Material Didático Libras.pdf

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1

CONTRATOS E LICITAÇÕES

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UNIDADE 1 – Introdução UNIDADE 2 – Conhecendo a Surdez e Suas Implicações

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2.1 O processo da audição

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2.2 A surdez ao longo da história

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2.3 Evolução histórica da Educação de Surdos no Brasil

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2.4 A linguagem e a surdez

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2.5 A surdez – graus e classificações

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UNIDADE 3 – Deficiência Auditiva/Surdez

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3.1 Diagnóstico da deficiência auditiva

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3.2 Classificação das perdas auditivas

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3.3 Identificando crianças com surdez

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UNIDADE 4 – As Identidades Surdas – Categorizando As Pessoas Surdas

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4.1 Identidade política

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4.2 Identidades surdas híbridas

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4.3 Identidades surdas flutuantes

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4.4 Identidades surdas embaraçadas

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4.5 Identidades Surdas

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4.6 Identidades surdas de diáspora

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4.7 Identidades surdas intermediárias

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UNIDADE 5 – A Língua de Sinais

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5.1 A Língua Brasileira de Sinais

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5.2 Datilologia ou Alfabeto manual

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UNIDADE 6 – Filosofias Educacionais/Propostas de Ensino

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6.1 Educação Bilíngue

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46 REFERÊNCIAS 49 ANEXOS

SUMÁRIO

2

3

UNIDADE 1 – Introdução A voz dos surdos são as mãos e os corpos que pensam, sonham e expressam. As línguas de sinais envolvem movimentos que podem parecer sem sentido para muitos, mas que significam a possibilidade de organizar as ideias, estruturar o pensamento e manifestar o significado da vida dos surdos. Pensar sobre a Surdez requer penetrar no “mundo” dos surdos e “ouvir” as mãos que com alguns movimentos nos dizem o que fazer para tornar possível o contato entre os mundos envolvidos. Permita-se a “ouvir” estas mãos. Somente assim será possível mostrar aos surdos como eles podem “ouvir” o silêncio da palavra. Ronice Quadros Com a epígrafe acima convidamos vocês a se permitirem penetrar no mundo dos surdos, despojados de qualquer preconceito, e ouvi-los, para que juntos possamos fazer uma caminhada em prol da prevalência da cidadania a que todos temos direito. O título deste módulo “Introdução à Língua de Sinais” não traduz fielmente o que buscamos, visto que nossa proposta não é ensinar a língua de sinais, mas despertá-los para os meandros desta língua, o que passa necessariamente por conhecermos a surdez e suas implicações, que por sua vez nos levam a compreender a priori o processo da audição. A surdez ao longo da história também enriquecerá nossa compreensão, digamos, em termos políticos e de cidadania, pois veremos os avanços e retrocessos vividos

por essa parcela da sociedade. Uma unidade foi dedicada à surdez enquanto deficiência, seu diagnóstico, a classificação das perdas auditivas e a identificação de crianças com surdez para que possamos ajudar a construir uma história diferente para elas. As identidades surdas; propostas de ensino partindo da educação monolíngue até a educação bilíngue; a língua de sinais propriamente dita completam nossos estudos neste primeiro momento. Não poderíamos nos furtar a ilustrar este tipo de comunicação, portanto, ilustrações variadas ajudarão a visualizar a comunicação entre os surdos e estes para conosco, principalmente nos demais módulos. Ressaltamos em primeiro lugar que embora a escrita acadêmica tenha como premissa ser científica, baseada em normas e padrões da academia, fugiremos um pouco às regras para nos aproximarmos de vocês e para que os temas abordados cheguem de maneira clara e objetiva, mas não menos científicos. Em segundo lugar, deixamos claro que este módulo é uma compilação das ideias de vários autores, incluindo aqueles que consideramos clássicos, não se tratando, portanto, de uma redação original e tendo em vista o caráter didático da obra, não serão expressas opiniões pessoais. Em especial no tocante à LIBRAS, as pesquisadoras do mundo da LIBRAS, Márcia Honora, Mary Lopes Esteves Frizanco; Lucinda Ferreira Brito; Ronice Müller de Quadros e Lodenir Becker Karnopp, serão nossas guias em todos os módulos. Ao final do módulo, além da lista de refe-

4 rências básicas, encontram-se outras que foram ora utilizadas, ora somente consultadas, mas que, de todo modo, podem servir para sanar lacunas que por ventura venham a surgir ao longo dos estudos.

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UNIDADE 2 – Conhecendo a Surdez e Suas Implicações Dois passos básicos, mas importantes para trabalhar com alunos surdos e surdos-mudos são: compreender o processamento normal da audição, que inclui o conhecimento das estruturas anatômicas do ouvido humano e de seu funcionamento e conhecer a surdez ao longo da história para percebermos os avanços e retrocessos que essas pessoas sofreram ao longo da existência humana. É através da audição que aprendemos a identificar e reconhecer os diferentes sons do ambiente. As informações trazidas pela audição, além de funcionarem como sinais de alerta, auxiliam o desenvolvimento da linguagem, possibilitando a comunicação oral com nossos semelhantes. Vamos então ao primeiro passo a ser dado? Conhecer o processo da audição!

2.1 O processo da audição O som é um fenômeno resultante da

movimentação das partículas do ar. Qualquer evento capaz de causar ondas de pressão no ar é considerado uma fonte sonora. A fala, por exemplo, é o resultado do movimento dos órgãos fonoarticulatórios, que por sua vez provoca movimentação das partículas de ar, produzindo então o som. Perceber, reconhecer, interpretar e, finalmente, compreender os diferentes sons do ambiente só é possível graças à existência de três estruturas que funcionam de forma ajustada e harmoniosa, constituindo o sistema auditivo humano. O ouvido humano é composto por três partes: uma, é externa; as outras duas (internas) estão localizadas dentro da caixa craniana. A orelha é uma obra de arte de engenharia que consiste em três partes: orelha externa, orelha média e orelha interna (HONORA; FRIZANCO, 2008).

6 A parte externa, também chamada de ouvido externo, compreende o pavilhão auricular (orelha), o conduto auditivo e a membrana timpânica. Essa estrutura tem por função receber as ondas sonoras, captadas pela orelha e transportá-las até a membrana timpânica ou tímpano, fazendo-a vibrar com a pressão das ondas sonoras. A membrana timpânica separa o ouvido externo do ouvido médio. O pavilhão auricular é uma estrutura externa semelhante a um funil, feita de cartilagem e pele que tem a função de captar as ondas sonoras e as desviar para dentro do conduto auditivo externo, que é o corredor que encaminha, amplificando a onda sonora até o tímpano, o qual vibra como se fosse o couro de um tambor. No ouvido médio, ou seja, na face interna no tímpano, que é uma câmara cheia de ar, estão localizados três ossos muito pequenos (martelo, bigorna e estribo). Esses ossículos são presos por músculos, conectados entre si, tendo por função mover-se para frente e para trás, colaborando no transporte das ondas sonoras até a parte interna do ouvido. Esses ossos recebem esses nomes pela semelhança que têm com esses objetos. Os ossículos unem o tímpano à janela oval, uma abertura no revestimento ósseo da cóclea. Ainda na orelha média, está localizada a tuba auditiva que é a nossa ligação entre o ouvido, o nariz e a garganta. É o que nos dá a sensação de sentir o gosto de alguns remédios quando os pingamos no nariz. A porção interna do ouvido, também denominado ouvido interno, é muito especial. Nela estão situados: a cóclea (es-

trutura que tem o tamanho de um grão de feijão e o formato de um caracol), os canais semicirculares (responsáveis pelo equilíbrio) e o nervo auditivo. É nessa porção do ouvido que ocorre a percepção do som. Em razão de termos essa tuba auditiva que liga nossa garganta à orelha média, pode-se acumular pus nessa região, devido às infecções de ouvido (otites), por uso indevido de mamadeiras e amamentação dada para o bebê enquanto ele está deitado. Por este motivo, também podem ocorrer lesões no tímpano devido ao seu rompimento para a saída desse líquido. Muitas crianças em idade escolar apresentam este problema, o que pode diminuir sua atenção auditiva e consequentemente causar deficiência auditiva. No conduto auditivo externo, temos a presença de pelos e de certas glândulas que produzem cera para proteger a orelha; portanto, a limpeza exagerada desse local pode causar danos e até lesões sérias na audição. Vale lembrar também que, quando o tímpano, ou a membrana timpânica, é perfurada, podemos ter perda de audição e até ser submetidos a uma cirurgia de enxerto para a sua reconstrução. O processo de decodificação de um estímulo auditivo tem início na cóclea e termina nos centros auditivos do cérebro, possibilitando a compreensão da mensagem recebida. Qualquer alteração ou distúrbio no processamento normal da audição, seja qual for a causa, tipo ou grau de severidade, constitui uma alteração auditiva, determinando, para o indivíduo, uma diminuição da sua capacidade de ouvir e perceber

7 os sons (GOMES, 2006). Enfim, é por meio da audição que conseguimos identificar e reconhecer os diferentes sons do ambiente, além de podermos nos comunicar com nossos semelhantes. A cóclea é a estrutura do ouvido pela qual ouvimos. Ela é do tamanho de uma ervilha e é nela que estão localizados os receptores auditivos. Quando as ondas sonoras fazem o tímpano vibrar, essas vibrações são transmitidas para os ossículos que, por sua vez, produzem uma ação semelhante à de uma alavanca, transmitindo e amplificando as vibrações para a membrana que reveste a janela oval da cóclea. A cóclea, que tem esse nome porque parece um caracol, é uma estrutura oca e os compartimentos desse espaço são preenchidos por líquido, onde há uma membrana fina denominada membrana basilar, na qual estão inseridas as células ciliadas (cílios), que são nossos receptores auditivos, que são estruturas com terminações nervosas capazes de converter as vibrações mecânicas (ondas sonoras) em impulsos elétricos, os quais são enviados ao nervo auditivo e deste para os centros auditivos do cérebro.

O processo funciona da seguinte forma: o som entra pela orelha externa, passa pelo conduto auditivo externo, onde é amplificado e faz com que a membrana timpânica vibre. A membrana timpânica vibra e faz com que os ossículos (martelo, bigorna e estribo) também vibrem como numa alavanca. Os ossículos amplificam e transmitem as vibrações para a janela oval posicionada na entrada da cóclea. Na cóclea, as células ciliadas se movimentam e transformam os sons recebidos em impulsos elétricos que caminham até o cérebro pelo nervo auditivo. No cérebro, estes impulsos elétricos são codificados e “entendidos” pela pessoa. Enfim: uma estrutura bem complexa! Temos em média 15 mil células ciliadas em nossa orelha interna. A boa notícia é que elas são muito numerosas e a péssima notícia é que elas não nascem mais, não se regeneram. Como bem explicam Honora e Frizanco (2008), toda vez que formos a um show de heavy metal e, ao chegarmos em casa, escutarmos nosso ouvido apitar, significa que algumas de nossas células ciliadas estão morrendo. O som tem três dimensões físicas: frequência, amplitude e complexidade, como demonstra a tabela a seguir.

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Embora o som seja transmitido a uma velocidade de cerca de 330 metros por segundo, as ondas sonoras variam no que se refere à taxa de vibração, conhecida como frequência. Mais precisamente, a frequência se refere ao número de ciclos de uma onda, completados em um determinado período. As frequências das ondas sonoras são medidas em unidade de ciclos por segundo, denominada hertz (Hz). Um hertz é um ciclo por segundo, 50 hertz são 50 ciclos por segundo, e assim por diante. Os sons que percebemos como graves têm frequências baixas (poucos ciclos por segundo) e os que percebemos

como agudos têm frequências elevadas (muitos ciclos por segundo). Podemos perceber os sons apenas dentro de um intervalo limitado de frequência. Para os humanos, esse intervalo se estende de aproximadamente 20 a 20.000 hertz. Como os humanos, muitos animais produzem algum tipo de som para se comunicar, o que significa que devem possuir sistemas auditivos designados para interpretar os sons típicos de sua espécie. Os intervalos das frequências sonoras que as diferentes espécies usam variam muito. Na figura a seguir, podemos observar essas diferenças.

9 As rãs ouvem apenas uma faixa muito estreita de frequências, enquanto as baleias e os golfinhos ouvem uma faixa mais ampla. Embora nos humanos a faixa de audição seja bastante extensa, com um pico de cerca de 2.000 hertz, não somos capazes de perceber muitos dos sons que outros animais podem produzir e ouvir. Além da frequência, a amplitude pode causar uma diferença no tom percebido. A amplitude é o termo que se refere à magnitude da mudança na densidade de moléculas de ar. O aumento na compressão de moléculas de ar eleva a quantidade de

Temos também o sistema vestibular que nos informa sobre nossa localização em relação à gravidade, sobre a aceleração e a desaceleração de nossos movimentos e sobre as alterações na direção

energia em uma onda sonora, o que faz o volume do som parecer mais alto – mais amplificado. A amplitude do som geralmente é medida em decibéis (dB), medida que descreve a potência de um som em relação à intensidade de referência padronizada. Sons superiores a aproximadamente 70 decibéis são percebidos como altos, enquanto os inferiores a 20 decibéis são considerados baixos. Os sons da fala normal estão em cerca de 40 decibéis. A união dessas duas propriedades do som está ilustrada no gráfico a seguir:

do movimento. Também nos permitem ignorar a influência desestabilizadora que nossos movimentos poderiam exercer sobre nós. Por exemplo, quando estamos em pé em um ônibus, até mesmo os mo-

10 vimentos leves do veículo poderiam fazer com que perdêssemos o equilíbrio, mas não o fazem. Do mesmo modo, ao fazermos movimentos, evitamos um tombo com facilidade, apesar de deslocarmos o peso do corpo constantemente. Nosso sistema vestibular nos possibilita evitar o tombo.

2.2 A surdez ao longo da história Veremos, como nos contam Honora e Frizanco (2009), que foram muitos os preconceitos para com os Surdos e essa história remonta à Antiguidade quando sua educação variava de acordo com a concepção que se tinha deles. Para os gregos e romanos, em linhas gerais, o Surdo não era considerado humano, pois a fala era resultado do pensamento. Logo, quem não pensava não era humano. Não tinham direito a testamentos, à escolarização e a frequentar os mesmos lugares que os ouvintes. Até o século XII, os Surdos eram privados até mesmo de se casarem. Certa vez, Aristóteles afirmou que considerava o ouvido como o órgão mais importante para a educação, o que contribuiu para que o Surdo fosse visto como incapacitado para receber qualquer instrução naquela época. Na Idade Média, a Igreja Católica teve papel fundamental na discriminação no que se refere às pessoas com deficiência, já que para ela o homem foi criado à “imagem e semelhança de Deus”. Portanto, os que não se encaixavam neste padrão eram postos à margem, não sendo considerados humanos. Entretanto, isso incomodava a Igreja, principalmente em relação às famílias abastadas.

Nesta época, a sociedade era dividida em feudos. Nos castelos, os nobres, para não dividir suas heranças com outras famílias, acabavam casando-se entre si, o que gerava grande número de Surdos entre eles. Por não terem uma língua que se fizesse inteligível, os Surdos não iam se confessar. Suas almas passaram a ser consideradas mortais, pois eles não podiam falar os sacramentos. Foi então que ocorreu a primeira tentativa de educá-los, inicialmente de maneira preceptorial. Os monges que estavam em clausura, e haviam feito o Voto do Silêncio para não passar os conhecimentos adquiridos pelo contato com os livros sagrados, haviam criado uma linguagem gestual para que não ficassem totalmente incomunicáveis. Esses monges foram convidados pela Igreja Católica a se tornarem preceptores dos Surdos. A Igreja Católica tinha grande influência na vida de toda sociedade da época, mas não podia prescindir dos que detinham o poder econômico. Portanto, passou a se preocupar em instruir os Surdos nobres para que o círculo não fosse rompido. Possuindo uma língua, eles poderiam participar dos ritos, dizer os sacramentos e, consequentemente, manter suas almas imortais. Além disso, não perderiam suas posições e poderiam continuar ajudando a Santa Madre Igreja. É somente a partir do final da Idade Média que os dados com relação à educação e à vida do Surdo tornam-se mais disponíveis. É exatamente nesta época que começam a surgir os primeiros trabalhos no sentido de educar a criança surda e de integrá-la (ainda não é inclusão) na sociedade.

11 Até o século XV, os Surdos – bem como todos os outros deficientes – tornaram-se alvo da Medicina e da religião católica. A primeira estava mais interessada em suas pesquisas e a segunda, em promover a caridade com pessoas tão desafortunadas, pois para ela a doença representava punição. No ocidente, os primeiros educadores de Surdos de que se tem notícia, começam a surgir a partir do século XVI. Um deles foi o médico, matemático e astrólogo italiano Gerolamo Cardano (1501-1576), cujo primeiro filho era Surdo. Cardano afirmava que a surdez não impedia os Surdos de receberem instrução. Ele fez tal afirmação depois de pesquisar e descobrir que a escrita representava os sons da fala ou das ideias do pensamento. Pedro Ponce de Leon (1510-1584), monge beneditino que viveu em um monastério na Espanha, em 1570, também passou a usar sinais rudimentares para se comunicar, pois lá havia o Voto do Silêncio. Uma autora checa surda, Strnadová (2000), contou em seu livro que foi desta forma que se teve o registro da primeira vez que se fez uso do alfabeto manual: “Não conversavam entre si em voz alta, porém seus dedos tagarelavam. Eram monges, mas não eram bobos”. Honora e Frizanco (2009) acreditam que a privação de comunicação que existia neste mosteiro possibilitou a criação de outra forma de expressão, não muito diferente do que observam na convivência com os Surdos. Há registros de que uma família espanhola teve muitos descendentes Surdos por ter o costume, já mencionado anteriormente, de se casarem entre si para

não dividirem os bens com estranhos. Dois membros dessa família foram para o mosteiro de Ponce de Leon e lá, junto dele, deram origem à Língua de Sinais. Ponce de Leon foi tutor de muitos Surdos e foi dado a ele o mérito de provar que a pessoa Surda era capaz, contrariando a afirmação anterior de Aristóteles. Seus alunos foram pessoas importantes que dominavam Filosofia, História, Matemática e outras ciências, o que fez com que o trabalho de Leon fosse reconhecido em toda a Europa. Pelo pouco que restou de registro de seu método, sabe-se que seu trabalho iniciava com o ensino da escrita, por meio dos nomes dos objetos, e em seguida o ensino da fala, começando pelos fonemas. Os nobres, que tinham em sua família um descendente Surdo, começaram a educá-lo, pois os primogênitos Surdos não tinham direito à herança se não aprendessem a falar, o que colocava em risco toda a riqueza da família. Se falassem teriam garantidos sua posição e seu reconhecimento como cidadão. No século XVI, a grande revolução se deu pela concepção de que a compreensão da ideia não dependia da audição de palavras. Em 1620, o padre espanhol Juan Pablo Bonet (1579-1633), filólogo e soldado a serviço secreto do rei, considerado um dos primeiros preceptores de Surdos, criou o primeiro tratado de ensino de surdos-mudos (termo que se refere ao passado, hoje em desuso) que iniciava com a escrita sistematizada pelo alfabeto, que foi editado na França com o nome de Redação das Letras e Artes de Ensinar os Mudos a Falar. Bonet foi quem primeiro idealizou e

12 desenhou o alfabeto manual. Ele, em seu livro, destaca como ideia principal que seria mais fácil para o Surdo aprender a ler se cada som da fala fosse substituído por uma forma visível. Alguns estudiosos da língua também se dedicaram ao ensino dos Surdos e um exemplo é o holandês Van Helmont (16141699) que propunha a oralização do Surdo por meio do alfabeto da língua hebraica, pois, segundo ele, as letras hebraicas indicavam a posição da laringe e da língua ao reproduzir cada som. Helmont foi quem primeiro descreveu a leitura labial e o uso do espelho, que posteriormente foi aperfeiçoado por Amman. Jacob Rodrigues Pereira (1715-1780) foi um educador de Surdos português (emigrou para a França ainda criança) que, embora usasse a Língua de Sinais com fluência, defendia a oralização dos Surdos. Seu trabalho consistia na desmutização por meio da visão (usava um alfabeto digital especial e manipulava os órgãos da fala de seus alunos). Educou doze alunos, todos eles usuários de linguagem oral. Existem relatos que colocam em risco o seu método, ressaltando que ele era professor somente de alunos que não eram completamente Surdos o que facilitava a oralização. Temos alguns estudos que indicam que a escrita não era vista como inserção do sujeito na sociedade, mas sim como uma tentativa de substituir o que lhe faltava, a fala (HONORA; FRIZANCO, 2009). Johann Conrad Amman (1669-1724) foi um médico e educador de Surdos suíço que aperfeiçoou os procedimentos de leitura labial por meio de espelhos e tato, percebendo as vibrações da laringe, mé-

todo usado até hoje em terapias fonoaudiológicas. Para Amman, o foco do seu trabalho era o Oralismo, pois acreditava que os Surdos eram pouco diferentes dos animais, devido à incapacidade de falar. Acreditava que “na voz residiria o sopro da vida, o espírito de Deus” (MOURA, 2000). Era contra o uso da Língua de Sinais, acreditando que seu uso atrofiava a mente, impossibilitando o Surdo de, no futuro, desenvolver a fala por meio do pensamento. O segredo de seu método só foi descoberto após a sua morte. Relatos demonstram que usava o paladar para a aquisição da fala. No século XVII, era percebido o grande interesse que os estudiosos tinham pela educação dos Surdos, principalmente porque tinham descoberto que esse tipo de educação possibilitava ganhos financeiros, pois as famílias abastadas que tinham descendentes Surdos pagavam grandes fortunas para que seus filhos aprendessem a falar e escrever. Isso é observado em Thomas Braidwood (1715-1806), educador de Surdos inglês. Em 1760, fundou, em Edimburgo, a primeira escola na Grã-Bretanha como academia privada. Em 1783, transferiu-se para Londres e recomendou o uso de um alfabeto onde se utilizassem as duas mãos que ainda hoje está em uso na Inglaterra. Seus alunos aprendiam palavras escritas, seu significado, sua pronúncia e a leitura orofacial, além do alfabeto digital. Outras escolas que usavam o mesmo método que Braidwood eram organizadas por sua família e seu método era mantido em segredo para garantir seu monopólio. Quando Kinniburg (um de seus “discípulos”) aprendeu o método com Braidwood,

13 foi obrigado a manter segredo e pagar sempre metade do que ganhava ao “dono” do método. Certa vez, Kinniburg foi procurado por Thomas Gallaudet (1787-1851), educador ouvinte americano, que queria levar o método para os Estados Unidos, mas Kinniburg não aceitou a proposta. O abade Charles-Michel de L’Epée (1712-1789) foi um educador filantrópico francês que ficou conhecido como “Pai dos Surdos” e também um dos primeiros que defendeu o uso da Língua de Sinais. “Reconheceu que a língua existia, desenvolvia-se e servia de base comunicativa essencial entre os Surdos” (MOURA, 2000). L’Epée teve a disponibilidade de aprender a Língua de Sinais para poder se comunicar com os Surdos. Criou a primeira escola pública no mundo para Surdos em Paris, o Instituto Nacional para Surdos-Mudos, em 1760. L’Epée fazia demonstrações de seus alunos em praça pública, assim arrecadava dinheiro para continuar seu trabalho. Estas apresentações consistiam em perguntas feitas por escrito aos Surdos, confirmando que seu método era eficaz. L’Epée tinha grande interesse na educação religiosa dos Surdos e sabia que para isso era importante que fosse desenvolvida uma forma de comunicação que fizesse os conhecimentos sagrados possíveis. Referia-se à Língua de Sinais com respeito e a obra mais importante dele foi publicada em 1776 com o título A Verdadeira Maneira de Instruir os Surdos-Mudos. O século XVIII é considerado por muitos o período mais próspero da educação dos Surdos. Neste século, houve a fundação de várias escolas para Surdos. Além disso, qualitativamente, a educação do Surdo

também evoluiu, já que, através da Língua de Sinais, eles podiam aprender e dominar diversos assuntos e exercer diversas profissões. Chegamos à Idade Contemporânea quando os trabalhos realizados em instituições somente apareceram no final do século XVIII. Até esta época eram os preceptores (médicos, religiosos ou gramáticas) quem realizavam essa tarefa. Sabemos que, antes de 1750, a maioria dos Surdos que nasciam não era alfabetizada ou instruída. Em 1790, no lugar de L’Epée, Abbé Sicard (1742-1822) foi nomeado diretor do Instituto Nacional de Surdos-Mudos. Ele publicou dois livros: uma gramática geral e um relato detalhado de como havia treinado Jean Massieu (Surdo). Com a morte de Sicard, foi nomeado como diretor do Instituto seu discípulo Massieu, um dos primeiros professores Surdos do mundo. Esse fato fez desencadear uma grande disputa pelo poder, envolvendo outros dois estudiosos da surdez, Itard e Gérando, ocasionando o afastamento de Massieu da direção do Instituto. Jean-Marc ltard (1775-1838) foi um médico-cirurgião francês que se tornou médico residente do Instituto Nacional de Surdos-Mudos de Paris, em 1814. Ele estudara com Philipe Pinel, pai da Psiquiatria, e seguia os pensamentos do filósofo Condillac, para quem as sensações eram a base para o conhecimento humano e que reconhecia somente a experiência externa como fonte de conhecimento. Dentro desta concepção era exigida a erradicação ou a “diminuição” da surdez para que o

14 surdo tivesse acesso a este conhecimento (HONORA; FRIZANCO, 2009). ltard iniciou um trabalho com o Garoto Selvagem, em 1799, descrito no filme francês de 1970, O Garoto Selvagem, de François Truffaut. Trata-se de Victor, um menino encontrado nos bosques de Aveyron, por volta dos 12 anos de idade, deslocando-se de quatro, comendo bolotas de carvalho e levando uma vida de animal. Quando foi levado para Paris, em 1800, despertou um enorme interesse filosófico e pedagógico: Como ele pensava? Podia ser instruído? Itard trabalhou com o Garoto Selvagem por cinco anos e foi constatado que Victor nunca adquiriu linguagem, foi somente forçado a falar. A história de Victor é tão interessante que serviu de inspiração para um filme da Disney de nome Mogly, O Menino Lobo, clássico que muitos de nós já tivemos oportunidade de assistir. Segundo Moura (2000), Itard dedicou grande parte de seu tempo tentando entender quais as causas da surdez. Sua primeira constatação foi a de que a causa dela não era visível. Seus próximos passos foram dissecar cadáveres de Surdos, dar descargas elétricas em seus ouvidos, usar sanguessugas para provocar sangramentos e furar as membranas timpânicas de alunos, fazendo com que um deles fosse levado à morte e outros tivessem fraturas cranianas e infecções devido às suas intervenções. ltard nunca aprendeu a Língua de Sinais. Seu trabalho era todo voltado para a discriminação dos instrumentos musicais para posteriormente chegar à discriminação de palavras e criou o curso de articulação para surdos-mudos aproveitáveis. Após 16 anos de trabalho

incessante para chegar à oralização, Itard rendeu-se ao fato de que o Surdo só pode ser educado por meio da Língua de Sinais. O barão de Gérando era filósofo, administrador, historiador e filantropo. Ganhou a disputa pelo cargo de diretor do Instituto Nacional de Surdos-Mudos de Paris, mencionada anteriormente. Gérando acreditava na superioridade do povo europeu e sua intenção era equiparar os selvagens aos europeus. Para ele, os Surdos entravam na categoria de selvagens e sua língua era vista como pobre quando comparada à língua oral e não deveria ser usada na educação. Com esta concepção, os professores Surdos da escola foram substituídos pelos professores ouvintes e a oralização era seu principal objetivo. “Os sinais deveriam ser banidos da educação” (MOURA, 2000). Após anos de trabalho, reconheceu, antes de morrer, a importância do uso dos Sinais. A educação dos Surdos nos Estados Unidos aconteceu com mais dificuldade do que na Europa, visto que o acesso à metodologia inglesa sempre era negado. Assim aconteceu com Thomas Gallaudet quando foi visitar Braidwood e Kinniburg, que não revelaram seu método. Gallaudet então procurou L’Epée no Instituto Nacional de Surdos-Mudos de Paris. Ele foi aceito para fazer um estágio e conheceu Laurent Clerc (1785-1869), um professor Surdo da escola. Posteriormente, Gallaudet convidou Clerc para retomarem aos Estados Unidos em 1816 para fundarem a primeira escola pública para Surdos daquele país. Abriram a escola em abril de 1817 (Hartford School) devido às doações que receberam. (Honora e Frizanco nos levam a notar uma diferença de mais de

15 50 anos de atraso entre a mesma iniciativa na Europa.) A Língua de Sinais usada na escola era inicialmente a francesa e gradualmente foi sendo modificada para se transformar na Língua Americana de Sinais. O filho de Thomas Gallaudet, Edward Gallaudet, fundou em 1864 a primeira faculdade para Surdos, localizada em Washington. Após anos trabalhando com os Surdos, Edward resolveu fazer uma grande viagem, visitando outros países e outras instituições para verificar se seu método estava adequado. Voltou desta viagem apoiando o trabalho de Oralismo e adotou “como papel da escola fornecer treinamento em articulação e em leitura orofacial para aqueles alunos que poderiam se beneficiar deste treinamento” (MOURA, 2000). No mesmo ano em que foi instituído o Oralismo, Clerc, que sempre defendeu o uso da Língua de Sinais, faleceu (1869). O Oralismo foi a principal forma de educação dos Surdos nos 80 anos posteriores. A Universidade Gallaudet, como é chamada atualmente, é ainda a única escola superior de artes liberais para estudantes Surdos do mundo, e a primeira língua utilizada nas aulas da universidade foi a Língua de Sinais. Outro defensor do Oralismo foi Alexander Graham Bell (1847-1922), cientista e inventor do telefone. Ele era filho de Surda e casado com Mabel, que perdera a audição quando jovem. Oralizada, ela não gostava de estar na presença dos Surdos. Para ele, a surdez era um desvio. Os Surdos deveriam se passar por ouvintes encaixados num mundo ouvinte e um aluno Surdo

ter como professor um instrutor Surdo só serviria como empecilho para sua integração com a comunidade ouvinte. Bell acreditava que os Surdos deveriam estudar junto com os ouvintes, não como direito, mas para evitar que se unissem, que se casassem e criassem congregações. O fato de que os Surdos se casassem para ele representava um perigo para a sociedade. Criou o telefone em 1876, tentando criar um acessório para Surdos. Veditz, ex-presidente da Associação Nacional dos Surdos, ressalta que Bell foi considerado “o mais temido inimigo dos surdos americanos” (SACKS, 1990). As instituições de educação de surdos se disseminaram por toda Europa e, em 1878, em Paris, aconteceu o I Congresso Internacional de Surdos-Mudos, instituindo que o melhor método para a educação dos surdos consistia na articulação com leitura labial e no uso de gestos nas séries iniciais. Esta determinação somente durou dois anos, pois em 1880, em Milão, ocorreu o II Congresso Mundial de Surdos-Mudos, que promoveu uma votação para definir qual seria a melhor forma de educar uma pessoa Surda. A partir desta votação com os participantes do congresso, foi recomendado que o melhor método seria o oral puro, abolindo oficialmente o uso da Língua de Sinais na educação dos Surdos. Vale ressaltar que apenas um Surdo participou do congresso, mas não teve direito de voto, sendo convidado a se retirar da sala de votação.

As determinações do Congresso foram: a fala é incontestavelmente superior

16 aos Sinais e deve ter preferência na educação dos Surdos; o método oral puro deve ser preferido ao método combinado. A partir do II Congresso Internacional de Surdos-Mudos, o método oral foi adotado em vários países da Europa, acreditando-se que esta era a melhor maneira para o Surdo receber a instrução no ambiente escolar. Honora e Frizanco (2009) acreditam que esta foi uma fase de extrema importância para entendermos o processo que se deu na educação dos Surdos. Quando eles já estavam em uma situação diferenciada, sendo instruídos, educados e usuários de uma língua que lhes permitia conhecimento de mundo, uma determinação mundial lhes colocou de novo em uma posição submissa, proibindo-os, a partir daquela data, de usarem a língua que lhes era de direito. Concordamos com as autores quando inferem que a convivência entre pessoas surdas nos levam a perceber que se trata de uma comunidade que costuma, em sua maioria, conviver em “guetos”, optar por casamentos entre si e estudar com os iguais. Muitos se mostram desconfiados quando os ouvintes se aproximam, pois se consideram incompreendidos. É, claramente, um comportamento resultante de séculos de ações que levaram à segregação, submissão, enfim, submissão. No entanto, é esse passado que nos leva a buscar a igualdade baseada no tratamento desigual, mas justo. Os Surdos, muitas vezes, foram usados, deslocados e colocados em situação de desconforto social que lhes causou muito

sofrimento e tudo isso muito mais por não serem usuários de uma língua oral do que por serem Surdos. O que observamos fazendo esta retrospectiva histórica é que muitos estudiosos defensores do Oralismo, depois de uma vida de tentativas, resolveram aceitar o uso da Língua de Sinais como possibilidade para o Surdo (HONORA; FRIZANCO, 2009). Durante os 80 anos de proibição do uso de Sinais, os insucessos foram notados em todo o mundo. Os Surdos passavam por oito anos de escolaridade com poucas aquisições e saíam das escolas como sapateiros e costureiras. Os Surdos que não se adaptavam ao Oralismo eram considerados retardados. Não era respeitada a dificuldade de alguns Surdos por causa de sua perda de audição severa e profunda. As pessoas somente estavam interessadas em fazer com que o Surdo fosse “normalizado” e que desenvolvesse a fala para que assim ninguém precisasse mudar ou sair da sua situação confortável. Quem deveria mudar era o Surdo. O que não se entendia, até então, é que, para a grande maioria deles, não era organicamente possível. Na primeira avaliação sistemática do método oral, Binet e Simon (dois psicólogos criadores do teste de quociente de inteligência) concluíram que os Surdos não conseguiam realizar uma conversação, só podiam ser entendidos e entender aqueles a quem estavam acostumados (MOURA, 2000). O uso de Sinais só voltou a ser aceito como manifestação linguística a partir de 1970, com a nova metodologia criada, a

17 Comunicação Total, que preconizava o uso de linguagem oral e sinalizada ao mesmo tempo. Atualmente, o método mais usado em escolas que trabalham com alunos com surdez é o Bilinguismo, que usa como língua materna a Língua Brasileira de Sinais e como segunda língua, a Língua Portuguesa Escrita.

2.3 Evolução histórica da Educação de Surdos no Brasil No Brasil, a educação dos surdos teve início durante o Segundo Império, com a chegada do educador francês Hernest Huet, ex-aluno surdo do Instituto de Paris, que trouxe o alfabeto manual francês e a Língua Francesa de Sinais. Deu-se origem à Língua Brasileira de Sinais, com grande influência da Língua Francesa. Huet apresentou documentos importantes para educar os Surdos, mas ainda não havia escolas especiais. Solicitou, então, ao Imperador Dom Pedro II 1, um prédio para fundar, em 26 de setembro de 1857, o Instituto dos Surdos-Mudos do Rio de Janeiro, atual Instituto Nacional de Educação dos Surdos – INES. O Instituto inicialmente utilizava a Língua dos Sinais, mas em 1911 passou a adotar o Oralismo puro, seguindo a determinação do Congresso Internacional de Surdos-Mudos de Milão. Dr. Menezes Vieira, que trabalhou no Instituto, defendia este método afirmando que nas relações sociais o indivíduo Surdo usaria a linguagem oral e não a escrita, sendo esta secundária para ele. Além disso, ele 1  D. Pedro II tinha interesse na educação de Surdos devido ter um neto surdo, filho da princesa Isabel, que era casada com o conde D’Eu, parcialmente surdo.

tinha como convicção ser um desperdício alfabetizar Surdos num país de analfabetos. Para ele, “a fala seria o único meio de restituir o surdo-mudo na sociedade” (SOARES, 1999). O Instituto tinha vagas para 100 alunos do Brasil todo e somente 30 eram financiadas pelo governo, que oferecia educação gratuita. Os alunos tinham de 9 a 14 anos e participavam de oficinas de sapataria, encadernação, pautação e douração. O quarto diretor do Instituto, o médico Tobias Leite, apresentava um foco diferente do Dr. Menezes Vieira no que se refere à educação dos surdos. Para ele, o que era de primeira importância era a profissionalização, afirmando que “não tanto porque os surdos aprendem facilmente, mas porque são fidelíssimos executores das instruções e ordens do patrão” (SOARES, 1999). Entre os anos 1930 e 1947, o Instituto esteve sob a gestão do Dr. Armando Paiva Lacerda e foi durante esse período que foi desenvolvida por ele a Pedagogia Emendativa do Surdo-Mudo que mais uma vez destaca que o método oral seria a única maneira do Surdo ser incluído na sociedade. Nessa gestão foi instituído também que os alunos do Instituto passassem por aplicações de testes para verificar a inteligência e a aptidão para a oralização. Após estes testes, os alunos eram separados de acordo com suas capacidades. O objetivo era que as salas de aula fossem cada vez mais homogêneas, separadas de acordo com a seguinte classificação: surdos-mudos completos, surdos incom-

18 pletos, semissurdos propriamente ditos, semissurdos. A visão que este diretor tinha da educação dos Surdos pode ser demonstrada por meio da seguinte afirmação: “Separados os anormais em classes homogêneas suaviza-se sobremaneira a tarefa educativa que é muito mais difícil e ingrata em relação a estas crianças” (SOARES, 1999). Em 1951, assume a direção do Instituto a Profª Ana Rímoli de Faria Dória. O interessante é que após quase 100 anos de existência, essa era a primeira vez que um profissional da educação estava na direção deste Instituto. A grande inovação do período de sua gestão foi a implementação do Curso Normal de Formação de Professores para Surdos. Sendo o Instituto uma referência para todo o Brasil, recebia professores de todo o país para fazer o curso que tinha duração de três anos. A metodologia usada era toda voltada para o Oralismo. Na década de 1970, com a visita de Ivete Vasconcelos, educadora de surdos da Universidade Gallaudet, chegou ao Brasil a filosofia da Comunicação Total e, na década seguinte, a partir das pesquisas da professora linguista Lucinda Ferreira Brito sobre a Língua Brasileira de Sinais e da professora Eulalia Fernandes, sobre a educação dos surdos, o Bilinguismo passou a ser difundido. Atualmente, essas três filosofias educacionais ainda persistem paralelamente no Brasil. Outros institutos fizeram parte da história da educação dos Surdos no Brasil, como o Instituto Santa Teresinha, fundado em 1929, inicialmente em Campinas e transferido para São Paulo, em 1933. Até

o ano de 1970, funcionou como internato para meninas surdas, passando depois desta data a aceitar meninos Surdos e trabalhar com o conceito de integração no ensino regular. Atende atualmente até o Ensino Fundamental e é de natureza particular. Outra instituição é a Escola Municipal de Educação Especial Helen Keller, fundada em 1951 pelo então prefeito de São Paulo, Dr. Armando de Arruda Pereira. Outra instituição de suma importância é o Instituto Educacional São Paulo – IESP, fundado em 1954, foi doado em 1969 para a PUC/SP e atualmente é referência para pesquisas e estudos na área da deficiência auditiva. Honora e Frizanco (2009) ressaltam que o trabalho terapêutico com os Surdos e a sua capacidade de desenvolver a linguagem oral é possível. Tudo vai depender do seu resíduo auditivo, sua estimulação para a fala, o uso precoce de bons Aparelhos de Amplificação Sonora Individual e alguns outros fatores. Porém, são contrárias à privação de estímulos que pode prejudicar o desenvolvimento social, intelectual e emocional dos alunos, como é o caso da privação do uso de Sinais. Acreditam que o Oralismo é uma possibilidade, assim como o uso de Sinais também é. Cada caso deve ser avaliado individualmente e terá cuidados, ganhos e perdas diferentes. Acreditam ainda que os Surdos que puderem se desenvolver também pela linguagem oral terão algumas vantagens se comparados aos que se desenvolverem somente pela Língua de Sinais. Mas há que pensar que a pessoa que não desenvolveu a linguagem oral, muitas vezes, não fez isso porque não queria, mas sim por uma limitação orgâni-

19 ca, por falta de investimento terapêutico, etc. OPORTUNIDADE, como frisam as pesquisadoras, é a palavra-chave. É preciso oferecer oportunidades para que os Surdos se desenvolvam linguisticamente, pedagogicamente e como cidadãos. Se isso se der pela Língua de Sinais, estaremos lhes oferecendo essa possibilidade. Muitas outras escolas especiais foram importantes para a educação do Surdo no Brasil e no mundo. Hoje, temos de ter consciência de nosso papel como educadores, terapeutas e familiares das pessoas com surdez, de que temos de nos unir e nos empenhar para fazer com que essa barreira comunicativa possa, cada vez mais, se estreitar e possamos viver num mundo com as mesmas oportunidades para todos, independente de suas características (HONORA; FRIZANCO, 2009).

2.4 A linguagem e a surdez A linguagem permite ao homem estruturar seu pensamento, traduzir o que sente, registrar o que conhece e comunicar-se com outros homens. Ela marca o ingresso do homem na cultura, construindo-o como sujeito capaz de produzir transformações nunca antes imaginadas (LIMA et al., 2006). Apesar da evidente importância do raciocínio lógico-matemático e dos sistemas de símbolos, a linguagem, tanto na forma verbal como em outras maneiras de comunicação, permanece como meio ideal para transmitir conceitos e sentimentos, além de fornecer elementos para expandir o conhecimento. A linguagem, prova clara

da inteligência do homem, tem sido objeto de pesquisa e discussões. Ela tem sido “um campo fértil” para estudos referentes à aptidão linguística, tendo em vista a discussão sobre falhas decorrentes de danos cerebrais ou de distúrbios sensoriais, como a surdez. Com os estudos do linguista Chomsky, obteve-se um melhor entendimento acerca das línguas e do seu funcionamento. Suas considerações partem do fato de que é muito difícil explicar como a língua materna pode ser adquirida de forma tão rápida e tão precisa, apesar das impurezas nas amostras de fala que a criança ouve. Chomsky, junto com outros estudiosos, admite, ainda, que as crianças não seriam capazes de aprender a língua materna caso não fizessem determinadas suposições iniciais sobre como o código deve ou não operar. A palavra tem uma importância excepcional, no sentido de dar forma à atividade mental, e é fator fundamental de formação da consciência. Ela é capaz de assegurar o processo de abstração e generalização, além de ser veículo de transmissão do saber. Os indivíduos que ouvem parecem utilizar, em sua linguagem, os dois processos: o verbal e o não-verbal. A surdez congênita e pré-verbal pode bloquear o desenvolvimento da linguagem verbal, mas não impede o desenvolvimento dos processos não-verbais. Mas a teoria sobre a base biológica da linguagem admite a existência de um substrato neuroanatômico no cérebro para o sistema da linguagem. Portanto, todos os indivíduos nascem com predis-

20 posição para a aquisição da fala. Nesse caso, o que se deduz é a existência de uma estrutura linguística latente responsável pelos traços gerais da gramática universal (universais linguísticos). A exposição a um ambiente linguístico é necessária para ativar a estrutura latente e para que a pessoa possa sintetizar e recriar os mecanismos linguísticos. As crianças são capazes de deduzir as regras gerais e regularizar os mecanismos de uma conjugação verbal, por exemplo, embora às vezes, a dificuldade aparece, principalmente, no que se refere à percepção e à discriminação auditiva, o que traz transtornos à compreensão da língua oral. Outras vezes, a dificuldade é relativa à articulação e à emissão da voz, o que produz transtornos na emissão da língua oral. Tudo isso pode ou não ter relação com a surdez, visto que muitas crianças que apresentam dificuldades linguísticas não têm audição prejudicada. Por exemplo, a capacidade de processar rapidamente mensagens linguísticas – um pré-requisito para o entendimento da fala – parece depender do lobo temporal esquerdo do cérebro. Danos a essa zona neural ou seu desenvolvimento “anormal” geralmente são suficientes para produzir problemas de linguagem. Entretanto, já está comprovado cientificamente que o ser humano possui dois sistemas para a produção e reconhecimento da linguagem: o sistema sensorial, que faz uso da anatomia visual/auditiva e vocal (línguas orais) e o sistema motor, que faz uso da anatomia visual e da anatomia da mão e do braço (línguas de sinais). Estas são consideradas as línguas naturais dos surdos, emitidas por meio de gestos e

com estrutura sintática própria. Na aquisição da língua, as pessoas surdas utilizam o segundo sistema. Várias pesquisas já comprovaram que crianças surdas procuram criar e desenvolver alguma forma de linguagem, mesmo não sendo expostas a nenhuma língua de sinais. Essas crianças desenvolvem espontaneamente um sistema de gesticulação manual que tem semelhança com outros sistemas desenvolvidos por outros surdos que nunca tiveram contato entre si e com as línguas de sinais já conhecidas. Existem estudos que demonstram as características morfológicas e lexicais desses sistemas. A capacidade de comunicação linguística apresenta-se como um dos principais responsáveis pelo processo de desenvolvimento da criança surda em toda a sua potencialidade, para que possa desempenhar seu papel social e integrar-se verdadeiramente na sociedade (LIMA et al., 2006).

2.5 A surdez – graus e classificações Vimos até o momento uma breve introdução ao sistema auditivo, contamos a história dos Surdos ao redor do mundo, mas o que é surdez? A surdez consiste na perda maior ou menor da percepção normal dos sons. Verifica-se a existência de vários tipos de pessoas com surdez, de acordo com os diferentes graus de perda da audição. Com o avanço da genética, sabe-se que não é necessariamente obrigatório ter casos no contexto familiar, para que uma criança nasça surda. Basta acontecer uma anomalia genética que provoque a surdez

21 em um bebê de pais ouvintes, sem que se conheça nenhum parentesco com a situação (NOVAES, 2010).

d) De 71 a 90 db – surdez severa.

Em relação à etiologia, as causas da surdez podem ser classificadas, tais como:

f) Anacusia.

a) Pré-natais: provocada por fatores

genéticos e hereditários, bem como por doenças adquiridas pela genitora no processo de gestação (rubéola, toxoplasmose, citomegalovírus).

b) Perinatais: pelo fato de o parto se

dar de forma prematura, por falta de oxigenação no cérebro, imediatamente após nascer (anóxia cerebral), ou pelo parto ser marcado por traumas, como o uso inadequado de fórceps, partos excessivamente rápidos ou demorados. Podem ainda provocar surdez a sífilis, a má-formação de cabeça e pescoço, o herpes simples, a hiperbilirrubinemia, o nascimento com baixo peso, a meningite. Sob o aspecto da interferência na aquisição da linguagem e da fala, o déficit auditivo pode ser definido como perda média em decibéis, na zona conversacional (frequência de 500 – 1000 – 2000 hertz) para o melhor ouvido.

e) Acima de 91 db – surdez profunda. Pode-se analisar a surdez como unilateral (quando se dá em apenas um ouvido) ou bilateral (acometendo ambos ouvidos). Os graus de surdez são avaliados conforme a perda auditiva na zona conversacional do melhor ouvido. O audiômetro é um instrumento utilizado para se medir a sensibilidade auditiva das pessoas. Sendo uma privação sensorial, a surdez acaba por interferir totalmente na comunicação. Em relação ao desenvolvimento de uma criança, essa alteração pode acarretar várias implicações, conforme o grau de surdez, como, por exemplo:

a) Na surdez leve, a criança consegue

perceber os sons da fala, consegue adquirir e desenvolver a linguagem oral. O caso, normalmente, é diagnosticado já tardiamente e, por ser a audição próxima ao normal, não se coloca, normalmente, o aparelho auditivo.

b) Na surdez moderada, o desenvol-

O Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, em seu artigo 4°, inciso IV, com alterações feitas pelo Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004, traz a seguinte classificação dos graus de perdas auditivas, a saber:

vimento da fala e de uma linguagem da criança já se dá de uma forma mais gradual, com apresentação de alterações articulatórias por não perceber nitidamente todos os sons com precisão. Não se consegue também perceber a fala em ambientes com ruídos, possuindo dificuldades no aprendizado da leitura e da fala, além de ser desatenta.

a) De 25 a 40 decibéis (db) – surdez

c) Na surdez severa, a criança já tem

leve.

b) De 41 a 55 db – surdez moderada. c) De 56 a 70 db – surdez acentuada.

muitas dificuldades em adquirir fala e linguagem de forma espontânea e, em contexto familiar, pode vir a desenvolver algum vocabulário e necessitar do uso de

22 aparelho.

d) Na surdez profunda, dificilmente a

criança conseguirá desenvolver uma linguagem oral de forma concedida, só percebe sons intensos, como trovões, bombas, avião, e, quase sempre, faz uso da leitura orofacial, necessitando de aparelhos e de implantes cocleares.

Em relação ao período de aquisição da surdez, esta pode se dar de forma congênita, também conhecida como surdez pré-lingual, quando já se nasce com a surdez, ocorrendo antes da aquisição da linguagem, ou ainda de forma adquirida, quando se perde a audição já em vida, podendo ser pré-lingual ou pós-lingual, dependendo se a surdez se deu antes ou depois da aquisição da linguagem, respectivamente. Sacks (1990) citado por Bernardino (2000, p. 25) afirma que “a aquisição da linguagem deve ser introduzida tão cedo quanto possível ou seu desenvolvimento pode ser permanentemente retardado e prejudicado” Afirma ainda que, “no caso dos profundamente surdos, isso só pode ser feito com a língua de sinais”. Pela área da saúde e, tradicionalmente, pela área educacional, o indivíduo com surdez pode ser considerado:

Parcialmente surdo (com deficiência auditiva – DA): a) Pessoa com surdez leve – indiví-

duo que apresenta perda auditiva de até quarenta decibéis. Essa perda impede que o indivíduo perceba igualmente todos os fonemas das palavras. Além disso, a voz fraca ou distante não é ouvida. Em geral, esse indivíduo é considerado desatento, solicitando, frequentemente, a repetição

daquilo que lhe falam. Essa perda auditiva não impede a aquisição normal da língua oral, mas poderá ser a causa de algum problema articulatório na leitura e/ou na escrita.

b) Pessoa com surdez moderada –

indivíduo que apresenta perda auditiva entre quarenta e setenta decibéis. Esses limites se encontram no nível da percepção da palavra, sendo necessária uma voz de certa intensidade para que seja convenientemente percebida. É frequente o atraso de linguagem e as alterações articulatórias, havendo, em alguns casos, maiores problemas linguísticos. Esse indivíduo tem maior dificuldade de discriminação auditiva em ambientes ruidosos. Em geral, ele identifica as palavras mais significativas, tendo dificuldade em compreender certos termos de relação e/ou formas gramaticais complexas. Sua compreensão verbal está intimamente ligada a sua aptidão para a percepção visual.

Surdo: a) Pessoa com surdez severa – indi-

víduo que apresenta perda auditiva entre setenta e noventa decibéis. Este tipo de perda vai permitir que ele identifique alguns ruídos familiares e poderá perceber apenas a voz forte, podendo chegar até aos quatro ou cinco anos sem aprender a falar. Se a família estiver bem orientada pela área da saúde e da educação, a criança poderá chegar a adquirir linguagem oral. A compreensão verbal vai depender, em grande parte, de sua aptidão para utilizar a percepção visual e para observar o contexto das situações.

b) Pessoa com surdez profunda –

23 indivíduo que apresenta perda auditiva superior a noventa decibéis. A gravidade dessa perda é tal que o priva das informações auditivas necessárias para perceber e identificar a voz humana, impedindo-o de adquirir a língua oral. As perturbações da função auditiva estão ligadas tanto à estrutura acústica quanto à identificação simbólica da linguagem. Um bebê que nasce surdo balbucia como um de audição normal, mas suas emissões começam a desaparecer à medida que não tem acesso à estimulação auditiva externa, fator de máxima importância para a aquisição da linguagem oral. Assim, tampouco adquire a fala como instrumento de comunicação, uma vez que, não a percebendo, não se interessa por ela e, não tendo retorno auditivo, não possui modelo para dirigir suas emissões. Esse indivíduo geralmente utiliza uma linguagem gestual, e poderá ter pleno desenvolvimento linguístico por meio da língua de sinais. Atualmente, muitos surdos e pesquisadores consideram que o termo “surdo” refere-se ao indivíduo que percebe o mundo por meio de experiências visuais e opta por utilizar a língua de sinais, valorizando a cultura e a comunidade surda. A princípio, a língua materna é uma língua adquirida naturalmente pelos indivíduos em seu contexto familiar. Imersa no ambiente linguístico, qualquer criança ouvinte chega à escola falando sua língua materna, cabendo à escola apenas a sistematização do conhecimento. Como a maioria das crianças surdas não têm imersão linguística idêntica a dos ouvintes em suas famílias, a escola passa a assumir a função também de oferecer-lhe condições para aquisição da língua de si-

nais e para o aprendizado da língua portuguesa. As alternativas de atendimento para os alunos com surdez estão intimamente relacionadas às condições individuais do educando e às escolhas da família. O grau e o tipo da perda auditiva, a época em que ocorreu a surdez e a idade em que começou a sua educação são fatores que irão determinar importantes diferenças em relação ao tipo de atendimento a ser desenvolvido com o aluno, e em relação aos resultados. Quanto maior for a perda auditiva, maior será o tempo em que o aluno precisará receber atendimento especializado para o aprendizado da língua portuguesa oral. Tal perda, no entanto, não traz nenhum problema linguístico para o desenvolvimento e aquisição da língua brasileira de sinais – LIBRAS (LIMA et al., 2006).

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UNIDADE 3 – Deficiência Auditiva/Surdez Inicialmente, gostaríamos de distinguir deficiência auditiva e surdez, não só por uma questão didática, mas para facilitar o entendimento, caso as explicações anteriores não tenham sido muito claras. A deficiência auditiva acontece quando alguma das estruturas da orelha apresenta uma alteração, ocasionando uma diminuição da capacidade de perceber o som. Geralmente, o deficiente auditivo se comunica pela fala e apresenta uma perda auditiva de grau leve ou moderado. A surdez também é ocasionada por alguma alteração nas estruturas da orelha, ocasionando uma incapacidade em perceber o som. Geralmente o surdo se comunica por meio da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e apresenta uma perda auditiva de grau severo ou profundo. A deficiência auditiva e a surdez apresentam características bem diferentes, porém ambas ocasionam uma limitação para o desenvolvimento do indivíduo. Consideramos que a audição é fundamental para a aquisição da linguagem falada e sua deficiência pode ocasionar muita dificuldade nas relações sociais, psicológicas e na interação. A audição desempenha um papel principal e decisivo no desenvolvimento e na manutenção da comunicação por meio da linguagem falada, além de funcionar como um mecanismo de defesa e alerta contra o perigo que funciona 24 horas por dia, pois nossos ouvidos não descansam nem quando dormimos. As pessoas com surdez são extrema-

mente visuais, o que favorece o domínio de uma linguagem visual-espacial. Também é importante considerar as pessoas que apresentam resíduo auditivo e que, portanto, carecem de estímulos dessa natureza (FIOCRUZ, 2009). A Deficiência auditiva é considerada como a diferença existente entre o desempenho do indivíduo e a habilidade normal para a detecção sonora de acordo com padrões estabelecidos pela American National Standards Institute (ANSI - 1989). Considera-se, em geral, que a audição normal corresponde à habilidade para detecção de sons até 20 dB N.A. (decibéis, nível de audição) (FIOCRUZ, 2009).

3.1 Diagnóstico da deficiência auditiva Perda auditiva é a redução da audição em qualquer grau que reduza a inteligibilidade da mensagem falada para a interpretação apurada ou para a aprendizagem. Qualquer tipo de perda auditiva pode comprometer a linguagem, o aprendizado, o desenvolvimento cognitivo e a inclusão social da criança. Por estes motivos, o diagnóstico da deficiência auditiva deve ser o mais precoce possível (ROSLYN-JENSEN, 1996). Na criança, a perda auditiva tem peculiaridades quanto às causas, ao diagnóstico, e ao tratamento, que variam com a faixa etária. Isto deve ser do conhecimento dos pediatras, para que se possa suspeitar e diagnosticar o quadro o mais rapidamente possível. A atenção destes

25 profissionais deve estender-se desde o nascimento, em que predomina a surdez neurossensorial profunda, até os escolares, que apresentam déficits leves ou moderados, determinados por infecções da orelha média (VIEIRA; MACEDO; GONÇALVES, 2007). O diagnóstico de perda auditiva, assim como do grau e tipo, baseia-se na história atual e pregressa, focalizada na pesquisa de fatores de risco gestacionais, peri e pós-natais, no histórico de doenças infecciosas e respiratórias, na avaliação otorrinolaringológica, e nos testes audiológicos (ROESER, 2001; CARVALLO, 2003). Estes testes dividem-se em subjetivos e objetivos, e têm a indicação feita na dependência da idade da criança, e do grau de desenvolvimento neuropsicomotor global e cognitivo. Os testes subjetivos são menos precisos, pois dependem da resposta do paciente, o que pode interferir no resultado. Os testes têm o resultado influenciado pelo interesse, cognição e participação da criança, o que exige habilidade, experiência e paciência do examinador (FERREIRA, 2004; GARCIA, ISAAC, OLIVEIRA, 2002; CARVALLO, 2003). Por isso, esses exames devem ser realizados, preferencialmente, por profissionais com formação específica para esse fim, sendo o audiologista o mais capacitado. Os testes subjetivos mais importantes são a audiometria comportamental, a audiometria tonal e a vocal. A avaliação audiológica comportamental é realizada em neonatos e lactentes até os 2,5 anos. Baseia-se na observação das respostas comportamentais evidenciadas por estímulos acústicos instrumentais (instrumentos musicais de percus-

são), tons puros (audiômetro pediátrico) e sons verbais. As respostas esperadas são reflexas, como, por exemplo, reflexo cócleo-palpebral, procura da fonte sonora, cessação da atividade corporal, mudança na expressão facial e visual, choro, risos, entre outros. Os estímulos são apresentados em ordem decrescente de intensidade, sendo que os bebês de até três meses de vida devem estar em estado de sonolência e, após essa faixa etária, em estado de alerta (FERREIRA, 2004; GARCIA, ISAAC, OLIVEIRA, 2002; CARVALLO, 2003). A partir dos seis meses de vida, a avaliação audiológica pode ser feita através do audiômetro pediátrico, que possibilita noção aproximada do grau de perda auditiva. Ainda assim, este tipo de avaliação tem característica mais qualitativa do que quantitativa. As vantagens são baixo custo, fácil realização e aparelhagem pouco sofisticada (FERREIRA, 2004; GARCIA, ISAAC, OLIVEIRA, 2002; CARVALLO, 2003). A principal desvantagem é a suscetibilidade a interferências ambientais, como ruídos, pistas visuais e interferência dos pais. A audiometria tonal e a vocal buscam quantificar os limiares auditivos. A audiometria tonal afere a menor intensidade sonora capaz de gerar sensação auditiva na criança para tons puros, enquanto a audiometria vocal o faz para estímulos de fala (FERREIRA, 2004; GARCIA, ISAAC, OLIVEIRA, 2002; CARVALLO, 2003). Em função da complexidade de comandos, estas avaliações são indicadas para crianças a partir de 6 anos de idade. O equipamento utilizado consiste em cabina acústica, audiômetro, fones de ouvido,

26 material para reforço visual e brinquedos pedagógicos (VIEIRA; MACEDO; GONÇALVES, 2007). A audiometria condicionada é uma variante da audiometria vocal e tonal, que pode ser realizada em crianças a partir de dois anos de idade. O objetivo é fazer com que a criança faça a associação entre o estímulo sonoro apresentado e um estímulo visual de reforço. A audiometria lúdica é uma outra alternativa de teste possível para a faixa etária de dois a 6 anos, pois nesta faixa etária pode ser realizada de acordo com o desenvolvimento neuropsicomotor da criança. Por exemplo, a criança é solicitada a realizar um ato motor, como encaixar uma peça de um brinquedo, ao ouvir o estímulo acústico. Os testes audiológicos objetivos são mais precisos do que os acima citados e compreendem a imitanciometria, a avaliação das emissões otoacústicas e os potenciais auditivos evocados. A imitanciometria verifica a condução sonora pela orelha média através da mensuração e análise dos deslocamentos do sistema timpanossicular em resposta à variação da pressão do som. O exame emprega uma sonda que é colocada no conduto auditivo externo, que deve estar desimpedido de cerúmen. A imitanciometria não define limiar auditivo, e indica apenas se a condução do som está normal ou alterada na orelha média (FERREIRA, 2004; GARCIA, ISAAC, OLIVEIRA, 2002; CARVALLO, 2003) A avaliação das emissões otoacústicas (EOAT) busca, primordialmente, avaliar se a cóclea está com função normal, e para isto uma sonda é colocada no conduto auditivo externo. Após a produção de um estímulo sonoro específico – o click, a cóclea

deve produzir sons de frequências variadas, conforme o estímulo; estes são detectados pela sonda, e a seguir filtrados e amplificados pelo equipamento acoplado a um computador. O exame é indolor, não invasivo, rápido, de baixo custo, tem elevada sensibilidade, e a aparelhagem é portátil. Essas características tornaram a EOAT – Emissões Otoacústicas Evocadas por estímulo transiente – o mais adequado e utilizado para as triagens auditivas em recém-nascidos. Um resultado normal indica integridade da fisiologia coclear para o nível de audição social normal, que é de até 25 dBNA. Porém, um resultado alterado, em que as emissões otoacústicas estão ausentes, pode ser um falso-positivo. Neste caso, há a necessidade de se avaliar também a orelha média, visto que um simples acúmulo de cerume pode alterar o teste. Desta forma, no caso de ausência de respostas, o exame é repetido, e é realizada a imitanciometria para confirmação do resultado (FERREIRA, 2004; GARCIA, ISAAC, OLIVEIRA, 2002; CARVALLO, 2003). Alguns comportamentos são indicativos de perda auditiva, e devem suscitar a atenção dos pediatras e outros profissionais da saúde. São estes: pedidos frequentes para que se repitam frases, virar a cabeça em direção ao orador, falar com intensidade elevada ou reduzida, demonstrar esforço ao tentar ouvir, olhar e concentrar-se nos lábios da professora, ser desatento quando há debates na sala de aula, preferir o isolamento social, ser passivo ou tenso, cansar-se com facilidade, não se esforçar para demonstrar capacidade, ter dificuldade no aprendizado.

27 Alguns sinais e sintomas podem estar associados à perda auditiva e merecem atenção, como a respiração oral, tontura, otalgia e zumbido (ROESER, 2001; COSTA, FERREIRA, MARI, 1991). Também devem ter avaliação auditiva as crianças com dificuldades escolares de linguagem oral (confusões fonéticas, inversões, dissimulações e trocas na articulação), de linguagem escrita (trocas, dificuldades na expressão escrita e na leitura), e de outra natureza (dislexia, disfasia e alterações comportamentais); isto possibilita um diagnóstico mais precoce de parte dos casos (SANTOS et al., 2001). A perda auditiva na infância, mesmo leve, origina dificuldades escolares. Crianças com perdas auditivas discretas podem apresentar problemas de desenvolvimento de linguagem, dificuldades de leitura e distúrbios comportamentais (ROSLYN-JENSEN, 1996; ROESER, 2001; COSTA, FERREIRA, MARI, 2001). Estudos descrevem as consequências da perda auditiva bilateral de acordo com o tipo e grau da perda (ROSLYN-JENSEN, 1996; FERREIRA, 2004; ALMEIDA, SANTOS, 2003). Assim, a perda discreta com limiar audiométrico de 15 a 25 dB, causada mais frequentemente por impedimento condutivo, permite que a criança ouça os sons das vogais, mas dificulta a adequada percepção das consoantes. Quando se considera o nível de ruído presente no ambiente e a distância existente entre o falante e o ouvinte, esta criança pode perder de 25 a 40% do sinal de fala (ROSLYN-JENSEN, 1996; FERREIRA, 2004). A perda de audição leve com limiar au-

diométrico de 25 a 30 dB faz com que alguns sons da fala e consoantes sonoras não sejam percebidas. Geralmente, crianças com esta perda apresentam disfunção de aprendizado auditivo, retardo leve de linguagem e da fala, e falta de atenção (ROSLYN-JENSEN, 1996; FERREIRA, 2004; ALMEIDA, SANTOS, 2003). No sentido de superar estes problemas das crianças com perda auditiva leve, devemos facilitar a compreensão da fala pela proximidade do falante (local preferencial na sala de aula) e emprego de tecnologia auxiliar, como o uso de aparelhos auditivos individuais ou equipamentos de frequência modulada (ROSLYN-JENSEN, 1996; FERREIRA, 2004; ALMEIDA, SANTOS, 2003). A perda moderada da audição em limiares audiométricos de 30 a 50 dB é verificada em crianças com doenças crônicas de orelha média ou com perdas neurossensoriais. Com esses limiares, não se consegue ouvir a maioria dos sons da fala durante a conversação e apresenta problemas de articulação, como omissões, substituições e distorções na fala. Essas crianças podem se beneficiar com o uso de aparelho auditivo e local preferencial na sala de aula, além de necessitarem de treinamento auditivo e de leitura labial (ROSLYN-JENSEN, 1996; FERREIRA, 2004; ALMEIDA, SANTOS, 2003). Na perda auditiva severa (entre 50 e 70 dB) ou profunda (>70 dB), a criança não consegue perceber qualquer som da fala na conversação normal. Estas perdas auditivas graves são, geralmente, causadas por lesões neurossensoriais. A criança com perda auditiva severa apresenta problemas graves de fala (se não estiver em

28 uso de amplificação sonora), além de dificuldade de comunicação em grupo ou na presença de ruído. Necessitam, além do aparelho de amplificação sonora, de fonoterapia e treinamento de leitura labial (ROSLYN-JENSEN, 1996; FERREIRA, 2004; ALMEIDA, SANTOS, 2003). A criança com perda auditiva profunda não tem suficiente audição para propiciar o desenvolvimento espontâneo de fala e linguagem. Estas podem ser desenvolvidas por meio do treinamento extensivo e com amplificação sonora, dependendo da idade em que for iniciada a intervenção (ROSLYN-JENSEN, 1996; FERREIRA, 2004; ALMEIDA, SANTOS, 2003). Quanto mais precoce for o diagnóstico e o trabalho de (re)habilitação auditiva, mais próximo do normal será o desenvolvimento da fala e linguagem (ROSLYN-JENSEN, 1996; FERREIRA, 2004; ALMEIDA, SANTOS, 2003). Os efeitos da perda auditiva unilateral são menores do que os causados pela perda bilateral, porém, também podem ocasionar problemas. Em presença de ruído ambiental, as crianças com perda unilateral encontram maiores dificuldades que as ouvintes normais para compreender a fala, mesmo quando a orelha melhor está posicionada em direção à fala. Além disso, a localização espacial das fontes sonoras fica comprometida (ALMEIDA, SANTOS, 2003).

3.2 Classificação das perdas auditivas As perdas auditivas podem ser classificadas segundo o local do aparelho auditivo que apresenta disfunção, o acometi-

mento uni ou bilateral, e a intensidade ou grau. Quanto ao local do aparelho auditivo afetado, a perda auditiva pode ser de transmissão, percepção (neurossensorial) ou mista. As perdas auditivas que decorrem de alguma afecção das orelhas externa e média são denominadas de transmissão ou condutivas. As perdas neurossensoriais decorrem de lesões nas células ciliadas do órgão coclear de Corti (orelha interna) e/ou do nervo coclear. Quando há afecção condutiva e neurossensorial concomitantes, classifica-se a perda auditiva como mista. Quanto à intensidade da perda auditiva, o critério de classificação do grau depende de avaliação instrumental, e se baseia nas médias dos limiares audiométricos (ROESER, 2001). O grau discreto de perda auditiva tem como parâmetro limiares auditivos de 15 a 25 dB, o grau leve de 26 a 30, o grau moderado de 31 a 50 dB, a perda auditiva severa entre 51 e 70 dB, e a perda profunda >70 dB7 (VIEIRA; MACEDO; GONÇALVES, 2007). Reafirmando: são tipos de deficiência auditiva: a condutiva, sensório-neural, mista, central ou surdez central.

Condutiva: Quando ocorre qualquer interferência na transmissão do som desde o conduto auditivo externo até a orelha interna. A grande maioria das deficiências auditivas condutivas pode ser corrigida através de tratamento clínico ou cirúrgico. Essa deficiência pode ter várias causas, entre elas podem-se citar: corpos estranhos no conduto auditivo externo; tampões de cera; otite externa e média; malformação con-

29 gênita do conduto auditivo; inflamação da membrana timpânica; perfuração do tímpano; obstrução da tuba auditiva; entre outras.

Sensório-Neural: Quando há uma impossibilidade de recepção do som por lesão das células ciliadas da orelha interna ou do nervo auditivo. Esse tipo de deficiência auditiva é irreversível. A deficiência auditiva sensório-neural pode ser de origem hereditária, como problemas da mãe no pré-natal, tais como a rubéola, sífilis, herpes, toxoplasmose, alcoolismo, toxemia, diabetes, entre outros. Também podem ser causadas por traumas físicos, prematuridade, baixo peso ao nascimento, trauma de parto, meningite, encefalite, caxumba, sarampo, entre outros.

Mista: Quando há uma alteração na condução do som até o órgão terminal sensorial associada à lesão do órgão sensorial ou do nervo auditivo. O audiograma mostra geralmente limiares de condução óssea abaixo dos níveis normais, embora com comprometimento menos intenso do que nos limiares de condução aérea. Central ou Surdez Central: Este tipo de deficiência auditiva não é, necessariamente, acompanhado de diminuição da sensitividade auditiva, mas manifesta-se por diferentes graus de dificuldade na compreensão das informações sonoras. Decorre de alterações nos mecanismos de processamento da informação sonora no tronco cerebral (SNC). Em 1966, Davis e Silverman definiram os níveis de limiares utilizados para carac-

terizar os graus de severidade da deficiência auditiva que são: audição normal – limiares entre 0 a 24 dB nível de audição; deficiência auditiva leve – limiares entre 25 a 40 dB nível de audição; deficiência auditiva moderna – limiares entre 41 e 70 dB nível de audição; deficiência auditiva severa – limiares entre 71 e 90 dB nível de audição; deficiência auditiva profunda – limiares acima de 90 dB. Segundo a Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos – FENEIS, um indivíduo que já tenha nascido com deficiência auditiva pode levar um ano para aprender a linguagem de sinais. Já alguém que ouve bem ou que perdeu a capacidade auditiva depois de adulto, pode levar um pouco mais de tempo para aprender, por ter se habituado à linguagem oral (FIOCRUZ, 2009).

3.3 Identificando crianças com surdez O quadro abaixo distribui faixas etárias para identificar crianças com surdez, tomando por base estudos de Lima et al. (2006):

30 - o recém-nascido não reage a um forte bater de palmas, numa dis-

DO NASCIMENTO tância de 30 cm; AOS TRÊS ANOS - o recém-nascido desenvolve-se normalmente nas áreas que não DE IDADE:

envolvem a audição, quando propriamente estimulado. - a criança não procura, com os olhos, de onde vem um determinado DOS TRÊS AOS som; SEIS MESES DE - a criança não responde à fala dos pais; IDADE: - a criança pode interagir com os pais, se a abordagem for visual. - a criança não atende quando é chamada pelo nome, não atende a campainha da porta ou à voz de alguém; - a criança não entende frases simples como “não, não”, ou “até DOS SEIS AOS DEZ logo”; MESES DE IDADE: - a criança pode entender o que as pessoas estão “falando” com ela, se for utilizada a língua de sinais. - a criança não aponta objetos familiares ou pessoas quando interrogada em língua portuguesa oral; - a criança não imita sons e palavras simples; DOS DEZ AOS - a criança não reage ao “não, não”, ou ao nome, a menos que veja QUINZE MESES DE quem está falando; IDADE: - a criança não mostra interesse por rádio; - a criança aponta objetos familiares ou pessoas quando interrogada em língua de sinais. - a criança não obedece a instruções faladas, por mais simples que sejam; DOS QUINZE AOS - as primeiras palavras da criança, como “até logo”, “não, não”, não DEZOITO MESES se desenvolvem; DE IDADE: - a criança obedece a instruções dadas em língua de sinais; - a criança inicia sua linguagem gestual, sinalizada. - não há enriquecimento vocabular (via oral); - em vez de usar a fala, a criança gesticula para manifestar necessidades e vontades; - a criança observa intensamente o rosto dos pais, enquanto eles falam; DOS DEZOITO MESES AOS TRÊS - a criança não gosta de ouvir histórias; ANOS E MEIO DE - a criança tem histórico de dores de cabeça e infecções de ouvido; IDADE: - a criança parece desobediente a ordens dadas em língua portuguesa oral; - a criança desenvolve a língua de sinais, comunica seus desejos e necessidades, gosta de histórias narradas em língua de sinais e gosta de desenhos.

31 - a criança não consegue localizar a origem de um som; - a criança não consegue entender nem usar palavras simples em língua portuguesa oral, como: ir, mim (eu), em, grande, etc.; - a criança não consegue contar oralmente, com sequência, alguma DOS TRÊS ANOS E experiência recente; MEIO AOS CINCO - a criança não consegue executar duas instruções simples e conseANOS DE IDADE: cutivas, emitidas oralmente; - a criança não consegue levar adiante uma conversa simples em língua portuguesa oral; - a fala da criança é difícil de se entender; - tem dificuldade em prestar atenção a conversas em língua portuguesa oral; - não responde quando é chamada oralmente; - confunde direções ou não as entende, quando expressas em língua portuguesa; - frequentemente dá respostas erradas às perguntas formuladas oralmente; - não se desenvolve bem na escola, onde os conhecimentos são repassados somente em língua portuguesa oral; é morosa; - expressa-se confusamente quando recebe ordem ou quando lhe A CRIANÇA COM perguntam alguma coisa em língua portuguesa oral; MAIS DE CINCO - possui vocabulário pobre em língua portuguesa; ANOS DE IDADE: - substitui sons, omite sons e apresenta qualidade vocal pobre; - evita pessoas, brinca sozinha, parece ressentida ou irritada se não tem colegas que com ela interajam; - amanhece cansada; parece inquieta ou tensa quando o ambiente linguístico não lhe é conhecido; - movimenta a cabeça sempre para um mesmo lado, quando deseja ouvir algo, mostrando perda de audição em um dos ouvidos; - tem frequentes resfriados e dores de ouvido; - a criança conhece, entende e utiliza a LIBRAS.

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UNIDADE 4 – As Identidades Surdas – Categorizando As Pessoas Surdas São várias as maneiras pelas quais podemos identificar as pessoas surdas, principalmente por suas diferenças, as quais são facilmente observáveis. Vamos categorizá-las pela lente da primeira Doutora Surda do Brasil, Gladis Perlin, mas lembrando que somente com pretensões didáticas, sem intenção de classificá-las pejorativamente, ok?

4.1 Identidade política A identidade política é fortemente marcada e são mais presentes em surdos que pertencem à comunidade surda apresentando as seguintes características: possuem a experiência visual que determina formas de comportamento, cultura, língua, etc.; carregam consigo a língua de sinais. Usam sinais sempre, pois é sua forma de expressão. Eles têm o costume bastante presente que os diferencia dos ouvintes e que caracteriza a diferença surda: a captação da mensagem é visual e não auditiva; o envio de mensagens não usa o aparelho fonador, mas as mãos; aceitam-se como surdos; sabem que são surdos e assumem um comportamento de pessoas surdas. Entram facilmente na política com identidade surda, onde impera a diferença: necessidade de intérpretes, de educação diferenciada, de língua de sinais, etc.; passam aos outros surdos sua cultura, sua forma de ser diferente; cia;

assumem uma posição de resistên-

assumem uma posição que avança em busca de delineação de identidade cultural; assimilam pouco, ou não conseguem assimilar a ordem da língua falada, tem dificuldade de entendê-la; a escrita obedece à estrutura da língua de sinais, pode igualar-se a língua escrita, com reservas; tem suas comunidades, associações, e/ou órgãos representativos e compartilham entre si suas dificuldades, aspirações, utopias; usam tecnologia diferenciada – legenda e sinais na TV, telefone especial, campainha luminosa; tem uma diferente forma de relacionar-se com as pessoas e mesmo com animais.

4.2 Identidades surdas híbridas São os surdos que nasceram ouvintes e com o tempo alguma doença, acidente, entre outros, os deixou surdos: dependendo da idade em que a surdez chegou, conheceram a estrutura do português falado e o envio ou a captação da mensagem vez ou outra é na forma da língua oral; usam língua oral ou língua de sinais para captar a mensagem. Esta identidade também é bastante diferenciada, alguns não usam mais a língua oral e usam sinais sempre;

33 assumem um comportamento de pessoas surdas, por exemplo, usam tecnologia para surdos; convivem pacificamente com as identidades surdas; a escrita obedece a estrutura da língua de sinais, pode igualar-se à língua escrita, com reservas; assimilam um pouco mais que os outros surdos, ou não conseguem assimilar a ordem da língua falada, tem dificuldade de entendê-la; participam das comunidades, associações, e/ou órgãos representativos e compartilham com as identidades surdas suas dificuldades, políticas, aspirações e utopias; aceitam-se como surdos, sabem que são surdos, exigem intérpretes, legenda e sinais na TV, telefone especial, campainha luminosa, etc.; também tem uma diferente forma de relacionar-se com as pessoas e mesmo com animais.

4.3 Identidades surdas flutuantes Aqui encontramos os surdos que não tem contato com a comunidade surda. Para Karol Paden são outra categoria de surdos, por não contarem com os benefícios da cultura surda. Eles também têm algumas características particulares.

princípios da comunidade surda, às vezes, competem com os ouvintes, porque são induzidos no modelo da identidade ouvinte. Não participam da comunidade surda, associações e lutas políticas. Desconhecem ou rejeitam a presença do intérprete de língua de sinais. Orgulham-se de saber falar “corretamente”. Demonstram resistências à língua de sinais, cultura surda, visto que isto para eles representa estereotipo. Não conseguiram identificar-se como surdos, sentem-se sempre inferiores aos ouvintes; isto pode causar muitas vezes depressão, fuga, suicídio, acusação aos outros surdos, competição com ouvintes, há alguns que vivem na angústia no desejo contínuo de ser ouvintes. São as vítimas da ideologia oralista, da inclusão, da educação clínica, do preconceito e do preconceito da surdez. São surdos, quer ouçam algum som, quer não ouçam, persistem em usar aparelhos auriculares, não usam tecnologia se surdos.

4.4 Identidades surdas embaraçadas

Seguem a representação da entidade ouvinte.

As identidades surdas embaraçadas são do tipo que podemos encontrar diante da representação estereotipada da surdez ou desconhecimento da surdez como questão cultural.

Estão em dependência do mundo dos ouvintes, seguem os seus princípios, respeitam-nos, colocam-nos acima dos

Os surdos não conseguem captar a representação da identidade ouvinte. Nem conseguem compreender a ideia.

34 O surdo não tem condições de usar língua de sinais, não lhe foi ensinada nem teve contato com a mesmo. das.

São pessoas vistas como incapacita-

Neste ponto; ouvintes determinam seus comportamentos, vida e aprendizados. É uma situação de deficiência, de incapacidade, de inércia, de revolta. Existem casos de aprisionamento de surdos na família, seja pelo estereotipo ou pelo preconceito, fazendo com que alguns surdos se tornem incapacitados de chegar ao saber ou decidirem-se por si mesmos. Na família, a falta de informação sobre o surdo é total e geralmente predomina a opinião do médico; e algumas clínicas reproduzem uma ideologia contra o reconhecimento da diferença. Estes são alguns mecanismos de poder construído pelos ouvintes, sob representações clínicas da surdez, colocando o surdo entre os deficientes ou retardos mentais.

4.5 Identidades Surdas Estão presentes na situação dos surdos que devido a sua condição social viveram em ambientes sem contato com a identidade surda ou que se afastam da identidade surda. Vivem no momento de trânsito entre uma identidade e outra. Se a aquisição da cultura surda não se dá na infância, normalmente a maioria dos surdos precisa passar por este momento de transição, visto que grande parte deles

são filhos de pais ouvintes. No momento em que esses surdos conseguem contato com a comunidade surda, a situação muda e eles passam pela des-ouvintização, ou seja, rejeição da representação da identidade ouvinte. Embora passando por essa des-ouvintização, os surdos ficam com sequelas da representação, o que fica evidenciado em sua identidade em construção. Há uma passagem da comunicação visual/oral para a comunicação visual/sinalizada. Para os surdos em transição para a representação ouvinte, ou seja, a identidade flutuante se dá o contrário.

4.6 Identidades surdas de diáspora As identidades de diáspora divergem das identidades de transição. Estão presentes entre os surdos que passam de um país a outro ou; inclusive passam de um estado brasileiro a outro, ou ainda de um grupo surdo a outro. Ela pode ser identificada como o surdo carioca, o surdo brasileiro, o surdo norte americano. É uma identidade muito presente e marcada.

4.7 Identidades surdas intermediárias O que vai determinar a identidade surda é sempre a experiência visual. Neste caso, em vista desta característica diferente, distinguimos a identidade ouvinte da identidade surda. Temos também a identidade intermediária, geralmente identificada como sendo surda. Essas pessoas têm outra identidade, pois tem uma

35 característica que não Ihes permite essa identidade, isto é, sua captação de mensagens não é totalmente na experiência visual que determina a identidade surda. Apresentam alguma porcentagem de surdez, mas levam uma vida de ouvintes. Para estes, são de importância os aparelhos de audição. Importância do treinamento oral. Busca de amplificadores de som. Não uso de intérpretes de cultura surda, etc. Quando presente na comunidade surda, geralmente se posiciona contra uso de intérpretes ou considera o surdo como menos dotado e não entende a necessidade de língua de sinais de intérpretes. Tem dificuldade de encontrar sua identidade, visto que não é surdo nem ouvinte. Enfim, as diferentes identidades surdas são bastante complexas e diversificadas. Isto pode ser constatado nesta divisão por identidades onde tem-se ocasião para identificar outras muitas identidades surdas, exemplo: filhos de pais surdos; surdos que não tem nenhum contato com surdo, surdos que nasceram na cidade, ou que tiveram contato com língua de sinais desde a infância, etc. Como dissemos, a identidade surda não é estável está em contínua mudança. Os surdos, não podem ser um grupo de identidade homogênea. Há que se respeitar as diferentes identidades. Em todo caso, para a construção destas identidades impera sempre a identidade cultural, ou seja, a identidade surda como

ponto de partida para identificar as outras identidades surdas. Esta identidade se caracteriza também como identidade política, pois está no centro das produções culturais.

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UNIDADE 5 – A Língua de Sinais Chegamos às Línguas de Sinais (LS) que são as línguas naturais das comunidades surdas. Ao contrário do que muitos imaginam, as Línguas de Sinais não são simplesmente mímicas e gestos soltos utilizados pelos surdos para facilitar a comunicação. São línguas com estruturas gramaticais próprias. Atribui-se às Línguas de Sinais o status de língua porque elas também são compostas pelos níveis linguísticos: o fonológico, o morfológico, o sintático e o semântico (que veremos em detalhes ao longo do curso). No momento, faremos apenas uma breve apresentação das inúmeras possibilidades da LIBRAS. O que é denominado de palavra ou item lexical nas línguas oral-auditivas são denominados sinais nas línguas de sinais. O que diferencia as Línguas de Sinais das demais línguas é a sua modalidade visual-espacial. Assim, uma pessoa que entra em contato com uma Língua de Sinais irá aprender uma outra língua, como o Francês, Inglês, etc. Os seus usuários podem discutir filosofia ou política e até mesmo produzir poemas e peças teatrais. Para conversar em LIBRAS não basta apenas conhecer os sinais de forma solta, é necessário conhecer a sua estrutura gramatical, combinando-os em frases (BRASIL, 2002). As línguas de sinais são naturais, pois surgiram do convívio entre as pessoas. Elas podem ser comparadas à complexidade e à expressividade das línguas orais,

pois pode ser passado qualquer conceito, concreto ou abstrato, emocional ou racional, complexo ou simples por meio delas. Trata-se de línguas organizadas e não de simples junção de gestos. Por este motivo, por terem regras e serem totalmente estruturadas, são chamadas de LÍNGUAS. As línguas de sinais distinguem-se das línguas orais porque se utilizam de um meio visual-espacial e oral-auditivo, ou seja, na elaboração das línguas de sinais, precisamos olhar os movimentos que o emissor realiza para entender sua mensagem. Já na língua oral, precisamos apenas ouvi-lo, sem necessariamente estar olhando para ele. Um exemplo é um casal de ouvintes que conversa mesmo quando um deles está na cozinha e o outro na sala. Já nas línguas de sinais, esta situação é impossível, pois precisamos estar ao alcance da visão para que o sinal seja notado e percebido pelo receptor. As línguas de sinais possuem mecanismos morfológicos, sintáticos e semânticos. O canal usado nas línguas de sinais (o espaço) pode contribuir muito para a produção de sinais que estejam mais em contato com a realidade do que puramente as palavras. O sinal de árvore na Língua Brasileira de Sinais é representado por uma das mãos sendo o tronco e a outra as folhas, o que é muito mais significativo do que a palavra ÁRVORE. Como todas as outras, as línguas de sinais são vivas, pois estão em constante transformação com novos sinais, sendo introduzidos pela comunidade Surda de acordo com a sua necessidade.

37 As línguas de sinais não são universais. Cada uma tem a sua própria estrutura gramatical e assim, como não temos uma língua oral única, também não temos apenas uma língua de sinais. A língua de sinais, assim como a língua oral, é a representação da cultura de um povo. Mesmo países com a mesma língua oral possuem línguas de sinais diferentes. Um exemplo é o caso de Brasil e Portugal. Por mais que estes países possuam a mesma língua oral, possuem línguas de sinais diferentes, com características próprias. O contrário acontece com os Estados Unidos e o Canadá, que possuem a mesma língua oral e a mesma língua de sinais (HONORA; FRIZANCO, 2009).

5.1 A Língua Brasileira de Sinais A Língua Brasileira de Sinais é a língua de sinais utilizada pelas pessoas Surdas que vivem no Brasil e tem como sigla a inicial das palavras, sendo também chamada de LIBRAS. É uma língua de modalidade gestual-visual. A Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) tem sua origem na Língua de Sinais Francesa. Reforçando, as Línguas de Sinais não são universais. Cada país possui a sua própria língua de sinais, que sofre as influências da cultura nacional. Como qualquer outra língua, ela também possui expressões que diferem de região para região (os regionalismos), o que a legitima ainda mais como língua. O que chamamos de palavra na língua oral chamamos de sinal nas línguas de sinais, não podendo ser chamado de gesto ou mímica, pois não possui estas características.

Da mesma forma que temos nas línguas orais pontos de articulações dos fonemas, temos na língua de sinais pontos de articulações que são expressados por toques no corpo do usuário da língua ou no espaço neutro. Os sinais são formados a partir da combinação da forma e do movimento das mãos e do ponto no corpo ou no espaço onde esses sinais são feitos. Nas línguas de sinais podem ser encontrados os seguintes parâmetros que formarão os sinais:

a) Configuração das mãos (CM) – são

as formas que colocamos as mãos para a execução do sinal. Pode ser representado por uma letra do alfabeto, dos números ou outras formas de colocar a mão no momento inicial do sinal. A Configuração das Mãos é a representação de como estará a mão de dominância (direita para os destros e esquerda para os canhotos) no momento inicial do sinal. Alguns sinais também podem ser representados pelas duas mãos. Os sinais DESCULPAR, EVITAR e IDADE, por exemplo, possuem a mesma configuração de mão (com a letra y). A diferença é que cada uma é produzida em um ponto diferente no corpo, conforme ilustrações abaixo:

DESCULPAR CM: mão direita em “Y” com palma para dentro. PA: tocando o queixo. M: sem movimento. O: sem orientação. EF / C: expressão de arrependimento.

38 EVITAR

IDADE CM: mão direita em “Y” com palma para dentro. PA: tocando o peito. M: raspar várias vezes. O: para cima e para baixo.

CM: mão direita em “Y”, palma para baixo. PA: tocando a têmpora. M: girar o pulso em arco. O: para fora.

c) Movimento (M) – os sinais podem

ter um movimento ou não. Movimento é a deslocação da mão no espaço na execução do sinal. Por exemplo, os sinais PEN-

b) Ponto de articulação (PA) – é o lu-

gar onde incide a mão predominante configurada, ou seja, local onde é feito o sinal, podendo tocar alguma parte do corpo ou estar em um espaço neutro.

SAR e EM-PÉ não têm movimento; já os sinais EVITAR e TRABALHAR possuem movimento. Veja outros exemplos abaixo:

39 d) Expressão facial e/ou corporal –

as expressões faciais / corporais são de fundamental importância para o enten-

dimento real do sinal, sendo que a entonação em Língua de Sinais é feita pela expressão facial.

40 Expressões faciais afetivas: ligadas a sentimentos e emoções.

Expressões faciais afetivas: ligadas ao grau do adjetivo.

e) Orientação/Direção (O) – os sinais

têm uma direção com relação aos parâmetros acima. Assim, os verbos IR e VIR se opõem em relação à direcionalidade.

41

Existem algumas convenções da LIBRAS, usadas, por exemplo, pelo SENAI: a grafia – os sinais em LIBRAS, para simplificação, serão representados na Língua Portuguesa em letra maiúscula. Ex.: CASA, INSTRUTOR; a datilologia (alfabeto manual) é usada para expressar nomes de pessoas, lugares e outras palavras que não possuem sinal, estará representada pelas palavras separadas por hífen. Ex.: M-A-R-I-A, H-I-P-Ó-T-E-S-E; os verbos serão apresentados no infinitivo. Todas as concordâncias e conjugações são feitas no espaço. Ex.: EU QUERER CURSO; as frases – obedecerão à estrutura da LIBRAS, e não à do Português. Ex.: VOCÊ GOSTAR CURSO SENAI? (Você gosta do curso do SENAI?); os pronomes pessoais – serão representados pelo sistema de apontação. Apontar em LIBRAS é culturalmente e gramaticalmente aceito (BRASIL, 2002).

5.2 Datilologia ou Alfabeto manual

Ramos (2004) conta que Woll fez um levantamento histórico do material impresso na Inglaterra sobre Línguas de Sinais, mostrando que a partir de 1880 começam a aparecer pequenos panfletos, provavelmente destinados à venda para arrecadação de fundos, geralmente consistindo em ilustrações de sinais (em fotos ou desenhos), com ou sem descrições de como produzi-los. Um panfleto denominado “Language of Silent Word” (1914) apresenta fotos de boa qualidade de 143 sinais e mais o alfabeto manual. Até 1938, quando novo panfleto foi publicado pelo National Institute for the Deaf, essa foi a “cartilha” dos interessados em Língua de Sinais. Em 1922 foi publicado pela British Deaf and Dumb Association, “The British Deaf Times”, que, além das ilustrações de sinais continham informações e anedotas sobre surdos, ilustrações do alfabeto manual e ilustrações sobre cenas surdas (uma festa), a visita da rainha Vitória a uma surda fazendo uso do alfabeto manual. Porém, os alfabetos datilológicos ou alfabetos manuais têm uma história um pouco mais antiga, coincidindo com as primeiras tentativas formais de educação de surdos.

42 Vem do século XVI, com o espanhol Pedro Ponce de Léon (1520- 1584), monge da ordem dos Beneditinos e que viveu no monastério de Onã, em Burgos, a invenção do primeiro alfabeto manual conhecido, publicado por Juan Martin Pablo Bonet, em 1620, em um livro intitulado Reduccion de las letras y artes para enseñar a hablar a los mudos. O trabalho de Ponce de Léon está registrado nos livros da instituição religiosa que relata sucesso de uma metodologia que incluía datilologia, escrita e fala e levou seus três alunos surdos a falar grego, latim e italiano, além de chegar a um alto nível de compreensão em física e astronomia. Em meados do século XVIII, esse alfabeto de uma mão, que pode ser reconhecido como o ancestral dos alfabetos manuais atuais, foi levado à França por Jacob Rodriguez Pereira e subsequentemente para os Estados Unidos, em 1816 (através de Gallaudet). Outra corrente, o “alfabeto de duas mãos”, atualmente ainda em uso na Inglaterra e algumas de suas ex-colônias, aparentemente não mantém relação com o alfabeto de Bonet, tendo suas origens menos claras. Segundo Woll, o alfabeto publicado anonimamente, em 1698, com o nome de “Digitilíngua” deve ser o inspirador do atual. Mesmo sendo resultado da pesquisa

de ouvintes no sentido de ensinar o surdo a falar, a maior parte das comunidades surdas de todo o mundo utilizam a datilologia em suas línguas de sinais. Ela pode servir para palavras estrangeiras, nomes próprios que ainda não tenham recebido o “apelido” em sinal, nomes de lugares ou palavras novas (RAMOS, 2004). Na Língua de sinais, o léxico pode ser definido como o repertório de palavras de um determinado idioma, ou seja, um conjunto de palavras. Em Libras, os itens lexicais são os sinais. É totalmente errado pensar que a datilologia (soletração utilizando o alfabeto manual) é a simulação de um sinal. As letras do alfabeto digital representam as letras do alfabeto oral de um idioma, e cada letra não significa um sinal. A datilologia é utilizada, normalmente, para soletrar nomes de pessoas, de lugares, de rótulos, ou para vocábulos não existentes na língua de sinais. É um meio de verificação, questionamento ou veiculação da ortografia de uma palavra em português. Quando uma pessoa não sabe escrever uma palavra, normalmente soletramos, oralmente, para ajudá-la a escrever. Em Libras, o processo é similar: quando uma pessoa não sabe escrever uma palavra, fazemos a datilologia dela. Exemplo:

43 O léxico na língua de sinais, assim como em qualquer língua, é infinito no sentido de que sempre comporta a incorporação de novos sinais. A título de enriquecimento teremos em anexo neste módulo, a representação do alfabeto e dos números, com o sinal ilustrado, o desenho e a palavra correspondente, e a descrição dos cinco parâmetros para a execução do sinal.

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UNIDADE 6 – Filosofias Educacionais/ Propostas de Ensino Segundo cálculos da Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que 2,5% da população seja portadora de surdez de diferentes graus, de leve a profunda. Entre esse percentual, existem os surdos oralizados (que não fazem uso das Línguas de Sinais) e os surdos não oralizados (que se utilizam das Línguas de Sinais para a sua comunicação). Os surdos que utilizam as Línguas de Sinais podem ser considerados formadores de uma comunidade linguística minoritária. Assim como os índios ou qualquer outro grupo numericamente pequeno com relação à população em geral, eles têm identidade, cultura e língua próprias. O que os diferencia das demais pessoas, e das outras minorias, é que ser surdo não significa ter nascido em algum lugar determinado ou integrar uma família específica com as mesmas características, e sim possuir uma Língua de modalidade gestual-visual cuja expressão e recepção se diferencia de todas as demais, ou seja, das línguas que são de modalidade oral-auditiva. No Brasil existem duas Línguas de Sinais: a LIBRAS, Língua Brasileira de Sinais — utilizada nos centros urbanos — e a LSKB — Língua de Sinais Kaapor Brasileira, da tribo indígena Urubus Kaapor da Amazônia. No ano de 2002, a comunidade surda brasileira pôde comemorar uma grande vitória. O Congresso Nacional aprovou e o Presidente da República sancionou a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que reconhece como meio legal de comunicação

e expressão a Língua Brasileira de Sinais — LIBRAS e dá outras providências.

Esse fato, um marco para a comunidade surda do Brasil, vem contribuir para a formação de uma sociedade verdadeiramente inclusiva, que garante os direitos dos surdos como cidadãos brasileiros (BRASIL, 2002) e nos leva a falar, ainda que superficialmente, das duas principais filosofias educacionais em relação aos surdos, que são refletidas no comportamento da sociedade para com os mesmos:

a) Oralismo, que defende o aprendiza-

do apenas da língua oral.

b) Bilinguismo, que defende o aprendi-

zado da lingual oral e da língua de sinais, reconhecendo o surdo na sua diferença e especificidade (FERREIRA BRITO, 1993).

Na prática do oralismo, o objetivo é aproximar o surdo na forma máxima possível do modelo ouvinte, por meio da aprendizagem da língua, sendo esta analisada como instrumento de integração social e de aprendizado global e da comunicação. Sua proposta incide sobre a “recuperação” da pessoa surda, denominada de “deficiente auditivo”; seguindo critérios clínicos. Já na análise do bilinguismo, a língua é considerada um meio para o desenvolvimento do ser em seu todo, capaz de propiciar a comunicação das pessoas surdas com os ouvintes, bem como com seus pares, além de desempenhar também o papel de suporte do desenvolvimento cognitivo.

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6.1 Educação Bilíngue Segundo Bernardino (2000, p. 29), o bilinguismo considera que a língua oral não preenche todas essas funções, sendo imprescindível o aprendizado de uma língua visual sinalizada desde tenra idade, possibilitando ao surdo o preenchimento das funções linguísticas que a língua oral não preenche. Assim, as línguas de sinais são tanto o objetivo quanto o facilitador do aprendizado em geral, assim como do aprendizado da língua oral. Essas línguas, diversas das línguas orais, têm estrutura própria e são codificadoras de uma “visão de mundo” específica, sendo constituídas de uma gramática própria, apresentando especificidades em todos os níveis (fonológico, sintático, semântico e pragmático), apesar de parecerem utilizar princípios gerais, nas estruturas subjacentes, semelhantes aos das línguas orais. Sabe-se que, para os surdos, a sua língua primária, de caráter natural, é a língua de sinais, e a segunda, em nosso País, a língua portuguesa. Porém, segundo Skliar (1997, p. 153), estatísticas internacionais apontam que somente 4% ou 5% das crianças surdas são filhas de pais também surdos, tendo, então, um acesso natural a esse bilinguismo pelo contato com a língua de sinais, sendo esse acesso efetuado por meio das interações comunicativas com os seus pais surdos, mesmo estando inseridos em uma comunidade majoritária que é ouvinte. A maioria das crianças surdas, portanto

– de 95% a 96% –, não tem a mesma possibilidade que as que são filhas de surdos. Elas crescem e se desenvolvem dentro de uma família formada em sua totalidade por ouvintes, que geralmente desconhecem ou rejeitam o uso da língua de sinais. Portanto, eis nesse momento uma primeira defesa do bilinguismo que aprofundaremos em momento mais oportuno. Enfim, acreditamos que neste primeiro módulo atingimos o objetivo de apresentar um pouco desse universo dos Surdos, a definição para surdez, os graus e classificação, a história da surdez e alguns dos preconceitos que levaram os Surdos à marginalidade por séculos. Ainda temos muito pela frente!

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REFERÊNCIAS BÁSICAS BOTELHO, Paula. Linguagem e letramento na educação dos surdos: ideologias e práticas pedagógicas. 3 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. HONORA, Márcia; FRIZANCO, Mary Lopes Esteves. Esclarecendo as deficiências: aspectos teóricos e práticos para contribuir com uma sociedade inclusiva. São Paulo: Ciranda Cultural Editora e Distribuidora Ltda., 2008. HONORA, Márcia; FRIZANCO, Mary Lopes Esteves. Livro Ilustrado de Língua Brasileira de Sinais: desvendando a comunicação usada pelas pessoas com surdez. São Paulo: Ciranda Cultural, 2010. HONORA, Márcia; FRIZANCO, Mary Lopes Esteves. Livro Ilustrado de Língua Brasileira de Sinais: desvendando a comunicação usada pelas pessoas com surdez. São Paulo: Ciranda Cultural, 2009. HONORA, Márcia; FRIZANCO, Mary Lopes Esteves. Livro Ilustrado de Língua Brasileira de Sinais: desvendando a comunicação usada pelas pessoas com surdez. São Paulo: Ciranda Cultural, 2011. NOVAES, Edmarcius Carvalho. Surdos: educação, direito e cidadania. Rio de Janeiro: WAK, 2010. QUADROS, Ronice Muller de; KARNOPP, Lodenir Becker. Língua de sinais brasileira: estudos linguísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004.

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ANEXOS

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