Proteção Ao Consumidor No Comércio Eletrônico

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1 Proteção ao Consumidor no Comércio Eletrônico

Ulisses César Martins de Sousa1

1.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa abordar as conseqüências decorrentes da incidência das normas que regulam o direito do consumidor sobre o comércio eletrônico. Para tanto, serão explorados alguns aspectos relacionados à delimitação do campo de incidência das normas de direito do consumidor e, em seguida, algumas características do comércio eletrônico. Os problemas decorrentes das transações comerciais realizadas por meios eletrônicos e as suas conseqüências jurídicas são o tema principal do trabalho no qual se busca demonstrar que não estamos diante de novos modelos contratuais, mas sim de operações tradicionais de comércio realizadas através de novos formatos decorrentes da utilização dos meios tecnológicos atualmente disponíveis.

2.

O DIREITO DO CONSUMIDOR

A Revolução Industrial deu origem a uma série de transformações no campo do Direito. A produção em série de produtos fez com que as formas tradicionais de comércio entrassem em desuso. A produção artesanal de produtos, feitos sob encomenda, quando havia prévio ajuste entre as partes acerca de todas as condições do negócio, deu lugar a produção em série. A relação entre fornecedores e consumidores, antes marcada pela confiança e pela singularidade dos trabalhos realizados pelos primeiros, passou a ser marcada pela impessoalidade. A produção em 1

Advogado. Sócio de Ulisses Sousa Advogados Associados. Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Professor do Curso de Direito da UNDB – Universidade Dom Bosco em São Luís – Ma.

2 série exigia aumento nas vendas. Começam então a surgir alguns institutos típicos da sociedade de consumo caracterizada, principalmente, pelos contratos massificados, pela utilização de refinadas técnicas de publicidade e, ainda, pela larga utilização do crédito como forma de fomentar o consumo. O surgimento dos contratos de adesão, do marketing, da larga concessão de crédito, entre outros fatores, dá ensejo ao aumento das desigualdades entre consumidores e fornecedores. Anteriormente, as negociações eram travadas em pé de igualdade. Na sociedade de consumo essa realidade é alterada. O consumidor passa a ser reconhecidamente vulnerável. Esse novo quadro fático torna necessário o surgimento de normas que venham a tutelar os direitos dos consumidores, restabelecendo o equilíbrio nas relações travadas entre estes e os fornecedores de bens e serviços. No Brasil a Constituição Federal de 1.988 deixa clara a sua opção ao estabelecer (artigo 170, V) que a ordem econômica, será fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar, a todos, existência digna, conforme os ditames da justiça social, sendo a defesa do consumidor um de seus princípios. Posteriormente, a proteção ao consumidor ganha reforço com a edição da lei 8.078/90 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor) trazendo em seu texto normas de proteção e defesa do consumidor, consideradas como de ordem pública e interesse social, nos termos dos artigos 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e artigo 48 de suas Disposições Transitórias (art. 1º). O artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor traz os princípios que devem nortear a política nacional das relações de consumo, afirmando que esta tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo. Dentre esses princípios, merecem destaque: (i) o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; (ii) ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor; (iii) harmonização dos interesses dos participantes das

3 relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (artigo 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; (iv) coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criação industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores; (v) estudo constante das modificações do mercado de consumo. Fica clara a opção do legislador pela proteção do consumidor, principalmente quando se estabelece como premissa o reconhecimento da vulnerabilidade deste no mercado de consumo. O âmbito de incidência das normas do Código de Proteção e Defesa do Consumidor é delimitado pelas definições de consumidor e fornecedor trazidas na lei 8.078/90. Para o CDC, fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços (artigo 3º). A definição de consumidor, para fins de incidência das normas de proteção contidas no CDC, é mais elaborada, sendo somente alcançada pela conjugação das disposições contidas nos artigos 3º, 17 e 29 da lei 8.079/90. É considerado consumidor, pelo artigo 2º do CDC, toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviço como destinatário final, sendo que o parágrafo único desse mesmo dispositivo legal equipara a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Mais adiante, ao tratar da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, o CDC também equipara ao consumidor todas as vítimas do evento. Da mesma forma, no artigo 29 do CDC, são também equiparadas a consumidor todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas previstas nos capítulos V e VI daquela lei, que tratam, respectivamente, das práticas comerciais (oferta, publicidade, práticas abusivas, cobrança de dívidas, bancos

4 de dados e cadastros de consumidores) e da proteção contratual (cláusulas abusivas, contratos de adesão). A definição da relação de consumo é essencial para que se avalie a incidência das normas do Código de Defesa do Consumidor no comércio eletrônico.

3.

O COMÉRCIO ELETRÔNICO

O comércio eletrônico não surgiu com a internet. Porém, é inegável o aumento dessas transações ocorrido após a popularização da utilização da internet. Considera-se comércio eletrônico o conjunto de transações comerciais que utiliza equipamentos eletrônicos para a sua realização. Alguns doutrinadores o definem como “una modalidad de compraventa a distancia, consistente em la adquisición de bienes y/o servicios, a través de equipamientos electrónicos de tratamiento y almacenamiento de dados, en los cuales son transmitidas y recibidas informaciones”2. Destaque-se que o “o e-commerce, atividade de intermediação de produtos ou prestação de serviços realizados através de meios eletrônicos num estabelecimento virtual, consubstancia-se através da rede mundial de computadores ‘internetenáutico’ ou fora dela, sem deixar de caracterizar a virtualidade do negócio. O comércio eletrônico desconhece fronteiras e ultrapassa os limites das jurisdições dos países”3. O Brasil conta hoje com mais de 12 milhões de internautas. Segundo dados divulgados pela Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico no período de janeiro a dezembro de 2002, as relações business-to-consumer – sem pensar nas transações de leilão, passagens aéreas e venda de automóveis – chegaram a 900 milhões

2

ARCE, Erika Patrícia Tinajeros Arce. “La Protección Del Consumidor Electrónico En Los Países Del MERCOSUR”. In Revista de Direito do Consumidor nº 54. São Paulo: RT, 2005. p. 176 3 MORAES, Maria Antonieta Lynch de. “Possibilidade de Caracterização do Site na Noção de Estabelecimento Comercial na Lei Complementar 87/96”. In Revista de Direito Privado nº 9. São Paulo: RT, 2002. p. 208

5 de reais4. No primeiro semestre de 2003, o comércio eletrônico faturou 500 milhões de reais. O crescimento é impressionante. Dados do ano de 2005 apontam que o comércio eletrônico faturou algo próximo a “974 milhões de reais no primeiro semestre, uma alta de 30,73% em relação a 2004, quando no mesmo período o faturamento foi de 745 milhões. Os números superam a cifra total do ano de 2002 (R$ 850 milhões) e se aproximam das receitas acumuladas em 2003 (R$ 1,18 bilhões)”5. Estudiosos do assunto apontam que o volume de publicidade veiculada na internet nos Estados Unidos no ano de 1.998 era de US$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de dólares) e apontam que grande parte da atividade econômica desse país decorre de atividades realizadas na internet6. Dentre as principais vantagens do comércio eletrônico podem ser apontadas: (i) a redução dos custos administrativos; (ii) a possibilidade de eliminação de intermediários na realização das transações comerciais, com a possibilidade da venda de produtos ser realizada diretamente aos consumidores pelos fabricantes; (iii) a possibilidade de operações ininterruptas, não sujeitas a horários ou turnos de trabalho; (iv) a superação das barreiras nacionais e (v) o aumento da celeridade nas transações. Por outro lado, surgem como problemas (i) a segurança das transações, sobretudo quando utilizados meios eletrônicos para a realização do pagamento e (ii) a certeza da entrega das mercadorias. O aumento das transações comerciais realizadas por meios eletrônicos dá origem a inúmeras discussões daí decorrentes, relacionadas principalmente com a validade da manifestação de vontade, a publicidade, as cláusulas abusivas e a proteção da privacidade.

4

Informações colhidas na internet no endereço http://www.camara-e.net/interna.asp?tipo=1&valor=1525. Informações colhidas na internet no endereço http://www.fastcompras.com.br/noticia/index.php?ID_noticia=17, acesso em 02/09/2005. 6 SANTOS, Manoel J. Pereira dos e ROSSI, Mariza Delapieve. “Aspectos Legais do Comércio Eletrônico – Contratos de Adesão”. In Revista de Direito do Consumidor nº 36. São Paulo: RT, 2000. p. 108 5

6 3.

A MANIFESTAÇÃO DE VONTADE E SUA PROVA NOS CONTRATOS ELETRÔNICOS

Os contratos eletrônicos não são, necessariamente, uma nova espécie contratual. Trata-se apenas de uma nova forma de realização de contratos já regulados em nossa legislação. Vale lembrar que, segundo o artigo 107 do Código Civil, a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir. Isso implica em dizer que, salvo naqueles casos em que lei exige forma especial (por exemplo a compra e venda de imóveis), nada impede a utilização de meios eletrônicos para a realização de contratos. A manifestação de vontade nos contratos realizados por meios eletrônicos é um problema que preocupa os estudiosos do assunto. Na maioria das transações eletrônicas realizadas atualmente a aceitação dos termos do contrato se realiza com o simples pressionar de uma tecla. É o chamado click-wrap agreement ou point-and-click agreement. Sobre essa forma de manifestação de vontade a doutrina ensina que “su validez se funda el acto de pulsar el boton de aceptacion por parte del usuário, y su dificuldad reside en que no queda registro alguno de ese acto que sea similar a los que se exigen para los impressos en papel. La mayoria de las transacciones electrónicas que se realizan en la actualidad se basan en acuerdos que se aceptan pulsando un boton de una pagina web, por lo que constituye una regla admisible con base en costumbre negocial y en la conducta de las partes”7. É possível que uma declaração de vontade manifestada através de meios eletrônicos venha a ser contaminada por vícios do consentimento 8. A realização de contratos por meios eletrônicos não afasta a possibilidade da ocorrência de defeitos no negócio jurídico (erro, dolo e coação) que podem levar à sua anulação. No tocante à prova das transações realizadas no comércio eletrônico a doutrina adverte que tais contratos devem “preferencialmente possuir certos 7

LORENZETTI, Ricardo Luis. “Informática, Cyberlaw y E-commerce”. In Revista de Direito do Consumidor nº 36. São Paulo: RT, 2000. p. 32 8 AZAR, Maria José. “El Consentimiento En La Contratacion de Consumo Por Internet”. In Revista de Direito do Consumidor nº 42. São Paulo: RT, 2002. p. 40

7 requisitos para serem válidos perante o mundo jurídico, como a certificação eletrônica, assinatura digital, autenticação eletrônica, dependendo do meio que foi utilizado para sua realização”9. Não é descartada a utilização de outros meios para se fazer prova de tais transações, posto que, segundo o artigo 332 do CPC, todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados naquele diploma legal, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa. Aliás, aqui é importante destacar que o Ministério da Justiça, através do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, ao tratar da forma de provar os contratos realizados via internet, recomenda que “o consumidor imprima os documentos que comprovem a relação contratual, como e-mails trocados com o fornecedor; pedido e confirmação da compra, cópia das ofertas, etc., ou guarde em meio digital seguro que permita uma futura impressão”, assinalando que “o conteúdo dos documentos eletrônicos assinados mediante a utilização de certificados digitais emitidos por Autoridade Certificadora credenciada pela Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, presume-se verdadeiro em relação aos signatários, o que não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for apresentado o documento”.

4.

DIREITO DO CONSUMIDOR E COMÉRCIO ELETRÔNICO

As definições de consumidor e fornecedor trazidas no CDC são perfeitamente aplicáveis ao comércio eletrônico. Através delas é que é possível se constatar a configuração da relação de consumo. O site pode ser perfeitamente caracterizado como estabelecimento do fornecedor de bens ou serviços10. Nada impede que sobre as transações realizadas pela internet incidam as normas do Código de Defesa do Consumidor. Há de se ter em mente que tanto o provedor de acesso, que presta 9

PANICHI, Raphael Antonio Garrigoz. “Meios de Prova nos Contratos Eletrônicos Realizados por Meio da Internet ”. In Revista de Direito de Direito Privado nº 16. São Paulo: RT, 2003. p. 270 10

MORAES, Maria Antonieta Lynch de. “Possibilidade de Caracterização do Site na Noção de Estabelecimento Comercial na Lei Complementar 87/96”. In Revista de Direito Privado nº 9. São Paulo: RT, 2002. p. 214

8 serviços de conexão e de transmissão de informações, quanto o de conteúdo, que oferta e comercializa bens, serviços e informações, podem ser considerados fornecedores, na forma prevista no CDC. Por conseqüência é fácil concluir que, uma vez caracterizada a relação de consumo, nada impede a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor sobre as transações comerciais eletrônicas. A insegurança das transações realizadas na internet é um dos aspectos que mais assusta os consumidores. Nesse ponto é importante destacar que “caso a empresa se disponha a efetuar comércio eletrônico, ofertando produtos e serviços na rede, deverá previamente munir-se dos recursos da chamada tecnologia de informação a fim de criar em seu site um ambiente seguro para suas transações com os consumidores”11, pois “em razão do princípio da solidariedade legal da responsabilidade objetiva, o prestador de serviços na rede, como um Banco, poderá ser compelido a responder pela reparação do dano decorrente de falha na prestação desse serviço, ainda que a falha seja originária do provedor de acesso do cliente/consumidor”12. A solidariedade legal prevista no parágrafo único do artigo 7º do CDC torna solidariamente responsáveis pela reparação dos danos decorrentes de transações comerciais realizadas por meios eletrônicos todos que dela participaram. Importante dizer que aqui estamos diante de hipótese de responsabilidade civil objetiva. Por conseqüência danos morais e materiais sofridos pelo consumidor devem ser reparados, independentemente de culpa13. A publicidade enganosa é definida no CDC (artigo 37, § 1º) como qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. Esse é um dos problemas mais freqüentes na internet, onde é costumeira na inclusão em uma 11

BLUM, Rita Peixoto Ferreira. Direito do Consumidor na Internet. São Paulo: Quartier Latin, 2002. p. 71 Idem. p. 83 13 TIMM, Luciano Benetti. “A Prestação de Serviços Bancários Via Internet e a Proteção do Consumidor”. In Revista de Direito do Consumidor nº 38. São Paulo: RT, 2001. p. 91 12

9 página na Internet de palavras-chaves que nada tem a ver com o conteúdo da mesma, mas que são muito empregadas ou procuradas pelos usuários. Essa técnica, conhecida como metatag é um exemplo típico de publicidade enganosa. A utilização de cláusulas abusivas nos contratos eletrônicos também é prática comum. O fato do contrato ter sido realizado no ambiente virtual da internet não afasta a incidência da regra contida no artigo 51 do CDC. Por conseqüência, são também nulas de pleno direito as cláusulas abusivas inseridas em contratos de comércio eletrônico, quando configurada a existência de relação de consumo. Aqui também vale a regra do artigo 46 do CDC segundo a qual os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance. Outra grande preocupação consiste na proteção da privacidade do consumidor. A utilização dos cookies14 como forma de obtenção de dados sobre hábitos de consumo, páginas visitadas pelos internautas, é uma ameaça à privacidade dos consumidores. Com as informações coletadas por esses "biscoitinhos" são geradas malas-diretas e os famosos spams, mensagens não solicitadas que o usuário recebe por e-mail geralmente anunciando produtos ou serviços. Se não bastassem esses inconvenientes, esses bancos de dados ainda são constantemente vendidos a terceiros sem que o consumidor sequer tenha acesso a tais informações, em flagrante violação ao disposto no artigo 43 do CDC e no artigo 5º, X da Constituição Federal. A identificação da legislação aplicável aos contratos celebrados por meios eletrônicos é um outro grave problema. Quando ambos os contratantes residem no Brasil não há problemas. A controvérsia surge quando nos deparamos com contratos onde uma das partes - principalmente o fornecedor – tem sede no estrangeiro. Essa situação é absolutamente comum na realização de compras on-line. Na doutrina15 quatro 14

Os cookies são bits de informação em pequenos arquivos texto, que programas navegadores da internet, como o Internet Explorer ou o Netscape, captam em alguns sites e guardam no disco rígido dos computadores conectados à Internet 15 LORENZETTI, Ricardo Luis. “Informática, Cyberlaw y E-commerce”. In Revista de Direito do Consumidor nº 36. São Paulo: RT, 2000. p. 25

10 possibilidades são apontadas: (i) aplicar tratados internacionais; (ii) aplicar a legislação do vendedor; (iii) aplicar a legislação do comprador; (iv) criar normas específicas para os contratos celebrados através da internet. O exame da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça fornece resposta a essa indagação. É o que se constata do exame do seguinte precedente: DIREITO DO CONSUMIDOR. FILMADORA ADQUIRIDA NO EXTERIOR. DEFEITO DA MERCADORIA. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA NACIONAL DA MESMA MARCA ("PANASONIC"). ECONOMIA GLOBALIZADA. PROPAGANDA. PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR. PECULIARIDADES DA ESPÉCIE. SITUAÇÕES A PONDERAR NOS CASOS CONCRETOS. NULIDADE DO ACÓRDÃO ESTADUAL REJEITADA, PORQUE SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO NO MÉRITO, POR MAIORIA. I - Se a economia globalizada não mais tem fronteiras rígidas e estimula e favorece a livre concorrência, imprescindível que as leis de proteção ao consumidor ganhem maior expressão em sua exegese, na busca do equilíbrio que deve reger as relações jurídicas, dimensionando-se, inclusive, o fator risco, inerente à competitividade do comércio e dos negócios mercantis, sobretudo quando em escala internacional, em que presentes empresas poderosas, multinacionais, com filiais em vários países, sem falar nas vendas hoje efetuadas pelo processo tecnológico da informática e no forte mercado consumidor que representa o nosso País. II - O mercado consumidor, não há como negar, vê-se hoje "bombardeado" diuturnamente por intensa e hábil propaganda, a induzir a aquisição de produtos, notadamente os sofisticados de procedência estrangeira, levando em linha de conta diversos fatores, dentre os quais, e com relevo, a respeitabilidade da marca. III - Se empresas nacionais se beneficiam de marcas mundialmente conhecidas, incumbe-lhes responder também pelas deficiências dos produtos que anunciam e comercializam, não sendo razoável destinar-se ao consumidor as conseqüências negativas dos negócios envolvendo objetos defeituosos. IV - Impõe-se, no entanto, nos casos concretos, ponderar as situações existentes. V - Rejeita-se a nulidade argüida quando sem lastro na lei ou nos autos. (REsp 63981/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Rel. p/ Acórdão Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 11.04.2000, DJ 20.11.2000 p. 296)

A ementa do acórdão deixa clara a posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto. O entendimento predominante foi o de que “a empresa que vende seu produto em diversos países do mundo e assim se beneficia do regime de globalização comercial, deve responder pelas suas obrigações com a mesma extensão”16. Os fundamentos utilizados para essa decisão guardam sintonia com a nova 16

Trecho extraído do voto do ministro Ruy Rosado de Aguiar no julgamento do Recurso Especial 63.981 – SP.

11 realidade econômica, na qual as barreiras territoriais são relativas e os grandes grupos empresariais têm atuação mundial. O acórdão acima referido foi atacado por ação rescisória, proposta pela Panasonic do Brasil Ltda.17, cujos pedidos foram julgados improcedentes, por maioria, pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça. Com o comércio eletrônico a aquisição de marcas mundialmente conhecidas, cujo nome empresta credibilidade aos produtos que comercializam, se tornou tarefa descomplicada, realizável com alguns “clicks” do mouse. É inadmissível que tais companhias busquem furtar-se da responsabilidade decorrente dos vícios que estes produtos apresentem sob a alegação de que foram adquiridos no exterior. Quem aufere os lucros decorrentes do comércio eletrônico realizado em escala mundial, também deve suportar os riscos daí decorrentes.

5. CONCLUSÕES

Inúmeras são as vantagens que propiciam o crescimento do comércio eletrônico. O incremento das transações comerciais realizadas por meios eletrônicos torna necessária a adequação do mundo jurídico a essa nova realidade. É preciso que essa nova forma de circulação de riquezas seja realizada em obediência à legislação vigente, e, em especial, que as normas de proteção ao consumidor sejam respeitadas. Do presente estudo podem ser extraídas as seguintes conclusões: 1. o âmbito de incidência das normas do Código de Proteção e Defesa do Consumidor é delimitado pelas definições de consumidor e fornecedor trazidas na lei 8.078/90, sendo a definição da relação de consumo essencial para que se avalie a incidência dessas disposições legais no comércio eletrônico. Uma vez

17

Ação Rescisória 2931 / SP, que teve como relator o Ministro Castro Filho, julgada em 24.08.2005.

12 configurada a relação de consumo, incidem sobre esta as normas previstas no Código de Proteção e Defesa do Consumidor; 2. os contratos eletrônicos não são, necessariamente, uma nova espécie contratual, tratando-se apenas de uma nova forma de realização de contratos já regulados em nossa legislação; 3. é possível que uma declaração de vontade manifestada através de meios eletrônicos venha a ser contaminada por vícios do consentimento; 4. os contratos eletrônicos devem preferencialmente possuir certos requisitos para serem válidos perante o mundo jurídico, como a certificação eletrônica, assinatura digital, autenticação eletrônica, dependendo do meio que foi utilizado para sua realização, mas nada impede a sua prova mediante a utilização de outros meios na forma do artigo 332 do CPC; 5. o parágrafo único do artigo 7º do CDC torna solidariamente responsáveis pela reparação dos danos decorrentes de transações comerciais realizadas por meios eletrônicos todos que dela participaram, tratando-se aqui de hipótese de responsabilidade civil objetiva. 6. a técnica, conhecida como metatag é um exemplo típico de publicidade enganosa. 7. as cláusula inseridas nos contratos de comércio eletrônico não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance, sendo nulas de pleno direito se configuradas as hipóteses do artigo 51 do CDC; 8. a utilização de cookies importa em flagrante violação ao disposto no artigo 43 do CDC e no artigo 5º, X da Constituição Federal; 9. as empresas nacionais que se beneficiam de marcas mundialmente conhecidas, respondem pelas deficiências dos produtos que anunciam e comercializam quando adquiridos através de comercio eletrônico, ainda que o fornecedor esteja situado no exterior, aplicando-se nessas hipóteses o Código Brasileiro de Proteção e Defesa do Consumidor.

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