippie (o hippie politzado). Ainda um fato importante na caracteriza��o desse quadro s�o as revoltas nos campi universit�rios que culminam com a radicaliza��o do movimento estudantl internacional, sintetzada pelo Maio de 68, na Fran�a. A partr de ent�o, era difcil ignorar-se a contracultura como forma de contesta��o radical. Se seria f�cil e totalmente

absorvida pelo Sistema, pelo Establishment - palavras consagra- das pelo jarg�o da �poca -, se era um sinal evidente da aliena��o de parcelas cada vez maiores das popula��es de pa�ses situados nos quatro cantos do mundo ou se signifcava a cr�tca mais radical que j� se havia produzido � cultura ocidental como um todo, estas eram algumas das quest�es centrais que estavam colocadas na pauta de uma discuss�o quente e prolongada, que n�o deixa de apontar para um saldo que parece exigir e merecer um balan�o possam sair pistas que apontem no sentdo de uma melhor compreens�o do que foi ou do que � a contracultura. A ASCENS�O DE UM

cuidadoso do qual

PODER JOVEM

Embora bastante pr�ximo no tempo, o movimento de con- tracultura, num certo sentdo, j� faz parte de um passado hist�rico, estando um pouco distante do nosso dia-a-dia. Os tempos mudam e fca ent�o difcil reconsttuir o vigor, o pique da movimenta��o daqueles anos 60 que tanto marcaram, de modo radical e defnitvo, a experi�ncia da juventude internacional. Por outro lado, descrever, em poucas p�ginas, a natureza de um movimento complexo e rico como a contracultura, ou mes- mo contar um pouco de sua hist�ria, n�o � tarefa f�cil. Especialmente se o que se pretende � compor um quadro capaz de passar de modo vivo e atual um pouco do clima daquele momento. Nesse sentdo, um bom ponto de partda para uma apro- xima��o mais direta do fen�meno da contracultura �, sem d�vida alguma, o depoimento de algu�m que, pelo menos no Brasil, teve um papel fundamental tanto na atualiza��o quanto na divulga��o das id�ias da contracultura. Seu nome � Lu�s Carlos Maciel - co- laborador do Pasquim do come�o dos anos 70 e de v�rios outros jornais underground, bem como autor de v�rios livros sobre o as- sunto em quest�o -, que nestas anota��es que se seguem, publicadas j� nos anos 80, nos d� algumas pistas fundamentais que vale a pena seguir. Primeira anota��o O termo "contracultura" foi inventado pela imprensa norte-ameanos 60, para designar um conjunto de manifesta��es culturais

ricana, nos

novas que foresceram, n�o s� nos Estados Unidos, como em v�rios outros pa�ses, especialmente na Europa e, embora com menor intensidade e repercuss�o, na Am�rica Latna. Na verdade, � um termo adequado porque uma das caracter�stcas b�sicas do fen�meno � o fato de se opor, de diferentes maneiras, � cultura vigente e ofcializada pelas principais insttui- ��es das sociedades do Ocidente. Contracultura � a cultura marginal, independente do reconheci- mento ofcial. No sentdo universit�rio do termo � uma antcultura. Obedece a instntos desclassifcados nos quadros acad�micos. Segunda anota��o Pode-se entender contracultura, a palavra, de duas maneiras: a) como um fen�meno hist�rico concreto e partcular, cuja origem pode ser localizada nos anos 60; e b) como uma postura, ou at� uma posi��o, em face da cultura convencional,

de cr�tca radical. No primeiro sentdo, a contracultura n�o �, s� foi; no segundo, foi, certamente ser�.

� e

Terceira anota��o Acostumamo-nos, atrav�s da educa��o, a ver na cultura que her- damos de nossos pais e antepassados uma entdade intoc�vel, defnitva, que se apresenta diante de n�s como parte da pr�pria ess�ncia da realida- de algo "natural" como o Sol ou a Lua, ou o resultado de uma evolu��o que se diria "biol�gica" porque inevit�vel. � evidente, por�m, que n�o � assim. Cultura � um produto hist�rico, isto �, contngente, mais aciden- tal do que necess�rio, uma cria��o arbitr�ria da liberdade - cujo modelo supremo � a Arte. N�o h� cultura, a rigor - como manifesta��o de uma inexisten- te "natureza" humana, por exemplo -, mas culturas, no plural, criadas por diferentes homens em diferentes �pocas, lugares e condi��es, tanto objetvas quanto subjetvas. Elas expressam n�o a realidade em si, mas diferentes maneiras de ver essa realidade e de interpret�-la. S�o diferentes leituras do mundo e por nenhum crit�rio pretensamente objetvo pode- mos afrmar que uma seja mais v�lida - ou mais "objetva", "verdadeira", "cientfca" etc. - do que outra. Criamos, inventamos culturas - e a todo momento, pratcamente sem cessar. Trata-se, apenas, no fundo, de um jogo cuja gra�a maior h� sempre, sua carga po�tca. O valor mais alto de uma cultura � sua vis�o po�tca. Cultura, pois, � essencialmente Arte - um dos piores preju�zos pela vis�o cientfca que domina a nossa cultura foi o de distorcer, obscurecer e fnalmente ignorar esse fato.

de ser, causados

Quarta anota��o A compreens�o do fen�meno da contracultura depende da erra- dica��o desse preconceito, introjetado em todos n�s desde a inf�ncia: o de que nossa cultura partcular e suas formas espec�fcas e limitadas s�o, de alguma maneira, superiores, ou melhores, ou mais objetvas etc. do que quaisquer outras, pret�ritas ou a inventar. Esta � uma ilus�o tenaz, amparada por todas nossas insttui��es - da universidade � pol�tca -, e o primeiro ato indiscutvelmente positvo e genuinamente revolucion�rio da contracultura foi o de desment-la. Esse ato foi espont�neo. O surgimento e o desenvolvimento do que se chamou contracultura n�o foram previstos - e s� foram precariamente apreendidos, � custa de distor��es - pelos quadros de conheci- mento elaborados por nossa cultura. Sua fonte foi a magia fundamental da realidade, seu poder inces- sante de cria��o, insubmisso a todos os tpos e tentatvas de racionaliza- ��o. Esta � a principal originalidade hist�rica da contracultura. Ela tem a ver com um passe de m�gica do que qualquer processo racionaliz�vel.

mais

Quinta anota��o A contracultura foi certamente propiciada pelas pr�prias doen�as cultura tradicional. Tais doen�as condicionaram seu surgimento,

de nossa

como um antdoto, ou antcorpo, necess�rio � preserva��o de um m�nimo de sa�de existencial, que passou a ser socialmente exigido pelo pr�prio instnto de sobreviv�ncia de nossa vida em comum. Nossa cultura �, ela pr�pria, uma doen�a. Uma arte m�rbida. O pensamento do s�culo XIX tentou diagnostcar essa doen�a de diferentes maneiras. Chama-se "aliena��o", de Marx - e "neurose", em Freud. No marxismo, � o resultado psicol�gico da explora��o econ�mica; na psican�lise, o produto social da repress�o dos instntos. H� de ser ambas as coisas - e mais ainda. A origem dessa doen�a perde-se na noite dos tempos: ela n�o de- pende apenas das maneiras que os homens organizaram sua sobreviv�ncia material ou suas rela��es familiares; antes, suas formas m�rbidas - di- nheiro, explora��o, repress�o, autoritarismo etc. - s�o suas conseq��ncias ou sintomas, ou ainda melhor: s�o ela pr�pria, ao n�vel da experi�ncia coletva concreta. Sexta anota��o "Na noite dos tempos" quer dizer: aqui e agora. Eternidade do Efciente.

Instante

S�tma anota��o O doente � o homem condicionado que conhecemos em nossa cultura. Sua perda b�sica � a da pr�pria liberdade. Em fun��o disso, ele se torna, cada vez mais, um escravo do que os hindus chamam Maya. Maya signifca ilus�o m�gica, arte, jogo. O olho desperto o v� as- sim; o adormecido o confunde com o real, prende-se em sua teia. Nas teias de Maya, o sujeito vive um estado de alucina��o com- pleta, de absoluta confus�o mental. Sua mente conturbada cria uma s�rie intermin�vel de monstruosidades econ�micas, sociais, psicol�gicas e existenciais. O grande obst�culo � que esse estado on�rico, alucinat�rio, � considerado "normal" por sua pr�pria �tca, que � a vigente; dessa forma, a preserva��o e mesmo a evolu��o da doen�a s�o asseguradas. Consideran- do-se "saud�vel", o doente n�o procura m�dico nem rem�dio - e atribui seu sofrimento a uma fatalidade absurda e incompreens�vel. Essa condi��o caracteriza o nosso cotdiano. A doen�a � essencialmente mental - e, portanto, tanto fsica quanto espiritual. Mente, Corpo e Esp�rito - esses tr�s s�o um s�. Oitava anota��o A contracultura surgiu do confronto entre a cultura, reconhecida como doen�a, e a vis�o juvenil, cujo instnto natural � para a sa�de. A aud�cia dessa vis�o n�o pode ser considerada mera precipita��o ing�nua, pois fundase, antes, num desencanto radical - atngido por satura��o, maturidade - com o mundo tal como o conhecemos. As vertentes que confu�ram para a forma��o de contracultura s�o naturezas aparentemente diversas, mas sublinhadas pelo denominador comum da inten��o libert�ria. E a fonte instntva dessa inten��o d�vida, a vis�o juvenil.*

v�rias, de �, sem

Surgido inicialmente na imprensa, o r�tulo contracultu- ra foi ganhando um espa�o de circula��o cada vez mais amplo. E isto, principalmente, na medida em que o fen�meno a que ele se referia ia tamb�m se expandindo e se revelando, aos olhos de um n�mero crescente de pessoas, como um tema obrigat�rio de discuss�o, � claro que n�o se pode esquecer ou deixar de levarem considera��o a for�a, o poder da imprensa, especialmente da grande imprensa, no sentdo de lan�ar r�tulos ou modismos. Mas isto, por si s�, n�o parece ser sufciente para explicar a enorme e r�pida difus�o do termo contracultura. Assim que, de um lado, temos a expans�o e difus�o do fen�meno a que o r�tulo se referia e, de outro - o que � um ponto fundamental -, o grande vigor expressivo do pr�prio r�tulo. Desta forma, o termo "colava" n�o apenas porque se referia a um fen�meno que assumia propor��es cada vez maiores, ou porque era veiculado por uma imprensa mais ou menos poderosa, mas, talvez, especialmente, porque contnha em si mesmo uma expressiva carga de informa��o a respeito do movimento que designava. Tratavase, de fato, de um movimento de contesta��o que colocava frontalmente em xeque a cultura ofcial, prezada e defendida pelo Sistema, pelo Establishment. Diante desta cultura privilegiada e valorizada, a contracultura se encontrava efetva- mente do outro lado das barricadas. A afrma��o e a sobreviv�ncia de uma parecia signifcar a nega��o e a morte da outra. E agora, amplifcada e difundida pelos meios de comunica��o de massa, a recusa radical da juventude ganhava a cena com grande alarde e assumia ares de uma verdadeira contracultura. Podemos entender por contracultura duas coisas at� certo Ano

*Lu�s LIII,

Carlos n

Maciel. 2736,

Revista Careta, de 20/07/1981. p. 19.

ponto diferentes, ainda que muito ligadas entre si. E, quando al- gu�m usa o termo, � poss�vel que esteja se referindo a uma ou a ambas as coisas. De um lado, o termo contracultura pode se referir ao con- junto de movimentos de rebeli�o da juventude de que fal�vamos anteriormente e que marcaram os anos 60: o movimento hippie, a m�sica rock, uma certa movimenta��o nas universidades, viagens de mochila, drogas, orientalismo e assim por diante. E tudo isso levado � frente com um forte esp�rito de contesta��o, de insatsfa��o, de experi�ncia, de busca de uma outra realidade, de um outro modo de vida. Trata-se, ent�o, de um fen�meno datado e situado historicamente e que, embora muito pr�ximo de n�s, j� faz parte do passado. Hoje, mesmo quando nos vemos diante de um ou outro destes elementos, eles j� n�o t�m o mesmo sentdo de antes, ou pelo menos n�o com aquela for�a. De outro lado, o mesmo termo pode tamb�m se referir a alguma coisa mais geral, mais abstrata, um certo esp�rito, um certo modo de contesta��o, de enfrentamento diante da ordem vigente, de car�ter profundamente radical e bastante estranho �s formas mais tradicionais de oposi��o a esta mesma ordem dominante. Um tpo de cr�tca an�rquica - esta parece ser a palavra-chave - que, de certa maneira, "rompe com as regras do jogo" em ter- mos de modo de se fazer' oposi��o a uma determinada situa��o. Aquela postura ou posi��o de cr�tca radical em face da cultura convencional, � qual se refere Maciel em suas anota��es. Uma

contracultura, entendida assim, reaparece de tempos em tempos, em diferentes �pocas e situa��es, e costuma ter um papel fortemente revigorador da cr�tca social. Tanto no sentdo mais geral quanto no espec �f ico, o termo aponta para uma realidade cuja natureza extremamente radical, questonadora, e bastante "diferente" se comparada �s formas mais tradicionais de oposi��o ao status quo, sugere a id�ia de que estamos de fato diante de algo situado fora da ou contra a cultura ofcial. E isto na medida em que esta nova realidade se apoia sobre uma recusa fundamental, expl�cita ou impl�cita, de alguns dos valores mais sagrados e prezados por aquela cultura. Fiel � flosofa ut�pica do dropout, a juventude engajada na contracultura dos anos 60 buscava, atrav�s deste conjunto de id�ias e comportamentos, cair fora do Sistema. Descrente do futuro e desencantada com o presente - uma sociedade e uma cultura que, segundo o consenso da �poca, estavam simplesmen- te "doentes" -, o que tentava criar era um mundo alternatvo, underground, situado nos interstcios daquele mundo desacredi- tado, ou no que se acreditava ser o outro lado de suas muralhas. Rompia-se com pratcamente todos os h�bitos consagrados de pensamento e comportamento da cultura dominante, realizandose uma esp�cie de "cr�tca selvagem" a esta mesma cultura e so- ciedade ocidentais. N�o se tratava da revolta de uma elite que, embora privile- giada, visasse uma redistribui��o da riqueza social e do poder em favor dos mais humildes. Nem de uma "revolta de despossuidos". Ao contr�rio. Era exatamente a juventude das camadas altas e m�dias dos grandes centros urbanos que, tendo pleno acesso aos pri- vil�gios da cultura dominante, por suas grandes possibilidades de entrada no sistema de ensino e no mercado de trabalho, rejeitava esta mesma cultura de dentro. E mais. Rejeitavam-se n�o apenas os valores estabelecidos mas, basicamente, a estrutura de pensa- mento que prevalecia nas sociedades ocidentais. Critcava-se e rejeitava-se, por exemplo, o predom�nio da racionalidade cientfca, tentando-se redefnir a realidade atrav�s do desenvolvimento de formas sensoriais de percep��o. Nas palavras de William James, estudioso dos agentes alucin�genos do fnal do s�culo passado: "... a consci�ncia racional, como a chamamos, consttui apenas um tpo especial de consci�ncia, enquanto, a seu redor, dela separadas por um tenu�ssimo biombo, jazem formas potenciais inteira- mente diferentes (...). Nenhuma concep��o do universo em sua totalidade que ignore essas outras formas de consci�ncia pode ser defnitva (...). Elas impedem um fechamento prematuro de nossas contas com a realidade". � a recusa radical destes princ�pios mais do que consagrados que parece emprestar ao r�tulo contracultura seu forte sen- tdo, justfcando sua f�cil aceita��o de ambos os lados das barricadas. Tanto da parte daqueles que se colocavam ao lado do novo fen�meno, quanto da parte dos que lhe faziam oposi��o, o que se pressenta era uma ruptura, no sentdo mais essencial da palavra, com a ordem dominante. E a� talvez - na sua f�ria, na falta de sistematcidade de sua cr�tca - esteja a dimens�o essencial da radicalidade da contracultura. Embora a contracultura n�o seja uma inven��o exclusiva da juventude, o que � f�cil de demonstrar pela idade avan�ada de alguns de seus te�ricos e gurus mais destacados, ela encontra no jovem o seu

int�rprete principal e o seu motvo mais forte. Eram estes mesmos jovens que atualizavam e colocavam em pr�tca, no seu cotdiano, algumas das id�ias, hip�teses e suposi��es daqueles te�ricos "mais velhos". Est�, assim, profundamente marcada por um ineg�vel "esp�rito juvenil", no sentdo mais rico da express�o. De uma certa forma, podia-se falar agora da entrada em cena de um poder jovem que, n�o apenas pelo seu vigor pr�prio, mas tamb�m pelas alian�as que conseguia estabelecer com grupos de contesta��o �s vezes muito diferentes, ia se revelando uma pre- sen�a cada vez mais inc�moda do ponto de vista do status quo. A partr de um certo momento come�ou a ser cada vez mais freq�ente e comum o emprego, em contextos diversos, da express�o confito de gera��es. Falar ent�o de confito de gera- ��es era tocar em um problema essencialmente pol�tco. N�o se tratava mais de um fen�meno epis�dico e partcular, mas de um foco importante de contesta��o social de nossa �poca. O espa�o privado e �ntmo da fam�lia - palco por excel�ncia destes confi- tos - ganhava ares de arena pol�tca. Houve quem dissesse que a "revolu��o" havia chegado �s salas de visita de algumas das mais pacatas fam�lias burguesas ou mesmo sentado � mesa do jantar. Ao inv�s de encontrar seu inimigo de classe no operariado das f�- bricas afrmavam alguns -, a burguesia o encontrava na fgura de seus flhos cabeludos. Mas n�o era apenas no interior da fam�lia que o jovem se consttu�a num foco de contesta��o. O mesmo acontecia na es- cola, nos campi universit�rios, na m�sica, nas movimenta��es de rua, em grandes movimentos sociais, enfm, em todos os lugares e/ou insttui��es onde sua presen�a se fazia notar. Com especial destaque para certos pa�ses e para certos grupos sociais, jovem e juventude passavam a ser sin�nimo de contesta��o. Pelo menos inicialmente, � a juventude branca de camadas m�dias de pa�ses como os Estados Unidos ou aqueles da Europa Ocidental que vai se consttuir em algo que poderia ser defnido como o n�cleo b�si- co deste novo esp�rito de contesta��o radical da contracultura. E, assim, a oposi��o flhos/pais, ou melhor, a oposi��o jovem/adulto, ganhava, cada vez mais, uma dimens�o nova e radical. Contudo, parece n�o ter sido t�o de repente que tudo isto aconteceu. Efetvamente, de modo mais acentuado a partr da II Grande Guerra, e especialmente nos pa�ses ditos desenvolvidos - com destaque para os Estados Unidos -, as condi��es de vida e a defni��o mesma do que fosse o jovem ou a juventude haviam se transformado bastante, e todas estas transforma��es apontavam no sentdo de fazer deste mesmo jovem uma pe�a importante, de destaque no grande xadrez social. Certamente, para quem est� situado deste nosso lado n�o-afuente do mundo contempor�neo, n�o deve ser muito f�cil perceber e avaliar de modo imediato o alcance e o signifcado destas altera��es. Afnal de contas, por maior que tenha sido entre n�s o impacto da II Guerra Mundial e mesmo de seu t�rmino ou das transforma��es ocorridas no per�odo que se seguiu a ela, nossa situa��o era muito diferente daquela vivida pela Europa - o palco mais vivo daquele confito n�o apenas militar mas sobretudo ideol�gico - ou pelos Estados Unidos. Especialmente no que se refere aos Estados Unidos, talvez a grande novidade do per�odo p�s-guerra, este pa�s come�ava a se consttuir ent�o no primeiro grande exemplo de uma socieda- de afuente, tecnocr�tca, o que se materializava, por exemplo, na

afrma��o do american way of life, um estlo de vida exportado para o mundo inteiro. Por outro lado, entr�-

com razo�vel sucesso

vamos, naquela hora, em um novo per�odo da luta entre as gran- des pot�ncias. Vivia-se a "guerra fria", alimentada pela amea�a at�mica, entre os Estados Unidos e a Uni�o Sovi�tca, e que se expressava tanto nos maci�os investmentos industriais de guerra realizados por ambas as partes, quanto no macarthismo, fen�me- no que tanto marcou a d�cada de 50 nos Estados Unidos com suas listas negras e uma implac�vel persegui��o a personagens da es- querda americana. Por outro lado, falando ainda especialmente do caso dos Estados Unidos, vale lembrar que ao volume extremamente grande de sua popula��o com menos de 20 anos, portanto bastante jovem, vinha se acrescentar o forte desenvolvimento, no p�sguerra, de uma educa��o liberal que tnha, entre outros, o efeito de refor�ar a exist�ncia de um espa�o leg�tmo de questonamento e reivindica��o espec�fcos do jovem. Ainda na �rea educacional, � bom chamar a aten��o para a expans�o de cursos superiores que vinha ocorrendo tanto no Estados Unidos quanto na Europa Oci- dental. A experi�ncia do campus universit�rio n�o apenas signifcava uma enorme concentra��o de jovens num espa�o bastante aberto de discuss�o e questonamento, que por si s� j� favorecia o incremento de uma identdade grupal, como tamb�m ajudava a transformar a juventude numa "carreira" ainda mais longa, o que adiava um pouco mais o contato mais direto entre o jovem e o "mundo dos adultos" decorrente, por exemplo, da profssionali- za��o. Como se tudo isso n�o bastasse para refor�ar as fleiras deste ex�rcito de jovens, vale lembrar que o repert�rio de informa��es desta mesma juventude havia se transformado bastante durante a d�cada de 50. Com o desenvolvimento galopante que tveram os meios de comunica��o, a difus�o de normas, valores, gostos e padr�es de comportamento, que at� ent�o estvera sob a infu�ncia mais direta do c�rculo mais �ntmo, representado, por exemplo, pela fam�lia ou outras insttui��es afns, se libertava agora destas amarras tradicionais e locais, ganhando uma dimens�o mais universal e aproximando realidades at� ent�o infnitamente afastadas umas das outras. Afnal de contas, o mundo da co- munica��o de massa era aquela "aldeia global" de que nos fala McLuhan - um nome importante no elenco de te�ricos que tve- ram seu lugar no movimento de rebeli�o da juventude. Mas como se caracteriza essa sociedade em que se const- tui e com que se defronta este poder jovem? Como ela se apresenta aos olhos daqueles que v�o desaf�-la? Suas marcas mais fortes parecem ser uma ind�stria altamente avan�ada, aliada a uma razo�vel afu�ncia, alian�a que se traduz numa pauta de consumo sempre renovada e num sistema essencialmente massifcante. Trata-se, na verdade, de uma sociedade tecnocr�tca voltada para a busca ideal de um m�ximo de moderniza��o, racionaliza��o e planejamento, com privil�gio dos aspectos t�cnico-racionais sobre os sociais e humanos, refor�ando uma tend�ncia crescente para a burocratza��o da vida social. Tudo isto, por sua vez, apoiado e referendado pelo dogma da ci�ncia, ou melhor, pela cren�a absoluta na objetvidade do conhecimento cientfco e na palavra do especialista, o int�rprete autorizado do discurso da tecnologia, da produtvidade e do progresso.

Neste sentdo, a tecnocracia - esta forma social acima apontada - se afrma como um imperatvo cultural incontest�vel e indiscutvel � cuja domina��o boa parte da popula��o mundial do fnal do s�culo XX se rende sem muitas vezes ter ao menos a mais leve consci�ncia deste fato. Diante de um tal sistema, altamente repressivo e massif- cante, uma das caracter�stcas essenciais de toda a contesta��o da juventude vai ser a �nfase na afrma��o da individualidade, dado que, ao lado de outras marcas n�o menos importantes, vai afastar esta popula��o jovem das formas mais tradicionais e dispon�veis de luta pol�tca, aquela pol�tca "quadrada" e "careta" - na vers�o desta mesma popula��o - pratcada, muitas vezes, por seus pr�- prios pais. Assim, uma parte signifcatva da juventude de um sem- n�mero de pa�ses do mundo ocidental se encontrava, no fnal dos anos 50 e come�o dos 60, numa situa��o de difcil sa�da. Se, de um lado, rejeitava, cada vez com mais for�a, seja o Sistema, se- jam os valores tradicionais, de outro n�o conseguia canalizar este descontentamento para as formas consagradas de luta pol�tca, por n�o encontrar neste tpo de contesta��o respostas a sua nova problem�tca. Deste modo, grande parte da energia cr�tca desta nova gera��o de descontentes vai ser canalizada para atvidades at� ent�o n�o descobertas pelas formas tradicionais de luta pol�tca, manifestando-se de maneiras as mais surpreendentes para quem n�o estvesse sufcientemente atento ao surgimento daquele novo fen�meno de contesta��o social inttulado por Marcuse - um de seus te�ricos e ide�logos mais destacados - como a Grande Re- cusa. HIST�RIA DE UM SONHO? Quando, no come�o da d�cada de 70, o ex-Beatle John Lennon declarou, em alto e bom som, para o mundo inteiro: "o sonho acabou", certamente deve ter havido quem, sem conseguir esconder uma ponta de satsfa��o, l� com os seus bot�es tenha pensado que, afnal de contas, aquilo n�o podia dar certo mesmo, pois aquele projeto de revolu��o individual, cultural, n�o passava de um sonho. E assim, depois de muita fantasia e ilus�o, havia- se chegado novamente ao duro terreno da realidade. Tratava-se apenas de mais um castelo revolucion�rio que desmoronava e at� que, desta vez, a Hist�ria havia andado r�pido. E certamente houve tamb�m muitos jovens que, apesar de suas simpatas para com aquelas novas propostas de transforma��o social, se surpreenderam e se decepcionaram com a poss�vel e cantada "fal�ncia revolucion�ria" da contracultura. Mas ser� a hist�ria da contracultura apenas a hist�ria de um sonho, de uma ilus�o? E de um sonho fracassado? Seria s� isso que diziam os versos de Lennon? � difcil negar que a contracultura seja a mais recente ou a �ltma (pelo menos at� agora) grande utopia radical de transforma��o social que se produziu no Ocidente. Mas a utopia se resume numa ilus�o, num sonho? Como se move uma utopia ao longo da Hist�ria? � poss�vel afrmar que toda aquela energia, toda aquela �nsia de transforma��o revolu- cion�ria, que tanto marcou o Ocidente nos anos 60 e parte dos 70, simplesmente se esgotou ou n�o deu em nada? Foi um sonho que passou e deixou suas marcas fr�geis em alguns hippies de bout-

que ou em festnhas elegantes, regadas com bom vinho e alguma seriam as coisas mais complicadas e a Hist�ria menos cruel?

droga da moda? N�o

Falar da contracultura �, num certo sentdo, falar dos Esta- dos Unidos pelo menos num momento inicial. Afnal, foi l� onde primeiro se manifestou, de modo mais marcante e evidente, esse novo esp�rito de contesta��o que os movimentos de rebeli�o da juventude dos anos 60 viriam colocar na ordem do dia. Apesar da import�ncia do papel que a Europa seguramente desempenhou na forma��o de toda essa nova ideologia da juventude, certas con- di��es especiais dos Estados Unidos faziam deste pa�s o ber�o por excel�ncia da contracultura. J� desde os anos 50, era bastante vis�vel na sociedade americana a familiaridade crescente que a no��o de antintelectualismo vinha ganhando. Um exemplo desse fato � o surgimento de toda uma tradi��o bo�mia - aquela dos beatniks - de verdadeiros representantes de um anarquismo rom�ntco, cujo estlo de contesta��o e agita��o, novo e radical quando comparado � luta da esquerda tradicional, estava apoiado sobre no��es e cren�as tais como a da necessidade do "desengajamento em massa" ou da "in�rcia grupal". � no interior desta gera��o de rebeldes marginalizados dos bairros bo�mios que surge a poesia beat, � qual se ligam nomes como Allen Ginsberg, I�der e inspirador do fower power (o poder da for) dos anos 60. Ginsberg foi um dos verdadeiros idealizado- res do estlo tpico de concentra��o e manifesta��o dos hippies, sendo presen�a obrigat�ria nesses acontecimentos. Sua f�rmula de interven��o se encontra em um de seus poemas, inttulado "How to Make a March/Spectacle". Por sua vez, seu j� menciona- do poema "Howl" (1956) foi objeto, na �poca, de um processo por obscenidade em S�o Francisco, o ber�o dos beatniks. Os versos iniciais deste poema - "I saw the best minds of my generaton destroyed by madness"* - exprimem toda a dramatcidade da angustante experi�ncia desta gera��o, cuja busca passava freq�entemente pelos caminhos dolorosos da loucura e dos hospitais psiqui�tricos, como ocorreu com o poeta Carl Solomon, a quem o poema � dedicado. Ainda outros nomes expressivos s�o os de roughs ou Jack Kerouac, autor do livro On The Road, de 1958, que, em dado momento, afrmou: "Eliminai a inibi��o liter�ria, gramatcal e sint�tca", seguindo com a prega��o de obe- di�ncia a "nenhuma disciplina que n�o seja a da exalta��o ret�rica e da afrma��o n�o censurada". Foram os beatniks um dos grupos de destaque a encar- nar, de modo especialmente vigoroso, a rebeldia marginalizada dos anos 50 nos Estados Unidos. J� fascinados pelas doutrinas orientais, ponto fundamental de encontro entre eles e os alegres hippies dos anos 60, rejeitavam o caminho do intelectualismo, devotando-se a uma vida marcadamente sensorial e deixando-se arrastar por sua ludicidade e desprezo pelas satsfa��es de uma carreira e de um rendimento regular, � este estlo de comporta- mento que os faz um dos grupos pioneiros do esp�rito de contesta��o da contracultura dos anos 60, sendo, de uma certa forma, os hippies prematuros de um momento anterior. � Norman Mailer, romancista americano indissoluvelmen- te ligado a todo

este novo esp�rito de revolta que j� come�ava a se afrmar na d�cada de 50 nos Estados Unidos, quem vai chamar outro fen�meno de contesta��o contempor�-

a aten��o para um

*Em portugu�s: "Vi as melhores cabe�as da minha gera��o desloucura".

tru�das pela

nea ao dos beatniks. Trata-se dos hipsters, isto �, aqueles que se op�em aos square - os "caretas", os "quadrados", aqueles que o Sistema pode transformar com sucesso em conformistas bem ajustados. Da mesma forma como o On The Road de Kerouac havia feito do beatnik um grande assunto da imprensa de todo o mundo, o termo e o assunto hipster s�o, no mesmo ano de 1958, defnitvamente consagrados por um artgo de Mailer inttulado "The White Negro: Superfcial Refectons on the Hipster". Vale lembrar que coubera a Ginsberg, um ano antes, o lan�amento liter�rio do termo atrav�s de seu poema "Howl". Ao contr�rio do square, conformista e fel defensor do american way of life, o hipster � aquele que se rebela contra aquela situa��o. Diante da fal�ncia da revolu��o prolet�ria nestas so- ciedades industriais avan�adas, ele � aquele que se revolta e nega violentamente os valores estabelecidos. Na sociedade americana, ele pode ser defnido como um "negro branco" (o white negro de Mailer), exatamente porque nesta sociedade os negros s�o aquele grupo que, por sua posi��o marginalizada, se v� obrigado a manter sempre uma attude de rebeli�o, uma vez que est� constante- mente exposto ao perigo. Finalmente, hipster e square s�o, antes de mais nada, um "estado de esp�rito", uma attude de revolta ou de conformismo diante do status quo das ent�o modernas sociedades tecnocr�tcas. Apesar do valor que Mailer percebe na attude beat de "busca da sensa��o" e da "satsfa��o org�stca", n�o aceita aquilo que ele v� como sua passividade ou falta de afrmatvidade. As- sim, acima do beatnik, ele colocaria o hipster, cuja consci�ncia dos extremos terrores da vida assemelha-se e � derivada da que tem o negro, "pois nenhum negro pode andar por uma rua seguro de que a viol�ncia n�o vir� encontr�-lo em seu passeio". O que Mailer admirava no hipster era sua disposi��o de aceitar o desafo "de se desligar da sociedade, de existr sem ra�zes, de empreender essa viagem sem rumo pelos rebeldes imperatvos do ego. Em suma, seja ou n�o uma vida criminosa, a decis�o est� em encorajar o psi- copata que existe dentro de si mesmo, de explorar aqueles dom�nios de experi�ncia em que a seguran�a � t�dio e portanto doen�a (. . .)". �, assim, neste sentdo, que aquela forma de "delinq��ncia juvenil" atualizada pela attude hipster estava "desafando o des- conhecido". Mas n�o era apenas nos Estados Unidos que essa combi- na��o de marginalidade, bo�mia e revolta vinha se evidenciando. Assim como S�o Francisco, Chicago ou Nova York exibiam suas hordas de estranhos e novos rebeldes, tamb�m os bairros bo�mios de cidades europ�ias como Londres ou Paris se enchiam da- queles mesmos rebeldes que come�avam a falar uma linguagem de revolta e contesta��o, com uma marca fortemente existencial e an�rquica, e voltada principalmente para a transforma��o da consci�ncia, dos valores e do comportamento, na busca de novos espa�os e novos canais de express�o para o indiv�duo e para as pequenas realidades do cotdiano.

De ambos os lados do Atl�ntco sopravam tamb�m novos ventos, que evidenciavam a tentatva de renova��o por parte do pr�prio pensamento te�rico cr�tco, de esquerda, diante das novas contradi��es surgidas no per�odo do p�s-guerra e diante do tpo de organiza��o e vida social que vinha se evidenciando naquelas sociedades industriais avan�adas. Era, por exemplo, a Nova Esquerda (para a qual a pol�tca � feita, antes de tudo, de envolvimentos pessoais e n�o de id�ias abstratas) que come�ava a despontar com suas id�ias e publica- ��es, as quais teriam, nos anos 60, um papel e um desenvolvimento extremamente importantes junto aos setores da contracultura que levavam � frente uma forma de contesta��o mais explicitamente pol�tca e, de modo especial, junto ao movimento estudan- tl internacional que provocaria a grande explos�o do Maio de 68 franc�s, com suas barricadas e seus slogans renovadores. O vigor da presen�a da Nova Esquerda nas novas for�as de contesta��o social pode tamb�m ser avaliado pelo papel de enorme import�n- cia que tem, ao longo dos anos 60, a SDS (Students for a Democratc Society), organiza��o estudantl de amplitude mundial. Por sua vez, nomes como Paul Goodman, Dwight Mcdonald e, especialmente, C. Wright Mills, ao lado de grupos que sus- tentavam publica��es radicais como Liberaton e Dissent, vinham, nos Estados Unidos, tentando desvendar a nova realidade das so- ciedades tecnocr�tcas. Os trabalhos de pensadores como Herbert Marcuse ou Norman Brown, pelo confronto que forneciam entre as obras de Marx e Freud e pelo que exploravam no sentdo de descobrir os mecanismos, as ra�zes ou o sentdo de fen�menos tais como a domina��o, a repress�o ou a aliena��o, bem como as possibilidades de transforma��o social radical nas modernas so- ciedades industriais, viriam a consttuir, por sua vez, um dos mais s�lidos pilares te�ricos da cr�tca da contracultura. Em 1954, apa- recia o One Dimensional Man, de Marcuse, e, em 1955, do mesmo autor, o Eros and Civilizaton, ambos analisando e discutndo a natureza das sociedades industriais avan�adas e suas possibilidades de transforma��o revolucion�ria. Norman O. Brown, por sua vez, publicava, em 1959, o livro inttulado Life against Death: The Psychoanalitcal Meaning of History, cruzando, como sugere o pr�- prio ttulo, a psican�lise e a investga��o social. Se, de um lado, nem a psique nem a classe social podiam ser dispensadas, de outro, os projetos de transforma��o social revolucion�ria explicitavam, cada vez mais claramente, a �nfase na busca n�o apenas da liberdade mas, fundamentalmente, do prazer. Em suma, o que se pode observar por toda parte � uma tentatva de renovar e atualizar o instrumental te�rico de an�lise da cr�tca social mais progressista, no sentdo de dar conta das no- vas realidades que se apresentavam �queles que se empenhavam num projeto e numa pr�tca de transforma��o social nas novas condi��es de desenvolvimento industrial e afu�ncia que caracterizavam especialmente as sociedades europ�ias ocidentais e a norte-americana. No entanto, uma vez mais, as pr�prias condi��es da socie- dade americana faziam com que o p�ndulo da contracultura ca�sse mais fortemente na dire��o dos Estados Unidos. Ao contr�rio da juventude europ�ia, que trazia �s costas todo o peso de uma longa tradi��o de luta pol�tca de esquerda bastante insttucionalizada, o jovem norte-americano contava com um background radical de

esquerda bem menos

s�lido. Deste modo, era nos Estados Unidos que as novas formas de contesta��o e luta pol�tca postas em cena pelos movimentos de rebeli�o da juventude iam encontrar o campo mais f�rtl de surgimento e desenvolvimento. A popula��o jovem norte-americana, mais livre do peso de uma tradi��o que seus colegas europeus, senta-se especialmente estmulada pela presen�a de grupos bastante signifcatvos do ponto de vista pol�tco (minorias �tnicas ou culturais), mas que n�o encontravam um lugar muito defnido e estabelecido em es- pa�os insttucionais tradicionalmente voltados para uma atua��o pol�tca mais reconhecida, como sindicatos ou partdos. Assim, a juventude americana mostrava-se mais sens�vel �quelas novas formas de contesta��o, menos sistem�tcas e menos explicitamente pol�tcas, bem como, de uma certa forma, se revelava ainda mais inovadora e radical na formula��o e concretza��o daqueles tpos de luta que deixavam em muitas cabe�as uma mesma d�vida: mas isso � pol�tco? Em linhas certamente muito gerais, este � o pano de fun- do contra o qual vemos forescer toda a cultura jovem dos anos 60, batzada com o r�tulo de contracultura. Esta, por sua vez, se concretzou atrav�s de in�meras manifesta��es surgidas em diferentes campos, como o das Artes, com especial destaque para a m�sica, ou melhor, para o rock; o da organiza��o social, aparecendo em primeiro plano a �nfase dada pelo movimento hippie � vida comunit�ria, na cidade ou no campo; e, ainda, o da atua��o pol�tca. Aqui chama a aten��o tanto o novo estlo de manifesta- ��o e interven��o surgido no bojo de toda a cultura psicod�lica que os mesmos hippies popularizavam, quanto a atua��o da Nova Esquerda. Isto pode ser melhor observado tanto na pr�tca do movimento estudantl internacional (especialmente na sua grande demonstra��o de for�a que foi o Maio de 68), como em in�meros outros momentos, quando alian�as com hippies, negros ou outras "for�as emergentes" permitram aos estudantes abrir as portas de novos espa�os de interven��o pol�tca. Especialmente no que se refere aos Estados Unidos, toda a movimenta��o em torno das v�rias manifesta��es da cultura jovem, indo do fower power aos estudantes e intelectuais da Nova Esquerda, passando por movimentos como o gay power ou women's lib, � acompanhada de perto pelo surgimento e pela consolida��o do black power, o poder negro, cuja luta teve como ponto de partda e ponte de artcula��o com a revolta de outros grupos a difcil batalha pelos direitos civis que marcou, desde o in�cio, a d�cada de 60 nos Estados Unidos. Pela posi��o especial que o negro ocupa na sociedade americana, visivelmente oprimido e radicalmente exclu�do frente ao american way ofife, ele n�o apenas det�m um enorme poten- cial de revolta, como tamb�m se consttui num aliado quase que natural do jovem branco de camadas m�dias que se rebela diante do Sistema, recusando suas eventuais ofertas e vantagens, ainda que n�o seja poss�vel omitr a diferen�a racial existente entre os dois grupos. Para este jovem branco o negro �, ao mesmo tempo, um corajoso s�mbolo de rebeldia diante da opress�o e de recusa de um estlo de vida contra o qual aquele mesmo jovem - flho do Establishment - luta desesperadamente. Deste modo, o ne- gro assume, de certa forma, o papel de deposit�rio de valores j� nostalgicamente perdidos para o branco, e o encontro com ele, suas tradi��es, sua m�sica, sua cultura, enfm, � o encontro com

a for�a de uma vigorosa fonte "natural" de rebeldia e recusa. N�o � de estranhar, portanto, todo o peso e o signifcado que o negro vai ganhar - e, por a�, o poder negro - aos olhos daquela cultura jovem. . . e branca. N�o apenas nos Estados Unidos, mas em todos os luga- res onde foresceu, a cultura jovem dos anos 60 foi extremamente sens�vel e simp�tca a toda e qualquer movimenta��o de grupos �tnicos ou culturais que se vissem nessa posi��o de marginalidade ou exclus�o diante das vantagens e promessas da sociedade ocidental. Al�m disso, o tpo de luta que estes grupos se viam obrigados a levar adiante - fora dos espa�os pol�tcos tradicionais e, portanto, tendo que se valer de um alto grau de inventvidade - os aproximava da utopia revolucion�ria daquela juventude que, por suas id�ias e tamb�m pela posi��o que ocupava naquela mesma sociedade, se via na contng�ncia de ter que buscar sa�das alternatvas para expressar seu descontentamento e fazer valer suas cren�as e sua voz. E, certamente, estas sa�das foram encontradas. Uma de- las, por exemplo, � a m�sica. No quadro da contracultura, o rock � um tpo de manifesta��o que est� longe de ter um signifcado apenas musical. Por tudo que conseguiu expressar, por todo o envolvimento social que conseguiu provocar, � um fen�meno verda- deiramente cultural, no sentdo mais amplo da palavra, consttuindo-se num dos principais ve�culos da nova cultura que explodia em pleno cora��o das sociedades industriais avan�adas. Mas algum tempo antes do rock dos anos 60, um outro ritmo n�o muito afastado daquele j� havia tamb�m demonstrado sua enorme capacidade de mobiliza��o social. Era o rock-'n-roll, em meados dos anos 50, com seu balan�o fren�tco e sensual, seus estridentes acordes de guitarra el�trica e seu fel e alucinado p�blico jovem. Quem n�o se lembra de nomes como Bill Haley, Alan Freed, Chuck Berry, Litle Richard, Fats Domino ou The Plat- ters? Ou de m�sicas como "Rock around the Clock", "Only You", "Roll over Beethoven", "Rock and Roll Music", "Back in the USA", "Carol", "Tut Frut" ou "Sweet Litle Sixteen"? E, afnal, quem n�o se lembra de fguras como James Dean - s�mbolo m�ximo da contesta��o dos "rebeldes sem causa" - ou Elvis Presley, que, com sua voz sensual e seus requebros audaciosos, fazia muita mo�a desmaiar nas primeiras flas da plat�ia de seus shows? Esta era a �poca do rock-'n-roll. Ainda que feito por m�sicos mais velhos, o rock-'n-roll dos anos 50 j� tnha um p�blico certo e defnido: a juventude branca rebelde e com uma forte consci�ncia de idade. Ao mesmo tempo, este tpo de m�sica operava uma vigorosa e expressiva s�ntese de m�sica branca e m�sica negra. Por outro lado, � deste fl�o musical que surge toda uma sucess�o de dan�as e ritmos tais como o twist, o Madison, o Watusi, o hully gully, o surf, o jerk e assim por diante. Foi, fnalmente, este som do rock-'n-roll que acompanhou e emba- lou o dia-a-dia de uma juventude que ent�o come�ava a descobrir a for�a e o alcance de seu potencial de contesta��o. Mas o rock dos anos 60 n�o apenas levaria toda esta his- t�ria adiante como tamb�m traria dados novos. Um deles - e que n�o era de pequena import�ncia - refere-se a uma maior aproxima��o de idade entre os compositores e/ou int�rpretes e o p�blico da m�sica jovem. Ao contr�rio do rock-'n-roll, criado para jovens por

m�sicos mais velhos, o rock dos anos 60 era um tpo de m�sica feito por jovens e para jovens. Desta forma, para aqueles que ainda n�o acreditavam que a juventude havia se tornado uma poderosa for�a social, a� estava a m�sica a evidenciar ruidosamen- te este fato novo. Diante do grande n�mero de int�rpretes, compositores e grupos que comp�em o mundo do rock internacional, � difcil saber quem apontar no sentdo de reavivar um pouco desta hist�ria. Entretanto, uma coisa � certa: h� tr�s nomes que iniciaram, pelo menos em suas grandes linhas, esta verdadeira revolu��o cultural que a m�sica rock dos anos 60 sintetza, consttuindo-se, assim, em refer�ncias obrigat�rias para quem quiser evocar o "esp�rito" desta �poca. S�o eles: Os Beatles, Bob Dylan e os Rolling Stones. De ambos os lados do Atl�ntco, o trabalho destas pessoas abria novos caminhos para a m�sica. Mas, al�m disso, elas eram capazes, principalmente, de encarnar a revolta e as aspira��es de toda uma juventude rebelde que via na alian�a entre Arte, comportamento e contesta��o uma nova possibilidade de express�o e sus- tenta��o de sua identdade. No come�o da d�cada de 60, na cidade oper�ria de Liver- pool, Inglaterra, quatro rapazes colocavam no ar sua m�sica eletrizante. Eram eles John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr. Rapidamente, a palavra Beatles passava a signifcar n�o apenas m�sica, mas, especialmente, todo um novo estlo de vida que, ao lado de novos comportamentos, inclu�a tamb�m humor, inven��o, novas roupas e at� mesmo um novo corte de cabelo. Aos poucos, uma verdadeira beatlemania tomava conta da juventude, o que evidentemente era acompanhado de perto pela ind�stria da comunica��o de massa. Certamente n�o era � toa que, em 1966, Lennon afrmava: "Somos mais populares que Jesus Cristo". Afnal de contas, apenas um ano antes, eles haviam sido condecorados pela rainha da Inglaterra, fato que provocou uma enorme onda de protestos na tradicional C�mara dos Lordes. J� desde 1956, Lennon e Paul McCartney tocavam juntos no conjunto The Quarrymen, que o primeiro havia organizado naquele ano. Em 1958, era a vez de George Harrison se juntar ao gru- po, que, agora, passava a se chamar The Silver Beatles. Em 1961, era contratado o empres�rio Brian Epstein, que, durante todo seu contrato com o conjunto, foi o respons�vel por uma certa orienta��o disciplinadora e pelo constante reparo da imagem p�blica do grupo, o que se consttuiu numa fonte freq�ente de confitos. Brian sempre demonstrou, por exemplo, grande preocupa��o com as roupas e a apar�ncia do grupo, tendo pratcamente inventado os terninhos e o corte de cabelo dos Beatles. Conforme declara- ��es do pr�prio Lennon, em 1971: "Brian literalmente limpou a nossa imagem. Havia brigas hom�ricas porque eu me recusava a me embonecar. Ele e Paul formaram at� uma esp�cie de alian�a para me manter na linha: eu estava sempre sujando a imagem dos Beatles". Em 1962, Ringo Starr vinha se juntar aos outros tr�s, ocupando o lugar do baterista Pete Best, e causando por isso enor- mes protestos por parte das f�s do baterista anterior, as quais, nas apresenta��es, gritavam frases como: "Pete is best" e "Pete Best Forever - Ringo never!". Estava assim formado o conjunto que, segundo a declara��o do cr�tco do jornal Sunday Times, de Lon- dres, reunia "os maiores compositores, desde Beethoven". Em outubro de 1962, surge o primeiro grande sucesso dos Beatles: � lan�ado o compacto de Love Me Do. Em janeiro de 1963,

o grupo lan�ava o seu primeiro LP: Please Please Me. Estava no ar o Liverpool Sound. Em novembro do mesmo ano, o conjunto se apresentava para a Fam�lia Real, no Royal Variety Show, e, rapida- mente, se tornava o assunto do momento em todo o mundo. Foi nesta apresenta��o que Lennon, com seu humor cr�tco, convidou

a plat�ia a partcipar do espet�culo dizendo: "Quem estver nos lugares mais baratos, bata palmas; os outros, nos assentos mais caros, apenas agitem suas j�ias". No mesmo ano, depois de v�- rias apresenta��es por toda a Inglaterra, provocando verdadeiras rea��es de massa com jovens gritando e desmaiando, o conjunto bata um recorde: o LP With the Beatles chegava �s lojas com mais de 250 mil pedidos antecipados, s� na Inglaterra. A partr da�, os Beatles seguiam sua enorme carreira de sucesso. Uma vez conquistado o Reino Unido, partam agora para a conquista dos Estados Unidos. Em 1964, o conjunto � recebido por mais de dez mil f�s no aeroporto Kennedy, em Nova York. Al�m disso, aparecem no Ed Sullivan Show e s�o assistdos por mais de setenta milh�es de pessoas. Suas apresenta��es no Washington's Coliseu e no Carnegie Hall s�o um estrondoso sucesso. No mesmo ano, o flme A Hard Day's Night (que, no Brasil, recebeu o ttulo de Os Reis do l�l�-l�) � um enorme sucesso de p�blico e cr�tca. Em 1965, � a vez do �lbum e do flme Help. Ainda neste ano, o grupo lan�a o disco Rubber Soul, que vai marcar o come�o de sua maior sofstca��o - na faixa "Norwegian Soul"*, por exemplo, George Harrison, crescentemente interessado pela �ndia, fazia uso da citara. O ano de 1967 marca o come�o de uma s�rie de modif- ca��es na vida e na produ��o do grupo. Em agosto, o empres�rio Brian Epstein se suicida. A partr deste mesmo ano, passam a tra- balhar apenas em est�dio - a �ltma apresenta��o ao vivo havia sido em S�o Francisco, em agosto de 1966. O mistcismo e, espe- cialmente, a alus�o ao uso de drogas come�avam a aparecer no trabalho do grupo. Assim, por exemplo, "A Day in the Life" tem sua execu��o proibida em esta��es americanas e inglesas por refer�ncia direta a drogas. O ano de 1967 foi uma �poca de grande infu- �ncia oriental, atrav�s principalmente do contato com o Maharishi - o guru da Medita��o Transcendental. No ano seguinte, os Be- atles ainda se encontrariam na �ndia estudando medita��o com o * O correto � Norwegian Wood (nota do digitalizador) mesmo Maharishi. Em junho de 1967, surgia o LP SGT Pepper's Lo- nely Hearts Club Band - verdadeiro marco na hist�ria dos Beatles, que pratcamente inaugura a era do experimentalismo eletr�nico na m�sica popular contempor�nea -, cuja faixa "Lucy in the Sky with Diamonds" trazia as iniciais LSD, as mesmas que identfca- vam o alucin�geno respons�vel pelas grandes "viagens" daquele momento. Em dezembro deste mesmo ano, � lan�ado o flme Ma- gical Mistery Tour, que foi duramente critcado. Por esta �poca, cada um dos Beatles come�ava a se tornar mais independente um do outro, ao mesmo tempo que suas posi��es individuais iam tomando rumos cada vez mais espec�fcos: o agressivo atvismo pol�tco radical e inovador de Lennon, o carisma rom�ntco e pragm�tco de Paul, o orientalismo psicod�lico de Harrison ou o

humorismo simp�tco de Ringo. No ano de 1968, apareciam, entre outras produ��es, o de- senho Yellow Submarine e o disco Hey Jude, primeiro lan�amento da gravadora Apple, de propriedade do grupo. Em 1969, o casamento de John Lennon com Yoko Ono - representante do mundo da Arte Experimental nova-iorquino signifcava mais um passo no refor�o dos caminhos individuais de cada um dos Beatles. Por sua vez, os desentendimentos entre Paul e John aumentavam. Mas, apesar de tudo, ainda um grande su- cesso: em agosto de 1969, surge Abbey Road, o �ltmo LP do conjunto. Ainda um fato importante marcava a vida do grupo neste ano: em novembro de 1969, John Lennon devolvia a condecora��o recebida da rainha, em 1965, em protesto pelo envolvimento bri- t�nico no Vietn� e na Biafra. � estr�ia do flme Let It Be, nenhum dos quatro Beatles comparecia. Em dezembro deste mesmo ano, Paul McCartney pedia, na just�a, a dissolu��o legal dos Beatles. Com eles, encerrava- se uma �poca. No mesmo m�s de dezembro de 1970, em uma entrevista concedida ao jornal Rolling Stone, John Lennon, fazendo um balan�o das transforma��es causadas por toda a "revolu��o" da con- tracultura daqueles anos 60, afrmava: "Eu acordei pra isso tamb�m. O sonho acabou. As coisas conteram, com a diferen�a que eu estou com trinta anos e uma por��o de gente usa cabelos compridos." Fim de um grupo, fm de uma d�cada e fm de um sonho. "God", tamb�m desta �poca, o mesmo tom era reafrmado:

nuam como

Na sua composi��o

"O sonho acabou o que � que eu posso dizer? O sonho acabou ontem, eu era um fabricante de sonhos mas agora eu nasci novamente Eu era o le�o-marinho mas agora eu sou John E ent�o, meus amigos, Voc�s t�m de contnuar O sonho acabou." Juntos desde o come�o dos anos 60 e f�is representantes daquele momento, n�o era � toa que os Beatles se separavam. Como se pode avaliar pelas afrma��es de Lennon, havia uma mar- ca de desencanto no ar. Entretanto, se a separa��o daquelas quatro fguras que tanto haviam infuenciado a juventude dos anos 60 tnha um pouco a ver com aquele clima de desencanto, ela n�o deixava de apontar para um novo momento que mais uma vez se traduziria no trabalho individual de cada um deles a partr dali. Nos Estados Unidos, tamb�m desde o come�o dos anos 60, um outro nome marcava a m�sica da d�cada. Era Robert Zimmerman ou, como � bem mais conhecido, Bob Dylan, que, em 1960, com apenas 19 anos, trocava seu estado natal de Minnesota pelo j� famoso bairro de Greenwich Village, em Nova York, uma das cenas privilegiadas de toda a movimenta��o do underground americano. Ao longo de sua trajet�ria nas d�cadas de 60 e 70, Dylan desempenhou o papel de uma fgura extremamente pol�mica, capaz de gerar os protestos mais radicais por parte de seu p�bli-

co, ao mesmo tempo em que era tomado como um verdadeiro mito. Cantor folk, portavoz da Nova Esquerda americana, guru dos hippies, inovador do rock, estes s�o alguns dos r�tulos com que ele teve que se defrontar naqueles anos quentes e difceis. De um modo ou de outro, o fato � que Dylan alcan�ava um sucesso estrondoso, n�o apenas como artsta mas, basicamente, como um dos l�deres de toda uma gera��o. Sua chegada a Nova York, no come�o da d�cada de 60, havia signifcado um encontro radical e duradouro com a m�sica folk, ao mesmo tempo que lhe facilitava um contato mais direto com todo o mundo pop que ent�o se concentrava especialmente no Village. � por volta desta �poca, por exemplo, que Dylan se en- contra com Woody Guthrie - seu verdadeiro �dolo -, que, algum tempo depois, lhe faria este enorme elogio: "Pete Seeger � um cantor de m�sicas folk, Jack Elliot � um cantor de m�sicas folk; mas Bob Dylan � um cantor folk". � dentro das estruturas da m�sica folk americana que Dylan vai construir o seu LP de estr�ia - inttulado Bob Dylan -, lan�ado em mar�o de 1962, alguns meses antes do lan�amento do primeiro sucesso dos Beatles. O disco inclu�a composi��es do pr�- prio Dylan, bem como can��es de velhos compositores de blues e outras que variavam do mais tradicional ao mais moderno folk. O seu segundo LP, The Freewheelin' Bob Dylan, lan�ado em maio de 1963, evidenciava o desenvolvimento de seu trabalho. � por volta deste momento que Dylan come�a a se afrmar como o porta-voz da Nova Esquerda, como o grande cantor da protest song. � deste LP, por exemplo, a can��o "Blowing in the Wind", que se tornou verdadeiro hino do Movimento dos Direitos Civis que se estruturava com mais vigor naquele momento, e diante do qual Dylan, ao lado de Joan Baez, desempenhava um papel de frente. Assim, ambos partcipam, em Washington, por exemplo, em agosto de 1963, da Marcha dos Direitos Civis. � neste mesmo ano, em julho, no Newport Folk Festval, que ele se afrma defnitvamente, ao lado de nomes j� consagrados como Pete Seeger, Peter, Paul and Mary e mesmo Joan Baez. Emerge, assim, deste Festval, como uma das grandes vozes do novo movimento juventude/folk. As declara��es de Dylan e Baez � imprensa refor�am suas posi��es e lideran�as. "Minhas can��es protestam contra a guerra, contra as bombas e os preconceitos raciais, contra o conformismo", dizia Bob Dylan. De sua parte, Joan Baez afrmava: "H� coisas que me chocam profundamente: o assassinato de crian�as por poeira radioatva ou o assassinato dos esp�ritos pela segrega��o racial. Gosto de cantar e n�o posso esquecer tudo isso quando canto". O seu terceiro LP, The Times They Are A-Chan-gin', de ja- neiro de 1964, s� vem reafrmar o fato de que, j� bem mais do que um m�sico, Dylan havia se convertdo num verdadeiro "caminho a seguir" para uma juventude que via nas suas can��es a den�ncia das mazelas e contradi��es de uma sociedade que se afrmava como o reino absoluto da liberdade e da qual, cada vez mais, o jovem americano desconfava abertamente. Mas o ano de 1964, na trajet�ria de Bob Dylan, represen- taria um momento de virada. Dos temas sociais e pol�tcos mais expl�citos, passava agora a explorar especialmente aqueles refe- rentes ao amor e ao seu mundo interior; e tudo isto, diga-se de passagem, com o mesmo pique inovador e revolucion�rio de an-

tes. Mas o p�blico n�o aceitaria assim t�o facilmente a mudan�a de orienta��o daquele que se havia convertdo num aut�ntco l�der e iria protestar ruidosamente. O LP Another Side of Bob Dylan, lan�ado em agosto de 1964, trazia uma m�sica inttulada "Mr. Tambourine Man", cantada no Newport Folk Festval daquele ano, que efetvamente signi- fcou um divisor de �guas. Nela, Dylan tematzava a liberdade de esp�rito e, acima de tudo, os efeitos das "viagens" de drogas. Se antes havia se tornado o arauto da Nova Esquerda, agora o p�blico mais espec�fco que conquistava eram os hippies. Em mar�o de 1965, surgia o LP Bringing It All Back Home, no qual Dylan, retomando os caminhos do rock, parta para o que se come�ava a chamar de folk-rock. Esta retomada do rock lhe cus- taria, por exemplo, a perda do apoio de Joan Baez. Cada vez mais, suas novas posi��es apareciam, para o seu p�blico de esquerda mais tradicional, como uma verdadeira trai��o ao movimento de contesta��o. O acidente de motocicleta sofrido por Dylan pouco depois do surgimento de seu �lbum Blonde on Blonde (1966) o afasta por um ano e meio das grava��es e das apresenta��es em p�blico. Ironicamente, foi durante esta aus�ncia prolongada e involunt�ria que aquela parcela da juventude universit�ria "engajada" conse- guiu se desvencilhar de seus preconceitos com rela��o � m�sica rock. Entretanto, isto n�o seria capaz de pacifcar inteiramente as rela��es de Dylan com o p�blico e mesmo com a cr�tca. Sua vontade de questonar e de inovar era bem maior que a preocupa��o com um sucesso f�cil e garantdo. � no hist�rico ano de 1968, no m�s de janeiro, que Dylan faz sua rentr�e, depois daquele ano e meio de aus�ncia. O LP inttulava-se John Wesley Harding e trazia a marca de um gran- de despojamento com m�sicas cantadas numa voz t�nue, suave. Trabalho que, pela nega��o de toda complexidade ou radicalismo, era uma verdadeira volta �s ra�zes e � simplicidade, opondo-se diametralmente � linha do rock progressivo, experimental, que havia se consolidado durante seu afastamento mas que rapidamente come�ava a dar mostras de desgaste e empobrecimento. Fechando o disco, duas m�sicas country. Aqui n�o se pode esquecer a conota��o fortemente reacion�ria que tnha a country music, voltada para o interior, para o campo, para o mundo dos pequenos camponeses e freq�entemente apropriada pela mentalidade conservadora das classes dominantes. E Dylan sabia muito bem de tudo isso. Mais do que apenas uma nova experi�ncia musical, este seu trabalho investa vigorosamente contra sua imagem de mito, de guru, de quem se esperam respostas a todas as pergun- tas, imagem esta que o p�blico, apesar dos desencontros, insista em cultvar diante dele. Nessa mesma linha situa-se o LP Nashville Skyline, de abril de 1969. Mas sua grande performance de questonamento diante do p�blico teria lugar no Festval da Ilha de Wight, na Inglaterra, em agosto de 1969, fechando a turbulenta d�cada de 60. Recu- sando a imagem do g�nio m�stco e revolucion�rio, ele, provocatvamente, se apresentou como algu�m pr�spero, elegantemente vestdo, tudo isto acompanhado de uma interpreta��o amena e discreta. O p�blico reagia indignado. No entanto este ainda n�o era o ponto m�ximo de indig- na��o que ele seria

capaz de provocar. Em junho de 1970 era a vez do pol�mico �lbum duplo Self Portrait, uma dose talvez ex- cessiva, mesmo para Dylan, de convencionalismo. Ainda neste mesmo ano, e numa esp�cie de "corre��o de rota", ele grava New Morning, de certa forma uma reutliza��o no seu trabalho de uma contesta��o mais expl�cita, mais evidente. Este disco lhe valeu da revista Rolling Stone, que havia critcado duramente seu trabalho anterior, o seguinte coment�rio: "Dylan nos pertence de novo!" Durante o ano de 1971, dois trabalhos em que ele revisita com mais freq��ncia seu passado: Watchin' the River Flow e More Gratest Hits. � tamb�m deste ano o lan�amento do livro Tar�ntula, reunindo diversos textos seus. Os anos de 1972 e 1973 foram, para Dylan, um per�odo de atvidades mais tranq�ilas e discretas. J� em 1974, ele n�o apenas volta a se apresentar em p�bli- co com grande freq��ncia - realizando, por exemplo, uma grande e bem-sucedida tourn�e pelos Estados Unidos -, como lan�a um de seus grandes sucessos de p�blico e de cr�tca: o LP Planet Waves. Por�m, mais importante do que o sucesso deste seu tra- balho era o fato dele evidenciar a extraordin�ria capacidade de Dylan no sentdo de trabalhar simultaneamente com as diversas variantes contdas em sua cria��o musical. E, desta forma, Planet Waves fazia um pouco a ponte entre as v�rias facetas de sua con- trovertda trajet�ria artstco-musical: de arauto da Nova Esquerda a guru dos hippies, passando por fonte de indigna��o generalizada de todas as partes. Mas, por esta �poca, j� ia longe o tempo �ureo da contracultura e, talvez at� mesmo por isso, fosse agora poss�vel este tpo de s�ntese da parte de algu�m que viveu t�o intensamente as propostas e os confitos de seu momento. Pelos anos afora, o trabalho de Bob Dylan vem contnuando, de uma maneira ou de outra, a desempenhar o papel constante de um verdadeiro marco na m�sica internacional. Voltando � Inglaterra, nos defrontamos agora com a vio- lenta f�ria revolucion�ria de um grupo que certamente marcou como poucos uma �poca n�o apenas na m�sica, mas tamb�m na cultura: os Rolling Stones. Quem n�o se lembra, por exemplo, do incr�vel sucesso de "Satsfacton", em meados da d�cada de 60? Mas este � um fato pequeno se comparado � hist�ria deste grupo que hoje, nos anos 80, j� atngiu sua maioridade. Para muita gente, os Rolling Stones s�o a fgura de Mick Ja- gger. Seu jeito agressivo e provocador fez de sua imagem a marca registrada dos Stones e, aos poucos, ele foi se tornando a fgura central do grupo. Quando os Beatles j� faziam grande sucesso na Inglaterra, os Rolling Stones ainda n�o eram conhecidos. No en- tanto, a r�pida ascens�o da banda de Liverpool n�o deixava de ser �tl aos Stones, embora este grupo trilhasse um caminho pr�prio e bastante diferente daquele seguido pelos Beatles, com seu discreto ar de "bons mo�os". Ao contr�rio, a imagem dos Rolling Stones era de uma rebeldia agressiva, alucinada, at� mesmo tem�vel. Homossexualismo, uso de drogas, esc�ndalos, acidentes nos shows, confitos e choques com autoridades, estes s�o alguns dos ingredientes de uma imagem que traduzia a f�ria radical da contesta��o de uma parcela da juventude internacional. O per�odo de forma��o do grupo vai de mais ou menos 1960 - ano em que Mick Jagger e Keith Richards se encontram num trem e conversam sobre sua paix�o comum pelo rhythm and blues - a 1962, quando, em julho, ainda sem todos os nomes que

fariam a fama do grupo, ele se apresenta ao vivo pela primeira vez, no clube Marquee, em Londres, com o apoio de Alexis Korner, que, naquela �poca, liderava uma importante blues band cha- mada Blues Incorporated. Durante o segundo semestre de 1962, numa s�rie de idas e vindas, o grupo vai tomando sua forma mais defnitva e, em janeiro de 1963, estava assim consttu�do: Mick Jagger, Bill Wyman, Keith Richards, Brian Jones, Charlie Wats e, fnalmente, lan Stewart, que logo deixaria o grupo, voltando apenas para eventuais encontros e grava��es. Ao longo de pratcamente vinte anos, os Rolling Stones v�m produzindo um trabalho que inclui numerosos discos, alguns flmes e uma incr�vel performance no palco capaz de abalar qual- quer plat�ia. O ano de 1963 marcou, efetvamente, o in�cio de carreira dos Stones. Foi em abril que Andrew Loog Oldham os viu pela primeira vez. Uma semana depois, ele assinava um contrato para em- presariar o grupo. A partr da�, inicia-se um verdadeiro turbilh�o de atvidades. No espa�o de apenas seis semanas que se seguiram, os Stones conseguiram um contrato de grava��o com a Decca e um compacto simples - Come on. Tamb�m por essa �poca fazem sua primeira apresenta��o na TV. De setembro a novembro realizam uma excurs�o por toda a Inglaterra e, pouco antes do fnal da tourn�e, surgia um novo compacto: I Wanna Be Your Man. No ano seguinte, 1964, o grupo j� estava plenamente afr- mado, com enorme sucesso e uma imagem defnida. Surgia o primeiro �lbum: The Rolling Stones. E o ano seguiu realmente cheio de atvidades e eventos: apresenta��es no palco e TV, tourn�es dentro e fora da Inglaterra e encontros memor�veis. Em uma de suas duas viagens realizadas aos Estados Unidos naquele ano, o grupo, durante uma grava��o no Chess Studios, de Chicago, en- contra-se com Chuck Berry, Muddy Waters e Willie Dixon. Ainda um fato importante: sua apresenta��o no Ed SuIlivan Show, na- quele mesmo ano, desencadeou tal histeria na audi�ncia do est�dio que eles n�o puderam mais aparecer por l�. Ali�s, freq�en- temente, suas apresenta��es ao vivo eram bastante tumultuadas, quase n�o se podendo nem mesmo ouvi-los. O p�blico enlouque- cia, atrava objetos sobre o palco, destru�a os teatros. As tourn�es por diversos pa�ses contnuaram em 1965. Ali�s, elas sempre foram uma constante na vida do grupo. Naquele ano foi a vez, por exemplo, da Austr�lia, �ustria, pa�ses da Es- candin�via, Alemanha, Fran�a, Irlanda e, novamente, os Estados Unidos. Um novo LP, inttulado Out of Our Heads, trazia um dos

grandes sucessos dos Stones: a composi��o "(I Can't Get No) Sa- tsfacton". Por essa �poca, Jagger e Richards come�am a compor suas pr�prias can��es. A primeira delas, "The Last Time", vai apa- recer em LP do ano seguinte. 1966: novamente v�rias tourn�es pela Europa e Estados Unidos. Quanto aos LPs, dois merecem destaque: Afermath, com a famosa faixa "Paint it Black", e Got Live If You Want It, onde apa- rece a referida can��o "The Last Time", de autoria de Jagger e Richards. O ano de 1967 n�o foi f�cil para os Stones, tendo sido mar- cado pelo primeiro de uma longa s�rie de processos por uso de drogas. Keith Richards e Mick Jagger foram julgados e condenados a penas de

respectvamente um ano e tr�s meses de pris�o. Foi enorme a rea��o de todo o mundo do rock e, em julho, a condena��o de Richards era anulada e a Jagger era dada liberdade condicional. Era o primeiro grande afair envolvendo drogas e astros do rock de modo t�o aberto, com tanto espa�o na imprensa internacional. Logo foi a vez de Brian Jones, condenado a nove me- ses de pris�o. Sai sob pagamento de fan�a, mas acaba hospitalizado sob a alega��o de exaust�o nervosa. O ano de 1967 foi de LPs como Between The Butons, Flowers e, fnalmente, Their Satanic Majestes Request, que foi a primeira e �ltma grande incurs�o dos Stones na onda da m�sica psicod�lica. Em 1968, o grupo produzia dois LPs de enorme sucesso: Jumpin' Jack Flash e Beggar's Banquet, defnido pela imprensa especializada como "um dos maiores �lbuns de rock-'n-roll dos anos 60", e que trazia duas faixas que marcariam �poca: "Sympathy for The Devil" e "Street Fightng Man". Ao contr�rio do �ltmo LP de 1967 - Their Satanic Majestes Request -, bastante marcado pelo interesse de Brian Jones no uso de instrumentos eletr�nicos, os dois de 1968 signifcavam a op��o por um caminho diferente, onde, ali�s, Brian tnha pouca partcipa��o. � a partr da�, inclusive, que come�am a se evidenciar diferen�as musicais fortes entre ele e o restante do conjunto. Por outro lado, suas difculdades de re- lacionamento com o grupo e, especialmente, sua difcil conviv�ncia com o fato da lideran�a quase natural de Jagger terminam por isol�-lo cada vez mais, at� que viesse a deixar o grupo em junho do ano seguinte, sendo posteriormente contratado o guitarrista Mick Taylor. Mas o ano de 1969 seria bem mais tumultuado do que o afastamento de um dos componentes do grupo poderia fazer supor. Havia sido programado, para o dia 5 de julho, um grande con- certo gratuito no Hyde Park. Apenas dois dias antes da data prevista para o show, uma trag�dia abalava a vida dos Stones: Brian Jones aparecia morto em sua piscina, vitmado por um ataque de asma, segundo a vers�o que circulou ofcialmente. No entanto, os rumores sobre um consumo constante e excessivo de drogas n�o cessavam. Apesar do abalo causado por aquela morte s�bita, o concerto n�o deixou de ser realizado, tendo sido dedicado ao excompanheiro. 1969 foi tamb�m o ano dos tr�gicos epis�dios de Al- tamont, registrados no referido flme Gimme Shelter, que estreou na Inglaterra em 1971. � tamb�m deste ano de 1969 o LP Let It Bleed, ttulo que, traduzido, signifca "deixa sangrar". Em 1970 aparecia o fme Ned Kelly, que contava com a par- tcipa��o de Mick Jagger e, em 1971, era a vez de Performance, novamente com ele. Tamb�m neste ano de 1971 surgia a "Rolling Stones Records", cujo s�mbolo era o desenho de uma enorme l�n- gua. O primeiro LP a aparecer com o novo selo foi Stcky Fingers. A partr de ent�o, todos os discos do grupo seriam produzidos pela Rolling Stones Records. Foi tamb�m em 1971 que se deu o pol�mico casamento de Mick Jagger com a nicarag�ense Bianca Perez Morena de Macias, a partr de ent�o simplesmente Bianca Jagger. Muitos se perguntavam como era poss�vel que uma fgura t�o ra- dical e contestadora do mundo do rock como Mick Jagger fosse capaz de se submeter �s regras de uma cerim�nia de casamento que, afnal de contas, descontados alguns "efeitos especiais", era igual a qualquer outra. Imediatamente, o casal passava a ocupar lugar de destaque no jet-set internacional, estando a imprensa atenta a sua presen�a, sempre notada em qualquer lugar. Sua se- para��o defnitva, no entanto, viria a ocorrer em 1979, quando se

divorciam tamb�m com grande alarde. Em 1972, surgia o �lbum duplo Exile on Main Street. Nova- mente, tourn�es pelos Estados Unidos e tamb�m Canad�. E cada apresenta��o era uma ocasi�o sempre renovada de verdadeiro del�rio por parte do p�blico. No ano de 1973, um fato marcante: devido �s sucessivas acusa��es de uso de drogas, os Stones t�m sua entrada proibida no Jap�o e Austr�lia, embora este �ltmo pa�s logo volte atr�s em sua decis�o. Surgia o LP Goats Head Soup com a faixa "Angie", que apareceria tamb�m em compacto simples. Em 1974, mais um remanejamento na estrutura do con- junto: Mick Taylor deixa o grupo que, posteriormente, incorpora Ronnie Wood, assumindo ent�o os Stones sua composi��o atual. Quanto aos LPs, era a vez de lt's Only Rock-'n-Roll. Passados mais de dez anos desde seu aparecimento, os Rolling Stones haviam alcan�ado um lugar absolutamente pr�prio e incontest�vel no mundo do rock internacional. E, num certo sen- tdo, eram um grupo que resista como poucos � diminui��o de intensidade da contesta��o da contracultura, que, por essa �po- ca, j� dava mostras evidentes de desintegra��o como movimento. Ao longo da d�cada de 70 e mesmo entrando agora na de 80, os Rolling Stones seguem com seu trabalho musical, registrando uma longa s�rie de �lbuns realmente incr�veis. Eis alguns: Black and Blue (1976), Love You Live (1977), Some Girls (1978), Emotonal Rescue (1980), Tatoo You (1981). E o f�lego do conjunto, assim como o de seu p�blico catvo, n�o parece diminuir com o passar do tempo - muito pelo contr�rio. Mas, apesar da for�a e da import�ncia do papel que tve- ram grupos como os Beatles e os Rolling Stones ou um compositor/int�rprete do porte de Bob Dylan, o panorama da m�sica jovem dos anos 60 e come�o dos 70 certamente engloba uma quantdade incr�vel de outros nomes que seria difcil listar aqui. The Mama's and The Papa's, G�nesis, Yes, Deep Purple, Led Zeppelin, Queen, Animais, The Who, Pink Floyd, Mothers of Inventon, Jethro Tull, s�o apenas algumas refer�ncias dentro de uma enorme s�rie. No entanto, h� dois nomes que, pelo impacto que causa- ram no curto espa�o de suas carreiras, exigem um registro especial: Jimmy Hendrix e Janis Joplin. Foi no Festval de Monterey, nos Estados Unidos, em 1967, que eles fzeram sua explosiva apari��o e, em 1970, num per�odo de quinze dias, ambos morriam. Tanto num caso como no outro eram mortes que, de uma certa maneira, signifcavam a angustante explora��o quase obrigat�ria dos limites do seu tempo. Em entrevista � revista Esquire, no ano de 1968, no auge da fama, Janis Joplin declarava: "Talvez eu n�o dure muito tempo, mas, se eu me controlo, n�o vou servir para nada, agora". Esse mesmo sentdo de urg�ncia diante do momento presente, de valoriza��o extrema do "aqui e agora" marcou a atua��o de Jimmy Hendrix. Enquanto Janis Joplin interpretava os sentmentos da �po- ca atrav�s de seus blues, cantados com voz rouca e lancinante - chegando mesmo a ser tda como a cantora favorita dos Hells Angels -, Hendrix o fazia atrav�s de uma habilidade toda especial no uso da guitarra el�trica. Nas suas m�os, todos os sons poss�veis e imposs�veis deste instrumento eram radicalmente explorados, incluindo-se mesmo o uso

deliberado da distor��o como elemento musical. Era a m�sica eletr�nica no seu desenvolvimento m�ximo, a n�vel da m�sica popular. Nas palavras de Lu�s Carlos Maciel, "a guitarra el�trica, em Jimmy Hendrix, n�o � apenas um novo som: � uma nova experi�ncia existencial que exige, para que se estabele�a uma comunica��o efetva, uma altera��o profunda na pr�pria maneira de viver do ouvinte, nos pr�prios valores que norteiam seu comportamento e no seu pr�prio sistema nervoso". Uma excelente amostra de tudo isso que vem sendo dito �, por exemplo, sua apresenta��o no Festval de Woodstock, nos Estados Unidos, no ano de 1969, quando, em dado momento, Hendrix inicia uma longa improvisa��o com a guitarra a partr do tema de "Star Spangled Banner", o hino dos Estados Unidos. Pou- co a pouco, atrav�s de um som violento e angustado, a melodia vai sendo literalmente estra�alhada, dissolvida e, em seguida, sem nenhuma interrup��o, ele come�a a tocar o "Purple Haze", uma de suas composi��es mais c�lebres, com enorme suavidade e delicadeza, numa tentatva de contrapor, � desintegra��o do hino nacio- nal americano, um novo hino da contracultura. Ainda uma vez � Lu�s Carlos Maciel que chama a aten��o para a expressiva liga��o entre Hendrix, de um lado, e o rock e a contracultura, de outro. "Do ponto de vista estritamente musical, a obra de Hendrix encerra a grande li��o cultural do rock. Foi essa m�sica que pratcamente estabeleceu o m�todo fundamental de cria��o da contracultura. Consiste basicamente em recolher o lixo da cultura estabelecida, o que �, pelo menos, considerado lixo pe- los padr�es intelectuais vigentes, e curtr esse lixo, lev�-lo a s�rio como mat�ria-prima da cria��o de uma nova cultura. Mistcismo irracionalista, flosofa oriental, astrologia, especula��o metafsica, hedonismo primitvista etc, geralmente considerados bobagens infants pelo melhor pensamento moderno, foram transformados nas principais disciplinas da academia do underground." Principalmente durante a segunda metade da d�cada de 60, os grandes acontecimentos musicais da contracultura foram os festvais. Reunindo um n�mero enorme de grupos, compositores e int�rpretes - e, obviamente, um p�blico gigantesco -, esses happenings musicais eram uma ocasi�o �nica para o encontro daqueles que, �s vezes desesperadamente, tentavam criar um mun- do novo que fugisse aos limites do Sistema. Foram in�meros esses festvais e tveram lugar, especial- mente, nas mais diferentes cidades dos Estados Unidos e da Europa. No entanto, pelo menos dois deles, pela import�ncia que tve- ram enquanto marcos n�o apenas da m�sica, mas do movimento de contracultura como um todo, exigem uma refer�ncia especial - Woodstock e Altamont. Por raz�es diversas mas, possivelmente, com igual impacto sobre o momento, ambos extrapolaram de muito as fronteiras da m�sica e marcaram �poca na hist�ria do movimento de rebeli�o da juventude internacional. Ambos os festvais se realizaram no ano de 1969, tendo resultado em flmes {Woodstock e Gimme Shelter) igualmente incr�veis e que n�o podem deixar de ser vistos por algu�m que queira entender por dentro um pouco daquele tempo. No entanto, h� uma diferen�a profunda entre eles: enquanto o festval de Woodstock representou a realiza��o, aqui e agora, da utopia

do peace and love, pelo clima de tranq�ilidade e alegria em que transcorreu, Altamont, ao contr�rio, apontou para a destrui��o, para o fm da chamada "era de Aquarius", pelo tom agressivo e pe- los epis�dios de viol�ncia sangrenta que o marcaram, culminando com o assassinato de um negro pelos Hells Angels. Nas palavras de Abbie Hofman, um dos nomes obrigat�- rios da contracultura norte-americana e autor de um livro sobre um desses festvais, inttulado Woodstock Naton, o clima daquele encontro foi assim descrito: "Se eu tvesse que resumir a experi�ncia de Woodstock, eu diria que foi a primeira tentatva de aterris- sar um homem na Terra". Realmente, o que se confgurou durante aqueles tr�s dias foi a "na��o" de Woodstock, um outro pa�s, um outro mundo, onde o lema "� proibido proibir", do Maio de 68 franc�s, foi posto em pr�tca de verdade, num ambiente psicod�- lico, com muita m�sica (nomes como Jimmy Hendrix, Janis Joplin, Ten Years Afer, Santana, Richie Havens, Joan Baez, Joe Cocker etc. etc), muita alegria, onde meio milh�o de pessoas formavam uma verdadeira comunidade, no melhor estlo da flosofa hippie da �poca. J� Altamont, ao contr�rio, realizado quatro meses depois de Woodstock, em dezembro de 69, n�o teve a mesma sorte e se confgurou como um dos momentos mais negros da utopia da contracultura, deixando no ar um forte sentmento de frustra��o, perplexidade e fracasso. � assim que Maciel, em texto escrito na �poca, inttula- do "O Fracasso da Contracultura", comenta o festval: "Para comemorar uma bem-sucedida excurs�o pelos Estados Unidos que lhes rendeu mais de um milh�o de d�lares, os Rolling Stones resolveram oferecer um concerto de gra�a aos f�s da Calif�rnia, onde � alta a percentagem de hippies e afns. Escolheram Altamont, que fca a quarenta milhas de San Francisco, contrataram alguns grupos famosos para os n�meros de abertura (Santana, Grateful Dead, Jeferson Airplane etc.) e deram aos Hells Angels, a assustadora gang de motociclistas, um caminh�o cheio de cerveja como pagamento por seus servi�os como 'guarda de seguran�a'. Compareceram cerca de trezentas mil pessoas - e o desastre foi total. O congestonamento de tr�fego transformou a �rea num verdadeiro inferno. Al�m do �cido e da maconha, e ao contr�rio do que aconteceu em Woodstock, as bebidas alco�licas e as bolinhas de anfetamina tveram um amplo consumo. A viol�ncia estourava a cada momento, em discuss�es e brigas sangrentas. Chamados de 'fascistas' pelo p�blico, os Angels espancavam quem pintasse na frente. Quatro pessoas morreram: uma afogada e duas atropeladas pelos autom�veis irritados. O restante, um estudante negro chamado Meredith Hunter, foi esfaqueado por um Angel no momento em que apontava um rev�lver na dire��o do palco, enquan- to Mick Jagger cantava os versos escabrosos de 'Sympathy for the Devil'. (...) A euforia criada por Woodstock era forte demais e 1970 foi, de acordo, um ano carregado de otmismo. Mas a �gua contnuava a rolar sob a ponte e o pr�prio Woodstock teria de ser esquecido. Aquele sonho colorido n�o poderia durar para sempre e, na falta de novas felizes confrma��es, Altamont foi ressuscitada com seus sombrios signifcados, como um despertar cruel para a dura realidade". Ficava assim evidenciada a presen�a da viol�ncia, do �dio, enfm, da contra-utopia no interior da pr�pria contracultura. E a presen�a marcante dos Hells Angels nos epis�dios de Altamont s� corroborava ainda

mais esta evid�ncia. Este grupo era uma organiza��o direitsta e extremamente violenta que surgiu na Calif�rnia, nos Estados Unidos, mas que se estendeu por v�rios pa�ses da Europa. Declaradamente fascistas, com um comportamento pautado pela intoler�ncia e autoritarismo, o grupo sempre chamou aten��o pelo uso ostensivo de capacetes, su�stcas e medalhas sobre seus blus�es de couro negro. Mas, com todas suas contradi��es, estes e outros festvais de m�sica foram, talvez, os grandes momentos de atualiza��o da utopia da contracultura: da transforma��o, da revolu��o aqui e agora. E, para isso, a m�sica, ou melhor, o rock desempenhou um papel fundamental. Sobre o show de rock, Billy Mundi, do conjunto Mothers of Inventon, afrma o seguinte: "No espet�culo convencional, o artsta procura fazer que o p�blico se identfque com ele e nele se anu- le. � uma t�cnica reacion�ria. No rock s�o os m�sicos que devem se identfcar com o p�blico e se anular no p�blico. � um sentmen- to revolucion�rio. O som amplifcado, que corta toda possibilidade de comunica��o n�o s� com a pessoa ao lado mas de cada pessoa consigo mesma. As luzes relampejantes, que diluem as rela��es de espa�o e anulam a capacidade de orientar-se segundo o h�bi- to embrutecedor do espa�o tridimensional. Ent�o tudo explode. Explode a seguran�a que o Sistema oferece. Explode a seguran�a que oferecem a rotna e os h�bitos, aceitos passivamente porque s�o mais c�modos e ajudam a sobreviver. O homem se encontra consigo mesmo e ao mesmo tempo confundido com uma multd�o infnita de outros homens. N�o somos gente de espet�culo, n�o fazemos espet�culo. Somos apenas provocadores de um rito". No grande rito da contracultura, que o rock ajudava a encenar, um grupo tnha um papel absolutamente fundamental: eram os hippies. Com seu mundo psicod�lico, seus cabelos agres- sivamente compridos, suas roupas coloridas e ex�tcas, enfm, com seu ar freak (estranho, extravagante), eles come�aram a en- cher as ruas dos Estados Unidos, ou melhor, da Calif�rnia, j� desde os primeiros anos da d�cada de 60. E n�o � preciso dizer que, de l�, eles come�aram a se espalhar pelo mundo inteiro, numa viagem longa e sinuosa. Era o fowerpower que come�ava a ganhar seu lugar ao sol, com o aval de nomes nada desprez�veis como Andy Warhol, Ginsberg, Thimothy Leary, Alan Wats, Mc-Luhan, Marcuse e tantos outros. Nas principais cidades dos Estados Unidos, certas partes ou mesmo avenidas convertam-se, pouco a pouco, em verdadeiros centros de hippismo. � o que ocorre, por exemplo, com Haight- Ashbury (em S�o Francisco), Sunset Boulevard (em Los Angeles), Old Town (em Chicago) ou East Village (em Nova York). Por outro lado, cidades como Londres e especialmente Amsterd�, ou ainda outras marcadas por um tra�o qualquer de "exotsmo", como Katmandu, Marrakesh ou Cuzco, por exemplo, convertam-se tamb�m, para desespero das autoridades locais, em verdadeiras "me- cas" de um novo mistcismo mundano. O fnal dos anos 50 e come�o dos 60, nos Estados Unidos, foram especialmente movimentados. A descren�a no liberalismo - visto, cada vez mais, como um mito, uma ret�rica que s� pro- tegia interesses -, aliada ao crescente questonamento dos "benefcios" da sociedade industrial, consttu�a o pano de fundo das primeiras

reivindica��es em torno dos direitos civis. O acirramento das lutas raciais, a crescente corrida armamentsta e o in�cio da guerra do Vietn�, por volta de 1963, vinham se acrescentar a este clima de descr�dito e descontentamento. No entanto, o que marcava esta nova onda de protestos que come�ava a tomar conta, principalmente, da sociedade americana era o seu car�ter de n�o-viol�ncia. Mesmo no caso do mo- vimento negro, � apenas num segundo momento que ele assume uma t�tca e um tom de maior agressividade diante, inclusive, da constata��o da progressiva fal�ncia da luta pac�fca pelos direitos civis, � nesse processo de radicaliza��o, por exemplo, que fguras como o pastor Martn Luther King (que viria a ser assassinado em 1968) v�o aos poucos perdendo a hegemonia na luta ant-racismo para l�deres e grupos com posi��es mais radicais, � por volta de 1965, por exemplo, que surge o Black Panther Party, do qual El- dridge Cleaver, um importante l�der negro que teve um papel de destaque na artcula��o de seu movimento com o protesto da ju- ventude branca, foi o ministro de Informa��o. S�o desta �poca as grandes marchas pacifstas contra a guerra ou pelos direitos do cidad�o, as passeatas hippies com seus slogans alegres, sua m�sica, suas cores e seus toques de orientalis- mo e os sitins dos jovens estudantes de universidades americanas e europ�ias. Aumenta, nos Estados Unidos, a recusa ao pagamen- to de impostos, por parte daqueles que discordavam do destno dado pelo governo ao dinheiro p�blico (guerra do Vietn�, armas nucleares etc). Cresce a resist�ncia � presta��o do servi�o militar, ao alistamento e embarque para as frentes de combate, chegan- do-se, at� mesmo, � queima de cart�es de recrutamento, numa clara demonstra��o do rep�dio dos jovens norte-americanos � guerra do Vietn�. Aqui vale a pena lembrar acontecimentos como a pe�a Hair, um musical que tematzava, com todas as cores da �poca, o drama da juventude diante da guerra do Vietn� - pe�a que foi transformada posteriormente em flme com trilha sonora de enorme sucesso e a fgura do lutador de boxe Muhammad Ali, o Cassius Clay, que, em 1966, teve o ttulo de campe�o cassado diante de sua recusa, por motvos pol�tco-religiosos, � presta��o do servi�o militar. No entanto, o grande fato a ser salientado, neste per�odo, talvez seja a intensidade com que toda a agita��o pol�tco-cultural de car�ter novo aglutnava grupos sob certos aspectos t�o diferen- tes como hippies, negros e aqueles estudantes que representavam os come�os de uma nova esquerda. E tudo isso, diga-se de passa- gem, com muito rock ao fundo, o som que, afnal de contas, havia realizado a mais radical fus�o da m�sica branca com a negra. Mas n�o era apenas na m�sica que o clima da �poca estava presente. � imposs�vel esquecer, por exemplo, o cinema de Andy Warhol, artsta que se converteu em um dos gurus do movimento hippie, destacando-se o seu Chelsea Girl - flme fundamental para o hip- pismo. Tamb�m exige uma refer�ncia especial o trabalho realmente revolucion�rio do Living Theater, grupo teatral que consagrou internacionalmente os nomes de Julien Back e Judith Malina. At� 1964, o grupo teve sua sede em Nova York; a partr desta data, em fun��o de problemas com as autoridades, passa a viver o ex�lio europeu, tendo estado no Brasil em 1971. Em perfeita sintonia com o projeto de revolu��o cultural dos anos 60, um de seus espet�culos trazia o famoso ttulo Paradise Now. Esse � o contexto mais imediato no qual os hippies est�o surgindo e se

espalhando pelos quatro cantos do mundo, com seus slogans de um radicalismo bem-humorado como Fa�a Amor, N�o a Guerra, Paz e Amor ou com o curioso h�bito, freq�ente nas suas passeatas e manifesta��es, de distribuir fores �s pessoas em volta, com um sorriso nos l�bios, ao inv�s de gritar violentas e co- nhecidas palavras de ordem. � assim que os hippies encarnavam, de modo bastante especial, a nova radicalidade de um determina- do momento e de certos segmentos sociais. Por outro lado, n�o se pode esquecer que a d�cada de 60, a n�vel internacional, foi realmente um tempo de muita agita��o, esperan�a e inova��o nas formas de luta pol�tca. Basta lembrar, por exemplo, alguns dos grandes acontecimentos que se destacavam no panorama mais geral daquela �poca, dentre os quais pelo menos tr�s exigem uma refer�ncia especial: a Revolu��o Cultural Chinesa, a resist�ncia popular vietnamita � agress�o armada dos Estados Unidos e a guerrilha de Guevara na Bol�via. Em todos estes casos, o que estava em jogo era a abertura de novos espa�os de contesta��o pol�tca e de luta, com a surpreendente emerg�ncia de novos vencedores num quadro de novas vit�rias. Muito provavelmente, este era o dado que tanto fascinava a juventude da �poca e lhe permita, inclusive, uma identfca- ��o t�o forte com acontecimentos at� certo ponto bastante afastados de seu cotdiano. Da mesma maneira, � talvez por a� que se deva compreender o prestgio e a popularidade, entre os jovens, de personagens como Mao Tse-Tung, Ho Chi Min e Che Guevara, respectvamente representatvos de cada um daqueles tr�s grandes acontecimentos dos anos 60. Na China, a Revolu��o Cultural signifcava uma tentatva de mobiliza��o e de cr�tca que visava a constru��o de um tpo de sociedade socialista que n�o esbarrasse nos mesmos impasses do socialismo sovi�tco, j� duramente avaliado e critcado, naquele momento, a n�vel internacional. Neste sentdo, boa parte da ener- gia revolucion�ria passa a ser canalizada, a partr de 1965/1966, para uma redefni��o pol�tca dos h�bitos, costumes, modos de pensar e agir tradicionais. O grande objetvo era fazer com que os sistemas culturais e ideol�gicos da sociedade chinesa passassem por um rigoroso processo de transforma��o revolucion�ria, capaz de coloc�-los em sintonia com as mudan�as pol�tcas que a nova estrutura de poder, surgida com a revolu��o prolet�ria ocorrida h� quase vinte anos, havia produzido. Enfm, o que se buscava era uma esp�cie de politza��o radical de todas as �reas de vida social, capaz de transformar, num sentdo revolucion�rio, desde as mais simples rela��es de trabalho e de fam�lia at� o conjunto da estrutura do sistema de ensino. No tr�gico epis�dio da guerra do Vietn�, a luta do povo vietnamita, em condi��es de enorme inferioridade militar, contra o avantajado poderio b�lico dos Estados Unidos simbolizava a capacidade de resist�ncia que era poss�vel brotar em resposta a uma agress�o imperialista. Para os Estados Unidos, a tentatva de ganhar aquela guerra exigia, cada vez mais, o uso de um potencial de viol�ncia poucas vezes sequer imaginado. Entretanto, isto n�o era sufciente para que ocorresse uma suposta e esperada "vit�ria f�cil" em termos estritamente militares. O moral do inimigo n�o se abata e a luta contnuava, sendo cada palmo de terra disputado violentamente. Assim, a resist�ncia do povo vietnamita converta- se, aos olhos do

mundo inteiro e da juventude em partcular, num verdadeiro s�mbolo de resist�ncia capaz de despertar um insuspei- tado esp�rito de solidariedade internacional e que se expressava, por exemplo, no famoso lema de Guevara: "criar um, dois, tr�s, muitos Vietn�s". Por sua vez, a experi�ncia da luta revolucion�ria guerrilhei- ra de Che Guevara nas selvas da Bol�via, avaliada por ele pr�prio, naquele momento hist�rico partcular, como a forma fundamen- tal de a��o para a liberta��o da Am�rica Latna, signifcava uma primeira tentatva de internacionaliza��o dos melhores frutos e esperan�as da Revolu��o Cubana, que, naquela �poca, era vista como a grande experi�ncia de implanta��o do socialismo na Am�- rica Latna. A partr daquela "base guerrilheira" boliviana, o que se esperava, ent�o, era que o movimento revolucion�rio se esten- desse a outros pa�ses da Am�rica do Sul, numa verdadeira frente antimperialista. E o empenho pessoal de Guevara neste processo era total, como demonstram as palavras de Fidel Castro: para Che, "o comando militar e pol�tco da guerrilha devia estar unifcado e (...) a luta s� podia ser dirigida da guerrilha e n�o de c�modos e burocr�tcos escrit�rios urbanos". Era exatamente este seu enor- me envolvimento pessoal numa luta de liberta��o verdadeiramente sem fronteiras que fazia dele um her�i como poucos. Sua morte em combate, no m�s de outubro de 1967, signifcava um dos mais fortes golpes no clima progressista daquela �poca. No ano seguin- te, 1968, vinha a p�blico o seu di�rio, em que ele pacientemente registrava o dia-a-dia de sua luta. Em sua edi��o cubana, o di�rio vinha acompanhado de uma longa introdu��o assinada por Fidel Castro, onde ele afrmava: "Nos pr�prios Estados Unidos o movi- mento negro e os estudantes progressistas, que s�o cada vez mais numerosos, convertem em algo seu a fgura de Che. Nas mani- festa��es mais combatvas pelos direitos civis e contra a agress�o ao Vietn�, seus retratos s�o esgrimidos como emblemas de luta. Poucas vezes na Hist�ria, ou talvez nunca, uma fgura, um homem, um exemplo, se universalizaram com tal celeridade e apaixonante for�a. � que Che encarna em sua forma mais pura e desinteressada o esp�rito internacionalista que caracteriza o mundo de hoje e cada vez mais o mundo de amanh�". Confrmando esta forte identfca��o da juventude com a fgura de Che, vale lembrar que o livro Woodstock Naton, de autoria do l�der yippie Abbie Hofman, inclu�a, entre outros documentos, uma longa carta manuscrita do l�der guerrilheiro dirigida "� juventude dos Estados Unidos", na qual, depois de toda uma refex�o sobre a import�ncia e especif- cidade da luta do jovem norte-americano, ele se despedia com o seu cl�ssico "venceremos". Assim vivia o conturbado mundo dos anos 60, cheio no entanto de muita f� e esperan�a no presente, ou mesmo num futuro bastante imediato. E � nele que se insere a grande utopia do movimento hippie da constru��o, no mundo aqui e agora, do seu para�so de paz e amor. Para tanto, era fundamental que eles conseguissem escapar, de algum modo, aos limites da sociedade e da cultura ocidentais. E este era, na verdade, o sentdo de sua flosofa do drop out - express�o que literalmente signifca "cair fora". Para os hippies, "cair fora" dessa camisa-de-for�a ocidental signifcava ganhar um outro lugar, fugindo ent�o simultaneamente ao cerco do espa�o fsico, insttucional e l�gico deste mundo ocidental, � por a� que se pode entender melhor os tr�s grandes

eixos de movimenta��o que marcavam sua rebeli�o - da cidade, a retrada para o campo; da fam�lia para a vida em comunidade; e do racionalismo cientfcista para os mist�rios e descobertas do mistcismo e do psicodelismo das drogas. Este era, portanto, o verdadeiro sentdo da cr�tca do movi- mento hippie � repress�o que, do seu ponto de vista, caracterizava o modo de vida do Ocidente: a busca �s vezes desesperada e nem sempre muito consciente de um novo espa�o onde fosse poss�vel viver uma outra vida. Assim, come�a a ocorrer uma enorme ex- pans�o das "comunidades hippies". No seu interior, a pr�pria organiza��o econ�mica se torna comunal, surgindo, por exemplo, in�- meras "comunidades agr�colas". Para a opini�o p�blica de classe m�dia, s�o pessoas marginais, na sua maioria viciadas em drogas. Para eles pr�prios, aquela nova forma de vida signifcava a fuga da m�quina e uma volta � natureza, vivendo do pr�prio trabalho, quase sempre manual. Nesta sua tentatva de inventar uma nova maneira de vi- ver, os hippies concentravam sua energia revolucion�ria especialmente no questonamento da repress�o internalizada em cada um, na busca de si mesmo e do signifcado da exist�ncia, enfm, grandes "viagens", por mais abstratos que estes objetvos possam parecer. Segundo Paulo Coelho, em texto de �poca inttulado "As Sociedades Alternatvas" e publicado na revista Planeta, a quest�o era assim colocada: "Todos os movimentos pol�tcos tradicionais partam do princ�pio de que a sociedade era a justfcatva para a exist�ncia do homem. O hippismo inverteu o processo: o homem era a �nica justfcatva para a exist�ncia da sociedade". O homem, ou o indiv�duo, era assim a pe�a central no complicado xadrez da revolu��o cultural/individual que os hippies tentavam efetvar. E para tanto n�o faltaram adeptos e aliados. � tamb�m como parte desse processo de liberta��o das

amarras da repress�o da sociedade e da cultura ocidentais que se deve compreender a difus�o e o sucesso, entre os hippies e no interior da contracultura em geral, do mistcismo - especial- mente aquele marcado por uma forte dose de orientalismo - e da droga, ou melhor, do "psicodelismo". Express�o que, por sua vez, � assim defnida por Maciel: "movimento social e at� certo ponto pol�tco, nascido de uma conquista cientfca: a descoberta das virtudes dos produtos qu�micos alucin�genos, dos quais o LSD � o mais famoso". Nomes como Thimothy Leary - um dos principais te�ricos da utliza��o das drogas alucin�genas para "expandir ou alargar a consci�ncia", conhecido como o "papa psicod�lico" e que havia sido expulso da universidade de Harvard em 1963 por suas pr�tcas com o LSD - bem como Alan Wats - o "papa do zen-budis- mo" nos Estados Unidos - est�o indissoluvelmente ligados a toda esta onda de mistcismo e psicodelismo. E mais: tanto para um como para o outro ambas as experi�ncias s�o basicamente complementares. "A viagem de LSD � uma peregrina��o religiosa", di- zia Leary, enquanto Wats defendia o uso do LSD como via leg�tma para experi�ncias m�stcas devido aos fortes esquemas repressivos contdos na cultura ocidental, que agem sobre as consci�ncias individuais, limitando-as na sua sensibilidade. Fundamentalmente, o que se buscava eram novas possi- bilidades de apreens�o da realidade, e tanto o mistcismo quanto a droga consttu�am-se numa forma de oposi��o ao racionalismo dominante nas

sociedades tecnocr�tcas. Racionalismo este calcado sobre o modo de conhecer da Ci�ncia, ou seja, sobre a pr�pria estrutura do pensamento cientfco que, como tal, permite, ao mesmo tempo que imp�e, uma determinada percep��o da reali- dade. Assim, al�m do prazer que a droga � capaz de proporcionar atrav�s de seus efeitos, o que a tornava especialmente atraente no contexto da contracultura era o car�ter "demolidor" daquela experi�ncia em termos de certas estruturas de pensamento. Nas palavras de Eric Burdon, do conjunto Animais: "A experi�ncia da droga, a longo prazo, pode n�o representar absolutamente nada, mas nos ensinou que deixar-se caotzar n�o � necessariamente

in�tl".

Este era tamb�m o sentdo do l�dico ou do m�gico para a contracultura - uma nova forma de aproxima��o do real. J� no caso das religi�es orientais, que tnham tanto prestgio junto � ju- ventude rebelde dos anos 60, era toda uma outra concep��o do universo que estava em jogo, toda uma outra maneira de encarar a natureza ou o corpo, por exemplo. E estes dados as transformavam em sistemas de pensamento extremamente questonadores e pol�micos quando postos frente � vis�o de mundo dominante no Ocidente. Desta forma, o homem novo que a contracultura tentava construir pressupunha efetvamente um novo modo de conceber e de se relacionar com o mundo � sua volta, nas mais diferentes �reas do seu cotdiano, exigindo portanto o surgimento de uma nova consci�ncia ou de uma "nova sensibilidade". Em todo esse processo de transforma��o, o hippismo tnha um papel realmente de vanguarda. Assim, ao longo de toda a d�cada de 60, estes arau- tos da Era de Aquarius v�o constantemente reafrmar sua presen�a atrav�s de acontecimentos sempre signifcatvos. Do ponto de vista da hist�ria e da organiza��o do movi- mento hippie, 1967 � um ano especialmente marcante. Foi em outubro, por exemplo, que ocorreu aquela enorme e colorida ma- nifesta��o pacifsta na qual se tentou, nada mais nada menos, que fazer levitar o Pent�gono, no melhor estlo do atvismo da �poca. Mesmo sem entrar no m�rito objetvo das t�cnicas empregadas, � f�cil perceber que se trata, no m�nimo, de uma nova e curiosa forma de enfrentar o poder. Ainda durante este ano, dois fatos importantes: em S�o Francisco, verdadeiro ber�o do hippismo, realiza-se o enterro simb�lico do movimento hippie. Um caix�o � cremado, enquanto os manifestantes, em un�ssono, bradam: "Os hippies morreram! Vivam os homens livres!" Pratcamente ao mesmo tempo, Abbie Hofman e Jerry Rubin fundam o YIP (Youth Internatonal Party, o Partdo Internacional da Juventude), tentatva de abrir um espa�o mais insttucionalizado que fosse capaz de canalizar a energia revolucion�ria de toda aquela juventude rebel- de. Entrava assim em cena a fgura do yippie, o hippie politzado, expressando talvez o in�cio de uma converg�ncia entre os projetos de revolu��o cultural e revolu��o pol�tca. Jerry Rubin, ex-l�der estudantl em Berkeley, afrmava: "Os yippies s�o revolucion�rios. Misturamos a pol�tca da Nova Esquerda com um estlo devida psicod�lico. Nossa maneira de viver, nossa pr�pria exist�ncia � a Revolu��o". Ali�s, este esfor�o de tentar a fus�o de um atvismo mais diretamente pol�tco com o psicodelismo daquele momento era viv�vel por toda parte. Em seu livro Rock, o Grito e o Mito, Rober- to Muggiat

afrma o seguinte sobre o importante congresso de antpsiquiatria realizado em Londres, no ano de 1967: "No ver�o de 1967, o rock � um dos assuntos estudados em Londres no congresso Dial�tca da Liberta��o, organizado pelo psicanalista exis- tencial R. D. Laing e seus colegas da 'antpsiquiatria', num esfor�o para conciliar liberta��o social e liberta��o ps�quica. S�o grupos da Nova Esquerda, psicanalistas e soci�logos que debatem, procurando dar forma a uma 'esquerda vision�ria' e fundir a pol�tca radical com a pol�tca do �xtase". Outro acontecimento que d� mostras desta "politza��o radical do psicodelismo", na segunda metade da d�cada de 60, s�o os dist�rbios que envolveram a Conven��o do Partdo Democr�t- co realizada em Chicago, em agosto de 1968. O epis�dio se converteu numa das maiores demonstra��es do potencial de viol�ncia e repress�o que o Sistema era capaz de mobilizar contra o protesto organizado de negros, estudantes e hippies, ou yippies. O que se viu foram tr�s dias de intensas manifesta��es e violentos choques com uma pol�cia disposta a fazer um uso essencialmente pol�tco de sua for�a, revelando a exist�ncia de um verdadeiro plano com o objetvo de assustar e intmidar os manifestantes e tendo como resultado um enorme saldo de mortos e feridos. De uma certa forma, estes epis�dios demonstravam os limites do liberalismo americano na sua possibilidade de tolerar e absorver a contesta��o que os grupos ali presentes representavam e engendravam. O resultado fnal foi o famoso Chicago Trial, o Processo de Chicago, envolvendo diversos l�deres dos movimentos ali presentes, como Bobby Seale, do Black Panther Party, Jerry Rubin e Abbie Hofman, do YIP, ou Tom Hayden, um dos fundadores da SDS (Students for a Democratc Society), e um importante l�der da Nova Esquerda, todos indiciados sob a acusa��o de "conspira��o", embora a falta de provas fosse evidente. Na verdade, o que estava sendo julgado neste momento era a pr�pria identdade de uma gera��o, com sua consci�ncia cr�tca e seus ideais de transforma��o social. Mas n�o foi apenas nos Estados Unidos que o ano de 1968 signifcou um momento de confronta��o radical com o Sistema. Tamb�m na Europa, este foi um ano decisivo para o movimento estudantl - uma das grandes manifesta��es do atvismo da juventude rebelde dos anos 60. Quem n�o se lembra do Maio de 68 franc�s, com suas barricadas e seus slogans de um radicalismo que em nada se parecia com o das manifesta��es pol�tcas tradi- cionais? "Sejam realistas: pe�am o imposs�vel", "O sonho � realidade", "Temos uma esquerda pr�-hist�rica", "O �lcool mata, tomem LSD", "Sou marxista, tend�ncia Groucho", "� proibido proibir" e tantos outros. Do mesmo modo, as universidades alem�s demons- traram, durante toda a d�cada, uma incr�vel efervesc�ncia. Nomes como Daniel Cohn-Bendit, na Fran�a, ou Rudi Dutschke, na Alema- nha, se tornavam internacionalmente conhecidos. Enquanto isso, nos Estados Unidos, especialmente Berke- ley, Calif�rnia, e Col�mbia, Nova York, j� haviam se convertdo em p�los internacionais da luta dos estudantes. A primeira grande re- volta estudantl ocorrida em Berkeley, em 1964, teve como um de seus resultados a cria��o do Free Speech Movement. No ano de 1966, novos e violentos dist�rbios viriam a ocorrer na Calif�rnia o nome de M�rio S�vio se tornava defnitvamente conhecido. Em 1968, seria a vez da grande revolta na universidade de Col�mbia, com forte presen�a do movimento negro. Tanto nos Estados Unidos quanto na Europa Ocidental, o que chamava a

aten��o nesta onda de revolta estudantl que marcou a d�cada de 60 era a sua originalidade em termos da abertura de novos espa�os de luta pol�tca e da elabora��o de uma nova linguagem cr�tca. Fiel � ideologia da rebeli�o da juventude internacional, o ponto focal da cr�tca e do protesto destas fleiras do movimento estudantl era a pr�pria universidade enquanto insttui��o. Suas bandeiras de luta, longe de estarem referidas apenas �s quest�es mais gerais do conjunto da sociedade, falavam da sala de aula e das rela��es mais diretas vividas no espa�o espec�fco das insttui��es de ensino. Quando se questonava a repress�o, por exemplo, a �nfase era posta naquela exercida no interior da escola e que se manifestava tanto no dia-a-dia das rela��es entre as pessoas ali envolvidas, no desempenho de seus pap�is, quanto no discurso que se produzia e reproduzia dentro daquelas insttui��es, � no bojo deste processo que v�o surgir as universidades livres ou as antuniversidades, com seus curr�culos radicalmente transformados e sua organiza��o montada em bases muito dife- rentes das do ensino tradicional, dentro do esp�rito mais geral da cria��o de ant ou contra-insttui��es, que tanto marcava aqueles anos de intenso vigor da contracultura. Este novo caminho trilhado pelo movimento estudantl internacional era, em boa medida, o resultado do encontro de todas aquelas for�as emergentes que a rebeli�o da juventude ha- via posto em cena. De um lado, hippies, yippies, negros e uma infnidade de minorias etnoculturais que se organizavam e, de ou- tro, um novo pensamento de esquerda que tentava se ajustar �s transforma��es e � complexidade das sociedades industriais. Era a Nova Esquerda, que vinha se organizando desde o come�o dos anos 60. Um de seus frutos no interior do movimento estudantl foi a SDS (Students for a Democratc Society), a maior organiza��o estudantl dos Estados Unidos, com forte presen�a em v�rios pa�- ses europeus, fundada por volta de 1962. Por sua vez, este discurso cr�tco que o movimento estu- dantl internacional elaborou ao longo dos anos 60 visava n�o apenas as contradi��es da sociedade capitalista, mas tamb�m aquelas de uma sociedade industrial, tecnocr�tca, nas suas manifesta��es mais simples e corriqueiras. Nas palavras de um manifesto afxado � entrada principal da Sorbonne durante o Maio de 68: "a revolu��o que est� come�ando questonar� n�o s� a sociedade capitalis- ta como tamb�m a sociedade industrial. A sociedade de consumo tem de morrer de morte violenta. A sociedade da aliena��o tem de desaparecer da hist�ria. Estamos inventando um mundo novo e original. A imagina��o est� tomando o poder". Em 1971, foi organizado um enorme congresso em Berke- ley, Calif�rnia, do qual partciparam, ao lado de soci�logos e outros cientstas, os principais l�deres das comunidades hippies, jovens radicais de organiza��es estudants, representantes de minorias como o Gay Power, Women's Lib, Black Panther e assim por diante. O que se procurava realizar era uma esp�cie de balan�o de toda aquela intrincada movimenta��o dos anos 60, bem como a avalia��o das poss�veis sa�das a curto e m�dio prazos. O resultado foi a publica��o de uma "declara��o de princ�pios" na qual, em determinado trecho,

se afrmava o seguinte: "A nova sociedade, a Sociedade Alternatva, deve emergir do velho Sistema, como um cogumelo novo brota de um tronco apodrecido. Acabou-se a era do protesto subterr�neo e das demonstra��es existenciais. Aca- bou-se o mito de que os artstas t�m que estar � margem de sua �poca. Devemos de agora em diante investr toda a nossa energia na constru��o de novas condi��es. O que for poss�vel utlizar da velha sociedade, n�s utlizaremos sem escr�pulos: meios de co- munica��o, dinheiro, estrat�gia, know-how e as poucas e boas id�ias liberais". Esgotada, � evidente que a contracultura n�o estava. No entanto, os sinais de um remanejamento das linhas b�sicas de seu projeto inicial s�o evidentes. Quais as chances de vit�ria desta reo- rienta��o t�tca. . . e estrat�gica? Quais os riscos de absor��o pelo Sistema? Difcil responder. O m�nimo que se pode dizer � que, vista com o recuo de uma perspectva hist�rica que a passagem de mais dez anos j� nos permite ter, aquela reorienta��o era realmente inevit�vel. Dentre os in�meros projetos de transforma��o social, mais ou menos radicais, mais ou menos ut�picos, que os anos 60 viram surgir, a contracultura certamente tem um lugar importan- te. E isto n�o apenas devido ao seu poder de mobiliza��o - que n�o foi nada pequeno -, mas, principalmente, pela natureza das id�ias que colocou em circula��o, pelo modo como as veiculou e pelo espa�o de interven��o cr�tca que abriu. N�o eram apenas no- vos atores que surgiam na cena do j� tumultuado debate pol�tcocultural internacional. Era todo um novo discurso, com marcas de uma extrema complexidade, que surgia, possibilitando o exerc�cio mais sistem�tco de um tpo de cr�tca social que, at� aquele mo- mento, n�o estava dispon�vel. Medir sua efc�cia, em termos de curto e m�dio prazo, certamente � uma tarefa difcil. Tarefa que, ali�s, � difcultada pela impossibilidade de que esta avalia��o seja realizada segundo os crit�rios de efc�cia dos projetos mais tradi- cionais de transforma��o social. No entanto, o que � certo � que a revolu��o an�rquica que a contracultura pregava e realizava dei- xou marcas inequ�vocas, tendo, antes de mais nada, introduzido novos interlocutores no debate cultural. INDICA��ES PARA LEITURA 1) Em termos do movimento de contracultura como um todo, h� dois trabalhos que devem ser lidos: A Contracultura, de Theodore Roszak, editado pela Vozes, em 1972; e A Juventude na Sociedade Moderna, de Marialice Foracchi, editado pela Livraria Pioneira Editora, em 1972. H� ainda um volume do Internatonal Social Science Journal, publicado pela UNESCO, inttulado Youth: a Social Force? (volume XXIV, number 2, 1972), que � extremamente interessante, contendo desde artgos mais te�ricos at� an�lises de casos concretos. 2) No que se refere a documentos de �poca, relatvos aos diversos grupos respons�veis pelo desenvolvimento da contracultura, h� duas colet�neas que merecem uma olhada: Rebeli�n en Estados Unidos, organizada por Robert Cohen e editada por Siglo XXI Editores, M�xico, 1969; e BAMN (By Any Means Necessary) Outlaw Manifestos and Ephemera 1965-70, organizada por Peter Stansill e David Zane Mairowitz e editada por Penguin Books, Lon- dres, 1971.

3) Os livros te�ricos e atvistas que, de um modo ou de ou- tro, se converteram nos "gurus" da contracultura s�o fundamentais para quem quiser se aprofundar no assunto. Pratcamente todos os nomes mais importantes e suas respectvas obras aparecem comentados na bibliografa que acompanha o livro de The- odore Roszak indicado anteriormente. H� muitos deles editados em portugu�s. 4) Sobre o movimento estudantl internacional, h� duas colet�neas, reunindo artgos de diversos autores, que s�o excelentes: Student Power, organizada por Alexander Cockburn e Robin Blackbum e editada pela Penguin Books em associa��o com a New Lef Review, Londres, 1969; e Student Power, organizada por Julian Nagel e editada por Merlin Press, Londres, 1969. 5) N�o esquecer que os discos de rock e os jornais e revis- tas underground internacionais, bem como alguns flmes da �poca (Easy Rider, Woodstock, Gimme Shelter, Hair etc. etc), s�o um ma- terial da maior import�ncia. 6) No que se refere ao Brasil, especifcamente, h� umas leituras obrigat�rias. De Lu�s Carlos Maciel, ver os seguintes livros, que re�- nem, entre outros, diversos artgos seus publicados na imprensa da �poca: Nova Consci�ncia! Jornalismo Contracultural-1970/72, Rio, Eldorado, 1973; A Morte Organizada, Rio/S�o Paulo, Global e Ground, 1978; e Neg�cio Seguinte, Rio, Codecri, 1981. De Torquato Neto, ver o livro Os �ltmos Dias de Paup�- ria (edi��o revista e ampliada), S�o Paulo, Editora Max Limonad Ltda., 1982 (organizado por Ana Maria Silva de Ara�jo Duarte e Waly Salom�o). De Caetano Veloso, Alegria, Alegria, colet�nea organizada por Waly Salom�o e editada pela Editora Pedra Q Ronca, Rio, s/ data. Sobre o Teatro Ofcina, ver o volume n 60 da cole��o "Tudo � Hist�ria", da Editora Brasiliense, inttulado Teatro Ofcina (1958-1982), Trajet�ria de uma Rebeldia Cultural, de autoria de Fernando Peixoto. Para um balan�o geral da trajet�ria da cultura brasileira nos anos 60 e 70, ver ainda: Impress�es de Viagem, de Helo�sa Buarque de Hollanda, publicado pela Brasiliense, S�o Paulo, em 1980; Cultura e Partcipa��o nos Anos 60, de Helo�sa Buarque de Hollanda e Marcos A. Gon�alves, editado pela Brasiliense, S�o Paulo, na cole��o "Tudo � Hist�ria", volume n 41; Arte em Revista, n 5, S�o Paulo, 1981; e Retrato de �poca, Rio, Funarte, 1981 (de minha autoria). Al�m disso, n�o esquecer o material de �poca, especial- mente aquele surgido no per�odo 1967 - 1972/1974: os jornais e revistas underground, como, por exemplo. Flor do Mal, Presen�a, Verbo Encantado, Bondinho, Pasquim (que come�a em 1969) etc, al�m de publica��es como Navilouca e Polem e discos (Mautner, Gal, Caetano, Gil, Novos Baianos, Raul Seixas, Lu�s Melodia etc. etc). Carlos Alberto Messeder Pereira nasceu no Rio de Janeiro, em Fez o curso de Sociologia no Insttuto de Filosofa e Ci�ncias So- ciais, da UFRJ, entre 70 e 74. Neste momento, a universidade, especialmente aquelas escolas da �rea social e humana, experimentava os efeitos do fechamento pol�tco. Enquanto isso, os alunos come�avam a descobrir e a se interessar por aquelas formas indiretas de contesta��o e de resist�n- cia

pol�tca, atrav�s dos temas da contracultura. Em 1975, entra para o Museu Nacional da UFRJ e faz o mestrado em antropologia, elegendo, como campo de pesquisa, os impasses de sua gera��o: defende, em 1980, a tese "Retrato de �poca/Um estudo de pro- du��o cultural nos anos 70". Atualmente � professor da Escola de Comunica��o da UFRJ, pros- seguindo na mesma linha de (auto) investga��o. Tem os seguintes livros publicados: - Patrulhas Ideol�gicas - marca reg., (com Helo�sa Buarque de Hollanda), Brasiliense. - Retrato de �poca, Funarte. - Poesia Jovem/Anos 70 (com Helo�sa Buarque de Hollanda), - Televis�o (As Imagens e os Sons: No ar, o Brasil), na Cole��o "O Nacional e o Popular na Cultura Brasileira" (com Ricardo Miranda), Brasiliense. - Partcipa tamb�m das colet�neas: Testemunha Ocular (1979) e O Desafo da Cidade (1980). Nos anos 80, flia-se ao PT mas vota em Leonel Brizola para gover- nador do RJ, onde reside atualmente, fcando, por enquanto, sem partido.

Related Documents


More Documents from ""

October 2019 24
October 2019 30
October 2019 23
October 2019 19
October 2019 16
Deuses Gregos
October 2019 17