(P-267)
REGRESSO AO PRESENTE Everton Autor
KURT MAHR
Tradução
AYRES CARLOS DE SOUZA
A Crest tivera que abandonar o tempo real do ano 2.404. Os transmissores de tempo do planeta Vario catapultaram ao passado o ultracouraçado de Perry Rhodan, com toda sua tripulação, por exatos 52.392 anos — e de volta à Via Láctea. A armadilha que os senhores da galáxia haviam armado para a Crest se fechara. Na fase mais importante de suas operações, entretanto, os senhores de Andrômeda não obtiveram êxito: Não conseguiram mandar destruir a Crest quando ela ressurgiu sobre Kahalo. Atlan, com sua experiência de dez mil anos, pôde iludir os comandantes da Frota Lemurense de Vigilância, e levar a Crest em segurança. Porém esta segurança é ilusória, uma vez que os terranos do passado — que se dizem lemurenses — são inimigos dos terranos do Império Solar, e também os halutenses, naquele ano 49.988, antes da virada do tempo, combatem furiosamente todos os seres humanos. O caminho para escapar deste tempo hostil está sendo barrado à Crest de modo muito eficaz — disso cuida Frasbur, agente dos senhores da galáxia. Somente os dois cavalgadores de ondas — se conseguirem enganar Frasbur — terão uma chance para o Regresso ao Presente...
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Personagens Principais: = = = = = = =
Tronar e Rakal Woolver — Os cavalgadores de ondas encontram o caminho para o presente. Frasbur — Grão-mestre lemurense, agente do tempo dos senhores da galáxia. Korpel — Servo de Frasbur e seu guarda-costas. Almirante Hakhat — Comandante da frota lemurense no setor de Kahalo. Regnal-Orton — Um dos senhores da galáxia. Reginald Bell — Amigo e lugar-tenente de Perry Rhodan ataca o alçapão do tempo.
1 Um golpe forte atingiu a nave, fazendo-a estremecer. Os campos energéticos de proteção se inflamaram e por um instante turvaram a imagem do planeta em cuja direção corriam velozmente. Rakal pôde observar os incontáveis pontos que mostravam as naves inimigas na pequena tela de rastreamento. Depois fechou os olhos para poder concentrarse melhor. Perto dele, Don Redhorse gemeu: — Encontre alguma coisa, Woolver! Pelo amor dos deuses, encontre alguma coisa! Eles nos pegaram em fogo cruzado, e esta nave não agüenta mais de cinco tiros diretos! Rakal mal o ouvia. Sua mente cruzava pelas trajetórias das ondas dos feixes energéticos, que chispavam entre o planeta e as naves estranhas, em ambas as direções. Não faria sentido confiar-se a qualquer um destes. He tinha que pensar no encontro marcado com Tronar. Um segundo tiro acertou a nave, quase atirando-o para fora de sua poltrona anatômica. Semiconscientemente ele ouviu Redhorse gritar: — Dou-lhe mais trinta segundos, Woolver! Se até então não encontrar nada, nós vamos voltar. Rakal fez que nem ouviu. Aquele sentido quase imperceptível que fazia dele um dos melhores mutantes, estava supertenso. E ele percebia claramente, como traços luminosos, as trajetórias dos feixes de ondas de rádio. De repente um raio de luz, de intensidade tremenda, penetrou na escuridão. Aquele feixe energético teria que passar bem próximo da pequena nave especial de Redhorse. Rakal perseguiu-o até o seu ponto de origem. Em menos de um segundo ele verificou que o mesmo provinha de um ponto que ficava a não mais de quatrocentos quilômetros do lugar marcado para o seu encontro. Sem prevenir Don Redhorse, ele deu no pé. Sua figura gigantesca esvaiu-se e ele sumiu. Don Redhorse gemeu: — Mais dez segundos, Woolver! Ele olhou para o lado e notou que o mutante desaparecera. Praguejando em voz baixa, ele levou a pequena nave a descrever uma curva violenta, ligando a aceleração máxima. Os inimigos ficaram completamente desnorteados por esta manobra. Antes de poderem modificar as suas trajetórias de tiro, Don Redhorse já se afastara meio milhão de quilômetros. E não houve qualquer perseguição. Duas unidades astronômicas mais para fora, Don Redhorse estabeleceu contato de rádio com uma segunda nave. Melbar Kasom também achava-se no caminho de volta. Ele havia desembarcado Tronar Woolver e conseguira escapar do fogo furioso das naves de combate lemurenses, sem um arranhão. *** Rakal pousou num pavilhão bastante grande, equipado com centenas de aparelhos de rádio-transmissão e recepção. Todos estavam muito ocupados por ali. Cada um dos aparelhos linha, operando-o, um lemurense. Ordenanças corriam de um lado para o outro, no meio daqueles consoles de comando. Um fluxo constante de gente que ia e vinha
passava por um portal existente bem no centro de uma das paredes laterais. Através do portal Rakal pôde ver um grupo de árvores. Sua próxima tarefa seria a de encontrar Tronar. Sua viagem cavalgando o feixe de ondas de rádio acontecera sem incidentes, de conformidade com os planos. Dentro daquele pavilhão ele estaria relativamente seguro, uma vez que o campo de deflexão, alimentado por um gerador às suas costas, o tornava invisível. Porém teria que sair dali se quisesse encontrar o irmão. O portal oferecia algumas dificuldades. Ele não poderia evitar, receber ou dar um encontrão, numa daquelas pessoas que entravam e saíam num fluxo constante. E com isto ele despertaria suspeitas. Hesitante, dirigiu-se ao portal, desviando-se espertamente de um ordenança, que cruzou o seu caminho. Diante da saída ficou esperando por algum tempo, estudando o tráfego. Quando o fluxo de gente diminuiu um pouco, durante um segundo, ele resolveu passar. E chegou, sem incidente, quase do lado de fora. O edifício do qual saíra ficava ao lado de uma rua larga, no qual havia um fluxo de veículos muito intenso, em ambas as direções. Do outro lado da rua erguia-se o grupo de árvores que ele havia visto através do portal. O terreno, em toda a volta, era plano e coberto de gramíneas. A edificação, parecendo um pavilhão militar, que abrigava a central de rádio, e aquela rua, eram os únicos indícios de civilização. Enquanto se orientava, esqueceu-se, por alguns segundos, do que lhe estava bem próximo. Acreditava-se em segurança. O portal ficava dez passos atrás dele, e portanto fora do alcance do fluxo de gente que entrava e saía por ali. Ele ainda estava pensando no que devia fazer, qual o passo seguinte que devia dar, quando do fluxo de veículo saiu um, vindo encostar à beira da calçada, bem junto dele. Instintivamente, ele deu um passo para trás. E foi quando aquilo aconteceu. Um homem, vestindo o uniforme da frota lemurense, estava justamente querendo passar atrás dele, quando ele recuou. Foi o bastante para que Rakal se chocasse com ele. O lemurense recuou, dando um grito, horrorizado. Com os olhos muito abertos, ficou olhando o lugar onde se chocara com um obstáculo invisível. Outros passantes pararam. O uniformizado finalmente conseguiu controlar-se outra vez, aproximando-se com passadas pequenas, cuidadosas, do lugar onde Rakal estava de pé. Rakal desviou-se. E censurou-se a si mesmo pela sua falta de cuidado. Os lemurenses eram desconfiados por natureza. O homem de uniforme certamente não iria acreditar que simplesmente imaginara aquele incidente. Com extremo cuidado, Rakal afastou-se do círculo de curiosos. Ao olhar para trás, depois de encontrar-se a vinte metros de distância, continuava vendo o lemurense espetando o ar a sua volta, com os dedos. Lentamente os curiosos debandaram. Desta vez, a coisa ainda se passara bem. O uniformizado, depois de mais algum tempo, acabaria se cansando, e riscando o incidente da memória, como um acontecimento inexplicável. Rakal ligou o pequeno gerador antigravitacional, que trazia nas costas, junto com os outros aparelhos importantes, e disparou cinqüenta metros para o alto e por cima da rua, atravessando-a em diagonal. Apesar de não ter tido oportunidade de verificar, ainda a bordo do caça espacial de Don Redhorse, a posição exata da estação de radiocomunicação, ele sabia que a mesma ficava ao sul do terreno, onde marcara o seu encontro com Tronar. Orientou-se pelo sol, mantendo-se, ao atravessar a rua, em direção ao norte. Numa distância segura do fluxo de tráfego nas proximidades da estação de rádio
ele pairou novamente para baixo, para usufruir de alguns minutos de descanso. O campo defletor ainda estava ligado. Ninguém podia vê-lo. Ele utilizou a curta pausa para investigar o paradeiro do irmão. Entre ele e Tronar havia uma espécie de ligação parapsíquica. Até mesmo a distâncias muito grandes, um sabia exatamente o que o outro estava sentindo naquele momento. Tratava-se de um dom que nada tinha a ver com telepatia. Os irmãos não recebiam pensamentos, mas sentimentos. Ele precisou de algum tempo, até poder localizar o irmão. A vida sentimental de Tronar, no momento, não era especialmente ativa. O que ele sentia era uma mistura de chateação e contentamento. Portanto não estava em perigo. A julgar pelas irradiações que ele emitia, devia encontrar-se próximo do lugar combinado para o encontro, esperando que Rakal surgisse. Rakal reiniciou o vôo interrompido. A duzentos metros de altura, ele seguiu em frente a uma velocidade de trezentos quilômetros horários. O terreno de baixo dele não se modificava — uma planície gramada com alguns grupos isolados de árvores ou moitas. Somente depois de meia hora, quando ele ainda estava distante poucos quilômetros apenas do ponto de encontro, o quadro se modificou. No horizonte, apareceram complexos em forma de pirâmides, ainda um pouco esmaecidas pelos vapores da atmosfera. Rakal contou seis. Elas estavam ordenadas nos ângulos de um hexágono regular, e brilhavam à luz do sol como um metal avermelhado. Rakal parou por um minuto para olhar aquela maravilha. A maravilha de que as pirâmides de Kahalo, cinqüenta mil anos no passado, se pareciam exatamente como eram no presente.
2 O plano era o fruto do desespero. O avanço da Crest, a gigantesca nave-capitânia da frota terrana, para a zona central da galáxia de Andrômeda, levara a nave a cair num alçapão do tempo, cuidadosamente camuflado pelos senhores da galáxia. Um mecanismo, do qual, até então, não se conhecia o modo de funcionamento, apanhara a Crest sobre o planeta Vario, catapultando-a cinqüenta mil anos ao passado. De Vario a nave fora impulsionada a um transmissor energético e deste, transportada de volta, numa distância de praticamente meio milhão de anos-luz, para a sua Via Láctea natal. O ponto terminal desta viagem fantástica era o planeta Kahalo, no sistema de Orbon, no qual se encontravam os órgãos de regulagem do transmissor hexagonal da galáxia. Perry Rhodan e seus especialistas precisaram de um bom tempo para alcançar e entender os fatos. Finalmente chegara-se a conclusão de que se acabara metido em meio a uma guerra de proporções gigantescas. Os que se guerreavam eram, de um lado, halutenses, antepassados de Icho Tolot, e lemurenses do outro. Os lemurenses vinham da Terra. Sua pátria de origem ficava num continente terrestre, que preenchia praticamente toda a gigantesca bacia do Oceano Pacífico e que séculos mais tarde desapareceu por efeitos externos ou devido a uma reorganização e acomodação geral da superfície terrestre. Os lemurenses eram senhores de uma tecnologia, a qual a Terra do presente nada tinha de semelhante. Eles dominavam um formidável reino estelar, ao qual também pertenciam Kahalo e o transmissor hexagonal. Mas os halutenses lhe eram superiores. A fuga da Terra e do planeta do reino lemurense estava em pleno curso. O caudal de fugitivos lemurenses estabeleceu-se em Tefa, perto do centro de Andrômeda. A raça dos tefrodenses nasceu. Na Via Láctea natal, entrementes, gigantescas formações das frotas lemurenses se opunham ao exasperante e irresistível ataque dos halutenses — não na esperança de mais uma vez poderem mudar o destino, mas apenas para garantir as bases de lançamento das naves dos fugitivos, pelo maior tempo possível. Kahalo estava rodeado por um cinturão de mais de dez mil espaçonaves, fortemente armadas. Os halutenses ainda não se haviam dado conta do segredo que se escondia no planeta, porém já não devia estar longe o momento em que eles percebessem a função de Kahalo, e atacassem aquele mundo tão semelhante à Terra. Perry Rhodan e sua nave-capitânia eram um corpo estranho na engrenagem da guerra galáctica. Os terranos tinham em mira, principalmente, conservarem-se vivos. Eles haviam conseguido estabelecer contato com um grupo de ambulantes que também havia chegado ao passado, através de Vario. Os ambulantes eram engenheiros-cósmicos, que haviam sido encontrados, já há bastante tempo atrás, na Nebulosa de Andrômeda, pela primeira vez. Eles mantinham oficinas de consertos gigantescas para espaçonaves, planetas artificiais de tamanhos imensos, os quais, colocados em órbita em torno de algum sol, serviam de estaleiros de reparos para naves espaciais necessitadas dos mesmos. A bordo da Crest encontrava-se Kalak, ambulante e ao mesmo tempo chefe do estaleiro espacial KA-barato, que, localizado na periferia de Andrômeda, servia à frota expedicionária terrana, como valiosa base de apoio. Também fora Kalak o primeiro a fazer contato com um grupo de ambulantes catapultados ao passado.
O chefe dos engenheiros era Malok. Seu estaleiro chamava-se MA-genial. Malok deixou-se convencer a deslocar a estação do seu ponto atual, voando com a mesma até o sistema de estrelas duplas chamado Redpoint. A Crest acompanhara o estaleiro neste vôo. Desde então os dois veículos — a MA-genial, em forma de disco, com um diâmetro de noventa e dois quilômetros, e o cintilante veículo espacial esférico Crest, com o seu diâmetro de dois e meio quilômetros — orbitavam o maior dos dois sóis de Redpoint, mantendo um pequeno espaço entre si, e mantendo-se, deste modo, escondidos da ininterrupta chuva de granizo de interferências dos aparelhos de rastreamento das naves espaciais tanto halutenses como lemurenses. No tempo atual, Redpoint era uma base de apoio da United Stars Organization sob o comando do Lorde-Almirante Atlan. A bordo da Crest existiam mapas de navegação da Base Redpoint. Por isto e porque Redpoint ficava afastado de Kahalo somente 2.600 anos-luz, Perry Rhodan escolhera este duplo sistema solar como seu esconderijo provisório. À solução do problema propriamente dito, entretanto, ainda não se dera nem o primeiro passo. Ainda não se tinha, nem uma alusão sequer, de algum caminho que pudesse tirá-los do passado e levá-los novamente ao futuro. A situação era crítica. Até bem pouco tempo os senhores da galáxia ainda haviam imaginado que a Crest era uma nave espacial halutense. Uma série de incidentes posteriores, entretanto, serviu para abrir os seus olhos para a realidade. Eles sabiam que a Crest era a nave-capitânia da frota terrana, levando a bordo o Administrador-Geral do Império Solar, Perry Rhodan. Como inimigos jurados do Império, eles certamente não deixariam escapar uma chance como esta. Perry Rhodan e as cabeças que chefiavam o reino estelar terrano encontravam-se há cinqüenta mil anos no passado. Quem poderia ter encontrado um instante mais favorável, para assestar um golpe definitivo contra o Império Solar do presente? A Crest precisava encontrar um caminho para regressar ao presente. Ninguém discutia este ponto, a bordo da gigantesca espaçonave. Kahalo parecia o ponto de partida para isto. Ali terminara a viagem ao passado, e ali teria que principiar o regresso ao presente. Perry Rhodan ficou sabendo, entrementes, que agentes do tempo dos senhores da galáxia trabalhavam nesta época cinco mil anos afastada do tempo atual. Um destes agentes, um tefrodense de nome Frasbur, encontrava-se em Kahalo. Parecia absolutamente lógico acreditar que Frasbur, que mantinha um estreito contato com seus mandantes, aprisionado e submetido à pressão, certamente lhes forneceria a chave para o caminho para o presente. O problema consistia em chegar até Frasbur. Kahalo era melhor guardado do que o tesouro arcônida. Os senhores da galáxia sabiam que entre os terranos havia quem tivesse dons parapsíquicos e parafísicos, razão pela qual Frasbur também mantinha os olhos muito abertos quanto a mutantes. Pediram conselhos ao combinador do cérebro calculador do computador positrônico, porém nem este conseguia oferecer-lhes um plano que tivesse mais de quarenta por cento de probabilidade de sucesso. Neste estágio dos acontecimentos os gêmeos Woolver haviam submetido o seu oferecimento. Eles estavam prontos a correr o grande risco. Queriam tentar infiltrar-se em Kahalo para prender Frasbur, se houvesse uma oportunidade para isso — ou, pelo menos, tentar regressar ao presente, para informar a frota expedicionária, esperando na Nebulosa de Andrômeda, a respeito do paradeiro da Crest e do Administrador-Geral. Em outras palavras — eles queriam tentar encontrar o caminho de regresso ao presente. Mesmo se eles não conseguissem possibilitar um regresso ao tempo atual, da
Crest e de sua tripulação, poderiam, durante a sua missão, colher informações importantes, que mais tarde seriam de muita utilidade num ataque contra Frasbur e sua máquina do tempo. Perry Rhodan aceitara a proposta. Os gêmeos Woolver seriam equipados com o que havia de mais moderno oferecido pelo departamento técnico-científico da nave-capitânia. Entre estes acessórios havia armas manuais de grande efeito destruidor, bem como um traje de combate, capaz de gerar seus próprios campos defletores, energéticos e de antigravidade. O traje era apropriado para o espaço. Continha provisões para três meses. Os aparelhos que o supriam de energia eram maravilhas da microtécnica siganesa. Até mesmo o centro de computação concedeu que, com um equipamento destes, as chances de sucesso da empreitada seriam de pouco mais de cinqüenta por cento — a mais alta cifra, que, nesta conexão, jamais havia sido denominada. Os dois irmãos Woolver foram levados até próximos do seu destino, por dois caçasespaciais, de dois lugares, do tipo mosquito. Don Redhorse ia nos controles do aparelho no qual se encontrava Rakal, e Tronar voou com o Coronel Melbar Kasom, o ertrusiano. O pouso em Kahalo fora feito com sucesso. Mas com isto eles apenas haviam solucionado um centésimo do problema. *** Clara e nitidamente Rakal recebeu agora a irradiação do seu irmão. Tronar estava um pouco agitado, pois sentia a proximidade de Rakal. Rakal desceu num pequeno bosque, que ficava na direção do seu vôo. Na borda do mato, ele tocou o solo. Como estava certo de que ninguém o observava, desligou o campo defletor. Sua figura alta, com o tórax enorme e forte, muito saliente, e que ele devia a uma mutação dos seus ancestrais emigrados da Terra, tornou-se visível, e uma imagem idêntica a ele materializou atrás das moitas, que bordavam a beira do matagal. Tronar já esperava por ele. — Já era tempo de você chegar — disse ele, em vez de saudá-lo. Rakal sorriu-lhe, irônico. — Se você tivesse tido a metade de minhas dificuldades, agora ainda estaria há dez horas daqui. Tronar ergueu os ombros. — Nada como uma bela presunção — observou, sério. — Quando vamos em frente? — quis saber ele. Rakal apontou para a região do estômago. — Tenho um buraco aqui. Parece vazio. Acho que seria bom comer alguma coisa. Tronar concordou. Eles tomaram suas provisões e gozaram de cinco minutos de descanso, que não eram prescritos para o processo de digestão, mas, ainda assim, recomendado. Entrementes eles se informavam a respeito do que haviam observado após o seu pouso em Kahalo. Tronar não encontrara qualquer resistência. O feixe de ondas de rádio que ele utilizara para sua viagem para Kahalo provinha de um emissor automático de sinais radiogoniométricos que os lemurenses haviam construído na planície gramada, abandonada, ao sul do hexágono das pirâmides. O pequeno aparelho emissor encontravase a apenas cinqüenta quilômetros de distância do local combinado para o encontro. Tronar não vira um único lemurense. Rakal informou do incidente do lado de fora da central de radiocomunicações. Tronar concordou com ele, que não era necessário dar uma grande importância ao
ocorrido. O lemurense provavelmente até já esquecera daquele estranho encontrão. Rakal não deixara qualquer vestígio para trás, que pudesse dar origem à sua perseguição. — Então agora passaremos à fase dois — assegurou Rakal. — Penetrar na base de apoio da frota lemurense na zona das pirâmides — e encontrar um caminho viável para dentro da central de comando subterrânea de Frasbur. Tronar anuiu com a cabeça, refletindo. — Fase dois — disse ele. — Até parece que nós temos um plano claramente delineado. Como se cada passo tivesse sido calculado milimetricamente. Como se soubéssemos exatamente, a cada segundo, o que terá que ser feito em seguida — ele ergueu os olhos para Rakal, zombeteiro. — E na realidade? Temos mesmo algum plano? Rakal revidou o seu olhar, friamente e calmo. Depois sacudiu a cabeça, lentamente. — Não, nós não temos um plano. Nem mesmo o simulacro de um plano. *** Quando o sol Orbon descia, eles chegaram à periferia da base de apoio da frota lemurense. As seis pirâmides, cada uma delas com meio quilômetro de altura, brilhavam, vermelhas, no reflexo do astro que descia no horizonte. Em toda a volta das pirâmides estendia-se a superfície de asfalto cinza-claro, duro como o aço, de um gigantesco espaçoporto. Quando os tempos ainda eram calmos, as esferas gigantescas das naves espaciais lemurenses faziam as pirâmides vermelhas, ao seu lado, parecerem anãs. Agora, entretanto, toda unidade capaz de lutar encontrava-se lá fora, no espaço, como parte do cinturão feito por milhares de naves, que devia proteger Kahalo de um ataque dos halutenses. Rakal teve uma visão estranha. Ele viu as pirâmides, como se ergueriam, daqui a cinqüenta mil anos, acima da planície gramada — testemunhas silenciosas de uma época há muito passada, sacro-sanctum dos halutenses, e mortais para todo aquele que pretendesse pôr os pés, no espaço entre elas, sem ser autorizado. Os halutenses nunca haviam atacado Kahalo, ou então o seu ataque havia sido rechaçado e eles nunca o haviam tentado uma segunda vez. Só assim deixava-se explicar o fato de que as pirâmides ainda permaneciam de pé a cinqüenta mil anos no futuro e que o sistema de controle do transmissor hexagonal ainda funcionasse. Rapidamente, Rakal ficou pensando como se modificariam os acontecimentos, se ele tivesse a possibilidade de provar aos chefes de Kahalo que as seis pirâmides ainda estariam de pé, cinqüenta mil anos mais tarde. Mas logo assuntos mais próximos tomaram sua atenção, inteiramente. Na borda do imenso campo de pouso, que devia ter um diâmetro de cerca de cem quilômetros, havia centenas de edificações de todo tipo, como as que são comuns numa base de apoio de uma frota Os lemurenses não eram muito diferentes, nos seus hábitos, dos terranos da atualidade. Rakal não teve dificuldade em descobrir o colosso que abrigava a central de comando, os edifícios compridos, baixos, da estação de quarentena, o hospital, os cubos cinzentos, sem janelas, da estação de rastreamento, com suas grotescas antenas no teto, o transmissor de hiper-rádio e os bunkers em forma de cúpula, das posições de artilharia, que protegiam o espaçoporto. Por entre as altas estruturas dos edifícios dominantes erguiam-se dúzias de menores, insignificantes, e a sua quantidade indicava claramente que esta base de apoio devia ser a de uma frota gigantesca. Rakal e Tronar pairavam a cinqüenta metros de altura, por cima da extremidade sul do campo de pouso, registrando bem aquela imagem. Eles sabiam que num daqueles
inúmeros edifícios que se levantavam na borda do campo estava a entrada para a central de comando subterrânea de Frasbur. Sua tarefa era a de descobrir que edifício era este e como seria possível iludir os mecanismos de guarda e alarme que Frasbur, sem dúvida alguma, havia mandado erigir. Pois era de se esperar que não poderia surpreender o tefrodense, uma segunda vez, com o mesmo truque que haviam utilizado há duas semanas atrás, quando encontraram Frasbur pela primeira vez. Naquela ocasião eles haviam saltado diretamente da Crest, utilizando um feixe de hiper-rádio, diretamente para dentro da central de comando do tefrodense, e haviam utilizado o mesmo caminho para voltar, em perfeita segurança. Certamente Frasbur já teria calculado tudo a respeito do que acontecera. Ele não poderia deixar de ter notado que os dois irmãos materializaram no instante em que ele mantinha uma comunicação de rádio com a Crest, e que desapareceram no segundo em que, novamente, impulsos do hiperemissor da navecapitânia terrana foram registrados no seu receptor. Provavelmente ele já registrara os dons parafísicos dos gêmeos, garantindo-se contra os mesmos. Rakal estava firmemente convencido de que não existia mais qualquer via de rádio diretamente para a central de comando de Frasbur. Todas as irradiações recebidas eram captadas em algum outro ponto, registradas em fita, e só então repassadas para o tefrodense. Pelo menos ele, Rakal, teria se protegido deste modo. E ao mesmo tempo, teria construído uma armadilha, exatamente no lugar onde as irradiações eram recebidas, onde gente como ele e Tronar certamente ficariam irremediavelmente presos, se tentassem penetrar até Frasbur, utilizando o caminho das ondas de rádio. Portanto eles teriam que tentar de outro modo. Sua pretensão exigia paciência. Precisavam examinar um edifício depois de outro — e de um modo tão minucioso, que não lhes escapasse nem o menor detalhe. Teriam que observar os lemurenses e tentar verificar qual deles mantinha contato com Frasbur. Frasbur, na realidade um agente do tempo dos senhores da galáxia, fazia o papel de um Grão-mestre lemurense, um dos 161 soberanos do império estelar lemurense. Mais ainda — ele era Grão-Mestre da própria Lemúria, um daqueles cinqüenta conselheiros privilegiados, cujo voto contava triplicamente, uma vez que haviam nascido na própria Terra, onde haviam passado parte de suas vidas. Além de suas funções como agente do tempo, Frasbur também tinha que exercer a de Grão-Mestre-Conselheiro em Kahalo. Isto significava que ele tinha, em algum lugar perto de sua central de comando, um birô oficial, onde recebia o público. Não devia ser muito difícil ficar-se sabendo como chegar a esse birô. Mas certamente levaria bastante tempo. No campo de pouso havia somente algumas pequenas unidades. Na maioria tratavase de naves-correio, que mantinham a ligação entre a base e a frota estacionada no espaço. Durante a meia hora em que Rakal e Tronar ficaram observando as gigantescas instalações do alto, partiu uma única nave, e duas outras pousaram. O tráfego de espaçonaves parecia limitado a um mínimo, no momento. Entretanto, era quase caótico o movimento de gente e veículos que havia nas proximidades dos edifícios. Nas ruas que seguiam para a periferia do espaçoporto, havia um fluxo ininterrupto de veículos. Nos pequenos espaços reservados a pousos, junto aos edifícios, pousavam e partiam ultraleves e planadores de todos os tipos possíveis e imagináveis, quase que ininterruptamente. Todos pareciam ter pressa. Todo mundo deslocava-se o mais rapidamente possível. Até mesmo alguém completamente leigo só precisaria de alguns minutos para compreender que Kahalo se encontrava em alerta total.
Rakal voltou-se para o irmão. Uma vez que ambos estavam envoltos nos seus campos energéticos e defletores, somente conseguiam comunicar-se através do intercomunicador no capacete. — Para baixo — disse ele, curto. — Aqui em cima não há mais nada para ver. O sol, entrementes, descera completamente. O brilho avermelhado das pirâmides apagou-se. E a escuridão estendeu-se sobre a gigantesca base de apoio dos lemurenses. Tronar concordou com a cabeça. Rakal regulou sua antigravidade, e deixou-se descer rapidamente. Tronar seguiu-o a cinco metros de distância. Rakal estava pensando naquilo que vira. Ele procurava assimilar as impressões e encontrar um ponto de apoio, que lhe indicasse, entre os inúmeros edifícios, aquele em que a busca de uma entrada ao ponto de apoio secreto de Frasbur fosse mais compensadora. Mergulhado nestes pensamentos, ele esqueceu-se do que lhe ia ao redor — e isto acabou demonstrando-se uma perigosa negligência, apenas poucos segundos mais tarde. De repente ele sentiu uma leve comichão, que sempre sentia, quando entrava em contato com um campo eletromagnético. Ele estava demasiadamente mergulhado nos seus pensamentos, para notar do que se tratava. Um segundo precioso passou-se, e aquela sensação de comichão subiu dos pés pelas pernas acima. Somente ao chegar ao ventre é que Rakal reagiu. Com um grito de aviso, ele jogou para trás a alavanca da sua antigravidade. O pequeno aparelho, muito forte, reverteu para rendimento máximo contrário. Rakal foi arrancado para o alto. Tronar, muito espantado, ficou para trás, bem mais para baixo. Felizmente Tronar compreendeu ainda em tempo do que se tratava. Avisado pela urgente manobra de Rakal, ele ajustou o seu aparelho de modo que o mesmo impediu que ele baixasse ainda mais. Depois esperou até Rakal voltar. Rakal terminara o seu vôo alucinante até mil metros de altitude e agora descia novamente, devagar. — Você está sentindo alguma coisa? — perguntou Rakal, ainda de longe. Tronar fez que não. Ele não sentia nada. — Por cima desse lugar há um campo energético — disse Rakal. — Eu cheguei a enfiar as pernas no mesmo. Tronar estava perplexo. Era fácil notá-lo pelo tom de sua voz. — Um campo energético? Que espécie de campo energético? — Eletromagnético — respondeu Rakal, curto. — Presumivelmente ultravermelho. Cada vez que um corpo mergulha no campo, interrompe a propagação das ondas por determinado período de tempo. Suponho que, não muito longe daqui, exista um aparelho sensor de alarme, que dispara quando ocorrem estas interrupções. — Você está de cabeça mole — riu Tronar. — Debaixo de nós está um campo de pouso. Só o céu sabe quantos veículos pousam aqui e partem daqui a cada hora. Cada um deles dispararia o alarme. E pássaros! Cada simples passarinho que desce nesse campo, seria capaz de disparar o mesmo alarme. Você não pensa seriamente que... — Movimentação de veículos, de naves — interrompeu-o Rakal, muito sério — acontecem de acordo com um plano horário bem determinado. Os lemurenses sabem quando suas naves pousam e partem e podem ajustar sua aparelhagem de alarme de acordo... E quanto a pássaros... — ele virou-se para o lado e olhou para o céu que começava a escurecer — eu não sei se você ainda não estranhou isso — não há pássaros por aqui!
3 O relacionamento entre Frasbur, Grão-Mestre-Conselheiro, e o seu servo Korpel era singular. Naturalmente Frasbur não tinha a menor idéia do que Korpel sentia por ele. De qualquer modo, ele mesmo sentia por aquele pequeno ser disforme uma mistura de admiração, nojo e desconfiança. Korpel não tinha mais de 1,50 metros de altura, não chegando nem aos ombros de Frasbur, que era alto e tinha a pele morena. Korpel tinha uma estatura franzina, até a grande corcunda que enfeiava suas costas, e o crânio incrivelmente grande. Tinha cabelos curtos, muito negros e olhos muito grandes, também escuros. Sua boca, de lábios estreitos, parecia permanentemente repuxada num sorriso zombeteiro. O nariz ossudo, em forma de gancho, era tão grande que teria dado na vista mesmo num homem de estatura de Frasbur. Korpel era uma criatura feia, quase um monstro, e ainda por cima vestia-se de acordo com uma moda que já caíra no esquecimento há cem anos atrás, e isto nas cores mais berrantes. Usava calças muito justas, arrebanhadas nos tornozelos, e amarradas com tirinhas. Os pés, excepcionalmente grandes, ele vestia com sapatos estreitos, terminando em bicos muito finos. Nos ombros usava um manto, que segurava no peito com uma fivela, e que lhe caía livremente até os joelhos. Por baixo da capa via-se uma camisa pregueada. Korpel não usava nada na cabeça, porém em volta do pescoço usava uma corrente pesada, de ouro, da qual pendia um ornamento em forma de lua crescente. As cores das suas peças de roupa não combinavam. Cada uma delas parecia ter sido costurada por Korpel, de uma coleção de trapos amarelos, vermelhos, azuis e verdes, que reunira. A idade de Korpel era indefinível. Podia ter sessenta como trinta anos de idade. Frasbur não sabia. Bastava-lhe saber que Korpel dispunha da sabedoria de um homem velho, sabendo ligá-la excelentemente com esperteza e inteligência. Algumas vezes, entretanto, a capacidade e os dons de Korpel chegavam a meter medo no Grão-MestreConselheiro. Korpel fora posto à sua disposição, como servo, pelos senhores da galáxia, quando recebeu a missão de trabalhar como agente do tempo, cinqüenta mil anos no passado. Frasbur não pudera recusá-lo, apesar de ter tido esta idéia, quando o corcunda se apresentou a ele pela primeira vez. Korpel era um presente dos senhores da galáxia, e não se recusava presentes — especialmente quando vinham de onde ele viera. Desde o começo, Frasbur estava firmemente convencido de que a mais importante função de Korpel era a de vigiá-lo. Ele não se importava com isso, uma vez que era muito dedicado à causa dos senhores da galáxia e jamais cometeria alguma coisa que pudesse incriminá-lo. Por algum tempo ele desconfiou que Korpel seria, na realidade, um robô — apesar de ter dificuldade em imaginar como alguém poderia confeccionar um robô corcunda com um gosto depravado de se vestir. Mas Korpel, dia após dia, tomava suas refeições, e fazia também, de resto, o que outros seres orgânicos costumam fazer regularmente. A desconfiança de Frasbur desaparecera com o tempo. O que mais o incomodava no corcunda era a falta de respeito de Korpel. Como Grão-Mestre-Conselheiro, Frasbur tinha o direito de ser chamado de “Excelência” ou “Eminência”. Korpel dificilmente usava estas expressões mais de uma vez por semana —
e normalmente quando tinha que fazer alguma observação irônica. Deixava transparecer nitidamente que Frasbur, para ele, não era uma pessoa de respeito. Ele, que os senhores da galáxia haviam mandado pessoalmente para ocupar este posto, achava-se, pelo menos, tão importante, quanto o agente do tempo Frasbur. Frasbur e o seu servo encontravam-se num recinto pequeno, muito bem mobiliado e decorado — muito confortável — bem abaixo da superfície de Kahalo. A sala ficava ao lado dos grandes salões do Pavilhão Memorial, a base de apoio secreto do agente do tempo. Era mobiliada com caros móveis lemurenses. Numa das paredes havia uma tela de vídeo, retangular, bastante grande, que mostrava a borda sul do espaçoporto dando a impressão de uma grande janela. Frasbur enterrara-se fundamente numa das confortáveis poltronas. Korpel estava de pé, do seu lado, com os olhos postos na tela de vídeo. — A sua hipótese não parece confirmar-se — disse Frasbur, com ligeira ironia. Ele era um homem impressionante. Muito alto, com uma pele morena aveludada, cabelos muito pretos e um rosto que demonstrava claramente tratar-se de uma pessoa muito inteligente. Apesar disso, vestia-se com a maior simplicidade. Sua roupa consistia apenas de peças muito pragmáticas. Frasbur detestava cores berrantes e jóias. Korpel deu uma risada cacarejante. — Ainda assim — respondeu ele, com uma voz estridente. — Um pouco de cuidado adicional não pode fazer mal. Entretanto, muito ao contrário, eu acredito estar com a razão. Todos os indícios o indicam. — Todos — ironizou Frasbur, curvando-se para frente, para apanhar um copo ainda não inteiramente vazio, de cima de uma mesinha. — Você quer dizer duas. Duas pequenas naves espaciais, desconhecidas, penetram através do cinturão de segurança da frota lemurense, e poucos minutos mais tarde, do lado de fora da estação, um oficial lemurense dá uma topada num obstáculo invisível. Como é que é possível reunir duas observações tão afastadas entre si, numa conclusão causai, será, para mim, um mistério permanente. Ele sacudiu a cabeça, rindo, e tomou um gole. Depois recolocou o copo na mesa. O mesmo foi parar muito perto de um cubo metálico de cerca de dez centímetros de medida angular. O cubo tinha uma superfície ligeiramente brilhante, cinza-prateada. Não se podia ver nele, externamente, qualquer indício de utilidade, dando a impressão de um objeto decorativo, meio fora do lugar. — É preciso saber pensar e combinar as coisas — respondeu Korpel, sem o menor respeito. — As duas naves espaciais, sem dúvida alguma, eram de origem terrana. Eles queriam desembarcar alguém — ou alguma coisa. O que é mais natural do que supor-se que este alguém se tomou invisível, logo que pousou em Kahalo? — Mas as naves se aproximaram apenas até alguns milhares de quilômetros! Korpel lançou-lhe um olhar de reprovação, com aqueles seus grandes olhos arredondados. — O senhor já teve visita, aqui, certa vez, não? Frasbur fez que sim. A lembrança daquilo lhe era desagradável. A lembrança de dois seres iguais, humanóides mas apesar disso não terranos, que inesperadamente surgiram na sua central de comando, como se tivessem saído do nada. Ele — ou melhor, Korpel — mais tarde havia conjeturado de que eles possuíam a capacidade de viajar em ondas de rádio. — Em conexão com isto, o senhor se interessará em saber — continuou Korpel — que entre três e cinco minutos, antes do oficial lemurense dar um encontrão num
obstáculo invisível, a estação treze irradiava uma mensagem ao comandante da quarta unidade. A irradiação foi feita por feixe direcional. E passou pela rota de uma das duas naves miniaturas terranas exatamente quatro minutos e três segundos antes rio incidente do lado de fora da estação de rádio. Frasbur começou a achar que a suspeita de Korpel fazia sentido. Era típico do corcunda que agora, depois de já haver tomado uma série enorme de medidas de segurança, se rebaixava a explicar e esclarecer os seus motivos ao Grão-MestreConselheiro. Foi uma sorte, refletiu Frasbur, que Korpel, como primeira medida, avisara o Almirante Hakhat, convencendo-o a dar uma ordem geral, de acordo com a qual cada membro da frota lemurense por cima, por baixo ou na superfície de Kahalo, imediatamente teria que comunicar toda e qualquer observação estranha e incomum que fizesse. Depois que esta ordem fora dada, dez computadores eletrônicos haviam ativado os seus cérebros calculadores, na avaliação das informações que chegavam. Porém entre centenas de milhares de inúteis, aparecera esta, que descrevera o que acontecera com o oficial lemurense, diante da estação de rádio 13. — Quer dizer que você envolveu toda a base de apoio num campo ultravermelho — verificou Frasbur. — Como é que, acha você, isso vai funcionar, quando veículos chegam e partem continuamente, e aquele, por quem você está procurando, ainda é invisível, além de tudo? Korpel sorriu, condescendente. — O campo não reage a veículos lemurenses, não importa se vêm do espaço ou da superfície. Um sinal ótico sobrepõe-se ao impulso de alerta do campo ultravermelho, tornando-o inoperante. — Ah — gritou Frasbur. — O terrano, portanto, poderá vir de contrabando a bordo de um veículo lemurense, penetrando assim na base. — Sim, pode — concedeu Korpel. — Mas não vai ser tão tolo. Para chegar a bordo de uma nave ele terá que ficar próximo de pessoas — e nada é mais perigoso para ele do que isto, conforme comprova o incidente diante da estação treze. Ele tem que ficar longe de tudo o que, nas circunstâncias dadas, possa entrar em contato com ele. Frasbur viu a lógica do que o corcunda dizia. — Mas ainda resta o segundo ponto — insistiu ele, ainda assim. — Como é que um campo ultravermelho pode reagir a alguém invisível? Ultravermelho é apenas luz — apesar da freqüência mínima, tão baixa que nossos olhos não conseguem vê-la. — Basicamente existem dois tipos de aparelhos usados para tornarem corpos invisíveis — ensinou Korpel, com sua voz muito alta. — O primeiro funciona de acordo com o princípio de ajustar o índice de refração de um objeto ao de sua adjacência. Com isto consegue-se invisibilidade total. Um aparelho destes foi montado pelos nossos cientistas há cerca de oitenta anos atrás, pela primeira vez, e testado com sucesso. Modificar a estrutura molecular de um corpo humano de tal modo que todo o corpo receba as mesmas características do ar que o envolve, é um processo tão complicado, envolvendo um conhecimento tão abrangente no campo da tecnologia ótica, que é impossível que os terranos já possuam um aparelho destes. Caso eles o possuíssem, entretanto, naturalmente seria impossível descobrir o invasor com a ajuda de um campo ultravermelho, ou quaisquer outros métodos óticos. “O segundo princípio, da deflexão de ondas, é a inversão de ondas. Na superfície do objeto a ser oculto estão escondidos microprojetores que produzem um hipercampo. Como todo campo de estrutura superior também este é construído fundamentado na
energia gravitacional. Cada projetor age como o centro de um forte campo gravitacional. A intensidade do campo é proporcionalmente inversa à oitava potência da distância do projetor — trata-se portanto de um campo de alcance muito reduzido. Uma onda eletromagnética que atinge o objeto é desviada para o lado. Ela segue o campo emitido pelo microprojetor até o ponto que fica exatamente no verso do ponto do impacto original. Ali a onda é libertada da órbita do campo e se movimenta em linha reta e na sua direção original, sempre em frente. Portanto, ondas eletromagnéticas tecem em volta do corpo tornado invisível um padrão de correntes elétricas — como um liquido fluido em volta de um objeto nele mergulhado.” Frasbur ficara ouvindo-o, atentamente. O agente do tempo pouco entendia de técnica. Ele se utilizava das centenas de aparelhos colocados à sua disposição, sem saber como os mesmos funcionavam. Sua especialidade era a política. Tinha gente como Korpel, que podia explicar-lhe a técnica. — Neste caso, como é que você pretende descobrir o estranho? As ondas ultravermelhas simplesmente serão desviadas à sua volta. Não haverá qualquer interrupção, portanto o aparelho de alerta não poderá tocar. Korpel sacudiu a cabeça, energicamente. — Não. No instante em que o corpo mergulha no campo, ocorre uma descontinuidade. As ondas desviadas têm um caminho mais comprido a percorrer, e precisarão de mais tempo para atingir o receptor. — Mais tempo! Quanto mais? — Um pouco menos que um milionésimo de segundo. Frasbur ergueu as sobrancelhas. — E isso é o bastante? Korpel deu sua risada estridente. — O aparelho registraria até mesmo uma interrupção de um décimo bilionésimo de segundo! — Ótimo — achou Frasbur. — Nesse caso, vamos esperar. Novamente pegou no copo. Desta vez ele o esvaziou com um só gole, impacientemente. Quando o recolocou novamente na mesa, aquele cubo prateado de repente avivou-se. Brilhava, vermelho, zunindo claramente. Enquanto mudava de cor, suas paredes pareciam transformar-se, tornando-se transparentes. No interior apareceu uma imagem. Frasbur, que curvou-se rapidamente para a frente, reconheceu o terreno que ficava na extremidade sul do campo de pouso. O sol já se fora. E um sem-número de lâmpadas muito fortes distribuíam uma claridade azulada. O edifício apareceu na borda inferior da imagem. A câmara captadora parecia estar dirigida para cima. Frasbur ficou imaginando o que isto podia significar. Korpel parecia fora de si, de tão agitado. — Justamente como eu pensei — disse ele, cheio de si. — O aparelho mostra a parte do campo ultravermelho na qual ocorreu o contato. Olhe o senhor mesmo! Ele está apontando para cima. O terrano está tentando penetrar na base, vindo do alto. Frasbur olhou para o pequeno cubo. Por cima do brilho muito forte das lâmpadas do campo de pouso, ele viu o céu noturno, muito escuro. Se alguma coisa visível estivesse por ali, certamente seria mais claramente visível à luz das lâmpadas. Frasbur sentiu um frio na espinha. Ele odiava ter que lutar contra um perigo invisível. ***
Rakal deu-se conta de que aquele campo ultravermelho só podia ter uma única significação. Os lemurenses estavam esperando por alguém, e queriam saber quando ele chegava. Sabiam que a base da frota era a sua meta, por isso haviam envolvido todo o estabelecimento num campo que o desconhecido teria que romper, se quisesse pôr os pés na base militar. Ele voltou-se para Tronar, que pairava, invisível, perto dele. — Eles sabem que estamos aqui — disse ele, em voz oca. Sentiu o impulso do espanto que se irradiava de Tronar. — Isso é impossível! — foi a resposta. — Eles não têm o menor indício para isto. — Têm — se raciocinamos melhor. Nós já fizemos uma visitinha a Frasbur. Ele facilmente poderá deduzir que nós certamente tentaríamos uma segunda investida. Ele pode, facilmente, colocar-se na nossa situação. Para nós, o único caminho que nos leva de volta ao presente passa por Kahalo — pelo agente do tempo dos senhores da galáxia — e Frasbur sabe disso. “E depois — meu encontrão com o lemurense aconteceu apenas poucos minutos depois que os caças-mosquito de Redhorse e Kasom foram rastreados pela frota lemurense. E eu posso imaginar que um homem como Frasbur certamente poderá deduzir o resto.” — Sempre que ele tenha ouvido falar desse famoso encontrão. O que, aliás, é provável. Rakal ergueu os ombros — um gesto inútil, já que ninguém podia vê-lo. — Provável ou não — aquele campo lá embaixo não permite outra conclusão. Tronar resmungou, impaciente. — Suponhamos que seja realmente assim. O que vamos fazer? — Esperar — decidiu Rakal. — Ficamos aqui em cima até que um veículo se prepare para pousar. O campo, então, ou será desligado, ou eles têm um outro meio para deixar o sinal de alarme inoperante. Se nós ficarmos o mais perto possível do veículo que está pousando, certamente poderemos passar também. Ainda havia um outro motivo por que ele queria esperar. Mas não via razão para deixar Tronar, inutilmente, inquieto. O alarme devia ter tocado quando ele enfiou as pernas no campo energético. Ele queria saber o que os lemurenses pretendiam fazer agora. E a melhor possibilidade de ficar sabendo a esse respeito, ele a tinha aqui do alto, de onde tinha uma vista quase completa do complexo militar da base. Passou-se uma hora, sem que alguma coisa acontecesse. A última luz avermelhada do crepúsculo já sumira no horizonte, e por cima deles curvava-se o céu noturno com aquela inacreditável aglomeração estelar que só podia ser observada no centro da galáxia. Lá embaixo, imensos aparelhos de iluminação inundavam o enorme campo dê pouso a as instalações na sua periferia numa luz clara, sem reverberações. O tráfego tornara-se um pouco menos intenso. Só poucas colunas de veículos continuavam trafegando pelas inúmeras ruas, trazendo tropas para render os que estavam de serviço nas edificações, depois voltando com os que haviam sido dispensados. De repente Tronar falou: — Estou sentindo alguma coisa. Um campo de dispersão eletromagnético... emissão de ondas ultracurtas. Rakal apurou o ouvido. Nestas coisas, Tronar tinha uma sensibilidade maior que a dele. — De onde? — quis ele saber. — Eu diria que — do oeste.
— Muito bem. Vamos chegar mais perto. Eles deslizaram a cerca de vinte metros acima daquele tapete denunciador, de ultravermelho. Pareciam aproximar-se rapidamente da fonte de emissão das ondas, pois de repente também Rakal recebeu os impulsos, que se sucediam rapidamente. Ele resolveu examinar ainda melhor os edifícios que ficavam na direção do seu vôo e descobriu no telhado de um deles uma pequena antena de ondas ultracurtas. Tronar devia tê-la visto no mesmo momento. Pois deu uma risada. — Desse jeito, a coisa vai bem mais comodamente. Há muito tempo deveríamos ter pensado nisso! — Eu pensei — respondeu Rakal. — Eu me concentrei durante um quarto de hora, ao máximo, para encontrar, em alguma parte, a radiação difusa de uma emissora de rádio. Mas não encontrei nada. — Hum — fez Tronar — estranho, não é mesmo? — Sim. Pelo menos tão estranho como o fato de que, por aqui, não há pássaros. Por cima do telhado com a antena eles pararam. A transmissão continuava em andamento. Com um sentimento de grande alívio Rakal sentiu aquela comichão familiar, que o fluxo das ondas eletromagnéticas provocava. Quase ao mesmo tempo, os dois irmãos incorporaram-se ao feixe de ondas. Num tempo impossível de ser medido, de tão curto, eles materializaram num pequeno recinto, no qual um único lemurense estava sentado atrás de sua aparelhagem de rádio, falando muito atentamente num microfone. Ele não os notou. Estava demasiadamente voltado à sua transmissão. Eles abriram a porta, sem fazer ruído, e saíram para fora. Até mesmo isto não foi notado pelo lemurense. *** Korpel deixara o recinto por alguns instantes para ir olhar os instrumentos na outra sala. Ao voltar, estava muito nervoso. — Sujeito desobediente! — vociferou ele. — Sujeito burro, tolo e desobediente! Passou ambas as mãos pelos cabelos, desfazendo o penteado. Com isso ficou ainda mais feio que de costume. — O que aconteceu? — quis saber Frasbur, erguendo-se um pouco na sua poltrona. — Eu dei instruções para que a base não efetuasse qualquer transmissão de rádio, nem as recebesse. Toda a frota havia sido avisada disso. A gente de Hakhat ficou sentada atrás de seus aparelhos uma hora inteira para esclarecer a cada comandante de nave que a comunicação radiofônica teria que ser interrompida, até nova ordem. Aparentemente só não conseguiram avisar um só! Frasbur ergueu-se de um salto. — Afinal, do que você está falando? Estava furioso. Korpel evidentemente havia tomado mais medidas do que ele imaginara. E Frasbur, Grão-Mestre-Conselheiro lemurense não havia sido informado de uma só destas medidas tomadas. — Acho que está na hora de você finalmente me explicar o que realmente está se passando aqui — virou-se ele, furioso, para o corcunda. Korpel fez cara de ofendido. — Tudo está acontecendo apenas para sua segurança, Eminência — disse ele com um tom na voz como se estivesse prestes a chorar. — Eu tive que agir depressa, caso contrário seria tarde. Não tive tempo de informá-lo de tudo. O senhor estava ocupado. Frasbur teve pena dele. Fora injusto com ele.
— Não tenho nada contra isso — disse ele, condescendente. — Mas agora temos tempo, e você pode explicar-me tudo. Korpel desmanchou-se em explicações: — Desde o princípio estava claro que esta base tinha que ser a meta do terrano. Ele vem aqui para tentar desvendar o segredo do tempo. Por isso mandei envolver a base num campo ultravermelho. Eu queria saber onde, exatamente, o estranho ia penetrar na base. — Muito bem, isso você agora já sabe, ou não? — interrompeu-o Frasbur. — A aparelhagem de recepção mostrou-lhe o ponto exato. — Um ponto, sim. Porém o terrano não chegou a descer. O fluxo das ondas foi interrompido apenas num raio muito pequeno — pequeno demais — muito menor que o de um corpo humano. Portanto o estranho deve ter percebido a armadilha. E recuou, rapidamente, outra vez. Aliás, eu contava com isso. — Com que? — perguntou Frasbur, perplexo. — Com o fato dele sentir o ultracampo energético. Ponha-se no lugar do comandante terrano. Ele tem um grande número de homens sob seu comando, e poderia enviar cada um deles para Kahalo. Porém entre os seus homens há apenas dois que já estiveram aqui uma vez, e sabem orientar-se nesta base. Portanto ele, naturalmente, manda estes dois. Isso é lógico, não é? Frasbur fez que sim com a cabeça, concordando. — Ambos são homens com dons muito especiais. Eles são capazes de viajar sobre ondas de rádio, portanto também devem ter uma possibilidade de sentir ondas de rádio. Ondas ultravermelhas, basicamente, são a mesma coisa que ondas de rádio. Por isso eu já contava com o fato do invasor sentir o campo ainda em tempo, para poder recuar novamente, aí então restou-lhe apenas uma outra possibilidade. Ele tinha que esperar até que uma nave se aproximasse do espaçoporto para pousar, e manter-se bem perto, atrás do veículo, passando, deste modo, pelo campo ultravermelho sem ser notado. Somente assim ele poderia evitar disparar o alarme. — Ah, eu entendo — interveio Frasbur. — Deste modo o tempo e o local de sua invasão seriam exatamente determinados, e você poderia facilmente acabar com ele. — Exatamente. Eu convenci o Almirante Hakhat que, durante as próximas horas, transmissões e recepções de rádio não deviam ser efetuadas. Pois cada transmissão de rádio oferece ao terrano a possibilidade de atravessar o campo ultravermelho sem ser notado. “Depois do pôr do Sol, a maioria das pessoas na base foi rendida e substituída por outras. Um destes homens que entrou de serviço, ou não recebeu a ordem transmitida ou a entendeu errado. Sentou-se atrás do seu transmissor e teve uma longa conversa com um colega a bordo de uma nave espacial.” — Em outras palavras — concluiu Frasbur — o terrano obteve uma possibilidade cômoda de penetrar na base, sem ser notado. — É isso — confirmou Korpel, furioso. Frasbur voltou-se para a tela de vídeo. Com os braços nas costas ficou parado por algum tempo, imóvel, mergulhado nos seus pensamentos. Depois voltou-se bruscamente. A expressão de chateada indiferença que geralmente trazia no rosto havia desaparecido. Ele parecia sério e agitado. — Recomende ao Almirante Hakhat que coloque o rádio-operador desobediente a bordo de uma nave-patrulha! Korpel deu uma risada feia.
— Uma excelente idéia. Deste modo ele tem uma previsão de vida de mais ou menos quinze dias. Os halutenses não têm compaixão com esse tipo de invasores. Só que, receio, o Almirante Hakhat, neste caso, não me dará ouvidos. — Então diga ao almirante — berrou Frasbur, de repente fora de si — que eu o ordeno a fuzilar o homem, se não aceitar sua sugestão. — Está certo — observou Korpel, em voz baixa, e mais para si mesmo. — Assim talvez a coisa vá. Ele quis sair. Porém Frasbur o reteve. — Espere! Eu quero saber mais. Com estas medidas de segurança a sua genialidade se esgotou? O rosto feio de Korpel repuxou-se numa careta. — Ó, não. Eu tenho uma série de planos alternativos. O primeiro entra imediatamente em ação, e se o terrano não é um mágico, dentro de três horas ele estará preso numa armadilha, da qual ninguém poderá salvá-lo nunca mais. — Uma coisa chama minha atenção — observou Frasbur, refletindo. — Você fala de um terrano. Eu fui visitado por dois, e ambos possuíam o mesmo estranho dom. Eu compreendo que todos os indícios que recebemos até agora indicam a presença de apenas um invasor em Kahalo. Mas, na realidade, não devíamos contar com dois? Korpel riu, irônico. — Nisso eu também já pensei — garantiu ele, e desapareceu pela porta. *** — E agora? — resmungou Tronar. Eles se encontravam diante do pequeno edifício, dentro do qual tinham materializado. Rakal olhou em torno. A sua direita, para o sul, erguia-se um edifício em forma de torre, subindo pelo menos cem metros para o céu. As paredes externas tinham apenas raras janelas, porém cada uma destas estava iluminada. — Sugiro darmos uma olhada ali — respondeu Rakal. — No momento só precisamos prestar atenção numa coisa — ou seja, indícios de onde se encontra Frasbur. Precisamos ficar escutando as pessoas conversando, e ficar de olhos abertos, para não deixarmos de ver alguma placa indicativa, ou avisos e editais, e coisas semelhantes. — Entendi — respondeu Tronar. — E também temos que cuidar para que os lemurenses não tropecem em nós. — Isso seria recomendável, claro — concordou Rakal. A torre tinha duas entradas, claramente indicadas. As duas ficavam uma diante da outra, na parede leste e oeste do edifício. Através de um arco, muito alto, que incluía um portal, os dois irmãos puderam ver uma espécie de pavilhão de recepção, em cujas paredes desembocavam diversos elevadores antigravitacionais. À direita, atrás do portal, havia um robô-porteiro. Rakal alimentava esperanças de que o mesmo tivesse as mesmas tarefas de um robô-porteiro terrano — ou seja, guardar os movimentos de abrir e fechar o portal, dar informações e passar ligações pelo intercomunicador aos diversos birôs que devia haver no interior da torre. Robôs-porteiros eram máquinas primitivas sem capacidade própria de decisão. Caso os lemurenses não pensassem diferente sobre as atribuições de um robô-porteiro que seus descendentes terranos, este aqui dificilmente poderia oferecer perigo aos dois irmãos. O mecanismo de abrir normal não reagiu aos dois invisíveis. Rakal e Tronar tinham que esperar, até que um lemurense se aproximasse do portal e este se abrisse. Antes dos dois maciços batentes se fecharem novamente, os gêmeos haviam passado.
Na parede esquerda, entre dois elevadores antigravitacionais, estava dependurada uma tabela de comunicações e editais, que eles não tinham visto do lado de fora. Numa base preta, letras fluorescentes brilhavam, coloridas, em dúzias de comunicados e anúncios. Um destes chamava atenção por seu brilho forte, vermelho, destacando-se de todos os outros comunicados. Curioso, Rakal voltou-se para o quadro. Pela irradiação do irmão ele sentia que Tronar se conservava bem próximo dele. Os dois irmãos, assim como, entrementes, todo o resto da tripulação da nave-capitânia estavam familiarizados com a língua e a escrita tefrodense. A língua tefrodense, entretanto, era uma modificação da língua lemurense, com apenas diminutas modificações. Rakal não teve dificuldade em ler o aviso. Mal havia lido as primeiras palavras, quando lhe ficou claro que topara com um achado muito importante. O aviso dizia: “Todos os oficiais, desde ordenanças de comandantes de unidade para cima, deverão comparecer imediatamente depois do término do período do meio da guarda, no pavilhão de entrada do edifício 243. O Grão-Mestre-Conselheiro Frasbur falará sobre o novo desenvolvimento estratégico da guerra.” Tronar também lera o aviso. Rakal podia sentir a agitação que fluía dele. — Para onde Hakhat conduzirá a sua gente? — perguntou ele baixinho, como se estivesse com medo que alguém pudesse ouvi-lo. — Para Frasbur — respondeu Rakal. — Nós só precisaremos segui-lo, para encontrarmos Frasbur. — Isto é — acalmou-o Tronar — se nós conseguirmos achar, em tempo, o edifício duzentos e quarenta e três, e descobrirmos quando termina o período do meio, da guarda. — Mais ou menos dentro de cinco horas — constatou Rakal, com a maior tranqüilidade. — Como é que você pode saber disso? — Nós vimos quando houve a última substituição. Isso foi há cerca de três horas. A designação de “do meio” indica que há três períodos de guarda. Presumo que a do meio seja aquela que liga um dia ao outro. Na Terra, cada período deveria durar oito horas, o do meio, portanto, tendo ainda cinco horas, contando de agora. Kahalo não tem o mesmo tempo de revolução da Terra. Portanto teremos uma incerteza adicional de meia hora até uma hora. Mas, de modo geral... — Gostaria que você não fosse tão estupidamente esperto — interrompeu-o Tronar, com fingida raiva. Rakal, entrementes, olhara em torno. Na parede defronte ao portal, onde havia uma porta em arco, numa abertura porém menor, que dava num corredor vazio mas muito bem iluminado, havia, em letras douradas, três caracteres lemurenses. Tratava-se de cifras. A escrita lemurense ia da direita para a esquerda. Rakal leu um um, um seis e um sete. Os lemurenses utilizavam o sistema duodecimal, no qual a cifra 12 tem o mesmo papel que o 10 no sistema decimal. A primeira cifra, 1, neste caso, não significava 100, mas 144. A segunda não significava sessenta, mas setenta e dois. A terceira, nos dois sistemas, significava 7. Rakal calculou rapidamente. O número era 223, traduzido ao sistema decimal. Ele voltou-se e repetiu o processo com o número que era mencionado no quadro de avisos. E obteve 339. — Nós agora nos encontramos no edifício duzentos e vinte e três — explicou ele a Tronar. — Estamos procurando o edifício número trezentos e trinta e nove. Não podemos
deixar de encontrar estes números — caso estiverem colocados tão claramente quanto aqui. Dificilmente podemos errar. Quando o próximo visitante passou pelo portal, eles aproveitaram a oportunidade de sair para fora. Pairando pouco acima do solo, eles ficaram com uma fila de edificações nos olhos, para calcular o sistema em que os lemurenses executavam a sua numeração. O número 339 demonstrou ser um enorme edifício quadradão, perto do limite sul do espaçoporto. Possuía diversas entradas, porém apenas uma que ia dar num pavilhão. Rakal olhou o seu relógio. A procura havia demorado pouco mais de uma hora. Se sua suposição estava certa, eles ainda tinham quatro horas de tempo, até os oficiais chegarem. Pairaram para o alto, para cima do telhado do edifício, recolhendo-se a um ângulo, onde dificilmente alguém tropeçaria neles. Tronar afirmou que estava nervoso demais para pensar em dormir. Mas já estava bocejando, e dez minutos mais tarde, quando Rakal lhe fez uma pergunta, ele não respondeu mais. Rakal tratou de acomodar-se o melhor possível, e também logo adormeceu.
4 Ao acordar, ao leste, no horizonte, já se via uma faixa prateada, anunciando o novo dia. Curvou-se para a frente e olhou pela borda do telhado lá para baixo. Dois veículos haviam parado justamente neste instante diante do grande portal. Um terceiro aproximava-se saindo do lusco-fusco matinal. Ao entrar no foco de luz das lâmpadas ainda acesas, Rakal reconheceu um planador aberto com quatro oficiais lemurenses. Eles estacionaram o carro, desceram e entraram no edifício pelo portal central. Tronar já estava acordado. — Os primeiros chegaram há dez minutos — disse ele. — Até agora há um total de onze homens lá dentro. — Então é melhor nos apressarmos — achou Rakal. Eles deslizaram pela parede do edifício para o solo. Mal tinham chão firme sob os pés, quando se aproximou um quarto veículo. Este era maior que os primeiros três e trazia uma dúzia inteira de oficiais lemurenses. Rakal viu que eles conversavam, mas nenhum som penetrava o seu campo energético. Eles seguiram os lemurenses e conseguiram entrar, sem serem notados, no interior do edifício. Os doze oficiais reuniram-se àqueles que já haviam chegado mais cedo. Formavam pequenos grupos, que ficavam discutindo entre si, com gestos bastante agitados. — Acho que já é tempo de ouvirmos alguma coisa — disse Tronar. — Você tem razão. Vamos desligar nosso campo energético! E ele o fez com uma leve sensação de desconforto. De agora em diante ele só era protegido ainda pelo seu campo defletor, que o escondia dos olhos dos lemurenses. Qualquer tiro que, por acaso, ou premeditadamente, fosse disparado contra ele, o mataria. Mais oficiais iam chegando, e lentamente o grande hall foi se enchendo. Rakal e Tronar recuaram para um canto o mais afastado possível, onde estavam relativamente seguros, de não esbarrar com ninguém. Rakal tentou imaginar como dúzias de pessoas se atropelariam para entrar, todas ao mesmo tempo, nos elevadores antigravitacionais, quando o Almirante Hakhat aparecesse para informá-los para onde deveriam se dirigir. Parecia ser impossível evitar uma colisão naquela confusão, e Rakal de há muito já não era mais tão otimista para pensar que os lemurenses não davam uma importância especial a esse tipo de acontecimento. Enquanto ainda repassava o seu plano na mente, ficou com certas dúvidas. Uma vez que Frasbur já estava prevenido contra a missão de um comando de ação terrano — e isto ele estava, caso contrário o campo de proteção ultravermelho não faria sentido — o comunicado sobre a sua conferência com os oficiais lemurenses fora afixado de modo evidentemente público demais. Rakal tentava imaginar o que ele faria no lugar de Frasbur. Ele conseguiria apoderar-se dos invasores de modo mais fácil, se lhes colocasse uma armadilha Esta seria a armadilha? Existia a possibilidade, concluiu Rakal. Nas circunstâncias, seria perigoso se ambos seguissem a isca. Um deles seria mais que o suficiente. Em virtude de sua capacidade de sentir o que o outro estava sentindo, eles conservariam contato constante entre si. Aquele que ficasse para trás poderia seguir o outro, se a barra estivesse limpa.
Ele explicou a Tronar a situação. Este respondeu com um suspiro. — Já sei — resmungou ele. — Eu terei que ir na frente. Entrementes você fica aqui em cima, enrolando os polegares. — Exatamente — retrucou Rakal, muito sério. — E vou enrolando os mesmos o mais vagarosamente possível, para que você tenha tempo suficiente para verificar como estão as coisas. — Está bem. O que é que eu devo fazer? — Você ouve o que Frasbur tem para dizer. Preste muita atenção — tudo isso pode ser apenas uma armadilha. Portanto abra bem os olhos! Procure olhar tudo à sua volta. Só existe um número muito limitado de aparelhos com os quais é possível detectar um campo defletor. Caso você vir um destes, imediatamente dê no pé! — Certo. E caso contrário? — Então você espera até o fim da conferência, dando-me um curto sinal pelo microcomunicador. E eu sigo você. — Isso é arriscado — avisou Tronar. — Eles vão rastrear o sinal! Rakal era mais otimista. Tratava-se de um impulso muito fraco e muito curto. Havia a possibilidade dos aparelhos lemurenses não reagirem em tempo suficientemente rápido, para poder efetuar um rastreamento de exatidão suficiente. Tronar concordou com isso. Os dois irmãos estavam tão ocupados com a mudança de sua tática, que durante algum tempo não prestaram atenção para o que lhes ia em volta. Desde que haviam desligado os seus campos energéticos, escutavam os ruídos no pavilhão e o murmúrio de dúzias de vozes lemurenses. De repente, todos silenciaram. O ruído morreu e o pavilhão mergulhou em silêncio total, até o leve zunir de um motor de planador que podia ser ouvido pelo portal. — É Hakhat chegando! — murmurou Rakal. O almirante entrou no pavilhão. Os oficiais reunidos tomaram posição de sentido, fazendo continência. Hakhat, um homem impressionante, muito alto, com cabelos grisalhos, prateados, e uma barba muito bem cuidada, também grisalha, agradeceu curtamente. Sem perder tempo, ele colocou-se no centro do pavilhão, de modo que os oficiais formaram um círculo à sua volta, e declarou em voz alta: — O Grão-Mestre-Conselheiro Frasbur convocou esta reunião, num espaço de tempo muito curto. Tenho certeza de que ele terá muito bons motivos para isto. Aparentemente alguma coisa decisiva aconteceu no decorrer da guerra, da qual nós, aqui em Kahalo, só vemos uma parte ínfima, de modo que uma revisão fundamental em nossa tática atual seja aconselhável. “Peço que se lembrem que, na conferência de hoje, não se trata de uma das reuniões normais de instrução, como sempre fazemos cada vez antes da partida das missões de suas esquadrilhas. Os senhores conhecem o posto elevado e a grande influência do GrãoMestre-Conselheiro. Por favor mantenham-se de acordo. Esta não é uma reunião na qual devem ser feitas perguntas. Nós apenas escutaremos. E isso é tudo. “Eu agora vou conduzi-los à seção quinze, departamento quatro, onde o GrãoMestre-Conselheiro está à nossa espera. Sigam-me!” A mente de Rakal trabalhava febrilmente. Ele era de opinião que esta reunião não passava de uma armadilha, que Frasbur colocara para ele e Tronar. Se esta suposição era correta, o Almirante Hakhat não tinha a menor idéia dos propósitos de Frasbur — caso contrário ele teria evitado pronunciar palavras tão altissonantes. Esta era, achou Rakal, uma observação importante, que diante das circunstâncias poderia ser de muito valor.
Hakhat agora entrou num dos elevadores antigravitacionais, e os oficiais que esperavam o seguiram, tão rapidamente como podiam. Conforme Rakal imaginara, na entrada do elevador aconteceu um empurra-empurra previsível, mas caótico. Por isso ele reteve Tronar, até que o último grupo de lemurenses se aproximasse do elevador. — Conserve-se bem atrás deles — murmurou-lhe Tronar. Tronar deu um grunhido, concordando. Rakal sentiu, pelas emissões do irmão, como ele se afastava. Sentiu uma nítida sensação de nervosismo e incerteza, que fluía de Tronar. Ele fez força para sentir otimismo e despreocupação, para passar estas emoções ao seu irmão. Mas, pela ressonância, percebeu que não obtivera muito êxito. Tronar desapareceu na entrada do elevador antigravitacional, e com isso começou, para Rakal, um período incômodo de espera. *** Caça ao homem! Korpel sentiu um entusiasmo como há muito tempo não sentia. Este era o seu trabalho — caçar homens e prendê-los. Era uma grande capacidade, que conseguira para Korpel ser destacado como servo do agente do tempo e Grão-Mestre-Conselheiro Frasbur. A capacidade de odiar, como jamais alguém odiara. Korpel era membro de uma raça de um planeta na zona central da nebulosa de Andrômeda, que os senhores da galáxia haviam subjugado e exterminado até poucos exemplares. Korpel escapara da catástrofe, porque reconhecera em tempo de que lado soprava o vento, tendo passado para o lado dos senhores da galáxia. A subjugação de sua raça acontecera pouco depois da chegada dos senhores da galáxia à nebulosa de Andrômeda. Como todos os seus conterrâneos, Korpel tinha uma previsão de vida de exatamente cem mil anos terrestres. Mais da metade, ele já vivera desde a catástrofe, porém o ódio que ardia na sua mente por todos os senhores da galáxia e por todos os seres humanos, que vinham do planeta Lemúria ou da Terra, não arrefecera. Ela achava que a sua máscara de súdito sempre dócil era impenetrável, e os senhores da galáxia o haviam deixado nessa crença. Na realidade ele era uma ferramenta útil para eles, justamente por causa do seu ódio. Ninguém trataria de ficar de olho num agente do tempo melhor do que Korpel, que odiava tudo que vinha daquele planeta pequeno, insignificante, nos limites externos da Via Láctea. É ninguém era mais adequado para caçar um terrano invisível, enfrentando-o — apesar dos senhores da galáxia, ao despacharem Korpel para Frasbur, naturalmente não haverem previsto este caso. Tão pouco quanto Korpel sabia das razões dos senhores da galáxia para enviá-lo a Frasbur como servo e guarda-costas, tão pouco ele podia imaginar que carregava, implantado sob a sua abóbada craniana, um minúsculo ativador, que destruiria o seu cérebro no instante em que cometesse uma única transgressão dos regulamentos instituídos pelos seus senhores. Korpel estava de pé atrás da parede do grande pavilhão de reuniões, no qual Frasbur recebia o Almirante Hakhat e seus oficiais, para, supostamente, falar-lhes sobre novos desenvolvimentos do transcorrer da guerra contra os halutenses. Na realidade não havia nada de novo a relatar, e a reunião fora combinada porque os planos de Korpel o exigiam. As paredes do salão eram de material plástico leve. Korpel estava parado atrás de um gerador, que emitiria um feixe forte de raios-X, em diagonal, através do grande salão, logo que ele apertasse a tecla correspondente. As paredes eram completamente transparentes para os raios-X. Para comprimentos de ondas óticas, entretanto, elas eram
um obstáculo. Por isso Korpel montara uma série de aparelhos de vídeo, e deste modo ele podia ter uma visão geral de todo o salão, seguindo tudo através das três telas que mandara embutir nas paredes do seu pequeno recinto de trabalho. Diante dele, havia um console com um teclado inclinado, no qual viam-se, além de pelo menos uma dúzia de chaves e lâmpadas de controle, mais cinco telas de imagem adicionais, pequenas, que, neste momento, ainda estavam desligadas. Embutido no console achava-se o forte gerador de raios-X, que o ajudaria a agarrar o terrano invisível. Na parede do outro lado do salão havia uma série ininterrupta de receptores de raios-X, que transformavam os feixes de ondas de raios-X numa imagem muito nítida, passando-a depois para os cinco pequenos tubos de imagem embutidos no console do aparelho.
O plano de Korpel era simples, mas genial. Ele tinha certeza que o terrano não conseguia sua invisibilidade através da ajustagem do índice de refração, mas sim com a ajuda de um campo defletor. Neste caso ele poderia ser descoberto através dos fortes raios-X, muito ricos em energias. Ondas de raios-X eram bastante mais energéticos que ondas luminosas. O campo defletor naturalmente as dirigiria, do ponto de impacto inicial, para o lado, como ondas mais fracas, mas as reteria por muito menos tempo. Enquanto ondas de luz somente eram liberadas no local que ficava do outro lado do ponto de impacto inicial da influência do campo defletor, sendo irradiadas dali na sua direção original novamente, as ondas de raios-X, ricas de energia, libertavam-se já antes da retenção do campo, espraiando-se depois numa direção que formava mais ou menos um ângulo bidimensional em relação ao primeiro ponto de contato. Um ser hipotético com olhos de raios-X, que tivesse o invisível entre ele e a fonte de raios-X, portanto não recebia da direção na qual se encontrava o invisível qualquer emissão. O lugar, em
comparação com o que lhe estava ao redor, deveria aparecer-lhe escuro, e a escuridão desenharia, nitidamente, os contornos do campo defletor. Era sobre este efeito que Korpel construíra o seu método. Ele levaria o gerador para a direita e para a esquerda, de modo que, certamente, teria que apanhar o invisível, num momento qualquer — caso a armadilha tivesse sucesso e ele tivesse ousado intrometer-se entre os oficiais para penetrar no salão. Numa das cinco telas de vídeo, caso o terrano aparecesse na direção do feixe de raios-X, apareceria uma mancha escura. Com isto, o problema principal fora solucionado. Para tudo que viria depois disso, Korpel tinha tomado medidas de grande envergadura e muito confiáveis. Pelas duas telas de imagens óticas ele viu que os oficiais lentamente começavam a encher o grande salão. Silenciosos e em ordem, eles se distribuíram pelos muitos bancos que enchiam o salão. Em algum lugar, entre eles, calculava Korpel, encontrava-se o invisível. Korpel chegou a dar uma risadinha nervosa, de antecipação. O mal iluminado elevador antigravitacional desceu a mais ou menos cem metros, antes de terminar numa parede que ia dar num corredor vazio, retangular. Das paredes do corredor saíam outros corredores em diferentes direções. Tronar manteve-se bem perto, atrás do homem que entrara por último no elevador, e seguiu-o no corredor muito iluminado, que saía da parede que ficava defronte do elevador. Tudo ficara silencioso, e só se ouviam os passos dos homens. Os oficiais já não falavam mais entre si. Tronar pisava com cuidado, de modo a não ocasionar qualquer ruído desnecessário, que agora, que ele desligara o seu campo energético, poderia ser ouvido pelos outros. O pesadelo transformou-se em realidade. Ele não conseguia mais mover-se. Alguma coisa que o envolvia tão firmemente como uma segunda pele segurava-o preso naquele lugar. Por mais que ele se esforçasse, combatendo aquela força, não podia nem sequer mexer um dedo de sua mão. Somente uma capacidade ainda lhe ficara. Podia abrir os olhos. Encontrava-se num recinto pequeno, meio escurecido, que era iluminado apenas por dois enormes telões de imagem, que haviam sido instalados numa das paredes, e que mostravam a sala de reuniões de Frasbur com os oficiais lemurenses. Debaixo dos telões havia um pequeno console de comando, com fileiras de chaves pequenas e lâmpadas, e mais cinco outros cubos de imagem, muito pequenos. Quatro destas telinhas de imagem estava cinzentas, apagadas. Na quinta, alguma coisa se movia. Tronar viu riscas que escorregavam rapidamente de um lado para o outro. Parecia que havia uma névoa passando pela tela de imagem. De repente a névoa clareou, e no meio daquele branco acinzentado, ondulante, apareceram os contornos de uma imagem. — É o senhor! — disse uma voz fria, muito estridente, dentro da escuridão. Tronar quis virar-se rapidamente, mas não conseguiu. Precisou esperar até que o desconhecido que falara aparecesse diante dos seus olhos. E este não o deixou esperar muito tempo. Surgiu da esquerda, colocando-se diante do console de comando, e olhando tão intensamente para a direção em que Tronar se encontrava, que ficou evidente que ele sabia perfeitamente onde o invisível se encontrava. Tronar assustou-se. Jamais vira um ser tão feio. O estranho era humanóide, mas monstruoso. Era pequeno, quase um anão, e tinha uma feia corcunda. Usava roupas ridiculamente coloridas, das quais surgiam os seus braços e pernas, muito finos. Os pés eram desproporcionalmente grandes, enfiados em sapatos que os faziam parecer-se ainda maiores. Em proporção igualmente errada quanto ao resto do corpo magro, disforme, estava o crânio gigante, do qual dois olhos grandes, escuros, olhavam Tronar, traiçoeiros.
— Sim, este é o senhor — repetiu o anão na língua tefrodense, apontando para a pequena tela de imagem, na qual viam-se os contornos escuros de uma figura. — Eu virei o projetor de raios-X, de modo que agora, em vez de apontar para o salão, ele aponta diretamente para o senhor. Ele falava com uma voz pouco natural, muito estridente. As palavras saíam de sua boca aos borbotões, e cada uma vinha envolvida da gosma de seu ódio e de sua satisfação maliciosa. — Eu sou Korpel — apresentou-se o corcunda, zombeteiro. — Incumbiram-me da tarefa de prendê-lo. Eu o atraí aqui para baixo. O feixe de raios-X mostrou-me onde estava. Eu instalei por toda parte — no salão, e lá fora no corredor — projetores cujos campos envolventes o teriam que prender logo que eu os ligasse. Mas não calculava usálos jamais. Conhecia antecipadamente suas reações. O senhor é terrano e os rarefeitos fluxos mentais dos terranos são facilmente assimiláveis. O senhor trataria de tentar pôr-se em segurança, utilizando-se da onda de raios-X — sem primeiro pensar por muito tempo de onde este raio vinha, e com que propósito estava sendo usado. “Pelo que vê, eu não me enganei. O senhor se ofereceu a mim, como de bandeja. Bastou que eu apertasse uma tecla, e já o projetor de campo envolvente o havia agarrado. Aliás, ele está montado no teto. O senhor poderá vê-lo, se levantar os olhos.” Tronar estava tão tomado de repugnância por aquele anão corcunda, que literalmente teve que esforçar-se para pensar claramente. Nos dois telões por cima do console de comando continuava a ver-se o salão de reuniões, no qual Frasbur continuava a falar aos oficiais. A transmissão acústica, apesar de baixa, estava acoplada ao vídeo. Tronar entendia o que Frasbur estava dizendo. Continuava a falar sobre coisas que todo mundo já sabia há muito tempo. Tronar concluiu, por isso, que Frasbur não tinha intenção de revelar o seu verdadeiro plano aos lemurenses. O Almirante Hakhat e sua gente não ficariam sabendo de nada sobre a armadilha, que o Grão-Mestre-Conselheiro lemurense armara aqui embaixo. Esta observação pareceu-lhe extremamente importante, apesar de, no momento, não saber o que fazer com ela. Entrementes Korpel continuou a dirigir-se a ele, com aquela sua voz estridente, cheia de ódio: — Até aqui tudo correu de acordo com o plano — disse ele, repuxando a sua cara grande, numa careta zombeteira. — Suponho que, também, daqui para a frente, não ocorram dificuldades. Por exemplo, quando eu lhe perguntar se está sozinho aqui em Kahalo ou se ainda outros, como por exemplo o seu irmão, vieram em sua companhia — ele ergueu a mão, num gesto defensivo, como se esperasse que Tronar retrucasse. — Ó não, esta pergunta lhe será feita mais tarde. Agora, afinal, o senhor não pode responder. Estou querendo apenas prepará-lo para o que virá. Eu naturalmente posso imaginar que o senhor vai querer oferecer-me resistência. Não sente a menor necessidade de me dizer a verdade. É algo que incluí nos meus cálculos. Já tomei minhas providências a este respeito. Conheço métodos que fazem falar mesmo o mais recalcitrante. Nada vai adiantar-lhe reunir todas as suas forças, inclusive as mentais, ou achar que receberá ajuda das drogas que certamente lhe foram administradas antes de vir para cá. Nada irá adiantar-lhe invocar seu senso de responsabilidade e do dever, para construir de forma alógica, emocional, um muro de resistência, que pudesse ser suficientemente forte para me oferecer oposição... Aquela voz tinha uma tonalidade rítmica, ondulante. Ele não estava mais seguro se estava realmente vivendo aquela cena. Tudo parecia esvair-se dele. O seu campo de visão
estreitou-se, como se estivesse olhando através de um cano, que lentamente se afastasse dele, e por este mesmo cano parecia vir a voz de Korpel — vibrando e rítmica, e cada vez mais baixa. De repente não viu mais nada. Estava pairando numa escuridão sem fundo. Teve a sensação de uma queda alucinante, que molhou-lhe a testa de grossas gotas de suor, provocadas pelo medo. Ele estava precipitando-se num abismo infinito, e sua única ligação com a realidade era a voz clara, zombeteira de Korpel, que lhe chegava como que de uma grande distância. — Este é o grau mais ínfimo da sensação de medo. O senhor está sentindo uma compulsão irresistível de me dizer tudo o que sabe... só para livrar-se deste medo. E... imagine se este é o menor grau, como estará pronto para uma confissão completa, quando eu ligar a mesma num rendimento máximo! Felizmente o corredor terminava já poucos metros adiante. O fluxo de oficiais passou por uma porta larga, dando no salão de reuniões. Em duas filas paralelas, com um corredor no centro, havia dúzias de bancos para dez ou doze pessoas. Diante dos bancos, na parede defronte à entrada, havia um pequeno espaço livre, no qual fora colocado uma espécie de púlpito. Atrás desse púlpito, na parede, via-se uma enorme tela branca, para projeções. Tronar manteve-se perto da porta. Desconfiado, olhava para o chão, para o teto e as paredes do grande salão, mas em nenhum lugar descobriu algo de suspeito. A iluminação era de placas quadradas, fluorescentes, que haviam sido embutidas no teto, numa distribuição irregular. Tanto as paredes como o piso eram de plástico fundido, liso, e não mostravam juntas. A porta fechou-se com um ruído rolante, dando um susto em Tronar. Ele perguntava-se o que teria feito se não tivesse seguido tão de perto o último oficial e se a porta se tivesse fechado antes dele. E então uma outra coisa chamou sua atenção. Na parede de trás do salão, bem perto do púlpito para o orador, havia uma abertura escura. Daquela abertura surgiu uma figura muito alta, vestida de maneira sóbria e simples, e da qual Tronar lembrava-se muito bem. Frasbur, o Grão-Mestre-Conselheiro — e agente do tempo dos senhores da galáxia! O Almirante Hakhat, que se encontrava na primeira fila dos bancos, levantou-se, apresentando-se e aos seus homens. Frasbur agradeceu com um ligeiro aceno da cabeça. Postou-se atrás do púlpito e olhou os homens reunidos com um olhar pensativo, que, na opinião de Tronar, era estranhamente longo. Finalmente começou a falar. — Eu limitei a participação nesta reunião às patentes mais elevadas do oficialato, porque o que tenho para comunicar-lhes é de fundamental importância, com influência maior em nossa posição básica em relação à guerra, do que as tarefas e deveres de cada um de nós. Oficiais mais jovens não estariam inseridos bem nesta reunião, porque raramente estão numa posição de poder enxergar além do horizonte de suas próprias responsabilidades. Depois de uma rápida pausa, ele continuou: — Apesar de não gostarmos de reconhecer isto, temos o dever, por outro lado, de olhar os fatos tais como são, e fazer, em cada situação, aquilo que é mais vantajoso para a comunidade da raça lemurense. Uma decisão definitiva, sobre o que é vantajoso, somente poderá ser tomada quando aquele que decide tem clareza absoluta sobre a verdadeira situação. É esta clareza que eu gostaria de transmitir-lhes hoje, aqui.
“Meus senhores — a guerra contra os halutenses não pode mais ser ganha pelo nosso povo!” Tronar, que até então dividia sua atenção entre Frasbur e as imediações, de repente sentia-se completamente acordado. Frasbur chamara os oficiais para esta reunião, para falar-lhes a respeito do desenvolvimento de novas estratégias contra os halutenses. Pelo menos era isto que dizia o aviso que ele vira na estrada. Entretanto, o que ele dizia era tudo, menos novidade. Cada homem da frota lemurense, desde o almirante até o soldado raso, sabia há muito tempo que a guerra estava perdida — que a frota apenas se ocupava em deter o adversário através de combates de ataque e retirada, para que um número maior possível de lemurenses pudesse ser salvo da armada destruidora dos halutenses, que tudo aniquilava, sendo levados através do transmissor hexassolar para a segurança de uma galáxia vizinha. Tronar notou que os oficiais trocavam olhares espantados entre si. Eles estavam tão surpresos com as palavras de Frasbur como ele mesmo, Tronar. O que é que Frasbur estava pretendendo? Ele poderia permitir-se retirar centenas de altos oficiais, por bastante tempo, de seus postos, somente para dizer-lhes coisas que eles já sabiam há muito tempo? Alguma coisa na mente de Tronar deu alarme. Frasbur entrementes continuava o seu discurso, porém Tronar já não o escutava. De repente tinha diante dos olhos o verdadeiro motivo de tudo aquilo. Rakal estava com a razão. A reunião era uma armadilha. Frasbur mandara afixar um comunicado claramente visível, porque sabia que os dois irmãos o estavam procurando. Este era o caminho mais simples e ao mesmo tempo mais eficaz de atraí-los à sua armadilha. Provavelmente tinha montado, atrás das paredes do salão, aparelhos que poderiam tornar o seu campo defletor inútil. Tronar recuou para a porta. Ele tinha que desaparecer, antes de Frasbur conseguir fechar a armadilha. Para ele era indiferente como os lemurenses reagiriam se a porta se abrisse, aparentemente sem qualquer razão, fechando-se outra vez. Aqui dentro ele estava perdido. Sua única salvação estava numa fuga imediata e rápida. Ainda não se afastara cinco metros da porta, quando sentiu uma comichão estranha. Parou, como pregado ao chão. Ele conhecia esta sensação. Ela aparecia cada vez que ele entrava no campo de influência de um feixe de ondas eletromagnéticas. Por um instante ele ficou perturbado. Não sabia o que pensar, do desenvolvimento inesperado das coisas. O que ele sentia, não era uma luz visível. A comichão era muito intensa, quase dolorosa, portanto tratava-se de ondas ricas de energia, raios ultravioletas duros ou emissões de raios-X. Não pensou em mais nada. A necessidade de pôr-se em segurança sobrepujava qualquer outra. Aqui estava a saída ideal. Ele já não precisava mais da porta. Fechou os olhos, para não ver mais nada, e para concentrar-se naquela sensação tilintante. E então ele se incorporou no fluxo de energia do feixe de ondas, deslizando por dentro do mesmo. *** O que sentiu em seguida foi a sensação horrível de que já não podia mais se mover. Ainda bastante atordoado pelo rápido salto, ele esticou os músculos jogando os braços para o lado. Tronar sentiu o quanto ele tinha razão. Agora, neste instante, ele estava perfeitamente pronto para revelar tudo a seu respeito e a respeito de Rakal, se, pelo menos, lhe tirassem desta sensação horrenda de queda infinita, em troca.
Tão rapidamente como viera, aquela sensação estranha desapareceu. Os olhos de Tronar estavam novamente vendo claro. Diante dele estava o anão corcunda. — É assim que isto funciona — disse ele. — Este tira-gosto talvez o torne mais dócil. Antes de qualquer outra coisa eu preciso assegurar-me de que o senhor ficará aos meus cuidados por tanto tempo quanto eu julgar necessário. Tronar, a princípio, não sabia o que ele queria dizer com isto. Korpel recuou um passo e apertou uma tecla no console de comando. Tronar ouviu-o rir para si mesmo, um riso irônico, diabólico. E então ele foi atingido por um golpe atrás da cabeça, como se tivesse levado um coice de um cavalo doido. Imediatamente perdeu a consciência.
NAVES EXTRATERESTRES
Categoria: Ultracouraçado, nave de guerra da Frota Maahks, categoria pesada, e explorador de reconhecimento (com tarefas de reconhecimento militar).
Medidas: Comprimento: 2.500 m; Diâmetro: 500 m; Altura standard: 554 m.
Propulsão: 4 — 7 propulsores de popa cada um com 1,00-1017 VM de empuxo, num total de 4,37-1018 VN de empuxo, 10 propulsores energéticos de frenação, cada um com 7,95-1016 VN de empuxo, num total de 7,95-1017 VN de empuxo, propulsão antigravitacional; Propulsores energéticos lineares.
Rendimento: Aceleração máxima: 550 km/ s-2 ~ 560.652 g; Alcance: 3,6 milhões de anosluz.
Equipamento bélico: 10 pesados canhões energéticos (proa); 20 desintegradores pesados; 11 canhões de polarização invertida, ultrapesados; 40 canhões desintegradores leves e canhões energéticos. Campo energético de proteção tri-escalonado (Ao = 3,2-1023Rt-2).
Tripulação: 2.000 maahks, dos quais 170 para o comando da nave, 687 cientistas, 343 técnicos e assessores, 80 tripulantes de naves auxiliares e pessoal de intendência; além disso 30 maahks podem ser embarcados para grupos de desembarque espaciais.
Naves auxiliares:
8 naves espaciais de pequeno porte (comprimento 20 m, diâmetro de 40 m); 56 naves auxiliares para 5 tripulantes; 224 caças para um tripulantecontrolador.
Nação: Maahks. Os maahks são respiradores de hidrogênio-metano-amoníaco e vivem em mundos com atmosferas correspondentes. Estão acostumados a uma gravidade entre 2,9 até 3,1 gravos, crescendo em média até 2,20 m de altura e com uma largura de ombros de 1,50 m. Tem uma distante semelhança com a raça humana, com a pele, entretanto, de escamas cinzaclaras. A cabeça liga-se, sem transição de pescoço, e sem mobilidade, ao restante do corpo. Assemelha-se a uma protuberância em forma de meia-lua, comprida, que se estende de um ombro ao outro. No ponto mais elevado dessa protuberância cefalóide há quatro olhos verdes, brilhantes, com um ângulo de visão de 360 graus. A boca encontra-se no local de transição entre esta protuberância e o restante do corpo. Os maahks são inteligências ovíparas, que geralmente põem 9 ovos. Depois de um período de maturação de nove meses, a nova geração sai da casca. A mentalidade dos maahks diferencia-se fortemente da dos seres humanos. Eles são decididamente lógicos, e não têm noções de sentimentos. A pátria dos maahks é a Nebulosa da Andrômeda. Foi ali que os terranos encontraram este povo pela primeira vez, no ano de 2.401, quando os componentes de sua raça estavam sob o jugo dos mestres da galáxia.
Observações: O desenho mostra a maior das naves de combate dos maahks. A) lateralmente, B) de frente e C) de trás. Foi com uma nave destas que GREK 1, penetrou na Via-Láctea no ano de 2.401, iniciando uma invasão. Isto, entretanto, pode ser evitado, e GREK 1 tornou-se um confiável aliado dos terranos, tendo finalmente se sacrificado, em fins de 2.402 em Alfa-Centra. (Texto e desenho: Günter Puschmann)
5 Rakal recebera, com crescente preocupação, as emanações emocionais do irmão. Ele sentiu nitidamente quando Tronar, depois de Frasbur ter falado as palavras de introdução, ficou inteiramente perplexo. Registrou também o repentino surgimento de medo, quando Tronar imaginou ter entendido toda a situação. Mais uma vez, mas apenas pela fração de um segundo, o medo foi suplantado pelo espanto. Depois seguiu-se aquele impulso característico, que demonstrava que Tronar se incorporara a um feixe de ondas, tendo deixado o local onde se encontrava, pelo caminho mais rápido que conhecia. Depois disso vieram apenas sensações indecifráveis, e a única coisa que Rakal pôde assimilar das mesmas, era que Tronar se encontrava em sério perigo. Ele sentiu ressonâncias de nojo, medo, antipatia, pânico e uma vez até um medo de morrer, que tudo inundava. E então, de repente, a recepção foi interrompida. De Tronar lhe vinham apenas ainda impulsos fracos, quase imperceptíveis e sem coordenação. Tronar caíra numa armadilha, disso não podia haver dúvida. E ele sentiu um sentimento forte de culpa, por ter mandado o irmão à conferência de Frasbur. Ele ficou no vestíbulo. Lá fora o sol já brilhava forte. E o tráfego tornou-se muito intenso outra vez. Gente ia e vinha, todos oficiais e suboficiais, sem exceção, da frota lemurense. Rakal ficou escutando. Tentava receber, de um lugar qualquer, o impulso de um transmissor. Durante todo o tempo os transmissores da base militar haviam emudecido. A frota encontrava-se numa guerra. Este silêncio, nada natural, somente podia ser explicado pelo fato de Frasbur ter uma noção muito exata de quem eram os invasores. Ele já se encontrara uma vez com os gêmeos Woolver. Para ele, devia ser fácil concluir que os terranos, na sua segunda investida contra Kahalo, encarregassem da missão as duas mesmas pessoas que já haviam estado aqui anteriormente. Por isto ele impedira o serviço de radiocomunicações de toda a base. Deste modo os mutantes não teriam qualquer possibilidade de viajar de um lado para o outro, através das ondas de rádio. Neste caso, concluiu Rakal, Frasbur devia estar muito seguro de que, com Tronar, ele apanhara somente a metade dos invasores. E agora faria todo o possível para agarrar o segundo terrano, pô-lo fora de ação. Tronar seria submetido a um interrogatório. E não havia a menor dúvida de que os lemurenses tinham todos os meios imagináveis para arrancar a verdade de um prisioneiro. Tronar possuía uma imensa força de vontade, mas mesmo esta — Rakal não se iludia quanto a isso — poderia ser vencida e dobrada, com os meios adequados. Tronar falaria, quanto a isso ele não devia ter a menor dúvida. Que informação aproveitável ele tinha para oferecer a Frasbur? A combinação que fizera com ele, Rakal, antes de desaparecer no elevador antigravitacional. Tronar lhe transmitira um curto impulso, pelo seu microcomunicador, logo que alcançasse o esconderijo de Frasbur. O agente do tempo o obrigaria a transmitir este sinal. Se Rakal seguisse o que ficou combinado, ele o teria nas suas mãos. Esta, entretanto, era a menor dificuldade. Rakal mantinha contato emocional com Tronar. Ele poderia decidir se o irmão estava transmitindo o sinal de livre e espontânea vontade ou sob coação. Por outro lado, Frasbur era um homem que não descuidava de
nenhum detalhe, por menor que este fosse. Ele submeteria Tronar a um interrogatório dos mais completos e também ficaria sabendo, assim, da estranha ligação emocional que existia entre os gêmeos. Para obrigar Tronar a transmitir o sinal, bastaria que o colocasse sob a influência de drogas que tivessem um efeito eufórico. Neste caso, Rakal receberia um sentimento triunfante, alegre, junto com o impulso do microcomunicador e não hesitaria mais em incorporar-se a onda de rádio. Rakal tinha quase certeza de que as coisas se passariam deste modo. Havia apenas uma única saída deste dilema, e esta era tão difícil de ser executada, que Rakal não sabia se o conseguiria. Ele teria que enviar um sinal radiogoniométrico, logo que recebesse o sinal transmitido — e para isto faltavam-lhe os aparelhos. Com o microcomunicador que ele mesmo trazia, no máximo seria possível executar uma goniometria triangular primitiva. O impulso de Tronar somente duraria, no máximo, uns três ou quatro segundos. Como é que ele poderia esperar estar em dois pontos suficientemente afastados entre si, neste tempo diminuto, para dirigir sua minúscula antena com a precisão necessária? Ele ainda estava procurando por uma solução do problema, quando o Almirante Hakhat e seus oficiais vieram pairando para cima no elevador antigravitacional. Em grupos de cinco ou de seis eles atravessaram o vestíbulo a caminho da saída. Rakal mudou de lugar. Para ele era importante escutar o que as pessoas tinham para dizer. Eles conversavam em voz alta, parecendo muito agitados. Rakal não precisou ousar chegar perto demais, para entender claramente a respeito do que eles discutiam. A proclamação do Grão-Mestre-Conselheiro fora uma promessa vazia. Frasbur não dissera nada de novo. Falara sobre coisas que todo mundo já sabia há muito tempo, e o fato dele falar tão enfaticamente não mudara em nada a decepção dos oficiais, que se sentiam logrados ao perderem uma hora preciosa de seu tempo. Enquanto se encaminhavam ao portal, se perguntavam o porquê, afinal, de Frasbur haver convocado esta reunião. Alguns eram de opinião que ele, originalmente, tencionara falar de outra coisa, mas depois, por uma razão desconhecida a todos, não pudera fazê-lo. Outros raciocinavam menos complicadamente, e estavam convencidos de que Frasbur gostava de ouvir seus próprios discursos, e só por esta razão convocara a reunião. O único que sabia da verdadeira razão oculta estava parado, muito quieto, no fundo do vestíbulo. Frasbur convocara a reunião porque precisava de um pretexto que camuflasse a sua armadilha. Naturalmente ele não sabia nada de novo. O que ele queria era pegar um agente terrano — e conseguira fazê-lo. Rakal já não se sentia muito seguro naquele vestíbulo de entrada. Com o último grupo de oficiais ele também passou pelo portal. Lá fora, na beira do campo de pouso, ele ligou a sua antigravidade. Deslizou para a frente, a uma altura mínima do chão plano, até encontrar-se cerca de meio quilômetro afastado das edificações à beira do campo. Ali ele desceu. Tinha que tomar algumas providências, e quanto mais depressa ficasse pronto com elas, maiores eram as suas chances de salvar Tronar das mãos de Frasbur. *** Tronar corria por sua vida. Em toda a sua volta estendia-se uma planície imensa, impossível de ser abarcada com a vista, de uma areia branco-cinza, inundada por um calor desumano, de um sol que queimava mortalmente e ofuscava tudo. Tronar estava nu.
A areia quente queimava a sola dos pés. Atrás dele podia ouvir o arfar e arquejar de seres abomináveis que o perseguiam. Uma única vez ele virou-se e pôde vê-los — figuras de pesadelo, tão altas como uma casa, cada um com dezenas de tentáculos, com os quais se movimentavam com uma velocidade inimaginável naquela areai cintilante. Não eram inteligentes, caso contrário não o perseguiriam desta maneira. Mas possuíam uma resistência e velocidade bem maiores do que Tronar tinha para poder escapar-lhes. Ele estava sem armas. Não tinha nada com que pudesse se defender ou meios de se pôr em segurança. Ele sentiu os finos grãos de areia, erguidos pelas suas passadas, penetrando-lhe pelo nariz e pela boca, colando-se na garganta, onde queimavam como se tivesse engolido fogo. A língua torturada doía-lhe como se estivesse com mil alfinetes. Já não sentia mais seus músculos. Como um tambor furioso, setores inconscientes do seu cérebro colocavam uma de suas pernas diante da outra, sem que ele mesmo fizesse qualquer coisa para isso. Corria feito uma máquina, e nada penetrava no seu consciente, exceto o medo indescritível, mortal, daquelas feras bestiais, que estavam atrás dele, aproximando-se cada vez mais com cada minuto que se passava. Diante dele estendia-se o deserto cinzento até o infinito. Pela fração de segundos perpassou no seu cérebro a consciência de que não fazia sentido continuar correndo. Não havia nenhum lugar onde pudesse esconder-se. O areal era uma planície que se estendia daqui até a eternidade. Porém o medo da morte não permitia qualquer pensamento razoável a seu lado. Tronar continuou correndo em frente — como uma máquina. As feras chegaram tão perto que ele pensou sentir o seu bafo quente nas costas. E continuou correndo, compassos regulares, como seguindo as batidas de um tambor, impulsionado para a frente por uma reserva de energia que o medo da morte tinha ativado. Ele caiu. Num instante as feras estavam em cima dele. Ele viu-lhes os crânios diabólicos, nos quais olhos grandes, vermelhos, o olhavam, esbugalhados, famintos. Conseguiu sentir o fedor daqueles seus corpos cheios de escamas. Estendeu seus braços e pernas na direção dos monstros, quando estes abriram as bocarras, querendo engoli-lo. Gritou e rolou para o lado, para desviar-lhe de suas presas. E de repente ele o viu. Através do caos trepidante dos corpos daqueles animais nojentos, ele o viu correndo pelo deserto, não muito longe dali, não muito depressa, como se soubesse muito bem que estava em segurança. É claro que ele estava em segurança! Ele não estava sendo perseguido. Aqueles animais horrendos estavam ocupados com ele, Tronar. Rakal, ao contrário, não tinha com que se preocupar. Podia poupar suas forças, para garantir para si uma dianteira que estas criaturas nojentas não conseguiriam igualar. Tronar reconheceu o irmão nitidamente. O sol brilhava bastante forte e claro para desvendar-lhe todos os detalhes. De repente foi tomado de uma cólera furiosa. Empinou-se e gritou: — Deixe-me em paz! Por que não se voltam para aquele ali, do outro lado?! Deixem-me... deixem-me... A imagem de repente se desfez. O calor terrível do sol sumiu. Tudo parecia muito fresco. A luz mudou. Tronar encontrava-se numa espécie de cadeira de repouso, ligada através de um sem-número de cabos coloridos a aparelhos estranhos. Os aparelhos
ficavam em toda a volta da cadeira reclinada. Por trás dos mesmos havia uma luz muito fraca, que apenas deixava ver os contornos de um recinto parecido com um pavilhão. Do meio daqueles aparelhos surgiu a figura de um anão corcunda. Como se fosse atingido por um coice, a memória voltou para Tronar. E sentiu vergonha. Ele traíra e denunciara Rakal. *** Korpel não pôde deixar de aproveitar a oportunidade para explicar-lhe o método de interrogatório. — O forte estímulo de um desdobramento qualquer da personalidade faz com que a pessoa sujeita ao tratamento viva, literalmente, coisas que o encarregado da execução do processo escolheu para atender às necessidades especificas do interrogatório. No seu caso, foi necessário estimular o seu próprio instinto de conservação até um nível em que acabou pronto para trair e denunciar até mesmo a pessoa que lhe é mais cara. Ele deu uma risadinha irônica e olhou Tronar, como quem está se divertindo muito. — E foi exatamente o que fez. Denunciou o seu irmão. Eu sei exatamente onde ele se encontra e como ele foi trazido até aqui. Uma cólera indescritível cresceu dentro de Tronar, fazendo com que tentasse erguer-se da cadeira. Ele não estava nu, como acreditara na sua alucinação. Vestia o seu macacão, porém o traje de combate e as armas lhe haviam sido tirados pelo anão. Não estava mais invisível. E tinha apenas as suas mãos para atacar e se defender. Mas isso, neste momento, não contava. Qualquer consideração era sobrepujada pela raiva tremenda que ele sentia daquele indivíduo horrivelmente feio. Precavido, Korpel deu dois passos para trás. Os seus olhos, muito grandes, se iluminaram. — Ótimo, assim, terrano! — gritou ele, com sua voz estridente. — Continue, continue assim! Tronar chegou a levantar-se. Os cabos coloridos pendiam-lhe da cabeça e dos ombros. Tentou livrar-se deles, porém estavam presos ao seu corpo, e cada movimento ocasionava-lhe uma dor muito viva. Com um grito furioso, ele jogou-se para a frente. E escorregou por cima da cadeira inclinada. Somente a três metros dele, Korpel estava de pé, a grande cara repuxada numa careta diabólica. Os cabos se esticaram. Tronar sentiu os pés tocarem o chão. Com um movimento rápido, jogou-se para a frente, para agarrar o anão. Neste instante aquilo atravessou-lhe as veias como fogo líquido. Uma dor horrível apagou a fúria que ainda sentira há pouco. Ficou sem forças. Caiu para frente, batendo de rosto no chão. Um estampido oco quase o deixou inconsciente. A dor avolumou-se até uma intensidade que quase lhe roubava o juízo. Sentiu gosto de sangue na boca, nos lábios, e nos ouvidos havia um rumorejar surdo, violento. Fraco e inseguro, conseguiu colocar-se novamente de pé. Os cabos continuavam pendendo dele. Tropeçou por cima deles e perdeu o equilíbrio pela segunda vez. E então ouviu a risada de Korpel. O anão estava fora de si, de tão entusiasmado. Pulava de um pé para o outro, jogando o crânio enorme para trás, e daquela boca escancarada saía uma série rápida de sons altos, inarticulados. Korpel estava rindo. Parecia que ia morrer de rir. Ria como se jamais em sua vida tivesse visto alguma coisa mais cômica que a tentativa que Tronar fizera para libertar-se.
Tronar levantou-se. Aqueles cabos continuavam bamboleando em volta do seu corpo, muito bem afixados. Continuava sentindo aquela dor ardente que a sua queda e aqueles aparelhos estranhos lhe provocavam. Mas a sua raiva violenta parecia ter sido varrida de sua mente. Fora varrida por um ódio frio, superior, como Tronar jamais sentira em intensidade. A dor o deixara sóbrio. O bom senso prevaleceu. Ele percebeu que agora, neste momento, nada poderia fazer contra aquele anão que ria tanto. Ele denunciara, traíra Rakal. Se quisesse livrar-se dessa culpa, precisaria de uma mente clara, fria. Não devia deixar que Korpel conseguisse provocar nele acessos de raiva. O anão sentia, diante de sua cólera impotente, um prazer sádico. Por isso, o instigava. Ele tinha que tomar cuidado. Voltou para a cadeira inclinada. Korpel continuava rindo — uma risada estridente que chegava a doer nos ouvidos de Tronar. Estava tremendo quando se deitou, um tanto de dor, e outro tanto devido à fúria que tentava por todos os modos abafar. Mas a sua mente trabalhava a mil. Ele denunciara Rakal. Conhecia o tipo de interrogatório ao qual Korpel o submetera. Ele desligava o consciente e produzia, no inconsciente, imagens e cenas, que a pessoa que estava sendo interrogada acreditava estar vendo e vivenciando realmente. Pelo fato do método trabalhar no inconsciente, era fácil despertar impulsos que, em outras circunstâncias, seriam abafados pelo bom senso do interrogado. Deste modo, Tronar ouvira sem pestanejar o seu instinto de conservação, quando lhe fizeram crer que ele certamente morreria enquanto seu irmão Rakal se safaria, livre e sem nada sofrer. A alucinação foi tanto mais fácil de ser executada porque a situação real, verdadeira, do que acontecera antes do interrogatório, no fundo, se assemelhava àquela encenada. Ele estava aqui, prisioneiro, enquanto Rakal se encontrava em liberdade. Tronar não tinha qualquer possibilidade de avaliar o quanto ele denunciara. Os gritos terríveis que ele emitira, quando as feras de escamas ameaçavam devorá-lo, eram tanto alucinações quanto os próprios monstros. Na realidade ele falara, porém coisas bem diferentes que aquelas das quais se lembrava. Seguramente Korpel não teria se contentado com coisas pela metade. Se ele agora gastava tanto tempo para rir de sua vítima, isso só podia significar que obtivera tudo aquilo que queria. Portanto também sabia que ele combinara com Rakal transmitir um curto sinal pelo microcomunicador, logo que tivesse encontrado o esconderijo de Frasbur. O microcomunicador, junto com os seus aparelhos restantes, fora-lhe tomado. Era muito simples raciocinar o que Korpel pretendia fazer agora. Ele daria o sinal, depois de haver tomado as devidas providências. Rakal acabaria preso numa armadilha, tão eficaz como aquela que pusera Tronar fora de combate. Devagar, Korpel foi se acalmando. Finalmente emitia ainda apenas alguns sons inarticulados. E aproximou-se da cadeira inclinada. Aquele ataque de riso parecia tê-lo enfraquecido — parecia exausto. Uma grossa camada de suor cobria-lhe a testa. — Isso foi incrível, terrano — disse ele. — Uma delícia. Acho que nós dois juntos ainda vamos nos divertir muito. Tronar olhou fixamente à sua frente e não respondeu. Ele denunciara, traíra Rakal, e não havia nenhuma possibilidade de penitenciar-se por sua traição. Korpel sabia de tudo. Bastaria que desse o sinal e Rakal estaria tão perdido quanto ele. ***
Os preparativos tomaram tanto a atenção de Rakal que ele nem percebeu o que lhe ia em volta. Havia muita coisa a fazer e ele não podia perder um segundo sequer. A cada instante o sinal pelo qual esperava poderia chegar. Sob o manto da invisibilidade ele conseguira apanhar, num monte de sucata e lixo à beira do campo de pouso, onde os lemurenses costumavam atirar seus aparelhos inúteis, uma barra de metal, da altura de um homem. Era fina, mal tendo o diâmetro de um polegar, e tão comida pela ferrugem, que a sua cor se adaptava perfeitamente à cor cinzenta do ambiente do enorme campo de pouso. Bem para fora, a mais de dois quilômetros de distância dos edifícios mais próximos, ele usou a sua arma energética para queimar um minúsculo furo no piso do campo de pouso, e enfiou a barra de metal no mesmo. Depois afastou-se cerca de meio quilômetro, procurando cuidadosamente manter a barra de metal sempre à sua vista. De sua nova posição, ele transmitiu uma onda goniométrica na sua direção. Ligou o microcomunicador para potência de transmissão mínima, envolveu-se naquela onda fortemente enfaixada de hiper-rádio e materializou bem junto da barra de metal. Sua antena provisória funcionava. Do momento em que ele se entregara à hiperonda, até aquele em que, perto da barra de metal, novamente pôde ver suficientemente claro para poder olhar o relógio, havia se passado um segundo e meio. Esta era uma constatação muito importante. Ela confirmava que as esperanças ainda não estavam totalmente perdidas, de modo algum. Ele agora possuía um ponto fixo confiável, e sabia que podia alcançá-lo em curtíssimo espaço de tempo. Com isto, os preparativos haviam chegado ao fim. Daqui para frente, o importante era conseguir paciência para esperar. O sol subia cada vez mais no céu. Rakal, que ainda não reativara o seu campo energético, para que nenhum ruído lhe escapasse, sentiu aquele calor penetrar o seu corpo. Havia suor na sua testa. Ele poderia ligar a aparelhagem de ventilação do traje protetor, não o fez, porém, pois temia que o campo de perturbação do gerador pudesse devorar o sinal pelo qual ele esperava. Na base militar da frota, o tráfego continuava escasso como no dia anterior. Passavam-se horas sem que ocorresse um pouso ou uma decolagem. Os edifícios à beira do campo e as pirâmides que brilhavam, avermelhadas, pareciam estar envoltas numa paz e silêncio, como se a guerra mortal contra os halutenses estivesse se desenrolando numa galáxia muito distante. Mesmo o tráfego de solo era quase nulo. Só um ou outro planador aproximava-se da beira do campo de pouso. Visitantes solitários entravam nos edifícios, para logo depois reaparecerem, tomarem os seus veículos e partirem novamente. O calor e o silêncio davam sono. Rakal, que se acocorara no chão liso, tão comodamente quanto possível, ergueu-se para dar alguns passos. Ele agora não podia adormecer. De repente, sentiu um turbilhão caótico de emoções, que o tomou integralmente. Tronar voltara a si! Ficou parado e fechou os olhos, para poder concentrar-se melhor. A recepção era pouco clara. Tronar parecia não ser senhor dos seus sentidos. Sentia medo, um medo horrível, de morte. E naquele medo misturava-se uma centelha, muito pequena, de esperança, que, entretanto, ficava cada vez mais fraca, à medida que passava o tempo. Parecia que Tronar estava fugindo de alguma coisa, e que, cada vez mais, dava-se conta de que não conseguiria escapar.
E então aconteceu uma reviravolta. A sensação de medo desapareceu. Em seu lugar apareceu a de espanto, perplexidade. E naquele espanto vinham, envolvidos, sentimentos de vergonha e de raiva. A raiva acabou sobrepujando a vergonha. E tornou-se tão forte que sua captação chegou a produzir dores em Rakal. Segundos mais tarde, aquele sentimento de raiva desapareceu, repentinamente. Depois de curto espaço de tempo, em que pôde sentir uma mistura de dor e perplexidade, a recepção tornou-se mais fraca. Tronar conseguira controlar-se novamente — estava frio e ponderado outra vez. Rakal acreditou sentir como ele procurava afastar, à força, tudo aquilo que incomodava seus pensamentos. Uma leve nuance de desespero sobrou. Rakal não teve dificuldade de representar-se a situação em que o irmão devia encontrar-se. He fora interrogado. Os métodos de interrogatório dos lemurenses, eram tão eficientes que ele não poderia resistir aos mesmos. Sabia que ele denunciara, traíra o irmão, Rakal. Por isso, este repentino acesso de raiva. E agora Tronar estava pensando em como poderia novamente tirar a desforra. E estava tão febrilmente ocupado com isto, que não prestou atenção no que lhe ficava mais próximo. Pelo fluxo fraco de suas emoções, Rakal podia facilmente deduzir que Tronar não levava em consideração a possibilidade de poder comunicar ao irmão, através de contato emocional, em que situação se encontrava. Os planos de Rakal, por isso, foram mudados. Ele fez uma rápida tentativa de dirigir a atenção de Tronar para a sua pessoa — mordendo simplesmente a língua, e provocando uma dor lancinante, que Tronar, normalmente, devia perceber — porém o irmão estava demasiadamente ocupado com seus próprios pensamentos, para ter percebido o sinal. E o sinal modificou-se, pela terceira vez. A tensão interna de Tronar parecia esmorecer. Ele se relaxava. Ao mesmo tempo parecia ganhar confiança, coragem. Um sentimento de enorme otimismo, de bom humor irradiante, misturou-se ao fluxo das emoções. Rakal prestou atenção, apurando o ouvido. O plano de Frasbur entrara na fase final. Ele poderia contar com o sinal de rádio a qualquer momento. *** O próprio Tronar ficou surpreso. A tensão terrível que o mantivera totalmente subjugado, repentinamente desapareceu. Sentia-se livre e despreocupado, totalmente livre de problemas. Pareceu-lhe ridículo que, segundos antes, ele ainda quebrara a cabeça, de como poder ajudar Rakal. Rakal era inteligente, mais inteligente que ele. Ele mesmo trataria de se ajudar. Tronar olhou em volta. Korpel, o anão, sumira. O grande recinto, parecendo um pavilhão com os seus estranhos instrumentos, estava em silêncio. Meio divertido, Tronar perguntou-se onde, em relação ao esconderijo subterrâneo de Frasbur, devia estar situado este pavilhão. Com uma espécie de surpresa afável ele verificou que não sentia hostilidade nem contra Frasbur, nem contra Korpel. Lembrava-se, entretanto, que ainda há pouco tempo ele odiara Korpel do mais profundo do seu coração e, no que dizia respeito a Frasbur, estivera convencido de que o mesmo deveria ser liquidado o mais depressa possível.
Uma leve suspeita ergueu-se no mais profundo de sua consciência. Como era possível que ele pudesse sentir deste modo, tão repentinamente? O que acontecera para transformar seus sentimentos exatamente para o contrário? A forte sensação de confiança que ele sentia, quis impedi-lo de continuar pensando nesta questão. Porém a mente treinada de Tronar saltou deste obstáculo. Depois de ter enfrentado seriamente o problema, ele o solucionou em poucos segundos. Ele continuava ligado àqueles cabos coloridos. Quando tentou atacar Korpel, eles lhe haviam causado dor. Agora eles lhe insuflavam confiança e segurança. As máquinas, de onde estes saíam, eram psicogeradores que podiam provocar qualquer sentimento desejado no subconsciente de suas vítimas. No momento estavam colocando-o num estado de alegre despreocupação. Ele sabia por quê. Durante o interrogatório ele não apenas revelara a Korpel onde o seu irmão se encontrava, porém também contara do contato emocional que o ligava ao irmão. Korpel imediatamente reconhecera o perigo. Se ele desse o sinal de microcomunicador combinado, Rakal não reagiria ao mesmo, porque conhecia o estado de espírito de Tronar. Portanto os sentimentos de Tronar precisavam ser modificados, Precisavam dar a impressão de que Tronar já não se encontrava mais em perigo. Somente então Rakal seguiria o sinal. Como fora fácil para o anão afastar o perigo! Bastou-lhe girar um botão, e já o prisioneiro encontrava-se no estado de espírito desejado. Por um segundo a ira em Tronar tornou-se tão forte que ameaçava afogar aquelas ondas de euforia. Mas logo a máquina prevaleceu. Tronar sabia que ele traíra e denunciara o irmão. Porém não conseguia, de modo algum, sentir-se inquieto por isso. *** Rakal reagiu imediatamente, quando o sinal chegou. Ele testara cada um de seus movimentos pelo menos uma dúzia de vezes, e os dominava inteiramente no seu subconsciente. Quando sentiu o ruído do hiperimpulso, suspendeu rapidamente a mão direita. Na escala do aparelho microcomunicador, semelhante a um relógio de pulso, o ponteiro da posição de antena movimentou-se parando em 032126. Rakal esperou meio segundo, para registrar aquela cifra na memória. Depois ativou o seu próprio transmissor e saltou. Um segundo e meio depois ele estava de pé, junto de sua antena provisória. O processo foi repetido. A sensação tilintante, de comichão, ainda estava presente. O hiperimpulso que devia atraí-lo aos braços de Frasbur continuava, insistente. A antena teve a oscilação pendular pela segunda vez. Rakal leu 035124. Ele não se arriscaria. Parou o ponteiro da antena, de modo que o mesmo estacionou no valor mostrado da última vez. Depois tirou um pedaço de laminado para escrever do bolso e anotou a cifra, que lera antes do seu salto — 032126. Por baixo desta escreveu a segunda, depois soltou o ponteiro. Os números davam um código angular, que representava os ângulos laterais e longitudinais das respectivas posições da antena. Com resultados de medição de dois locais diferentes, Rakal estava com possibilidade de determinar exatamente a direção e a distância do ponto, do qual o sinal traidor fora emitido. Ele fazia questão de conhecer a direção. Pois queria medir a intensidade do impulso, ao que se incorporaria, de tal modo que terminasse muito próximo do ponto de chegada. Ele não se interessava em ultrapassar a meta, e talvez ser captado, do outro lado de
Kahalo, pela antena de alguma pequena estação transmissora. Ele precisava assegurar-se de que a sua viagem terminaria no ponto que não ficasse muito afastado do ponto em que Tronar se encontrava no momento. Ele decifrou o código angular e determinou a distância. Depois ajeitou a antena do microcomunicador. Por dois segundos ele hesitou, raciocinando o que poderia acontecer, se o seu salto não desse certo. Finalmente ele afastou todos os pensamentos supérfluos e forçou a concentração necessária. Apertou o botão de ligação do pequeno transmissor e desmaterializou ainda no mesmo segundo. *** A sensação de bem-estar terminou. Uma vaga violenta de sentimento de culpa engolfou Tronar. De repente ele estava sentindo novamente o antigo ódio contra Korpel, o anão, e estava convencido, como sempre estivera, que Frasbur tinha que ser aniquilado. Estava perturbado, mas não teve tempo de preocupar-se com a estranha modificação de seus sentimentos. Vindo da meia-escuridão que havia por trás dos aparelhos, apareceu Korpel, muito apressado, e terrivelmente furioso. Com um grito ensandecido ele colocouse diante de uma das máquinas, começando a manipular as suas chaves. — Você não vai me enganar, terrano! — gritou ele com a sua voz ainda mais estridente. — Dou-lhe dois minutos — e você vai arrepender-se do fundo de sua alma, por ter me ludibriado! Ele estava fora de si. Enquanto girava as chaves, ondas de dores lancinantes queimavam o corpo torturado de Tronar. Ele empinou-se e gritou, mas aqueles cabos coloridos de repente pareciam algemas de aço, que o retinham na cadeira. A dor fazia fluir-lhe o sangue pelas veias como se fosse chumbo derretido, e o seu crânio havia uma ressonância enlouquecedora, como de martelos batendo furiosamente num tambor de metal. E naqueles ruídos misturavam-se os gritos repelentes de Korpel. Mais tarde, Tronar perguntava-se como tinha suportado aquela tortura. Mas nunca encontrou a resposta. De qualquer modo ele ainda estava bem consciente, quando a dor, de repente, diminuiu. Korpel curvou-se por cima da cadeira inclinada, e Tronar sentiu o seu mau hálito enquanto ele falava. — Isso é somente um aperitivo, terrano — sibilou ele. — De algum modo você conseguiu fazer frente aos métodos do interrogatório. Você mentiu. O seu irmão deveria ter materializado há dois minutos atrás da antena do seu microcomunicador. E não o fez. Tronar quis retrucar. Queria explicar a Korpel que falara a pura verdade. Porém só conseguiu emitir um gemido torturado com a boca. A tortura o deixara tão queimado que a língua parecia-lhe um pedaço de ferro enferrujado contra o céu da boca, e suas cordas vocais falharam lamentavelmente. — Você ainda tem um minuto e meio de tempo — disse Korpel. — Durante este tempo ficará livre de dores. O cronômetro nos psicogeradores está correndo. Dentro de exatamente um minuto e vinte e cinco segundos, os aparelhos começarão a funcionar. E o que você vai sentir então tomará uma bricandeira de criança tudo que sentiu até agora. Pense bem nisso. Você poderá poupar-se dessa tortura. Ainda tem um minuto e quinze segundos de tempo. Basta falar e dizer-me a verdade, e tudo terá terminado! Tronar fechou os olhos. Não conseguia suportar mais a visão daquela careta enorme, horrível diante de si. Engoliu e forçou um pouco de saliva pela garganta. Abriu a
boca e tentou dizer algumas palavras. E conseguiu. Suas cordas vocais estavam funcionando outra vez. — Você é a criatura mais nojenta — gritou ele, furioso — que eu jamais vi! Korpel deu um grito. Era um grito frenético, histérico. Tronar viu quando ele se voltou correndo para os aparelhos. Viu-o esticar o braço para alcançar uma alavanca e retesou os músculos à espera da tortura que certamente viria. E então aconteceu algo inexplicável. O braço de Korpel esticara, para tocar a chave de comando, foi jogado para o alto, violentamente. A violência do golpe fez o anão girar duas vezes em torno de si mesmo. Durante um ou dois segundos ele ficou quieto, parado, a grande cara repuxada numa careta de medo e perplexidade. Depois deu um grito estridente. Jogou-se para um lado e começou a correr. Porém alguma coisa atravessou-se no seu caminho. Ele tropeçou e foi ao chão, violentamente. Ainda antes de poder levantar-se novamente, alguma coisa invisível agarrou-o pelos ombros, e colocou-o de pé. Tronar viu que Korpel se esforçava para livrar-se daquela mão invisível. Porém, o que quer que fosse que o segurava — era mais forte que o anão. Ainda antes de Tronar poder recuperar-se do seu enorme espanto, uma voz muito sua conhecida disse na língua tefrodense: — Com isso, o espetáculo acabou! Por trás de Korpel apareceu uma coisa, que, no primeiro momento, parecia uma enorme bolha de sabão. E a figura alta de Rakal como que se descascou daquela meialuz. Ele estava com as mãos colocadas nos ombros de Korpel, segurando-o firmemente. Completamente exausto, Tronar recostou-se na cadeira reclinada. *** Rakal materializou de dentro da caixa de uma aparelhagem estranha que estava encostada à parede de um recinto, que parecia um pavilhão mal iluminado. Não tinha tempo para orientar-se. Diante dele ouviam-se vozes muito altas, e uma delas era a do seu irmão. Ele ouviu as ameaças do anão, e a resposta de Tronar. Viu o anão correr para um dos aparelhos, que estava em volta do cadeirão de Tronar. Não era preciso muita imaginação para saber o que o corcunda pretendia fazer. Tronar estava ligado aos aparelhos por uma dúzia de cabos em toda a volta. Os aparelhos eram psicogeradores, que serviam a fins de interrogatórios. O anão queria saber por que a sua tática dera errado. Rakal não deixou que ele chegasse a isso. Conseguiu agarrá-lo ainda antes do mesmo ter alcançado as alavancas que acionavam os geradores. O anão reagiu com surpreendente rapidez. E quase conseguira escapar. Rakal, entretanto, deu-lhe uma rasteira, fazendo-o cair. Dali em diante cuidou melhor dele. Depois desligou o defletor. E ficou visível. Viu Tronar caindo, exausto, no cadeirão, do qual se erguera um pouco, durante a confusão. Ele pegou o anão pela gola, puxando-o atrás de si, enquanto se dirigia para o cadeirão de torturas. Tronar estava consciente. Olhou-o de olhos muito abertos e murmurou: — Você tem direito a um saco enorme de agradecimentos, mano. Sem largar o anão, Rakal examinou as sondas, que na extremidade dos cabos coloridos se fixavam à pele de Tronar. Pegando-as com força, era possível arrancar as mesmas. Retirou-as todas, jogando os cabos para um lado. Depois ajudou Tronar a pôr-se de pé. — O que é isso? — perguntou ele, apontando para o anão.
— Isso é Korpel — respondeu Tronar — a criatura mais feia e mais pérfida e manhosa que eu jamais vi. Não sei exatamente quais são as suas funções, mas é provável que seja guarda-costas de Frasbur, o seu homem de confiança. — Logo vamos saber disso — afirmou Rakal, afastando Korpel com um braço, de modo que este tinha que olhá-lo de frente. — Este homem aqui está sem algumas coisas de seu equipamento — disse ele na língua tefrodense, apontando para Tronar. — Quero saber onde você as escondeu. Korpel lançou-lhe um olhar rápido, com seus olhos grandes, cheios de ódio. E toda a sua reação foi essa. — E depois nós queremos saber onde podemos encontrar Frasbur e que papel você tem na sua corte — continuou Rakal, como se o interrogatório tivesse correndo inteiramente de acordo com os planos. Korpel ergueu os ombros. — Eu sei que você não tem a menor intenção de responder a nossas perguntas — disse Rakal, num tom de voz macio. — Felizmente este recinto está apetrechado de modo que não precisamos nos preocupar com a sua teimosia tola. Agora você terá oportunidade de verificar o gosto do seu próprio remédio! Com um impulso violento ele ergueu Korpel do chão, jogando-o em cima do cadeirão inclinado. Ainda antes do anão dar-se conta do que lhe estava acontecendo, a maioria das sondas já estavam firmemente coladas à sua pele. Ele começou a espernear e gritar, porém quanto mais ele se movimentava, mais fortemente as sondas sugavam-se ao seu corpo. Rakal segurou-o firmemente, e terminou de colocar os cabos restantes. Sem prestar atenção à gritaria furiosa de Korpel, dirigiu-se ao aparelho diante do qual agarrara o anão. Korpel gritou: — Seu terrano idiota! Jamais vai entender como estes aparelhos são comandados! Rakal não respondeu. Ele sabia como os psicogeradores funcionavam. O princípio era igual em toda parte — não importando que tecnologia construíra os aparelhos. Ele leu algumas indicações em lemurense por baixo das alavancas e chaves de comando e dos instrumentos de medição. Depois apertou um botão. Os gritos de Korpel cessaram no mesmo instante. Sem um gemido o anão empinouse muito. Rakal apertou um segundo botão. Korpel caiu de volta no cadeirão. Ele mantinha os olhos semicerrados, mas ainda estava consciente. Rakal colocou-se ao seu lado. Korpel informou sobre tudo. Revelou onde escondera o traje protetor de Tronar e onde ficavam os aposentos secretos do Grão-Mestre-Conselheiro. Informou sobre si mesmo, e sobre o ódio que tinha de tudo que vinha de Terra. Acabou fazendo piadas zombeteiras a respeito dos poderosos senhores da galáxia, que o tinham como um dos seus agentes mais importantes, sem imaginar que ele os odiava do fundo do seu coração. E conseguiu ainda terminar a sentença. Antes de poder iniciar a seguinte, aconteceu alguma coisa. Korpel escancarou a boca, violentamente. Parecia que ia gritar, porém só um som estertorante, um gemido, saiu-lhe dos lábios. Ele estremeceu e de repente ficou deitado, muito quieto, numa posição retorcida, grotesca. Os olhos, grandes e escuros, esbugalhados além do natural, fixavam, vazios, o alto. Rakal voltou-se. — Morto, por ativador — verificou ele, calmamente. — Korpel provavelmente devia ter mesmo cinqüenta mil anos terranos, conforme ele afirmava — porém contra os senhores da galáxia ele nada podia.
— Você quer dizer que ele tinha um ativador implantado no cérebro — sob a caixa craniana? — perguntou Tronar, abalado. — Os sintomas são típicos — respondeu Rakal. — Em algum lugar na Nebulosa de Andrômeda há uma máquina que, através de uma técnica que nós ainda não conhecemos, registra as emissões cerebrais de todos os portadores de ativadores. Quando Korpel falou do seu ódio pelos senhores da galáxia, ele tornou-se culpado do pior dos crimes que se conhece até onde alcança o império do seu poder — a rebelião contra a sua mais alta autoridade. A máquina registrou isto, e desfechou o golpe. Tronar lançou um último olhar ao cadeirão. De repente Korpel não lhe parecia mais aquele monstro nojento, que ele até então vira nele. Era uma pobre criatura, digna de pena, que se achara maior do que era na realidade — nascida para odiar e condenada ao insucesso. Nunca Tronar vira mais claramente que agora o sinistro poder que os senhores da galáxia representavam. Rakal carregou-o consigo. Encontraram o lugar onde Korpel escondera o traje de Tronar. Tronar vestiu-se. Ambos ligaram novamente o campo defletor e ativaram os seus campos energéticos. Depois, Rakal voltou-se para a parede dos fundos do grande recinto. — O anão afirmou — Tronar ouviu a sua voz através do receptor do capacete — que por trás desta parede, em algum lugar, há uma saída, que vai dar no Pavilhão Memorial de Frasbur.
6 Eles encontraram a saída. Atrás da mesma estendia-se um corredor curto, mas largo e muito bem iluminado, que depois de poucos metros terminava numa porta de tamanho excepcional. Rakal aproximou-se da mesma, desligou o seu campo energético por um instante, e os dois pesados batentes da porta rolaram, cada um para um lado, diante dele. Por trás da porta ficava um aposento baixo, muito comprido. Uma fileira de placas luminosas, embutidas no teto, iluminava o mesmo suavemente. À direita e à esquerda, junto das paredes, havia cadeirões inclinados semelhantes àqueles em que Tronar sofrerá o interrogatório de Korpel. Rakal reconheceu o vestíbulo. Ele já estivera aqui uma vez. Naquela ocasião, dúzias de lemurenses estavam deitados nas cadeiras, apáticos e parados, entregues ao seu destino, esperando apenas para serem levados a bordo de uma espaçonave tefrodense, para servir, cinqüenta mil anos no futuro, como moldes, através dos quais os senhores da galáxia fabricavam andróides em suas linhas de montagem. Agora o recinto estava vazio. Os lemurenses já haviam sido despachados. Logo aqueles leitos provavelmente estariam cheios novamente, pois as necessidades dos senhores da galáxia por duplos era insaciável. Seguido por Tronar, Rakal atravessou aquele vestíbulo comprido. Agora sabia exatamente onde se encontrava. Korpel dissera a verdade. Eles não estavam mas muito longe do esconderijo cuidadosamente guardado de Frasbur, o Pavilhão Memorial. De acordo com o depoimento de Korpel Frasbur ocupava todo um complexo de salas e corredores de ligação, a cerca de dois mil e quinhentos metros abaixo da superfície de Kahalo. O Pavilhão Memorial era apenas uma parte deste complexo. E tudo era garantido, em todas as direções, por complicados equipamentos de proteção e defesa. Ninguém, com exceção de Frasbur, tinha uma idéia do tamanho daqueles recintos. Ninguém sabia a que fim servia o esconderijo subterrâneo. Na superfície dizia-se que Frasbur queria proteger-se contra um ataque de surpresa dos halutenses. Isto era suficiente como explicação. Um Grão-Mestre-Conselheiro tinha uma posição tão elevada acima de qualquer outro lemurense, que se aceitavam suas decisões e manias sem questioná-las. Frasbur vivia aqui embaixo, e ninguém tinha nada que preocupar-se com isso. A porta na outra extremidade do vestíbulo não ofereceu resistência. Rakal atravessou a mesma e se encontrou num aposento pequeno, luxuosamente mobiliado e decorado. Numa das paredes havia um enorme telão, que mostrava uma parte da base militar de apoio, na superfície. Algumas poltronas muito confortáveis estavam espalhadas a esmo pela sala, sendo que uma delas junto a uma mesinha, sobre a qual havia um cubo de metal opaco. A porta que eles haviam atravessado rolou de volta, fechando-se. Ela era trabalhada de tal modo que formava parte integrante da parede, não podendo ser distinguida da mesma. Rakal olhou em volta, muito devagar. A sala possuía calefação. Algumas ninharias insignificantes — uma pegada no grosso tapete que cobria o chão e uma nuance de um odor estranho — denunciavam que há bem pouco tempo alguém estivera neste recinto. A mobília dizia tudo. Frasbur, Grão-Mestre-Conselheiro e agente do tempo, usava esta sala para descansar de seus negócios cansativos.
Na parede do outro lado do telão de vídeo havia uma segunda porta. Rakal aproximou-se dela. Mas ela nem se mexeu, uma vez que ele estava com o seu campo energético ligado, e o sinal de ultra-som que o mecanismo da porta irradiava era absorvido em vez de ser refletido. Ele colocou a mão na almofada da porta e sentiu que a mesma vibrava baixinho. Do outro lado desta porta ficava um aposento em que havia máquinas funcionando. Ele hesitou só por um momento. Se Frasbur estivera nesta sala há pouco tempo atrás, era possível que ele agora estivesse lá fora. Rakal não tinha a menor idéia do que encontraria do outro lado da porta — se Frasbur poderia notar quando a porta se abrisse. Ele tinha que correr o risco. Eles já tinham perdido tempo demais. Chamou Tronar. Ambos deixaram prontas para atirar suas armas energéticas. Depois Rakal desligou seu campo energético. Pela fração de um segundo o feixe de ultrasom do mecanismo da porta atingiu um campo refletor. A porta deslizou para o lado. Ainda enquanto Rakal, dando um pulo enorme, a atravessava, abarcou com os olhos tudo que havia para ver em volta. Encontrava-se num recinto largo, muito iluminado, dominado por dois imensos aparelhos. Um deles ficava à direita, a cerca de dez metros da porta, através da qual eles haviam entrado. Era o console de comando de um gigantesco hipercomunicador, um complexo de formato cônico, que se elevava do chão numa circunferência de oito metros, diminuindo enquanto subia para o alto, até desaparecer no teto a cinco metros de altura. O outro — um cubo, que cabia exatamente entre o chão e o teto, tendo alguma coisa de semelhança com um gerador de fusão terrano — achou Rakal, com uma rápida olhada. Ele vira que, ao lado do console de hipercomunicação alguma coisa se mexeu. Dirigiu-se para mais perto. Tronar seguiu-o imediatamente. A porta já se fechara de há muito atrás deles. Parecia que ninguém notara a sua presença. Ele seguiu a curva do cone. Depois de alguns passos, a parede diante dele tinha uma sinuosidade, formando um nicho. No nicho havia um pequeno console de comando, com uma poltrona confortável por trás. As lâmpadas de controle do console estavam acesas. O transmissor estava funcionando. Bem perto, por cima do console, havia um telão de vídeo, no qual podia ver-se a figura de um homem em trajes estranhos. E na poltrona estava sentado Frasbur, um pequeno microfone na mão, falando. Rakal desligou o seu campo energético e ouviu-o dizer: — Maghan — as coisas estão se desenvolvendo satisfatoriamente. Houve um pequeno incidente, porém o perigo, ocasionado pelo mesmo, já foi removido. Dois agentes terranos conseguiram penetrar, escondidos, em Kahalo. O servo que o senhor, Maghan, mandou comigo, está cuidando do caso. Um dos dois ele já agarrou, e o outro certamente não demorará em ser capturado. Alguma coisa tocou alarme na consciência de Rakal. Korpel admitira que haviam sido os próprios mestres da galáxia que o haviam mandado para Frasbur. Isto significaria que o homem na tela de vídeo, a quem Frasbur proporcionava o tratamento de “Maghan”, o tratamento mais respeitoso da língua tefrodense-lemurense, era um dos mestres? Rakal olhou o desconhecido tão fascinado que deixou de ouvir uma pequena parte da conversa. O estranho era alto e delgado. Tinha um rosto magro, ascético quase, que testemunhava de sua superioridade, autoconsciência e segurança autoritária. Ele vestia um uniforme prateado. Bem no meio do peito havia um símbolo vistoso. Mostrava duas galáxias, repousando num fundo escuro. Como despertando de um sonho, Rakal ouviu:
— ...não se deter com ninharias. Eu espero o seu próximo transporte de lemurenses escolhidos. A situação no centro da segunda galáxia não é sem problemas. Precisamos de milhões de tripulações de espaçonaves. Trate de tomar as providências para que estas necessidades sejam cobertas dentro do menor tempo possível. E lembre-se bem disso — de cada lemurense saudável, nós podemos fabricar até dois milhões de vigorosos andróides. Com isto, todas as dúvidas se evaporaram. O homem de uniforme prateado era um dos mestres! Ele exigia mais lemurenses de Frasbur, que deveriam servir como moldes para os seus multiduplicadores. Destes moldes ele fabricaria andróides — com a mesma facilidade com que um fotógrafo terrano tira cópias de um negativo. Rakal recuou. O restante da conversa não interessava mais. O plano de prender Frasbur e levá-lo a bordo da Crest, teria que ser cancelado. Aqui oferecia-se uma oportunidade bem mais interessante, para ajudar a nave que fora catapultada ao passado. Quando se afastara tanto do console, que Frasbur não teria mais possibilidade de ouvi-lo, ele murmurou a Tronar: — Aqui está nossa maior oportunidade! Nós vamos nos incorporar na onda, você entendeu? Ofegante, de tão tenso, Tronar respondeu: — Claro. O homem no telão é... ele é...? — Ele é! — interrompeu-o Rakal frisando bem as palavras. — Nós teremos nossa primeira chance de ver um mestre da galáxia, cara a cara! Ele concentrou-se no leve tilintar que se irradiava do feixe de ondas do poderoso hipertransmissor. Ele sentiu a atração do forte feixe de ondas, e incorporou-se ao mesmo. Tronar o seguiria. Ele tinha certeza disso. *** O Eminente Grão-Mestre-Conselheiro Frasbur ficara um pouco perturbado com a conversa que mantivera com o seu mais alto superior. Ele recebera, sem rodeios, um carão. Sua tarefa era a de arrancar moldes para os multiduplicadores tefrodenses, e não a de caçar terranos. Frasbur deu-se conta de que dera importância demasiada aos dois terranos que haviam penetrado em Kahalo. Ele estava protegido contra toda e qualquer eventualidade. Não fora a preocupação com sua segurança, mas a alegria da caçada, que o levara a dar sua atenção integral aos dois agentes. Em vez disso ele devia ter tratado de aprontar uma nova remessa de lemurenses... Frasbur voltou à sua pequena sala particular, dizendo-se que os senhores da galáxia não teriam, de agora em diante, mais qualquer motivo para queixar-se dele. De agora em diante ele se dedicaria à sua verdadeira tarefa. Korpel, sozinho, era homem suficiente para liquidar os dois terranos. Bastaria que lhe dissesse que agora, neste assunto, ele tinha carta branca. Ele levantou-se, apertou um lugar num painel da parede, e logo apareceu um videofone. Ao retirar o fone do gancho, a tela iluminou-se mostrando uma parte do pavilhão, no qual Korpel interrogava o primeiro agente terrano. Korpel não respondeu. Frasbur sabia muito bem que o sinal estridente do intercomunicador era ouvido até o ponto mais distante do pavilhão. Sentiu-se inquieto. Korpel não podia ter deixado o pavilhão sem avisá-lo. Ele ainda devia estar lá. Mas, se ele não respondia...
Um instante mais tarde, Frasbur estava a caminho do pavilhão. Com passos largos, urgentes, ele atravessou o recinto comprido, no qual normalmente costumava abrigar os lemurenses prontos para o transporte. Ao abrir a porta do pavilhão, logo ouviu o zunir familiar das máquinas. Chamou Korpel pelo nome, mas o anão não respondeu. Muito agitado, ele adiantouse rapidamente pelo círculo de psicogeradores que Korpel reunira em volta da cadeira reclinada, na qual costumava amarrar suas vítimas. A visão que teve logo em seguida fez com que o sangue lhe gelasse nas veias. Chocado, ele ficou parado. O corpo disforme de Korpel, com dúzias de cabos coloridos bamboleando à sua volta, oferecia um quadro horrendo. Os seus grandes olhos escuros fixavam, muito abertos, o nada. Depois de recuperar-se do primeiro choque, Frasbur aproximou-se cuidadosamente do cadeirão. Korpel estava morto, disso não havia a menor dúvida. Ainda assim Frasbur tinha dificuldade de entendê-lo. Ele se acostumara ao anão, como a alguém de quem sabia que estaria por perto de agora até todo o futuro. Não simpatizava com ele. Mas tinha que confessar que ele lhe fora muito útil. E agora ele estava deitado, diante dele — imóvel, morto. Frasbur levou algum tempo até compreender a verdadeira significação do incidente. O agente terrano, que Korpel interrogara aqui, desaparecera. Talvez fora libertado pelo segundo, a quem Korpel tentava localizar. Quanto mais Frasbur pensava nisto, mais plausível lhe parecia esta possibilidade. Ambos tinham a capacidade de se tornarem invisíveis. Com isto, portanto, tinham total liberdade de locomoção. Nem era possível imaginar os danos que eram capazes de provocar. Por um instante Frasbur ficou parado, como que paralisado pelo susto, quando deuse conta de que ambos os terranos bem que poderiam estar muito perto dele, por ali, observando-o, esperando o momento oportuno para golpear. Ele estava desarmado. O medo inundou-lhe a testa de suor. Passaram-se alguns segundos, depois ficou-lhe claro que os invisíveis já o teriam agarrado há muito tempo, se estivessem nas proximidades. Portanto não estavam aqui. Onde estariam? Uma suspeita terrível ganhou forma. Ele mesmo falara, até poucos minutos atrás, com um dos senhores da galáxia. Se os dois terranos puderam entrar, sem serem notados, na sala de radiocomunicações, certamente deviam ter ouvido a conversa deles. E caso se tratasse das pessoas que já haviam penetrado uma vez no seu esconderijo subterrâneo, eles possuíam a capacidade de viajar em ondas de rádio de qualquer estruturação. E neste caso eles se encontravam agora, neste instante, a bordo da espaçonave, da qual Regnal-Orton, um dos senhores da galáxia, falara com ele. Mais depressa do que havia vindo, Frasbur precipitou-se de volta para a sala de rádio. Ativou a formidável aparelhagem do hipertransmissor, e tentou conseguir uma comunicação com a espaçonave de Regnal-Orton. Porém a nave não respondia mais. Já devia ter iniciado a viagem de volta, através do transmissor. *** A espaçonave de Regnal-Orton era uma anã entre as poderosas unidades da frota lemurense, que se movimentavam no espaço em volta de Kahalo. Em forma de torpedo e apenas com um comprimento de trinta metros, a mesma mais parecia uma nave-auxiliar de tamanho médio. Ninguém, à primeira vista, desconfiaria de que na realidade tratava-se de veículo que fora construído para o vôo entre duas vias lácteas.
Regnal-Orton não estavam exatamente satisfeito com o resultado de suas discussões em diversos locais da galáxia lemurense. Sob o disfarce de um embaixador do governo tefrodense, que se estabelecera há cerca de noventa anos lemurenses, todos os caminhos lhe estavam abertos. Entrou em contato, facilmente com os maiorais militares e da administração. Pois os lemurenses, que na sua própria via láctea se opunham aos furiosos halutenses, que os atacavam sem cessar, com sangrentos combates de retirada, tinham Tefa, que agora povoada por suas tropas expedicionárias há menos de cem anos atrás, como um possível ponto para onde fugir e, ainda antes que acontecesse a retirada definitiva, como uma fonte de apoio, de onde, em caso de necessidade, fluiriam homens e material. Sabia-se na Lemúria que os tefrodenses não estavam inteiramente de acordo com o papel que lhes fora atribuído. Admitidamente eram membros da mesma raça, que se batiam com os halutenses, na via láctea lemurense. Admitidamente também, não era por obra e graça dos tefrodenses, mas apenas a conseqüência de uma regra de escolha fixada aleatoriamente, que justamente eles, os atuais tefrodenses, emigraram logo ao início da guerra, encontrando um mundo semelhante à Terra, no qual puderam estabelecer-se em segurança. Mas noventa anos, na vida de um pequeno grupo de colonizadores, é muito tempo. Por isso era absolutamente natural, que preferia-se, em Tefa, não renegar os laços com a Lemúria, mas, na medida do possível, esquecê-los, para não pôr em risco a própria segurança. Os políticos lemurenses, portanto, faziam o possível para não irritar os tefrodenses. O pouco que eles tinham para contribuir à guerra, e que estavam dispostos a fazer, não deveria perder-se. Só por esta razão oferecia-se a todo embaixador do governo de Tefa a mesma medida de deferência e veneração dada a um Grão-Mestre-Conselheiro lemurense. Regnal-Orton usara o seu disfarce para falar com agentes do tempo, que os senhores da galáxia haviam postado em todos os pontos importantes da galáxia lemurense. Quase todos os agentes tinham, ao mesmo tempo, uma alta posição na hierarquia lemurense, que lhes proporcionavam mobilidade e influência. Ninguém sabia qual era a sua verdadeira missão. Ninguém tinha a menor noção de que eles se originavam num tempo que, para os lemurenses, ficava a cinqüenta mil anos no futuro. E naturalmente alguém jamais ouvira falar dos senhores da galáxia. Cinqüenta mil anos depois da guerra contra os halutenses, os senhores da galáxia, por seu lado, estavam envolvidos numa guerra de formidáveis proporções. O seu fantástico império, que abrangia toda a Nebulosa de Andrômeda, estava ameaçado de declínio. Os senhores da galáxia que governavam o seu império, particularmente com a ajuda dos tefrodenses, de repente viam-se ameaçados de todos os lados. Raças que há milênios haviam vivido sob o jugo dos senhores da galáxia, insubordinavam-se, colocando tudo que tinham a serviço da revolução, que serviria para trazer-lhes liberdade. Não que os senhores da galáxia estivessem especialmente inquietos. A sua tecnologia ainda ficava muito acima de tudo que os insurrectos tinham para confrontálos. A revolta seria aniquilada, disso Regnal-Orton não duvidava nem um instante. Entrementes, no entanto, a sua tecnologia altamente desenvolvida não era o bastante. As frotas espaciais dos revoltosos tinham que ser procuradas, enfrentadas e aniquiladas. Para isso eram necessárias algumas frotas. As naves tinham que ser tripuladas. As tripulações tinham que ser superiores, no que dizia respeito ao seu ânimo guerreiro, treinamento e inteligência, aos seus oponentes. Em outras palavras: A maior preocupação dos senhores da galáxia era a de encontrar soldados adequados.
E solucionavam este problema de um modo, que lhes era característico. O papel mais importante nisto era o de um aparelho que recebera, de Perry Rhodan e sua gente, o nome de multiduplicador. O mesmo fabricava, de um ser vivo, um molde, e deste molde confeccionava andróides que eram absolutamente idênticos, na aparência externa do seu modelo, bem como possuíam, exatamente, a mesma inteligência do cérebro do seu padrão. Um molde podia ser usado para a fabricação de um até dois milhões de andróides, antes de se esgotar. Centenas de milhares de tefrodenses já haviam servido de molde, e bilhões de andróides formavam o cerne das tropas espaciais tefrodenses. Entrementes fora verificado que soldados lemurenses, que em seu desenvolvimento biológico estavam cinqüenta mil anos atrás dos tefrodenses, possuíam mais resistência, eram dirigidos muito mais facilmente, e tinham bem mais iniciativa. Em vez de contentar-se com os moldes tefrodenses, os senhores da galáxia transferiram o seu campo de ação — ou melhor, o de seus agentes — para a via láctea lemurense, com isso dando, ao mesmo tempo, um passo de cinqüenta mil anos ao passado. Dos multiduplicadores, portanto, agora, saíam em números constantemente crescentes as cópias de lemurenses. A tarefa dos agentes do tempo era quase que exclusivamente tratar de despachar um número bastante grande de futuros moldes. Durante o seu vôo através da via láctea lemurense, Regnal-Orton tivera que verificar que o fluxo de lemurenses, para seus multiduplicadores estava lentamente se esgotando. A frota lemurense, era batida, repetidamente, pelos halutenses. As perdas de homens eram enormes. Os lemurenses, pouco a pouco, estavam ficando sem soldados. E era compreensível que o trabalho dos agentes do tempo, por esta razão, era atrapalhado. Diante deste problema, um outro, a respeito do qual os senhores da galáxia, num passado recente, haviam muitas vezes quebrado a cabeça, perdia sua significação completamente. No planeta Lemúria daquela época vivia, cinqüenta mil anos depois da grande guerra, uma raça jovem, ativa, que se chamavam terranos. Há pouco tempo haviam aparecido na Nebulosa de Andrômeda unidades de sua frota, pela primeira vez. Seguindo uma velha tática, os senhores da galáxia haviam dado instruções aos seus povos auxiliares, entre os quais, em primeira linha, os tefrodenses, para aniquilar os invasores. Entretanto, logo se notou que os terranos não tinham a menor intenção de se deixarem destruir. Eles se safavam de todas as armadilhas, por mais espertamente que estas lhes eram armadas, e em luta aberta eram de uma engenhosidade e tinham um poder de ofensiva tão expressivo, que repeliam, aparentemente sem muito esforço, até mesmo ataques concentrados da frota tefrodense. Os senhores da galáxia tinham certeza de que o surgimento dos terranos havia sido a centelha que acendera numa fogueira violenta o descontentamento longamente abafado da raça subjugada. A revolução, de há muito, já fora reconhecida como irremediável. Os senhores da galáxia não viam os terranos os provocadores e chefes da rebelião, mas somente o catalisador que pusera os acontecimentos em marcha. Como fator políticomilitar os terranos não tinham importância. Esta era a opinião de todos os senhores da galáxia, e não somente a de Regnal-Orton. Uma espaçonave terrana havia voado para dentro do Portal do Tempo, que ligava o presente com um passado que ficava a cinqüenta mil anos para trás, sendo transferida através do grande transmissor no centro da galáxia tefrodense para Kahalo. E fora objeto de muita perplexidade entre os lemurenses. Os senhores da galáxia haviam ordenado a destruição da nave. Pois era claro que a tripulação rapidamente reconheceria sua situação, e logo passaria a procurar por um caminho de regresso ao presente. E eles não deviam encontrá-lo. O segredo dos senhores da galáxia tinha que ser garantido.
Até agora o Almirante Hakhat, que havia recebido suas instruções do agente do tempo Frasbur, não conseguira enfrentar o veículo terrano. Porém, de acordo com a opinião de Regnal-Orton, era apenas uma questão de tempo, quando o gigante espacial terrano se enredaria numa das inúmeras armadilhas, sendo então destruído. Os dois agentes, entretanto, que haviam penetrado supostamente em Kahalo, eram figuras inteiramente secundárias. Não poderiam causar quaisquer danos. Regnal-Orton dirigiu-se à cabine de pilotagem de sua pequena nave, observando que o piloto automático tomava o rumo do campo magnético por cima do transmissor das pirâmides de Kahalo. *** Rakal e Tronar materializaram num pequeno recinto, que era mobiliado como uma sala de estar. O homem que eles, ainda há pouco, haviam visto no telão de vídeo de Frasbur, ,estava sentado a uma escrivaninha, em cujo tampo via-se um pequeno painel de comando embutido. A primeira coisa que Rakal notou foi que o estranho apertou uma tecla iluminada de verde. A tela de imagem do pequeno receptor que via-se ao lado do painel de comando apagou-se. Rakal ficou quieto, muito rígido. Ele saíra da parede lateral da escrivaninha. Ali, portanto, terminava a antena do hiper-transmissor. Naquele instante ele se encontrava a apenas dois metros do homem que era parte integrante dos chamados “senhores da galáxia”, e apesar de ter ligado tanto o campo defletor como o seu campo energético, ele perguntava-se se o homem de uniforme prateado não notara alguma coisa de sua invasão. Aparentemente não. O homem levantou-se, dando alguns passos, como que mergulhado em pensamentos, que o levaram, em diagonal, através daquele recinto parcamente mobiliado, mas com muito bom gosto, até a parede que ficava defronte. Com isto ele se afastava de Rakal, e a tensão de Rakal diminuiu um pouco. A parede dianteira era quase completamente tomada por um grande telão. O mesmo mostrava a imagem de miríades de estrelas, muito aglomeradas, como é típico do centro da galáxia, e bem no centro o globo verde cintilante, do tamanho da lua cheia terrana. Rakal já vira Kahalo de tantas distâncias e ângulos diferentes, que o reconheceu imediatamente. O homem ficou parado por alguns minutos diante do telão. Ele olhava a imagem, e pela sua expressão facial era fácil deduzir que não dava nenhuma importância especial à mesma. Ele estava pensando. Depois de algum tempo ele virou-se e saiu do recinto, através de uma porta que ficava tão habilmente escondida na parede que Rakal, até então, não se dera conta dela. Só agora ele ousou entrar em contato com Tronar. Tronar ficara parado também, próximo à escrivaninha. Rakal sentiu a sensação de tensão nervosa que emanava dele. — Esta foi por pouco — disse ele, suspirando fundo. — Eu ainda não tenho certeza se ele notou nossa presença, apesar das aparências em contrário. Rakal tinha outra opinião. — Acho que não devíamos ver nele uma espécie de ser sobrenatural — disse ele. — Ele não é nenhum mágico. E não creio que possua aparelhos capazes de penetrar campos defletores e energéticos. Não se esqueça — nós não estamos sendo esperados por aqui! Tronar acalmou-se. — Muito bem — resmungou ele. — O que fazemos agora? — Antes de mais nada, ficar aqui — decidiu Rakal. — Eu quero saber para onde vai essa viagem.
A imagem no telão começou a movimentar-se. O globo verde-amarelado de Kahalo começou a crescer. A nave estava disparando em sua direção, numa velocidade apreciável. De uma altura de cerca de duzentos quilômetros Rakal reconheceu a topografia da base de apoio da frota e, no centro, o círculo de dois quilômetros de diâmetro, em cuja periferia se erguiam as pirâmides. O plano de vôo do mestre das galáxias apareceu-lhe claramente diante dos olhos. A espaçonave seria arremessada para dentro do campo receptor-transmissor do transmissor. Do hexágono seria enviada num impulso de irradiação para o transmissor hexassolar no centro de Andrômeda e ali rematerializaria. Nenhum dos transmissores era capaz de produzir um efeito de transposição do tempo. A nave chegaria a Andrômeda num tempo, o qual, depois como antes, ficava situado cinqüenta mil anos no passado. Para Rakal, entretanto, não havia a menor dúvida que aquele senhor da galáxia queria regressar ao presente. Do hexágono de Andrômeda ele provavelmente voaria, pelo caminho mais rápido, para Vario e, com a ajuda do Portal do Tempo, deixaria o passado atrás de si. Rakal deu-se conta, agora, que sua repentina decisão de modificar o seu plano de ação fora correta, acertada. Não Frasbur, o agente do tempo, mas um dos próprios senhores da galáxia, os ajudaria a encontrar o caminho para o regresso ao presente! Mas não chegou a refletir mais no assunto. A nave movimentava-se agora cinqüenta quilômetros por cima das pirâmides. Uma labareda vermelha, tremulante, parecia envolver inteiramente, e de modo repentino, a nave que continuava em alta velocidade. A imagem no telão apagou-se. Rakal sentiu um forte mal-estar. Cambaleou e procurou um apoio, mas tudo que ainda havia à sua volta era uma escuridão sem contornos. Teve a sensação de queda. Na fração de segundos ele imaginou ver raios luminosos, violentos, trepidantes, que muito para trás, em alguma parte, perpassavam a escuridão. E logo tudo havia passado. No telão brilhava a beleza indescritível do globo de fogo de um sol gigantesco, branco-azulado. A nave encontrava-se ainda em alta velocidade, pois a bola do sol rapidamente ia ficando menor, e os pontos luminosos de cinco astros, também branco-azulados, mais distantes, surgiram. A suposição de Rakal fora correta. Um salto gigantesco pelo transmissor havia catapultado o veículo por mais de um milhão e meio de anos-luz para o centro da galáxia de Andrômeda. Ele ouviu Tronar dizer: — Isso foi muito estranho. — O quê? — A transição. Nós não estamos condicionados. O salto pelo transmissor deveria ter-nos derrubado como duas moscas tontas. Rakal riu. — Os senhores da galáxia usam o transmissor há muito tempo — disse ele. — Seria de admirar se eles já não tivessem descoberto um meio de reduzir os efeitos do salto. Quero dizer, sem que se precise tomar medicamentos. — Hum — fez Tronar. — É provável. De qualquer modo, estou contente por tudo ter se passado tão facilmente. E agora? Rakal já se fizera a mesma pergunta. Se realmente a nave estivesse se dirigindo a Vario, o regresso ao presente ocorreria dentro de umas duas horas. O que aconteceria então? — Temos que nos familiarizar com tudo que temos à nossa volta — decidiu ele. — Este recinto é muito inseguro. Apertado demais. Esse cara acaba tropeçando por cima de nós, se não ficar sentado o tempo todo.
Aproximou-se do lugar na parede onde, há pouco, vira a porta. Logo que desligou o seu campo energético a abertura, à sua frente, se fez imediatamente. E ele pôde olhar para um corredor curto, mas muito largo, o qual, de ambos os lados, ia dar numa escotilha. Pela primeira vez Rakal suspeitou de que a nave, a bordo da qual se encontravam, devia ser muito pequena. — Vamos esperar aqui — ordenou ele. — O homem vai voltar em algum momento. Talvez, nessa ocasião, poderemos dar uma olhada através dessas duas escotilhas. Eles ligaram o seu campo antigravitacional. O efeito do campo de gravidade artificial levantou-se alguns centímetros do chão. Não era uma situação muito cômoda, porém evitava que, com o seu peso, deixassem marcas denunciadoras de seus passos sobre o pesado tapete que cobria todo o chão. Depois de vinte minutos, voltou o senhor da galáxia. Ele entrou pela escotilha que ficava à direita da porta. A pesada placa de metal deslizou completamente para o lado, e Rakal teve uma rápida visão de um recinto pequeno, recheado de instrumentos. O mestre da galáxia dava a impressão de um homem com sérias preocupações. Enquanto caminhava ao longo do corredor manteve os olhos pregados no chão, como se estivesse mergulhado profundamente nos seus pensamentos. Rakal sentiu um ligeiro frio na espinha, com a idéia de encontrar-se tão próximo de um desses poderosos que dominavam o mais formidável reino estelar, do qual os seres inteligentes jamais ouviram falar. Que implacavelmente, e com energia total, transplantavam ou destruíam outras raças, de acordo com o que os seus planos exigiam. Para quem civilizações planetárias nada mais eram que cabeças coloridas de alfinetes, que se usam para marcar um mapa, deslocando-os para cá e para lá, à sua vontade. O homem atravessou a porta, que se abriu imediatamente diante dele, entrando na sua sala de estar. Rakal tinha certeza que ele nada sabia da presença deles, apesar de não saber dizer o que lhe dava esta certeza. — Ao que parece ele está sozinho a bordo — disse ele para Tronar. — Aquele recinto, ali na frente, pareceu-me conter um montão de aparelhos automáticos. Alguns deles poderiam ter sua atenção despertada, se nós tentássemos abrir a escotilha. Acho melhor dar uma olhada lá para trás. Ele tomara a resolução quanto ao que ficava “atrás” e na “frente”, de modo inteiramente aleatório, porém logo em seguida verificou que estava certo. A escotilha da esquerda da porta possuía o mesmo mecanismo que todas as entradas e saídas que Rakal vira, até agora, tanto em Kahalo como a bordo desta nave. Ele jogou-se para o lado, quando desligou o seu campo energético, e o seu corpo refletiu o raio de ultra-som emitido. Eles entraram num recinto mal iluminado, no qual aparelhos pesados de todo tipo e espécie haviam sido colocados, de modo típico em espaçonaves. As máquinas, ou estavam colocadas às paredes, ou então haviam sido distribuídas, no teto e no chão, ou em duas paredes que se defrontavam, sempre em forma circular. Deste modo a sua firmeza independia da direção de campos gravitacionais artificiais ou naturais. Os aparelhos emitiam um leve zunido. Rakal reconheceu diversos pequenos geradores de fusão nuclear e uma série de projetores, que cuidavam da produção de campos defensivos hiperenergéticos para o vôo linear. A escotilha, pela qual eles haviam entrado, ficava na parede direita do recinto. Rakal imaginou que o corredor entre as duas escotilhas devia correr bem próximo das paredes externas da nave. As dimensões do pavilhão de aparelhos davam-lhe uma idéia do tamanho do veículo. O mesmo parecia ter o formato de uma granada e, neste lugar, devia não ter mais de oito metros de diâmetro. O recinto das máquinas devia ter cerca de seis metros de comprimento. Por trás da parede
dos fundos deviam ficar os jatos. Levando-se em conta que a cabine de pilotagem provavelmente ficava na proa do veículo, podia-se calcular que toda a nave não devia ter mais de vinte e cinco a trinta metros de comprimento. Esta observação deixou Rakal perplexo. Ele esperava que um dos senhores da galáxia se movimentasse pelo espaço com a devida pompa, mas se enganara. O homem do uniforme prateado viajava na menor nave espacial interestelar que Rakal jamais encontrara. Enquanto ainda pensava nisso, de repente o leve zunido produzido pelos aparelhos modificou-se. Pela fração de segundo eles silenciaram inteiramente. Depois o zunido voltou mais claro e intenso. O chão vibrava perceptivelmente. Parecia que os aparelhos haviam passado a funcionar em rendimento máximo. Rakal entendeu imediatamente. — Nós estamos no espaço linear! — declarou ele a Tronar. — Tão esperto eu também sou — respondeu-lhe o irmão. — Isso quer dizer que ainda temos trinta ou quarenta minutos de tempo, para quebrar a cabeça, quanto ao que vamos fazer, se sairmos por cima de Kahalo. Rakal concordou. Com uma clareza desagradável, deu-se conta de que não tinha nem sequer o esboço de um plano. O Portal do Tempo em Vario, despacharia a pequena nave de volta ao presente. O mestre da galáxia tinha intenção de pousar em Vario — ou iria prosseguir no seu vôo, sem interrupção? A perspectiva de penetrar no quartel-general dos senhores da galáxia, desse modo, era sedutora, e por um instante Rakal deteve-se na idéia de ficar a bordo e esperar até que a nave pousasse — não importando onde isso aconteceria. Mas depois descartou a idéia. A sua missão e a de Tronar tinha contornos bem definidos. Tratava-se de encontrar um caminho para o presente para a Crest, e esclarecer a humanidade do presente sobre o paradeiro do Administrador-Geral. O ponto crítico era Vario. Somente em Vario era possível ficar-se sabendo como a Crest poderia ser trazida de volta. E somente nas imediações de Vario eles podiam ter esperanças de encontrar espaçonaves terranas. De repente Rakal sabia o que tinha que fazer. Eles tinham que apoderar-se da nave. Logo que a mesma tivesse atravessado o Portal do Tempo, eles teriam que irradiar um sinal de socorro, que atrairia as unidades da frota terrana. Se tivessem sorte, conseguiriam colocar esta pequena espaçonave a bordo de um dos gigantes do espaço terranos. E levando consigo o mestre da galáxia! — Isso não vai ser muito fácil — ponderou Rakal, quando ele lhe explicou o seu plano. — Os senhores da galáxia usam um campo energético, pessoal, de proteção, como Orghon e Frasbur. Não creio que será fácil nos aproximarmos dele. E a gente de Vario conhece um sem-número de truques, com os quais simplesmente poderão derrubar o nosso plano. — Concordo — respondeu Rakal. — Mas você conhece alguma maneira, algum caminho melhor? — Não — confessou Tronar. Eles abriram a escotilha e saíram novamente para o corredor. Se quisessem dominar o homem, teriam que esperar por ele aqui. De modo algum eles deveriam tentar penetrar em sua sala de estar, prevenindo-o com o abrir da porta. Sua única esperança consistia em surpreendê-lo de tal modo que não pudesse usar contra eles de nenhum dos meios de segurança, dos quais, sem dúvida alguma, devia dispor.
Rakal sentiu um ligeiro mal-estar, quando eles assumiram seus postos do outro lado da porta da sala de estar do homem. Ele não sabia a que velocidade a nave viajava. Não tinha a menor idéia de quanto tempo demoraria para que atingissem Vario. Ele tinha esperanças de que sentiria, fisicamente, a passagem pelo Portal do Tempo, mas nem sequer disso tinha certeza absoluta. Do que precisava era de uma tela de imagem, através da qual ele pudesse verificar quando o veículo regressasse novamente ao espaço normal. Tronar sentiu a inquietação dele. — O que é que há? — quis saber ele. — Você está mais nervoso que um candidato antes de um exame. Rakal fez um esforço para controlar-se. — Temos que ir dar uma olhada na sala de pilotagem, lá na frente — disse ele, com urgência. — Eu quero... — Eu não entendo você — protestou Tronar. — Ainda há dez minutos atrás, você era de opinião que... — Esqueça — interrompeu-o Rakal. — Precisamos saber a quantas andamos. Não podemos evitar o risco de nos encontrarmos com algum robô. Tronar não retrucou. Rakal pairou pelo corredor e aproximou-se da escotilha dianteira. A cerca de um metro dela ele desligou o seu campo energético. A escotilha reagiu do modo esperado. Deslizou para um lado, e a sala de pilotagem estava aberta diante de Rakal. A primeira vista aquilo mais parecia um quartinho onde eram guardadas coisas imprestáveis. Havia dúzias dos mais diferentes aparelhos que pareciam ter sido colocados ali de acordo com o princípio da desordem máxima. Rakal compreendeu. Esta era uma nave robotizada. O mestre da galáxia nada tinha a ver com o comando da mesma, propriamente dito. As máquinas cuidavam de tudo. Elas cuidavam de tudo, estivessem alinhadas corretamente ou não, portanto as mesmas simplesmente haviam sido colocadas ali, sob o ponto de vista de sua utilidade. As máquinas não precisavam de nenhuma tela de imagem para saber onde estavam. As paredes eram nuas até grossos feixes de cabos coloridos, que corriam através de enormes ilhoses, afixados sem qualquer ordem visível. Rakal sentiu a decepção de Tronar quase tão nitidamente quanto a sua. — Nada — verificou ele, abatido, voltando-se. No mesmo instante Tronar deu um grito. Rakal ouviu um ruído esquisito, sibilante, voltando-se imediatamente. Por cima do caos de máquinas e instrumentos pairava uma esfera cintilando metalicamente, do tamanho de uma bola de futebol. Ela devia ter se erguido do meio da confusão enquanto ele não estava olhando. Não tinha a menor noção de sua função, especialmente porque a mesma não tomava a iniciativa de atacá-lo, permanecendo quieta e sossegada no seu lugar. Apesar disso, ela emanava alguma coisa que dizia tratar-se de um perigo mortal. Rakal pegou a sua arma. No mesmo instante Tronar gritou uma segunda vez, porém não precisaria ter gritado para chamar a atenção de Rakal. Ele sentiu o pavor do irmão tão nitidamente, como se ele mesmo o sentisse. Ele virou a cabeça para o lado. Tronar estava pairando perto dele, os pés alguns centímetros acima do chão, e no rosto uma expressão de medo pânico. Rakal precisou de um segundo para compreender! Ele via Tronar! Via-o apesar do campo defletor. A esfera devia ter alguma coisa a ver com isso! Ela transmitia algum feixe energético que tornava os campos inoperantes.
Rakal não hesitou. Virou-se violentamente e apontou sua arma energética para aquela imagem cintilante, tenebrosa. Ele estava pronto para apertar o gatilho, quando ouviu, atrás de si, uma voz estranha. — Eu, no seu lugar, não faria isso! Ele deixou cair o braço, sem disparar. Apesar de sua perturbação o seu consciente registrou que aquela voz estranha falara na língua tefrodense. Ele não precisou voltar-se para ver quem estava ali, falando. Apesar disso, ele virou-se. No corredor, diante da porta aberta, estava parado o mestre da galáxia, no seu uniforme prateado, brilhante. Não trazia nenhuma arma visível, mas apesar disso Rakal estava convencido de que não sobreviveria se tentasse atirar nele. Com um gesto resignado ele recolocou, no coldre, sua arma energética. Desligou também seu campo antigravitacional, descendo ao solo. Tronar seguiu-lhe o exemplo. — Assim está bem — declarou o homem, com um sorriso cínico. — Aliás, só me deram conhecimento de sua presença há bem pouco tempo. Uma máquina, aí dentro, na cabine de pilotagem, chamou minha atenção. Eu admiro a sua coragem, e acho que é meu dever retribuí-la com minha hospitalidade. Por favor, passem para o meu modesto alojamento. Era uma ordem, e não um pedido. O homem deu um passo para o lado, para deixar seus prisioneiros entrarem. Quando Rakal passou pela porta, Rakal viu o disco de um planeta que brilhava, meio marrom, num grande telão de vídeo. Eles haviam chegado sobre Vario. Sentiu-se tomado de uma enorme depressão. Eles queriam pegar o senhor da galáxia. Em vez disso, ele os agarrara. Eles haviam chegado ao fim do seu caminho, disso Rakal tinha absoluta certeza.
7 — Sentem-se ali, no chão — ordenou o homem, apontando para um ponto, perto da porta. — E tenham certeza de que eu disponho de todos os meios imagináveis para retêlos pelo tempo que eu quiser, sob o encanto de minha hospitalidade. Ele atirou as mãos para cima, como se estivesse fazendo sinal para alguém invisível. No mesmo instante desceu, bem próximo de Rakal, um raio sibilante, de energia enfeixada, cintilante, até o chão, onde queimou um feio buraco negro no tapete opulento. Assustado, ele recuou. O feixe apagou-se, e aquela voz suave, modulada, disse: — Precisamos saber nos defender — o homem sentou-se no cadeirão atrás de sua escrivaninha, girando-o, de modo que tinha os dois irmãos bem à sua frente. — Não devemos esquecer as formalidades. Eu mesmo chamo-me Regnal-Orton, e nos senhores, sem dúvida, tenho diante de mim os dois terranos sobre os quais fui informado, há pouco tempo, pelo meu preposto Frasbur, de Kahalo. Rakal deixou a Tronar dirigir a conversa. Tronar confirmou a suspeita de Regnal, dizendo-lhe os seus nomes. Entrementes Rakal pusera suas mãos às costas, tateando nos pequenos aparelhos embutidos no cinto do seu traje protetor. Fazia uma cara de quem não quer nada, para não despertar desnecessariamente a atenção de Regnal, movimentando as mãos com tamanho cuidado, que os seus ombros mal se mexiam. Tateou a cobertura do gerador do defletor e verificou que uma parte do mesmo havia se fundido. Isto fora o efeito daquela esfera estranha, que ele vira na cabine de pilotagem. Ela destruíra o gerador. O mesmo destino tivera o projetar do campo energético. Este estava tão quente que Rakal chegou a queimar as pontas dos dedos, ao tocá-lo. Ele olhou para o lado, para o telão de vídeo. Vario tornara-se maior. Ele conseguiu reconhecer detalhes da triste paisagem desértica, que cobria toda a superfície daquele planeta sinistro. Avaliou a altitude de vôo da nave em pouco mais de cem quilômetros. Se havia alguma coisa que ele pudesse fazer, para mudar a situação, teria que encontrá-la dentro dos próximos três minutos — ou seria tarde demais. Nervoso ele tateou o que sobrara do gerador do defletor. Ele tinha que confiar na sensibilidade das pontas dos seus dedos. Gostaria de poder fechar os olhos, para poder concentrar-se melhor nos sinais que os nervos de seus dedos emitiam. Mas Regnal o teria notado. De repente ele tocou um pequeno pedaço de metal plastificado, que estava tão frouxamente dependurado no seu dispositivo de fixação, que ele conseguiu empurrá-lo, a vontade, para qualquer direção. Por um instante ele tentou trazer à sua mente o diagrama de funcionamento do gerador. E logo soube o que tinha na mão. Era a chave de emergência — que servia para ligar ou desligar o campo de deflexão também por alguém de fora. Esta era uma necessidade que aparecia quando o portador do traje estava ferido, e o campo era ligado, para protegê-lo, por algum dos seus acompanhantes. Ou mais tarde, quando o perigo passara e o ferido devia novamente tornar-se visível, para aqueles encarregados de transportá-lo. Rakal curvou o dedo em torno da chave, apalpando-lhe o verso. Um choque de excitação inundou-lhe a testa de suor, ao sentir ambas as barras fixadoras nas quais a chave havia sido afixada, antes da esfera ter colocado o gerador fora de combate. Se ele
conseguisse encaixar as duas extremidades da chave novamente na sua barra de fixação, ainda teria uma pequenina chance. Ele trabalhava febrilmente — mas, ainda assim, inteiramente contido — de modo que Regnal-Orton, que estava sentado diante dele, não notou qualquer movimento. Ele estava tão ocupado, que a conversa de Tronar com aquele homem lhe chegava apenas em fragmentos. Ele ouvia Regnal dizer que pretendia levar seus prisioneiros ao quartelgeneral dos senhores da galáxia, para que ali, finalmente, todos pudessem ter uma imagem exata sobre como eram os terranos. E ouviu Tronar responder que ele estava redondamente enganado se imaginava poder esclarecer as características de uma tão grande raça, através de apenas dois exemplares da mesma. Era uma conversa mole, na qual Tronar retrucava com tanta arrogância e insolência, à superior cortesia de Regnal, que logo Rakal entendeu. Tronar notara que o seu irmão estava ocupado com alguma coisa importante. E era importante irritar Regnal, de modo que não pudesse dedicar sua atenção a Rakal. De há muito Vario cobria toda a tela de imagem. Rakal sentia como o tempo lhe escorria por entre os dedos. Sua esperança começou a vacilar. Mesmo se ele conseguisse recolocar a chave em ordem, quem lhe dizia que os contatos ainda estariam funcionando? E mesmo no caso mais favorável — se conseguisse ligar novamente o campo defletor — ele ainda não tinha a menor idéia do que fazer contra Regnal. Tronar dizia: — Confesso que sua tecnologia está um bom pedaço à frente da nossa. Mas isto não será empecilho para nós. Nós vemos, na existência de oponentes superiores, uma espécie de desafio. Se eu fosse o senhor já começaria a ficar com medo daquilo que se passará aqui, daqui a vinte ou cinqüenta anos. Quando Regnal, com um sorriso superior, ia retrucar, a chave deslizou de volta à sua fixação anterior. O sentimento de alívio e de triunfo foi tão grande, que Rakal quase deixou escapar um suspiro. Regnal-Orton, em vez de responder a corajosa afirmação de Tronar, levantou-se de repente. Rakal estremeceu. Ele teria notado alguma coisa? Regnal voltou-se para o telão e apontou para as extensas planícies de areia de Vario. — Lamento ter que interromper, por algum tempo, nossa conversa — porém chegamos próximo ao Portal do Tempo. Os senhores conhecem a maneira como o organismo reage a uma transposição de tempo. Portanto não se assustem. Mal ele falara, o telão apagou-se. Rakal sentiu uma sensação desagradável de imponderabilidade, apesar de estar, depois como antes, firmemente de pé no chão. Seu campo de visão parecia estreitar-se, como se alguém lhe empurrasse diante do rosto um cano comprido, estreito. A figura alta de Regnal-Orton distanciou-se rapidamente. Ficou escuro. Rakal segurou a chave de emergência, com todas as suas forças. Se a soltasse tudo estaria perdido. Ele teria que surpreender Regnal-Orton no instante em que eles ressurgissem do Portal do Tempo. Perdeu a sensação a respeito do que estava em cima ou embaixo. Nadava numa escuridão cinzenta, sem contornos, sentindo vontade de vomitar. Em algum lugar a dor lhe queimava, e obscuramente teve consciência de que a dor vinha da ponta dos seus dedos que seguravam a chave. Mais tarde, não sabia dizer quanto tempo aquela sensação estranha demorara. De repente, aqueles contornos cinzentos, quase impenetráveis, começaram a clarear um pouco. De algum lugar vinha uma luz. Como uma sombra surgiu o rosto de Regnal
novamente. O brilhante quadrado do telão de imagem apareceu, e a sensação de falta de gravidade sumiu. Rakal esperou ainda dois ou três segundos, até ver Regnal nitidamente diante de si. Depois pressionou a chave para baixo. Regnal reagiu com a rapidez de um raio. Com um salto enorme ele quis recuar até sua escrivaninha, mas Rakal antecipou-se a ele. Com toda a sua força ele jogou-se contra o homem. Houve um encontrão violento. Regnal-Orton foi arremessado para um lado e caiu. Nas frações de segundos em que se tocaram, Rakal sentira o forte campo energético que envolvia o mestre da galáxia. Para qualquer outro, Regnal seria intocável. Mas Rakal viu justamente no campo energético uma possibilidade de alcançá-lo. O homem levantou-se. Não era mais o indivíduo superior, condescendente, que pudera permitir-se uma certa medida de humilhante cortesia para com os seus prisioneiros. Ele estava perturbado, isso era fácil de se notar, e tinha medo. Rakal tomou ânimo novamente. Quando Regnal-Orton intentou, pela segunda vez, chegar à sua escrivaninha, resolveu aproximar-se dele lateralmente. Uma dor queimante inundou-o completamente, enquanto penetrava nas linhas do campo da forte energia envolvente protetora. Regnal jogou-se por cima do tampo da escrivaninha, tentando alcançar o painel de comando. Rakal empurrou-o para um lado. O homem escorregou pelo canto da mesa, caindo, com um grito de raiva, ao chão. Este era o momento que Rakal esperara. Até Regnal novamente pôr-se de pé, para, uma segunda vez, tentar alcançar o painel de comando, se passariam alguns segundos. Este lapso de tempo ele precisava utilizar. Desmaterializou e penetrou no campo energético. Desde o primeiro instante ele sabia que aqui tomara a si algo bem diferente de uma viagem num feixe de ondas de rádio. Ele movimentou-se ao longo das complicadas circunvoluções das linhas de campo estáticas. Para o campo ele significava um corpo estranho de baixa energia, para o qual a energia de campo escorria. O afluxo de energia provocava dores. Pela primeira vez Rakal observou que, em estado de desmaterialização, ele dava-se conta nitidamente de uma sensação. A furiosa energia de campo ameaçava desagregá-lo, dissolvê-lo. Teve a estranha sensação de que o seu eu desmaterializado se distendia, se dilatava, até que as partículas unitárias perdiam a sua coesão e se separavam entre si. E então viu, claramente, que se tinha proposto demais. O campo energético de Regnal-Orton era impenetrável. Qualquer tentativa de avançar mais, era um perigo de vida. Ele iria deixar este campo diabólico, enquanto ainda tinha forças para fazê-lo. Porém o campo o reteve. Ele estava preso. O campo energético envolvente transformara-se numa armadilha, que não mais o soltava. Ele contorcia-se de dor e desespero. O medo de morrer deu-lhe forças descomunais. De repente ele imaginou ver uma luz clara, vermelha, apesar de não ter olhos, com os quais pudesse tê-la visto. Ele sentiu como o campo energético encetava um último e destruidor golpe contra a energia estranha, que se prendera no seu interior. E ele sabia que este golpe o destruiria. E então — de repente — clareou — tão insuportavelmente claro, que ele quase perdeu o juízo. Escutou um ruído forte, bufante, e uma onda de calor crepitante envolveuo todo. Perdeu o equilíbrio, e pela dor inconfundível da queda ele notou que rematerializara. Tonto, abriu os olhos. Havia um cheiro de coisa queimada no ar. Diante dele estava Tronar, de pernas abertas, curvado sobre ele, sua arma energética na mão e os olhos
colocados em alguma coisa que escapava ao campo de visão de Rakal. Com muito custo, Rakal se virou. Quase inconscientemente ele pegou na chave do gerador às suas costas, desligando-o. Atrás dele, perto da escrivaninha, estava deitado Regnal-Orton. Inconsciente. Na perna esquerda, pouco acima do tornozelo, ele tinha um feio ferimento de queimadura. — Não sabia para onde devia atirar! — conseguiu dizer Tronar. — Você estava em algum lugar, dentro do seu campo energético, e eu podia acertar você. Mas eu tive que atirar, você está me ouvindo? Eu tive que fazê-lo! O campo de repente começou a rebrilhar. Ele veio abaixo porque você lhe sugava energia demais. E esta foi nossa única chance! Rakal anuiu com a cabeça, muito admirado. Neste caso, ele tivera sucesso, apesar de tudo. O raio da arma energética de Tronar conseguira atravessar o campo energético enfraquecido, ferindo Regnal-Orton. O campo energético que se abatera, liberara novamente a ele, Rakal, deixando que se rematerializasse. Pesadamente ele levantou-se, aproximando-se do local em que estava o senhor da galáxia. Tocou-lhe o ombro, meio na expectativa de encontrar a resistência do campo energético regenerado. Mas não houve resistência. O dedo tocou a fazenda prateada, metálica, do uniforme. O campo energético de proteção de Regnal-Orton havia desaparecido. O senhor da galáxia estava indefeso. *** Rakal ergueu-se e lançou um olhar ao telão de vídeo. Vario tinha se desviado para a direita, e somente era possível ver-se ainda a metade do planeta. No fundo negro do universo brilhavam os pontos de incontáveis estrelas. “Estrelas do presente”, pensou Rakal. “Nós conseguimos. Estamos longe de Frasbur e da Crest cinqüenta mil anos.” E então um raio relampejou no telão. Bem no meio das miríades de estrelas surgiu um novo sol, uma bola de fogo branco-azulada, que com a rapidez de segundos se inchava e se diluía no nada. Rakal ainda não se recuperara do susto, quando o raio apareceu pela segunda vez. O acontecimento repetia-se. Rakal já vira este tipo de imagens muitas vezes, pois não ficou muito tempo no escuro quanto ao que se estava passando lá fora. Os raios eram explosões de foguetes atômicos, altamente eficazes, e as bolas de fogo, as massas metálicas de espaçonaves que se desfaziam numa massa de gases quentes. Por cima de Vario estava em andamento uma furiosa guerra espacial! E ele foi tomado de um susto violento, ao dar-se conta do que isso significava. Os raios vibrantes, o rebrilhar, como de sóis, das naves atingidas, tudo isso trazia tão nitidamente a marca de canhões conversores terranos, que não podia haver a menor dúvida sobre quem lá fora estava lutando contra quem. Reginald Bell estava atacando Vario! Rakal sabia com nitidez visionária, como tudo se passara. O Major Henderson, que ficara para trás, bem perto da Crest, numa pequena espaçonave, quando esta se precipitava sobre Vario, tinha levado ao conhecimento de Bell o desaparecimento da nave-capitânia. Bell tomara posição nas proximidades de Vario, dando-se um prazo, no qual esperaria pelo ressurgimento da Crest. Para ele as coisas deviam ter parecido como se a gigantesca nave tivesse caído numa armadilha, no próprio Vario.
Quando o prazo terminou, ele atacou. Ele tinha o momento da surpresa do seu lado. Os aliados tefrodenses estacionados em Vario naturalmente lhe opuseram resistência, porém Bell provavelmente os espalhara a todos os ventos, no espaço de uma hora, antes mesmo de poder chegar algum reforço. E então Vario estava aberto diante dele. Em Vario estava o Portal do Tempo. Se ele fosse danificado, entretanto, o caminho para o presente estaria fechado para sempre! Para Rakal estava claro que, para ele, neste momento, não havia nada mais importante a fazer do que impedir que Reginald Bell prosseguisse em sua ofensiva contra Vario. Passando diante de Tronar, estupefato, ele atirou-se na direção da escrivaninha. Desta mesa, Regnal-Orton falara com Frasbur. Daqui era possível comandar o hipertransmissor da pequena nave. Mas a questão era — como? Entrementes, Tronar dera-se conta do que estava acontecendo. — Posso ajudar você? — ofereceu-se ele. — Tente conseguir contato com uma de nossas naves com o seu microcomunicador — respondeu Rakal, urgente, sem olhar o irmão. — Não creio que você terá sorte. Os canhões conversores provocam uma estática maior do que um grande sol. Mas tente, mesmo assim! Tronar ligou o seu aparelho de pulso, e Rakal ouviu-o dando, em voz monótona, o sinal de pedido de socorro. Enquanto isso ele estudava as teclas do pequeno painel. Encontrou aquela que vira Regnal apertar, quando materializou de dentro da hiperantena. A mesma tinha dois sinais de cifras tefrodenses — um zero na extremidade inferior e um um na superior. A extremidade inferior estava pressionada para dentro do painel de comando. Rakal apertou na superior, e a tecla inverteu-se, com um ligeiro clique. Várias lampadazinhas de controle se iluminaram. A tela de imagem começou a piscar. Rakal sentiu um indizível alívio — estava com energia transmissora! Agora bastaria que encontrasse a antena de Reginald Bell, e o problema estaria solucionado. Pegou o pequeno microfone triangular na mão. Não tinha mais tempo para ligar para uma onda direcional. Tinha que aceitar o risco de que, além de Bell, também toda a frota tefrodense poderia escutar a sua irradiação. Atrás dele ouviu Tronar dizer: — Aqui fala Woolver a bordo de uma pequena espaçonave tefrodense, por cima de Vario. Mayday... Mayday... Mayday... Ele começou a falar. — Rakal Woolver chamando o Marechal Reginald Bell! Por favor, responda, sir! Rakal Woolver chamando... Passaram-se segundos. Na tela de imagem da escrivaninha apareciam padronagens caóticas da estática provocada pelas explosões das armas conversoras. No telão grande havia três grandes bolas incandescentes de gás, que rapidamente se esvaíram. A frota de Bell estava fazendo estragos entre os tefrodenses. De repente sumiu aquela padronagem trêmula das interferências. A pequena tela de imagem clareou. Um rosto enormemente surpreso apareceu na telinha. Rakal não conhecia o homem. — Que nave? — gritou-lhe ele. — A General Deringhouse, sob o comando do Marechal Bell — respondeu o homem.
— Aqui falam Rakal e Tronar Woolver — gritou-lhe Rakal. — Nós nos encontramos a bordo de uma pequena espaçonave tefrodense, e temos conosco, prisioneiro, um dos mestres da galáxia. Recomende imediatamente ao marechal que desista do ataque a Vario. E mantenha suas antenas dirigidas em nossa direção. Nós temos... A imagem do desconhecido desapareceu de repente, e no lugar dele apareceu a cara quadrada de Reginald Bell. Havia gotas de suor na sua testa, e parecia alguém que já levantara o punho fechado para desferir um golpe no queixo do seu oponente. — O que está acontecendo? — berrou ele. Depois reconheceu Rakal e uma expressão de perplexidade enorme apareceu no seu rosto furioso. — Woolver...? — Sim, sir, eu... — Venha imediatamente para bordo! — gritou-lhe Bell. — Em meia hora nós vamos pousar em Vario. E aí fora a sua vida corre perigo. Rakal sabia que não valia a pena tentar explicar-lhe agora o papel estranho que Vario tinha na rede de bases de apoio dos tefrodenses. Isso demoraria demais. Ele precisava conseguir a atenção dele de outra maneira. — Tronar e eu estamos prontos a ir para bordo de sua nave, a qualquer momento — declarou ele, de boa vontade. — Porém nós temos, aqui a bordo, prisioneiro, um dos senhores da galáxia. O rosto largo de Reginald Bell aproximou-se tanto da tela de vídeo que Rakal podia distinguir as dobras e rugas que ele tinha debaixo dos olhos. — Um dos mestres da galáxia, sir. Peço-lhe que nos mande um teleportador, que possa levar o homem, inconsciente, para bordo de sua nave. Bell reconquistara novamente o seu controle. — Imediatamente! — gritou ele. — Um de vocês terá que ficar aí, até que o teleportador apareça. O outro virá para cá, pelo caminho mais rápido possível. Entendido? — Entendido, sir — confirmou Rakal. — E... mais uma coisa! — Fale! — Por favor suspenda imediatamente o ataque a Vario, sir. Não posso explicar-lhe a razão disso, assim apressadamente. Porém se o ataque prosseguir, poderá acontecer um dano impossível de ser corrigido. Reginald Bell fechou quase que inteiramente os olhos, como questionando-o. — Está falando sério, não? — Nunca falei mais sério em minha vida, sir — confirmou Rakal. — Está bem. O ataque será suspenso. E cuide para que, também do seu lado, tudo se passe na mais perfeita ordem. Ele desapareceu. Rakal fez um sinal para que Tronar se aproximasse. — Eu espero aqui — declarou ele, rápido. — A General Deringhouse goniometrou sua antena neste transmissor. Dê um jeito para sumir daqui! Tronar quis protestar, porém quando viu a expressão no rosto de Rakal ele cedeu. Aproximou-se da escrivaninha e transformou-se numa imagem nebulosa, que se estendeu em espiral, desaparecendo pela placa lateral da mesa. Rakal esperou. *** E enquanto esperava, pensava.
Que imensas vantagens a ciência terrana obteria, se fosse possível levar, não apenas Regnal-Orton, mas toda a sua nave, para bordo de uma das grandes unidades terranas. Que valor imenso representava, sozinha, aquela sinistra esfera, que penetrava em campos energéticos e defletores, e que desligava projetores! De repente ele achou que seria uma irresponsabilidade deixar a nave para trás. Ele compreendia que Reginald Bell não queria arriscar mandar uma de suas naves até aqui, para tomar em seu bojo a pequena nave privada de Regnal. Os tefrodenses espreitavam por toda parte, e uma única unidade terrana certamente se transformaria numa vítima fácil. Porém a nave de Regnal, tão pequena que nas telas de imagem de rastreamento parecia um meteoro, poderia passar pelas linhas inimigas, e voar até junto dos veículos terranos. Somente era preciso saber como o sistema de auto-pilotagem podia ser influenciado, para colocar e seguir a rota correta. Rakal ergueu os olhos. Na larga superfície do telão de parede surgiram dois pontos prateados, que se destacavam nitidamente do fundo estrelado do espaço. Ele estremeceu de susto. Os pontos aproximaram-se e perderam a sua luminosidade. Deles apenas ainda saía um brilho mortiço, prateado. Finalmente pararam — dois discos prateados, com a metade do tamanho de uma lua cheia terrana, ponto de partida de um perigo ameaçador, que Rakal podia sentir quase fisicamente. Duas unidades tefrodenses! Os tefrodenses haviam escutado sua conversa com Reginald Bell, possivelmente até a tinham decifrado. Naturalmente, nestas alturas, eles já tinham um conhecimento bastante de intercosmo, para entender o que fora dito. Sabiam, portanto, que um dos mestres da galáxia se encontrava a bordo da pequena nave. Provavelmente esta era sua única salvação. Os tefrodenses certamente não iriam colocar em perigo um dos seus senhores da mais alta casta. O que aconteceria, entretanto, se ele tentasse movimentar a nave numa rota diferenciada? Eles continuariam a se contentar em voar, calmamente e sem entrarem em ação, perto dele? Ou existiria, para a garantia coletiva, um limite mais alto de risco, para além do qual eles não levariam mais em consideração nem mesmo a presença de RegnalOrton? Rakal foi despertado dos seus pensamentos. O ar à sua frente começou a trepidar. Uma figura humana apareceu. O rosto alegre, de criança, do teleportador Tako Kakuta, sorria para ele. Rakal respirou fundo, aliviado. — Graças a Deus, que veio — disse ele, aliviado. — Não estou me sentindo muito seguro por aqui. Ele apontou para o telão. Tako viu as duas naves e sorriu. — Nenhum motivo para inquietar-se, sir — riu ele. — Se eles soubessem o que se passa aqui, provavelmente não estariam tão calmos. Mas eles não o sabem. O senhor também vem conosco? Rakal hesitou por um segundo. Depois confessou para si mesmo que o seu plano era irrealizável. Ele teria que deixar a nave para trás. — Eu vou — disse ele. Tako pegou o corpo imóvel de Regnal-Orton e desapareceu com o mesmo. Rakal desmaterializou no feixe de hiperimpulsos que penetravam, vindos da General Deringhouse, na antena da pequena nave. Quase no mesmo instante ele apareceu a bordo da nave-capitânia de Reginald Bell. Ele materializou de dentro do painel de comando de Bell. Bell ergueu-se de um salto.
— Não temos tempo a perder — disse ele. — Tako levou o homem à enfermaria. Venha comigo! Perturbado, Rakal seguiu-o. Antes de deixarem a sala de comando ele lançou um olhar na grande tela panorâmica e viu Vario, como pequeno disco, bem para trás, para o fundo do espaço. Bell mantivera a palavra. A frota terrana estava em retirada. Na enfermaria os médicos, entrementes, se ocupavam do ferido. Regnal-Orton estava deitado, nu, na mesma de operações, e do ferimento em sua perna praticamente não se via mais nada. Havia poucos assistentes. Um deles era Tronar. Ele sorriu para Rakal, quando este entrou na sala de operações, ao lado de Reginald Bell. Os médicos se afastaram para um lado. Regnal-Orton havia recebido um tranqüilizante e estava dormindo. Reginald Bell olhou-o, longamente, e depois murmurou: — Tão inacreditavelmente humano. E eu sempre imaginava que eles fossem monstros! Rakal teve sua atenção despertada para uma coisa. Ali, onde as costelas se reúnem no peito, formando uma depressão num corpo humano, Regnal-Orton tinha um pequeno abaulamento. He chamou a atenção de Bell para este fato. Bell voltou-se para um dos médicos. — O senhor já havia notado isso? — perguntou ele, apontando para a inchação. — Sim, sir. Algumas radiografias foram feitas. O homem traz, sob a pele, um recipiente cilíndrico de metal, de cerca de quatro centímetros de comprimento e um centímetro e meio de diâmetro. — Um ativador de células! — gritou Bell, surpreso. — Ele porta, implantado, um ativador de células! Os mestres da galáxia são imortais! Ele olhou Regnal-Orton uma segunda vez. Ao voltar-se novamente para o médico já havia assimilado a surpresa. — Tire essa coisa daí! — ordenou ele, rudemente. Regnal-Orton recebeu anestesia local. A pele por cima do abaulamento no tórax foi rasgada com um bisturi, e o recipiente metálico apareceu. O médico-chefe lançou um olhar interrogador para Reginald Bell. — Retire-o! — ordenou Bell. — Isso lhe proporcionará o choque necessário, quando ele voltar novamente a si. Talvez, então, não se negará a responder a nossas perguntas. O médico pegou aquele cilindro que brilhava ligeiramente, retirando-o. No mesmo instante, Regnal-Orton estremeceu, com um gemido que mais parecia um grito estertorante, encolhendo-se todo. Chegou a erguer-se um pouco, os olhos esbugalhados, num medo pânico — porém ainda antes que pudesse sentar-se inteiramente, teve início aquela modificação horrível. De um momento para o outro seus olhos ficaram encovados. A pele do rosto, até então lisa, transformou-se num pergaminho amarelado com incontáveis rugas e gretas. Seus cabelos pretos tomaram primeiramente uma cor grisalha e logo em seguida passaram para um branco sem brilho. As forças o deixavam. Regnal-Orton caiu para trás novamente e fechou os olhos com um suspiro agonizante. Os terranos ficaram horrorizados, dando um passo para trás. Diante deles estava deitado um homem infinitamente velho, de pele enrugada e flácida, a boca caída e todos os membros parecendo ressecados, quebradiços. A modificação acontecera com tamanha rapidez que os assistentes ficaram totalmente atordoados. O médico-chefe ainda estava
parado ali, o pequeno ativador na mão, olhando fixamente, com os olhos muito abertos, aquele espetáculo inacreditável. Reginald Bell foi o primeiro a reencontrar a fala. — Eu acho que nós acabamos de cometer um erro! — disse ele, confuso. — Examine-o! Um dos médicos mais jovens aproximou-se, colocando seu pequeno estetoscópio no tórax encovado de Regnal-Orton. Auscultou diversos pontos, depois deu um passo atrás. — Morto — afirmou ele, objetivamente. Pegou o lençol que pendia numa das extremidades da mesa, cobrindo aquele corpo imóvel. *** Reginald Bell solicitou a presença dos dois Woolver para uma conferência no seu gabinete privativo. A frota, entrementes, desaparecera no espaço linear, mantendo uma rota dirigida aos limites exteriores da Nebulosa de Andrômeda. A morte de Regnal-Orton abalara Bell visivelmente. Notava-se perfeitamente que ele se censurava asperamente. Ele mesmo subtraíra-se o mais importante prisioneiro que a frota terrana jamais fizera, em sua história de mais de quatrocentos anos. E nem sequer conseguira ficar com o ativador de células que o mestre da galáxia usara. O pequeno aparelho desfizera-se, literalmente, poucos minutos depois da morte de Regnal-Orton, num rebrilhar de luz fria, mas deslumbrante. Bell estava sentado, abatido, numa poltrona imensa, que parecia grande demais para ele. Passava a mão no queixo, vagamente, olhando para Rakal: — O seu relatório, por favor. Nós nos encontramos no caminho de volta à zona limítrofe, entretanto estamos prontos a voltar, caso seja necessário. Conte-me o que lhe aconteceu. Não espere! Comece dizendo-me por que o ataque a Vario teve que ser suspenso. Rhodan encontra-se em Vario? Rakal sacudiu a cabeça. Antes que ele pudesse responder, Bell intrometeu-se: — Os mestres da galáxia sabem de nossa existência? — Sabem, sir, já há algum tempo — respondeu Rakal, antes que Bell pudesse formular outra pergunta. Bell respirou fundo. Rakal sabia o motivo. Com o ataque a Vario, Reginald Bell quebrara a regra pela qual as unidades terranas na Nebulosa de Andrômeda não deviam revelar, de modo algum, a sua identidade. Os tefrodenses, e os seus chefes, os mestres da galáxia, deviam pensar que estavam combatendo naves espaciais de raças revoltadas. Reginald Bell, com sua investida contra Vario, revelara o segredo — se é que a esse tempo isto ainda era um segredo. — Portanto voltamos outra vez à primeira pergunta — começou Bell novamente. — Por que o ataque a Vario foi suspenso? Perry Rhodan encontra-se nesse planeta? Neste caso, devo dizer-lhe que eu não tinha absolutamente a intenção de fazer de todo o planeta um... — Desculpe-me, sir — interrompeu Rakal. — O Administrador-Geral não se encontra em Vario. No momento ele se encontra a cerca de dois mil e seiscentos anos-luz longe de Kahalo — Reginald Bell sentou-se, muito ereto. Rakal fez que não viu nada. — Além disso, ele se encontra precisamente a cinqüenta mil anos do passado. O Portal do Tempo que efetuou este deslocamento está em Vario. E porque eu temia que o alçapão do tempo pudesse ser danificado, eu lhe pedi para desistir de continuar o seu ataque contra Vario.
Passou-se um minuto, sem que Reginald Bell dissesse uma só palavra. Depois, finalmente, conseguiu dizer: — Conte-me tudo isso, mais uma vez, Woolver! Rakal fez um relato bem detalhado — desde o instante em que a Crest voara através do Portal do Tempo, até o segundo em que Tako Kakuta surgira a bordo da nave de Regnal-Orton. Reginald Bell não o interrompeu uma só vez, e isso era muito significativo.
*** ** *
Eles venceram o servo do agente do tempo — e conseguiram prender um dos senhores da galáxia! A entrada em ação dos dois cavalgadores de ondas fez com que Reginald Bell, lugar-tenente de Perry Rhodan no “tempo real”, fosse informado sobre o paradeiro do seu amigo, e impedido, no último instante, de destruir o transmissor de tempo “Vario”. Para Rakal e Tronar Woolver e outros homens começa, em seguida, uma nova missão: A Ofensiva no Tempo e no Espaço! Ofensiva no Tempo e no Espaço é o título do próximo volume da série Perry Rhodan.
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