Violência intrafamiliar contra meninas adolescentes Caminhos para prevenção, coibição e tratamento São Leopoldo, 2008. _____________________________________ Associação Direito, Bioética e Solidariedade
ADiBiS Associação Direito, Bioética e Solidariedade
O Edital 045/2005, lançado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, com foco central no estudo das Relações de Gênero, Mulheres e Feminismos ofereceu a possibilidade de apoio ao presente projeto de pesquisa, formulado por um grupo de pesquisadoras associadas à organização não-governamental ADiBiS.
Equipe Coordenação: Maria Claudia Crespo Brauner Carla Simone Beuter, Fabiane Simioni, Mônica Souza Liedke, Patrícia Maria Schneider, Paula Pinhal, Renata Teixeira Jardim, Raquel Belo Schneider, Taysa Schiocchet. Palestrantes e Convidados: Lisieux Borba Telles, Lúcia Belina Rech Godinho, Maria Regina Fay de Azambuja, Mirian Steffen Vieira, Vera Regina Ramires, Renato Zamora Flores, Osnilda Pisa, José A. Daltoé Cezar, representantes de ONGs e instituições.
Objetivo geral do projeto:
analisar a percepção dos papéis sociais de gênero pelo Poder Judiciário nos casos de violência sexual intrafamiliar praticada pelo gênero masculino contra as meninas adolescentes.
Objetivos específicos: Verificar se o Direito pode constituir-se num mecanismo de transformação social ou, ao contrário, de manutenção de um status quo; Identificar em que medida a intervenção multiprofissional realizada apenas com a adolescente agredida e algum(ns) membro(s) de sua família é eficaz como medida de enfrentamento para romper o ciclo de abuso sexual;
Objetivos específicos: Analisar o tratamento dispensado ao agressor (responsabilização) na Vara da Infância e Juventude no município de São Leopoldo/RS, e a viabilidade da implementação de uma intervenção multiprofissional, como medida complementar indispensável à proteção dos direitos das adolescentes vítimas de violência sexual intrafamiliar e; Procurar sensibilizar os profissionais envolvidos nos processos judiciais para a questão da violência sexual intrafamiliar praticada contra meninas adolescentes para a incorporação da perspectiva de gênero nas suas atuações.
Metodologia Grupo de pesquisa: leituras de textos sobre relações de gênero, direitos sexuais e reprodutivos, e violência sexual intrafamiliar; Coleta de sentenças; Análise dos julgamentos; Produção de artigos para obra coletiva; Seminário para divulgação dos resultados e debates sobre a temática.
Coleta de sentenças Processos dos últimos 5 anos. Município de São Leopoldo 5 sentenças, apenas 1 envolvia menina adolescente. Município de Porto Alegre 20 sentenças, apenas 3 envolviam menina adolescente.
Perspectiva de gênero: Agressor homem Vítima menina adolescente
Objeto de Estudo: Objeto de estudo do projeto
Meninas adolescentes
Definição do Estatuto da Criança e do Adolescente (Art. 2º): “considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”. Definição da Organização Mundial de Saúde : adolescência corresponde à faixa de 10 a 19 anos de idade na vida do sujeito. É nesta etapa que ocorrem importantes transformações físicas, emocionais e sociais. Essas alterações provocam mudanças importantes nas relações entre o adolescente e seu meio. Projeto: foi levada em consideração a idade estabelecida pelo ECA.
Violência "como qualquer comportamento que visa controlar e subjugar outro ser humano pelo uso do medo, humilhação e agressões emocionais, sexuais ou físicas“ (GUIMARÃES, Marilene Silveira).
Tipos de violência Gênero: “violência que visa à preservação da organização social de gênero, fundada na hierarquia e desigualdade de lugares sociais sexuais. É produzida no interior das relações de poder, objetivando o controle de quem detém a menor parcela de poder, objetivando o controle de quem a perpetra para exercer a exploração-dominação, pelo nãoconsentimento de quem sofre a violência ” (SAFFIOTI, Heleieth I. B); Sexual: é a violência física de gênero; Intrafamiliar: é aquela ocorrida no interior do núcleo familiar.
Violência contra mulheres No Brasil e no mundo, as pesquisas indicam que as mulheres estão mais propensas a sofrer violência dentro de suas casas e por parte de pessoas de sua confiança do que nas ruas, por parte de desconhecidos. Nesse sentido, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no final da década de 80, constatou que 63% das vítimas de agressões físicas ocorridas no espaço doméstico eram mulheres.* * Disponível em: http://www.cfemea.org.br/guia/detalhe.asp?IDGuia=8. Acessado em 22/07/2008.
Violência intrafamiliar A violência intrafamiliar ocupa um lugar de destaque nas violações mais comuns aos direitos humanos das mulheres. Frente à essa situação, partimos da premissa de que não é possível realizar um estudo sobre mulheres sem utilizar a perspectiva de gênero, segundo a qual as desigualdades entre mulheres e homens não são biológicas, mas construídas socialmente.
Violência Intrafamiliar
Vínculo familiar pai, padrasto ou avô.
Direitos das meninas e das adolescentes No que se refere especificamente aos direitos das meninas adolescentes, tem-se que com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, no âmbito internacional, e com a Constituição de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990, no âmbito nacional, crianças e adolescentes tiveram sua condição de sujeito de direitos e de pessoa em processo em desenvolvimento simultaneamente declaradas pelo Estado e pelo direito positivo. Aos adolescentes foram garantidos todos os direitos fundamentais, como o direito à vida, à saúde, à liberdade, à igualdade, à dignidade, entre outros, respaldando a Doutrina da Proteção Integral.
Violência contra adolescentes O fenômeno da violência é extremamente complexo e atinge várias adolescentes brasileiras. Está inserido em todas as classes sociais, etnias, culturas e núcleos familiares. Cada organização familiar constitui-se em singularidades, com ritos, segredos, mitos transmitidos de geração para geração. São histórias de amor, ódio, vingança, dor, lutas, conflitos e alegrias que envolvem todos os seus membros. Essas histórias podem estar permeadas de encontros e desencontros, de poder e submissão. Estamos falando de um locus que precisa ser cuidado, pois é o meio em que o sujeito se desenvolve e cria as suas referências.
Violência na família A violência vai de encontro a todas as regras de garantia e proteção da dignidade humana, pois a família deixa de ser idealizada como local de proteção, passando a ser visualizada recentemente como cenário de variadas cenas de violência praticada contra a mulher, em especial contra a menina adolescente. Percebe-se que, ultimamente, houve a inversão dos papéis, já que a família, tradicionalmente vista como berço de aconchego e carinho, passa a manifestar determinados tipos específicos de violência.
O silêncio da vítima A tentativa de identificação da violência intrafamiliar é problemática, eis que permeada pelo silêncio da vítima, que muitas vezes teme causar um conflito dentro da família e, ainda, de acabar sendo responsabilizada pela violência perpetrada. Neste cenário, temos o agressor que possui a confiança da vítima e exerce poder sobre ela. Em um sistema patriarcal, onde os papéis estão divididos de forma rígida, muitas vezes a mulher está submetida a todo o tipo de violência conjugal. Esse fato é comumente oculto dos parentes, profissionais e comunidade que demoram a descobrir o que realmente acontece no seio familiar.
A quebra do silêncio A publicização da violência sexual intrafamiliar gera necessariamente um conflito na família, o que faz recair ainda mais sobre a vítima o peso da responsabilização pelo abuso. Nesse sentido, necessário dispor de ações conjuntas que visem a defesa dos direitos humanos e fundamentais da menina adolescente, vitimizada pelo abuso sexual.
Equipe multiprofissional Dada a importância do estudo do gênero masculino no que se refere ao enfrentamento da violência perpetrada principalmente no âmbito familiar, percebe-se a necessidade da ação em conjunto de uma equipe multiprofissional com o objetivo de fazer o agressor entender e tomar consciência da brutalidade praticada. A rede de atendimento deve priorizar o tratamento do abusador concomitante com o da vítima, por isso refere-se a importância da atuação da escola, da comunidade, do judiciário, das ONGs, do Conselho Tutelar, dos postos de saúde e hospitais.
Necessidade de tratamento do agressor Criação de programas específicos para que o agressor possa compreender suas ações e mudar o seu comportamento nas relações afetivas e familiares. Não foi identificada qualquer iniciativa institucional que desenvolva programas específicos para o agressor.
Notas conclusivas A violência sexual intrafamiliar praticada contra meninas adolescentes é de prevalência ainda desconhecida, visto que muitas crianças não revelam o abuso, somente conseguindo falar sobre estes acontecimentos na idade adulta. As estatísticas, portanto, são precárias. Trabalhase com um fenômeno que é encoberto por segredo, um muro de silêncio, do qual fazem parte os familiares, vizinhos e, algumas vezes, os próprios profissionais que atendem as crianças vítimas de violência.* * PFEIFFER, L.; SALVAGNI, E. P. Visão atual do abuso sexual na infância e adolescência. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, 2005: 81, (5 Suplemento), p. 197204.
Algumas constatações A dificuldade de acesso aos dados dos processos que foram objeto de nossa análise é um problema recorrente nas pesquisas de campo que envolvem processos judiciais. Se, por um lado, obtivemos a licença para ter acesso aos processos, por outro lado, nos deparamos com a falta de registros dos processos já arquivados e com a impossibilidade de estudar os processos em andamento. Ademais, são muitos os processos que ingressam na Vara da Infância e Juventude, no entanto, são poucos os que chegam à fase de sentença e, muito raros, aqueles que culminam com a condenação do réu.
Algumas constatações A forma de arquivamento de dados por parte do Poder Judiciário não favorece o conhecimento das informações dos processos já concluídos e daqueles em andamento. A ausência de uma lista atualizada dos casos identificando o tipo penal, a idade e o sexo da vítima e do agressor, bem como, da existência de relação de parentesco ou familiar, entre ambos, também causou dificuldades para atendimento dos objetivos da pesquisa.
Últimas considerações A percepção dos papéis de gênero não é percebida nas decisões emitidas pelo Poder Judiciário na pesquisa ora realizada. Percebe-se que há condescendência no tratamento das questões que envolvem a violência sexual intrafamiliar perpetrada contra meninas adolescentes que pode ser verificada pelo número insignificante de casos de condenação do agressor. Acreditamos que o Direito possa se constituir em um mecanismo de transformação social e servir de instrumento para que a integridade física e psíquica das crianças e adolescentes possa estar assegurada. Para isso necessário se faz a implementação de uma política coordenada para a coibição, o enfrentamento e o tratamento da violência sexual intrafamiliar.
Agradecimentos A toda equipe pela competência e dedicação ao projeto; Ao Colégio São José por disponibilizar o espaço e a hospitalidade; Aos servidores da Justiça pela disponibilidade em contribuir com o projeto; Ao CNPq pelo apoio financeiro; Às instituições aqui representadas, pela participação e possibilidade de troca de experiências.
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"O mundo é um lugar perigoso de se viver, não por causa daqueles que fazem o mal, mas sim por causa daqueles que observam e deixam o mal acontecer.“ Albert Einstein