Universidade Federal do Espírito Santo Departamento de Desenho Industrial Introdução à História do Cinema Brunella Caldeira Higor Ferraço Patrícia Vieira Priscilla Martins
Cartaz Eisenstein e a influência construtivista
Vitória – ES 2009
Apresentação O presente trabalho consiste na pesquisa sobre o Construtivismo Russo e suas influências no cinema e na produção de um cartaz para o filme O Encouraçado Potemkin, de Sergei Eisenstein. Para tanto, foram abordados o contexto e as características do movimento que vigoravam no início do século XX.
1. O construtivismo no cinema O construtivismo tem como características bem genéricas a extensa utilização de elementos geométricos, cores primárias, fotomontagem e tipografia sem serifa. Teve grande influência da arte e design modernos e se insere no contexto das vanguardas estéticas do início do século XX. Do ponto de vista das artes plásticas, usando uma acepção mais ampla da palavra, toda a arte abstrata geométrica do período entre as décadas de 20 a 40 pode ser, de forma abrangente, chamada de construtivista. No teatro, um de seus principais nomes foi o diretor Vsevolod Meyerhold; no cinema, o grande nome foi Sergei Eisenstein, com suas teorias sobre a montagem cinematográfica. Juntamente com a arte gráfica russa, o cinema foi o maior campo de aplicação das experimentações efetuadas nos movimentos de vanguarda precedentes. Além disso, contava ainda com a distinção de ser uma linguagem nova, e, portanto, sobre a qual pouquíssimos haviam teorizado a respeito. Além de ter influenciado fortemente o mundo inteiro com um cinema nunca antes visto, a Rússia também é a pátria de alguns dos maiores gênios do cinema. Dentre os principais diretores se destacam Lev Kuleshov, Vsevolod Pudovkin, Dziga Vertov, além de Eisenstein. Durante o período da guerra civil, a Rússia passava por grandes dificuldades econômicas. Um dos maiores problemas enfrentados pelos diretores de cinema era a obtenção de material virgem para ser utilizado, o que os levou a aprender diversas maneiras de reaproveitar as sobras não utilizadas de rolos de filme. Nesse contexto, surge o embrião das diversas teorias da montagem desenvolvidas no país: o “Efeito Kuleshov”, desenvolvido por Lev Kuleshov em uma de suas muitas experimentações ao articular um mesmo fotograma associado a imagens diferentes, obtendo, dessa forma, efeitos psicológicos diferenciados. Kuleshov percebeu, então, a montagem como característica essencial e única do cinema, e, a partir dessa noção e do posterior desenvolvimento de suas teorias, realizou seus filmes. Segundo uma visão construtivista, a partir da organização do material através da montagem, que, por sua vez, não deve manipulá-lo, mas revelá-lo, torná-lo inteligível, o cinema-máquina evolui rumo a uma cinematografia. O cinema é reconhecido como uma arte industrial, mecânica, anônima e ligada ao mundo real, o que é mostrado corresponde às coisas existentes e é destinado às massas. Aponta para a superação do estágio da cinematografia na época e do mau-uso ideológico e estético do cinema.
Dziga Vertov foi o mais radical dos cineastas russos. Fortemente influenciado pelo futurismo, era um grande exaltador do movimento, dos ritmos das cidades e da máquina; “viva a poesia da máquina acionada e em movimento (...)”. Em seu texto “Nós, variações do manifesto”, Vertov estabelece a linha básica de seu trabalho, a qual desenvolveria em seus próximos textos e em seus filmes. “O metro, o ritmo, a natureza do movimento, sua disposição rígida com relação aos eixos de coordenadas da imagem e, talvez, os eixos mundiais das coordenadas (três dimensões + a quarta, o tempo) devem ser estudados por todos os criadores do cinema”. Ataca fortemente a representação narrativa, proveniente do drama teatral, e, num ideal de homem novo “libertado da canhestrice e da falta de jeito, dotado dos movimentos precisos e suaves da máquina”, cria o conceito da “máquina-olho” e, consequentemente, o conceito do “cine-olho”. A máquina-olho, capaz de captar e experimentar o tempo e o movimento de um modo que o olho humano não é capaz, é ajudada pelo piloto-kinok, o engenheiro construtor do filme. “Graças a essa ação conjunta do aparelho liberto e aperfeiçoado e do cérebro estratégico do homem que dirige, observa e calcula, a representação das coisas, mesmo as mais banais, se revestirá de um frescor inusitado e digno de interesse”. Em seu texto “Nascimento do Cine-Olho”, de 1924, Vertov demonstra, por meio de metáforas, e de modo bastante místico, a idéia do cine-olho. “Por “Cine-Olho” entenda-se o que o olho não vê / como o microscópio e o telescópio do tempo / como o negativo do tempo (...) possibilidade de tornar visível o invisível, de iluminar a escuridão, de desmascarar o que está mascarado, de transformar o que é encenado em não-encenado, de fazer da mentira, a verdade”. 2. As influências de Eisenstein A principal referência de Eisenstein, para chegar ao trabalho cênico que é marco na história do cinema, veio do teatro sintético desenvolvido pelo diretor Vsevolod Meyerhold. Esse buscava um teatro simbólico, através da simplificação extrema de elementos que, em seu despojamento estilístico, pudesse revelar a “quintessência da vida”. Seu estilo evoluiu assim, de um teatro meramente simbólico à maneira expressionista, para uma síntese mais acabada a partir da objetividade visual do construtivismo. Eisenstein foi feliz na adaptação dos conceitos mais explorados por Meyerhold no teatro, que englobam desde o dinamismo dos textos futuristas de Maiakovski, até as atuações biomecânicas e a posterior síntese construtivista. Além desses, um dos principais recursos
utilizados pelo cineasta, em quase toda a sua produção, conhecido como “tipagem”, consiste na seleção de pessoas que apresentam tipos físicos naturalmente expressivos, mesmo não sendo atores, para atuarem. Esse método tinha como objetivo uma identificação imediata do espectador com o personagem apresentado, funcionando como uma representação psicológica da personagem. A tipagem não tinha como limite uma mera seleção dos atores. Assim como Meyerhold, Eisenstein também buscava um sentido objetivo para cada componente do filme: a história, as locações utilizadas, a dramatização das seqüências e as interpretações apresentavam um caráter simbólico alegórico, escolhido segundo a necessidade do diretor de dar uma forma estética global, unificada a seus filmes. Tem-se como exemplo sua grande obra, o Encouraçado Potemkin, no episódio que trata da revolta dos marinheiros, servindo como alegoria para a revolução de 1905; da mesma maneira que a cena da matança na escadaria de Odessa, representando a postura repressiva do governo czarista em relação à população do local. Das várias possibilidades que Eisenstein explorou no cinema, a montagem dos filmes foi a mais inovadora. Bastante influenciado pelo cinema de David Griffith, que havia inovado com o estilo de montagem paralela (alternância entre planos de duas sequências), Eisenstein explora a dualidade da montagem paralela de uma outra forma, onde o resultado da justaposição de planos é o ponto central e, não, os planos isolados por si. Instruído por Lev Kuleshov em seu início no cinema, o diretor sintetizou em sua obra os preceitos dramáticos de Meyerhold e as teorias do sentido do filme de Kuleshov. Partindo disso e de sua montagem, elaborou a idéia de “cinema intelectual”, deixando de lado um desenvolvimento harmônico dos quadros e se baseando em violentos choques de imagens, que tanto estimularia o espectador emocionalmente quanto pediria um exercício mental para compreender a totalidade de obra apresentada. Sendo assim, com o público envolvido na própria estrutura do filme, o espectador daria o sentido final. Para conseguir isso, o cineasta lançou mão de diversos recursos de edição como: associações, metáforas, comparações, sobreposições de imagens e recortes, entre outros. Criando, deste modo, um cinema construtivista, repleto de recortes angulosos e contraposições que sugeriam ritmos e harmonias que reiteravam sua intenção de realizar um “cinema dialético”.
3. O Encouraçado Potemkin (Bronenosiets Potiomkin, 1925) Eisenstein recebeu a incumbência honrosa de fazer um dos dois filmes destinados, oficialmente, a comemorar os vinte anos da revolução de 1905. O filme deveria mostrar todos os acontecimentos que marcaram aquele importante ano na história da Rússia dos czares, daí o seu título "O ano de 1905" e a Eisenstein, foi dada total autonomia. Apenas duas grandes imposições lhe foram feitas: que o filme não tivesse um final deprimente ou pessimista e que estivesse concluído a 20 de Dezembro desse ano. Eisenstein inicia então um longo trabalho de preparação do filme. Um argumento caudaloso escrito no decorrer do Verão de 1925, em colaboração com Nina Ferdinandova Agadznanova foi, no dizer do próprio cineasta, o resultado. A ação deveria iniciar-se com a guerra russo-japonesa e terminar com o levantamento de 1905 e incluía cenas rodadas em lugares tão diversos como Moscou, Leningrado, Baku, Odessa, a Sibéria, as montanhas do Cáucaso ou a Ásia Central, o que constituía um projeto demorado, desmesurado e impossível de levar a cabo. A rodagem inicia-se então em Leningrado, mas um contratempo imprevisível (o mau tempo) leva Eisenstein a interromper as filmagens e a partir para o sul (para Odessa, na Ucrânia) em busca do sol que faltava. Já em Odessa, Eisenstein decide fazer alterações profundas no seu projeto, aumentando a importância do levantamento a bordo do Encouraçado Príncipe Potemkin de Tauride (que no argumento original não ocupava mais que meia página) para se tornar o tema central do filme. O filme passa então a girar em torno de um só episódio, um episódio que contém em si toda a grandeza da epopéia de 1905. A rodagem, plena de incidentes, é feita a um ritmo febril, já que o tempo escasseia. A edição demora dois meses, durante os quais Eisenstein monta 15 mil metros de película para uma montagem definitiva de 1740 metros. Parece, de fato, quase impossível que um filme tão complexo como "O Encouraçado Potemkin" pudesse ter sido concebido, rodado e montado em apenas nove meses. A 21 de Dezembro de 1925 o filme estreou em pleno Teatro Bolshoi de Moscou, numa verdadeira noite de gala. Foi o maior triunfo de sempre para Eisenstein: o público aplaudiu e chamou-o ao palco por diversas vezes para felicitá-lo pela sua obra. Contudo, quando o filme foi lançado comercialmente, o seu sucesso foi bastante moderado, sendo que alguns críticos o consideraram como pouco mais que um mero documentário, raras vezes se erguendo para saudá-lo como merecia. As acusações de excesso de documentarismo em "O Encouraçado Potemkin" não serão totalmente infundadas, visto que alguns estudiosos da obra de Eisenstein afirmam que, por exemplo, a escola documental inglesa terá tido a sua origem na obra do
realizador russo. No estrangeiro o filme foi um sucesso retumbante: em Berlim é acolhido com tal êxito que o filme ocupa 25 salas de cinema só na capital e em outras 10 cidades do país (entre aqueles que o defenderam como um grande acontecimento estavam Max Reinhardt e Asta Nielsen). Em paris a censura proíbe-o durante 20 anos e a sua difusão é feita apenas através de círculos políticos de esquerda entre os quais os famosos "Amigos de Spartacus". Nos EUA o sucesso é também gigantesco, de tal modo que Chaplin chegou a afirmar que se tratava do "melhor filme do mundo". É, indubitavelmente, um filme inesquecível, considerado por diversas vezes como o melhor de sempre, estando a par de obras como "O nascimento de uma nação" (1916) de David Wark Griffith e "O mundo a seus pés" (1941) de Orson Welles, pelo passo em frente na arte do cinema que representaram e ainda hoje representam, inspirando um sem fim de novos talentos que despertam para a sétima arte. Pelo seu claro conteúdo ideológico, o filme permanece como um libelo contra a opressão violenta do regime sobre as massas populares, uma obra que desperta revolta em todos aqueles que vêem a magistral e mítica sequência da escadaria de Odessa. Em muitos países, como Portugal, o filme era um símbolo da liberdade almejada, um manifesto silencioso contra a opressão do governo fascista de Salazar. Mais do que um filme, "O Encouraçado Potemkin" transformou-se num mito contemporâneo e imortalizou Eisenstein como um dos maiores gênios de sempre da história da arte, a par de artistas como Pablo Picasso, Orson Welles, Frank Lloyd Wright e James Joyce. O filme foi montado com cinco episódios, cada um correspondendo a um andamento preciso, "onde a montagem deixa de ser a simples ligação de planos numa forma narrativa, para dar um ritmo cinematográfico de um tipo novo”. A sua estrutura rigorosa está dividida nos tais cinco atos, como o próprio Eisenstein definiu nas suas obras teóricas: ato I os homens e os vermes, ato II o drama no convés, ato III o morto clama por vingança, ato IV a escadaria de Odessa e ato V diante da esquadra. A obra organiza-se assim segundo duas linhas de força: uma particular, dizendo respeito à estrutura de cada um dos atos e uma geral, no que se refere à globalidade do filme. A primeira linha de força é constituída com base numa dimensão dialética: a uma situação inicial em que a tensão cresce, sucede sempre uma reação antitética. Assim, à descoberta da carne com vermes (Ato I) sucede uma reação de recusa em comer; à tentativa de execução sumária (Ato II) sucede à revolta dos marinheiros; à tristeza pela morte de Vakoulintchouk (Ato III) sucede o comício e a expressão da solidariedade do povo de Odessa; à confraternização popular (Ato IV) sucede a repressão sangrenta; finalmente, à expectativa de confronto com a esquadra naval (Ato V), sucede a recusa desta em disparar e a
passagem triunfal do "Potemkin". Aqui está a tal dimensão dialética, criada a partir de situações de choque e tensão emocional dentro de cada um dos cinco atos que, entre si, criam também uma significação global e uma emotividade muito forte, fruto da alternância entre momentos de violência e de calmaria. A estrutura do filme como um todo nasce "com base numa gradação qualitativa que cada ato representa em relação ao anterior”. O personagem do herói individual é praticamente inexistente no filme, e em seu lugar surge a massa como a principal protagonista, que se manifesta em duas “personagens”: o Encouraçado e a Cidade. O drama desenrola-se então, a partir do diálogo entre esses personagens coletivos e de sua união. O filme é também possuidor de um rigor estrutural magnífico. A composição plástica de cada plano, onde são detectáveis alguns elementos geométricos que se apóiam no sentido geral da sequência onde se inserem, oferecendo largos motivos de análise. Mas é na montagem e na utilização do grande plano que "O Encouraçado Potemkin" revela os seus maiores trunfos e as suas grandes inovações. Nele estão presentes exemplos das suas concepções de montagem rítmica (sequência da escadaria de Odessa) e tonal (a sequência do nevoeiro). A montagem permitiu também a Eisenstein um inovador efeito de alteração da continuidade do tempo do filme. Temos um tempo psicológico (ou emocional) e um tempo físico, cronométrico. O cineasta faz variar o tempo fílmico em relação ao tempo real, sendo que a cena da escadaria de Odessa oferece, só por si, exemplos dessas duas violações do tempo real. Enquanto que na sequência no seu todo, o tempo fílmico excede o tempo real do acontecimento representado, alguns dos seus planos fazem a contração desse tempo real, num tempo fílmico que é menor: por exemplo, a colagem abrupta de um grande plano do rosto de uma mulher, seguido imediatamente, por outro onde se mostra o seu rosto ferido, sem passagem por um plano intermediário onde se mostrasse a causa daquele ferimento. Quanto à utilização dos planos, "O Encouraçado Potemkin" oferece-nos alguns exemplos inovadores. Aqui, "o grande plano já não é uma mera ilustração de um detalhe, mas, generalizadamente, um elemento de tensão (como nos rostos da escadaria) ou uma figura de estilo semelhante à sinédoque literária”. Substitui-se um elemento global por um elemento particular em que este contém em si a tipicidade que permite representar aquele. Eisenstein sabia que estava fazendo uma revolução na arte cinematográfica. Em suas reflexões sobre o cinema, ele confessa que a realização do filme levou-o ao êxtase do artista que encontra o momento emocionante da criação.
4. Sobre o cartaz Através da leitura de alguns cartazes sobre o filme, pode-se observar as características construtivistas utilizadas em suas produções. As cores primárias são predominantes, principalmente o vermelho e o amarelo; as formas geométricas são muito utilizadas tanto nas composições quanto na tipografia, que geralmente se apresenta sem serifa em uma sintaxe desconstruída propondo ritmos de leitura e, também, funcionando como imagem. A maioria dos cartazes observados apresentam a imagem do encouraçado como temática principal. Neste trabalho optou-se por adotar a cena da Escadaria de Odessa como base para o desenvolvimento do cartaz, pelo fato do filme ser uma encomenda do Partido Comunista em comemoração aos 20 anos do Levante de Odessa, considerado o marco que desencadeou, posteriormente, a Revolução Russa. Além disso, essa cena é considerada os “6 minutos mais influentes da história do cinema”.
5. Referências EISENSTEIN, Sergei. Reflexões de um cineasta. Lisboa: Arcádia, 1992. EISENSTEIN, Sergei. Da Revolução à Arte, da Arte à Revolução. Lisboa: Editorial Presença, 1974. EISENSTEIN, Sergei. O Couraçado Potemkin. São Paulo: Global Editora, 1982. RICKEI, George. Construtivismo: origens e evolução. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. CADERNO Cultural. Uma revolução artística em 1917. Disponível em: . Acesso em: 5 jul. 2009. WIKIPÉDIA. Construtivismo Russo. Disponível em: . Acesso em: 5 jul. 2009.