P2l06 Lamb

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6 • P2 • Sexta-feira 28 Agosto 2009

Burqa, leis e casamentos combinados LUCY NICHOLSON/REUTERS

a É difícil imaginar esta mulher franzina de cabelo louro a movimentar-se à vontade nas zonas tribais de países como o Paquistão ou o Afeganistão. Só com uma burqa, e foi exactamente isso que fez dezenas de vezes, apesar de considerar aquela peça de roupa como “a mais horrível que o homem inventou”. “As burqas são tão quentes que quase se sufoca, não se consegue ver quase nada por causa da grelha à frente dos olhos; se apanhamos com o sol pela frente, ficamos encadeadas e é como se fôssemos invisíveis: ninguém nos ouve ou é capaz de compreender os nossos gestos”, conta-nos. “Mas o que preocupa as mulheres afegãs não é terem ou não de vestir a burqa, o que as inquieta é saberem se podem enviar os filhos à escola e se estes crescem num país onde haja paz.” Muito terra a terra, Christina Lamb distancia-se assim dos discursos triunfalistas sobre a “libertação da mulher afegã” que ouviu em 2001. Sabe que em Cabul as mulheres da classe média estão melhor, conhece a Constituição e as leis, que até classifica como das mais avançadas da Ásia no que respeita aos direitos das mulheres, mas… “Iludimo-nos muito facilmente quando nos dizem que as eleições foram livres ou que as leis são

excelentes, quando isso, por vezes, não quer dizer nada”, explicanos. E, de facto, que vale uma Constituição igualitária, quando 60 por cento dos casamentos continuam a ser combinados? Que valem leis que penalizam os violadores, se não há mulheres na polícia e as vítimas não têm a quem se queixar? Que importam as boas intenções, se não se rompem com os velhos hábitos? As perguntas sucedem-se, desafiando o conforto da nossa incompreensão relativamente a uma realidade que nos escapa. Uma realidade implacável e terrível: “Recentemente contaram o caso de uma rapariga de 16 anos que ficou grávida e que, de acordo com a tradição, foi de imediato considerada culpada. Pior: a família da rapariga teve de compensar a família do rapaz pela vergonha que esta tinha passado, o que fez entregando para casamento com um tio do rapaz uma irmã mais nova, que só tinha nove anos. Nem consigo imaginar o que vai ser a sua vida de escravatura ao serviço de um homem 30 anos mais velho…” Nenhuma lei muda de um dia para o outro estes costumes ancestrais – e, ao lado de tais práticas, ter de se enfiar dentro de uma burqa ainda é o menor dos problemas das mulheres afegãs. J.M.F.

Niguel, Aqui, ou a tragédia do Zimbabwe contada na primeira pessoa a Nigel é o fazendeiro branco. Aqui a ama negra dos seus filhos. Nenhum deles é especialmente representativo do grupo a que pertencem – a minoria branca e a maioria negra de um Zimbabwe devastado pelo regime de Mugabe – mas Christina Lamb viu nas suas histórias paralelas, e seu cruzamento dramático, a melhor forma de ilustrar a evolução de um país onde é hoje persona non grata. Assim nasceu A Casa de Pedra. Última colónia africana a ver a sua independência reconhecida, o Zimbabwe é “o exemplo do que não se deve fazer para corrigir injustiças reais” e o seu líder alguém que há muito só se guia pelo seu projecto de poder pessoal. Mas isso é o que, melhor ou pior, todos sabemos. O que não conhecemos é como, por dentro, o drama foi vivido. “A última vez que estive no Zimbabwe [Christina Lamb, se fosse descoberta, acabaria fatalmente numa das prisões que conhece demasiado bem] encontrei um país irreconhecível. Onde antes havia estufas a perder de vista ou sofisticados sistemas de rega, tudo estava destruído e a terra seca. Nas fazendas que antes rivalizavam, em produtividade, com as melhores do mundo só as casas estavam de

pé. E mesmo nas cidades bairros inteiros haviam sido destruídos”, contou-nos a repórter do Sunday Times. “Mas para conseguir contar o que realmente acontecera tinha de encontrar histórias de vida verdadeiras, pessoas que dessem o nome, que tivessem rosto e me cedessem imagens. Foi assim que acabei por escolher Niguel e Aqui.” O antigo fazendeiro branco não era, ao contrário de muitos outros, alguém que recebera uma herdade da família, limitandose a prosseguir uma actividade iniciada pelos que seguiram Cecil Rhodes na colonização inglesa da antiga Rodésia. “Niguel sentia-se especialmente revoltado porque tinha comprado a terra que trabalhava com o dinheiro que ganhara, envolvera-se entretanto no apoio à comunidade local e até construíra um orfanato para os filhos das vítimas de sida. Mesmo assim não deixava por isso de ter crescido no mesmo ambiente privilegiado dos brancos, com as piscinas, os campos de ténis, as escolas caras, a universidade da elite…” Já a vida de Aqui reflectia melhor o que fora e ainda era a vida dos negros no Zimbabwe, “só que a sua energia tinha feito dela uma mulher

Casa de Pedra – A História Verídica de Uma Família Dividida no Zimbabwe Devastado pela Guerra Autor Christina Lamb Tradutor Rui Pires Cabral Editor Pedra da Lua 288 págs.; 17,5 euros

fora do normal”. Niguel e Aqui cruzam-se pela primeira vez quando esta foi trabalhar para a fazenda para tomar conta dos filhos dele. Ao fim de pouco tempo era quase parte da família, mesmo numa altura em que os “veteranos de guerra” já tinham começado a ocupar, incitados por Mugabe, as quintas que pertenciam aos brancos. Contudo, no dia em que esses mesmos “veteranos de guerra” invadem a propriedade de Niguel este descobre, estupefacto, que Aqui se encontra entre os que acabariam por expulsá-lo da sua casa e das suas terras. Aqui que, apesar de então já se distanciar do regime de Mugabe, fora anos a fio uma activista política e chegara a apoiar as acções de guerrilha. Ter ou não ter terra “Para alguém vindo de Londres, como eu, não era fácil perceber a obsessão pela terra no Zimbabwe. Era fácil perceber a injustiça de 70 por cento das terras continuarem em poder de quatro ou cinco mil proprietários brancos, mas não a tensão que crescia de ano para ano”, diz Christina. O que nos conta no seu livro, feito com base em dezenas de horas de entrevistas

com os dois protagonistas, ajuda a perceber como, no coração de África, ter ou não ter terra é tão importante. E como superar uma situação assim injusta é tão difícil. É certo que o que se passou no Zimbabwe não foi uma reforma agrária ou sequer uma redistribuição de terras – as primeiras herdades a serem expropriadas eram as que ficavam mais perto da capital e tinham melhores casas, os principais beneficiários não foram os agricultores mas os fiéis de Mugabe, incluindo um arcebispo – mas isso não ilude o problema que ainda ninguém solucionou – ou seja, conseguir devolver à maioria negra a propriedade da terra (mesmo que parcialmente) sem, ao mesmo tempo, afastar os proprietários brancos e desbaratar as suas competências. “A África do Sul também se debate com este problema e ainda quase nada foi feito. Até porque se alguma coisa o exemplo do Zimbabwe mostrou é que mesmo a energia de alguém como Aqui não lhe permitiu conseguir fazer o que não sabia fazer – e hoje reconhece que não sabia fazer: gerir de forma eficiente uma herdade”, conclui Christina Lamb. J.M.F.

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