6 - André De Resende

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Crónica à segunda (6) André de Resende Hoje trago um tema que diz respeito à minha cidade de adopção. Trinta anos de Évora, com a vivência permanente do seu rico património, muitas e muitas horas de investigação e estudo dos seus monumentos, dos seus costumes, das suas gentes, gravam no coração um sinal de pertença como se aqui tivesse nascido e sempre vivido. A história de Évora é para mim lugar de atracção e devaneio, nela me sinto em casa, conheço-lhe os cantos, respiro o tempo que passou, aguardo empenhado o que virá. A esse propósito, esta semana assisti à defesa de uma tese de mestrado, daquelas que dá gosto ouvir e aprender, não que a arguência provocasse grandes debates e oposições, tal não seria muito possível, mas porque a excelência da apresentação do tema, a força da argumentação baseada em muita investigação, muito trabalho de campo, a análise cuidada e meticulosa, a novidade das conclusões, marcaram a qualidade do trabalho. A classificação final de 19 valores foi bem merecida. Intitulava-se “A (re)fundação do Aqueduto da Água da Prata em Évora. 1533-1537. Novos dados arqueológicos” e apresentou-a o Francisco Bilou, como dissertação do Mestrado em Arqueologia & Ambiente, do Departamento de História da Universidade de Évora. Quem alguma vez visitou Évora não pode ter deixado de ver o seu aqueduto, trazendo de longe (17 km) a imprescindível água e penetrando na cidade com as altas e esbeltas e redondas arcarias. Resumindo, tal construção foi mandada erguer por D. João III e, até muito recentemente, negava-se a possibilidade da existência de um aqueduto romano, apesar de se saber que o templo no alto da cidade tinha tanques de água à volta e que, um pouco mais abaixo, as termas romanas no subsolo da Câmara Municipal utilizavam em abundância o precioso líquido. Argumentava-se com a altimetria do templo em relação à nascente e com a inexistência de vestígios arqueológicos. Tudo isto, apesar de já em 1533, ao regressar a Évora, o grande humanista eborense André de Resende se ter lançado numa acesa diatribe com o Bispo de Viseu, D. Miguel da Silva, também ilustre eborense, embaixador junto do Papa Leão X e que apenas regressa a Portugal para o episcopado viseense. Resende incitava o rei à refundação do aqueduto, afirmando a existência da construção romana, ao contrário do prelado de Viseu. D. João III acabou por abalançar-se à obra, levando o seu termo para a Praça do Giraldo, a uma cota mais baixa que o alto da acrópole, na dúvida da total argumentação de Resende. Ora, com esta dissertação, Francisco Bilou veio provar a razão de Resende e trazer provas suficientes de vária ordem e, sobretudo, arqueológicas para a existência do aqueduto romano, bem como muitas outras novidades sobre a obra de D. João III. Todavia, o que me apraz registar hoje é, de certo modo, a reabilitação de André de Resende, apoucado por alguns estudiosos da nossa praça por ter fabricado algumas lápides pseudo-romanas, ele insigne dominicano, primoroso latinista, notável humanista frequentador reconhecido das principais universidades estrangeiras da época, primeiro arqueólogo português digno desse nome, figura eminente do século de ouro da história eborense. Faleceu em 9 de Dezembro de 1573 e foi sepultado no seu convento dominicano, hoje desaparecido para dar lugar ao Teatro Garcia de Resende e à praça correspondente. Quando da demolição do convento, os seus restos mortais foram trasladados com honras especiais para a Sé de Évora.

A história e obra dele é, todavia, água de outro aqueduto que não do riacho desta crónica. Évora, 16 de Novembro de 2009 Artur Goulart

(Publicada no Diário dos Açores, 18 de Novembro de 2009)

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