P-243 - Nave De Reconhecimento 008 - Kurt Mahr

  • November 2019
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  • Words: 30,904
  • Pages: 61
(P-243)

NAVE DE RECONHECIMENTO 008 Everton Autor

KURT MAHR

Tradução

RICHARD PAUL NETO

O avanço terrano para a área dominada pelos senhores da Galáxia sofreu uma interrupção no mês de setembro do ano 2.402. A súbita atividade dos mobys, que se acreditava estarem mortos, até chegou a obrigar Perry Rhodan a retirar as unidades de sua frota para a periferia da nebulosa Andro-Beta. Somente uns poucos jatos espaciais — trata-se de veículos pequenos, velozes e extremamente ágeis — foram destacados para voltar ao inferno de AndroBeta para determinar a posição do hipertransmissor cujos impulsos ativam os monstros chamados de mobys e os levam a empreender sua ação destruidora. No curso desta operação o Capitão Don Redhorse, um impetuoso cheiene, fez uma descoberta no planeta pantanoso Gleam, descoberta esta que assume a maior importância estratégica. A grande virada parece próxima. Um novo plano é elaborado com todos os detalhes — e um comando espacial decola para calar uma lua... A Nave de Reconhecimento 008 participa da ação!

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Personagens Principais: = = = = = = =

Perry Rhodan — Administrador-Geral do Império Solar. Melbar Kasom — Comandante da operação que tem por fim calar uma lua. Robert C. Vorbeck — Um jovem que sofreu um grande choque. Capitão Whiley Uggett — Comandante da 008. Sargento Shriver, Cabo Strombowski e Cabo Rosenblatt — A tripulação de Liggett. Unklaich — Um ser medonho de Yakkath.

“Forças estranhas atuam no interior do homem do planeta Terra. Até parece que a inteligência, por si só, não atinge as profundezas da alma, que precisa do apoio alógico do sentimento para poder aproveitar o reservatório surpreendente de força e resistência de que dispõe o terrano. Muitas vezes o parceiro subordinado, ou seja, o sentimento alógico, afasta aquele que deveria comandar o processo, ou seja, a inteligência, assumindo a decisão, sempre segundo as regras ditadas pela inteligência, isto é, como uma espécie de gestor da lógica, mas com uma energia explosiva, que só pode levar à conclusão de que as fronteiras traçadas pela inteligência foram rompidas e deixam de ser observadas. Em certos casos o terrano comete, nos momentos de muita raiva, muitos atos que julgaria impossível quando em seu estado normal. Estes casos não são raros. Os psicólogos terranos deram a este processo o nome de ativação pelo subconsciente. Com isso confessam sem perceber que nem eles mesmos, nem qualquer outro ser nas amplidões do cosmos tem qualquer idéia do que realmente se trata. Cada um de nós poderá tirar suas próprias conclusões sobre se o fenômeno da ativação pelo inconsciente deve ser considerado um traço atavístico, ou se pelo contrário se trata de uma característica que eleva a raça terrana a um nível mais elevado que todas as espécies que habitam as regiões conhecidas do cosmos. Só temos certeza de uma coisa: para nós o terrano continua a ser um mistério. Não pode ser explicado por meio das leis gerais da Psicologia Galatobiológica.” Do livro de Heél Luun-Boo, Ensaios de Galatopsicologia.

1 Bob Vorbeck estava deitado em sua cama-beliche e fazia um grande esforço para ficar com os olhos fechados. Ken Leavenworth e Richard Hommard, que eram dois dos seus companheiros de alojamento, estavam sentados junto ã mesa quadrada, que sobressaía quase meio metro da estreita parede traseira situada embaixo da tela, jogando set-back. Bob não queria que vissem que estava muito nervoso. Era muito difícil comandar exclusivamente com a inteligência as reações dos músculos. Bob se surpreendia constantemente abrindo os olhos e fitando a cama que ficava em cima dele. A mesma pertencia a Lim Kevan, o homem de fala mais ruidosa entre os quatro jovens tenentes que habitavam o camarote. Bob sentia-se satisfeito porque estava ocupado em outro lugar, pois Lim teria notado seu nervosismo, e nada o impediria de fazer suas piadas a respeito do mesmo. Todo mundo sabia o que estava acontecendo. Ele lhes contara que se apresentara como voluntário para a missão que estava para ser iniciada. Isso parecia diverti-los. Era o mais jovem dos tenentes que se encontravam a bordo, e a missão devia ser executada por pessoas experimentadas. Eles lhe tinham descrito todos os detalhes do processo de seleção. Não era que ele não soubesse. Mas deixou que eles explicassem, pois enquanto falavam sobre assuntos objetivos não poderiam zombar dele. Os dados pessoais de cada tripulante estavam gravados em fita magnética. Esses dados eram redigidos numa espécie de código, que permitia que o sistema de computação positrônica escolhesse os homens com base em certas características. O sistema de computação positrônica cuidava sozinho da escolha. A colaboração do homem consistia unicamente na introdução dos registros pessoais. Bob Vorbeck entregara seu requerimento às quatorze e trinta, alguns minutos depois do momento em que o intercomunicador transmitira a solicitação. Isso já fazia quase três horas. Bob teve a impressão de que um grande centro de computação positrônica devia ser capaz de resolver um problema ridículo como este bem mais depressa. Mas era possível que a demora tivesse outra origem. Era necessário ter paciência. Aliás, seus companheiros tinham razão. Suas chances não eram muito grandes. Bob não tinha uma idéia muito precisa a respeito da missão para a qual se apresentara. A nave estava estacionada nas proximidades de um gigantesco sistema galáctico, a nebulosa de Andrômeda. As telas mostravam a faixa ampla formada pelas estrelas desconhecidas, cujos pontos luminosos, graças à distância enorme, se fundiam numa só área leitosa que emitia uma luminosidade homogênea. À frente dessa faixa, e a uma distância bem menor, estendia-se a aglomeração de estrelas de uma nebulosa anã situada à frente de Andrômeda e denominada Andro-Beta. Andro-Beta era irmã gêmea de Andro-Alfa e ficava a cerca de 60.000 anos-luz da mesma. As duas nebulosas formavam um sistema de galáxias anãs, situadas à frente de Andrômeda, da mesma forma que as nuvens de Magalhães se antepõem à Via Láctea a que pertence o planeta Terra. A operação incluía um avanço para o interior de Andro-Beta. A chamada circular deixara Bob informado sobre isto. A mensagem também não deixou de mencionar que se tratava de uma operação muito arriscada.- Era bem possível que houvesse contato com o inimigo, e diante do inimigo de que se tratava, este contato só poderia significar duas coisas: a vitória ou a morte. O comando da nave estava à procura de dez voluntários

dispostos a participar da operação. E no momento essa tripulação era formada por cerca de dois mil homens, cada um dos quais, inclusive seus companheiros de alojamento, possuía pelo menos dez vezes mais experiência no espaço que Bob Vorbeck. “Seria uma loucura acreditar que tenho alguma chance”, concluiu Bob e ergueu-se repentinamente, decidido a assumir o comportamento de um homem normal: Dick Hommard levantou os olhos, que trazia presos nas cartas. Seu rosto abriu-se num sorriso amável. — Ainda está nervoso? — perguntou. Bob sacudiu a cabeça. — Que nada; não adianta — acenou com a cabeça em direção à mesa. — Será que posso entrar no jogo? Ken levantou o braço num gesto de recusa. — Espere um pouco — exclamou. — Estou preparando uma para este cara. Olhe, valete é trunfo e rei é a carta máxima. Deixe-me ver... Sem dizer uma palavra, Dick colocou uma carta sobre a mesa. Ken olhou para ela todo atordoado e rangeu com os dentes. Seus maxilares ficaram salientes. — O ás é a carta máxima — resmungou Dick calmamente e recolheu as fichas. Ken praguejou e atirou as cartas sobre a mesa. — Se quiser, pode jogar com ele, Bob — resmungou. — Desisto. Acho que está trapaceando, mas não tenho nenhuma prova. Dick ia dar uma resposta, mas neste instante uma voz começou a sair do intercomunicador. Era uma voz áspera. — Dentro de quinze minutos deverão comparecer à sala de conferências número quatorze do convés principal, para receber instruções referentes à missão a ser iniciada, os seguintes tripulantes: Capitão Whiley Liggett, Tenente Robert Vorbeck... *** Dali a dez minutos Vorbeck estava sentado numa das confortáveis cadeiras da pequena sala de conferência. Havia mais sete homens presentes, e os outros dois chegaram assim que ele se acomodou. Assim que passaram os quinze minutos, entrou um homem robusto que envergava o uniforme de major, passando por uma porta que ficava na parede dos fundos. Bob reconheceu-o de longe. Tratava-se do técnico-chefe e seu nome era Hefrich. Não disse muita coisa. Limitou-se a esclarecer que os dez homens que se encontravam à sua frente tinham sido escolhidos para participar da operação e por isso seriam destacados imediatamente dos grupos a que pertenciam para formar um grupo especial sob seu comando. — Dispomos de aproximadamente dez horas — disse. — Nestas dez horas os senhores terão de absorver um volume tão grande de informações que acreditarão que sua cabeça vai estourar. Os detalhes estão gravados numa memo-fita. Os senhores farão rodar as memo-fitas que lhes serão entregues em seguida, juntamente com o hipno-transmissor, até que tenham absorvido todas as informações registradas nas mesmas. Trata-se de conhecimentos indispensáveis para a operação a ser executada. A probabilidade de termos um contato com o inimigo é praticamente igual a um. Neste caso é muito importante que saibam o que fazer. Sem os conhecimentos que lhes serão transmitidos por meio das memo-fitas, suas chances seriam iguais a zero — um sorriso sarcástico apareceu em seu rosto. — Com as informações que irão adquirir, valerão praticamente mais meio soli. É só. Alguma pergunta?

Um homem baixo e atarracado de cabelos grisalhos e que apresentava as insígnias de capitão levantou a mão. Devia ser Whiley Liggett. — Pois não, capitão...? — O senhor também vai comandar o grupo durante a operação propriamente dita? Hefrich sacudiu a cabeça. Ainda estava sorrindo. — Não, capitão. Este privilégio caberá a pessoas muito mais ilustres. Bob Vorbeck não voltou mais ao seu camarote. Constatou que a decisão do sistema de computação positrônica, que resolvera aceitar sua candidatura, o arrancara de forma inesperada, mas marcante, do ambiente a que estava acostumado e o atirara num ambiente completamente novo. O Major Hefrich levou os dez homens aos seus novos alojamentos. Bob ficou conhecendo partes da gigantesca nave de cuja existência até então só soubera por causa da planta de situação. Ficou sabendo que seu novo alojamento ficava no setor A do convés principal, poucos metros abaixo do setor de comando, no qual ficavam os aposentos particulares de Perry Rhodan e Atlan, o arcônida. Se ainda houvesse alguma dúvida, dali em diante teria certeza de que o comando da nave atribuía a maior importância à operação que iria ter início. Dali a menos de vinte minutos viu-se no interior de um recinto muito pequeno, mais ou menos do tamanho de uma cabine telefônica. Trazia um par de fones sobre o ouvido. Uma voz monótona saía dos mesmos. O hipno-ampliador ajudou-o a concentrar toda sua atenção nas palavras que ouvia. Tal qual uma esponja que suga a água, foi absorvendo as informações a respeito dos twonosers, da forma e do sistema de propulsão de suas espaçonaves, sobre a espécie incrível dos mobys, os comandos que lhes eram transmitidos através de hiperimpulsos e o papel importante desempenhado pela lua Siren. Estava tão absorto no processo de aprendizagem que nem ouviu o sinal fraco que anunciava que a gigantesca espaçonave, que era o orgulho do Império Solar, chamada Crest II, começava a movimentar-se. *** Na grande sala reinava uma penumbra azulada. A luminosidade vinha de um mapa sideral em três dimensões preso à larga parede dos fundos. Duas figuras movimentavamse à frente desse mapa. Um raio luminoso finíssimo e muito forte saía da mão de uma dessas figuras, penetrou na confusão das estrelas projetadas com muito realismo e parou a apenas alguns milímetros de um dos milhões de pontos luminosos. — Este é o sistema Tri — disse uma das duas figuras com a voz tranqüila. — Fica a cerca de quatro mil anos-luz do lugar em que estamos. É um sistema extraordinário. Os três sóis ficam dispostos em linha reta, e o planeta Gleam circula em torno do que fica no meio. Gleam possui uma lua chamada de Siren. É de Siren que partem os sinais que parecem ter alguma ligação com a movimentação dos mobys. A operação a ser executada será dirigida contra Siren. Houve uma pausa. Mas logo a segunda figura respondeu em tom irônico: — Muito bem, terrano. Quais são em sua opinião as chances de sucesso? Afinal, você não pretende nada menos que tentar destruir uma estação de hiper-rádio pertencente aos senhores da galáxia, que sem dúvida está fortemente armada, e que fica estrategicamente situada em Andro-Beta, assumindo uma importância extraordinária, com apenas um punhado de homens. — As chances são aproximadamente de noventa a dez — respondeu prontamente a voz que tinha falado em primeiro lugar.

— Noventa a dez! Meu caro amigo e ilustre Administrador, acho que você deveria rever seus cálculos. O terrano sorriu. — Não é necessário, Atlan. O plano inclui um detalhe que você ainda não conhece. O raio luminoso vermelho vindo da lâmpada indicadora acoplada ao projetor do mapa estereoscópico recuou, deslocou-se para o lado e atingiu uma área escura cercada por uma dezena das estrelas que ficavam em primeiro plano. — Este ponto — disse Perry Rhodan — fica a cerca de cento e cinqüenta anos-luz do lugar em que nos encontramos no momento. As pequeninas sondas rastreadoras que operam nesta área revelam que há três naves twonosers patrulhando a área. Desde que saíram do espaço linear, vêm se deslocando à velocidade reduzida de cerca de dez por cento luz. Ninguém sabe o que estão procurando por lá. Seja como for, estas naves combinam muito bem com nosso plano. Você não acha que nossas chances aumentarão bastante se nos aproximarmos de Siren numa nave twonoser? O arcônida parecia perplexo. — Naturalmente — respondeu depois de refletir um pouco. — Os mobys e os outros mecanismos de destruição dos senhores da galáxia costumam deixar em paz as naves ovais dos twonosers. Como povo auxiliar dos senhores, são os únicos que têm o direito de movimentar-se livremente no interior de Andro-Beta, enquanto os mobys vão destruindo implacavelmente um planeta após o outro, na esperança de eliminar o intruso não identificado. Perry Rhodan acenou calmamente com a cabeça. — Excelente. Vejo que você sabe avaliar a situação. — Talvez saiba avaliar a situação — resmungou Atlan. — Mas não compreendo seu plano. — Preste atenção! — o raio luminoso vermelho, que acabara de recuar, voltou a precipitar-se para o mapa sideral estereoscópico e imobilizou-se na pequena mancha escura. — As três naves twonosers encontram-se exatamente neste lugar. Pelo que se pode concluir das manobras que vêm realizando, deverão permanecer mais algumas horas em vôo sub-relativístico. Dessa forma teremos tempo para atacá-las. Destruiremos duas delas e apoderamo-nos da terceira. Nosso grupo subirá a bordo. A nave aproxima-se de Siren e o grupo cuida de seu trabalho. Que tal? Atlan contemplou o mapa em três dimensões. Levou algum tempo para responder. — Não parece nada mau. Você diz que as chances de sucesso são de noventa para dez? Até pode ser que tenha razão.

2 — Preste atenção à tela principal! — disse a voz estridente de Hefrich. — Faltam quarenta segundos para sairmos do vôo linear. O recinto estava completamente escuro, com exceção de uma débil luminosidade cinza vinda das telas. Os olhos de Bob Vorbeck ficaram grudados no retângulo cinzento. Viu vagamente a figura robusta do Major Hefrich. Faltavam trinta segundos. A tensão começava a tornar-se insuportável para Bob. Nem ele, nem qualquer outro dos presentes, com exceção naturalmente de Hefrich, sabia o que estava à sua espera. Tinham sido convocados a essa sala pequena assim que terminaram o treinamento de dez horas. Esta sala ficava perto da grande eclusa do hangar. Era só o que Bob sabia. Alguém havia colocado às pressas algumas cadeiras, que estavam espalhadas ao acaso. Estas cadeiras e a grande tela formavam as únicas peças de mobiliário. Bob sentiu um cansaço surdo e pesado tomar conta dele. Fazia mais de vinte horas que não pregava olho, e metade desse tempo fora gasto num trabalho estafante. Seus companheiros não se sentiam melhor. Via-se perfeitamente. Um deles desmaiara durante o treinamento e fora deixado para trás. Bob não o conhecia. O grupo estava reduzido a nove homens. O Capitão Liggett ainda estava com eles, e, por um motivo que ele não sabia, isso deixava Bob bem mais tranqüilo. Ainda não trocara uma única palavra com o capitão grisalho, mas sentia-se atraído por sua pessoa. Alguém cochichou no meio da escuridão. — Silêncio! — trovejou a voz de Hefrich. — Faltam dez segundos! Prestem atenção ao que vai aparecer na tela. Bob foi enfiando as unhas da mão direita e depois da esquerda na palma da mão. Fez um esforço para fazer isso em movimentos rítmicos. Quando terminou, a tela iluminou-se, espalhando uma claridade que doía nos olhos. Um grito de surpresa encheu a salinha. Grandes e nítidos, certamente trazidos para perto por meio de uma fotografia telescópica, os corpos ovais de três espaçonaves brilhavam na tela. Bob viu perfeitamente as gigantescas aletas que avançavam para o espaço a partir da parte posterior dessas naves. O quadro mudou no mesmo instante. Os twonosers deviam ter reconhecido a nave terrana, e, revelando uma tremenda capacidade de reação, adaptaram-se à nova situação. Fizeram girar rapidamente as popas esguias, e as proas redondas e achatadas voltaram-se para a Crest. Parecia que os twonosers sabiam o que deviam esperar da nave desconhecida. Esforçaram-se para oferecer o menor alvo possível ao veículo espacial não identificado. Uma luminosidade pálida atravessou a tela. Alguém resmungou alguma coisa. Bob não sabia o que significava isso. Durante um segundo — ou será que só teve a impressão de que demorara tanto? — não aconteceu nada. De repente uma dor lancinante lhe atravessou a cabeça. Bob fechou instintivamente os olhos. Viu círculos coloridos dançarem na escuridão. Levantou as mãos e esfregou as pálpebras fechadas, para aliviar a dor que lhe fazia vir as lágrimas aos olhos.

Quando voltou a enxergar, havia duas bolas de fogo projetadas na tela. A claridade diminuíra bastante, permitindo-lhe que as contemplasse sem sentir dor. Duas das naves twonosers acabavam de ser destruídas. Onde estava a terceira? Assim que as nuvens incandescentes produzidas pela explosão se espalharam, ele a viu. Continuava no mesmo lugar. Fora encoberta pelas bolas de fogo. Parecia que não tinha sofrido avarias. Voltara a movimentar-se. Ainda estava resistindo. Que diabo era isso? Bob não sabia por quanto tempo ficou olhando para a tela, perplexo. As nuvens gasosas produzidas pelas duas naves destruídas já tinham desaparecido. O terceiro veículo continuava imóvel, ocupando o centro da tela de imagem. De repente a tela apagou-se. As lâmpadas do teto se acenderam. Havia um sorriso irônico nos lábios do Major Hefrich. — Da minha parte do programa, senhores. Certamente têm algumas perguntas. Será preferível dirigir-se ao verdadeiro comandante da operação. De repente Bob teve a impressão de que o chão estava tremendo. Olhou para os lados, estupefato. Ouviu algumas batidas, vindas não se sabia de onde. De repente a pesada escotilha abriu-se, deixando livre a passagem para o corredor. O barulho aumentou, transformando-se num rugido trovejante. Quando viu o ser que estava causando tamanho barulho, Bob arregalou os olhos e começou a duvidar de suas faculdades mentais. Era tão alto que teve de abaixar-se bastante para passar pela escotilha. Assim mesmo não parecia muito alto quando endireitou o corpo, já do lado de dentro. Tudo isso porque sua largura era praticamente igual à altura. Teve de entrar com um ombro para a frente, porque o vão da escotilha não tinha mais de um metro e cinqüenta centímetros de largura, enquanto pelos cálculos de Bob a largura de ombro a ombro daquele ser devia ser de mais de dois metros. Notava-se à primeira vista que se tratava de um humanóide. Mas assustava por causa da figura gigantesca. Sua altura chegava a dois metros e meio. O crânio era completamente calvo, com exceção de uma mecha de cabelo cor de areia que se estendia da testa até a nuca em forma de crista de galo. O gigante fitou os homens reunidos com os olhos enormes, que pareciam chispar fogo de alegria. — Tentarei falar baixo — disse de repente. Bob teve a impressão de que seus tímpanos iriam estourar. — Meu nome é Melbar Kasom. Já ouviram falar de mim. Sou o comandante da operação cujo início os senhores acabam de observar. Atacamos três espaçonaves twonosers e destruímos duas. Da terceira precisamos para os fins que temos em vista. A tripulação foi paralisada por meio de um psicochoque de grande alcance. Três pessoas, cujas faculdades extraordinárias as elevam acima do nível dos comuns dos mortais — sorriu enquanto bramia estas palavras — já foram para bordo da nave aprisionada. Nós, que somos menos dotados, os seguiremos pelo caminho usual. Há três jatos espaciais à nossa espera no interior da eclusa do hangar. Graças ao treinamento hipnótico que lhes foi ministrado, cada um dos senhores sabe qual é seu veículo. Peçolhes encarecidamente que até segunda ordem façam tudo muito depressa. A explosão das duas naves pode ser detectada a centenas de anos-luz de distância. É bastante provável que dentro em breve esta área fique atulhada de espaçonaves twonosers que quererão verificar o que aconteceu por aqui. É só, meus senhores. Decolaremos dentro de três minutos. Ao pronunciar as últimas palavras, não se esforçou mais para reduzir o volume da voz. Pareciam batidas de gongo soando nos ouvidos de Bob. Enquanto corria

apressadamente com os companheiros pelo vão da escotilha e ao longo do corredor, um zumbido agudo, produzido pelos nervos auditivos superexcitados, enchia seus ouvidos. Melbar Kasom já ia bem na frente. A pesada escotilha que ficava no fim do corredor abriu-se à sua frente. A luminosidade ofuscante do hangar atravessou a mesma. Ouviu-se barulho. Enquanto corria, Bob soltou o capacete do traje espacial que trazia preso ao ombro e colocou-o sobre a cabeça. Fechou-o com movimentos automáticos, resultantes de um treinamento prolongado, e testou os aparelhos. O grupo separou-se do outro lado da escotilha. Bob e mais três homens correram atrás do Capitão Liggett. Os três jatos espaciais estavam estacionados sobre a larga esteira transportadora que levava à câmara da eclusa. Eram figuras redondas, em forma de disco, com vinte e cinco metros de altura. Uma carlinga de comando subia do centro da cúpula superior. Parecia uma verruga muito feia em meio ao envoltório liso e sem emendas. Bob saltou para dentro da eclusa do veículo atrás de Whiley Liggett. Sobre o casco via-se em grandes letras fluorescentes o código de identificação SJ-008C. Do outro lado da eclusa havia um elevador antigravitacional curto e apertado, que levava ao alojamento dos tripulantes. Dali se subia à carlinga de comando por uma escada de metal plastificado. Bob deixou-se cair na poltrona do co-piloto e afivelou os cintos. Lançou um olhar rápido para os controles. Estava tudo em ordem. — Todos a bordo. Eclusa fechada, senhor! — disse uma voz estridente vinda de baixo. O Capitão Liggett resmungou satisfeito. Bob olhou para o relógio. Dois minutos e trinta segundos tinham passado desde o momento em que o especialista da USO dera o comando. Liggett virou o rosto para Bob. — Quer dizer que agora vamos cooperar um com o outro? — perguntou em tom áspero. — Sim senhor — respondeu Bob com um sorriso amável. — Onde se formou? — Na Escola de Cadetes de Glasgow, senhor, com um curso de pós-graduação na Academia Espacial de Terrânia. Encontro-me em serviço ativo desde julho zero um. — Meu Deus — disse Liggett. Certamente notou o rosto assustado de Bob, pois apressou-se em acrescentar com um gesto tranqüilizador: — Não há nada de pessoal nisto, mas o que deu na máquina para escolher um jovem oficial sem experiência para uma missão como esta? Enquanto Bob ainda estava quebrando a cabeça para encontrar uma resposta, o jato espacial partiu com um solavanco. A esteira transportadora estava rolando. A escotilha interna da eclusa, que era uma peça gigantesca de cerca de cem metros de largura e quase outro tanto de altura, foi deslizando para o lado. A SJ-008C ia na frente dos outros dois veículos. Foi entrando na câmara da eclusa que tinha cento e cinqüenta metros de comprimento, e que, apesar dessas dimensões, parecia um cubículo miserável em comparação com o pavilhão do hangar do qual o jato acabara de sair. O veículo imobilizou-se suavemente no momento em que a esteira transportadora parou. Bob olhou para a estreita tela de visão circular e viu que a escotilha interna da eclusa se fechara. As bombas enormes esvaziariam a câmara numa questão de segundos. Depois disso a escotilha externa se abriria. Bob sentiu-se muito excitado, mas de repente lembrou-se das observações depreciativas que Liggett fizera a seu respeito.

— O Império vem usando seus computadores positrônicos há mais de quatrocentos anos — observou com a voz fria. — Sempre pensei que o volume de experiências acumulado neste tempo fosse suficiente para ensinar aos homens que se pode confiar nestas máquinas. Whiley Liggett olhou para ele. As luzes do teto desenharam um reflexo ofuscante sobre o visor de seu capacete espacial, fazendo com que Bob não visse muito bem seu rosto. Mas seria capaz de apostar que havia um sorriso malicioso no mesmo. — A autoconfiança é uma coisa formidável — disse a voz um tanto aguda de Liggett, transmitida por seu rádio-capacete. — Ainda bem que a mesma não lhe falta, tenente. Pode ser que de repente nos vejamos numa situação em que precisamos de gente que possua autoconfiança. A escotilha externa já estava aberta. A luz da profusão de estrelas entrou na câmara da eclusa. Bob olhou para os pontos luminosos distantes. Ficou tão fascinado que logo se esqueceu da breve conversa que acabara de travar com Liggett. A aventura estava à sua frente. Era a primeira vez depois que fora transferido para a Crest II, vindo de bordo de uma nave cargueira, que participava de uma missão que não se apoiava no tremendo poder de fogo, nos potentes campos defensivos e no gigantesco volume de energia da nave-capitânia da frota do Império. O dispositivo antigravitacional absorveu o impulso da catapultagem. Bob viu as paredes da eclusa deslizarem numa velocidade incrível. Dali a meio segundo não se via nada além da escuridão negra do espaço, interrompida por milhões de pontinhos luminosos, que eram as estrelas distantes — e por duas superfícies circulares brilhantes, uma à frente e outra atrás. A que se encontrava à frente era a espaçonave twonoser, e a de trás a Crest. Enquanto esta última diminuía rapidamente e se tornava cada vez mais pálida, a bola que formava o casco da nave twonoser cresceu para além da margem da tela. A aventura tinha começado. *** Bob olhou estupefato para a figura esquisita do ser desconhecido que estava jogado ao chão bem à sua frente. Era a primeira vez que via um twonoser, e a surpresa o deixara tão atordoado que por um instante se esqueceu do que pretendia fazer. O desconhecido devia ter um metro e setenta de altura. Das pontas dos pés até o tórax seu aspecto era bastante humano, segundo Bob. A grande diferença começava na altura dos ombros. Os dois braços que saíam dos mesmos chegavam a ser ridículos de tão finos. Tinham mais ou menos a espessura do dedo polegar de um ser humano e terminavam em mãos cujos quatro dedos não eram maiores que os de um bebê terrano. Sobre a linha dos ombros assentava um pescoço duro e robusto, sobre o qual se via a cabeça mais estranha que já tinha aparecido à frente de Bob. O crânio era esférico. Tinha quarenta centímetros de diâmetro na parte inferior, enquanto em cima terminava em ponta. Mais ou menos a meio caminho entre a base e a ponta havia um único olho gigantesco. A superfície abaulada do globo ocular estava dividida em milhares de facetas cintilantes. Bob sentiu um calafrio. A expressão do olho facetado era rígida e medonha que nem a de um inseto enorme e cruel. A boca ficava embaixo do olho. Era uma abertura vedada por um par de lábios de cerca de dez centímetros de comprimento. De cada um dos lados da base do crânio saía uma excrescência que poderia ser comparada a uma tromba muito larga, embora não terminasse numa abertura, mas também numa mão de quatro dedos. Bob aprendera que as duas trombas eram os verdadeiros braços e mãos

dos twonosers. Os membros atrofiados que saíam dos ombros só eram usados quando havia algum trabalho delicado para os dedinhos muito finos. O ser inconsciente usava uma espécie de uniforme feito de metal plastificado que emitia um brilho fosco. As pernas estavam enfiadas em calças que chegavam até os joelhos, e os pés em botas sem saltos. Os bracinhos que saíam dos ombros estavam descobertos. Saíam de furos finos existentes na parte lateral do uniforme. A gola que não tinha nenhuma elegância fechava-se em tomo da base do pescoço muito grosso. O twonoser estava deitado de costa. Bob virou-o de lado e viu que na parte traseira do uniforme havia um capacete dobrável. A pele do twonoser era branca que nem uma flor. A única exceção eram as duas trombas, que tinham sido tingidas de azul. Bob aprendera que a raça dos twonosers se dividia em três castas, que se distinguiam pela cor das trombas. Os twonosers de tromba vermelha acreditavam que formavam a aristocracia. As trombas da casta do meio eram azuis, e a casta inferior nem sequer tinha o direito de tingir as trombas. Estes estranhos membros apresentavam-se na mesma cor que a criação dera ao resto da pele: o branco. — O senhor...? Bob sobressaltou-se e virou a cabeça. O cabo Strombowski estava parado atrás dele. Tratava-se de um homem um tanto gordo, de idade indefinível, que tal qual Bob pertencia ao grupo de cinco homens comandado.pelo Capitão Liggett e da mesma forma que Bob fora destacado para aplicar uma injeção de soro psi a todos os twonosers que se encontrassem em seu setor. Strombowski era um homem que não se abalava por pouca coisa. Bastaram alguns minutos de convivência para que Bob descobrisse isso. O aspecto de um twonoser não parecia deixá-lo mais assustado que o de um pedestre com o qual se encontrasse numa rua de qualquer cidade terrana. Retirara o capacete espacial, pois verificara que o ar existente no interior da espaçonave twonoser era respirável para os pulmões humanos. O topo calvo de sua cabeça um pouco grande brilhava à luz das lâmpadas do teto. Fitou Bob com os olhos ingênuos cor de água. Bob o ouvia através do microfone exterior de seu capacete espacial. Resolvera não tirar o mesmo enquanto Melbar Kasom ou outra pessoa não lhe desse ordem para isso. Ninguém sabia se a mistura gasosa que formava a atmosfera da espaçonave estranha não continha algum ingrediente perigoso. — Talvez deveríamos... — principiou Strombowski em tom hesitante e apontou com o dedo indicador na direção do twonoser inconsciente. — Sim, naturalmente — respondeu Bob, acenando fortemente com a cabeça. Sentiu que fora descoberto. Strombowski já participara de centenas de missões e estava escaldado. Antes do início da missão, Bob resolvera dar a impressão de que era um homem experimentado, que não se abalava por nada deste mundo. Mas era difícil cumprir esta intenção quando a gente vê pela primeira vez, não o retrato de um ser estranho, mas a própria criatura em carne e osso. Strombowski inclinou-se sobre o corpo do twonoser e enfiou a agulha embaixo do joelho do mesmo, revelando tamanha habilidade que até se poderia ser levado a pensar que durante toda a vida não tinha feito outra coisa. Na ampola havia um medicamento que fazia com que o ser estranho recuperasse os sentidos, mas ao mesmo tempo o privava da capacidade de decisão. Tratava-se de uma substância de efeito rápido, que merecia toda confiança. Strombowski retirou a ampola vazia do lugar em que acabara de ser aplicada a injeção, enfiou-a no bolso e deu um passo para trás. Olhou calmamente para o twonoser.

O ser estranho começou a fazer alguns movimentos. Um gemido agudo saiu da boca de lábios finos. O tronco ergueu-se repentinamente, como se tivesse sido impelido por uma mola. O twonoser virou a cabeça para o lado. O olho facetado, cuja expressão rígida não mudara depois de a criatura ter recuperado os sentidos, dirigiu-se para os dois terranos. Bob não tinha a menor idéia de como os twonosers costumavam exprimir sua surpresa, mas o que se encontrava à sua frente não mostrava nenhuma reação. Fitou os dois terranos por alguns segundos e voltou a pôr-se de pé, apoiando-se nas duas trombas. Ficou de costas para Bob e saiu caminhando pelo corredor a passos muito curtos. Dali a instantes desapareceu atrás da curva mais próxima. Bob e Strombowski prosseguiram nas buscas. Nos primeiros minutos depois do momento em que os três jatos espaciais tinham passado pela maior das eclusas da nave twonosers, Melbar Kasom dera a todos os participantes da operação uma explicação ligeira sobre a divisão interna da nave twonoser. Os twonosers não seguiam, na construção de suas naves, os mesmos princípios pelos quais se guiavam os terranos. Centenas de corredores, com inúmeras curvas, ora subindo, ora descendo, ora dobrando para a esquerda, ora para a direita, atravessavam a nave oval, mais ou menos no sentido longitudinal. Cada corredor de ligação devia permitir que se alcançasse tanto um recinto situado no eixo central do veículo, como o que ficasse perto do casco. Ao que parecia, os twonosers não conheciam as vantagens da subdivisão de um espaço em vários pavimentos. Na opinião de Bob isso era estranho, mas não tinha a menor dúvida de que para os trombas azuis a arquitetura baseada em numerosos corredores em curva era muito mais eficiente que o sistema dos pavimentos, adotado pelos terranos. O setor que Bob e o cabo deveriam vasculhar era formado por um total de cinco corredores em forma de tubo, cada qual medindo cerca de trinta metros entre o começo e o fim do setor, além das salas que terminavam nos mesmos. O sistema de acionamento das escotilhas era o mesmo adotado nas espaçonaves terranas. Bastava aproximar-se das mesmas, para que se abrissem automaticamente. No curso das buscas realizadas, Bob e Strombowski descobriram um total de vinte e um twonosers inconscientes. Cada um deles recebeu uma injeção. A reação foi sempre a mesma. O twonoser levantava abruptamente o tronco, examinava os terranos sem dar sinal de que sua presença o surpreendia, levantava-se e saía andando calmamente. Bob notou que todos seguiam na mesma direção. Provavelmente sentiam certa perplexidade e dirigiam-se ao lugar em que poderiam conseguir algum esclarecimento sobre a situação. Bob não tinha a menor idéia de onde ficava este lugar, mas em sua opinião não havia a menor dúvida de que o Coronel Kasom ficava à espera por lá, a fim de aplicar aos twonosers um tratamento que os impediria de vez de criar qualquer problema durante a operação. Finalmente voltou à eclusa juntamente com Strombowski. Os três jatos espaciais eram por assim dizer o único equipamento existente no gigantesco pavilhão. Alguém providenciara, antes da chegada dos jatos, para que todas as naves auxiliares twonosers fossem lançadas para o espaço. Os jatos espaciais precisavam de espaço e, se necessário, de liberdade de movimentos. A SJ-008C era o veículo estacionado mais perto do acesso interno da eclusa. Bob chegou à sala dos tripulantes e viu que não havia ninguém. Os outros ainda não tinham acabado de vasculhar seus setores. O cabo Strombowski ficou para trás, quando subiu pela escada que dava para a carlinga de comando a fim de apresentar seu relatório ao Capitão Liggett. O capitão estava recostado na poltrona, dando a impressão de que adormecera.

— Senhor...? — principiou Bob com a voz titubeante. — Pensou que eu estava dormindo? — perguntou Liggett sem virar a cabeça ou abrir os olhos. Bob não respondeu à pergunta. — O cabo Strombowski e eu acabamos de revistar o setor que nos foi atribuído, senhor — respondeu. — Aplicamos a injeção prescrita em vinte e um twonosers. Correu tudo de acordo com o plano. Acontecimentos ou descobertas especiais, nenhuma. Liggett acenou lentamente com a cabeça. — Está bem, tenente. Sente e procure descansar. Sem abrir os olhos, inclinou-se para a frente e pegou o microfone do intercomunicador. Bob admirou-se da segurança de seus movimentos. Sua mão atingiu exatamente o lugar que pretendia. O sistema de intercomunicação certamente já fora ligado à rede de transmissão circular da nave twonoser. O homem que apareceu na tela era o Coronel Kasom, e este devia encontrar-se nas profundezas do veículo estranho. — Liggett chamando comando — disse o capitão. — A primeira patrulha acaba de voltar e anuncia a presença de vinte e um twonosers. Correu tudo de acordo com o plano, senhor. Kasom limitou-se a acenar com a cabeça. A tela voltou a apagar-se. Liggett voltou a colocar o microfone no suporte e acomodou-se na poltrona, com as mãos cruzadas sobre o ventre. Bob tinha algumas perguntas na ponta da língua, mas preferiu não dizer nada, porque o capitão parecia precisar de descanso. Como era possível que alguém tivesse sono durante uma operação como esta? Olhou com uma expressão pensativa para a tela de visão global, na qual aparecia a eclusa da nave twonoser. Dali a quinze minutos voltaram os dois homens restantes que pertenciam ao grupo de Liggett. Eram o Sargento Shriver e o Cabo Rosenblatt. A figura magra e alta de Shriver foi subindo pela escada. O sargento informou, sem deixar que a atitude descontraída de Liggett o perturbasse: — Dezoito, senhor. Nada de anormal. Liggett fez um sinal com a mão. Shriver considerou-se dispensado e voltou a descer. Bob ouviu as vozes dos homens que conversavam no alojamento dos tripulantes. Voltou a contemplar o painel de instrumentos. Para passar o tempo e diminuir a tensão que sentia, passou a examinar cada chave e luz de controle, bem como os instrumentos, citando a meia-voz as funções de cada um. Gastou mais tempo no mecanismo direcional do canhão energético, disposto num círculo afastado dos outros controles. Tentou imaginar qual seria sua reação se nesse instante o jato espacial fosse atacado por um veículo inimigo. Recapitulou os atos que se tornariam necessários: o enquadramento do alvo, o acoplamento do mecanismo direcional (o canhão estava rigidamente montado na estrutura do jato espacial e só podia disparar na direção do vôo), a regulagem da intensidade do fogo, a estabilização dos campos defensivos — Fogo! Depois passou a dedicar sua atenção ao intercomunicador. Sentiu uma necessidade premente de falar com alguém. Parecia que Liggett adormecera de verdade. Provavelmente não se importaria se Bob descesse para conversar com os outros. Mas o senso de obrigação de Bob era muito acentuado. Exercia as funções de co-piloto, e por enquanto ninguém lhe dera permissão para abandonar seu posto. Até continuava com o capacete protetor sobre a cabeça, pois ninguém lhe dissera que podia tirá-lo. Provavelmente seus companheiros já o consideravam um careta incorrigível. Mas fazia menos de um ano que lhe haviam dito que as regras são feitas para serem obedecidas, e ele ainda achava que isso era uma idéia razoável.

Sobressaltou-se quando o sinal de chamada do intercomunicador se fez ouvir. O rosto gigantesco do Coronel Kasom voltou a aparecer na tela. — Chamando todos os tripulantes — principiou laconicamente. Bob lançou um olhar ligeiro para o Capitão Liggett. Teve a impressão de que o mesmo ainda estava dormindo. — A nave twonoser já esta em nosso poder. O veículo tem quinhentos metros de comprimento e seu diâmetro maior é de cento e cinqüenta metros. A tripulação é formada por cerca de oitocentos twonosers trombas azuis. Em cada twonoser foi aplicado um bloqueio sugestivo. Eles obedecem pacificamente às nossas ordens. Uma vez concluída a operação, o bloqueio cessará automaticamente, e todas as lembranças dos acontecimentos se apagarão. A nave é capaz de executar o vôo linear. Avançaremos imediatamente para o ponto de destino. O tempo de vôo previsto é de cinco horas. Todos tiveram um dia muito cansativo. Deitem e descansem um pouco. Nas próximas horas não deverá haver nenhuma surpresa. “Mais alguns detalhes da operação. Daqui em diante o avanço será comandado a partir da sala de comando. Além de minha pessoa, os atores principais do projeto encontram-se na mesa — um sorriso bonachão apareceu em seu rosto. — Quero ressaltar que estamos em boa companhia. Rakal e Tronar Woolver, os senhores Ishibashi e Goratchim e, finalmente, mas não menos importante, Gucky são as pessoas que desempenham os papéis principais. Os senhores que se encontram lá fora, à frente das telas do intercomunicador, cobrirão nossa retaguarda. Se tudo der certo, a operação para os senhores será um simples passeio. Mas se houver algum imprevisto, quero que estejam a postos. Serão acordados alguns minutos antes do retorno ao Universo normal. É só. Partiremos dentro de dez minutos.” A tela apagou-se. Bob lançou um olhar inseguro para Liggett. — O senhor ouviu — resmungou o capitão sem abrir os olhos. — Desça e descanse um pouco. — Sim senhor — respondeu Bob e levantou-se. — E tire logo esse maldito capacete. Se o ar aqui dentro não fosse puro, eu já teria percebido. Bob obedeceu, abrindo o fecho do capacete. Antes de dirigir-se à escada, disse: — O senhor também deveria descansar um pouco, capitão. O Coronel Kasom disse... — Ouvi o que ele disse — interrompeu Liggett em tom áspero. — Será que dou a impressão de não ter descansado bastante? Desça logo, homem, e estique-se na cama. Bob não fez nenhuma objeção. No alojamento dos tripulantes Strombowski, Shriver e Rosenblatt estavam sentados na beira de suas poltronas anatômicas, que tinham sido dobradas para trás a ponto de se parecerem antes com camas. Interromperam sua conversa quando Bob desceu pela escada. Bob mostrou um sorriso amável e disse: — Continuem. Não se incomodem com minha presença. Shriver abriu os lábios e pôs à mostra uma dentadura que, juntamente com o crânio magro e comprido, lhe dava um aspecto de cavalo. Strombowski fitou Bob com seus olhos ingênuos cor de água. Rosenblatt, um homem baixo, um tanto obeso, com cabelos muito negros e crânio achatado, deu uma risadinha maliciosa. Bob ficou furioso. Tentara ser amável, mas todo mundo via nele apenas o novato que só participava da operação para diverti-los e mantê-los bem-humorados. Deu as costas aos companheiros e dobrou uma poltrona que ficava nas proximidades da escotilha aberta. Apesar do cansaço que sentia, levou quase uma hora para adormecer. O ligeiro incidente pelo qual passara enchia-o de uma raiva impotente.

Resolveu que assim que houvesse uma oportunidade diria algumas verdades a esses homens. Eles se convenceriam de que estavam enganados a seu respeito. Era oficial, e isso representava uma vantagem que nenhuma experiência no espaço, por mais prolongada que fosse, poderia compensar. Bastaria que desse ordem para que ficassem em posição e fizessem continência à sua passagem. A idéia de que isso os incomodaria bastante fez com que se acalmasse. Acabou adormecendo. Enquanto isso a nave twonoser corria a uma velocidade incrível em direção ao distante sistema de Tri.

3 Uma voz enérgica arrancou Bob de um sono profundo. — Faltam quinze minutos para o retomo. Todos a postos! Ergueu-se abruptamente. Atrás dele Shriver, Strombowski e Rosenblatt foram saindo lentamente das poltronas. Bob lançou um olhar ligeiro para a tela retangular embutida na parede, que tentava simular uma janela. O cinza leitoso, sem contornos definidos, do espaço linear que as lentes das objetivas não conseguiam alcançar, agitavase na superfície de imagem. Bob olhou para o relógio. Seria interessante ver as mudanças havidas no mundo que os cercava, quando dali a alguns minutos a nave retornasse ao conjunto espácio-temporal einsteiniano. Bob subiu à carlinga de comando. O Capitão Liggett estava sentado na poltrona de comando, com o corpo entesado, estudando os instrumentos embutidos no painel. Quando ouviu Bob, virou a cabeça e cumprimentou-o com um sorriso amável. — Descansou bastante? — perguntou. A mudança de comportamento do capitão deixou Bob espantado. — Acho que sim, senhor — respondeu, confuso. Liggett suspirou. — A cobertura de celofane com que o envolveram na Academia ainda acabará caindo — disse em tom preocupado. — Quando isso acontecer, o senhor talvez seja capaz de me chamar simplesmente de capitão ou de Whiley. Bob saltou para dentro da poltrona. — Acho que não será muito difícil, senhor — respondeu. Liggett olhou demoradamente para ele. — Como está se arranjando com os outros? — perguntou de repente. Bob levantou os ombros. — O cabo Strombowski conhece suas obrigações, senhor. Com os outros dois ainda não tive nenhum contato. Liggett deu uma risadinha. — Stromb conhecer suas obrigações! — a idéia parecia diverti-lo. — Sabe que já chegou duas vezes ao posto de sargento e acabou sendo rebaixado por ter-se recusado a cumprir uma ordem que não era do seu agrado? Bob não sabia e surpreendeu-se com o fato de que um homem deste tipo servia a bordo da nave-capitânia da Frota Solar. — Ouvi Sol dar uma risadinha enquanto o senhor estava descendo — disse Liggett. — Sol, senhor...? — Isso mesmo. Sol Rosenblatt. Ele não gosta de novatos. Julga-se muito importante por ter doze anos de serviço. Aposto que Hoss mostrou os dentes. Refiro-me a Hoss Shriver. Faz seis anos que levou em cheio no rosto uma salva de arma de choque. Isso teria jogado qualquer homem normal no chão para o resto da vida. Mas com Hoss isso não aconteceu. Somente alguns nervos e músculos foram postos fora de ação. É incapaz de mover os músculos do rosto da boca para cima, com exceção dos das pálpebras. Fica um pouco esquisito quando ri. Bob não sabia o que dizer.

— O que quero dizer — prosseguiu Liggett — se o senhor achar que os homens são um pouco esquisitos, o senhor tem toda razão, do seu ponto de vista. Mas quem anda anos a fio aqui por fora acaba se acostumando com eles. Qualquer pessoa que passa a vida no espaço fica com alguns parafusos frouxos. Bob sorriu. Liggett estava defendendo seus homens. Bob estava gostando, embora pessoalmente não gostasse deles. Provavelmente se daria bem com Liggett. Com os outros seria mais difícil, mas no momento isso não o deixava preocupado. — Faltam dez segundos para o reingresso — trovejou a voz saída do intercomunicador. Bob ficou com os olhos grudados na tela. O cinza apagado desapareceu de repente. Os pontos luminosos formados pelas estrelas voltaram a aparecer. A abundância desses pontos era perturbadora. À primeira vista Bob não teria certeza de que se encontravam em outra área do Universo do que seis horas antes. Mas logo notou a estranha claridade que de repente encheu a cúpula e virou o rosto. Viu na parte traseira da tela de visão global as imagens de três bolas de fogo. Tratava-se de três estrelas que se encontravam a apenas algumas horas-luz. A disposição das três estrelas no espaço era tão fora do comum que Bob não teve nenhuma dificuldade em identificá-las com base nas informações que lhe tinham sido dadas durante o treinamento. Tratava-se dos sóis Tri. Estes sóis eram figuras luminosas avermelhadas de tamanho considerável. Os centros de gravidade dos três sóis ficavam em linha reta. A distância entre um e outro era de aproximadamente oito e meio bilhões de quilômetros. Um planeta azul-brilhante chamado Gleam descrevia sua órbita em tomo do sol central. Não podia ser visto à distância em que se encontravam. Era um dos astros mais estranhos entre aqueles já visitados pela frota do Império Solar. Em torno de Gleam, por sua vez, circulava a lua Siren, e dessa lua partiam os misteriosos hipersinais que comandavam os mobys. Estes sinais eram refletidos em milhares de direções pelas pirosferas de gigantescos sóis, fazendo com que no interior de Andro-Beta os impulsos soassem em toda parte — que nem os clarins de uma caça na floresta, que penetram na mesma de dois lados diferentes. Bob Vorbeck fora informado sobre isso durante o hipno-curso. Por enquanto não via nada de Gleam, nem ouvia os sinais de comando. Mas notou uma cintilância múltipla e fulgurante projetada na pequena tela verde do rastreador, que Liggett acabara de ligar. Liggett parecia ter abandonado de vez a rabugice que demonstrara no início. Apontou para a tela. — São algumas centenas de naves — explicou, dirigindo-se a Bob. — Devem ser todas do mesmo tipo da nossa. Os twonosers estão mesmo decididos a não permitir que quem quer que seja se aproxime de Siren. De repente um raio ofuscante, mais ou menos do tamanho da unha do dedo mindinho, entrou na tela, vindo da direita. Liggett sacudiu a cabeça, preocupado, e resmungou alguma coisa. — Kasom não vai gostar nem um pouco. Trata-se de um moby. A distância — estreitou os olhos e leu as coordenadas — é de aproximadamente trinta unidades astronômicas. É muito perto. Bob perguntou-se o que estaria acontecendo naquele momento a bordo das naves twonosers. Os rastreadores das grandes unidades desse povo certamente não eram menos eficientes que os de um jato espacial terrano. A nave apresada devia ser perfeitamente

visível contra o fundo formado pelo cosmos, que não emitia reflexos. Qual seria a reação dos twonosers? Parecia que o Coronel Kasom sabia que os homens estavam quebrando a cabeça com isso. A idéia mal atravessara a cabeça de Bob, quando o sinal de chamada do intercomunicador soou. O crânio enorme do ertrusiano apareceu na tela. — Só uma informação ligeira — disse a voz retumbante. — O comandante twonoser de nossa nave entrou em contato com a frota que os senhores vêem nas telas dos rastreadores, dando uma explicação sobre nosso súbito aparecimento. Segundo seu relatório, algumas espaçonaves cilíndricas cuja origem não é conhecida atacaram a patrulha que era formada por três unidades e destruíram duas delas. Nossa nave teria escapado no último instante. Como local do ataque foi indicada uma posição que fica a mais de mil anos-luz do verdadeiro teatro dos acontecimentos. O twonoser disse que depois do ataque veio para cá pelo caminho mais rápido possível, para colocar seu veículo espacial sob o comando de um oficial graduado. Parece que suas explicações foram prontamente aceitas. A nave recebeu ordens para juntar-se à frota estacionada em torno de Siren, assumindo a posição que lhe foi indicada. “A frota é formada por um total de três mil e cem unidades twonosers. As mesmas cercam a lua Siren, formando três esferas concêntricas, a maior das quais tem duzentos mil quilômetros de diâmetro, enquanto a menor tem cinqüenta mil. Temos de pensar num estratagema que nos permita chegar mais perto de Siren. “Além das unidades da frota, há três mobys circulando em torno de Siren. Cada um deles é um exemplar respeitável de sua espécie, e sua gravitação é suficiente para criar muita confusão no sistema Tri. Por isso os três mobys descrevem uma órbita cujo centro fica em Siren, mas o diâmetro da mesma chega a cento e setenta unidades astronômicas. Dessa forma Gleam e os três sóis ficam em seu interior. “No momento a situação é esta. Como vêem, nas próximas horas quase tudo dependerá da nossa vigilância e da sorte. Fiquem a postos e torçam para que tudo dê certo.” Bob não tinha certeza se teria dito a mesma coisa, caso estivesse no lugar de Kasom. Conhecia muitas pessoas sensatas que numa situação destas perderiam a cabeça, se alguém lhes dissesse que a sorte ou o azar, a morte ou a vida dependiam somente de que elas torcessem. Mas Liggett provavelmente tinha razão. Uma pessoa que passou a maior parte da vida a bordo de uma espaçonave não podia ser julgada pelos padrões normais. Provavelmente não se deixariam enganar, se Kasom tentasse incutir-lhes falsas esperanças. Os pensamentos que atravessavam sua cabeça deviam estar escritos no rosto. De repente Bob notou que Liggett o observava com um sorriso sarcástico no rosto. — O senhor não teria dito isso, não é mesmo? — perguntou assim que Bob levantou os olhos. Bob abriu as mãos. — Para dizer a verdade, não teria. Deve-se fazer o possível para animar os homens em vez de pintar o diabo. Mas pelo que vejo dentro de alguns dias pensarei da mesma forma que o senhor e o Coronel Kasom. O sorriso desapareceu de repente do rosto de Liggett. — Isto se daqui a alguns dias ainda estivermos por aqui! — disse em tom pessimista. ***

No início foi difícil para Bob ver em toda parte os pontos amarelos que representavam as naves inimigas projetados nas telas e sentir-se bem, mas como as horas foram passando sem que nada acontecesse, começou a acostumar-se à situação. As informações transmitidas pelo comandante ao qual fora aplicado um hipnobloqueio não tinham despertado nenhuma desconfiança nos twonosers, tanto que estes nem sequer enviaram um comando de abordagem à nave apresada. O veículo entrara no anel exterior da frota e contornava a lua Siren em velocidade moderada. Cada volta demorava cinco horas, e durante a mesma tinham de ser realizadas correções de rota, já que a nave chegava a menos de cinqüenta mil quilômetros do planeta Gleam. Bob ficou fascinado e admirado diante do mundo azul-brilhante. Era possível que num passado remoto Gleam tivesse sido uma esfera, mas o período de rotação muito rápida lhe dera uma forma que não tinha igual entre os astros naturais. O comprimento do eixo polar era de apenas metade do diâmetro equatorial. A natureza estabelecera medidas muito precisas. Até a quarta casa decimal, a relação era exatamente de 0,5000. O diâmetro equatorial era de 20.962 quilômetros, enquanto o comprimento do eixo polar chegava a 10.480 quilômetros. O brilho azul que envolvia totalmente o planeta era muito intenso. Parecia sair da atmosfera. Por causa da luminosidade era quase impossível reconhecer os detalhes da superfície. Siren era uma lua igual a muitos outras, sem atmosfera e entrecortada por inúmeras crateras. Tinha algumas centenas de quilômetros menos que a Lua terrana, mas quanto ao resto seu aspecto se assemelhava bastante à mesma. Ninguém que não tivesse sido informado seria capaz de acreditar que em Siren havia instalações importantes dos twonosers, ou melhor, de seus donos, os senhores da galáxia. Fossem quais fossem as instalações existentes em Siren, as mesmas deviam ficar bem embaixo da superfície. O trabalho a bordo do jato espacial era monótono e não tinha nada de excitante. Assim que a nave assumiu sua posição no anel exterior da frota twonoser, o Capitão Liggett deu ordem para que o sargento Shriver o substituísse. Bob esqueceu a raiva e tentou conversar com Shriver. Mas o sargento não parecia ter nenhuma vontade de conversar. Suas respostas foram tão lacônicas que Bob logo desistiu. Ficou sentado em silêncio por mais de três horas, amaldiçoando as pessoas que o haviam colocado neste posto e eram culpadas de ele ter que se dar com um tipo grosseiro como Shriver. Finalmente Liggett voltou e deu ordem para que Shriver descesse. Trouxe Strombowski para substituir Bob. Este se cansara tanto com o tédio que desceu imediatamente e deitou. Notou que Rosenblatt o observava atentamente enquanto descia pela escada; virou a cabeça, contrariado e decepcionado, ao ver que Bob não lhe dava atenção. Desta vez Bob conseguiu adormecer imediatamente. *** Dali a quatro horas, quando acordou, a situação tinha mudado muito. A nave apresada não se encontrava mais na posição que lhe fora indicada. Deixara bem para trás o anel exterior da frota e encontrava-se a cerca de cento e cinqüenta mil quilômetros de Siren. Liggett explicou que o Coronel Kasom resolvera fazer uma experiência, para testar a vigilância dos twonosers. A nave parecia vagar pelo espaço, mas desenvolvia uma velocidade que lhe permitiria alcançar dentro de oito horas o anel interior da frota. A idéia era deixar a nave vagar enquanto o comandante twonoser não desconfiasse de nada e não fizesse perguntas. Se tivesse alguma desconfiança, ainda lhe poderiam dar uma explicação plausível ou tentar romper as linhas twonosers à força.

Bob Vorbeck voltara ao seu lugar à frente do console de comando do co-piloto. Tentou recordar os exercícios táticos da Academia Espacial. Chegou à conclusão de que Melbar Kasom nunca participara desses exercícios, ou então as teorias táticas da Academia Espacial estavam irremediavelmente ultrapassadas. Fez um esforço para elaborar um plano de batalha com base nessas teorias e constatou que isso não era possível. A hipótese não tinha sido incluída nos exemplos em que se baseavam os exercícios. Ficou apavorado ao dar-se conta de que o comandante que se ativesse às teorias da Academia Espacial no momento não teria outra alternativa senão fazer meiavolta e tratar de dar o fora. Passou a compreender melhor a situação do Coronel Kasom. Nem podiam pensar em voltar. Siren tinha de ser colocado fora de ação, pois era dali que partiam os impulsos que comandavam os mobys que espalhavam a destruição por todos os mundos habitados e habitáveis da nebulosa Andro-Beta. Enquanto os mobys desenvolviam sua ação furiosa, nem se poderia pensar em instalar uma base fixa no interior de Andro-Beta. Além disso havia o perigo de o asteróide Tróia ser atacado e destruído. Finalmente, as unidades terranas que no momento se encontravam em Andro-Beta não estavam em condições de enfrentar um moby que as atacasse. Por isso havia o perigo de uma das naves terranas ser aprisionada, com o que seria revelado o segredo da presença dos terranos em Andro-Beta. Era necessário evitar isso. De todos os fatores de risco, o mais grave era o de os senhores da galáxia descobrirem quem era o intruso que tinha penetrado em Andro-Beta. Bob Vorbeck reconheceu que o Coronel Kasom não poderia agir de forma diferente do que estava fazendo. Quando mais duas horas se passaram sem que ninguém pedisse explicações à nave apresada por causa de sua estranha manobra, Bob até chegou a acreditar na possibilidade de o plano ser bem-sucedido. Depois de mais uma hora já não teve nenhuma dúvida de que a disciplina no interior da frota twonoser era muito relaxada. Nem esperava mais que o desaparecimento da nave apresada do anel exterior da frota chegasse a ser notado. No momento a nave se encontrava entre as unidades bastante espalhadas que formavam o anel central, a pouco menos de 115.000 quilômetros de Siren. Num comunicado o Coronel Kasom dera a entender que tentaria aproximar-se a cinqüenta mil quilômetros de Siren. Era a distância mantida pelo anel interior da frota. Se chegassem ainda mais perto do planeta, fatalmente despertariam a desconfiança até mesmo dos twonosers pouco atentos. Kasom explicou que Gucky e os gêmeos Woolver eram capazes de percorrer distâncias bem maiores, o primeiro em virtude do dom da teleportação, e os últimos graças à capacidade de deslocar-se no interior de qualquer forma de raios energéticos. Bob prestou muita atenção às explicações. Sentiu-se como se estivesse sentado à frente da tela, em sua casa, assistindo a um noticiário interessante. As faculdades incríveis dos mutantes distanciavam-se muito de sua inteligência viva, mas completamente humana e normal, tornando-o incapaz de relacionar-se com as mesmas. Dali a algumas horas Gucky, o rato-castor, e os dois Woolver pegariam cada um um objeto altamente explosivo embaixo do braço e dariam um salto para Siren. Colocariam as bombas nos lugares em que pudessem causar o maior estrago possível, para regressar com a mesma elegância a nave apresada. O Coronel Kasom faria detonar as bombas por controle remoto, e o problema representado por Siren estaria resolvido. No meio da confusão que passaria a reinar entre os twonosers depois da explosão, não deveria ser muito difícil retirar-se do sistema Tri sem serem notados.

“Por que estou mesmo aqui?”, pensou Bob, zangado. Recostou-se na poltrona e esticou as pernas o mais que pôde. Dali a alguns minutos surpreendeu-se porque os olhos queriam fechar. Endireitou o corpo, espantado, e sentiu um cansaço pesado e um ardor nos olhos. Até parecia que acabara de executar dez horas de trabalhos físicos pesados. Não fazia mais de três horas que tinha levantado da poltrona em que estivera deitado. Será que o tédio realmente cansava tanto? Levantou e caminhou os poucos metros que o separavam da portinhola da escada, para voltar logo à poltrona. De repente deu-se conta do silêncio profundo que reinava por ali. Ainda há quinze minutos — ou será que já fazia mais tempo? — ouvira Shriver, Rosenblatt e Strombowski conversando. Será que todos tinham adormecido? Voltou à portinhola e inclinou-se para olhar para baixo. Isso quase lhe custou a vida. Ao abaixar-se, sentiu de repente uma forte tontura. A portinhola e a escada desmancharam-se diante dos seus olhos. Bob soltou um grito e atirou-se para o lado. Mal e mal conseguiu agarrar a borda da portinhola. As pernas ficaram balançando no ar. Finalmente os pés tocaram numa travessa, na qual conseguiram apoiar-se. Bob ficou imóvel, até que o véu que cobria seus olhos se desmanchasse. Soltou a borda da portinhola para segurar-se no topo da escada. Liggett continuava sentado em sua poltrona, completamente imóvel. Bob notou perfeitamente, pois do lugar em que se encontrava via a carlinga de comando de baixo para cima. Lembrava-se de ter gritado. Será que o sono de Liggett era tão profundo que nem ouvira o grito? Desceu mais um degrau e lançou um olhar rápido para o alojamento dos tripulantes. Shriver e Strombowski estavam deitados nas poltronas reclinadas, dormindo profundamente. Também não pareciam ter ouvido seu grito, nem o barulho que fizera quando mal e mal conseguira evitar a queda. Era estranho. Mas a posição de Rosenblatt era ainda mais estranha. Parecia que também estava dormindo, mas tinha-se a impressão de que adormecera tão depressa que nem tivera tempo de ajeitar uma poltrona. Estava deitado no chão, com as pernas e os braços estendidos. Bem aos poucos, como se os caminhos de sua mente estivessem entupidos, Bob começou a dar-se conta de que devia haver algo de errado em tudo isso. Desceu de vez a escada, cansado e atordoado, e inclinou-se sobre Sol Rosenblatt. Segurou o cabo pelo braço e tentou levantá-lo. Ficou muito espantado ao notar que não conseguia. Estava sem forças. Espantado, soltou o braço flácido. A cabeça de Rosenblatt bateu com força no chão, mas Sol não parecia perceber nada. Continuou a dormir. Uma parte da mente de Bob Vorbeck deu o alarme. Sentia-se tão confuso que ele mesmo se admirou com isso. Perigo! Onde estava mesmo o perigo? Droga! Quem dera que não se sentisse tão cansado. Saiu cambaleante em direção à eclusa aberta. Se havia algum perigo, o mesmo só poderia vir do lado de fora. Bastava ficar postado no interior da eclusa, de arma na mão, e nada lhe poderia acontecer. Pôs-se a mexer obstinadamente no fecho do coldre em que estava guardada sua arma energética. Era estranho, mas os movimentos dos dedos eram desajeitados. Tropeçou sobre a trilha da escotilha e caiu de frente sobre o rosto. Como só podia usar uma das mãos para apoiar-se, bateu fortemente com o queixo. A dor lancinante fez com que sua consciência despertasse. Soltou uma praga, agarrou-se no quadro da escotilha e conseguiu levantar o corpo. Depois parou estupefato.

Uma coisa horrível estava entrando pela escotilha externa. Era uma figura disforme, que preenchia quase todo o quadro da escotilha, foi entrando na câmara da eclusa. Bob viu pedaços grandes de pele fosca e porosa, uma semi-esfera do tamanho de uma bola de futebol, que sobressaía da mistura confusa de pele e tendões, com um gigantesco olho no meio, que o fitava ininterruptamente. Bob fez mais um esforço para tirar a arma do coldre. A fera desconhecida avançou em sua direção, arrastando os pés. O desespero deu novas forças aos seus músculos, mas a mente parecia paralisada. O cérebro já não conseguia controlar os movimentos dos dedos. Bob teve a impressão de que alguém estava cobrindo sua cabeça com um gigantesco saco negro. Perdeu os sentidos.

4 Melbar Kasom parecia aborrecido. Olhava para a grande tela de imagem da sala de comando. Ardia de impaciência para concluir logo a operação, mas no momento não tinha nada a fazer senão esperar, esperar, esperar... A sala de comando era um recinto não muito espaçoso, em comparação com o tamanho da nave. Sua forma era oval e possuía um teto abobadado enfeitado por placas luminosas fluorescentes. A guarnição básica do recinto era formada por somente seis twonosers. Seus consoles de comando estavam irregularmente dispostos ao longo da parede. Cuidavam em silêncio e solicitamente de seu trabalho, não dando nenhuma atenção aos terranos enquanto estes não lhes dirigissem a palavra. À falta de uma peça de mobiliário apropriada, Ivã Goratchim se acomodara no chão. Depois de uma discussão prolongada suas duas cabeças tinham chegado à conclusão de que estavam ambas cansadas. O mutante estava estendido no chão, dormindo tão profundamente como era de se esperar num ser que possuía dois centros sensoriais que lhe conferiam a possibilidade de sentir-se duas vezes mais cansado que um homem normal. Os gêmeos Woolver estavam de pé ao lado dá parede abobadada. De vez em quando Kasom os fitava com uma expressão de curiosidade. Nunca vira dois seres capazes de permanecer tanto tempo tão completamente imóveis no mesmo lugar como os Woolver. O cansaço não parecia afetar seus músculos atléticos. Seus troncos gigantescos em forma de balão não faziam o menor movimento. Numa atmosfera como a da nave bastava que inalassem o ar uma única vez para encher os pulmões a ponto de poderem ficar sem respirar durante quinze minutos. Mas Kasom percebeu que seus olhos estavam bem atentos. Nenhum movimento lhes escapava. Kitai Ishibashi, o sugestor, dormia o sono da exaustão. Foi principalmente graças a ele que os twonosers tinham recebido um bloqueio sugestivo conforme previa o plano. Ishibashi usara o hipno-projetor, reforçando as emanações do mesmo com suas energias mentais, para colocar a tripulação propriamente dita da espaçonave num estado em que não pudesse fazer mais nenhum estrago. O mutante tinha arranjado, ninguém sabia onde, um estranho móvel twonoser, e dormia tão profundamente sentado no mesmo que até parecia que descansava num leito celeste. Gucky, o rato-castor, mantinha-se num estranho silêncio. Sentado no chão, observava a tela. Uma hora atrás ainda travara uma discussão violenta com Goratchim, durante a qual parecia divertir-se instigando uma cabeça contra a outra. Desde que o mutante de duas cabeças adormecera, Gucky também permanecia em silêncio. Kasom conhecia-o muito bem e sabia que apesar de sua amabilidade que por vezes se tomava um tanto inoportuna sentia-se satisfeito por ter uma pausa para descansar, pois dessa forma tinha oportunidade para preparar-se para a fase principal da operação. Gucky era a figura principal no jogo. Era o único de quem Melbar Kasom podia ter certeza de que chegaria à superfície de Siren. A lua não estava envolta por um dos temíveis campos defensivos do tipo verde, que anulava as faculdades até mesmo dos melhores teleportadores. Devia ser por causa dos hipersinais. O campo defensivo fora desligado, para que os impulsos pudessem sair livremente para o espaço. Gucky não teria problema em chegar ao destino. Já com os irmãos Woolver não se podia ter tanta certeza. A confusão dos sinais poderia influenciar negativamente sua

capacidade de transportar-se pelos fluxos energéticos, roubando-lhes o sentido de orientação. Mas só na hora do ataque se veria se realmente era assim. Melbar Kasom olhou para o relógio. Fazia quase quarenta minutos que não falava com as tripulações dos jatos espaciais guardados na grande eclusa de carga da nave twonoser. Não que tivesse havido alguma novidade, mas queria falar de vez em quando com os homens, para que soubessem que não os esquecera. Não estavam tão bem informados sobre os detalhes da operação como ele. A espera era mais desgastante para seus nervos. Nem que lhes dissesse somente que demoraria mais quatro horas até que atingissem o anel interno da frota e pudessem desferir seu golpe. Não era uma informação muito precisa, e não representava nada que eles não soubessem. Mas o simples fato de falar com eles os deixaria mais calmos. Não se poderia dizer que Melbar Kasom fosse presunçoso, mas ele conhecia as regras da guerra psicológica. Estava no comando da operação, e enquanto demonstrasse otimismo, os homens estariam dispostos a acreditar que tudo acabaria saindo bem. Aproximou-se de um dos consoles de comando e afastou o twonoser sentado à frente do mesmo. O ser trombudo nem parecia perceber. Até parecia que queria mover as pernas um pouco, pois levantou devagar e deu alguns passos ao acaso. Melbar ligou o sistema de intercomunicação da nave, que logo após sua chegada fora acoplado à aparelhagem dos jatos espaciais. No console que se erguia sobre o quadro de comando havia mais de cinqüenta telas de imagem de dez por dez centímetros, que normalmente permitiam ao comandante twonoser manter contato visual com os diversos setores da nave. No momento estavam todas desligadas, com exceção de três, que ficavam no canto superior esquerdo do console. Uma vez ligado o equipamento, cada uma delas mostrava a sala de comando de um dos três jatos espaciais estacionados na eclusa de carga. Um dos veículos estava vazio. Era aquele em que tinham vindo Melbar Kasom, Kitai Ishibashi e Ivã Goratchim. Os outros dois eram comandados pelo Capitão Liggett e Chief Donlan. O Tenente Vorbeck servia sob as ordens de Liggett. Cada vez que Melbar o via na tela, ele se divertia vendo o rapaz louro e alto querer ler as palavras antes que saíssem de sua boca, como se as mesmas representassem a verdade suprema. Duas das telas iluminaram-se. Uma delas mostrou a sala de comando do jato no qual tinha vindo Kasom, que estava vazia. Na segunda apareceu Chief Donlan, recostado na poltrona, parecendo dormir profundamente. Na terceira tela não apareceu nada. Desenhos agitados branco-azulados corriam pela superfície de imagem, dando a impressão de que o outro lado da linha estava pendurado no nada. Kasom desligou o aparelho e voltou a ligá-lo dali a um segundo. Certos erros de transmissão podiam ser corrigidos dessa forma. Mas a tela continuou vazia. Melbar pegou o microfone de formato estranho e gritou: — Acorde, Chief! Não consigo contato com a zero zero oito. O que houve? Chief Donlan continuou imóvel. Melbar voltou a gritar. Quando viu que Donlan não reagia aos seus gritos, já não teve dúvida de que havia algo de errado. Donlan não estava dormindo. Ficara inconsciente. E sua tripulação encontrava-se no mesmo estado, pois do contrário um dos homens que se encontravam no alojamento dos tripulantes já teria subido para responder ao chamado. Melbar deixou ligado o intercomunicador e virou o rosto para Gucky. O rato-castor acompanhara atentamente seus movimentos. Quando Melbar olhou para ele, levantou devagar. — Já sei — disse num sopro. — Vou dar uma olhada. Melbar confirmou com um gesto.

— Faça-me o favor — disse. — Precisamos saber o que está acontecendo. No mesmo instante a figura pequena de Gucky parecia dissolver-se no nada. Melbar voltou a olhar para o intercomunicador. Viu o rato-castor aparecer ao lado de Chief Donlan. Saltou sobre a braçadeira da poltrona, segurou o queixo de Donlan e virou sua cabeça de um lado para outro. — Ele está fora de forma que nem um bebedor de cerveja depois de uma festa regada a champanhe — disse. Melbar ouviu um tom de preocupação em sua voz aguda. — O que houve com o zero zero oito? — perguntou Melbar. Gucky fez o rosto mais sério que já se tinha visto nele. — Desapareceu — respondeu laconicamente. — Desapareceu sem deixar o menor vestígio. *** Ao acordar, Bob Vorbeck sentiu dores cruciantes. Sua pele ardia como se estivesse sendo perfurada por milhares de agulhas incandescentes. As câimbras repuxavam seu corpo, e um martelo parecia desferir golpes mortíferos em seu crânio. Teve de fazer um esforço tremendo para abrir os olhos. O quadro que viu era confuso e irreal. O cérebro maltratado recusava-se a ver as coisas tal qual eram. Bob viu os contornos de cinco figuras robustas, que se movimentavam dentro de seu campo de visão como se estivessem envoltas numa névoa. Bob não sabia quem eram, mas uma recordação surgida num canto de sua mente lhe disse que já tinha visto figuras semelhantes. O esforço que teve de fazer para olhar para os lados aumentou a dor, tornando-a insuportável. Bob fechou os olhos e fez um esforço para ficar quieto. Valeu a pena. A ardência da pele foi diminuindo, e o martelo que batia em seu crânio passou a ser brandido com menos força. Mas as câimbras não diminuíram. O pensamento lógico foi voltando devagar e de forma insegura. Bob começou a perguntar a si mesmo onde estava. Já percebia alguns ruídos. Eram ruídos estranhos e medonhos, que o assustavam, embora não conhecesse seu significado. Sentiu que suas costas estavam apoiadas numa superfície plana e dura. Era estranho, mas o contato era direto em toda parte. A dureza da base em que estava deitado apertava-o com toda força nas omoplatas. Espantado, Bob ficou refletindo por algum tempo sobre a observação que acabara de fazer. Logo encontrou a resposta. Estava despido. Alguém tinha tirado todas as roupas que usava. A primeira reação diante do fato foi uma raiva cega. Ninguém tinha o direito de deixá-lo nu. Quis erguer-se abruptamente para protestar contra o tratamento insólito que lhe estava sendo dispensado, mas mal entesou o primeiro músculo, as dores voltaram com toda força. Bob quis gritar, mas sua garganta ardeu tanto que até parecia que acabara de engolir uma porção de ácido concentrado. Desistiu e resolveu ficar quieto. O raciocínio, que voltara a funcionar perfeitamente, analisou sua primeira reação lógica à descoberta de que estava despido. Certa vez sofrerá um acidente, ou coisa parecida. Mas era claro; já se lembrava. Caíra inconsciente na eclusa do jato espacial, isso depois que Whiley Liggett, Shriver, Rosenblatt e Strombowski tinham desmaiado. Era perfeitamente possível que estivesse sendo examinado numa enfermaria. Para isso era necessário despi-lo. Não havia motivo para ficar zangado.

O restante da névoa que encobria sua memória foi clareando. De repente viu novamente à sua frente o monstro que passara pela eclusa. A imagem surgiu de forma tão abrupta e surpreendente que Bob estremeceu de susto. As dores angustiantes voltaram imediatamente. Não, não estava numa enfermaria. Os ruídos que o cercavam não soavam a isso. A base dura em que estava deitado não combinava com uma enfermaria. E o cheiro... Pela primeira vez deu-se conta do cheiro estranho. Era uma mistura estranha. Parecia o cheiro do amoníaco entremeado com um perfume adocicado. Já sentira um cheiro semelhante quando... quando... quando tinha sido mesmo? Quando entrara pela primeira vez na nave twonoser. Nunca avançara muito para o interior da mesma. O setor que ficara a cargo dele e de Strombowski ficava para o lado da eclusa de carga, onde normalmente o tráfego de pessoas não era muito intenso. Assim mesmo os twonosers tinham deixado lá as exalações de seus corpos. Quer dizer que se encontrava a bordo de uma nave twonoser. Ainda não sabia se era aquela apresada pela Crest. De qualquer maneira os twonosers encontravam-se nas imediações. Se não fosse assim, o cheiro não seria tão forte. A curiosidade começou a levar a melhor sobre a dor. Bob girou a cabeça, centímetro após centímetro, com solavancos pequeninos, pois de outra forma voltaria a perder os sentidos. Abriu os olhos. Parecia que um alfinete estava penetrando em sua cabeça, quando a claridade atingiu sua retina. Mas Bob resistiu à tentação de voltar a fechar os olhos. Depois de alguns segundos os nervos martirizados se acalmaram. A névoa que cobria seus olhos tinha desaparecido. Via nitidamente o que havia em torno dele. A primeira coisa que notou foi uma espécie de catre que ficava tão perto que poderia tocá-lo com a mão. Consistia numa placa plana de plástico cinzento, apoiada sobre pernas de cinqüenta centímetros de altura. As pernas terminavam em rolos que mal conseguia enxergar pelo canto dos olhos. Um corpo humano, despido como o dele, estava deitado sobre a placa. Bob dobrou a nuca ligeiramente para trás e viu um rosto pálido e encovado com um nariz largo e saliente. Bem acima da testa começava uma cabeleira negra não muito espessa, deixando livre uma calva incipiente. Bob estava deitado na mesma altura deste homem, provavelmente num catre do mesmo tipo. Nunca o vira deste ângulo, mas não tinha dúvida de que se tratava de Sol Rosenblatt. Viu por baixo do queixo de Rosenblatt que do outro lado havia armações semelhantes, e em cada uma delas parecia haver um homem despido. Todos eles permaneciam imóveis. Estavam inconscientes. A parede, que se erguia além do último catre, também era cinzenta e completamente lisa. Não havia porta. Bob olhou em outra direção. Viu outra parede. À frente da mesma havia uma série de catres baixos com rolos, que permitiam que fossem empurrados facilmente de um lado para outro. Nessa parede havia uma porta. Estava fechada, e o mecanismo de travamento era o mesmo que Bob tinha visto a bordo da nave twonoser na qual tinha viajado para Gleam. Bob não sabia por quê, mas tinha certeza de que não se encontrava mais a bordo dessa nave. Não compreendia como o inimigo desconhecido conseguira contrabandear todo o grupo de Liggett para fora da nave apresada, mas o fato era que tinha conseguido. Bob tinha certeza de que se encontrava a bordo de outro veículo. Não sabia por que tinha tanta certeza disso. Teve de mudar de posição, para ver o outro lado da sala. A dor furiosa voltou a manifestar-se, mas Bob não deu atenção a isso. Precisava saber onde se encontrava e o que estava à sua espera.

Enquanto girava o corpo, outras armações em forma de caixa apareceram diante de seus olhos. Não havia mais nenhum catre a seu lado. Encontrava-se bem perto de uma das paredes laterais. Fustigado pela dor, mas obrigando os músculos maltratados a fazer girar o corpo, tentou descobrir a finalidade das caixas. Algumas delas tinham a parte superior oblíqua, em forma de console, e apresentavam uma série enorme de luzes e botões. Em outras havia saliências parecidas com chuveiros manuais, fones antiquados ou rocas de fiação. Era impossível compreender sua finalidade. Antes que completasse o giro do corpo, Bob descobriu uma novidade. Ficou tão assustado que parou no meio do movimento, mas já girara tanto o corpo que os músculos cederam ao seu peso, fazendo com que caísse do lado esquerdo. Seus olhos foram subindo por um par de pernas robustas, que notara no intervalo entre duas caixas. Viu a parte inferior das calças que chegavam aos joelhos e seus olhos continuaram a subir rapidamente, atingindo o pescoço obeso e o crânio em bola, em cujo centro o olho facetado o fitava com uma expressão fria e hostil. Bob sentiu um calafrio. O twonoser, cujas trombas estavam pintadas de azul, naturalmente percebera que ele girara o corpo. O olho cruel estava dirigido para ele. Por um instante o susto e o medo deixaram Bob tão confuso que o mesmo teve a impressão de ver o twonoser vir em sua direção para dar cabo dele. Mas o raciocínio lógico logo voltou a levar a melhor. Os twonosers não os tinham levado para matá-los. Pelo menos já. Poderiam ter feito isso de forma mais simples. Seu objetivo devia ser outro. O twonoser realmente fizera um movimento. Mas não veio na direção de Bob, e sim saiu caminhando na direção da porta que o mesmo tinha visto antes. Bob viu os movimentos ágeis dos dedos da tromba direita, que acionavam o complicado mecanismo do fecho. A escotilha abriu-se. O twonoser emitiu alguns ruídos, que soavam como assobios, chiados e sucções. Dali a instantes três twonosers, atravessaram a porta e aproximaram-se do catre em que estava deitado Bob. Os quatro trombudos passaram a conversar animadamente. Enquanto isso Bob estava deitado de costas, com os olhos semicerrados, fazendo um esforço desesperado para recuperar as forças o mais depressa possível. As intenções dos trombas azuis não podiam ser amistosas. Bob teve a impressão de que sabia o que pretendiam fazer. Não deviam alcançar seu objetivo pois poderiam causar um prejuízo tremendo. A idéia de que, enquanto os outros estavam inconscientes, dependeria exclusivamente dele que os twonosers fossem bem-sucedidos ou não, deu-lhe novas forças. Encostou o cotovelo à placa em que estava deitado e fez uma tentativa cautelosa de erguer o corpo. Os músculos obedeceram. Se conseguisse levantar, ele faria o que pretendia. Mas por enquanto não tinha a intenção de despertar desnecessariamente a atenção dos twonosers. Os quatro trombas azuis pareciam ter terminado sua conversa. Um deles aproximou-se do catre em que estava deitado Bob, enquanto os outros ficaram à espera junto à escotilha. Bob observou atentamente o twonoser. Parecia ser maior que a média dos indivíduos de sua raça, e seu uniforme era de um material que emitia um brilho fosco, enquanto os dos outros eram de tecido plástico comum. Bob tinha certeza quase absoluta de que o ser que se encontrava a seu lado era um oficial. O que mais chamava a atenção no mesmo era uma cicatriz larga e feia, que se estendia da extremidade esquerda do olho facetado até a base da tromba esquerda. “Esta cicatriz permitirá que eu o reconheça em qualquer lugar”, pensou Bob. Fascinado, Bob viu à boca de lábios finos assumir posições estranhas e emitir sons esquisitos. Nem notou que o tromba azul estava puxando uma das caixas para junto de si. De repente colocou um aparelho semelhante a um telefone bem à frente do seu rosto. Bob

estremeceu, mas logo se deu conta da finalidade do instrumento. Estava preso a um fio flexível, que devia sair da caixa. Da abertura coberta por uma tela fina saíam ruídos no mesmo ritmo em que o twonoser falava. Bob prestou muita atenção. Os ruídos saídos do telefone eram diferentes da fala do twonoser. Produziam a associação de idéias que se exprimia numa língua articulada, enquanto aquilo que o twonoser dizia não passava de uma série de assobios e chiados. O twonoser queria comunicar-se com ele. Usava uma tradutora e tentava descobrir entre as inúmeras línguas que o aparelho era capaz de processar uma que seu prisioneiro compreendesse. Bob teve uma forte sensação de triunfo. Salvo durante o episódio do moby Tolot, até então nenhum twonoser se tinha aproximado bastante de um terrano para ser capaz de interpretar sua língua por meio de uma tradutora. Não era possível que uma tradutora twonoser tivesse algum conhecimento do intercosmo, por menor que fosse. Se o ser com a cicatriz experimentava o aparelho em seu prisioneiro, dali só se podia concluir que não tinha a menor idéia de onde vinha Bob. O twonoser fez uma pausa ligeira e mexeu em alguns controles da caixa de instrumentos. Voltou a falar. O fone transmitiu os sons de outra língua. Eram agudos, parecendo antes um chiado, e sucediam-se numa seqüência extremamente rápida. Bob ficou quieto, não demonstrando nenhuma reação. O twonoser chiou desesperado e tentou um terceiro idioma. Ainda desta vez não houve nenhuma reação de Bob. Este se perguntou o que faria o tromba azul quando o arsenal de línguas da tradutora se esgotasse. Depois da sexta tentativa o twonoser voltou a colocar o fone perto do rosto de Bob, mas quando começou a falar, nenhum ruído saiu do aparelho. Em compensação uma das trombas aproximou-se e ficou balançando com os dedos abertos entre a boca de Bob e o fone. O sentido do gesto era inconfundível. O tromba azul queria que Bob falasse. Uma boa tradutora era capaz de reconstituir a estrutura básica de uma língua por meio dos sons de que a mesma se compõe. Bob entesou instintivamente os músculos. Não devia dizer uma palavra. Não daria aos twonosers a possibilidade de aprender o intercosmo. Virou a cabeça para o lado, para mostrar que não queria falar, e também porque o cheiro de salitre da tromba lhe causava repugnância. O twonoser entregou o fone a um dos três subordinados e agarrou Bob com ambas as trombas pelos ombros, puxando-o para cima. O movimento foi tão inesperado que Bob soltou um grito estridente de dor e susto. As duas trombas puxaram-no para fora do catre com uma força incrível. Bob perdeu o equilíbrio e caiu ao chão. O impacto da queda fez com que a dor voltasse. Por alguns segundos os objetos que o cercavam desapareceram atrás de uma parede negra sobre a qual dançavam anéis de fogo. As trombas voltaram a agarrá-lo. Puseram-no abruptamente de pé como se fosse um saco de molambos. Bob mal teve forças para agüentar-se de pé. Sua cabeça zumbia que nem um bando de vespas. De repente viu o fone novamente à frente de seu rosto. Atrás dele apareceu a máscara do twonoser coberta com uma cicatriz. O olho facetado fitou-o com uma dureza fria e implacável. Bob fervia de raiva. Cambaleou para a frente e bateu com a testa no fone. Ouviu um apito agudo. Uma tromba desabou sobre ele como se fosse um raio azul. Uma terrível pancada atingiu Bob obliquamente no rosto, atirando-o de costas. Bob girou de lado, louco de dor, mas o twonoser foi mais rápido. A tromba desceu sobre as costas desprotegidas. Bob teve a impressão de que sua espinha dorsal se partiria. Reuniu as forças que lhe restavam e tentou rastejar — para longe da tromba, para algum canto escuro onde não o vissem.

Alguma coisa enlaçou suas pernas. Bob foi levantado abruptamente de pernas para cima. O sangue afluiu à sua cabeça. Viu tudo girando em tomo dele, de uma perspectiva estranha. De repente o mundo explodiu em meio a um raio ofuscante e silencioso, e Bob caiu nas profundezas da inconsciência. *** Bob foi despertado por um grito agudo e estridente. Estava tão machucado que mal sentia o próprio corpo, mas o raciocínio estava funcionando. Conseguiu fazer com que o corpo girasse de lado. Bob notou que estava deitado no chão, entre dois catres. Viu as pernas de três twonosers que estavam de pé perto dele e as botas grosseiras do quarto, que dançavam junto aos seus olhos. Havia mais um par de pés. Eram pés humanos. Tropeçando desajeitadamente, movimentavam-se sem qualquer plano, ora para a frente, ora para trás. Ouviu-se a pancada seca de um forte golpe aplicado em alguém. Mais um grito se fez ouvir. Os pés descalços tombaram de lado. Um corpo pesado caiu ao chão com um forte estrondo. Fazia movimentos convulsivos para escapar às pancadas furiosas que o atingiam cada vez mais rapidamente. Os gritos transformaram-se num choro desesperado. A figura despida girou mais uma vez rolando de lado e ficou quieta. Bob arregalou os olhos. Mal conseguia compreender a coisa horrível que estava vendo. Viu o rosto de Sol Rosenblatt à sua frente. Sol estava com a boca bem aberta. Havia uma estranha súplica em seu rosto, se bem que Sol não precisava mais de auxílio. A expressão rígida daqueles olhos castanhos dizia tudo. Sol Rosenblatt estava morto. Bob levantou. Não sabia como conseguiu, mas de repente havia uma força estranha e impessoal dentro dele, que manipulava seus músculos maltratados quase independentemente de sua vontade. Ficou de pé entre dois catres. Estavam vazios. Ele mesmo estivera deitado no que ficava à sua esquerda, e Sol Rosenblatt no da direita. Mais adiante estavam deitados Shriver, Strombowski e Liggett, que continuavam inconscientes. Bob saiu de entre os catres. Um alerta se fez ouvir nos fundos de seu consciente. Mas Bob não lhe deu atenção. Sua inteligência só obedecia à voz da raiva que abafava o resto, e que passara a dominá-lo desde o momento em que vira Sol Rosenblatt morrer. Os três twonosers continuavam parados junto à escotilha. O quarto, que era o que tinha a cicatriz no rosto, mantinha-se ocupado com a tradutora. Provavelmente queria que a mesma estivesse funcionando assim que um dos três prisioneiros restantes acordasse. Naturalmente ouviu Bob chegar. Virou-se abruptamente. Pela primeira vez Bob teve a impressão de descobrir algo parecido com uma reação emocional em seus olhos. O olho facetado arregalou-se instantaneamente, apenas por uma fração de segundo. O twonoser estava surpreso. Antes que pudesse esboçar qualquer reação, Bob estendeu a mão e apontou para a tradutora. Era um truque inventado por seu consciente que trabalhava a toda força, aparentemente sem sua colaboração. O ser com a cicatriz parecia compreender o sentido do gesto. Deu um passo para o lado e tirou o fone preso a um fio flexível da tampa de revestimento da caixa. Colocou-o na tromba direita e ofereceu-o a Bob. Bob pegou o fone. O utensílio era de um metal plastificado sólido e frio. Bastante pesado, prestava-se perfeitamente para o fim que Bob tinha em vista. O twonoser parecia hesitar, sem saber se devia confiar no prisioneiro. Ainda mantinha estendida a tromba que segurara o fone, dando a impressão de que queria pegá-lo de novo. Bob puxou ligeiramente o fio, dando a impressão de que queria colocar o fone numa posição em que

pudesse falar mais confortavelmente no mesmo. Encontrava-se em posição oblíqua em relação ao twonoser e fez pontaria com o canto do olho. Virou-se repentinamente. O fone foi levantado no mesmo instante e voltou a descer rapidamente, atingindo com um baque a tromba desprotegida do twonoser. Ouviu-se um grito de dor que soava como um chiado e um chilrear. O twonoser recuou. Bob foi atrás dele. De repente Bob viu uma abertura circular escura bem à sua frente. Estava bem perto de seus olhos. Bob quis estender a mão para afastá-la, mas a mesma passou bem longe do alvo. Tentou abaixar-se ou desviar-se para o lado, mas alguma coisa segurava sua cabeça, não permitindo que fizesse o menor movimento. A abertura redonda parecia fasciná-lo. Parecia saber o que era, mas o reconhecimento consciente se recusava a surgir em sua mente. Viu confusamente a superfície abaulada de metal cintilante, que se estendia a partir das bordas da abertura. Os dedos robustos e musculosos de uma tromba twonoser seguravam o metal. Bob sentiu instintivamente o perigo que o ameaçava, mas aquela coisa indefinida o impedia de desviar-se. Dominado pelo pânico, viu a abertura negra iluminar-se de repente. Um raio de luz ofuscante saiu da mesma e atingiu-o na testa com a violência de um objeto sólido. A dor que pulsava em seu corpo extinguiu seu consciente que nem o vento que sopra sobre uma vela acesa. Ficou tudo escuro. A última impressão que levou consigo ao partir para a escuridão foi a seguinte: É o fim.

5 As operações de busca da SJ-008C foram infrutíferas. Só havia uma explicação. Parecia estranha e arrojada, mas devia ser correta. Os twonosers desconfiaram da estranha nave que saiu da posição e foi se aproximando da lua Siren. Em vez de entrar em contato com o comandante, esperaram que a nave atingisse a confusão formada pelo anel central da frota. Como as telas dos rastreadores da nave suspeita estavam cheias de inúmeros reflexos, conseguiram introduzir um comando de abordagem a bordo. O mesmo entrara pela eclusa de carga. Os twonosers certamente tiveram uma surpresa enorme ao ver que no hangar havia três veículos de formas estranhas. Ficaram curiosos. Introduziram um gás no hangar, e o mesmo penetrou nos jatos espaciais pelas eclusas abertas, fazendo com que os tripulantes desmaiassem. Não se tratava de uma simples especulação. Vestígios do gás dos nervos tinham sido encontrados no sangue de Chief Donlan e seus subordinados. Uma vez postos fora de ação os tripulantes, os twonosers entraram no jato espacial de Liggett e conseguiram pôr em movimento o veículo e manobrá-lo para fora da eclusa. Era o aspecto mais misterioso da história. Como se explicava que um punhado de twonosers não familiarizados com os produtos da tecnologia terrana, com os quais nunca tinham entrado em contato, aprendesse tão depressa a dirigir um jato espacial? Melbar Kasom tinha certeza de que havia uma resposta sensata a esta pergunta, mas no momento não sabia qual era e nem tinha muita importância. O fato é que um jato espacial com cinco tripulantes fora raptado. Mas a nave apresada continuava a deslocar-se livremente em direção a Siren. Dentro de uma hora e meia atingiria o anel interior da frota. Quando isso acontecesse, estaria na hora de entrar em ação. Kasom não podia ter nenhuma consideração para os cinco infelizes que se encontravam no jato espacial. Era necessário destruir Siren. O problema mais urgente era este. No entanto, o incidente assumia uma importância extraordinária. Os twonosers certamente interrogariam seus prisioneiros. Deviam conhecer métodos que levavam qualquer pessoa, por mais obstinada que fosse, a dizer o que sabia. Qualquer civilização altamente desenvolvida possui recursos deste tipo. Em outras palavras, dentro em breve o avanço do Império Solar para os prolongamentos da nebulosa de Andrômeda, dentro da área dominada pelos senhores da galáxia, deixaria de ser um segredo. Não era difícil avaliar as conseqüências. Os senhores da galáxia não perderiam tempo tentando capturar e destruir a tropa avançada ridiculamente pequena dos terranos em Andro-Beta. Isto poderia ser feito oportunamente. Desfeririam seu golpe no lugar em que isso afetasse mais profundamente os planos de Perry Rhodan, ou seja, na galáxia em que viviam os terranos. A catástrofe parecia inevitável. Melbar Kasom perguntou-se se nestas condições ainda valeria a pena atacar e destruir Siren. Quando os cinco prisioneiros falassem e os senhores da galáxia soubessem com quem estavam lidando, o avanço de qualquer maneira teria chegado ao fim. Teriam de procurar a salvação numa fuga precipitada. O que importaria neste caso que Siren emitisse ou deixasse de emitir os sinais que controlavam os mobys? Depois de algum tempo Melbar fez um esforço para reprimir as dúvidas. Tinha sido trazido com uma ordem clara e bem definida. Não lhe competia usar um pretexto

qualquer para interpretar esta ordem à sua maneira e adotar novos procedimentos sob sua exclusiva responsabilidade. Melbar Kasom chegou à conclusão de que a operação Siren deveria ser executada da forma que tinha sido planejada e resolveu quebrar mais tarde a cabeça sobre o que viria depois. A única coisa que sabia era que os twonosers suspeitavam dele. No entanto, ainda não tinham partido para o ataque, embora sua superioridade fosse tão esmagadora que poderiam destruir o pequeno veículo numa questão de segundos. Melbar não acreditava que deixavam de fazer isso em consideração à tripulação da nave apresada. Os twonosers deviam esperar uma oportunidade de abordar novamente o veículo para pegar vivo o resto da tripulação, ou então eram bastante pacientes para esperar que a nave avançasse até o anel interior da frota, onde as unidades abririam seu fogo concentrado sobre a mesma e a destruiriam com um dispêndio mínimo. Melbar Kasom acreditava que a segunda hipótese fosse a mais provável. Parecia que os twonosers não tinham medo de que pudesse fazer qualquer coisa contra Siren antes que pudesse aproximar-se da lua a uma distância menor que a do anel interior da frota. Sem dúvida os trombas azuis conheciam as defesas que deviam existir em Siren e sabiam que uma nave equipada com armamentos convencionais teria de chegar bem perto para pôr em perigo a lua. Mas não imaginavam que Melbar Kasom não pretendia usar meios convencionais no ataque. Melbar fez uma mudança nos planos. Gucky e os Woolver saltariam para Siren antes que a nave atingisse o anel interior da frota. Com isso o salto seria menos preciso, mas afinal os explosivos que pretendiam colocar eram bombas de Árcon, e neste caso o lugar exato em que os mesmos fossem colocados não era muito importante. Desta forma teriam uma dianteira. Quando os twonosers percebessem o que estava acontecendo em Siren, naturalmente iriam atacar, quer a nave já tivesse atingido o anel interior, quer não. Mas até lá os três mutantes já teriam voltado de Siren. Os dois jatos espaciais sairiam imediatamente da nave twonoser e fugiriam do sistema Tri em vôo linear. Os cinco prisioneiros seriam deixados para trás. Não havia a menor possibilidade de ajudá-los. *** Bob Vorbeck recuperou os sentidos. A primeira coisa que sentiu foi um espanto tremendo por estar vivo. Lembrava-se perfeitamente do que tinha acontecido nos últimos segundos antes de ficar inconsciente, e também já se dera conta de que a abertura negra que vira à frente dos seus olhos era a abertura do cano de uma arma. A arma fora disparada, mas ele ainda estava vivo. Sentiu-se como alguém que tivesse sido esmagado por um rolo compressor sem ser morto, mas não foi por causa do tiro, mas sim da surra que tinha levado. E o cabo Rosenblatt estava morto. A lembrança estava gravada em sua memória que nem um estandarte. Fora morto pelos twonosers. Mais precisamente, pelo monstro com a cicatriz no rosto. Bob perguntou-se o que seria feito dele. Pelo que se lembrava, atingirao com toda força com o fone, e a tromba era a parte mais vulnerável do corpo dos twonosers. Passou a refletir sobre sua situação. Estava com os olhos fechados, e no estado em que se encontrava havia pouca esperança de que voltasse a abri-los dentro em breve. Nenhum dos músculos de seu corpo obedecia aos comandos do cérebro. Mas os nervos

estavam funcionando. Tal qual acontecera quando despertara da primeira vez, Bob sentiu que estava deitado de costas. Mas o lugar em que estava deitado parecia mais macio. De repente alguns sons atingiram seu ouvido. Teve a impressão de que eram vozes. Concentrou-se no ruído. Parecia um murmúrio abafado, cuja intensidade oscilava num ritmo regular. Logo percebeu que era por causa de seu sentido auditivo. À medida que prestava mais atenção, a oscilação diminuía e os sons se tomavam mais nítidos. Bob começou a compreender algumas palavras. Isto o deixou tranqüilo, embora não soubesse por quê. — ... não adianta... nunca conseguiremos... não são bobos... — ouviu. À medida que o tempo ia passando, ficava cada vez mais furioso. Alguém falava em intercosmo, que era a língua do Império Solar e de grandes setores da Galáxia. Os twonosers estavam interessados em aprender esta língua. Se tivessem colocado microfones na sala, sua tradutora neste momento provavelmente já teria absorvido a estrutura básica dessa língua. A exaltação fez com que Bob recuperasse as forças. Abriu os olhos. Pelo que via, ainda se encontrava na mesma sala. Conseguiu apoiar-se nos cotovelos. Viu que lhe tinham devolvido as roupas. Usava o traje completo. Só faltava a pistola energética. Além disso percebeu que o capacete que deveria estar preso às costas não se encontrava lá. Rolou de lado e passou a respirar com dificuldade quando de repente se deu conta das dores que isso lhe causava. Os quatro catres que vira antes à sua direita ainda estavam lá. Um deles estava vazio, enquanto Shriver, Strombowski e Liggett estavam sentados nos outros. Também estavam vestidos. Liggett foi o primeiro a perceber que Bob tinha acordado. Esticou o pescoço para olhar por cima do ombro de Shriver e resmungou: — Quer dizer que o senhor também voltou ao rol dos vivos. As palavras não soavam muito amáveis, mas Bob não se incomodou. Tinha outras preocupações. Fez um grande esforço para tirar o braço direito de baixo do corpo e encostou a mão à boca. Repetiu o gesto várias vezes, até que Liggett finalmente o compreendesse. — Ah, sim — disse em tom amargo. — Não se preocupe com isso. Os twonosers já conhecem nossa língua de cor e salteado. Bob ergueu-se abruptamente. Quase não sentiu dores. — Quem lhes ensinou? — gritou com a voz rouca. Shriver e Strombowski enfrentaram seu olhar recriminador com uma atitude estóica. Liggett respondeu: — Fui eu. Bob teve a impressão de que alguém acabara de lhe dar um soco na cabeça. O que o incomodava não era tanto o fato de Liggett ter revelado seu maior segredo, mas antes o tom indiferente em que confessara sua culpa. Não parecia importar-se nem um pouco por ter traído a causa do Império Solar. Não tinha nenhum sentimento de culpa. — Acredito que foi somente — disse Bob com a voz rouca — para proteger seu lindo corpinho contra as pancadas que quebraram o pescoço de Rosenblatt. O sargento Shriver rosnou em tom ameaçador. Bob fitou-o com uma expressão de espanto. — Ainda acha ruim por eu tê-lo acusado? — chiou. Shriver levantou. Seu rosto estava desfigurado de raiva. Bob teve a impressão de que se tratava de uma criatura tão estranha quanto os trombas azuis.

— Compreendo como se sente — explicou Liggett. — Acontece que o senhor parte de uma falsa premissa. Não me diga que realmente acredita que as pancadas com a tromba são a forma mais eficiente de conduzir um interrogatório de que dispõem os twonosers. Isso foi apenas um começo. Quando esse método não resolve, eles usam psico-interrogatórios, sondas cerebrais e coisas semelhantes. O senhor realmente acredita que seria capaz de manter em segredo diante deles nossa língua e outras coisas que querem saber? — Isso é uma atitude covarde — fungou Bob. — O soldado tem o dever de agüentar enquanto puder. O senhor aceita como certo um acontecimento futuro para disfarçar sua falta de coragem. Teria sido perfeitamente possível que alguém nos salvasse, e neste caso os twonosers não ficariam sabendo de nada. Liggett deu uma risada amarga. — Quem poderia salvar-nos? Kasom não tem mãos a medir e ficará satisfeito se conseguir escapar com seus preciosos mutantes. Não pode preocupar-se conosco. Nem sequer temos a menor idéia de onde estamos. É possível que nem nos encontremos mais no sistema Tri. Talvez nos tenham levado para outro lado, para um lugar situado a algumas centenas de anos-luz. Bob não pôde deixar de confessar que essa possibilidade existia, mas apesar disso a atitude de Liggett lhe repugnava. — Acho que nenhum dos senhores viu o que aconteceu com o twonoser em que bati com o microfone da tradutora — disse para mudar de assunto. — Vi, sim — respondeu Liggett. — Vi quando o senhor lhe deu uma surra. Bob sentiu um calafrio. — Estava consciente? — perguntou. — Viu Sol Rosenblatt morrer? — Vi — confessou Liggett, e de repente sua voz parecia apagada. — Se quiser acusar-me por não ter saltado do catre para ajudar Sol, procure pensar nas conseqüências, caro jovem. Além de Sol, eu também teria sido morto, e isso não seria útil à nossa causa. Bob mordeu os lábios. Levou algum tempo para voltar a falar. — O senhor tem uma explicação para tudo, não tem? — perguntou. Sua voz era fraca e oca, mas percebia-se o tom de escárnio que havia na mesma. — Pois bem. O que aconteceu mesmo com o twonoser que levou a pancada? — O senhor o deixou ferido — apressou-se Liggett em responder. — Ele o teria matado, se seus companheiros não o tivessem segurado para levá-lo ao médico. Bob fez um gesto indiferente. A arma com a qual tinham disparado contra ele certamente fora uma arma de choque. Era muito importante para os twonosers que seus prisioneiros ficassem vivos. Bob tinha certeza de que o ser com a cicatriz seria interpelado por seu comandante por ter matado Rosenblatt. — O que é feito de Sol? — Foi levado para fora. É só o que sei. “Neste momento devem estar fazendo uma autópsia, para estudar a anatomia de seu corpo”, pensou Bob. Dessa forma ficariam conhecendo não somente a língua, mas também a biologia dos terranos, o que representava muito mais do que os terranos sabiam a respeito dos twonosers. Bob ficou deprimido ao dar-se conta de repente de que não havia mais nada que pudesse evitar a identificação dos terranos. Dentro de mais algumas horas os senhores da galáxia estariam informados sobre quem eram os intrusos. Naquele momento o comandante da nave já deveria ter transmitido pelo hiper-rádio a notícia sobre a presa que acabara de fazer. Estava subordinado ao comandante da frota de Gleam e tinha a

obrigação de manter o mesmo informado sobre cada passo que dava. O comandante da frota, por sua vez, informaria oportunamente o escalão imediatamente superior. Desta forma a notícia acabaria chegando às mãos dos senhores da galáxia, e estes só precisariam da descrição do corpo humano para identificar o inimigo. — Quanto tempo faz que estamos aqui? — perguntou Bob. — Não faço idéia — resmungou Liggett. — Tiraram nossos relógios. — Senhor...? — disse uma voz aguda. Era Strombowski. — Pois não. — Sou capaz de avaliar o tempo com uma razoável precisão. Quando acordei, o twonoser no qual o senhor bateu estava sendo carregado para fora. Isso faz cerca de cinqüenta minutos. — Obrigado. Na verdade, essa informação não adiantava muito, pois Bob não sabia por quanto tempo ficara inconsciente das duas vezes em que perdera os sentidos. Mas admirou-se porque os efeitos da arma de choque twonoser não tinham durado mais de cinqüenta minutos. Mas de outro lado pouco importava quanto tempo já se tinha passado desde que foram presos. De qualquer maneira era tarde para salvar o segredo tão cuidadosamente guardado. Mesmo que conseguissem destruir a nave twonoser com tudo que havia nela, a mesma certamente já tinha comunicado a novidade a outras naves, e dali ela se espalharia com a rapidez do vento. Bob voltou a deitar de costas. Sentia-se mais abatido que nunca. Pensando bem, nem podia ficar com raiva de Liggett. Era indiferente que os twonosers conhecessem sua língua ou não. Bastaria a descrição do corpo humano para revelar seu segredo. — Por que devolveram nossas roupas? — perguntou. — Quanto a isso só posso fazer suposições — respondeu Liggett, que se encontrava do lado oposto da pequena sala. — Lembra as fortes dores que sentiu ao acordar da primeira vez? Bob lembrava-se perfeitamente. — Isto deve fazer parte das manobras destinadas a amaciar-nos — prosseguiu Liggett. — No momento em que recuperamos os sentidos devíamos sentir medo e dor, pois assim estaríamos mais dispostos a responder às suas perguntas. A ardência na pele provavelmente foi causada por alguma coisa que passaram na mesma. O senhor acordou antes que eles tivessem tempo de voltar a colocar as roupas em nós. Rosenblatt também acordou. Os dois se recusaram a falar para a tradutora. A confusão teve início. Quando passou, dois twonosers trouxeram nossos trajes e os colocaram. Eu já tinha dito as primeiras palavras para dentro da tradutora. Não havia motivo para continuar a maltratarnos. Isso parecia lógico. De repente Bob sentiu uma vontade tremenda de exercitar os músculos. Muito devagar, porque qualquer movimento rápido provocava uma dor que quase o deixava louco, pôs as pernas para baixo e colocou os pés no chão. Tentou ficar de pé e ficou surpreso ao notar que não havia nenhuma dificuldade. — O senhor ainda está em forma — disse Liggett. — Se eu tivesse apanhado que nem o senhor, provavelmente levaria algumas semanas para voltar a ficar de pé. Bob trazia na ponta da língua uma resposta que não seria muito lisonjeira para Liggett. Mas antes que tivesse tempo de dizer qualquer coisa, a escotilha abriu-se. Um grupo de twonosers entrou. Eram seis ao todo. Bastante preocupado, Bob tentou localizar o homem com a cicatriz, mas o mesmo não pertencia ao grupo. Um dos trombas azuis

aproximou-se da caixa em que ficava a tradutora e levantou o fone. Emitiu alguns sons que soavam como uma forte sucção, e o fone transmitiu num intercosmo impecável, embora entrecortado: — Levantem! Vamos para outro lugar! Parecia uma linguagem rudimentar. As informações de Liggett não deviam ter sido muito minuciosas, ou então as tradutoras twonosers não eram tão boas quanto as terranas. A tradução mostrava que o aparelho só conseguira absorver os traços básicos da língua estranha. Ainda levaria algum tempo para compreender as sutilezas do intercosmo. Liggett, Shriver e Strombowski levantaram dos catres, conforme lhes fora mandado. Bob, que já estava de pé, deu dois passos na direção da escotilha. Notou que os twonosers o fitavam atentamente. Pareciam surpresos. Por quê? Só havia uma explicação. Recuperara-se dos efeitos produzidos pela arma de choque mais depressa do que eles acreditavam. Bob não teve tempo para refletir sobre isso. Um dos twonosers colocou-se a seu lado e lhe deu um forte empurrão com a tromba. Bob foi arremessado para a frente e bateu na figura baixa do cabo Strombowski. Os dois twonosers que estavam parados junto à escotilha chiaram alguma coisa e o pequeno grupo saiu andando. Do outro lado da escotilha havia um pavilhão alongado, com cerca de quinze metros de comprimento, seis de largura e pelo menos dez de altura. O teto estava cheio de placas luminosas quadradas, que espalhavam uma luz crepuscular pelo pavilhão. Ao longo das paredes laterais viam-se consoles de instrumentos, junto aos quais havia twonosers absortos no trabalho. Bob viu armações altas semelhantes a painéis de instrumentos, além de consoles largos com dezenas de telas pequenas, que mostravam detalhes do interior da espaçonave. Via-se perfeitamente que o recinto alongado era a central técnica da nave twonoser. Os seres trombudos que se encontravam junto aos consoles formavam a equipe técnica do veículo. Bob sentiu uma forte excitação ao lembrar-se de que os consoles de imagem talvez lhe revelassem em que parte da nave se encontrava, e talvez até mesmo a posição do veículo. O twonoser que vinha atrás dele notou seus olhares curiosos e deu-lhe um empurrão com a tromba. Bob cambaleou e sua raiva aumentou. Atravessaram o pavilhão e passaram por uma escotilha que ficava na outra parede menor. Atrás dessa escotilha havia um corredor curto cheio de curvas, com portas trancadas de ambos os lados. O mesmo subia suavemente por alguns metros, quando apareceu outra escotilha, atrás da qual ficava uma pequena sala circular tão escassamente iluminada que Bob não conseguiu distinguir os detalhes. Notou que os guardas deram um passo para o lado, pois não pretendiam acompanhar os prisioneiros para dentro da sala redonda. Por alguns segundos a impressão de estar sendo levado para dentro de uma armadilha deixou Bob angustiado. Assim que atravessou a escotilha parou, pois não sabia aonde ir na escuridão. O Capitão Liggett estava parado a seu lado. Parecia que queria dizer alguma coisa, mas antes que tivesse tempo para isso a escotilha fechou-se atrás deles e no mesmo instante uma luz ofuscante se acendeu. O recinto circular e abobadado encheu-se de uma confusão ondulante de lampejos vindos das superfícies reflexivas de centenas de aparelhos metálicos embutidos nas paredes. Bob ainda estava piscando os olhos para acostumar-se à súbita claridade quando ouviu um grito estridente bem à sua frente. Uma coisa grande bateu fortemente em seu ombro. Shriver fungava perto de seu ouvido e disse com a voz apavorada: — Não... isso não!

Bob abriu os olhos. A luz ofuscante doía nos mesmos. Viu o que deixara o sargento Shriver tão assustado. Do outro lado da sala, a uns sete metros do lugar em que se encontravam, havia dois vultos. Um deles era o twonoser com a cicatriz. Bob reconheceu-o imediatamente. E o outro... Mais uma vez viu nitidamente diante dos olhos aquela imagem. Era o monstro feio e gigantesco, que entrava pela escotilha do jato espacial, arrastando-se pelo chão. Tinha mais de dois metros de altura, e era uma massa disforme de pele e tendões, além da carne pulsante de molusco. Em cima de tudo isso havia uma pequena cabeça semi-esférica com um gigantesco olho injetado de sangue. Era o monstro. Estava parado ao lado do twonoser com a cicatriz, uma montanha de carne, energia e feiúra, fitando os terranos com seu olho medonho. Bob teve de fazer um esforço enorme para não imitar Shriver, soltando um grito. Liggett segurou o sargento pelo ombro e disse algumas palavras tranqüilizadoras ao mesmo. Strombowski, que se encontrava mais ao lado, olhava para o monstro com aquela expressão indiferente e distante que parecia ser uma das características de seu rosto. O twonoser com a cicatriz deleitou-se com o pavor dos prisioneiros. Sua alegria debochada era tão forte que Bob teve a impressão de que poderia tocá-la com a mão. Havia três ataduras de plástico em uma das trombas, e um pequeno esparadrapo cobria parte da cabeça, em cima do olho. Bob sentiu-se decepcionado porque seu ataque furioso não tinha produzido ferimentos mais graves. De repente uma voz seca e metálica se fez ouvir. Saiu de um dos aparelhos embutidos na parede. As palavras foram proferidas em intercosmo. Apesar da má pronúncia, podiam ser compreendidas. Só naquele momento Bob percebeu que o twonoser usava uma espécie de microfone de laringe e falava baixinho. As palavras que ouvia eram a tradução daquilo que o twonoser estava dizendo. — Só um de vocês — ouviu Bob — teve bastante inteligência para obedecer às minhas ordens. Dois ofereceram resistência, e um está morto. Lembrem-se disso. Quero dar-lhes outras ordens. Quem não quiser obedecer, morrerá. Sou o comandante desta frota e tenho um poder muito grande. Tudo que eu quero acontece. Vocês são uma raça interessante. Quero descobrir mais a seu respeito. Vieram numa nave twonoser. Há outros seres de sua raça nessa nave. Quero todos na minha nave e pretendo descobrir tudo sobre sua raça. Por maior que seja o poder que exerço, o mesmo é insignificante em comparação com o dos sublimes senhores da galáxia. E os senhores exigem que eu lhes preste contas. Dar-lhes-ei um extenso relatório, assim que tiver descoberto tudo a respeito de sua raça. Bob mordeu a língua. Era o único meio de dominar o nervosismo que de repente começara a tomar conta dele. Concentrou instintivamente sua atenção na dor lancinante que sentia. O choque provocado pelo que acabara de descobrir foi afastado para um canto do subconsciente. Por nada deste mundo, resolveu Bob, deixaria perceber que as palavras do ser com a cicatriz soavam mais agradavelmente ao seu ouvido que tudo que já lhe fora dito. O trombudo com a cicatriz não era outro senão o comandante da frota de Gleam em pessoa. O escalão imediatamente superior, ao qual tinha de prestar contas, eram os senhores da galáxia. E fazia exatamente o que qualquer oficial cônscio das suas obrigações faria. Queria recolher o maior volume possível de informações antes de redigir seu relatório. Dessa forma os tripulantes da nave em que se encontravam eram os únicos que conheciam o segredo dos terranos. Bastaria destruir a nave — e destruí-la de tal forma que ninguém escapasse ao desastre — para que a situação fosse salva.

Dali em diante Bob passou a concentrar seus pensamentos exclusivamente neste plano. Era necessário destruir a nave twonoser. Quanto antes, melhor... O twonoser com a cicatriz continuou a falar. — ...não os abandonei. Preciso ter cuidado. Este é meu amigo — apontou para o monstro. — Pertence a uma raça estranha, que habita a lua do planeta brilhante azul. Meu amigo possui dons estranhos. Sua inteligência técnica é capaz de resolver em pouco tempo os segredos de uma tecnologia estranha. E não sabe o que é medo. Sua força é irresistível. Além disso pode impor sua vontade a outros seres. Ele a imporá a vocês, para que executem meu plano sob seu comando. Vocês trarão os outros seres de sua raça para cá. O susto abalou Bob até o fundo do coração. As palavras secas e desajeitadas que o twonoser acabara de proferir significavam simplesmente que o monstro possuía dons hipnóticos. E sob os efeitos da hipnose ele, Liggett, Shriver e Strombowski tentariam atrair Melbar Kasom e os mutantes para bordo da nave-capitânia. Bob não conhecia o plano do twonoser com a cicatriz, mas era capaz de imaginar várias alternativas perigosas e eficientes. Se, por exemplo, subissem a bordo da nave apresada e explicassem a Kasom que tinham prendido o comandante da nave-capitânia e mantinham a tripulação sob controle, Kasom provavelmente acreditaria neles. Pouco importaria que se deixasse levar a subir a bordo da nave-capitânia. O twonoser com a cicatriz lhes daria armas, pois poderia confiar nos dons hipnóticos do monstro. Se Kasom não os seguisse voluntariamente, eles usariam as armas para obrigá-lo. A única e débil esperança que lhes restava eram os mutantes. Bob conhecia os limites de suas faculdades, mas talvez estivessem em condições de frustrar a trama traiçoeira. Sobressaltou-se, quando de repente voltou a ouvir a voz do twonoser. — Pode começar, meu amigo! — exclamou em voz alta. — Cuide primeiro deste aqui, que é o mais rebelde. Levantou uma das trombas e apontou para Bob. O monstro começou a deslocar-se. Arrastando-se sem o auxílio de qualquer membro visível, aproximou-se com uma rapidez surpreendente de Bob. Este fungava apavorado. Recuou, sem saber o que estava fazendo. O monstro movimentava-se rapidamente. De repente Bob sentiu metal frio nas mãos. Virou-se e bateu furiosamente na placa pesada da escotilha, que cedeu sob a força de seus punhos, deixando livre o caminho. Bob voltou a sentir uma tênue esperança, mas um dos guardas postados do lado de fora barrou-lhe o caminho. Uma tromba azul desceu violentamente sobre ele, atingindo-o na cabeça. Bob girou em tomo do próprio eixo e voltou cambaleante à sala abobadada. Estava quase inconsciente. Os instrumentos cintilantes executavam uma dança louca em torno dele. De repente uma coisa grande, feia, vermelha apareceu no meio dos reflexos dançantes. Avançou em sua direção, redonda e ameaçadora, encobrindo a cintilância dos aparelhos e acabando por preencher todo o campo de visão. Um estrondo surdo espalhouse pelo cérebro de Bob, pancadas rítmicas que soavam que nem os toques de um sino gigantesco abalaram as bases de sua inteligência. Bob já não sabia onde estava. A única coisa que via era a coisa vermelha e feia debruçada sobre ele. De repente percebeu que uma voz estranha falava em seu cérebro.

6 Melbar Kasom não confiava nos instrumentos twonosers. Preferiu usar os instrumentos que tinha trazido para determinar a distância da lua Siren. Era pouco inferior a sessenta mil quilômetros. A nave apresada ainda se encontrava a oito mil quilômetros das unidades avançadas do anel interior da frota. Estava na hora de entrar em ação. Há algum tempo Kasom observava bastante preocupado uma grande nave twonoser que, tal qual a nave apresada, não se mantinha na formação circular da frota, vagando solitariamente entre os anéis. Era o maior veículo espacial twonoser que Kasom já tinha visto. Era oval como os outros. O eixo longitudinal tinha quase um quilômetro de comprimento, e o diâmetro no ponto mais espesso chegava a mais de trezentos metros. As aletas que partiam obliquamente da popa eram tão grandes que um avião de tamanho regular poderia perfeitamente pousar nas mesmas. Fazia uma hora que a nave desconhecida tinha aparecido pela primeira vez. Na oportunidade Melbar Kasom não dera muita atenção à mesma, mas fora se aproximando até chegar a quarenta mil quilômetros, e dali em diante mantivera sempre a mesma distância. Não se sabia se o veículo desconhecido tinha alguma coisa a ver com o rapto do jato espacial. Por alguns minutos entreteve sua mente com idéias arrojadas sobre uma ação de surpresa dos mutantes, que talvez conseguissem libertar os prisioneiros. As chances até que não seriam ruins. O aparecimento repentino de um teleportador certamente pegaria os twonosers de surpresa, e antes que os mesmos pudessem esboçar qualquer reação, os prisioneiros estariam em segurança. Mas apesar disso Kasom logo abandonou o plano. Os twonosers partiriam para o ataque assim que se recuperassem do susto. E uma nave isolada não poderia resistir por mais que alguns minutos ao poder de fogo concentrado de suas unidades. Acontece que Gucky e os dois Woolver levariam pelo menos meia hora para executar sua missão em Siren. Não haveria tempo para isso. Muito triste, Melbar Kasom riscou o Capitão Liggett e seu grupo da lista de seus tripulantes. Não teve muito tempo para entregar-se aos pensamentos melancólicos. Gucky trouxe as bombas de Árcon que se encontravam nos depósitos do jato espacial vazio, e que seriam colocadas em Siren. Tratava-se de recipientes cilíndricos de pouco menos de um metro de comprimento por quarenta centímetros de diâmetro. Colocadas no chão, não pareciam nem um pouco perigosas. A pessoa não familiarizada com elas nem desconfiaria de que as mesmas eram capazes de desencadear forças que podiam perfeitamente dissolver um planeta em seus componentes atômicos. Já fazia bastante tempo que Ishibashi e Goratchim tinham acordado. Ishibashi não desempenharia um papel importante no ataque a Siren. Goratchim só fora trazido para um caso de emergência, mas de repente Gucky teve a idéia de que o mutante que possuía a capacidade de por meio de um processo parapsíquico levar os átomos de carbono a entrarem num processo de fusão explosiva poderia ser muito útil em Siren. Ofereceu-se a levar o mutante de duas cabeças a Siren, juntamente com a bomba. Kasom sabia que Gucky seria perfeitamente capaz de fazer isso. Avisou o rato-castor de que a responsabilidade pelo bem-estar de Goratchim, e especialmente pelo seu regresso à nave

apresada, seria exclusivamente dele, e autorizou a execução do plano. Goratchim preparou-se para o salto. Quando Siren ainda se encontrava a cinqüenta e oito mil quilômetros de distância, Ishibashi usou a via sugestiva para mandar que um dos twonosers que se encontravam na sala de comando colocasse em funcionamento o transmissor eletromagnético, que era muito rudimentar. A antena direcional foi apontada para a lua Siren, que formava uma lâmina cinza-prateada que preenchia quase completamente a tela do setor da proa. Os Woolver postaram-se junto ao transmissor. Kasom, que aprendera a manipular o aparelho ao menos o suficiente para saber que tecla teria de comprimir para fornecer energia à antena, lançou mais um olhar para a tela. Depois virou o rosto para os gêmeos. Cada um deles segurava um recipiente embaixo do braço. Os dois responderam ao olhar de Kasom, acenando com a cabeça. — É já! — disse Kasom em tom enérgico, calcando a tecla. Os gêmeos permaneceram imóveis, de olho na tela da proa. Por alguns segundos parecia que nada iria acontecer. Mas logo os contornos dos dois corpos atléticos começaram a desmanchar-se. Até parecia que lufadas de ar quente estavam saindo do chão perto deles, apagando os traços de seu corpo e fazendo-os tremer. Suas figuras tornaram-se pálidas, pareciam transformar-se em névoas ondulantes — e o lugar em que tinham estado pouco antes ficou vazio. Uma ligeira brisa se fez sentir, quando o ar penetrou no vácuo que se formara de repente. Melbar Kasom olhou para o lado. Gucky, o rato-castor, acenou com a cabeça. Parecia alegre. — Já sei — falou através do microfone externo de seu capacete espacial. — É minha vez. Com ele o processo foi mais rápido. Olhou atentamente para Goratchim, que se encontrava a seu lado. Com muito cuidado, dando a impressão de que estava com medo de ferir o corpo delicado do rato-castor, o homem de duas cabeças colocou a mão sobre seu ombro, para estabelecer contato físico. Nos dois ou três segundos que se seguiram os corpos dos mutantes pareciam dissolver-se nutria fumaça agitada. Desapareceram em seguida. Melbar lançou um olhar pensativo pela sala de comando. Os twonosers estavam trabalhando em silêncio. Kitai Ishibashi, o sugestor, estava parado à frente do setor lateral da tela, com as mãos nas costas, examinando os inúmeros pontos luminosos que representavam as naves inimigas. “Não há mais nada a fazer”, constatou Melbar. Não sentiu o alívio que devia ter tomado conta dele. As bombas estavam sendo transportadas, e a única coisa que tinha que fazer era esperar. E ter esperança. *** Bob Vorbeck recuperou os sentidos. Estava tudo escuro, mas conseguia pensar claramente. Não sabia onde estava, mas tinha uma idéia mais precisa do que deveria fazer. Sentia ódio e desprezo. Os objetos desse sentimento se encontravam perto dele. Era necessário matá-los ou aprisioná-los. Não achou nem um pouco estranho que não soubesse exatamente que seres eram estes que ele odiava e desprezava, e qual era seu nome. Só sabia que não seria difícil encontrá-los, e que tinha de cuidar imediatamente de fazer o trabalho.

Como já tinha o controle perfeito dos seus pensamentos, concentrou-se no que estava para vir. Não tinha um plano detalhado, mas sabia que o mesmo existia. Quando se dispusesse a cumprir sua tarefa, uma mão firme o conduziria. Um sentimento amável e acolhedor tomou conta dele ao lembrar-se de Unklaich. Unklaich...? Seu consciente só hesitou por uma fração de segundo, mas a lembrança logo voltou. Unklaich era o ser extraordinário de Yakkath, a lua do planeta azul brilhante. “Meu nome é Robert Cecil Vorbeck”, pensou Bob, mas logo se sentiu confuso, pois esse pensamento não servia para nada. Perguntou-se qual seria o medicamento que lhe poderiam ter dado. Auscultou seu interior. Parecia que tudo estava em ordem. Bob sabia quem era, e também sabia quem era Unklaich. Não tinha a menor dúvida de que havia um sentimento de ódio e desprezo em seu interior, e isso era perfeitamente natural. Realmente... De repente esbarrou num bloqueio. Por que sentia ódio? Por que experimentava o sentimento de desprezo? Certamente esquecera o motivo. Mas nem por isso se poderia dizer que o sentimento em si fosse falso. Pelo contrário. Era justo e correto. E Bob tinha de cumprir uma tarefa urgente. Não podia perder tempo com coisas sem importância. Unklaich estava à sua espera. Bob sabia tudo isso. Mas apesar disso houve uma pequena réstia de mal-estar e insegurança num canto de seu consciente. *** Abriu os olhos. Estava clareando em torno dele. Encontrava-se num banco parafusado a uma parede metálica cinzenta. Esta parede subia obliquamente, abaulava-se e mais adiante descia novamente para o chão. No lugar em que o teto era mais alto via-se uma fileira de lâmpadas amareladas. O jato espacial 008C estava pousado no chão, um monstro cintilante, cujo corpo elegante quase chegava a tocar as paredes do recinto em que Bob se encontrava. Bob absorveu o quadro, que não lhe causou nenhuma surpresa. Sentiu a pressão do capacete sobre o ombro e teve a percepção do peso da pistola energética guardada no coldre, ao qual estava tão acostumado. O Capitão Liggett estava sentado à sua direita, e o sargento Shriver à sua esquerda, e à esquerda deste o cabo Strombowski. À sua frente, meio na sombra do jato espacial, estava Unklaich. O olho vermelho fitava os terranos com uma expressão bondosa. Usava traje espacial e trazia uma pequena tradutora pendurada sobre o ombro. Ainda não fechara seu capacete. Bob viu-o erguer a tradutora à altura da cabeça e emitir sons que antes pareciam estalos. O aparelho transmitiu as palavras: — Estamos preparados. Vocês sabem o que devem fazer. Façam-no. Fez um gesto convidativo. Bob levantou imediatamente. Liggett e os outros dois seguiram seu exemplo. Contornaram o anel equatorial do jato, caminhando um atrás do outro, e entraram pela escotilha externa da eclusa, que estava aberta. Como de costume, Shriver e Strombowski ficaram no alojamento dos tripulantes. Bob e Liggett subiram pela escada que levava à sala de comando. Enquanto isso Unklaich fechou as eclusas. Quando terminou, também foi à sala de comando. Apesar de seu peso enorme e de sua figura volumosa, movimentou-se leve e elegantemente pela escada. Recolheu-se ao canto mais afastado da pequena sala de comando. Ao que parecia, tinha a intenção de observar as manobras que seriam executadas por Liggett e Bob.

Bob sentia-se cada vez mais confuso. Vocês sabem o que fazer, dissera Unklaich. Acontece que Bob só tinha uma idéia geral do que estava para ser feito. Não tinha a menor idéia dos detalhes. Se Liggett lhe entregasse o comando, não saberia para onde levar o jato espacial. Sabia que o veículo se encontrava no interior de uma eclusa de hangar. Viu na tela a escotilha interna, que ficava cerca de trinta metros além da popa. A escotilha se abriria a qualquer momento, para permitir que o jato espacial entrasse na câmara da eclusa e dali fosse para o espaço. E depois...? Bob viu Liggett examinar os instrumentos. Quando não suportou mais a incerteza, inclinou-se para o lado e pôs a mão no braço de Liggett. Este olhou-o com uma expressão sombria. — Senhor — cochichou Bob. — O que devemos fazer? Esperara uma reação de surpresa, talvez indignada. Mas sua incerteza não parecia surpreender Liggett. O mesmo levantou os olhos para a tela, com um sorriso odiento no rosto, e disse em tom enfático: — Prender ou matar todos eles! Isso Bob já sabia. — Quem? — perguntou num sopro. — E onde? — Kasom, Ishibashi, Goratchim, Gucky — fungou Liggett numa raiva incontida. De repente Bob lembrou-se. Já soubera que os nomes que Uggett acabara de citar eram os objetos de seu sentimento de ódio. Certamente perdera essa lembrança. Não sabia por quê, mas o fato o deixava preocupado. Como poderia esquecer contra quem se dirigia seu ódio? Sentiu-se satisfeito por Liggett ter dado um auxílio à sua memória, mas não sabia o que aconteceria se continuasse a esquecer certas coisas que deveriam estar firmemente ancoradas em sua memória. Por um instante pensou em comunicar suas preocupações a Unklaich, mas logo abandonou a idéia. Era possível que Unklaich não tivesse compreensão por esse tipo de fraqueza. Ficaria sempre perto de Liggett, cuja memória parecia funcionar perfeitamente. Estas reflexões provocaram uma estranha inquietação em seu consciente. Era como se carregasse consigo uma preocupação existente apenas em seu subconsciente. Pensando bem, não havia motivo para o mal-estar que estava sentindo, mas o fato era que sentia, pois o motivo desse sentimento ficava nos confins mais profundos de sua mente, onde não chegava o pensamento lógico. A escotilha interna da eclusa foi aberta, interrompendo suas reflexões. Liggett pilotou o jato habilmente para dentro da câmara da eclusa. Esta se fechou, e a estranha cintilância que sempre se manifesta quando as potentes bombas esvaziam a eclusa numa questão de segundos apareceu nas telas. O índice de refração da luz era diferente do do vácuo. O bombeamento fazia com que surgisse uma turbulência que formava zonas de densidade atmosférica variável, que produziam a cintilância. Bob surpreendeu-se olhando com uma expressão pensativa para a tela. O estranho jogo de luzes o deixava fascinado, embora seu consciente não o acompanhasse. Por uma fração de segundo chegara a acreditar que acabara de descobrir a causa da inquietação que tomara conta dele. Mas as bombas não demoraram a concluir seu trabalho. A escotilha externa abriu-se, e o espaço cósmico salpicado de milhares de estrelas apareceu à sua frente. O jato espacial saiu da eclusa. Bob virou a cabeça e viu o casco gigantesco da nave da qual haviam saído projetado na tela de popa. O mesmo estendia-se para os dois lados,

além do alcance das objetivas. Só começou a encolher quando Liggett aumentou a aceleração. Finalmente apareceu na tela de popa a proa. Bob contemplou a figura oval grosseira e teve uma perturbadora sensação de hostilidade que parecia partir da imagem. Olhou para outro lado, confuso, e passou a dedicar sua atenção às coisas que apareciam na direção do vôo. Precisava controlar-se. Não sabia por quê, mas tinha certeza de que Unklaich de forma alguma concordaria com sua reação diante da nave oval. Não compreendia por que constantemente fazia coisas ou experimentava sentimentos que tinha de ocultar de Unklaich. O que havia de errado nele? Unklaich comandava a operação. Ele mesmo achava que esta era necessária e importante, mas havia alguma coisa em seu subconsciente que entrava em contradição com seus pensamentos. Sentia-se cada vez mais inquieto. Um dos inúmeros pontos luminosos desprendeu-se do grupo e veio na direção do jato espacial. Devia ser a nave que levava Melbar Kasom e seus mutantes a bordo. O Capitão Liggett parecia conhecer a rota. Estava confortavelmente recostado em sua poltrona e deixou que os jatos-propulsores fizessem seu trabalho. Bob perguntou-se pela centésima vez o que o tornava tão diferente de Liggett, que parecia dominar a situação, enquanto ele mesmo não sabia o que deveria fazer em seguida. De repente Liggett inclinou-se para a frente e deu início à manobra de frenagem. O ponto luminoso que representava a espaçonave distante tinha crescido, mostrando sua verdadeira forma, que era a de um pingo grosseiro, quase oval, no qual se viam longas aletas de popa, que saíam obliquamente do casco. Pelos cálculos de Bob, a nave não devia encontrar-se a mais de quatrocentos quilômetros. Teve uma idéia de que Liggett não se poderia aproximar da mesma sem mais aquela. Assim que localizasse o jato espacial, Kasom ficaria desconfiado. Era necessário dissipar suas suspeitas. Quais eram as intenções de Liggett? Bob ouviu alguma coisa se arrastando atrás dele e estremeceu. Virou a cabeça e viu Unklaich deslizar em direção à escada. Sem dizer uma palavra, a estranha criatura passou pela abertura e desceu para o alojamento dos tripulantes. Bob compreendeu. Liggett entraria em contato com Kasom. Durante a palestra seria estabelecida a comunicação visual. E Unklaich apareceria na tela de Kasom se não se retirasse. Havia um transmissor de imagem na sala dos tripulantes, mas o mesmo costumava ficar desligado. Não era de esperar que Kasom manifestasse o desejo de ver o alojamento dos tripulantes no meio da confusão geral. Liggett ligou o hipercomunicador. Bob viu-o transmitir o sinal de chamada. Uma tensão insuportável maltratava seus nervos, enquanto Liggett parecia inabalável. Teve de repetir o sinal várias vezes. Finalmente a pequena tela iluminou-se. A nave já se tinha aproximado a trezentos quilômetros. Kasom em pessoa apareceu na tela de imagem. Por uma fração de segundo parecia desconfiado, mas logo reconheceu Liggett, e seu rosto largo iluminou-se. — Liggett... como conseguiu isso?! — perguntou sua voz retumbante. Liggett fez um gesto de modéstia. — Mais tarde falaremos sobre isso, senhor. Na situação em que nos encontramos não posso fazer um relato minucioso. Basta dizer que a nave twonoser à qual fomos levados depois de termos sido presos está em nosso poder. Trata-se da nave-capitânia da frota. É um veículo gigantesco. A frota não tem conhecimento do golpe que demos, mas a qualquer momento pode descobrir. Sugiro...

De repente Melbar Kasom ficou com o rosto muito sério. Parecia que de repente se lembrara de uma coisa que lhe fazia esquecer por um instante a alegria do reencontro. — Compreendo — disse, interrompendo Liggett. — A nave tem de ser destruída. Os senhores foram vistos, e se os senhores da galáxia receberem uma descrição sua... — Melhor que isso, senhor — interrompeu Liggett com uma exaltação bem fingida. — A nave-capitânia nos permitirá uma volta muito mais confortável que os três jatos espaciais. O comandante está bem guardado. Tem de fazer o que mandamos. Além disso acho que uma nave-capitânia twonoser teria um valor inestimável como objeto de estudo de nossos técnicos e cientistas. Kasom acenou com a cabeça. Parecia não ter muita certeza sobre o que deveria fazer. — Seja como for — respondeu depois de algum tempo — antes de mais nada os senhores virão a bordo. Os mutantes ainda não voltaram de Siren. Quando estiverem aqui, resolveremos o que fazer. — Sim senhor. A ligação foi interrompida. Liggett voltou a recostar-se na poltrona e pôs-se a observar a tela. Depois de algum tempo dirigiu-se a Bob. — Seus lindos mutantes ainda não voltaram — disse em tom de desprezo. — Teremos de esperar, para pegar todos. Talvez seja melhor assim. Quanto menos tempo Gucky tiver para refletir a nosso respeito, mais certeza teremos de pegá-lo. Bob não respondeu. Mal ouvia o que Liggett estava dizendo. Tinha outras preocupações, e não parecia que conseguisse livrar-se das mesmas num prazo curto. Observara Melbar Kasom na tela. Registrara todos os movimentos do mesmo. Viu sua boca mover-se ao falar e seu rosto mudar de expressão. Não sabia explicar o que sentia. Parecia tão familiar, tão estranhamente familiar e inspirava tanta confiança, dando-lhe um sentimento de segurança. Conhecia Kasom. Agora, que vira seu rosto, lembrava-se dele mais nitidamente que nunca. Fez um esforço tremendo para lembrar-se do acontecimento que pudesse justificar tamanho ódio contra ele. Não descobriu nenhum, por mais que tentasse. De repente a força do ódio e o desprezo mantido até então o abandonaram. A força que o ajudara a superar os movimentos de confusão e desolação tinha desaparecido. Não tinha motivo para odiar Melbar Kasom — e não seria capaz de fazê-lo. No entanto, viera com a incumbência de aprisionar ou matar Kasom e seus companheiros. Mesmo naquele momento não tinha nenhuma dúvida de que cumpriria essa incumbência. Mas Unklaich chegaria à conclusão de que era um auxiliar perturbado, que não merecia confiança. A fagulha pequena e inconstante de inquietação que brilhara fracamente num dos recantos de seu consciente no momento em que despertara transformara-se num incêndio furioso. Sabia que havia algo de errado, mas a dúvida o martirizava tanto que nem tentou alcançar a certeza. Como se explicava que só ele sentisse que havia algo de estranho na situação? Como Liggett, Shriver e Strombowski tinham tanta certeza de que odiavam Kasom e deviam prendê-lo ou matá-lo? Por que só ele tinha suas dúvidas? Talvez sua inteligência já não estivesse funcionando como devia. Não sabia por quê, mas não acreditava que fosse assim. As coisas não eram como deveriam ser, e fora dele ninguém percebia. Não tinha motivo para duvidar de suas faculdades mentais — a não ser o fato de não saber como entrara numa situação tão estranha. Liggett interrompeu seus pensamentos.

— Estamos a apenas cem quilômetros — resmungou. — Nunca se sabe como vai acabar isso. Tire do armário uma arma automática pesada para o senhor e outra para mim. Bob desatou os cintos e levantou. O armário ficava junto à parede dos fundos da sala de comando. Unklaich estivera agachado junto ao mesmo antes de descer à sala de comando, para não ser visto durante a palestra travada pelo hipercomunicador. Bob sentiu o cheiro das emanações do ser estranho ao aproximar-se do armário. Franziu o nariz. Era um cheiro desagradável. “Houve mais alguma coisa”, refletiu enquanto tentava abrir a trava do armário. À medida que o ódio que sentia por Melbar Kasom diminuía, a admiração que sentia por Unklaich era cada vez menor. Até parecia que os dois sentimentos ficavam nos dois pratos de uma balança, fazendo com que um deles subisse enquanto o outro descia. Um zumbido agudo mostrou que o sistema de travamento eletrônico se abrira. Bob estendeu a mão em direção ao cabo que ficava pouco acima da fechadura, mas a escotilha pesada veio ao seu encontro antes que tocasse o metal. Perplexo, atirou-se para a frente para evitar que a escotilha se abrisse rapidamente. Era possível que uma das armas se tivesse desprendido dos suportes e comprimisse a escotilha. Não podia permitir que caísse, pois a queda prejudicaria o mecanismo ultra-sensível. Enquanto encostava o ombro à escotilha, sentiu a pressão que pesava sobre a mesma. Foi cedendo cautelosamente à pressão, centímetro após centímetro, e enfiou a mão esquerda atrás da escotilha, para evitar que a arma que devia estar lá caísse. Mas a mão esquerda tocou numa superfície que ao tato parecia couro, e que cedia à pressão, recuando sob a pressão do braço sem oferecer apoio aos dedos que tateavam a mesma. Bob assustou-se e interrompeu o movimento por um instante. Retirou instintivamente a mão, como se tivesse sofrido uma queimadura. Ouviu-se um ruído de alguma coisa arranhando através da fresta estreita. Tinha-se a impressão de que um objeto de superfície áspera estava deslizando junto à parede da escotilha. Numa súbita resolução, Bob deu um passo para trás e abriu abruptamente a escotilha. Para aquilo que havia atrás da mesma o movimento foi rápido demais. Por um terrível instante a coisa permaneceu na situação em que fora mantida pela escotilha, mas logo tombou para a frente e caiu ruidosamente ao chão. Um grito abafado saiu da garganta de Bob. Estupefato e incapaz de fazer qualquer movimento ficou com o corpo ligeiramente inclinado, olhando fixamente para o corpo que jazia imóvel a seus pés. Dos estranhos olhos, grandes e rígidos, parecia sair uma força magnética, que o atraía irresistivelmente. Inclinou-se mais fortemente, e um sino parecia repicar num dos recantos mais afastados de sua inteligência. Os contornos dos objetos que o cercavam desmancharam-se e desapareceram. Só restava aquele rosto pálido com os grandes olhos sem vida. A voz de Liggett, vinda de muito longe, disse: — Por que resolveu guardar Sol Rosenblatt justamente no armário em que estão as armas?

7 A inquietação era que nem um fogo causticante. Em toda sua vida Melbar Kasom nunca sentira um desejo tão ardente de que o tempo passasse mais depressa. Atravessava a sala de comando da nave twonoser a passos retumbantes, com as mãos nas costas. De dez em dez segundos lançava um olhar para a tela da proa, na qual o disco prateado que representava a lua Siren parecia fitá-lo com um sorriso de escárnio. Ainda não havia sinal de que os mutantes tivessem chegado ao destino. Siren descrevia calmamente sua órbita. Já fazia mais de meia hora que Gucky tinha dado o salto. Melbar não conseguia livrar-se da idéia angustiante de que alguma coisa pudesse ter saído errada. A nave apresada já tinha entrado na formação do anel interior da frota. Mas os twonosers permaneciam calmos. A grande nave de formato estranho mantinha-se a quarenta mil quilômetros de distância. Melbar tinha certeza quase absoluta de que se tratava da nave-capitânia de que Whiley Liggett lhe falara. Logo, não poderia tornar-se perigosa para eles. A silhueta do jato espacial que se aproximava devagar e cautelosamente da nave apresada apareceu numa das pequenas telas laterais. Por um instante Kasom sentiu uma profunda admiração pelo Capitão Liggett, que mesmo nos momentos de maior nervosismo não perdia a calma, realizando uma manobra tão perfeita que até se poderia ter a impressão de que queria provar a uma comissão examinadora que era um piloto competente. Quanto à nave-capitânia inimiga, Kasom ainda não chegara a qualquer conclusão. Mas tinha certeza de que não se poderia permitir que o inimigo levasse adiante as informações colhidas durante o exame dos prisioneiros. A idéia de fazer a viagem de volta à Crest a bordo de uma nave grande e confortável e não num jato espacial era tentadora. Mas de outro lado uma nave de grandes dimensões corria um risco maior. Kasom estava nervoso demais para pesar os dois fatores com a necessária calma. Se resolvesse não levar a nave-capitânia, teria que destruí-la. Quanto a isso não havia a menor dúvida. Conforme observara, as unidades da frota twonoser haviam desativado seus campos defensivos enquanto circulavam em torno da lua Siren, com exceção do campo de pequena intensidade que servia para protegê-las contra os meteoritos. Provavelmente sentiam-se seguras e queriam poupar energia. Nestas condições o canhão energético do jato espacial seria perfeitamente capaz de destruir a gigantesca nave. Parecia que a solução mais simples seria partir para o vôo de regresso com os três jatos espaciais, assim que os mutantes voltassem e liquidar a nave-capitânia twonoser por assim dizer de passagem. Mas Kasom resolveu que falaria com Liggett antes de tomar uma decisão definitiva. O jato espacial já tinha saído do campo de visão. Naquele momento Liggett certamente estava abrindo a eclusa do hangar. Kasom lembrou-se de que Chief Donlan, que ainda se mantinha à espera juntamente com seu grupo no interior do hangar, não fora informado sobre o regresso do SJ-008C. Era possível que a surpresa o levasse a esboçar uma reação errada. Melbar levantou o braço para ligar o minicomunicador que trazia no pulso, mas antes que tivesse tempo para isso o ar começou a tremer bem à sua frente e a seu lado materializaram Gucky, o anão, e Ivã Goratchim, o gigante.

Kasom baixou o braço. Chief Donlan que se arranjasse como pudesse. Gucky fez um movimento rápido para abrir seu capacete e empurrou-o para trás. A maneira pela qual pôs à mostra o dente roedor solitário mostrou que fora bem-sucedido. Quando pretendia começar a falar, foi interrompido pelo regresso dos gêmeos Woolver. Como sempre, apareceram lado a lado e exatamente no mesmo instante. Materializaram no meio de uma névoa fina que parecia sair do console de comando do hiper-receptor twonoser. Não fizeram nenhum movimento. Ficaram parados no lugar em que tinham saído da névoa e Tronar principiou em tom humilde: — Descobrimos um impulso partido de Siren, que vinha na direção desta nave, e conseguimos introduzir-nos no mesmo no último instante. Melbar fez um gesto amável. Gucky achava que já não poderia ficar quieto e irrompeu numa torrente de palavras, apresentando seu relatório. — Siren é um espaço oco — principiou apressadamente. — Não acredito que haja um lugar em que a espessura das paredes seja superior a cem quilômetros. Existem gigantescas instalações defensivas, capazes de repelir sem a menor dificuldade uma frota de mil supercouraçados. Mas a maior parte do espaço oco é ocupada pelos transmissores. Existem gigantescos conversores, que processam a energia retirada dos três sóis para a seguir transmiti-la aos geradores de impulsos. Além disso há milhares de transmissores, a maioria dos quais parece sintonizada na mesma onda no momento, para gerar os sinais de comando que controlam os mobys. Siren é um mundo completamente automatizado, mas assim mesmo existe vida por lá — seu rosto pontudo transformou-se numa careta, que deveria exprimir repugnância. — Alguma fantasia decadente produziu robôs e andróides que parecem ter saído de um filme de horror. Qualquer coisa que possa ser concebida em matéria de monstruosidade e figuras repugnantes em uma cena de pesadelo poderá ser encontrada em carne e osso nos espaços ocos de Siren. Vi pelo menos dez raças diferentes de andróides, e o dobro de tipos de robôs. Não sei para que servem, mas sei que existem, e tão depressa não me esquecerei deles. Kasom interrompeu-o com um gesto. — As bombas foram colocadas? — perguntou. — Foram depositadas no interior da lua — confirmou o rato-castor. — A detonação será realizada dentro de alguns minutos. Uma das duas cabeças do mutante Goratchim exibiu um sorriso simplório. — Fizemos ir pelos ares alguns monstros — disse. — Formam uma bela massa explosiva, constituída de matéria orgânica com um elevado teor de carbono. Kasom não demonstrou interesse pela informação. — Vamos sair daqui — disse laconicamente. — Liggett e seus companheiros conseguiram libertar-se. Neste momento estão entrando na eclusa do hangar. Preciso falar com Liggett, que afirma ter-se apoderado da nave-capitânia inimiga. Vamos andando! Retiraram-se da sala de comando. Antes que a escotilha se fechasse, Kasom olhou mais uma vez para trás. Os twonosers hipnotizados continuavam sentados à frente de seus consoles, trabalhando em silêncio. Dentro de mais algumas horas ficariam livres da constrição. Quando isso acontecesse, a nave se encontraria junto à superfície de Siren. Kasom tentou imaginar sua reação quando de repente se vissem nas imediações de um astro que estivesse sendo devorado por uma fogueira nuclear. *** De repente um véu parecia cair dos olhos de Bob. Reconheceu que uma coisa terrível acontecera. A consciência disso deixou-o tão atordoado que por alguns instantes

ficou parado à frente do cadáver de Sol Rosenblatt sem saber o que fazer, contemplando o rosto pálido e sem vida. O ódio que devia sentir por Kasom e pelos mutantes lhe fora sugestionado. Os twonosers tinham usado este recurso para transformá-lo num instrumento passivo. Se odiasse Kasom, ele mesmo trataria de encontrar um meio de pegá-lo. A força sugestiva partia do monstro conhecido pelo nome de Unklaich, e que se encontrava lá embaixo, no alojamento dos tripulantes. Bob não sabia por que justamente nele a influência hipnótica não produzira o resultado desejado. Mas bastava olhar para Liggett para saber que o mesmo continuava sujeito ao comando hipnótico e não pensava em outra coisa senão em prender Kasom e os mutantes ou até matá-los. Também sabia que alguma coisa precisava ser feita, e logo, pois quando estivessem na eclusa do hangar, Unklaich passaria a cuidar de Chief Donlan e seus homens, para hipnotizá-los, e depois se aproximaria de Kasom e dos outros. Era difícil saber até onde chegava sua capacidade sugestiva, mas na situação em que se encontravam teria de contar com o pior, e o pior seria se Unklaich conseguisse submeter Kasom e os mutantes à sua influência hipnótica. Se as coisas chegassem a este ponto, não haveria mais salvação. Alguma coisa tinha de ser feita, e imediatamente. Liggett já parecia ter-se recuperado do espanto pelo aparecimento inesperado do cadáver. Voltou a virar o rosto para a frente e passou a dedicar sua atenção à tela de proa, na qual a nave oval já se transformara num objeto de grandes dimensões. Bob pôs-se a escutar. Lá embaixo, no alojamento dos tripulantes, permanecia tudo em silêncio. Unklaich certamente acreditava que Bob ainda tivesse de usar o hipercomunicador, e permanecia fora do alcance da objetiva. Bob passou cuidadosamente por cima do cadáver de Rosenblatt e enfiou a mão no armário em que estavam guardadas as armas. Tirou duas armas automáticas. Olhou por cima do ombro para certificar-se que Liggett não o estava observando. Depois tirou a bateria de fusão do tamanho de uma caixa de fósforos da câmara geradora de uma das armas e atirou-a de volta para o armário. Pendurou a outra arma a tiracolo. Liggett levantou os olhos por um instante quando Bob apareceu a seu lado. — Sua arma automática — limitou-se Bob a dizer. Liggett fez um gesto. — Coloque perto do console. Bob obedeceu. Sentiu-se aliviado. Liggett poderia ter pegado a arma para examinála. Nesse caso notaria a falta da bateria. Colocou o objeto pesado e comprido cuidadosamente no chão e apoiou a boca em funil no console de Liggett. Depois deu um passo para trás. Dispunha de trinta segundos para refletir sobre o que deveria fazer a seguir. Deu-se conta de que não seria tão fácil como imaginara levar avante o plano que concebera. Por um instante o receio de que além da capacidade hipnótica Unklaich pudesse possuir o dom da telepatia o deixara angustiado, o que era uma combinação muito freqüente. Neste caso o monstro já saberia o que estava acontecendo. Mas logo abandonou a idéia. Se tivesse notado um perigo, Unklaich sem dúvida já teria entrado em cena. Mas havia outros fatores que tinham de ser pesados. Será que havia alguma forma de ligação permanente entre Unklaich e a nave-capitânia twonoser, capaz de avisar o comandante twonoser se alguma coisa acontecesse a Unklaich? Neste caso o mesmo lançaria toda sua frota contra o jato espacial e a nave apresada pelos terranos, e não era

difícil calcular as chances que os terranos teriam neste caso. Bob resolveu não considerar esta possibilidade. O lugar e o tempo do ataque a Unklaich teriam de ser cuidadosamente escolhidos. Em hipótese alguma o ataque deveria representar um perigo para o jato espacial. Nenhum tiro deveria ser disparado no interior da sala de comando, onde se amontoava um semnúmero de aparelhos. Teria de cuidar do monstro lá embaixo, no alojamento dos tripulantes. E os fatores que determinavam o momento do ataque eram semelhantes. Liggett não deveria ser perturbado enquanto estivesse manobrando o veículo, pois ninguém sabia o que poderia acontecer neste caso. Bob teria que desferir seu golpe depois que o veículo tivesse pousado no interior da eclusa do hangar — e imediatamente após isso, antes que Unklaich saísse do veículo. Estes pensamentos levaram apenas alguns segundos para atravessar a cabeça de Bob. Este sentiu uma vaga admiração porque mesmo num momento de nervosismo extremo sua inteligência funcionava tão bem. Recapitulou apressadamente seu plano e não descobriu nenhuma falha. Dali em diante tudo dependia de que as coisas acontecessem de uma forma que correspondesse às suas necessidades. O casco da espaçonave twonoser já ocupava toda a extensão da tela. Bob sentiu-se fascinado ao contemplar o abaulamento aparentemente sem fim feito de metal cintilante. Era liso e contínuo, dando a impressão de que a nave acabara de sair do estaleiro. De repente parte do casco desapareceu, deixando livre uma abertura oval, da qual saía uma luz fulgurante que atingia as objetivas. O jato espacial deslocou-se em direção à abertura. As bordas da mesma foram-se afastando. Bob reconheceu a câmara da eclusa na qual haviam entrado depois de terem saído da Crest. Liggett levou o veículo com a mão segura para dentro da câmara e o fez descer lentamente. Bob recuou para perto da escada. Liggett estava tão ocupado que não podia dar-lhe atenção. Bob ajeitou a arma que trazia a tiracolo e segurou a primeira travessa da escada. Dali em diante teria de agir muito depressa. Dentro de mais alguns segundos o veículo estaria pousado em segurança no interior da eclusa. Tinha tempo até lá, mas nem um instante mais. Bob desceu para o alojamento dos tripulantes o mais depressa que pôde. Sentiu uma coceira desagradável na espinha. Enquanto tivesse de segurar-se na escada era indefeso, e se Unklaich desconfiasse de suas intenções... Saltou as últimas três travessas e arrancou a arma que trazia a tiracolo. Fez um giro muito rápido e viu que seu plano não funcionara da forma que previra. Shriver e Strombowski estavam de pé à sua frente e o fitaram num misto de espanto e tédio. Não havia sinal de Unklaich. *** — Onde está ele? — fungou Bob. Strombowski sacudiu a cabeça com uma lentidão irritante. Shriver deu um passo na direção de Bob e apontou para a arma automática. Quis dizer alguma coisa, mas Bob não lhe deu tempo. — Onde está Unklaich? — disse, repetindo a pergunta. Shriver ficou parado. Os movimentos resolutos de Bob pareciam impressioná-lo. — Na eclusa — resmungou. — Por quê...? Bob fez um gesto de pouco-caso. Naturalmente! Como poderia deixar que isso o abalasse tanto? Unklaich queria ser o primeiro a sair do veículo, para que Chief Donlan e seus homens não tivessem nenhuma chance.

Aproximou-se da escotilha e estendeu a mão para acionar o mecanismo do fecho, quando sentiu que havia perigo atrás de suas costas. Virou-se abruptamente e viu Shriver dar um salto em sua direção. Deu um passo para o lado e rechaçou o ataque com a coronha da arma. Houve um ruído feio quando Shriver investiu de queixo para a frente contra a arma. O sargento caiu de lado e tombou com os olhos vidrados. Bob girou instantaneamente e apontou a arma para Strombowski, que parou no meio do movimento. Ainda faltavam alguns centímetros para que as pontas dos dedos da mão direita atingissem a pistola energética que trazia presa ao cinto. — Atire isso para cá — resmungou Bob. — Vamos logo! Strombowski obedeceu. Pela primeira vez desde que Bob o conhecia seu rosto revelava algo que poderia ser interpretado como medo. A pequena pistola energética caiu ao chão à frente de Bob. Este lhe deu um pontapé, empurrando-a para um canto, ao lado da escotilha. A voz rouca do Capitão Liggett, vinda de cima, se fez ouvir: — Droga! O que está acontecendo aí embaixo? Onde o senhor se meteu, Vorbeck? Bob não lhe deu atenção. Já perdera muito tempo. Bateu com a quina da mão no botão verde. No mesmo instante houve um ligeiro solavanco. Era um sinal de que o jato espacial acabara de pousar. Neste mesmo instante Unklaich provavelmente já tratava de abrir a escotilha externa para sair do veículo. A chapa metálica foi deslizando lentamente. Assim que as dimensões da abertura o permitiam, Bob passou pela mesma. A única coisa que viu foi a abertura enorme da escotilha externa e uma sombra cinzenta que entrava na câmara da eclusa, passando pela borda da escotilha. Bob deixou de lado as precauções. Atirou-se pela escotilha e voltou cambaleante pelo chão da câmara da eclusa, que ficava alguns metros abaixo dele. Um grito furioso encheu o ar. Bob levantou os olhos. Dez metros à sua frente via-se a escotilha de trinta metros de altura, que levava ao pavilhão do hangar. Unklaich estava agachado junto à borda inferior da gigantesca superfície metálica, reduzido a uma pequena mancha cinzenta, apesar das suas dimensões ciclópicas. Cuidava de abrir a escotilha. Os outros dois jatos espaciais estavam parados atrás da mesma. A desgraça teria desabado sobre Chief Donlan e seus homens antes que os mesmos compreendessem o que estava acontecendo. Bob ergueu a arma. As emanações malcheirosas de Unklaich penetraram em seu nariz. Bob sentiu o grande olho vermelho dirigido para ele e percebeu a vontade estranha que tentava impor-se à sua. Colocou o dedo sobre o acionador da arma e espantou-se ao notar que de repente a raiva cedia lugar a uma forte compaixão. Teve pena da criatura desconhecida que pretendia matar. Bob entesou o corpo. Lembrou-se de Sol Rosenblatt. Este pensamento espantou o atordoamento que começara a envolver sua mente. Já não experimentara seus próprios sentimentos. Unklaich mudara de tática. Tentara usar sua força hipnótica para incutir a compaixão em sua mente. O dedo de Bob calcou o acionador. Um raio branco incandescente de energia concentrada saiu do cano em funil. Unklaich deu um grito e morreu. *** Nuvens de fumaça encheram a câmara da eclusa. Bob voltou para dentro do jato espacial. Um quadro surpreendente descortinou-se diante de seus olhos quando chegou à sala dos tripulantes. Shriver jazia no chão, imóvel, mas não no lugar em que caíra depois

que Bob lhe dera a pancada. Estava mais para o lado da escada. Certamente recuperara os sentidos antes de tombar pela segunda vez. O cabo Strombowski permanecia imóvel em sua poltrona. Também estava inconsciente. Bob subiu à sala de comando. Liggett também estava inconsciente. Este estado devia ter alguma relação com o súbito desaparecimento da influência hipnótica. Quando Unklaich morreu, a influência que o mesmo exercia sobre o cérebro dos terranos desapareceu. E o retorno ao próprio eu devia ter deixado os dois homens que se encontravam na sala dos tripulantes sem sentidos. Bob aproximou-se do console de comando e pôs em funcionamento o hipercomunicador. — Tenente Vorbeck chamando Coronel Kasom. Favor responder, Coronel! A tela de imagem continuou vazia. Kasom não se encontrava mais na sala de comando da nave twonoser. Bob ia repetir o chamado, mas de repente houve um estalo no receptor e a voz retumbante de Kasom se fez ouvir. — Kasom falando. Que houve, tenente? — Há poucos minutos, quando falou com o senhor, o Capitão Liggett estava submetido a uma influência hipnótica. Havia um... um monstro a bordo de nosso veículo. A influência partia desse monstro. Consegui eliminar o mesmo. Liggett, Strombowski e Shriver estão inconscientes. — Estamos indo para aí — respondeu Kasom apressadamente. — Estou falando pelo microcomunicador. Dentro de cinco minutos estaremos aí. Enquanto isso mandarei... Não houve necessidade de prosseguir. O ar começou a tremer ao lado de Bob, e a pequena figura de Gucky apareceu, vinda do nada. Bob sentiu um forte alívio. Desligou o hipercomunicador e lançou um olhar de gratidão para o rato-castor. Parecia que Gucky também olhava para ele. Bob compreendeu que estava sendo submetido a uma espécie de exame telepático, destinado a verificar se realmente era dono de sua vontade. Alguns segundos se passaram em completo silêncio. Finalmente o rato-castor sorriu e pôs à mostra o dente roedor. — Tudo bem com você, Bob — disse. *** Bob abriu a escotilha e levou o jato espacial para dentro do hangar. Melbar Kasom e os mutantes já se encontravam lá. Ishibashi cuidava de Liggett, Shriver e Strombowski, fazendo com que recuperassem os sentidos. Estavam muito confusos e não se lembravam de nada do que acontecera desde o momento em que o monstro começara a impor-lhes sua vontade, ainda a bordo da nave-capitânia twonoser. Melbar Kasom sondou de dentro da sala de comando do jato espacial a situação reinante fora da nave. Quando voltou, os tripulantes dos três veículos estavam reunidos junto à escotilha aberta, ouvindo o relato de Bob Vorbeck. Kasom aproximou-se. Parecia muito sério. — A frota twonoser continua a operar em formação — informou. — Se é que o comandante sabe o que aconteceu ao seu andróide, parece não ter a menor intenção de esboçar qualquer reação. Acho mais provável que não desconfie de nada. Os primeiros impulsos energéticos de grande intensidade produzidos pelas bombas vêm de Siren. Foram detonadas segundo o plano e o incêndio nuclear vai se propagando no interior da lua. É apenas uma questão de minutos que os twonosers captem os impulsos. Certamente não demorarão a encontrar a explicação. Sugiro darmos o fora antes disso. Olhou para Bob.

— O senhor merece uma medalha, tenente. Salvou sua própria vida e a de mais três homens. Como o estado em que se encontra o Capitão Liggett não é muito satisfatório, assumo o comando da zero zero oito. Decolaremos daqui a... Bob levantou a mão. Kasom interrompeu-se. — Pois não! — Senhor, não devemos esquecer — disse Bob em tom áspero — que a bordo da nave-capitânia twonoser existem dados que revelam nossa origem. Tenho meus motivos para acreditar que por enquanto o comandante twonoser não informou ninguém sobre sua descoberta. Se conseguirmos destruir a nave antes de darmos o fora, nossas pistas serão apagadas e nossa identidade continuará, em segredo. — Perfeitamente, tenente — confirmou Kasom. — O segredo sobre nossa verdadeira identidade é tão importante quanto a destruição de Siren. Quando recebi o relato do Capitão Liggett, tive certeza quase absoluta de que seria fácil nos apoderarmos da nave-capitânia twonoser ou destruir a mesma. Mas as coisas não são como Liggett contou. O comandante twonoser está vigilante. Se tiver qualquer desconfiança, por menor que seja, usará toda sua frota para destruir-nos. Não podemos arriscar o ataque à navecapitânia. Sou responsável pelos senhores, e por isso me recuso a lançar o ataque, porque o mesmo seria perigoso demais. Bob ainda não tinha concluído. — Com sua licença, senhor... Ofereço-me como voluntário. Kasom fitou-o com uma expressão de espanto. — Voluntário para quê? — Para atacar e destruir a nave-capitânia inimiga com o zero zero oito. — O senhor não teria nenhuma chance. — Tenho, sim senhor. O comandante twonoser aguarda nosso regresso. Não sabe o que aconteceu ao andróide. Deixará que nosso veículo se aproxime livremente. As naves twonosers só estão protegidas com o campo defensivo antimeteoritos. Acho... Kasom interrompeu-o com um gesto. — Permissão concedida. Acontece que a tripulação mínima do zero zero oito é de quatro homens. Não acredito que consiga mais três voluntários. Bob virou o rosto. Ficou olhando por um instante para Liggett, cujo rosto enrugado o fitava com uma expressão de curiosidade e desolação por baixo dos cabelos grisalhos desgrenhados, depois para Strombowski, cujo rosto tenso já voltara a assumir a expressão de tédio e indiferença, e finalmente para Shriver, cujo rosto de cavalo era desfigurado pela inchação do queixo machucado, e que assim mesmo respondeu com um sorriso largo. — Tenho de pedir desculpas por muitas coisas a estes homens, senhor — disse, voltando a dirigir-se a Kasom. — Pensei que fossem indisciplinados e covardes. Meus olhos só se abriram para a realidade quando vi o cabo Rosenblatt sacrificar a própria vida por aquilo que lhe parecia justo. Tenho certeza, senhor, de que... Bob foi interrompido. — O senhor fala demais, tenente — resmungou Liggett, levantando o braço. — Ofereço-me como voluntário, senhor — disse, dirigindo-se a Kasom. — E quero chamarme de Primoverus Aloysius Kahasher se... Sem completar a frase, olhou para o lado e fitou Shriver e Strombowski. Shriver mostrou um sorriso teimoso. — OK — resmungou. — Se achar que não pode arranjar-se sem minha pessoa, estarei nesta.

Strombowski limitou-se a acenar com a cabeça, em sinal de concordância. — Já conseguiu reunir a tripulação — disse Kasom em tom sério. — Sabe perfeitamente que não poderá contar com qualquer apoio de nossa parte. Meu veículo e o de Chief Donlan tratarão de sair daqui o mais depressa possível. O senhor conhece as coordenadas do ponto de encontro. Volte para lá assim que a missão tenha sido concluída. Entendido? Bob fez continência. — Sim senhor. Os homens foram para bordo de seus veículos. O 008 foi preparado para decolar. O cadáver de Rosenblatt tinha sido guardado no alojamento dos tripulantes. Bob fez questão que o cabo voltasse com eles para bordo da Crest, em vez de ser entregue ao espaço no lugar em que tombara. O veículo deslizou para dentro da câmara da eclusa e Bob olhou mais uma vez para trás. Os dois jatos espaciais estavam estacionados atrás dele, no hangar. Decolariam assim que o 008 se tivesse aproximado à distância de tiro da nave-capitânia twonoser. A escotilha fechou-se. As bombas entraram em funcionamento. Bob colocou o capacete e afivelou os cintos de segurança. De repente a voz cansada de Liggett se fez ouvir no rádio-capacete. — Não gosto de falar a meu respeito, Vorbeck — disse em voz baixa. — Mas é possível que na missão que vamos iniciar as coisas não corram da forma que gostaríamos e que esta seja a última oportunidade de dizer alguma coisa. Não gostaria que fizesse uma idéia errada sobre minha pessoa. Bob pôs em funcionamento os jatopropulsores. O jato espacial começava a subir. Mas interrompeu sua atividade. Queria ouvir o que Liggett tinha a dizer. — O senhor deve estar lembrado — prosseguiu Liggett — de me ter acusado por ter falado para dentro da tradutora, revelando nossa língua aos twonosers. — Naturalmente — respondeu Bob, constrangido. — Muito bem. Pois tente imaginar o que teria acontecido se não tivesse feito isto. E se chegar à conclusão de que possuo certa capacidade de prever logicamente os acontecimentos futuros, talvez consiga encontrar alguma justificativa para meu procedimento. Bob ficou calado. O fato de Liggett defender-se perante ele o fazia sofrer. Desde o momento em que encontrara em circunstâncias tão estranhas o cadáver de Rosenblatt e a influência hipnótica exercida por Unklaich em sua mente se desfez, ele andara pensando sobre o comportamento de Liggett e se recriminara por sua reação injusta e suas palavras de menosprezo. Não se precisava ser um gênio para compreender que Liggett agira segundo um plano. O conhecimento do intercosmo fazia com que o comandante twonoser estivesse em condições de entrar em contato com seus prisioneiros. Estava interessado em prender também os outros terranos que se encontravam a bordo da nave apresada. Nada melhor para isso do que usar os prisioneiros como isca. Mas para isso precisaria comunicar-se com eles. Em outras palavras, se Liggett não tivesse transmitido o conhecimento do intercosmo aos twonosers, eles não estariam ali. Naquele momento se encontrariam a bordo da nave-capitânia twonoser. Provavelmente estariam sendo submetidos a um psicointerrogatório e não teriam a menor possibilidade de escapar à prisão. Liggett sabia perfeitamente o que estava fazendo. O idiota fora ele, Bob Vorbeck, que não conseguira ver o caminho certo por causa do idealismo embotado que lhe enchia a mente.

— Sinto muito, senhor — disse em tom sério. — Sei que agi como um tolo. Peço desculpas. Liggett deu uma risadinha. — Não há por que, jovem. O senhor está mais que reabilitado. Minhas intenções foram as melhores possíveis, mas se o senhor não se tivesse livrado da influência hipnótica do monstro, isso não teria adiantado nada. Bob puxou a alavanca do acelerador. O jato espacial foi-se erguendo suavemente. Os mecanismos sensores da escotilha externa reagiram à manobra. A escotilha abriu-se e o 008 foi deslizando para a escuridão do espaço, suavemente impelido pelos jatospropulsores. *** Bob não perdeu tempo. O jato espacial aproximava-se da nave twonoser, acelerando ao máximo. Bob olhou para o lado, onde o setor de estibordo da tela mostrava o disco pálido que era Siren. O incêndio nuclear ainda não chegara à superfície, mas isso não poderia demorar muito. E quando isso acontecesse seria um inferno. Quando ainda se encontrava a dez mil quilômetros da nave inimiga, mudou a rota do jato espacial. Até então seguira o caminho de aproximação mais curto. Se tivesse prosseguido na mesma rota, teria avançado verticalmente sobre a lateral da navecapitânia. Como o canhão energético estava rigidamente montado na estrutura do jato espacial, nessa rota só poderia ter atirado contra uma área limitada do veículo espacial inimigo. Só poderia ser bem-sucedido se seguisse uma rota de aproximação que lhe permitisse destruir toda a nave na primeira salva. Teria de vir da frente, para que a descarga do canhão energético atingisse a proa oval e dali avançasse até a popa. Não tinha a menor dúvida de que o comandante twonoser mantinha o jato espacial constantemente sob observação. A manobra devia tê-lo deixado desconfiado. Unklaich certamente carregara um rádio-receptor e transmissor que lhe permitia manter contato com a nave-capitânia. O twonoser tentaria comunicar-se com ele para perguntar qual era o motivo da mudança de rota. Restava saber quanto tempo levaria para descobrir que a manobra representaria um perigo para ele. Bob criou um forte campo defensivo em tomo do veículo. Dessa forma a potência dos jatos-propulsores sofria uma redução e a aceleração se tornava menor. Em compensação o 008 poderia agüentar os primeiros tiros sem ser posto fora de combate. Qualquer espaçonave levava algum tempo para coordenar seu fogo de artilharia. Algumas salvas disparadas às pressas não poderiam danificar o jato espacial, mas a primeira salva coordenada romperia o campo e atingiria o veículo. Não se sabia nada sobre a técnica de tiro dos twonosers. Bob fazia votos de que tivesse tempo para aproximar-se o suficiente da nave-capitânia para disparar a salva mortal. Era só o que queria. Naquele momento não se importava nem um pouco com o que lhe pudesse acontecer. Encontrava-se numa espécie de transe e era incapaz de pensar em outra coisa senão levar avante suas intenções. O 008 descreveu uma curva ampla e voltou a voar em linha reta. Sua rota formava um ângulo de poucos graus com o eixo longitudinal da nave-capitânia twonoser. A descarga do canhão energético atravessaria o veículo twonoser ao comprido, fazendo com que dele só restasse uma nuvem de vapores incandescentes.

Isto naturalmente se conseguissem aproximar-se bastante. No momento a distância era de oito mil quilômetros. Pelos cálculos de Bob, deveria estar a setecentos quilômetros no máximo se quisesse dar o tiro com a necessária segurança. Sentiu que Liggett o olhava de lado. — Que coisa esquisita. Nem estão reagindo — disse sua voz aguda saída do receptor. Bob acenou com a cabeça. — Está com o dedo no acionador? — limitou-se a perguntar. — Somente um milímetro acima dos controles. — Sempre perto da bola, não é? — respondeu Bob com um sorriso. No mesmo instante aconteceu uma coisa incrível. A tela do hipercomunicador acendeu-se e o rosto do comandante twonoser apareceu na mesma. Seus traços eram inconfundíveis, por causa da cicatriz larga que se estendia do olho até a base da tromba. Perplexo, Bob viu o twonoser mover a boca de lábios finos. Uma voz mecânica desajeitada que parecia vir de longe balbuciou algumas palavras: — Onde está o andróide? Por que não se aproxima em linha reta? Bob teve de fazer um esforço tremendo para acalmar os pensamentos que se agitavam em seu cérebro. Mordeu a língua para dar ao seu rosto a expressão estóica que em sua opinião era uma das características das pessoas hipnotizadas. Resistiu à tentação de perguntar ao twonoser como conseguira descobrir a hiperfreqüência correta, que fazia entrar em funcionamento o receptor do jato espacial. No momento isso não importava. O importante era ganhar tempo. — O andróide sofreu um acidente — respondeu. — Ficou na nave apresada. Fazia votos ardentes de que o twonoser ainda não tivesse aprendido a avaliar o tom da voz humana, pois neste caso sem dúvida notaria seu nervosismo. — Que tipo de acidente? — perguntou o twonoser, depois que a tradutora lhe tinha transmitido a resposta. Bob viu um movimento pelo canto do olho. Inclinou ligeiramente a cabeça e viu Liggett estender as mãos entre os joelhos, numa posição em que não podiam ser atingidas pela objetiva. Mostrou os cinco dedos da mão direita e o polegar da esquerda. Seis. Ainda faltavam seis mil quilômetros! — O inimigo colocou uma bomba com um detonador automático na escotilha interna. O andróide foi morto enquanto tentava abri-la. A tradutora levaria alguns segundos à procura da palavra interna, que não estava incluída em seu vocabulário porque não existia. Bob viu que o twonoser começava a ficar nervoso. Liggett voltou a colocar a mão esquerda sobre o console. Exibia somente os cinco dedos da direita. Cinco mil quilômetros! — Pegou os prisioneiros? — perguntou o twonoser depois de algum tempo. A tradutora provavelmente desistira de traduzir a palavra interna. — Estão comigo — respondeu Bob. — Muito bem. Mando que você mude de rota. Vá para o lado e pare. Alguns dos meus homens irão a bordo. Bob franziu a testa. — O que vem a ser mudar de rota? — perguntou. O twonoser olhou para o lado, perplexo. O truque estava dando resultado. O comandante twonoser não tinha certeza de que a tradutora tivesse traduzido corretamente

sua ordem. Os segundos foram passando. Liggett encolheu o dedo polegar. Faltavam quatro mil quilômetros. — Mude de direção! — disse o twonoser em tom enérgico. — Não chegue mais perto. — Não compreendo — respondeu Bob. — Estou me aproximando em linha reta. O twonoser voltou a olhar para o lado. Quando voltou a fitar a objetiva, Bob compreendeu que ele descobrira seu estratagema. — Você é um traidor — transmitiu a tradutora. — Será destruído pelo fogo dos nossos canhões. Liggett levantou ligeiramente a mão e mostrou três dedos. Uma sensação de triunfo selvagem tomou conta de Bob. Inclinou-se para a frente, pois queria chegar bem perto da objetiva, e gritou: — Já é tarde, twonoser. Você se meteu com um inimigo que é grande demais para você. Você só pode derrotar-nos se estivermos indefesos. Acontece que a situação mudou. Já não estamos indefesos. Sua criatura falhou. Só conseguiu impor sua vontade por algum tempo. Voltamos para vingar o homem que você matou. Viu o twonoser recuar abruptamente. A tela apagou-se. — Faltam mil e quinhentos! — fungou Liggett. — Praticamente... Não pôde concluir. A tela de imagem mostrou um fogo esverdeado que impedia a visão. O 008 deu um tremendo salto. Quando a luminosidade desapareceu, a navecapitânia twonoser tinha descido um pouco. Bob fez a correção da rota, e a segunda salva inimiga perdeu-se alguns quilômetros acima do jato espacial. — Mil e cem! Bob desviou o jato para a direita. Uma descarga formidável, que por uma fração de segundo envolveu a nave-capitânia num manto de fogo, voltou a errar o alvo, produzindo uma débil luminosidade no campo defensivo. — Nove-cinco... nove...! Bob fez o 008 voltar à rota primitiva. A nave twonoser aproximava-se em velocidade alucinante. Até parecia que estava dando um salto em sua direção. A proa arredondada transformou-se numa grande esfera. Uma fogueira esverdeada estendeu-se em direção ao jato espacial, balançando que nem um barco em mar agitado. Mas nas pausas entre os disparos Bob via a proa da nave twonoser crescer cada vez mais, até assumir o aspecto da lâmina prateada da pequena lua que atravessava o espaço vazio. — Seiscentos...! — gritou Liggett. Bob sobressaltou-se. Deixara-se arrastar pelo entusiasmo. Já se encontravam aquém da distância-limite de tiro. Bob expusera o veículo e seus tripulantes a um risco desnecessário. — Fogo...! — berrou. A tela chamejou. Um fogo branco envolveu a proa arredondada da nave inimiga, espalhando-se para todos os lados que nem os vapores saídos de um tubo estourado. Faíscas chamejantes desprendiam-se da claridade ofuscante e saíam espaço a fora que nem meteoritos. Uma coluna fina de gases superaquecidos levantou-se do inferno chamejante, subindo em velocidade tresloucada que nem uma bandeira de advertência. Era o combustível da nave inimiga, formado por hidrogênio completamente ionizado, que entrara em reação sob a força do impacto e explodira com a força de uma bomba de fusão nuclear. De repente Bob deu-se conta da gritaria selvagem saída de seu rádio-capacete. E não era só isto. Ele mesmo gritava sem saber. Sem reduzir a velocidade, o 008 avançava para a nuvem de gases em que se transformara a nave

inimiga. Bob prendeu a respiração por um segundo, pois não sabia qual tinha sido mesmo a eficácia da salva disparada, por Liggett. Mas muito antes que passasse um segundo, Bob voltou a ver a escuridão do espaço livre com os milhares de pontos cintilantes projetada na tela. O 008 atravessara são e salvo a porção de matéria gaseificada produzida pela destruição da nave inimiga. A salva disparada por Liggett acertara em cheio. O inimigo fora destruído e o segredo dos terranos estava protegido. Bob puxou o leme e desligou o campo defensivo. Acelerando ao máximo e descrevendo um ângulo que o levaria o mais depressa possível para fora das linhas de fogo das naves twonosers, o 008 precipitou-se para a escuridão do cosmos. Bob recostouse profundamente na poltrona e fechou os olhos. Levou alguns segundos para recuperarse. Teve medo de irromper em lágrimas caso alguém lhe dirigisse a palavra. Tremia que nem vara verde. Os efeitos da tremenda tensão nervosa das últimas horas começavam a manifestar-se. Sentia-se exausto. De tão nervoso que estava, mal se deu conta do sentimento de alívio que começava a tomar conta dele. Alguns longos segundos se passaram num silêncio profundo. Finalmente Whiley Liggett, que parecia compreender o estado de Bob, assumiu os controles sem dizer uma palavra e tratou de levar o jato espacial o mais depressa possível para fora do sistema Tri. Os três estranhos sóis já estavam tão longe que podiam ser vistos ao mesmo tempo na tela. Gleam parecia uma minúscula centelha azul e Siren não passava de uma partícula de pó prateado no espaço, quando uma bola de fogo esbranquiçada surgiu repentinamente nas proximidades da lua. Encobriu Gleam e o satélite por alguns segundos com sua forte luminosidade, mas logo inchou e foi perdendo luminosidade à medida que as massas de gases incandescentes se afastavam para todos os lados. Liggett examinou os instrumentos. O hiper-rastreador registrou um impulso energético de grande intensidade. A bola de fogo devia ter sido produzida por uma explosão nuclear. O acontecimento certamente não tinha nenhuma ligação com as bombas de Árcon depositadas em Siren. Quando o fogo desapareceu, Gleam e Siren voltaram a aparecer no firmamento negro. Parecia que não tinham mudado. Liggett não teve nenhuma dificuldade em interpretar os fatos. Certamente o comandante twonoser não fora o único que desconfiara da nave apresada, que avançava cada vez mais em direção à lua. Os outros twonosers também deviam ter notado seu comportamento estranho. Quando os jatos espaciais do Coronel Kasom e de Chief Donlan saíram do veículo suspeito, e a nave-capitânia explodiu quase no mesmo instante sob o efeito dos tiros disparados pelo 008, as unidades do anel interior da frota resolveram atacar o veículo suspeito. Os twonosers que se encontravam a bordo do mesmo ainda estavam sob os efeitos hipnóticos. Provavelmente nem chegaram a perceber o que estava acontecendo. Nem procuraram defender-se quando foram destruídos. Liggett ficou triste. Não queria que os seres hipnotizados tivessem esse destino. Mas havia um débil consolo. Com a morte dos mesmos fora eliminado todo risco de que depois de acordar do transe algum dos twonosers pudesse lembrar-se do aspecto dos terranos, apesar do bloqueio sugestivo colocado em sua mente. Para distrair-se, passou a mover às pressas os controles necessários à passagem para o espaço linear. Fez a determinação do ângulo de entrada e da velocidade linear que haviam sido combinados com Kasom e Donlan, para que os três veículos atingissem mais ou menos ao mesmo tempo o ponto de encontro nas proximidades da Crest. Depois disso resolveu fazer mais uma verificação dos rastreadores. Não esperara encontrar qualquer coisa interessante, mas viu uma coisa que o deixou abalado por alguns segundos. Os três mobys que circulavam a grande distância em tomo dos três sóis tinham

abandonado suas órbitas e avançavam em direção a Siren. Os impulsos vindos da lua faziam crepitar os rastreadores, levando à conclusão de que o incêndio nuclear desencadeado pelas bombas de Árcon já chegara à superfície. Siren continuava a ser uma pequenina centelha prateada, embora graças à distância imensa Gleam já tivesse desaparecido nas telas. Isso era mais uma prova de que o incêndio nuclear já lavrava na superfície da lua. As intenções dos mobys eram claras. O incêndio nuclear liberava energias tremendas, que os monstros de dimensões planetárias queriam absorver. Pelos padrões normais, sua capacidade de absorção podia ser considerada ilimitada. Um moby era capaz de atravessar a esfera de gases produzida pela explosão de uma bomba nuclear pesada, sentindo o mesmo prazer que um gurmê experimenta ao deleitar-se com um prato saboroso. Os mobys viviam de energia. Diante disso, o comando da frota resolvera atacar Siren com bombas de Árcon. Qualquer outra arma teria sido inútil. Os mobys absorveriam a energia liberada, eliminando seus efeitos. As bombas de Árcon funcionavam segundo um sistema diferente. Eram simples detonadores, que desencadeavam um processo de fusão nuclear em grande escala. Uma vez iniciado, este processo continuava automaticamente. Produzia núcleos de um número de ordem superior, instáveis por natureza, e que voltavam a desagregar-se depois de um trilionésimo de segundo. O processo de fusão e desintegração subseqüente liberava quantidades enormes de energia, com a qual os mobys podiam deleitar-se. Mas a absorção da energia por esses seres não detinha o processo de fusão nuclear. Dentro de um dia no máximo Siren se transformaria numa nuvem de gases radioativos. Liggett sobressaltou-se quando Bob Vorbeck, que estava a seu lado, acordou da rigidez. Bob inclinou-se para a frente e fez o controle dos instrumentos. — Tudo preparado para o vôo linear? — perguntou em voz de comando. — Tudo, sim senhor — respondeu Liggett, reprimindo um sorriso. Bob nem notou a ironia que havia nestas palavras. Pegou resolutamente as chaves aceleradoras e as moveu uma após a outra. — Pois vamos voltar o mais depressa possível à Crest — resmungou. — Sim senhor — respondeu Liggett e recostou-se confortavelmente na poltrona.

Epílogo

O caso Robert C. Vorbeck transformou-se num assunto de grande importância. Assim que voltou à Crest, Bob foi examinado por uma equipe de especialistas. O exame tinha por fim descobrir eventuais qualidades parapsíquicas em seu cérebro. Segundo a hipótese primitiva, só mesmo um homem cujas células cerebrais tivessem sofrido um processo de mutação seria capaz de resistir a um hipnotismo que atingira em cheio três combatentes experimentados da Frota Solar. Mas Bob derrubou todas as teorias. Não era nenhum mutante. A raiva, a vergonha e o entusiasmo eram os motivos que tinham atuado em seu subconsciente. Sentia entusiasmo pela causa à qual servia, porque achava que a mesma era boa e justa. Fora educado na crença de que a humanidade tinha sido predestinada para espalhar-se pelo cosmos, conquistando e colonizando mundos desconhecidos. Achava que era um objetivo pelo qual se devia lutar, desde que fosse levado avante com a necessária prudência e com um espírito de justiça diante das raças estranhas que pudessem ser prejudicadas pelo mesmo. Sentia vergonha por não ter avaliado corretamente seus companheiros Liggett, Rosenblatt, Shriver e Strombowski. Julgara ter o direito de classificá-los como seres inferiores, pelo simples motivo de não se enquadrarem no esquema que lhe fora ensinado na Academia. Na verdade eram combatentes muito melhores que ele, pois tinham sido capazes de elaborar um esquema vantajoso nas circunstâncias e para os fins que tinham em vista. Sentia raiva porque tivera de assistir impotente aos twonosers, quando os mesmos mataram Sol Rosenblatt, cuja única culpa consistira em ficar com a boca fechada. Para Bob a morte de Rosenblatt representara um choque psicológico. Ainda estava sob os efeitos desse choque quando foi hipnotizado pelo monstro andróide. A influência hipnótica só atingira as camadas superiores de seu consciente. Bastara ver mais uma vez o cadáver de Sol Rosenblatt para que Bob recuperasse a própria identidade. Dali surgia uma pergunta que já não se relacionava com Bob Vorbeck. Por que o cadáver de Rosenblatt fora colocado a bordo do 008? O galatopsicólogo da Crest levou algumas horas quebrando a cabeça com isso. Só encontrou uma explicação. Os twonosers temiam as bactérias que podiam sair do corpo de um ser pertencente a uma espécie diferente, e por isso queriam vê-lo fora de bordo o mais depressa possível. Robert Cecil Vorbeck passou a gozar da fama de, graças à capacidade de sentir forte e profundamente, ser capaz de coisas que geralmente só estavam ao alcance de um mutante. Os resultados do exame psicológico foram transmitidos imediatamente ao comando da Crest. Antes que Bob recuperasse o sono perdido, foi promovido ao posto de primeiro-tenente. “Em reconhecimento ao destemor e à capacidade de sacrifício demonstrados durante a missão que tivera por fim a destruição do transmissor inimigo instalado na lua Siren”, dizia a respectiva ata. Siren tinha morrido. O eco contínuo e poderoso dos hiperimpulsos fora silenciado. Um silêncio mortal envolvia Andro-Beta. Os mobys estavam perdendo a capacidade de orientação e vagavam pelo espaço, indefesos e ao acaso. O chão tinha sido aplainado para o próximo ataque.

No momento em que Bob Vorbeck acordou do sono profundo que lhe fora receitado pelo médico, Melbar Kasom estava de pé ao lado de sua cama para entregar-lhe o diploma de promoção. Bob contemplou-o por algum tempo, para decifrar e compreender o texto. Finalmente olhou para Kasom com uma expressão desconfiada. — E Liggett? — perguntou. — Whiley também foi promovido?

*** ** *

Estavam sob a influência do ser medonho de Yakkath e se teriam transformado em traidores do planeta Terra, se o jovem que sofrera um choque psicológico não tivesse agido no último instante. Os terranos comandados por Perry Rhodan voltam a avançar. E quando se dirigem novamente ao planeta Gleam, encontram-se com A Esfera do Tempo e do Espaço! A Esfera do Tempo e do Espaço — é este o título do próximo volume da série Perry Rhodan.

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