Eletrificação Rural: Elementos Para O Debate

  • Uploaded by: Marcos Vinicius Miranda da Silva
  • 0
  • 0
  • May 2020
  • PDF

This document was uploaded by user and they confirmed that they have the permission to share it. If you are author or own the copyright of this book, please report to us by using this DMCA report form. Report DMCA


Overview

Download & View Eletrificação Rural: Elementos Para O Debate as PDF for free.

More details

  • Words: 3,688
  • Pages: 14
Eletrificação Rural: Elementos para o Debate∗ Marcos Vinicius Miranda da Silva (Doutor em Energia pelo PIPGE/USP) [email protected]

Célio Bermann (Professor do PIPGE/USP) [email protected]

Resumo Com o advento do desenvolvimento sustentável, a eletrificação rural ganhou espaço importante nos debates sobre energia, desenvolvimento regional e meio ambiente. Embora não ela seja determinante para o desenvolvimento socioeconômico do campo, sua contribuição para a melhoria da qualidade de vida de populações rurais acaba tronando-a elemento importante para a efetivação desse processo. Neste artigo, analisam-se os benefícios da eletrificação rural, algumas causas do não-atendimento energético, a descentralização dos sistemas de oferta e a tendência dos programas de atendimento elétrico no país, sendo identificados os elementos que deverão fazer parte dos debates sobre a questão energética na zona rural. Como diretrizes para a implantação de programas de eletrificação, sugere-se a incorporação de aspectos socioambientais para a tomada de decisão, bem como o planejamento energético, visando distribuir de forma mais eqüitativa os benefícios da eletrificação rural entre as regiões do país e definir os sistemas energéticos com racionalidade econômica e ambiental.

Este artigo deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Marcos Vinicius Miranda da; BERMANN, C. Eletrificação rural: elementos para o debate. In: VIII Congresso Brasileiro de Energia, 1999, Rio de Janeiro. VIII Congresso Brasileiro de Energia: política energética, regulamentação e desenvolvimento sustentável, 1999. v. III. p. 1273-1281 ∗

Os benefícios da eletrificação rural É notório que os programas de eletrificação desempenham um papel importante no desenvolvimento de pequenas comunidades rurais, seja melhorando a qualidade de vida, seja fornecendo energia para algumas atividades produtivas no campo. Embora isso não signifique que eles sejam suficientes para determinar o desenvolvimento, pois o êxito desse processo na zona rural dependerá de um conjunto de ações integradas, que envolve a implantação de outros programas nas áreas de saúde, educação, transporte, etc. É um esforço inútil levar eletrificação para o campo, visando o desenvolvimento econômico, se pequenos produtores não têm direito à terra, acesso ao crédito, malha viária que permita o escoamento da produção, garantias de preços competitivos para os produtos agrícolas no mercado. Portanto, a energia por si só é incapaz de promover o desenvolvimento da zona rural. A literatura sobre a questão energética no campo faz referência a uma série de benefícios que poderiam ser obtidos em decorrência da disponibilidade energética. Entre eles mencionam-se: melhoria do padrão de vida, diminuição da pobreza, geração de empregos, educação, nutrição, segurança, fixação do homem no campo, promoção da cidadania, coesão social, desenvolvimento das atividades agroindustriais e artesanais, redução das importações de derivados de petróleo, devido à utilização de fontes renováveis em substituição ao diesel e ao GLP, e a preservação ambiental. Esses benefícios, dependendo de suas relações com a disponibilidade energética, bem como com outros programas de desenvolvimento, podem ser caracterizados como reais, quando o benefício é obtido sem a necessidade da implantação de outros programas; realizáveis, quando há a necessidade de implantação de outros programas para promover

benefícios; ou fantasiosos, quando o benefício pode ocorrer independentemente da implantação de programas de eletrificação rural. Como exemplo dos benefícios reais, tem-se a contribuição para melhoria da qualidade de vida, através da iluminação residencial, que proporciona uma luminosidade ambiental mais adequada, além da possibilidade de reduzir as emissões decorrentes da queima direta de produtos como o querosene e o óleo diesel, prejudiciais à saúde, utilizados para atender as necessidades de iluminação. No caso dos benefícios realizáveis, cita-se o caso da educação, que pode ser facilitada pela iluminação das escolas e pela possibilidade do uso de equipamentos (TV, vídeo, etc.) que contribuam para o aprendizado. Entretanto, sua efetivação só acontecerá mediante a existência de programas educacionais consistentes, com professores qualificados e bem remunerados. Como benefício fantasioso, menciona-se a diminuição da pobreza. PEARCE & WEBB (1987), ao analisarem os possíveis efeitos da eletrificação rural sobre a redução dos níveis de pobreza, concluem que não existem evidências suficientes que sustentem essa afirmação, principalmente porque há uma tendência da eletrificação rural beneficiar apenas as famílias mais ricas. Os programas de atendimento energético também são visualizados como catalisadores do desenvolvimento econômico rural. Essa argumentação tem recebido críticas, pois, em certos casos, o desenvolvimento econômico ocorreu sem a presença de programas de eletrificação rural (FOLEY, 1989 apud RAGANATHAN, 1993). PEARCE & WEBB (1987) também fazem referência a esse argumento, afirmando que ele não passa de “folclore”.

O caráter especial dado aos programas de atendimento energético, na forma da eletrificação rural, sugere duas situações bastante comuns na área energética. A limitação do conhecimento, que tende a caracterizar os programas de atendimento energético como o próprio processo de desenvolvimento rural, quando na realidade eles são apenas parte integrante desse processo, e a manipulação de informações, muitas vezes utilizada para sensibilizar os organismos financiadores, visando a obtenção de recursos para a implantação desses programas em benefício individual. Se se negligencia o próprio contexto no qual os programas de atendimento energético deveriam estar inseridos, então, torna-se difícil obter transformações positivas no meio rural que possibilitem resgatar as pequenas comunidades da exclusão socioeconômica na qual elas se encontram. Algumas causas da ausência de eletrificação rural no Brasil Antes do advento da filosofia do desenvolvimento sustentável, os programas de atendimento energético eram exclusivamente vinculados às atividades agroindustriais, uma vez que essas atividades poderiam maximizar os retornos dos investimentos, contribuindo para minimizar os custos totais anuais da eletrificação rural (SINHA et al, 1994). Essa postura ao ser adotada no Brasil acabou privilegiando o Sul e Sudeste em relação a outras regiões do país, como o Norte e o Nordeste, porque aquelas regiões dispõem de uma melhor infra-estrutura, que facilita o escoamento da produção, terras aptas à agricultura e uma maior densidade populacional. Esses requisitos, considerados necessários para valorizar a energia elétrica no campo, acabaram levando a uma

“discriminação sócio-econômica”1 (DE GOUVELLO, 1993), que exclui dos benefícios oriundos da eletrificação, principalmente para baixas demandas, aquelas regiões que não possuem tais condições. Os índices referentes à eletrificação rural no Brasil também caracterizam essa exclusão. No início da década de 90, o percentual de residências rurais atendidas por energia elétrica era mais elevado nos estados pertencentes às regiões Sul e Sudeste, enquanto nos estados da Região Norte esse percentual era relativamente mais baixo. Por exemplo, os estados de Santa Catarina e São Paulo possuíam respectivamente 81,56% e 60,41% de suas propriedades rurais eletrificadas, enquanto o estado do Pará tinha apenas 0,75% dessas propriedades eletrificadas, o mais baixo índice a nível nacional (CORREIA, 1992). Uma outra questão relacionada à “discriminação sócio-econômica” refere-se aos beneficiários dos programas de eletrificação rural. PEARCE & WEBB (1987) e HOURCADE et al (1990), ao abordarem essa questão, afirmam que as famílias mais ricas do campo são as maiores beneficiadas por esses programas, pois as tarifas elevadas não permitem que famílias mais carentes tenham acesso à eletrificação. No Brasil, na metade da década de 70, observou-se que no campo o consumo de energia elétrica das famílias ricas correspondia a 36% do consumo total de energia, enquanto a participação da eletricidade no consumo total das famílias pobres era de 0% (BÔA NOVA, 1985). O fato de as políticas nacionais de desenvolvimento agrícola terem um caráter elitista e excludente para os pequenos produtores rurais, devido às dificuldades para a obtenção de incentivos fiscais e creditícios (TENDRIH, 1990), reforça a tese de que as 1 DE GOUVELLO chama de “discriminação sócio-econômica” a tendência observada no Brasil que beneficia com eletrificação áreas rurais densamente povoadas e economicamente mais desenvolvidas em detrimento de outras que não dispõem desses requisitos.

médias e grandes propriedades rurais, que têm mais facilidade para captar tais incentivos e desenvolver atividades agropecuárias, acabam sendo as privilegiadas em termos de eletrificação rural. Os programas de eletrificação rural implantados nos países pobres são geralmente copiados dos países ricos (DEUDNEY & FLAVIN, 1983; SATHAYE, 1987). Porém isso não garante o sucesso desses programas, justamente por negligenciar as peculiaridades de cada região. Fatores como: baixa densidade populacional, consumidores dispersos, baixa demanda, distância entre a rede e os consumidores, diversidade geográfica, falta de domínio tecnológico, baixo fator de carga, perdas na distribuição, custos mais elevados, longo período de retorno dos investimentos, inexistência de renda, entre outros, são comumente utilizados para justificar o não-atendimento energético. Desse modo, a implantação de tais programas tende a ser definida apenas por critérios puramente técnicoeconômicos. Essa postura é criticada por PEARCE & WEBB (1987) em virtude de a eletrificação rural contribuir para o desenvolvimento social das comunidades atendidas, devendo, portanto, ser vista por uma ótica que não envolva apenas critérios técnico-econômicos. A manutenção desses critérios, como os únicos a determinar a viabilidade ou não da eletrificação rural, levará à máxima na qual os programas de eletrificação rural só terão sustentabilidade quando os países pobres tiverem um per capita relativamente elevado (BARNES, 1982 apud RAGANATHAN, 1993). Nesse sentido, argumenta-se que as áreas rurais de baixa renda terão que esperar pelo crescimento econômico, quando haverá o aumento da renda rural, motivado pela implantação de outros programas de desenvolvimento (RAGANATHAN, 1993).

Isso define um quadro bastante pessimista para o meio rural brasileiro, em particular para a Amazônia, no que diz respeito à eletrificação do campo, pois as políticas de desenvolvimento, em grande parte, não se destinam à população pobre, considerada incapaz de promover e obter os benefícios do progresso (TENDRIH, 1990). Desse modo, estabelece-se um círculo vicioso, onde a eletricidade não é levada à zona rural devido à ausência de programas de desenvolvimento para valorizá-la, porém esses programas não são implementados em virtude da ausência de eletrificação. Esse quadro tende a perpetuar o estágio de exclusão social existente no campo. A descentralização dos sistemas de oferta energética A busca por um novo estilo de desenvolvimento, caracterizado pela incorporação da justiça social e da preservação ambiental ao processo de desenvolvimento econômico, como forma de reduzir os índices de pobreza e a degradação ambiental do planeta, representa um passo importante para diminuir os índices de não-atendimento elétrico na zona rural de regiões carentes. A adoção dessa postura, na qual as estruturas verticais vêm dando lugar para estruturas mais horizontais, sendo essa mudança caracterizada por uma maior autonomia aos níveis locais (SINHA et al, 1994), levará a redução da “discriminação sócioeconômica” observada no campo em relação à energia. Quando a energia passa a ser vista também como sinônimo de qualidade de vida, o privilégio dispensado a algumas regiões pelas políticas energéticas, devido a fatores meramente técnico-econômicos, deixa de existir, uma vez que qualquer família, independente do contexto geográfico no qual ela se encontra, tem o direito de ver suas necessidades básicas satisfeitas por essas políticas para que se estabeleça a cidadania.

Essa mudança de postura em relação ao meio rural foi formalizada na Conferência de Estocolmo, com a divulgação dos princípios filosóficos do ecodesenvolvimento, onde a meta principal era elaborar um estilo de desenvolvimento compatível com as peculiaridades das regiões rurais (SACHS, 1986). Essa filosofia acabou sendo relevante para a questão energética no campo, porque incorporou o conceito de descentralização dos sistemas energéticos e as fontes renováveis de energia aos debates. Em relação à descentralização e à utilização de fontes renováveis, outro acontecimento importante na década de 70 está relacionado aos “choques” do petróleo, ocorridos em 1973 e 1979. Com a elevação do preço do barril de petróleo, houve um natural direcionamento das pesquisas para as fontes renováveis de energia como forma de reduzir as importações de petróleo (RAPPEL et al, 1984; SATHAYE, 1987). Entretanto, foi somente depois da Conference on New and Renewable Source Energy, ocorrida em Nairobi, em 1981, promovida pelas das Nações Unidas, que muitos países passaram a desenvolver sistemas energéticos mais adequados às suas realidades (DEUDNEY & FLAVIN, 1983). Nesse contexto, a descentralização dos sistemas energéticos, baseada no uso de fontes renováveis de energia, passou a ser vista como uma alternativa aos modelos de eletrificação rural via conexão à rede, sob a argumentação de que os sistemas descentralizados são mais adequados à realidade local, principalmente no que se refere às variáveis de micro escala, onde atuam fatores ecoculturais e socioeconômicos (SINHA et al, 1994), bem como ao atendimento da baixa demanda energética, por serem menos dispendiosos do que a eletrificação rural tradicional, pois esta necessita de investimentos elevados (RANGANATHAN, 1993); e por promoverem a substituição dos derivados de petróleo (SACHS, 1986). Entretanto, a descentralização dos sistemas energéticos baseados

em fontes renováveis parece ser mais interessante apenas na produção e consumo de energia em pequena escala (MCLAUGHLIN et al, 1979 apud HURLEY, 1981; GOLDENBERG, 1981e SINHA; KANDAL, 1991). Sem nenhuma dúvida, há um certo consenso na argumentação de que os sistemas energéticos descentralizados, que utilizam fontes de energia locais, têm boas perspectivas para o atendimento das necessidades básicas de pequenas comunidades rurais (SINHA et al, 1994), embora, hoje, esse consenso sobre o uso exclusivo de fontes renováveis já não exista, em virtude da atratividade econômica dos derivados de petróleo, bem como em função de problemas vinculados à confiabilidade dos sistemas energéticos. A discussão sobre o processo de descentralização dos sistemas energéticos envolve além do tipo de energia a ser utilizado, renováveis e/ou derivados de petróleo, questões político-institucional, socioeconômica e ambiental. BRINKMANN (1985) analisou a tentativa chinesa de implementar um modelo de planejamento energético mais descentralizado, com maior autonomia para os níveis regionais, locais e unidades de produção, e observou que três aspectos podem inibir o processo de descentralização: • A coexistência de elementos tanto da centralização quanto da descentralização no planejamento energético. • A ausência de responsabilidade parcial nas áreas de atuação, que pode impedir o desenvolvimento da interdisciplinaridade por parte das instituições. • A fragmentação e a transição sem a estruturação dos vários subsetores, que envolvem questões funcionais e de responsabilidade.

Como forma de tornar mais autônomo o planejamento energético, ele sugere que os tomadores de decisão devem desenvolver uma base de informações que possa direcionar o planejamento energético e que seja completa, acessível e realizável. Outro ponto pouco abordado referente à descentralização dos sistemas energéticos diz respeito aos impactos ambientais locais, bem como suas conseqüências negativas na estrutura socioprodutiva das pequenas comunidades, que podem ocorrer devido à utilização dos recursos naturais. Por exemplo, SINHA et al (1994) apontam como uma das grandes restrições aos sistemas energéticos descentralizados, que visam o aproveitamento da biomassa florestal, aquelas áreas onde esses recursos estão ameaçados. Em relação aos sistemas fotovoltaicos, tem-se a possível contaminação dos sistemas ecológicos por chumbo, caso as baterias automotivas não sejam removidas do local, após o fim da vida útil. Esses impactos passam a ser mais significativos do que os impactos ambientais globais por terem implicações negativas não só nos ecossistemas nos quais as pequenas comunidades estão inseridas, mas, também, pelo fato de poderem provocar a desestruturação socioprodutiva dessas comunidades. Ressalta-se que as pequenas comunidades têm nos sistemas ecológicos as suas bases de sustento. Os programas de atendimento energético no Brasil No Brasil, desde a década de 70, tenta-se incorporar à metodologia de planejamento energético um estudo preliminar, que possibilite o conhecimento dos sistemas ecológicos locais e da estrutura organizacional das pequenas comunidades rurais, bem como das relações envolvidas nesse contexto. O levantamento de informações sociais, culturais, econômicas e ecológicas tem como objetivo principal garantir o sucesso dos programas de atendimento energético (RAULINO, 1978). Entretanto, a estratégia adotada na prática por

programas como o “Programa de Desenvolvimento Energético de Estados e Municípios PRODEEM”, que procura estimular a disseminação em massa de sistemas energéticos descentralizados, reflete uma grande dicotomia. Por um lado, divulga-se a idéia de que os sistemas energéticos descentralizados só devem ser implantados a partir de um profundo conhecimento do contexto que envolve as pequenas comunidades (MME, s.d.). Por outro, não é exigido que a implantação desses sistemas seja realizada mediante prévio planejamento energético, que possa indicar quais as alternativas energéticas mais adequadas em termos econômicos e ambientais para o atendimento da demanda, e não se discute a criação de mecanismos capazes de garantir a sustentabilidade do atendimento energético. Além disso, há uma evidente preferência às fontes renováveis, em relação aos grupos geradores a diesel, sob a frágil argumentação de que esses sistemas contribuem para as emissões globais de CO2, negligenciando os custos dessa alternativa e o uso de técnicas mitigadoras desse tipo de impacto, como atividades de reflorestamento. Esquecem-se os elaboradores de programas com essa tendência, que as fontes renováveis de energia também podem causar sérios impactos ambientais locais, podendo comprometer a base de sustento das comunidades atendidas. Sem um planejamento energético efetivo e a criação de mecanismos que garantam a sustentabilidade do atendimento energético, a essência de programas dessa natureza vai sempre apresentar uma pseudo-sustentabilidade. Na ambiciosa proposta do PRODEEM, previa-se que para 1996, o número total de projetos a serem implantados era de 300, beneficiando 120.000 pessoas. Para 1999, o número de projetos previstos chegaria a 5.000, com benefícios para 2.000.000. Em quatro anos, o governo esperava implantar 9.300 projetos em todo Brasil, com proposta de

atendimento para 3.720.000 pessoas e estimativa de gastos de US$ 110 milhões (MME, s.d.). É preciso ressaltar que a iniciativa de direcionar recursos financeiros para o atendimento energético das pequenas comunidades é extremamente válida nesse programa. O que merece crítica é a forma com que ele está sendo conduzido na prática. Quando não é realizado um planejamento energético criterioso, corre-se o risco de disponibilizar recursos financeiros para os programas energéticos sem que haja o retorno social esperado, pois esses programas são geralmente abandonados. Dessa forma, a importância do planejamento energético também reside em evitar que ocorram casos como o observado na Córsega (França), onde um projeto piloto fotovoltaico (44 kWp) foi abandonado após 8 anos de funcionamento em virtude da insatisfação dos moradores e déficit financeiro, do ponto de vista do consumidor ter sido esquecido, da fonte renovável ter limitado o comportamento do usuário e dos custos elevados de manutenção e operação do sistema (MOREIRA & PERI, 1993). Os programas que promovem a disseminação em massa de sistemas energéticos descentralizados, baseados no uso de fontes renováveis, como acontece hoje no Brasil, muitas vezes têm na sua essência a criação de mercados para novas tecnologias. Nesse sentido, ASHOWORTH (1979) apud GOLDENBERG (1981. p.106) comenta que “os motivos humanitários de auxiliar aos pobres rurais são combinados com o desejo de criar novos mercados. Isso é particularmente verdadeiro para tecnologias dispendiosas, como as células fotovoltaicas”. Qualquer programa de atendimento energético, direcionado às pequenas comunidades rurais, que tenha na sua essência os interesses de mercado, apresentará falhas, porque esses interesses geralmente sobrepõem-se aos objetivos sociais e ecológicos,

conseqüentemente não sendo capaz de resolver, na sua totalidade, o problema da exclusão energética observado no meio rural. Em síntese, pode-se afirmar baseado em GOLDENBERG (1981) que o programa de atendimento energético ideal para pequenas comunidades rurais não é aquele que utiliza tecnologias novas ou convencionais para a produção de energia, mas o que incorpora verdadeiras propostas de mudanças sociais. Conclusões Inegavelmente, a eletrificação rural é um elemento importante para o desenvolvimento socioeconômico da zona rural, embora ela por si só não seja determinante para a efetivação desse processo. Principalmente por contribuir para a melhoria da qualidade de vida no campo, tornase necessário modificar os critérios de viabilidade para a implantação de programas de eletrificação rural, incorporando aspectos sociais e ambientais, visando distribuir mais eqüitativamente os programas de eletrificação rural entre as regiões do país. É de fundamental importância a utilização do planejamento energético como ferramenta para a definição dos sistemas de oferta de energia, que devem ser escolhidos a partir de três diretrizes básicas: racionalidade econômica, racionalidade ambiental e sustentabilidade do atendimento energético. Essa postura poderá evitar que sistemas de atendimento energético venham a ser abandonados pouco tempo depois de suas implantações. Referências Bibliográficas BÔA NOVA, A.C. Energia e Classes sociais no Brasil. São Paulo, Loyola, 1985. p. 153233. BRASIL. MINISTÉRIO DAS MINAS E ENERGIA-MME. Programa de Desenvolvimento Energético de Estados e Municípios (Prodeem) – Documento básico. Brasília, s.d., s.p.

BRINKMANN, P.C. Towards descentralization: energy planning in Guangdong. Energy Policy, v.13, n. 4. p. 204-214, jun.1985. CORREIA, J. S. S. Eletrificação rural de baixo custo: avaliação e prática. São Paulo, Escola Politécnica – USP. Dissertação de mestrado. 1992. 242p. DE GOUVELLO, C. Problemática energética no campo. Primeira parte: análise dos limites da problemática energética convencional no caso das zonas rurais dos países em desenvolvimento. Reformulação incluindo o meio rural pouco ou não desenvolvido. In CONGRESSO BRASILEIRO DE ENERGIA, 6, Rio de Janeiro. 1993. Anais. Rio de Janeiro. COPPE-UFRJ/Clube de Engenharia, 1993. p. 235-239. DEUDNEY, D.; FLAVIN, C. Renewable energy: the power to choose. London, W.W. Norton & Company. 1983. p. 245-249. GOLDENBERG, J. Energy consumption and descentralized solutions. In AUER, P. (Ed.) Energy and the developing nations. New York. Pergamon Press. 1981. p. 98-109. HOURCADE, J.C. et al. Price equalization and alternative approaches for rural electrification. Energy Policy, v.18, n.19. p. 861-870, nov. 1990. HURLEY, J. Energy for rural development. In AUER, P. (Ed.) Energy and the developing nations. New York. Pergamon Press. 1981. p. 173-178. MOREIRA, J.G.S.; PERI, G. Energia elétrica para os sistemas isolados da energia fotovoltaico à eletrificação rural. O caso da central solar de Rondulinu-Paomia na Córsega/França. In CONGRESSO BRASILEIRO DE ENERGIA, 6, Rio de Janeiro. 1993. Anais. Rio de Janeiro. COPPE-UFRJ/Clube de Engenharia, 1993. p. 1013-1016. PEARCE, D.; WEBB, M. Rural electrification in developing countries: a reappraisal. Energy Policy, v.15, n.4, p. 329-338, aug. 1987. RAGANATHAN, V. Rural electrification revisited. Energy Policy, v.12, n.2. p.142-151, feb. 1993. RAPPEL, E. et al. Planejamento energético no meio rural: estudo-de-caso da região de Valença, BA. In CONGRESSO BRASILEIRO DE ENERGIA, 3, Rio de Janeiro. 1984. Anais. Rio de Janeiro. COPPE-UFRJ/Clube de Engenharia, 1984. p. 1267-1274. RAULINO, G. Centro de energia para pequenas comunidades. In CONGRESSO BRASILEIRO DE ENERGIA, 1, Rio de Janeiro. 1978. Anais. Rio de Janeiro. COPPE-UFRJ/Clube de Engenharia, 1978. p. 919-927. SACHS, I. Ecodesenvolvimento: crescer sem destruir. Trad. Eneida Araújo. São Paulo, Vértice. 1986. 207p. SATHAYE, J. A. Rural electricity in the Philippines planning issues. Energy Policy, v.15, n.4. p. 339-351, aug. 1987. SINHA, C.S.; KANDPAL, T.C. Descentralized v grid electricity for rural India: the factors economics. Energy Policy, v.19, n.5. p. 441-448, jun. 1991. SINHA, C.S. et al. Rural energy planning in India: designing effective intervention strategies. Energy Policy, v.22, n.5. p. 403-414, may 1994. TENDRIH, L. Experiências com sistemas de eletrificação de baixo custo: uma análise dos impactos sócio-econômicos. Rio de Janeiro. UFRRJ/ICHS. Dissertação de mestrado. 1990. Pré-impressão.

Related Documents


More Documents from ""

May 2020 9
May 2020 8
May 2020 5
May 2020 9
May 2020 10