(P-040)
LUTA CONTRA O DESCONHECIDO Autor
CLARK DARLTON
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
A nave Titan é o couraçado espacial mais poderoso do Universo, apesar disso tem de ocultar-se dos seus perseguidores...
A história da Terceira Potência em poucas palavras: 1971 — O foguete Stardust chega à Lua, e Perry Rhodan descobre a nave exploradora dos arcônidas que realizou um pouso de emergência (Perry Rhodan, vol. 1). 1972 — Criação da Terceira Potência, contra a resistência combinada das grandes potências terranas, e defesa contra as tentativas de invasão vindas do espaço (vols. 2 a 9). 1975 — Pela primeira vez a Terceira Potência intervém nos acontecimentos galácticos. No sistema de Vega, Perry Rhodan defronta-se com os tópsidas e procura solucionar o enigma galáctico (vols. 10 a 18). 1976 — Perry Rhodan atinge, a bordo da Stardust-III, o planeta Peregrino e juntamente com Bell alcança o dom da imortalidade relativa, mas perde mais de quatro anos (vol. 19). 1980 — Perry Rhodan regressa à Terra e vê-se obrigado a lutar pelo planeta Vênus (vols. 20 a 24). 1981 — O Supercrânio ataca, colocando a Terceira Potência diante da provação mais difícil de toda sua existência (vols. 25 a 27). 1982/1983 — Os mercadores galácticos querem transformar a Terra num mundo colonial, mas Perry Rhodan faz o feitiço virar contra o feiticeiro e toma-lhes uma base muito importante (vols. 28 a 37). 1984 — Avanço de Perry Rhodan para Árcon (vols. 38 e 39). Mesmo para Crest e Thora, dois arcônidas que durante treze anos não tiveram qualquer contato com seu mundo, Árcon oferece surpresas enormes, que naturalmente são ainda maiores para Perry Rhodan e os astronautas do planeta Terra. Apesar disso conseguem enganar o grande cérebro positrônico que governa Árcon. Apoderam-se da Titan, a maior nave espacial do Universo conhecido. Mas, para conservar a Titan, têm de empenhar-se na Luta Contra o Desconhecido, esse desconhecido que é um inimigo terrível.
= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = = Perry Rhodan — Chefe da Terceira Potência. Reginald Bell — Que cai na cilada que arma para Gucky. Thora e Crest — Que depois de uma ausência de treze anos se vêem diante de uma alteração política fundamental em Árcon. Ras Tschubai e Tako Kakuta — Cujo surgimento inopinado põe em polvorosa toda uma nave espacial. Hemor — Comandante de uma nave espacial de Zalit. Demesor — Vice-imperador de Árcon e soberano do sistema de Voga. John Marshall — Um “espião mental” que cumpre uma missão muito importante.
1 — Isto já não é uma nave espacial; é um planeta — disse Bell com a voz ofegante, deixando-se cair no poço negro do elevador antigravitacional, seguido pelo tenente Julian Tifflor que fechou apressadamente os olhos e seguiu seu exemplo. — E estamos vivendo dentro deste planeta. — O senhor tem toda razão — disse Julian Tifflor, também conhecido por Tiff, enquanto a queda foi freada automaticamente, transformando-se num suave flutuar. — Às vezes, chego a pensar que a gente se pode perder neste monstro de nave. — É justamente por isso que realizamos com constância os alarmas de treinamento — explicou Bell. — Devemos aprender a orientar-nos neste labirinto. O vermelho sadio de seu rosto largo tornou-se mais intenso. Os cabelos vermelhos cortados à escovinha lembravam uma escova que há muito tempo não era limpa. Em seus olhos azuis-claros, o aborrecimento e o espírito galhofeiro pareciam disputar a precedência. — Eu nunca aprenderei! — disse. Tiff confirmou com um movimento de cabeça, mas não respondeu. Haviam recebido ordens para dirigir-se ao posto H-35; faltava descobrir onde o tal ficava. A letra H indicava um hangar; logo, o posto devia ficar junto ao casco do gigante do espaço. O elevador os fez cair em direção ao casco externo, mas só lhes restava esperar que não tivessem escolhido o lado errado. Se isso tivesse acontecido, teriam dado uma volta de pelo menos três quilômetros. Pararam abruptamente. Tinham diante deles, o corredor muito iluminado e identificado pela letra H. “Bem, até aqui está certo”, pensou Bell aliviado e saiu do elevador. A pouca distância dali, um técnico perambulava à toa e fitou os dois recémchegados com um visível interesse. Bell dirigiu-se a ele. — Um momento, companheiro. Será que você pode informar onde fica o H-35? É a primeira vez que andamos por aqui e... — Ora, Bell! — soou subitamente uma voz vinda do nada, enchendo de recriminação o corredor cujas extremidades se perdiam numa curva suave. — Desde quando costumamos trapacear por aqui? Tiff encolheu-se de susto e procurou desesperadamente pela lente oculta de uma câmera de intercomunicação, que transmitiria sua imagem à sala de comando. Não descobriu nada. Um tanto embaraçado, olhou para Bell. Este fez a cara mais inocente deste mundo quando, acenando violentamente com a cabeça, disse para o ar: — Perry, você acha justo andar nos espionando? Ninguém consegue orientar-se neste labirinto de corredores, hangares, elevadores, andares e seções. Acho que, num caso como este, um truquezinho não tem nada demais. Eu não seria capaz de tomar uma atitude tão quadrada, Perry, e.... — Acontece que foi exatamente isso que você fez ontem — soou a resposta vinda do nada, que foi acompanhada de um riso contido, que fez Bell enrubescer de raiva. — Você estava dirigindo o exercício de alarma. Quando John Marshall não encontrou logo o lugar que lhe fora indicado, você berrou de tal forma que o coitado quase sofre uma congestão. Como é que ele poderia imaginar que até nas toaletes há câmeras ocultas?
Tiff sorriu com uma expressão de alívio no rosto, não tanto por causa das câmeras escondidas nas toaletes, mas porque estava acreditando que Perry Rhodan não levava muito a sério a pequena trapaça que estavam tentando. Mas Bell continuou furioso. — O que é que Marshall foi fazer lá na hora do alarma? — disse em tom zangado. — Qualquer um pode... — Chega! — interrompeu-o a voz. — Dou-lhes mais dois minutos para encontrar o setor H-35. Depois disso o exercício estará terminado. Daqui a meia hora, encontramonos na sala de comando. Entendido? — Está bem! — resmungou Bell e voltou-se para Tiff. — Vamos embora, Tiff. Seria uma vergonha se não encontrássemos nosso lugar sozinhos. Olhe, aqui já diz H-34. Não podemos estar longe do lugar que procuramos. Tivemos sorte! E tiveram mesmo. Antes que se passasse o prazo que lhes fora concedido, puseram as mãos sobre a fechadura de uma porta que se abriu com o calor de seu corpo. Nessa porta, lia-se em letras garrafais a indicação H-35. Era um hangar. O enorme compartimento estava tomado inteiramente por uma gigantesca esfera, que media sessenta metros de diâmetro. Era uma nave espacial do tipo girino. Desenvolvia velocidade superior à da luz, era extremamente ágil e possuía armamentos poderosíssimos, sendo protegida por potentes campos energéticos. — Graças a Deus! — disse Tiff e disse seu nome ao oficial encarregado do controle. — Chegamos em cima da hora. — De qualquer maneira, ainda chegamos na hora — constatou Bell muito satisfeito e também indicou seu nome, embora o oficial já o conhecesse. — Vamos para a sala de comando. Se não andarmos depressa, morreremos de fome antes de chegarmos lá. O próximo exercício de alarma deverá ser realizado daqui a cinco horas, se não houver nenhum imprevisto. Isto mesmo: o exercício seria realizado, se não houvesse nenhum imprevisto. E na situação em que se encontravam, era perfeitamente possível que houvesse. *** Dois monstros inteiramente diferentes um do outro mantinham-se numa imobilidade aparente em meio ao espaço infinito, que estava tão salpicado de estrelas que em nenhum ponto parecia ser negro. A quantidade dos sóis oferecia um quadro estranho ao olho humano acostumado ao céu noturno do planeta Terra. Acontece que o sol Árcon ficava a 34 mil anos-luz da Terra, situando-se em meio ao grupo estelar M-13, no qual mais de 100 mil estrelas se comprimiam num setor do espaço que media 230 anos-luz de diâmetro. Muitos dos sóis ficavam tão próximos uns dos outros que quase poderiam ser considerados sóis geminados do mesmo sistema, embora não o fossem no sentido astronômico. Árcon ficava praticamente no centro desse grupo estelar. Encontrava-se no momento a três anos-luz dos dois monstros espaciais, que gravitavam em torno de um sol gigantesco a uma distância superior a trinta bilhões de quilômetros. Com um único salto através do hiperespaço, Perry Rhodan fugira da área controlada pelos arcônidas e esperava que nas proximidades do sol vermelho tivesse tempo de habituar sua tripulação às peculiaridades da nave gigante de que se apoderara. Na situação em que se encontravam, o regresso imediato à Terra parecia-lhe muito arriscado. Aquela nave apresada era um dos monstros espaciais.
Era de formato esférico, tal qual a velha Stardust, mas tinha quase o dobro do tamanho desta. Esse supercouraçado dos arcônidas, de um quilômetro e meio de diâmetro, deixava para trás tudo que Rhodan ou qualquer ser humano teria sido capaz de imaginar. A propulsão e o armamento seguiam, em princípio, o modelo da Stardust, mas evidentemente suas dimensões eram outras. No Universo conhecido, não havia nada que pudesse romper os campos energéticos defensivos da gigantesca esfera. Duas saliências, que circundavam a esfera ao norte e ao sul da linha equatorial, abrigavam os hangares dos quarenta girinos. Tratava-se de naves esféricas de sessenta metros de diâmetro, que a qualquer momento poderiam sair das comportas da nave-mãe para intervir nas ações programadas. Sua tripulação mínima era de quinze homens. Ao lado dessa gigantesca esfera, a nave espacial Ganymed até parecia um objeto delicado, embora seu comprimento fosse de 840 metros e, no lugar em que era mais grossa, seu diâmetro chegasse a 220 metros. Todavia, não era apenas pelo tamanho, mas também pelo formato cilíndrico que se distinguia da gigantesca esfera, que Rhodan batizara com o nome Titan. A bordo da Ganymed, encontravam-se trezentos tripulantes, que ficaram livres dos treinos de adaptação aos quais tinham de submeter-se as 700 pessoas que se achavam na Titan, quer gostassem, quer não. É que fazia poucos dias que a Titan se encontrava em poder de Rhodan. A sala de controle tinha o dobro do tamanho daquela da Stardust, que permanecera estacionada na Terra. A profusão inimaginável de instrumentos e painéis de controle oferecia um quadro por demais confuso. Se Rhodan não tivesse sido submetido ao processo de aprendizagem hipnótica dos arcônidas, provavelmente nunca chegaria a compreender sua finalidade. Mas, como sua mente armazenara as informações necessárias, ele demorou poucos segundos até que a nave obedecesse ao seu comando, fazendo exatamente aquilo que desejava. Isto deixou bastante contrariado o maior dos cérebros positrônicos do Universo, que exercia o domínio total do Império da raça decadente dos arcônidas. Fora precisamente esta a maior surpresa com que Perry Rhodan se defrontara: não eram os arcônidas nem o governo real que administravam o maior império estelar da história do Universo; tais funções eram exercidas por um gigantesco cérebro positrônico. Só por isso, o Império ainda não se esfacelara. Encostado ao painel de controle, Rhodan olhava seus amigos e colaboradores que, depois do exercício, haviam sido convocados à sala de comando para um lanche. O telepata John Marshall, representante do exército de mutantes e australiano de nascimento, encontrava-se ao lado de Thora, a arcônida, que vira destruído de forma tão chocante seu sonho de um regresso triunfal para Árcon. Seu vulto ereto não traía a amarga decepção que, no íntimo, a deixara arrasada. Pelo contrário. Rhodan tinha a impressão de que a arcônida de cabelos claros e olhos dourados nunca parecera tão forte e decidida como agora. E Crest, companheiro antigo de Thora e chefe da expedição espacial realizada treze anos atrás, e que terminara num pouso forçado na Lua terrana, parecia ter acordado naquele instante de um sono longo e repousante. Rhodan sentiu-se aliviado ao constatar a modificação positiva ocorrida com os amigos. Chegara a recear que a decepção os deixaria aniquilados, mas o que aconteceu foi exatamente o contrário. O coronel Freyt, que no momento comandava a Ganymed, também estava presente. Apresentava certa semelhança exterior com Perry Rhodan, o que lhe provocava um orgulho infundado e levava Bell a, vez por outra, fazer dele o alvo de suas zombarias.
Bell estava perto de Tiff. O jovem tenente, antigo cadete da Academia Espacial terrana, conquistara a confiança plena de seu superior mais graduado e já pertencia à família, segundo a expressão que Bell costumava usar. As ações comuns já realizadas fizeram com que Tiff e Bell se tornassem bons amigos. Ainda havia Gucky. Era um ser de cerca de um metro de altura, coberto de pêlo marrom-avermelhado, que parecia um enorme rato com o rabo achatado de um castor. Os olhos castanhos de expressão meiga fizeram com que fosse apelidado de “monstro de olhos fiéis”. No fundo, Gucky não deixava de ser um monstro, ao menos no que dizia respeito às suas faculdades. No momento em que esse animal — Gucky gostava de ser designado assim, pois de forma alguma queria ser considerado um homem — entrou sorrateiramente a bordo da Stardust, quando esta se encontrava pousada no planeta do sol moribundo, e recorreu à sua capacidade telecinética para fazer suas brincadeiras, ninguém imaginava que também possuía o dom da telepatia e da teleportação. Nem mesmo o próprio Gucky desconfiava disso. Só o aprendizado meticuloso ministrado pelos mutantes de Rhodan fez com que essas faculdades viessem à tona. A essa altura, Gucky era um dos melhores amigos de Rhodan e um dos elementos mais capazes de sua equipe. Sentado em posição ereta, apoiava as costas contra a parede. O dente roedor solitário avançava ligeiramente e parecia exibir um sorriso alegre. Nos olhos suaves, viase certa impaciência. Depois de algum tempo, Gucky disse num intercosmo impecável: — Se não estou enganado, todo mundo já chegou. Por que não começamos? Estou curioso para saber onde estamos e o que vamos fazer. Sua voz era aguda e chilreante. Bell sorriu e, discretamente, cutucou Tiff. — Ainda bem que temos Gucky. Só assim não tive que formular uma pergunta tão tola. Rhodan sorriu para o rato-castor e lançou um ligeiro olhar de censura para Bell. Não era esta a hora para aquele tipo de discussão, que geralmente terminava com a derrota de Bell. — Suponho que todos conheçam a situação — principiou em tom objetivo. — A estrela gigante vermelha não consta dos mapas terranos e ainda falta dar-lhe um nome. Os cálculos já realizados demonstraram que quinze planetas circulam em torno dela, e que alguns deles são habitados ou pelo menos ligeiramente colonizados. Não temos certeza, mas ao quê tudo indica o quarto planeta é o mundo principal do sistema. Por enquanto nossa presença não foi notada. Aliás, com um tráfego destes, isso não é de admirar. — Tráfego? — perguntou Tiff perplexo. — Isso mesmo, tráfego. Não se esqueça de que nos encontramos no centro de um enorme império estelar. Os três anos-luz que nos separam de Árcon praticamente não representam nada. De qualquer maneira, aqui estamos mais seguros do que estaríamos em algum ponto abandonado da Galáxia, onde nenhuma transição deixaria de ser registrada. Aqui nossa transição apenas foi uma entre muitas outras. Ninguém notou que aparecemos neste lugar. Por isso acho preferível que prossigamos aqui com o treinamento da tripulação, antes de traçarmos nossos planos de regresso à Terra. Se é que o faremos. Bell adiantou-se. Achou que devia formular uma pergunta que interessava a todos. — Por que vamos continuar aqui? Não cumprimos nossa missão? Não procuramos levar Thora e Crest para Árcon? Pergunte a eles mesmos se ainda estão interessados em
permanecer nesta área da Via Láctea, onde formigam a decadência e os cérebros robotizados. Thora parecia prestes a dizer alguma coisa, mas permaneceu calada. Rhodan pegou o fio da meada. — Acha que já cumprimos nossa missão? Pois eu não acho. O que foi que descobrimos? Um cérebro construído pelos arcônidas, que já foram um povo muito capaz, governa este reino estelar com a violência e a lógica mais fria. Se não fosse este cérebro, o Império já teria deixado de existir, Bell. Acontece que também esse cérebro pode cometer um engano. Já tivemos uma prova disso; se não a tivéssemos, a esta hora não estaríamos vivos. O cérebro cometeu um engano. Isso prova que vale a pena tentarmos um entendimento. Quem nos garante que a esta hora um couraçado não está a caminho da Terra para destruí-la por ordem do Império dos Arcônidas? É possível que o cérebro robotizado conheça nossa posição, embora não tenhamos certeza. Se os tais dos mercadores a revelarem aos arcônidas, todo cuidado será pouco. A alternativa com que nos defrontamos é muito simples: devemos tentar mais uma vez chegar a um entendimento com o cérebro, ou será preferível regressarmos à Terra assim que conheçamos perfeitamente esta nave e estejamos em condições de manobrá-la? Não temos outras escolhas. Thora disse: — Não demorará muito para sermos descobertos por aqui. Afinal, esta nave foi roubada. Não acredite, Perry, que se conformarão com um fato destes sem usarem uma réplica. Dentro de pouco tempo, o cérebro saberá onde nos encontrar. — Dentro de quanto tempo? — Dentro de alguns dias, talvez semanas. Depende do lugar em que começarem a nos procurar, e também do comportamento dos habitantes do sistema da estrela vermelha. Aliás, o senhor não precisa dar nome a essa estrela, pois ela já o tem. Costumamos chamá-la de Voga. Voga tem quinze planetas. O quarto é o mundo principal e seu nome é Zalit. Os zalitas sempre foram súditos fiéis do Império. Não acredito que isso tenha mudado. — Zalit é um mundo de oxigênio? — É um mundo de oxigênio, como a maioria dos mundos habitados. Zalit foi colonizado pelos arcônidas há quinze mil anos. Quer dizer que os zalitas são nossos descendentes diretos. E a grande proximidade de Árcon é uma garantia de sua fidelidade. Rhodan não deixou de perceber a ameaça que estava implícita nas palavras da arcônida, pois tratava-se de uma ameaça que não era dirigida a ele. — Não sabemos o que terá mudado por aqui — disse em tom cauteloso. — Não se esqueça do que aconteceu em Árcon nos últimos treze anos. A dinastia reinante desapareceu; a senhora e Crest foram condenados ao ostracismo, porque outra família assumiu o poder. Será que em Zalit não pode ter acontecido uma coisa semelhante? — Se tivesse acontecido, Zalit já teria deixado de existir — respondeu Thora. Crest confirmou com um gesto da cabeça. — Thora tem razão, Perry. Nesse caso Zalit já não mais existiria. Bell não agüentou mais. — Por quê? — indagou. — Não venha me dizer que essa gente mole e decadente de Árcon teria tido coragem para atacar e destruir um sistema. Os arcônidas preferem ficar sentados diante dos seus televisores para contemplar figuras coloridas abstratas. A única coisa que sabem fazer é permitir que o cérebro robotizado faça o papel de governo. — Essa é uma fala muito perigosa — disse Rhodan com um sorriso muito significativo. — Acontece que é correta, e é justamente aí que está o problema. Deixam
tudo por conta do cérebro gigantesco dotado de pensamento autônomo que dirige o Império. E é muito raro que esse cérebro tome uma decisão errada. Sinto muito, Bell, mas Thora tem razão. O fato de que Zalit existe pode ser admitido como prova de que seus habitantes são súditos fiéis do Império. — E daí? — Isso significa que, se surgir algum contato, teremos de agir com muita cautela. Antes de mais nada, estou interessado em conquistar a confiança do cérebro robotizado. Sabemos que age de acordo com uma programação específica bastante antiga e está perfeitamente informado sobre a situação reinante em Árcon. Logo, sabe que seus construtores estão em plena decadência e tem interesse em selecionar e despertar os seres da raça arcônida que ainda sejam capazes de pensar. Comparados com o resto dos arcônidas, Crest e Thora podem ser considerados jovens impulsivos. Por isso o cérebro os reconhece, mesmo que não os aceite em definitivo. Tenho certeza de que também eu seria reconhecido, se conseguisse provar ao cérebro que minhas intenções são honestas. — Reconhecido como quê? — interveio o coronel Freyt, que até então havia permanecido em silêncio. — Como arcônida? Rhodan sorriu. — Faça-me o favor, coronel! Só poderia ser reconhecido como membro de um povo auxiliar leal. E isso bastaria. Ao menos poderia conservar esta nave e deslocar-me tranqüilamente no interior do Império. A Terra não correria mais nenhum perigo e gozaria da proteção indireta de Árcon. Freyt parecia aliviado. — Acho que já começo a compreender onde o senhor quer chegar. — Fico satisfeito em saber disso, coronel. Realmente, fico muito satisfeito. Já que é assim, também compreenderá por que estou tão empenhado em que os tripulantes sejam treinados quanto antes. Quando surgir a decisão, a Titan deverá estar preparada para entrar em ação. Acontece que ainda não conhecemos esta nave. Sem dúvida é uma réplica da Stardust, embora tenha o dobro do tamanho e do poderio desta. Mas existem certas diferenças que não podem deixar de ser consideradas. Ainda ontem o oficial de rádio se perdeu de tal forma durante um exercício, que levamos quatro horas para localizá-lo num setor ainda inexplorado da nave. O senhor nem imagina o que representa uma esfera de um quilômetro e meio de diâmetro. Nela poderíamos abrigar toda a população da Terra, se a comprimíssemos como sardinhas em lata. — Isso é uma especulação puramente teórica — resmungou Bell, de longe. — E no plano teórico você não pode contar com a amizade de um cérebro robotizado. — De qualquer maneira teremos que tentar, antes que ele tenha a idéia maluca de enviar ao sistema solar uma nave dirigida por robô. É bem verdade que podemos contar com os majores Deringhouse e Nyssen, que saberão defender a Terra, mas não temos a menor idéia das armas com que a mesma será atacada. — Não acredito que o cérebro conheça a posição da Terra — interveio Thora. Rhodan ergueu as sobrancelhas. — Por quê, Thora? Por um segundo seus olhares se fundiram. Rhodan teve a impressão de que um calafrio descia pela sua espinha. Como eram profundos os olhos daquela mulher, da qual não conseguira aproximar-se nos últimos treze anos. Não, não era verdade. Desde que Árcon se comportara tão mal para com Thora, o contato entre ela e Rhodan tornara-se mais estreito. De uma hora para outra, transformaram-se em verdadeiros aliados, que lutavam pelo mesmo objetivo.
A barreira que os separara durante treze anos deixara de existir. — O cérebro teria tomado outras decisões e nos dispensaria um tratamento diferente. Talvez teria chegado mesmo a matar o senhor, Perry. Não sei por quê, mas tenho a impressão de que não pode conhecer a posição da Terra. — Para nós isso representaria uma vantagem estratégica — constatou o coronel Freyt. Rhodan confirmou com um aceno de cabeça. — Isso mesmo, coronel. Aliás, o senhor pode voltar para a Ganymed assim que tivermos concluído esta conferência. Quaisquer instruções que ainda se tornarem necessárias serão transmitidas pelo intercomunicador. O uso do mesmo não representa o menor risco, pois as ondas de rádio comuns levarão três anos para chegar a Árcon. Voltando a dirigir-se a Thora, perguntou: — Como são os zalitas? Thora refletiu por um instante. — Como já disse, descendem dos arcônidas; logo, são como estes. — Conheço uma raça que descende dos arcônidas, mas hoje não apresenta a menor semelhança com seus antepassados. — O senhor está aludindo aos superpesados, que são a tropa de choque dos saltadores. Aí a coisa é diferente. Essa raça viveu durante milênios num planeta cuja gravitação é três vezes maior que a de Árcon. Acontece que neste ponto a diferença entre Zalit e Árcon é mínima. A única diferença que os zalitas apresentam em relação à nossa raça é a pele marrom-avermelhada e o cabelo cor de cobre, que às vezes possuem um brilho esverdeado, que lhe dá um aspecto de oxidação. Esse fato foi causado pela radiação solar a que estão expostos. São seres muito inteligentes, dominam a arte da navegação espacial e seu grau de decadência nem de longe atinge o de nosso povo. Zalit sempre foi considerado a colônia mais leal de Árcon. Rhodan lançou um olhar atento para Thora. Depois de algum tempo perguntou: — Parece que há uma contradição em suas palavras, Thora. Se os zalitas não são decadentes, mas formam uma raça ativa e inteligente, não compreendo como podem ser os vassalos obedientes de um povo que lhes é inferior. Uma sombra fugaz passou pelo rosto de Thora. — Como já disse, Árcon fica a apenas a três anos-luz de distância, e se houvesse qualquer revolta, o cérebro robotizado não teria a menor contemplação. Os zalitas sabem disso. Nunca poderão arriscar-se a promover uma rebelião aberta contra Árcon. — Compreendo, Thora — disse Rhodan, que viu suas suposições confirmadas. Talvez os zalitas pudessem vir a tornar-se seus aliados. De repente, John Marshall adiantou-se. Havia uma expressão rígida em seus olhos. Rhodan logo compreendeu que acabara de receber uma mensagem telepática. De onde teria vindo? De um dos mutantes que se encontravam a bordo da Titan? — O que houve, John? Naquele instante Gucky saltou para a frente e chilreou em tom agudo: — É a Ganymed. Está se afastando de nós. Marshall só pôde confirmar as palavras de Gucky com um aceno de cabeça, de tão surpreso que ficou. Parecia que por um instante se esquecera de que não era o único telepata que se encontrava na sala de comando. — O que é isso? — exclamou o comandante Freyt que, como comandante da outra nave, não podia ignorar que a mesma circulava numa órbita estável em torno do sol Voga,
tal qual a Titan. — A Ganymed não pode afastar-se da Titan enquanto os propulsores estiverem desligados. — Acontece que se afasta — insistiu John. — Captei o impulso mental de um dos oficiais, que se encontra na sala de comando da Ganymed e observou o afastamento. A qualquer momento deverá entrar em contato conosco. Realmente não demorou três segundos até que o telecomunicador começasse a dar sinal. Com um salto, Rhodan colocou-se diante do aparelho e o ligou. Mais alguns segundos se passaram até que a tela se iluminasse e o rosto preocupado de um homem ainda jovem surgisse. O coronel Freyt colocou-se ao lado de Rhodan. — O que aconteceu, tenente Martin? Como é que a Ganymed pode afastar-se da Titan, se... — O senhor já sabe? — perguntou Martin perplexo, mas logo compreendeu, quando viu Marshall e Gucky. — Ah, já sei. Será que os meus pensamentos foram tão intensos? Sim senhor, a Ganymed deve ter saído da órbita; aproxima-se do sol vermelho. Não me ocorre qualquer explicação. Peço instruções. — Um momento! — interveio Rhodan e ligou outras telas visuais. — Antes de mais nada, precisamos saber o que realmente está acontecendo. Talvez seja uma ilusão... — Não é nenhuma ilusão! — exclamou o tenente Martin, que se sentia desesperado porque pareciam não acreditar nele. — Não há dúvida de que nos afastamos do senhor. Rhodan não respondeu. Aguardou até que a fileira das telas se iluminasse, exibindo o quadro do mundo exterior. A Ganymed encontrava-se na mesma direção do sistema e afastava-se em movimento bastante acelerado na direção do sol gigante. Enquanto isso, a Titan continuava a gravitar na mesma órbita. — Não tome nenhuma providência — ordenou Rhodan. — Aguarde instruções. Entendeu? — Sim senhor — respondeu o tenente Martin, que tinha o aspecto de um homem que preferia não ter entendido. A atitude de espera não parecia ser a maior das suas paixões. Rhodan dirigiu-se a Bell. — Formule uma indagação ao cérebro de navegação. Queremos saber se a Titan saiu de sua órbita e, em caso positivo, qual é o desvio? Ande depressa. — A Titan? — indagou Bell totalmente perplexo. — Acho que você está aludindo à Ganymed... — Não, é mesmo a Titan — disse Rhodan em tom insistente. — Já ouviu falar em ilusão ótica ou erro de relatividade, meu chapa? Não é possível constatar a olho nu se somos nós ou os outros que se deslocam ou se afastam. E, uma vez que nós nos deslocamos em direção a Árcon, tenho cá as minhas desconfianças. Entendido? O silêncio, que de repente se instalou na sala de comando, provou que todo mundo havia compreendido. *** Os cálculos provaram de forma inequívoca que alguma força invisível e não identificável arrastava a Titan para fora do campo de gravitação do sol vermelho. A Ganymed continuava a gravitar livremente em torno do gigantesco sistema.
Rhodan ligou o intercomunicador assim que Bell lhe apresentou o resultado dos cálculos positrônicos. Limitou-se a acenar com a cabeça e esperou até que a instalação se aquecesse. Com alguns movimentos da mão, entrou em contato com todos os compartimentos da nave. Sua voz seria ouvida em toda parte. — Atenção, todos os tripulantes — principiou Rhodan. Seu rosto magro com os olhos cinzentos estava tenso, revelando a vontade férrea de enfrentar não apenas os inimigos humanos mas, se fosse necessário, também o gigantesco cérebro robotizado. — Ao que tudo indica, encontramo-nos sob o efeito de fortes radiações de sucção. Uma vez que nos deslocamos em direção a Árcon, devemos supor que o emissor se localiza nesse planeta. Transmito-lhes essa informação como esclarecimento. Todos os homens deverão dirigir-se imediatamente aos postos de combate. É possível que sejamos atacados assim que nossa posição se torne conhecida. Cinco girinos devem ser tripulados e colocados em regime de prontidão para decolar. Aguardem novas instruções. Rhodan desligou e estabeleceu contato audiovisual com a Ganymed. — É o tenente Martin? Sua posição continua inalterada. Não tome nenhuma providência. Enquanto o coronel Freyt se encontrar na Titan, o senhor exercerá o comando da Ganymed. Peço sua confirmação. — Está bem — soou a resposta lacônica antes que Rhodan interrompesse a comunicação. Bell estava acomodado na ampla poltrona do piloto, tendo diante de si os controles de navegação. Não tirava os olhos da tela que reproduzia as áreas em que ficava Árcon. Ao que tudo indicava, contava a qualquer momento com o aparecimento de unidades da frota arcônida. Thora e Crest pareciam indecisos. O coronel Freyt juntou-se a eles e procurou obter alguma informação sobre a estrutura do radiador de sucção que captara a Titan. John Marshall e Tiff conversavam em voz baixa. Gucky não estava mais por ali. Devia ter saído da sala de comando sem que ninguém o percebesse, para mais uma vez trilhar seus próprios caminhos. Com um movimento repentino, Rhodan ativou os propulsores situados ao redor da linha equatorial da nave. Os gigantescos conversores de impulsos desenvolviam tamanha potência, que a nave Titan, acelerada à razão de 600 quilômetros por segundo ao quadrado, era capaz de atingir a velocidade da luz em menos de dez minutos. Graças aos campos antigravitacionais, que funcionavam automaticamente, não se percebia a enorme pressão, que corresponderia a sessenta mil vezes a gravitação normal da Terra. Rhodan foi ativando os propulsores dirigidos para Árcon. Bell teve trabalho. O cérebro de navegação foi cuspindo os primeiros resultados. A distância que os separava do sol vermelho de Voga continuava a crescer na mesma proporção. E isso não se alterou quando Rhodan deu maior potência aos propulsores, aumentando a força que trabalhava em sentido contrário a Árcon. Até parecia que alguma coisa neutralizava o mecanismo de propulsão da Titan. O rosto de Rhodan assumiu uma expressão mais séria. Lançou um olhar para Bell. Hesitou por um instante e ligou os propulsores para a potência máxima. No interior da gigantesca esfera, cresceu o zumbido e a vibração dos conversores. Os ouvidos dos homens começaram a ressoar e a palpitação do próprio coração foi ouvida de forma quase dolorosa, como se fosse a pulsação de um enorme Universo. O chão sob os pés começou a tremer.
A Titan lutava com todas as forças contra a tremenda energia que se apoderara dela e pretendia arrastá-la em direção a Árcon. Bell comprimiu algumas teclas. O cérebro de navegação começou a funcionar com um zumbido e, poucos segundos depois, empurrou uma fita estreita de metal cintilante para cima da mesa. As cifras gravadas na mesma eram claras e inequívocas. Continuavam a afastar-se de Voga com a mesma velocidade. Rhodan desligou os propulsores. Sua voz fria interrompeu o silêncio repentino: — O cérebro robotizado é mais forte que nós. E agora? O coronel Freyt provou que era dotado de um raciocínio rápido. — Precisamos saber se os raios de tração atingem apenas a Titan. Sabemos que a Ganymed está livre de sua influência. Se isso também acontece com os girinos, podemos pegar alguns deles e voltar à Ganymed. Rhodan acenou com a cabeça. — Não há dúvida de que com isso nos salvaríamos, mas perderíamos a nave mais potente do Universo. Acredito que a Terra ainda precisará da Titan. Devemos desistir dela por uma simples questão de segurança pessoal? — O que adianta tudo isso se nos tornarmos prisioneiros de Árcon? — perguntou Freyt em tom exaltado. — O que conseguiríamos com isso? — Nada — admitiu Rhodan em tom objetivo. — Não pretendo entregar-me voluntariamente a uma prisão da qual mal acabamos de escapar. Mas não pretendo desistir tão depressa. Desta vez também deve haver uma possibilidade de enganar o cérebro. De qualquer maneira, só pretendo defrontar-me com ele quando dispuser de um trunfo. — Trunfo? — Isso mesmo. Apenas quero que me reconheça. Freyt não respondeu. Sem dizer uma palavra olhava para as telas e viu que o sol de Voga já começava a encolher. A velocidade da Titan devia ter aumentado consideravelmente. A Ganymed era vista apenas como um pontinho luminoso. De repente, Tiff começou a falar: — Será que a radiação emitida pelo cérebro robotizado pode ser medida? Rhodan lançou-lhe um olhar indagador. — O que quer dizer com isso? — Se a mesma puder ser medida e, portanto, constatada, saberemos ao menos se a mesma age apenas sobre a Titan, ou se é irradiada para o espaço ao acaso e só nos atingiu sem querer e de forma totalmente difusa. O rosto de Rhodan iluminou-se. Fez um gesto amável para o jovem tenente e voltou-se para Bell. — O que dizem os instrumentos? Refiro-me principalmente aos medidores de radiações embutidos nas paredes externas. Dali a dois minutos tiveram a resposta. A intensidade dos raios de tração podia ser medida; portanto, constatava-se em qualquer tempo ou lugar se as radiações estavam presentes. A comunicação com a Ganymed não demorou a ser estabelecida. Um ligeiro exame revelou que a mesma quantidade de raios de tração agia sobre a antiga nave dos saltadores, mas sem o menor resultado. Era este o ponto de partida fundamental.
Rhodan tirou suas conclusões com a lógica que lhe era habitual. — Muito bem. Já sabemos que só a Titan obedece à vontade do cérebro robotizado; a Ganymed não é atingida pela mesma. Daí podemos concluir com alguma segurança que nesta nave deve haver uma ligação especial, que pode ser ativada pelo cérebro até mesmo a uma distância de três anos-luz. Depois de ativada a chave, e só depois disso, os raios de tração tornam-se eficazes. Portanto, o problema com que nos defrontamos é o de localizar e neutralizar a ligação especial — lançou um olhar de desafio ao coronel Freyt. — Então, coronel, ainda acha que seria preferível abandonarmos esta bela nave e fugirmos para a Ganymed? — Podemos fazer o possível para conservá-la — disse Freyt. — Não seria nada mau. Rhodan sorriu, mas logo se tornou sério quando Bell lhe forneceu o próximo cálculo de navegação. A velocidade da Titan duplicara. — Como é que vamos encontrar esta maldita ligação? — perguntou Bell com a voz zangada. — Numa nave que é um mundo por si... — Os conversores não falharam; continuariam a trabalhar sem a menor alteração. Portanto, a ligação só pode localizar-se entre as salas dos propulsores e o anel externo de emissão de radiações — retrucou Rhodan. — Com isso o espaço em que devemos concentrar nossas buscas fica bastante menor — olhou em torno. — Aliás, onde está Gucky? Ao que parecia, também os outros só agora se davam conta de que o rato-castor não se encontrava mais na sala de comando. John Marshall disse em tom de decepção. — Não consigo captar seus impulsos mentais; deve tê-los isolado. — Talvez esteja na... — principiou Bell, mas interrompeu-se em tempo ao ver Thora. Sorriu. A imagem daquilo que pretendia dizer era muito esquisita. — Talvez Anne Sloane possa ajudar-nos — sugeriu Marshall. Anne Sloane era uma ótima telecineta do exército de mutantes e já provara por várias vezes que suas faculdades não ficavam atrás das de Gucky. Infelizmente era menos versada em assuntos técnicos que o rato-castor inteligente. — Gucky não pode ter desaparecido — disse Rhodan. Finalmente concordou com um ligeiro aceno de cabeça. — Muito bem, Marshall, vá chamar Anne. Depois que o telepata tinha saído da sala, Freyt perguntou: — Por que não chamou Miss Sloane pelo intercomunicador? — Porque não quero deixar a tripulação nervosa — respondeu Rhodan. — Ainda não se habituou à nave e não confia na Titan. Isso só mudará depois que tivermos passado galhardamente pelos primeiros batismos de fogo — olhou para as telas. — Este é o primeiro. John Marshall voltou dali a dez minutos. A expressão de seu rosto era de uma estupidez indescritível. Apesar da seriedade da situação Bell divertiu-se com aquele quadro, que para ele era extremamente alegre, mas preferiu conservar esta opinião para si. Rhodan perguntou em tom perplexo: — O que houve? Até parece que alguém lhe roubou a ração de emergência. — Anne Sloane não estava mais lá. Gucky a chamou há dez minutos. E também levou Wuriu Sengu.
Sengu era um japonês que, graças a um dom resultante da mutação por que passara, enxergava através de matéria compacta. Costumava ser designado como o espia do exército de mutantes. — Ah, é? — perguntou Rhodan. Nem parecia muito decepcionado. — Quer dizer que já se pôs a caminho com Miss Sloane e Sengu para agir por conta própria. Só mesmo Gucky! — Como será que ficou sabendo disso? — perguntou o coronel Freyt perplexo. — Não estava mais na sala de comando quando realizamos as medições. — Não se esqueça de que é um telepata; deve ter acompanhado nossa conversa. E resolveu tomar logo as providências que se tornavam necessárias. Não posso deixar de reconhecer que agiu com muita inteligência ao procurar reforços, sem esquecer o espia. Bem, acho que podemos aguardar tranqüilos para ver o que vai acontecer. E não demorará para termos outras informações... A suposição de Rhodan revelou-se verdadeira. Bell acabara de levantar-se e estava conversando com o coronel Freyt, quando o ar agitou-se na sala e os contornos do rato-castor começaram a assumir forma. Sem dar a menor atenção às demais pessoas que se encontravam presentes, arrastou-se em direção ao lugar do piloto e com um salto escorregou para dentro da poltrona vazia de Bell. O dente-roedor emitia um brilho triunfal. Gucky estava sorrindo. Rhodan aguardou paciente, enquanto ao longe, Bell começou a esbravejar. Depois ficou calado quando Gucky se virou num gesto de advertência, levantou a pata esquerda e apontou para o teto. Bell não teve a menor vontade de constatar mais uma vez que um telecineta é mais forte que o comum dos mortais, mesmo que este tenha passado por uma ducha celular. Tranqüilizado, Gucky voltou a encarar Rhodan. — A ligação ficava junto ao cinturão externo e estava hermeticamente fechada. Mesmo com os instrumentos mais eficientes e os cortadores de impulso mais potentes teríamos levado meses para romper as grossas paredes de arconita. Reunindo minhas forças às de Anne, consegui desligar e bloquear o contato — Gucky continuava a sorrir. — Só mesmo a telecinese seria capaz de uma coisa dessas. Acho que os construtores da nave não contaram com esta possibilidade. — Foi um serviço bem feito — elogiou-o Rhodan, acariciando o pêlo sedoso da nuca do rato-castor. — Às vezes, chego a acreditar que nunca conseguiria arranjar-me sem você. Gucky parou de sorrir. O dente roedor desapareceu num instante. Num gesto quase humilde o pequenino sujeito inclinou a cabeça e colocou o rosto sobre as mãos de Rhodan, que puxara para junto de si. Depois voltou a levantar-se e virou-se. — Bell, logo lhe mostrarei quem de nós é o maior hipócrita. Você merece outra lição. Antes que alguém pudesse impedi-lo, Gucky desceu da poltrona, caminhou em direção a Bell e desapareceu juntamente com o homem tomado de surpresa, que não soube controlar seus pensamentos. Gucky teleportara-se com ele para outro lugar. O coronel Freyt parecia perplexo. — O que é isso? Rhodan sorriu e deixou que o controle de navegação começasse a funcionar.
— O senhor terá de acostumar-se a isso, coronel. Gucky e Bell são os melhores amigos deste mundo; apenas, não querem confessá-lo. Pelo que conheço do rato-castor, o mesmo dará uma lição àquele atrevido, para ter sossego por alguns dias. Ah, o resultado... — segurou a fita e fez um gesto de satisfação. — Apenas desenvolvemos a velocidade resultante da massa da nave. Será fácil modificar isso. Mais uma vez os conversores de impulsos começaram a uivar, mas dessa vez sua atividade não ficou sem resultado. Dentro de poucos segundos o vôo vertiginoso da Titan em direção a Árcon foi neutralizado e a nave começou a deslocar-se em sentido contrário. Dali a dois minutos, voltaram a avistar a Ganymed. Pelas novas medições concluiu-se que os raios de tração do distante cérebro robotizado continuavam a agir com a mesma intensidade; apenas, não encontravam mais nenhum ponto de apoio. Com isso ficou provado que sua posição não era conhecida, e que só por acaso foram atingidos pelas radiações emitidas ao acaso. Quando a Titan se encontrava novamente perto da Ganymed e voltara a descrever a órbita anterior, Gucky apareceu na sala de comando. Quando perguntaram por Bell, fez a cara mais inocente deste mundo e não deu qualquer resposta. Só quando Bell deixou de comparecer à conferência seguinte, Rhodan começou a preocupar-se. Não estivera em seu camarote. Será que resolveu dar mais algumas voltas para explorar a nave? A repugnância que o tamanho da esfera lhe causava era bem conhecida; logo, também não devia contar com essa possibilidade. Gucky permaneceu calado. E Marshall não conseguiu descobrir nada, já que o ratocastor bloqueou seu cérebro. Só dali a seis horas um dos técnicos, que estava fazendo uma ronda pelos corredores do segmento interior da esfera, ouviu batidas estranhas vindas de um setor da nave onde até então ninguém havia pisado. Seguiu a direção do som e, em sua imaginação, já se via diante de monstros desconhecidos que deviam habitar as profundezas da gigantesca esfera. As batidas vinham da área em que ficavam as instalações sanitárias. As mesmas foram entremeadas por um terrível uivo, igual ao que seria emitido por alguém que não sabia se devia dar preferência à raiva ou ao desespero. O técnico viu-se diante de uma porta trancada. A fechadura, que era muito simples, só podia ser acionada pelo lado de fora, caso não tivesse sido trancada por dentro. Afinal, os construtores da Titan eram apenas humanos. O técnico também. Sentiu compaixão, mesclada com um heróico arrojo de descobridor. Puxou a arma e abriu a porta. Teve a cautela de saltar para trás e levantar a arma, mas logo a baixou quando viu a miserável figura humana que, depois de seis horas de espera, finalmente pôde sair do compartimento que não fora dimensionado para uma permanência tão longa. Não era outro senão Bell, há tanto tempo desaparecido. Ninguém sabia como poderia ter entrado num compartimento fechado por fora. Só Rhodan e as pessoas que com ele se encontravam na sala de comando tinham suas desconfianças. Além de Bell, só uma pessoa sabia o que realmente havia acontecido. Era o ratocastor, que fitava o mundo com os olhos mais ingênuos que se poderiam imaginar. Mas tanto este como Bell preferiram calar a boca.
2 O calendário automático de bordo, regulado para o tempo terrano, indicava o dia 17 de junho de 1.984. Desde o dia anterior não houvera qualquer alteração. A sala de rádio da Titan ficou guarnecida o tempo todo e os receptores trabalhavam ininterruptamente para captar e registrar todas as notícias irradiadas de Árcon. Os rastreadores estruturais constatavam toda e qualquer transição que se realizasse nas áreas próximas e armazenavam os respectivos dados no cérebro positrônico de bordo, que os forneceria a qualquer tempo. Por esses dados, no sistema a que pertencia o sol Voga, ocorriam cerca de quinhentas transições por hora. Não era de admirar que a Titan ainda não fora descoberta. Aos poucos Rhodan começou a ter uma idéia exata da situação em que se encontravam. Sem dúvida, o cérebro robotizado de Árcon desencadeara o alarma geral. Todas as forças estacionadas na nebulosa M-13 haviam sido instruídas a dar aviso assim que avistassem o gigante espacial. Não foi expedida nenhuma recomendação para um ataque direto, pois o cérebro robotizado sabia perfeitamente que na mão de um comandante audacioso a nave roubada era inexpugnável. Com isso teve início a maior operação de busca jamais realizada naquele setor da Via Láctea. Ninguém poderia supor que em qualquer parte da Galáxia já teria havido algo de parecido. Rhodan manteve-se na expectativa. Enquanto não o descobriam, dispunha de tempo para prosseguir no treinamento da tripulação. Só depois de concluído esse treinamento poderia elaborar novos planos. Então o regresso à Terra não constituiria mais nenhum problema. Mas antes disso, pretendia conseguir uma coisa: queria provar ao cérebro robotizado que era um amigo do Império. As informações continuavam a chegar. Eram fornecidas pelo chefe do setor de rádio. — Setor BM-G-Y-387-J. Transições intensas na direção CN-G-6-K. Nenhuma unidade nossa no setor. Prosseguimos nas investigações. Provavelmente mais de uma nave. Fim. Não havia assinatura. Nenhuma indicação. Apenas o aviso. Bell, que já se recuperara de sua aventura pessoal, devolveu o bilhete e olhou para Rhodan. — E daí? Já estamos ouvindo isto há horas. Não devem estar aludindo a nós. — Ninguém afirmou que estejam, mas é bem possível que de repente seja expedido um aviso para Árcon que nos diga respeito. Devemos estar preparados para isso. Bell passou a mão pelo queixo. — Não compreendo por que você faz questão de ficar por aqui quando temos uma excelente oportunidade de dar o fora sem que ninguém o perceba. Deixe que o cérebro robotizado pense a nosso respeito o que quiser. O que importa é estarmos fora de seu alcance.
— Quem poderia dizer qual é o alcance de um cérebro como este? — disse Rhodan com o sorriso frio. — Bem, esta nebulosa tem um diâmetro de menos de duzentos e trinta anos-luz. É de supor que isso baste ao monstro. — Pois eu acho que provavelmente não basta. A segurança do Império é o mais importante. Ao que tudo indica, representamos uma ameaça a essa segurança. Tenho certeza de que, quando surgir uma ameaça, o alcance do cérebro não seja medido por anos-luz. E ainda tenho certeza de que está em condições de, dentro de meia hora, lançar a partir daqui um ataque contra a Terra e destruí-la. Basta que isso lhe pareça necessário, e a posição de nosso planeta lhe seja conhecida. Será que você já começou a compreender o perigo que nos ameaça? Bell parecia assustado, mas assim mesmo contestou as palavras de Rhodan: — E daí? O que você espera conseguir ficando por aqui? Nem por isso o cérebro se tornará menos implacável. Afinal, roubamos uma nave do Império. — Se conseguirmos provar que isso foi feito apenas em benefício do Império, o cérebro robotizado não poderá fechar-se a esse tipo de lógica. Apenas, teremos que apresentar a prova. — Como pretende fazer isso? Quando Rhodan esteve a ponto de responder, um dos operadores de rádio entrou na sala. — Ligue as telas de observação ótica. Uma nave vinda do sistema de Voga aproxima-se de nós. Rhodan agiu com uma rapidez fulminante. Com alguns movimentos manuais, pôs as telas a funcionar. Só depois disso formulou sua pergunta ao operador de rádio: — Uma única nave? É muito grande? — Não acredito que represente qualquer perigo. Tem menos de cem metros de comprimento. Não desenvolve mais que a velocidade da luz e, se realizar a desaceleração normal, deverá estar aqui dentro de meia hora. — Obrigado — respondeu Rhodan e viu que as telas se iluminaram. — Preste atenção aos sinais transmitidos pelo rádio e avise-me assim que surgir qualquer novidade. Voltou a dedicar sua atenção às telas, onde começou a surgir o espaço cósmico. Era difícil fazer o reconhecimento da nave em meio à profusão de estrelas. Bell ligou o localizador especial, que funcionava segundo um princípio semelhante ao do radar. Não demoraria mais que alguns segundos para localizar a nave desconhecida. Uma vez regulado o amplificador, a nave surgiu nitidamente na tela especial. Realmente tinha cem metros de comprimento, seu formato era o de um torpedo e na parte mais espessa devia ter uns vinte e cinco metros de diâmetro. Uma fileira de escotilhas redondas estava iluminada, daí se concluía que seus ocupantes não faziam questão de permanecer ocultos. E a rota, que se dirigia exatamente para o ponto onde se encontrava a Titan, constituía outra indicação que reforçava tal conclusão. Bell estreitou os olhos. — Parece que teremos visita. Será que acreditam que nossa nave é do Império? — Acho que a notícia do roubo já deve ter corrido por aí — disse Rhodan, exprimindo opinião diferente. Estabeleceu contato com a Ganymed, que flutuava no espaço a menos de dois quilômetros de distância. O tenente Martin respondeu. Rhodan pediu-lhe que avisasse imediatamente o coronel Freyt para atender ao telecomunicador. Dirigindo-se a Bell, prosseguiu sem interromper a comunicação:
— O comandante dessa nave sabe perfeitamente quem tem diante de si. E isso me deixa mais espantado com seu comportamento que, para usarmos um termo suave, pode ser qualificado de atrevido. — Estou curioso para ver esse sujeito — disse Bell muito alegre. O coronel Freyt apareceu na tela. — Já o notamos — disse, aludindo evidentemente à nave desconhecida. — Vem do sistema. Se não estou muito enganado, deve ser um zalita. — É muito provável que seja — confirmou Rhodan. — Seja como for, coloque a Ganymed em estado de prontidão para a defesa. Não sabemos de que tipo de armamento dispõem os zalitas. Se surgir algum perigo, não aguarde minhas instruções. Destrua o desconhecido, mas só o faça em legítima defesa. Entendido? — Entendido. Só em legítima defesa. Rhodan desligou. Podia confiar em Freyt. Pelo aparelho de intercomunicação de bordo estabeleceu contato com a sala de estar dos mutantes. John Marshall respondeu ao chamado. — É a sala de comando que está falando — disse Rhodan. — Marshall, mantenhase de prontidão juntamente com todo o destacamento. Peça a Ralf Marten e a Gucky que venham até aqui. Apresse-se. Prepare Ras Tschubai e Tako Kakuta para uma possível missão. Fim. As pessoas nomeadas por último eram teleportadores, que pela simples força da vontade podiam transportar-se para qualquer lugar. Ralf Marten possuía outro dom, que possibilitava a execução de uma missão de reconhecimento sem despertar a atenção de ninguém. Era o teleótico do destacamento. Estava em condições de neutralizar seu ego, vendo e ouvindo pelos olhos e ouvidos de outras criaturas. Sem que a pessoa o soubesse, o espírito de Marten podia instalar-se nela e utilizar seus reflexos. — Para que precisamos de Marten? — perguntou Bell admirado. — Será que você pretende fazer uma visita indireta àqueles desconhecidos? — Por que não? — respondeu Rhodan laconicamente, pois no mesmo instante Marten e Gucky entraram na sala. O rato-castor lançou um olhar galhofeiro para Bell, arrastou-se até a poltrona mais próxima e subiu à mesma. Ralf Marten aguardou, cortês, junto à porta, até que Rhodan lhe fizesse sinal para acomodar-se na outra poltrona. — Uma nave desconhecida aproxima-se da Titan — explicou, já que Ralf Marten não era telepata. — Quero saber quem está a bordo da mesma e quais são os planos. Gucky, já captou algum impulso? — Já, sim, mas são impulsos muito estranhos — disse o rato-castor com a voz tranqüila. — Não consigo entendê-los. — Não são pensamentos ordenados? — Há alguns, mas os mesmos são superados por outros impulsos, que para mim se tornam incompreensíveis. Quer que salte? A distância já não é tão grande e a nave aproxima-se a uma velocidade de apenas quinhentos metros por segundo. — Como sabe disso? Gucky sorriu. — Está escrito ali no observador. Rhodan ficou aborrecido por ter formulado uma pergunta supérflua. Mas nem mesmo ele podia estar livre de uma coisa dessas. Nós últimos minutos, deixara de prestar atenção à nave desconhecida. — Marten, procure introduzir-se no corpo de um dos seres que se encontram a bordo daquela nave, pois precisamos saber o que há por lá. Escolha qualquer indivíduo,
pois esse detalhe não tem a menor importância. Enquanto isso, Gucky continuará a captar impulsos e talvez acabe por identificar um deles. Não é possível que nessa canoa só exista gente maluca. Ralf Marten recostou-se na poltrona e fechou os olhos. Poucos segundos depois uma rigidez cadavérica apossou-se de seu corpo. Sua respiração era muito débil e o pulso era quase imperceptível. Já se encontrava a muitos quilômetros de distância, a bordo da outra nave. Gucky suspirou e voltou a mergulhar na sua tarefa de ir ao encontro do desconhecido com suas antenas telepáticas. Seu cérebro extremamente eficiente captou grande quantidade de impulsos mentais, e alguns deles tinham um sentido definido. Mas todos eles eram superados por padrões abstratos de pensamento, que não conseguia interpretar. De súbito sentiu uma coisa diferente... Alguma coisa parecia caminhar cautelosamente em direção ao seu cérebro. Ainda hesitava, como se estivesse cego e tentasse ao acaso. Gucky estacou e logo se isolou, sem dar sinal de si. O desconhecido continuou a tatear, parecia não encontrar nada, e desapareceu. Gucky já sabia a quantas andava. Sacudiu o corpo e olhou para Rhodan. — Os ocupantes dessa nave são ésperes — disse em tom pensativo. — São telepatas que também possuem uma capacidade sugestiva pouco desenvolvida. Bem que poderia ter imaginado. Rhodan ficou surpreso. — Thora não mencionou quaisquer capacidades parapsicológicas dos zalitas. Hum, que coisa estranha! Tem certeza, Gucky? — Tenho certeza absoluta, Rhodan. Não tenha a menor dúvida, pois um deles tentou encontrar-me. Mas parece cego. Se fosse um sugestor, eu não teria a menor dificuldade em penetrar num cérebro e influenciá-lo. Mas ao que parece os esperes que se encontram nessa nave só são capazes disso quando têm a percepção ótica de sua vítima. — Vamos esperar para ver o que Marten tem para contar. Já se mexe. Ralf Marten gemeu baixinho e repentinamente abriu os olhos. Parecia que acabara de despertar de um sonho que podia ser tudo, menos agradável. Nos seus olhos perscrutadores até se lia um certo pavor. — Graças a Deus! — disse baixinho e ergueu-se ligeiramente. — Não esperava uma coisa desta. — Conte logo — insistiu Rhodan. — Não temos muito tempo. Marten fez que sim. — Quando consegui enxergar de novo, vi seres humanos. Pareciam iguais a nós, apenas tinham pele marrom-avermelhada e cabelos cor de cobre. Seus rostos não são malvados, e ao que parece suas intenções para conosco não são más. Mas não foi isso que me assustou, e nem poderia ser. Tudo parecia tão apagado como se estivesse olhando através da água. E foi isso mesmo. Encontrava-me num recipiente de vidro. Ou melhor, quem se encontrava lá foi o corpo no qual me introduzi. Rhodan não compreendeu uma palavra do relato de Ralf Marten, mas não o interrompeu. Sabia que obteria uma resposta às suas indagações silenciosas. Se é que Marten sabia essa resposta. — Procurei reconhecer-me a mim mesmo. Ou melhor, o ser no qual penetrei. Não consegui. Tive a impressão de ser um peixe num aquário. Talvez fosse mesmo. As
pessoas que passavam perto de mim não me davam a menor atenção; devia ter escolhido o corpo de um indivíduo muito insignificante. Mas a qualquer momento posso voltar àquela nave e tentar... — Um instante, Marten, não há necessidade disso — interrompeu Rhodan. — Por enquanto basta que saibamos que não têm a intenção de atacar-nos. Gucky, tem alguma novidade? — Quem está a bordo dessa nave são os ésperes — repetiu o rato-castor. — Sinto perfeitamente que tentam sugestionar-me. — Quer dizer que não são telepatas, mas sugestores que podem assumir a vontade de outro indivíduo. — São ambas as coisas — chilreou Gucky. E acrescentou: — Acontece que não conseguem passar de algumas tentativas miseráveis. Rhodan olhou para a tela. A nave desconhecida aproximara-se ainda mais e parara. Não se encontrava a mais de dez quilômetros da Titan. O operador de rádio entrou na sala de comando. — Há uma mensagem vinda da nave desconhecida — anunciou. — O comandante pede permissão para vir a bordo. Rhodan refletiu apenas alguns segundos. Depois disse. — Está bem. Transmita-lhe o meu consentimento. Mas não deve trazer nenhum acompanhante; terá de vir sozinho. A nave pode atracar junto à comporta dezessete. Indique o lugar por meio de sinais luminosos. O operador de rádio retirou-se. A manobra de atracação foi iniciada. Rhodan dirigiuse a Gucky. — Volte para onde estão os mutantes. Fiquem de prontidão. Prestem atenção a eventuais tentativas dos zalitas de submeter-nos ao seu controle mental. Peça a Marshall que venha à sala de comando. Assim que o comandante estiver a bordo, Ras Tschubai e o japonês deverão ir à nave desconhecida e dar uma olhada. Devem fazer o possível para não serem percebidos. Entendido, Gucky? Gucky escorregou para fora da poltrona e colocou-se em posição ereta. Dessa forma sua altura quase chegava a um metro e meio. Ficou muito engraçado quando fez continência com a pata direita. Infelizmente o dente-roedor sorridente não permitiu que Bell o levasse a sério. — Entendido — chiou e saiu saltitando. Esqueceu-se de que poderia percorrer o caminho por meio da teleportação. A história dos outros ésperes parecia tê-lo afetado gravemente. Ralf Marten seguiu-o. Rhodan pediu a Thora e Crest que viessem à sala de comando. Juntamente com estes, e ainda Bell e o telepata John Marshall, aguardou o comandante da outra nave. Ras Tschubai media quase dois metros de altura, um fato que dava mostras de sua descendência dos chefes das tribos guerreiras do Sudão. Certa vez, quando se defrontava com um grande perigo, descobriu a capacidade de, pela simples força do seu desejo, transportar-se para outro lugar. Naquela oportunidade, um leão saltou sobre ele, mas a pata do animal apenas atingiu o ar. Ras Tschubai desaparecera, para reencontrar-se em sua aldeia natal, a três mil quilômetros de distância. Com esse incidente, teve início sua carreira de teleportador. Coisa semelhante acontecera com Tako Kakuta. O débil japonês descobrira seu dom por ocasião de uma catástrofe, e o manteve em segredo até o momento de juntar-se ao exército de mutantes de Rhodan.
Quando os dois receberam ordem para entrar em ação, agiram sem perda de tempo. O salto até a nave ancorada no casco da Titan foi facílimo. Seria bem mais difícil não ser percebido pela tripulação da outra nave. Trabalharam separadamente. Enquanto Tako se concentrava na popa da nave, Ras desenvolveu suas atividades a meia nau. Quando se rematerializou e começou a enxergar, ficou aliviado ao constatar que estava só. No recinto em que se encontrava, havia vários instrumentos, cuja finalidade por enquanto lhe era desconhecida. Como não houvesse nenhuma vigia, devia achar-se no setor interno da nave. Decidiu prosseguir normalmente nas suas investigações. O recinto tinha duas portas. Uma delas abriu-se facilmente a uma simples pressão da mão e levou a um corredor no qual desembocavam outras portas. Não se arriscou a abrir nenhuma delas. Preferiu avançar sorrateiramente, preparado para desmaterializar-se a qualquer momento. A porta da frente devia levar a um prolongamento do corredor, e devia representar uma espécie de escotilha. Hesitou um instante antes de abri-la. O corredor que se estendia atrás dela também estava vazio. Encostado à parede, aguçava o ouvido. De algum lugar vinham vozes humanas. Conversavam em intercosmo, a língua dos arcônidas, que conhecia graças ao aprendizado hipnótico a que fora submetido. Mas não entendia uma única palavra. Mas uma das suas tarefas consistia em descobrir alguma coisa sobre os zalitas que se encontravam nessa nave. Foi avançando cautelosamente, até que conseguiu entender as vozes. Vinham de uma sala que ficava atrás de uma das numerosas portas. Preparado para um salto imediato, encostou o ouvido à chapa lisa. Sim, já estava entendendo o que diziam. — ...talvez estejamos entrando numa fria. Não foram exatamente estas as palavras do desconhecido, mas o sentido era o mesmo. Outra voz respondeu: — Hemor deve saber o que está fazendo. Afinal, está agindo por ordem de Zarlt. E este sabe ainda melhor o que está fazendo. — Devem saber do que estão fazendo, mas com o Império não se brinca. Se perceber que estamos trapaceando no jogo, teremos toda uma frota em cima de nós. E não devíamos assumir este risco. — Trata-se de uma chance única. Olhe que esse desconhecido do espaço conseguiu enganar o grande cérebro. — Pois é justamente isso. Zarlt quer ser mais esperto que ele. Acho que isso é uma temeridade. Houve uma ligeira pausa. Ras ouviu passos que se aproximavam da porta. Recuou e procurou uma saída que o livrasse de saltar. Mas não teve muito tempo para tomar sua decisão. A porta abriu-se repentinamente e uma cabeça surgiu no corredor. Ras não saberia dizer se o sujeito ainda chegou a vê-lo. Desmaterializou-se no mesmo instante e concentrou-se sobre a proa, onde devia ficar a sala de comando da nave. Era um risco enorme, mas consolou-se com a certeza de que poderia desaparecer a qualquer instante caso se encontrasse com mais alguém. Teve sorte.
Quando começou a enxergar-se e já se preparava para desaparecer de novo, percebeu que estava só. Viu, em torno de si, o Universo. Mas era um Universo cheio de ar, no qual podia respirar. Felizmente o receio de que poderia ter errado o salto e parado em meio ao espaço não se confirmou. Espantou-se ao notar que se encontrava num recinto quase redondo, cujas paredes e teto eram feitas de um material transparente. Talvez fosse uma espécie de posto de observação. Viu o casco gigantesco da Titan que se elevava para a direita que nem uma gigantesca parede. Viu num túnel de plástico que ligava as duas naves um vulto humano, que vencia a passos rápidos a distância entre a nave desconhecida e a Titan. Viu que foi recebido por alguns oficiais. Devia ser o comandante que solicitara uma entrevista com Rhodan. Havia uma única porta que levava à sala de observação; o fato tranqüilizou Ras. Correu para junto dela e lançou um olhar para o corredor que se estendia atrás dela. Estava vazio. Por esse lado não havia nenhum perigo. Voltou a fechar a porta e virou-se. Foi quando viu o monstro... *** Desde o início Tako foi menos favorecido pela sorte. Ao materializar-se viu-se em meio a uma multidão que discutia apaixonadamente. Era composta apenas por zalitas em trajes sujos; era muito provável que pertencessem à equipe técnica. O japonês não teve bastante presença de espírito para desaparecer de relance. Talvez achasse que, tendo sido descoberto, isso não era necessário, pois de qualquer maneira não poderiam prendê-lo. A discussão parou imediatamente. Os homens viraram a cabeça em sua direção e arregalaram os olhos. Sem dizerem uma palavra, fitaram aquele vulto fantasmagórico que, de repente, surgira diante deles. Porém parecia ser de carne e osso. Tako divertiu-se em seu interior, mas o rosto continuou duro e zangado. Não poderia haver contraste mais pronunciado com sua figura magra, que parecia ser muito frágil. Um dos zalitas, um rapaz robusto de calça verde, adiantou-se e estendeu a mão em direção a Tako. Seu rosto exprimiu um misto de temor e curiosidade. Com um gesto o japonês afastou a mão. — Não me toque! — disse em intercosmo. O zalita compreendeu imediatamente. — Quem é você? — perguntou. Com um olhar de espreita acrescentou: — De onde veio? — Quem sabe se não posso tornar-me invisível — respondeu Tako e, afastando um dos zalitas com a mão, avançou lentamente em direção à porta. — Vocês vão me dar licença para dar uma olhada pela nave. Abriu a porta. Ninguém procurou impedi-lo. Olharam atrás dele, como se não acreditassem no que estavam vendo. Só quando Tako já estava quase no corredor e pretendia fechar a porta atrás de si, correram para ele como se tivessem recebido um comando para isso. Espremeram-se pela abertura estreita e procuraram segurá-lo.
Mas suas mãos apenas agarraram o ar. Tako desmaterializou-se e saltou em direção à meia nau, onde por azar veio pousar exatamente no lugar em que Ras estivera poucos segundos antes. O oficial que acabara de enfiar a cabeça pela porta testemunhou um fenômeno misterioso, em cuja explicação lógica sua mente ainda trabalharia por muitos anos. De início viu um monstro negro, que começou a tremeluzir e parecia dissolver-se no ar. Mas isso era apenas uma transformação arrepiante, que não sabia explicar. Mal a criatura preta se tornara invisível, outro vulto surgiu diante do oficial. Era Tako. O oficial soltou um grito e bateu a porta atrás de si. Tako admirou-se com a rapidez da reação do zalita e pôs-se a procurar Ras. Devia estar por ali, se não tivesse havido algum imprevisto. Ainda não tinha dado dez passos quando o alarma soou na nave. O som das sereias era extremamente agudo, tornando-se quase doloroso ao ouvido humano. Despertaria qualquer pessoa que estivesse dormindo. Tako praguejou e pôs-se a correr pelo corredor. Na verdade, não conseguira nada; apenas dera um susto em algumas pessoas e causara o alarma. Rhodan não ficaria muito satisfeito, mas a essa altura não poderia fazer mais nada. Seria preferível voltar para a Titan. Certamente Ras já o tinha feito. Tako saltou de volta para a Titan. *** Ras Tschubai parou em meio ao movimento. Acreditara estar sozinho na sala de cristal, mas não estava. O ser tinha menos de metro e meio de altura e quase um metro de largura. Seu formato era circular e lembrava uma gigantesca medusa. Na parte inferior do corpo; Ras viu um número indefinido de tocos, funcionando como pés, que eram flácidos como o resto do corpo. O ser era encimado por uma cabeça redonda como uma bola, grudada bem no centro do corpo gelatinoso. Um par de olhos em forma de botão fitou-o com uma expressão fria e malvada. Mas o mais estranho era que aquele ser medonho se encontrava num recipiente de vidro que parecia hermeticamente fechado de todos os lados. Um recipiente esférico sob pressão, soube Ras de imediato. Tubos de metal brilhante ligavam o recipiente com um aparelho que lembrava um depósito de oxigênio. Um carrinho de construção extremamente simples contemplava o quadro. Ras ficou imóvel, olhando o monstro que, segundo imaginava, nada lhe poderia fazer. Foi só por isso que ficou. Teve a impressão de ter feito uma descoberta muito importante. — De onde vem você? Ras não era telepata. Por isso ficou espantado ao notar que entendia a voz silenciosa, coisa de que geralmente só um telepata era capaz. Mas logo se lembrou de que um bom hipno ou sugestor também pode impor certas idéias a quem não seja telepata. Ignorou a pergunta e deu um passo em direção ao recipiente de vidro. Parou a poucos metros do mesmo. Os olhos frios e perscrutadores davam o que pensar. Deles emanava uma ameaça que Ras não conseguiu identificar. O que diria Rhodan quando soubesse da descoberta que acabara de fazer?
— Quem é Rhodan? — foi a pergunta seguinte. Ras assustou-se. Se essa fera sabia ler pensamentos, a coisa poderia tornar-se perigosa. Fez um esforço desesperado para ativar a defesa contra a observação telepática, que aprendera através do processo de treinamento hipnótico. Devia ter conseguido; o pensamento seguinte que captou parecia confirmá-lo. — Por que você se isola? Deste jeito não podemos entabular nenhuma conversa. Ras decidiu não desperdiçar esta única oportunidade. — O que... quem é você? — pensou, concentrando-se ao máximo. — Sou Moof — foi a resposta, que veio acompanhada de uma estranha pressão sobre o cérebro do teleportador. De repente, Ras sentiu a necessidade de aproximar-se do recipiente de vidro. Quando deu o primeiro passo, notou perfeitamente que a pressão se tornava mais forte. Em seu interior sereias de alarma começaram a soar. E o som das campainhas também atingiu seus ouvidos. Era real e atravessava toda a nave. Ouviu pisadas, que se aproximavam da sala em que se encontrava. Portas foram abertas, vozes indagadoras fizeram-se ouvir. Perigo! Ras concentrou-se na Titan e saltou. Quis saltar. Mas alguma coisa reteve-o e impediu sua desmaterialização. Milhares de olhos invisíveis pareciam estender-se em direção ao seu cérebro. A pressão tornou-se mais intensa, e veio acompanhada da ordem de ficar onde estava. O monstro procurava hipnotizá-lo. Ras começou a sentir a armadilha em que caíra. Teria que escapar, pois do contrário colocaria em perigo não apenas Rhodan, mas toda a Humanidade. E o mandamento máximo dos astronautas terranos era o de nunca traírem a Humanidade, sacrificando antes a própria vida. Bem, ainda havia tempo. Reuniu toda a concentração de que ainda era capaz e pensou em Rhodan e na sala de comando. Viu Rhodan diante de si e viu o perigo terrível em que ele mesmo se encontrava. Era uma situação semelhante à que enfrentara na selva, quando a onça saltou sobre ele. Apenas, desta vez não era nenhuma onça, porém uma criatura muito mais temível, um monstro telepático que dispunha de poderes sugestivos. Conseguiu. No momento em que foi aberta a porta da sala de observação, desmaterializou-se. Fitou as costas de um homem desconhecido, que se encontrava diante de Rhodan e não notou sua chegada.
3 Marshall recebeu o visitante junto à comporta e acompanhou-o pelos inúmeros corredores e elevadores antigravitacionais que levavam à sala de comando. Nesse trajeto, teve uma boa oportunidade de sondar as idéias do visitante e submetê-lo a uma intensa espionagem. O zalita não desconfiou de nada. John logo percebeu que não era telepata. Isso o surpreendeu, pois Gucky afirmara que havia telepatas a bordo da outra nave. Rhodan aguardava o visitante. Em sua companhia, estavam Bell e os dois arcônidas. Gucky manteve-se na sala de rádio, que ficava logo ao lado; era preferível que por enquanto não aparecesse. Quando John Marshall entrou com o desconhecido, Rhodan levantou-se. A impressão que o zalita causou em Rhodan não era má, mas em seus olhos havia alguma coisa de que Rhodan não gostava. Os olhos cor de cobre eram compridos e ligeiramente ondulados. Até mesmo com a iluminação artificial, a pele parecia marromavermelhada e tostada pelo sol. O homem usava um tipo de uniforme com dispositivos dourados e prateados. — O senhor pediu uma entrevista — principiou Rhodan. O zalita acenou com a cabeça. Também entre os arcônidas esse gesto representava uma afirmativa. — Sou Hemor, comandante da pequena nave que Zarlt mandou ao seu encontro. Fui incumbido de submeter-lhe certas propostas, e espero que esteja disposto a aceitá-las. Rhodan ergueu as sobrancelhas. — Isso depende das propostas — respondeu. Parecia um desafio, e realmente não deixava de ser. Hemor compreendeu. — O senhor roubou uma nave de Árcon — principiou com segurança. — Todo o Império está caçando o senhor. Até agora ninguém sabe onde está. — Mas o senhor sabe... — Somos os únicos — disse Hemor com um aceno de cabeça e um sorriso frio. — Foi por puro acaso, mas acontece que sabemos. Mas não se preocupe. Não temos a intenção de informar Árcon sobre sua posição. O Zarlt quer falar com o senhor. — Quem é o Zarlt? O zalita não disfarçou o espanto. Parecia acreditar que todas as inteligências do Universo conhecessem o Zarlt. — É o soberano do sistema de Voga e vice-imperador de Árcon, isto é, o representante direto do Imperador. Seu nome é almirante Demesor, e ele aguarda o senhor em Tagnor, capital de Zalit, o quarto planeta do sol Voga. — O que quer de mim? A voz de Rhodan era fria e calma. Fez de conta que se tratava de um assunto de pouca importância, que poderia ser resolvido num instante. No seu íntimo, estava muito curioso para saber o que o vice-imperador do Império Arcônida poderia querer dele. — Não estou autorizado a falar sobre isso; apenas posso fornecer algumas informações secundárias. Pode perguntar. Rhodan lançou um ligeiro olhar para Marshall, que se mantinha mais afastado. O telepata respondeu com um aceno da cabeça.
— O cérebro robotizado de Árcon declarou que sou um inimigo do Estado? Hemor deixou que alguns segundos se passassem e respondeu: — Não fez nenhuma declaração expressa nesse sentido, mas persegue o senhor com todos os meios que estão à sua disposição. Isso responde à sua pergunta? — Responde; muito obrigado. A segunda pergunta é esta: o que é que Zarlt tem que ver com isso? Por que não cumpre as ordens do cérebro? — Não estou autorizado a responder a esta pergunta. John Marshall, que continuava no seu canto, deu outro aceno, quase imperceptível. Rhodan encolheu os ombros. — Está bem; acabarei descobrindo. O que vai acontecer se eu não atender ao convite? Um ligeiro sorriso aflorou à face de Hemor. — Nossa frota está de prontidão. Recebeu ordens para levá-lo a Zalit, e é o que vai fazer se não houver contra-ordem. Essa contra-ordem não será dada por mim, mas por meu representante, se eu não estiver de volta num tempo determinado. Como vê, não esquecemos nenhum detalhe. — Realmente — disse Rhodan, louvando a cautela do zalita. — Os senhores não esqueceram. Acredito que não adianta formular outras perguntas. Ouvirei as propostas do Zarlt. O rosto de Hemor iluminou-se. Parecia que um peso acabara de ser tirado de seu coração. Lançou um olhar para Thora e Crest, que até então se haviam mantido em silêncio. — Não sabia que há arcônidas a bordo desta nave. Ninguém me informou a este respeito. Crest fez um gesto de desprezo. — Será que isto tem alguma importância? — perguntou em tom indiferente. A porta abriu-se e o operador de rádio entrou. — Uma frota vinda do sistema aproxima-se. É formada de pelo menos duzentas unidades e está assumindo posição de ataque. Rhodan lançou um olhar indagador para Hemor. O zalita sorriu. — É apenas uma medida de precaução. Se não estou enganado, o senhor acaba de dizer que virá comigo. Permite que regresse à minha nave? Nesse instante, o vulto de Ras Tschubai surgiu atrás de suas costas. Por um segundo, o negro parecia perplexo, mas logo compreendeu o pedido silencioso de Rhodan e recuou até a parede. Todas as pessoas que se encontravam na sala de comando, com exceção do zalita, haviam notado seu regresso. — Isso fica à vontade do senhor. O campo de pouso de Zalit está bem assinalado? — Basta seguir minha nave — disse Hemor, fez uma ligeira mesura e virou-se. Lançou um olhar indagador para Marshall, que o trouxera até ali. Depois saiu para o corredor sem despedir-se, acompanhado pelo telepata. Rhodan o focalizou com um olhar pensativo. Bell mexeu-se. — Que sujeito arrogante! — disse. — É uma cara que a gente gostaria de esbofetear. O que será que ele pensa? — Quando Marshall voltar saberemos. Você vai fazer o favor de seguir essa navezinha com a Titan. Transmita instruções ao coronel Freyt, para que esteja a par. Vamos dar uma olhada em Zalit e no Zarlt. Tenho uma sensação esquisita.
— Eu também — disse Crest, que se encontrava do outro lado da sala. — Tenho a impressão de que os zalitas não merecem tanta confiança como se supunha. Talvez possamos prestar um bom serviço ao Império. — É exatamente o que pretendo fazer — disse Rhodan. Dali a três minutos John Marshall voltou à sala de comando e ouviu as últimas palavras do relato de Ras. — ...e então essa medusa procurou dominar minha vontade. Consegui fugir, mas receio que tenham notado minha presença. Houve um alarma geral na nave. — Isso não tem importância — tranqüilizou-o Rhodan. — Tenho certeza absoluta de que não sabiam que estavam lidando com um teleportador. Onde está Tako? Gucky arrastou-se para dentro da sala. — Já voltou — chilreou com a voz aguda. — Deu um susto tremendo em alguns homens e resolveu desaparecer. Dirigindo-se a Marshall, prosseguiu: — Você quer contar? Também descobri tudo que esse Hemor pensou. — Sim, vou contar. Se esquecer alguma coisa, você poderá completar — Marshall voltou-se para Rhodan. — Levei-o até a comporta. Pediu que eu o avisasse de que o vôo para Zalit será iniciado dentro de três minutos. Pede que mantenhamos a mesma velocidade. Bem, o que pensou foi o seguinte. Não foi muita coisa. Só descobri uma coisa. Talvez Gucky tenha sido mais feliz. O Zarlt quer, com o nosso auxílio, pregar uma peça ao cérebro robotizado. Parece que suas intenções para com o Império não são as melhores. — Era o que eu imaginava — suspirou Crest. Rhodan sorriu. — Não é de admirar. Ninguém gosta de ser governado por uma máquina. Houve mais alguma coisa de concreto, Marshall? — Não. Apenas uma vez Hemor pensou num certo Moof. Não sei quem pode ser isso. — Já sabemos. Ras encontrou-se com Moof. É um animal. — E que animal! — chilreou a voz de Gucky em meio à discussão. — É a besta cujos impulsos mentais encobrem os dos zalitas. Foi por isso que não entendi nada. De qualquer maneira, o tal do Moof é um telepata e um sugestor. — Senti isso na própria carne — interveio Ras. Bell não se interessou pela conversa. Aguardou três minutos e ligou os propulsores. Numa manobra lenta e cautelosa, seguiu a minúscula nave, e viu que também a Ganymed saía de sua órbita. Em velocidade moderada, as naves aproximaram-se do gigantesco sol vermelho. A frota seguiu-as a uma distância respeitosa. — O que vem a ser o tal do Moof? — perguntou Rhodan. — Nunca ouvi falar num Moof — disse Crest. — Essa raça deve ter surgido recentemente por aqui. — Parece ser uma espécie de mascote — disse Ras. — Não sei para que poderia servir um bicho destes numa nave. Além disso tudo indica que os moofs só conseguem sobreviver numa atmosfera toda especial, pois são mantidos no interior de recipientes pressurizados. — Então foi este o aquário através do qual Marten enxergava. Logo foi escolher o Moof.
— Isso é perfeitamente compreensível — afirmou Gucky. — Pois é o Moof que emite os impulsos mentais mais intensos. Portanto, não é de admirar que Marten tenha caído nesta. Rhodan resumiu sua opinião. — Um mascote? Talvez seja. Mas acredito que a resposta não é esta. É bem possível que nos reservem uma surpresa. Bell virou-se. — Eles têm uns colossos respeitáveis — disse. Estava aludindo às naves de guerra dos zalitas. — Para nós não representam nenhum perigo, mas a esta hora não gostaria de estar a bordo da Ganymed. — Ninguém nos atacará — disse Rhodan, afastando a idéia de um perigo iminente. — O Zarlt está muito curioso para conhecer-nos. Enquanto não satisfizer sua curiosidade, estaremos seguros. Subitamente Gucky ergueu-se. Lançou um ligeiro olhar para Marshall e disse em voz baixa: — Não pensem no que estou dizendo; procurem bloquear o cérebro. Alguém tenta ler nossos pensamentos. É um bom telepata, mas para nós não há bom que chegue. Não é um. São muitos, muitíssimos... Rhodan ficou de olhos semicerrados. Por um instante parecia indeciso. Depois cochichou para si mesmo. — Em algum lugar existe um perigo terrível que nos ameaça; não tenho a menor dúvida. Sinto-o. Esse perigo não são os zalitas. Seu nome é outro. — Moof — disse John Marshall em tom decidido. Rhodan confirmou com um aceno de cabeça. — Acredito que sim. Quem representa o perigo é o Moof. Gucky sacudiu tão violentamente a cabeça com as grandes orelhas de rato que por pouco não perde o equilíbrio e cai de cima do grosso traseiro. — Não é o Moof. São pelo menos duzentos moofs. Em cada nave dos zalitas, existe ao menos um moof. Ninguém respondeu. *** A cidade de Tagnor cobria uma área equivalente à de um pequeno país do planeta Terra. Tinha trinta milhões de habitantes, um número que não tinha nada de extraordinário face à população total do planeta — oito bilhões. Tal qual no planeta Árcon, as estranhas construções em forma de funil dominavam a paisagem. No pé em forma de coluna ficava a entrada, que conduzia o visitante a um mundo completamente independente. O conjunto era cercado pelas paredes que se abriam para cima. Grande parte delas era embelezada por jardins coloridos e lindas varandas. De espaço a espaço, surgiam as residências; cada uma delas formava um conjunto individual e estava separada das outras por amplos jardins. A forma afunilada das construções correspondia ao desejo de ocupar uma residência individualizada e isolada das perturbações do mundo exterior. Esse costume constituía uma das características dos arcônidas. Como descendentes dos arcônidas, os zalitas adotaram o velho costume. O brilho do gigantesco funil avermelhado que abrigava o palácio do Governo chegava até o campo espacial. Rhodan já o notara quando ainda se encontravam a grande
altitude, e por simples coincidência um dos zalitas que se achavam na nave-guia pensara no edifício. Marshall logo transmitiu a informação a Rhodan. Então era lá que ficava a residência do Zarlt. O campo de pouso era uma área de dimensões gigantescas. Lá longe, junto à linha do horizonte, enormes edifícios o emolduravam. A extensão do campo era de pelo menos vinte quilômetros. Só no momento em que a frota de escolta desceu e pousou em formação ordenada, Rhodan deu-se conta de que o tamanho desse campo de pouso espacial não era exagerado. A Titan tocou o solo suavemente, como uma bola levíssima. Os raios antigravitacionais sustentaram-na, até que os discos das colunas de apoio encolhíveis encontrassem apoio firme. Rhodan preferiu não desativar totalmente os raios antigravitacionais, pois receava que o enorme peso da Titan a fizesse afundar na superfície do planeta. Manteve os campos antigravitacionais com uma potência suficiente para reduzir o peso da nave à metade. Um carro que apresentava um estranho formato de torpedo aproximou-se numa curva elegante e aguardou pacientemente até que os visitantes resolvessem sair da nave. Rhodan já tinha elaborado seus planos. — Crest, Bell e John Marshall virão comigo. É preferível que sejamos poucos — quanto menos, melhor. Prefiro que Thora permaneça no interior da nave. Tenente Tifflor, o senhor ficará na sala de comando e manterá contato comigo. Levarei o pequeno transmissor de pulso e o deixarei ligado. Dessa forma o senhor sempre estará informado sobre o que estiver acontecendo lá fora. Se cairmos numa armadilha, ataque com os mutantes. Entendido? — E a Ganymed? — Ficará de prontidão para decolar. Ao menor sinal de um ataque, partirá. A Titan continuará aqui, pois estará em condições de defender-se. Mas não acredito que tenhamos motivo para recear uma coisa dessas. Os planos dos zalitas são outros. — E eu? Agachado junto à porta, Gucky lhe lançou um olhar tão suplicante que Rhodan sentiu-se emocionado. Mas sacudiu a cabeça. — Não é possível, hoje não. Quanto menos os zalitas souberem a nosso respeito, melhor. Além disso, alguém terá que ficar para dirigir o destacamento de mutantes e chefiar um eventual ataque. Como vê, sua presença a bordo é indispensável. Sinto-me mais tranqüilo se puder contar com você caso precise de um reforço. Acho que você compreende, Gucky. O rato-castor compreendeu. Com um olhar de desprezo para Bell, que só poderia ir com Rhodan porque sua presença na Titan era totalmente indiferente, arrastou-se para fora da sala de comando. Ouviram-no dar uma risada alegre no corredor. Era um sinal de que Rhodan realmente pensava aquilo que acabara de dizer. — Vamos levar armas? — perguntou Bell. — Os radiadores de bolso serão suficientes. Qualquer outra arma não serviria para nada. Depois de passarem por numerosos corredores e elevadores antigravitacionais chegaram à comporta secundária situada junto ao disco da coluna de apoio. Uma rampa foi descida automaticamente no momento em que a escotilha externa se abriu. Rhodan foi o primeiro a pisar na superfície daquele mundo estranho. Bem treinados, seus sentidos logo sentiram a pequena diferença de gravitação em relação à Terra. O ar
era límpido e transparente. Talvez contivesse um pouco mais de oxigênio que a atmosfera à qual estava acostumado, mas ainda se situava nos limites do normal. O chão era feito de uma massa dura e lisa, que lembrava o concreto. Era completamente plano e não apresentava qualquer emenda. O carro aproximou-se e parou perto deles. Um zalita musculoso desceu e abriu a porta. “Tal qual na Terra”, pensou Rhodan bastante contrariado. Era bem verdade que não havia mais nada que lembrasse a visita de um chefe de estado, embora a que estavam fazendo poderia ser considerada como tal. Durante a viagem pela cidade, não tiveram tempo para conversar. Admiraram as vias expressas muito bem construídas, os lindos parques, as inúmeras construções em forma de funil e o tráfego intenso. Quase se poderia ter a impressão de ter voltado ao planeta de cristal de Árcon, caso os zalitas, apressados e ativos, não surgissem constantemente e em toda parte. Representavam a única diferença. Ao contrário dos arcônidas, uma raça cansada e degenerada, que deixava todo o trabalho por conta dos robôs e do cérebro positrônico, o povo de Zalit ainda vivia. Desenvolviam seu trabalho e sua criatividade; os rostos alegres dos habitantes da cidade revelavam que estavam satisfeitos da vida. Não havia o menor sinal da melancolia deprimente dos arcônidas. Pelo contrário, por mais de uma vez os terranos viram grupos de zalitas que riam e se dirigiam aos parques. Rhodan olhou de esguelha para Crest. O arcônida, observando pela janela do carro, absorvia todas as impressões. Não movia nenhum músculo do rosto, mas Rhodan adivinhou os pensamentos que lhe ocupavam a mente. E o resultado dessas reflexões por certo não deixaria Crest muito satisfeito. Avistaram o palácio do governo. De longe, já lhes causara uma impressão formidável, mas agora ultrapassou todas as expectativas de Rhodan. A coluna cilíndrica que sustentava o funil tinha um diâmetro de cinqüenta metros. Na extremidade superior, o diâmetro devia ser de trezentos metros, e a altura chegava a uns cento e cinqüenta metros. As paredes subiam num ângulo de quarenta e cinco graus e, com exceção das janelas que se abriam em fileira, eram completamente lisas. A cor rubra despertou recordações de Vega na mente de Rhodan. Dois oficiais com o peito cheio de condecorações receberam Rhodan e seus companheiros e conduziram-nos ao interior do palácio. A área interna parecia um amplo jardim. Canteiros de flores emolduravam um gramado bem tratado, cortado por caminhos estreitos. Bem no centro via-se... — Atenção! — advertiu-os Marshall em inglês. — Um moof! Rhodan já o havia visto. Sobre o gramado havia um recipiente de vidro, do tipo descrito por Ras. No interior estava agachada a medusa, fitando-os com os olhos vidrados em forma de botão. Tinha-se a impressão de que controlava as pessoas que entravam no palácio. Subitamente e sem qualquer motivo, Rhodan sentiu o desejo de entregar aos oficiais que o acompanhavam o radiador que estava guardado em seu bolso sem que ninguém o tivesse percebido. Por um instante, admirou-se com essa idéia tão esquisita. De repente viu que Bell enfiava a mão no bolso, devagar e cautelosamente, como se ainda estivesse indeciso. Era o bolso no qual estava guardado o radiador.
Rhodan compreendeu. Colocou a mão sobre o braço de Bell e arrancou a mão de seu bolso. Estava vazia. — Alguém está tentando impor-nos sua vontade — disse, também em inglês. — Só pode ser aquele moof ali no gramado. Cuida para que ninguém entre no palácio com uma arma. Começo a acreditar que os zalitas usam os moofs como uma espécie de cães de fila telepáticos. Nem desconfiava de que sua suposição era totalmente errada. *** Ao que parecia, o Zarlt não apreciava muito o luxo; ou então, ele o dispensava de propósito. Estava sentado atrás de uma mesa muito larga e comprida, coberta de instrumentos de comunicação com os respectivos controles. Entre eles havia pilhas de documentos, papel e utensílios. Parecia ser um homem muito ocupado, que gostava de realizar pessoalmente os serviços mais importantes, uma circunstância que só podia depor a seu favor. Era bem verdade que os olhos com que fitou os visitantes não inspiravam muita confiança. Havia neles algo de aflito e inconstante. Exprimiam a sede do poder e a certeza de alcançar qualquer objetivo. Pediu a Rhodan e seus acompanhantes que se acomodassem. Ficaram do outro lado da mesa. Não havia mais ninguém na enorme sala, em cujas paredes se viam telas, que no momento estavam desligadas. Rhodan fitou o Zarlt sem a menor cerimônia. O homem robusto usava um uniforme colorido, que não combinava com sua personalidade. Parecia um tanto espalhafatoso, enquanto o Zarlt poderia ser qualquer coisa, menos isso. Foi diretamente ao assunto. — Os senhores roubaram um supercouraçado do Império, e logo o maior e o mais moderno. Estão sendo caçados e um belo dia acabarão sendo encontrados, se não arranjarem amigos poderosos. Nós, os zalitas, poderemos ser seus amigos. Rhodan fitou o Zarlt. — Por quê? — perguntou. O soberano esboçou um sorriso meigo, mas seus olhos continuaram duros. — Falarei com franqueza e não perderei muitas palavras. Há pouco tempo conseguimos eliminar a marionete dos arcônidas. A oficialidade da frota ficou do meu lado. Não concordamos em executar as ordens de um cérebro robotizado. Antigamente o Imperador dos arcônidas governava o Império, hoje é uma máquina. — Será que uma máquina não representa a melhor garantia de que não será cometido qualquer erro? — objetou Rhodan. — Não. Sua presença neste instante prova o contrário. Não havia como contestar isso. Todavia... — O cérebro não administra o Império segundo os desejos dos arcônidas e, portanto, de seus aliados, Zarlt Demesor? — Sabe meu nome? — Hemor me disse. — Ah, sim, Hemor. O senhor é Rhodan? — Sou. — Como se explica que esteja sendo acompanhado por um arcônida? Os olhos desconfiados do Zarlt pousaram em Crest.
— Talvez existam arcônidas que pensem como o Zarlt de Zalit — disse Rhodan. O Zarlt acenou lentamente com a cabeça. Não demonstrou o menor interesse por Bell e Marshall. — Muito bem. Vamos conversar. Já deve ter percebido que não estou muito entusiasmado pelo governo daquela máquina. Sou, apenas formalmente, o vice-imperador deste Império. Pretendo ser o imperador. Era uma afirmativa inequívoca. Rhodan sentiu certa desconfiança. Afinal, para o Zarlt era uma pessoa totalmente estranha, e era muito mais estranho que o mesmo lhe revelasse seus planos secretos. — Por que diz isso a mim, Demesor? Não acredita que poderia prejudicá-lo? — Não. O senhor nunca faria uma coisa dessas. Pois o senhor teve oportunidade de constatar com seus olhos o grau de decadência dos arcônidas, que antigamente eram um povo tão altivo. O senhor não conseguiu lograr o cérebro robotizado, provando que não é perfeito? Não, não acredito que o senhor seria capaz de estragar os meus planos. E ainda acontece que precisa do nosso auxílio. Aqui em Zalit encontrará um esconderijo onde pode permanecer oculto com a nave roubada pelo tempo que quiser. Apenas peço uma pequena contraprestação. — Em que consistiria essa contraprestação? — perguntou Rhodan em tom ansioso. — Como conseguiu atravessar a barreira externa dos arcônidas contra a vontade do cérebro robotizado? “Ah, então é isso”, pensou Rhodan. Era claro que não poderia contar ao zalita que isso só se tornara possível graças ao transmissor fictício. Os zalitas não dispunham de um aparelho desse tipo; o único exemplar existente encontrava-se a bordo da Ganymed. Além disso, não tinha a menor intenção de ceder-lhe o transmissor. — Isso é um segredo pessoal — disse em tom cauteloso. — É possível que lhe conte mais tarde, quando nos conhecermos melhor. O Zarlt disfarçou sua contrariedade. — Estou confiando no senhor, Rhodan, mas o senhor não confia em mim. Bem, com o tempo isso vai mudar. De qualquer maneira, estou firmemente decidido a neutralizar o cérebro robotizado. Lançou um olhar indagador para Rhodan: — Está disposto a me prestar o auxílio que estiver ao seu alcance? Rhodan sentiu os olhares de Crest e Bell pousados em si. O Zarlt acabara de formular uma pergunta direta. O que deveria responder? Que tal uma resposta sem compromisso? — O senhor espera que eu responda imediatamente, ou pode conceder-me algum tempo para decidir? Prometo que nada farei neste meio tempo. O Zarlt hesitou um pouco. Afinal disse: — Está bem. Procure conhecer Tagnor e convencer-se-á de que o povo dos zalitas é capaz de ocupar o lugar dos arcônidas degenerados. Aguardo sua resposta dentro de dois dias. Comprimiu um botão que se encontrava embaixo da tampa da escrivaninha. A porta abriu-se atrás de Rhodan. Alguém entrou. — Omor, acompanhe nossos visitantes ao carro que os levará ao campo espacial. Voltando a dirigir-se a Rhodan, acrescentou: — Este carro ficará à sua disposição enquanto estiver aqui. Se tiver tempo, é possível que amanhã eu vá até lá para retribuir sua visita. — Sua visita será um prazer — disse Rhodan e levantou-se.
*** Dali a meia hora, quando subiram no elevador até a sala de comando da Titan, o coronel Freyt já os aguardava. Parecia muito nervoso. Thora e Gucky estavam sentados num sofá. A mão delicada da arcônida acariciava o pêlo do rato-castor, que a intervalos regulares soltava um grunhido de satisfação e parecia ter esquecido todos os problemas. Quando Rhodan e seus acompanhantes entraram, levantou-se, lançou um olhar ligeiro para Marshall, classificou os pensamentos do mesmo e chilreou em tom indiferente: — Apresente seu relatório, John. Eu tenho tempo — voltou a recostar-se e fechou os olhos. Thora não teve outra alternativa senão reiniciar a atividade que interrompera apenas por alguns segundos. Rhodan cumprimentou Freyt e fez um gesto de recusa quando este se dispôs a falar. — Um momento, coronel. Antes de mais nada quero formular algumas perguntas a Marshall. Durante a viagem não me atreveria a fazê-lo, porque estávamos sendo mantidos ininterruptamente sob observação telepática. Então, Marshall, que impressão lhe causou o Zarlt? Falou a verdade? — O senhor se admirará; disse a verdade. Não lhe ocultou nada, e não mentiu em nenhum ponto de sua palestra. Rhodan parecia decepcionado, mas nem tanto. — Muito bem. Já sabemos a quantas andamos. O Zarlt quer conquistar o governo do Império decadente. Seu povo é mais capaz e ativo que o de Árcon, e por isso não haveria nenhuma objeção. Mas tenho minhas dúvidas. O pensamento dos zalitas move-se em dimensões provinciais, e não sei se serão capazes de desenvolver um pensamento cósmico. Quando tentam governar o Império, só vêem sua vantagem. Não é isso, Marshall? — É isso mesmo; tive a mesma impressão. Mas será que isso não se modificaria quando alcançassem o poder? Rhodan sorriu. — Nunca! Alguém que está acostumado a pensar em moldes muito restritos não se transformará num cosmopolita do dia para a noite. Talvez isto fosse possível, mas tenho uma sensação desagradável. Gostaria de saber por que não consigo confiar no Zarlt. Não mentiu para mim, mas ainda assim sou de opinião que não diz o que pensa. — Consegui controlar este ponto — ponderou Marshall. — Disse exatamente o que estava pensando. Rhodan sacudiu a cabeça. — É estranho, muito estranho — encarou o coronel Freyt. — Então, onde está apertando seu sapato? Aconteceu alguma coisa? — Aconteceu muita coisa! — esbravejou Freyt e seu rosto mudou de tonalidade. — Meu pessoal se faz de louco. Ou pelo menos parte dele. — Como? — Isso mesmo. É verdade que ficaram completamente inofensivos, mas não deixaram de ser loucos. Fazem alguma coisa absurda, e quando a gente pergunta o motivo, dizem que não sabem mais nada. Encontrei verdadeiros sonâmbulos. — Sonâmbulos? — Rhodan parecia muito pensativo. Gucky levantou-se no seu sofá e exibiu o dente-roedor. O rato-castor esboçou um sorriso zombeteiro. — Isso mesmo. Quando a gente fala com eles, acordam. Há algo de errado em tudo isso.
Rhodan olhou para Gucky. — Por que está rindo, Gucky? Se souber alguma coisa, fale logo. Gucky escorregou do sofá para o chão e marchou em atitude grave até o centro da sala de comando, onde se deixou cair confortavelmente sobre a traseira, equilibrando-se com o rabo. Este lhe servia de apoio. — Ninguém me perguntou — anunciou sem parar com o sorriso insolente, que deixou Bell furioso. — É claro que só podem ser os moofs. — Cheguei a imaginar isso — confirmou Rhodan. — Mas gostaria de saber mais alguma coisa. Eles tentam hipnotizar-nos, Gucky? — Sim, mas não passam da tentativa. Os zalitas são objetos mais compreensíveis; dos seus esforços. Rhodan sentiu um sobressalto. — O que está dizendo, Gucky? Os zalitas? Não compreendo. Em nossa opinião os zalitas mantêm os moofs como uma espécie de mascote ou cão de fila. Quando entramos no palácio, um moof tentou desarmar-nos por via sugestiva. — É bem possível! — chilreou Gucky alegremente, como se tudo aquilo o deixasse muito satisfeito. De repente, o dente-roedor desapareceu. Tornou-se sério e muito atento. — Nestas últimas horas tive oportunidade de estudar os moofs. Afinal, tentam ininterruptamente influenciar-nos. Consegui espreitar um deles e descobri muita coisa. Não são os zalitas que dominam os moofs; é exatamente o contrário. Foram eles que derrubaram o Zarlt e fizeram com que Demesor assumisse o poder. Com o auxílio deste, pretendem destruir o cérebro robotizado estacionado em Árcon e dominar todo o Império. São os moofs que querem assumir o lugar dos arcônidas; os zalitas apenas acreditam que o farão. Rhodan fitou Gucky por muito tempo. Ninguém falou. Crest mordia nervosamente o lábio inferior, procurando disfarçar o nervosismo. De uma hora para outra, a situação modificara-se por completo. Rhodan percebeu-o num instante. Se até então estava indeciso, ficando sem saber se o domínio dos zalitas sobre o Império representaria uma vantagem para as numerosas raças que viviam no mesmo, a essa altura tinha certeza absoluta de que a ascensão ao poder das medusas-monstro significaria o fim de todas as raças humanóides. Não foi difícil tomar uma decisão. — Os zalitas sabem que não passam de bonecos? Têm alguma idéia da influência que os moofs exercem sobre eles? — Não têm a menor idéia. Acreditam que são donos de seu sistema. Consideram os moofs uma espécie de animais domésticos. Oficialmente são intérpretes aos quais recorrem quando se encontram com raças desconhecidas que não dominam o intercosmo ou não sabem falar. É então que intervém os moofs. Rhodan percebeu o nervosismo de Crest. Sorriu. — Não se preocupe, Crest. Nossa decisão só pode ser uma: num caso todo especial como este apoiamos integralmente o cérebro robotizado. Nunca permitiremos que os homens sejam governados por uma raça não-humana. Por isso o Zarlt é um duplo traidor. Orientaremos nossa ação de acordo com esse fato. Por enquanto nosso regresso à Terra caiu na água — ergueu as sobrancelhas. — Gostaria de saber como os moofs foram conceber a idéia de subjugar o Império. Gucky, o que vêm a ser esses moofs? O rato-castor havia assumido uma posição mais cômoda. Acomodou-se numa poltrona. Cônscio da sua importância, não deixou passar a oportunidade.
— Dificilmente existirão seres mais estúpidos que os moofs — revelou às pessoas que o escutavam ansiosamente. — Como não sabem falar, são telepatas de nascença. Mais tarde desenvolvem o dom da sugestão, mas, como já acentuei, este permanece bastante atrofiado. Os zalitas, que são fáceis de influenciar, foram os seres indicados para a tentativa de revolta. Têm dificuldades quando se defrontam com homens normais, isso sem falar nos mutantes. Esse fato os deixa bastante confusos. — Os moofs são bobos? — perguntou Bell em tom de espanto. Gucky, muito sério, confirmou com um aceno de cabeça. — Isso mesmo, são estúpidos, e isso não me deixa nem um pouco admirado. Também existem homens estúpidos, que querem governar outros homens e não querem reconhecer que só o homem inteligente, e às vezes o forte e o implacável, foram feitos para exercer o poder. Mas conforme já disse, quanto mais estúpido é um ser, maiores são seus complexos e sua sede de poder. Depois desse sermão um tanto ambíguo voltou a dirigir-se a Rhodan: — Os moofs não têm a menor noção da tecnologia e a navegação espacial é um mistério para eles, mas são encontrados a bordo de todas as naves dos zalitas. Os verdadeiros soberanos do sistema de Voga são os moofs, não os zalitas. — Não sei o que aconteceu nos últimos treze anos — disse Thora, intervindo no debate. — É claro que já conheço os moofs só por histórias. Viviam num planeta situado no Império. Nós os deixamos em paz, pois não sabíamos o que fazer com eles. E agora... — Ao que tudo indica, apareceu alguém que sabe o que fazer com eles — disse Rhodan. De repente, Gucky pôs as orelhas de pé. Ergueu-se em sua poltrona e fitou Rhodan com seus olhos inteligentes. O dente-roedor voltou a aparecer. Gucky sorriu. — Saber o que fazer com eles...? — disse, esticando as palavras num silvo agudo tão dissonante que Bell tapou os ouvidos. — Rhodan, acho que com estas palavras você encontrou a solução do problema. Ninguém ficou mais espantado com esta observação que o próprio Rhodan, mas este preferiu não formular outras perguntas.
4 O Zarlt sentiu-se muito satisfeito quando no dia seguinte Rhodan o procurou e lhe submeteu sua proposta. — Conheço o segredo da barreira arcônida — disse, jogando seu trunfo mais forte. Além disso, ao fugir, consegui enganar o cérebro que, segundo dizem, seria infalível. Isso prova que o homem é mais forte e inteligente que o cérebro positrônico que governa o Império. Mas, para desferirmos um golpe decisivo contra o cérebro robotizado precisamos realizar preparativos meticulosos. É bem possível que até aqui simplesmente tenha tido sorte, e não podemos confiar na sorte. Quero conhecer melhor minha nova nave, à qual dei o nome de Titan. Quero que me conceda algumas semanas para treinar minha tripulação. Depois disso poderemos partir para o ataque conjunto. O Zarlt balançou a cabeça. — Por que me oferece uma ajuda maior que a que lhe solicitei? Qual é o interesse que tem no Império? Onde fica seu planeta? — Meu planeta não pertence ao Império — disse Rhodan, respondendo em primeiro lugar à última das perguntas. — De qualquer forma, quando voltar a entrar em contato com o Império, gostaria que o mesmo fosse governado por um homem, não por robôs. Esta explicação o satisfaz? Desta vez o Zarlt acenou com a cabeça. — Sim, parece bem plausível. Quer dizer que me ajudará? — Ajudarei. Não tenha a menor dúvida de que farei tudo que estiver no interesse do Império. Diga-me uma coisa: quem são os moofs? A surpresa conferiu uma expressão sombria ao rosto do soberano. — Já sabe alguma coisa a respeito dos moofs? Rhodan sorriu. — Vejo-os em toda parte, Demesor. Por que faz tanto luxo com eles, se por sua natureza não podem viver neste mundo? De onde foram importados? — Nossas expedições encontraram-nos num planeta solitário. São telepatas e nos servem como intérpretes. E também como detectores de mentiras, quando isso se torna necessário. Poderia, por exemplo, conferir todas as suas palavras por meio de um moof. Como vê, eles nos prestam serviços extraordinários. — Não tenho a menor dúvida — disse Iihodan, levantando-se. — Espero contar nos próximos dias com sua visita à Titan. Deve estar interessado em conhecer a nave dos arcônidas. — Terei o maior prazer. Não deixarei de visitá-lo. *** Na Titan, havia andares inteiros que ainda não tinham sido explorados. O fato de que o gigante espacial representava uma ampliação quase exata da conhecida Stardust trazia certo alívio. Apesar disso Rhodan não dispensou os exercícios de alarma, que dariam aos tripulantes a oportunidade de familiarizar-se com a Titan. Constatou-se que as armas de que dispunha a nave seriam suficientes para, de várias maneiras diferentes, destruir um sistema solar numa questão de segundos.
Também havia um arsenal cuidadosamente trancado em que estavam escondidas as temíveis bombas gravitacionais. Tratava-se de uma arma à qual os arcônidas ainda não haviam recorrido. Era capaz de arrancar todo um planeta da estrutura espaço-temporal de quarta dimensão, fazendo-o desaparecer. O que aconteceria se os moofs conseguissem pôr as mãos numa arma como esta? Não era difícil encontrar a resposta, e foi ela que decidiu o curso que tomariam as ações de Rhodan. Enquanto Bell fazia os oficiais e tripulantes correr de um canto da nave para outro, dando prazos cada vez mais curtos para encontrar as posições designadas a cada um, na sala de comando estava sendo realizada uma conferência. Além de Thora e Crest, também os mais eficientes dentre os mutantes estavam presentes. Especialmente aqueles aos quais se poderia recorrer para a realização da ação planejada. Ainda participavam da conferência o coronel Freyt, o tenente Tifflor e o Dr. Haggard, um médico que acumulava suas funções com as de biólogo. — Quer dizer que a situação é a seguinte — principiou Rhodan, lançando um olhar para seus apontamentos. — O Zarlt apoderou-se do governo pela força. Provavelmente ainda não contava com o auxílio dos moofs. Como soube, estes vieram depois. Desde o início teve a idéia de depor o imperador e assumir o governo do Império. Para isso teria que neutralizar o cérebro robotizado. E o plano de destruir o cérebro foi o único fator que fez com que certos zalitas se tornassem seus amigos. Isso é um fator que depõe a favor desse povo, pois demonstra que não desejam a luta apenas para conquistar o poder. O que acontece é que não querem ser governados por uma máquina. — Para falar com franqueza, também não gosto que o Império se encontre sob o domínio de um robô — confirmou Crest em tom tranqüilo. Thora concordou com um aceno da cabeça. Ambos tinham bons motivos para não se sentirem satisfeitos com a situação atual. — Até aí, muito bem — confirmou Rhodan. — Infelizmente existem outras circunstâncias, que tornam nossa situação mais difícil. Temos que fazer de conta que pretendemos dar todo apoio ao Zarlt, a fim de ganhar tempo. Mesmo que queiramos ajudar o cérebro e, portanto, o Império, o primeiro ainda é nosso inimigo, e continuará a sê-lo até que consiga reconhecer logicamente nossas verdadeiras intenções. E não deixará de reconhecê-las, se conseguirmos restabelecer as condições normais em Zalit. Isso só será possível se eliminarmos os moofs, que governam o planeta por meio de um processo de sugestão. Nenhum dos nativos desconfia disso; nem mesmo o Zarlt. O coronel Freyt sacudiu a cabeça; parecia preocupado. — Quantos moofs existem neste mundo? Rhodan deu de ombros. — Não sabemos, mas devem ser milhares. É um número suficiente para controlar oito bilhões de zalitas. Gucky mexeu-se. Rhodan logo notou. Nos últimos dias, notara que o rato-castor dispunha de um volume surpreendente de conhecimentos. Quando resolvia falar, geralmente havia alguma coisa no ar. — Acontece que não conseguiram de todo — chiou com a voz fina. — Alguns zalitas ainda pensam nos velhos tempos que se foram e querem vingar-se. Continuam fiéis ao Império e chegam mesmo a aceitar a tutela exercida pelo cérebro robotizado. Acham que o mesmo é mais sensato que Demesor, o novo Zarlt.
— Este detalhe é muito interessante — disse Rhodan e pôs-se a refletir. — Oportunamente teremos que interessar-nos por esses zalitas. Devem possuir uma resistência mental maior que os outros. — Os moofs interessam-se principalmente pelas camadas dirigentes — explicou Gucky. — Se conseguirmos neutralizá-los, Zalit será um mundo livre. Haggard levantou o braço. Uma sombra passou pelo seu rosto, sempre gentil. — Neutralizá-los? Como poderíamos eliminar essas medusas? Estão encerradas em recipientes pressurizados de grande resistência e, pelo que descobrimos, vivem numa mistura de gases venenosos, formada principalmente por metano. Rhodan lançou um olhar para John Marshall. — O Dr. Haggard tem razão. Devíamos pensar na maneira de liquidá-las. Não há dúvida de que morrerão se o recipiente pressurizado for destruído. Mas não podemos penetrar em todas as naves e fazer detonar esses recipientes. E isso sem falar nos milhares de moofs que estão espalhados pelos quatro cantos do planeta. — Já pensei nisso — disse Gucky em tom triunfante. — Também já imaginei — disse Rhodan. — Foi por isso que trouxe Tama Yokida? — Você já aprendeu a ler pensamentos? — perguntou o rato-castor, fingindo surpresa. — Tama é o homem de que precisamos. — Um telecineta? — perguntou Frank Haggard em tom de dúvida. Rhodan sorriu como quem já havia compreendido tudo. Imaginava quais seriam os planos do rato-castor, embora ainda não compreendesse por que Gucky complicava as coisas a esse ponto. — Tama não é apenas um excelente telecineta — explicou, dirigindo-se ao Dr. Haggard. — Também provou que sabe cooperar com Gucky. É bem verdade que não sei quais são exatamente os planos de nosso pequeno amigo, mas não há dúvida de que dois telecinetas serão capazes de um desempenho bem maior. Um telecineta só sabe agir numa direção, isto é, pode usar uma força de tração ou de pressão. Já em dois, podem fazer ambas as coisas ao mesmo tempo. Lançou um olhar indagador para o rato-castor. — Será que você poderia ter a gentileza de explicar com mais detalhes quais são mesmo suas intenções? Gucky fez uma mesura acompanhada de um sorriso zombeteiro. — É simples, chefe. Localizo o moof por via telepática. Depois pego Tama e salto para o respectivo lugar. Se exercermos uma tração telecinética em direções opostas, o vidro deixará passar o gás. O metano escapará, e o moof partirá deste vale de lágrimas. É só isso. Não haverá explosões, nada que chame a atenção. Todo mundo compreendeu. Ninguém teve a menor objeção. Apenas Ras Tschubai disse com um ligeiro ressentimento: — E nós? O que vamos fazer? Será que assistiremos a tudo de camarote? Gucky sorriu da forma como só um rato-castor é capaz de sorrir. — O que é isso, Ras? Vocês terão trabalho, e muito trabalho. — Que trabalho é esse? — Participem dos exercícios de alarma. Já está na hora de conhecerem nosso barquinho. Não estou com a razão? Rhodan preferiu não emitir opinião. Não queria magoar ninguém. — Os zalitas logo perceberão que alguma coisa está errada — objetou o tenente Tifflor. — Se os moofs morrerem um atrás do outro...
— Faremos com que acreditem numa epidemia que se alastrou entre esses seres — interveio Gucky. — Eu lhe dou carta branca — disse Rhodan, dirigindo-se a Gucky, que se empertigou de orgulho. — Mas faço questão de que a ação seja levada a efeito de tal forma que os zalitas não desconfiem de nada. Este detalhe é muito importante. — Sei disso — chilreou Gucky. — De resto, se vez por outra um dos recipientes explodir, isso não constituirá nenhum erro. Apenas introduzirá um pouco de variedade no panorama. Vamos embora, Tama, vamos começar. Deixaremos os zalitas sem seus lindos totozinhos. Sem esperar resposta, Gucky escorregou para fora da poltrona, saltitou em direção ao japonesinho, segurou-o pela mão e saiu da sala. Ras Tschubai olhou-os com uma expressão de inveja. — Quanto a nós, vamos preparar-nos para a visita do Zarlt — disse Rhodan, encerrando a conferência. — Virá em companhia de um oficial que é o elemento de sua maior confiança. Já o conhecemos. Seu nome é Hemor. *** A eliminação dos moofs que se encontravam no cruzador zalita MRO não correu exatamente segundo os planos. O acaso interveio e fez com que surgisse uma surpresa que se revelou muito interessante, mas não para Gucky e Tama. Os dois mutantes se materializaram à meia nau e, sem serem percebidos, conseguiram penetrar na cúpula de observação situada na parte superior do cruzador, onde costumavam ser guardados os moofs. A sala estava vazia, com exceção da abóbada de vidro, sob a qual o moof se mantinha vigilante, dando livre jogo aos seus pensamentos, a fim de vigiar a tripulação da nave que realizava um vôo de rotina, renovando as ordens transmitidas por via sugestiva sempre que isso se tornava necessário. Gucky soltou Tama, que não sabia teleportar-se sem auxílio de outrem, motivo por que dependia do rato-castor. Aproximaram-se do recipiente de metano e contemplaram o monstro. — Então, meu chapa — disse Gucky baixinho ao moof, retribuindo o olhar vidrado. — Você pode fazer seu testamento. Era claro que o moof não tinha a menor idéia do que seria um testamento, mas Gucky não se deu ao trabalho de bloquear seus pensamentos. O moof leu com toda nitidez as intenções concebidas no cérebro daquele ser estranho. Estava disposto a defender-se. Tama foi o primeiro a sentir a onda de ameaça brutal e procurou erigir suas defesas. A ameaça logo se tornou menos intensa e cessou por completo. A força sugestiva do moof não era suficiente para romper o bloqueio mental. Gucky era ainda mais resistente. Deu uma risadinha e exibiu o brilho de seu denteroedor. — Não se esforce inutilmente — chilreou. — Tem algum desejo? A essa altura o moof já devia estar percebendo que sua energia era pouca. Recorreu à ameaça. — Quem é você, desconhecido? — com uma tremenda resolução na voz, prosseguiu: — Se fizer mal a um moof, você sofrerá um tremendo castigo. — Quem poderá punir-me? — perguntou Gucky.
Finalmente encontrara um moof mais loquaz que os outros. — Quando você souber, será tarde. Mais uma vez a onda sugestiva investiu contra os dois mutantes, e mais uma vez revelou-se ineficaz. — Por que pretendem conquistar o Império, e por que os zalitas têm de fazer o trabalho por vocês? A primeira impressão foi de espanto. Mas logo surgiu o impulso inconfundível: — Vocês já sabem? Nesse caso também devem saber que para nós os zalitas são exatamente a mesma coisa que nós somos para os senhores. Gucky pôs as orelhas de pé, embora não houvesse necessidade disso. — Os senhores? Que senhores são estes? — Ah, vocês não sabiam? Logo o moof isolou-se, dando a impressão de que já revelara demais e receava causar um desastre ainda maior. Gucky procurou extrair outras informações do monstro, mas viu que seus esforços eram inúteis. Furioso, afastou-se do recipiente e fez um sinal para Tama. O que já sabia permitir-lhe-ia fazer alguma coisa com os outros moofs, que seriam pegados desprevenidos. Tama e Gucky concentraram-se simultaneamente no mesmo ponto do recipiente pressurizado. Seus fluxos mentais telecinéticos desenvolviam-se em sentido oposto. Na parede do recipiente surgiu um ponto rarefeito, por onde escapou o gás mantido sob pressão, que representava a atmosfera necessária à vida do moof. A medusa começou a debater-se. Gucky captou impressões de pânico, que logo se tornaram mais fracas. Por uma única vez o ser tentou levantar-se, mas logo caiu sobre si mesmo. Parecia uma medusa que tinha dado à praia. Tinha um aspecto repugnante e nada imponente. Gucky segurou a mão de Tama. — Vamos dar o fora. Este veneno não é bom para nossos pulmões. O ar tremeluziu, e o moof moribundo viu-se sozinho. No mesmo instante, o primeiro-oficial da nave MRO teve a impressão de que até então sentira uma dor de cabeça que cessara de repente. Espantou-se ligeiramente de nunca ter pensado nisso, mas sentiu-se satisfeito e aliviado. Dando sua ronda habitual, entrou na sala de observação dez segundos depois de Gucky e Tama se terem desmaterializado. Pôs a mão no bolso e tirou uma caixinha. Nela havia rolinhos feitos de plantas aromáticas, muito parecidos sob todos os pontos de vista com os cigarros usados pelos terranos. Do outro bolso tirou o isqueiro elétrico. Farejou o ar. Havia um cheiro estranho, como de tocos de árvores apodrecidas. O moof parecia estar dormindo. Encolhido na sua caixa de vidro, não se movia. Sacudindo a cabeça, o primeiro-oficial enfiou o cigarro entre os lábios e acionou o isqueiro. A faísca elétrica saltou sobre o pavio molhado com lassita, uma pequena chama subiu. No mesmo instante uma força irresistível atirou o oficial pela porta, que felizmente apenas estava encostada. Uma língua de fogo bramiu por cima dele e bateu contra a escotilha mais próxima. Meio confuso, o oficial continuou deitado por alguns minutos. Quando o calor diminuiu, levantou-se. Nada se quebrara. Apenas seu uniforme estava chamuscado. Afinal, o que havia acontecido? Uma explosão? Lembrou-se do isqueiro. No momento em que o acendeu, uma forte língua de fogo atirara-o para fora da sala de observação. Se os gases incendiados não tivessem escapado pela porta...
Nem quis imaginar as conseqüências. A cúpula teria rachado, e ele seria atirado para o espaço juntamente com o moof. O moof! Ouviu passos. A escotilha foi aberta e alguns homens entraram correndo, ajudando o oficial a levantar-se. Poucos minutos depois sabiam. O moof estava morto e no recipiente foi encontrada a atmosfera normal. Não havia o menor vestígio de metano. A parede do recipiente não apresentava qualquer vasamento. Era um fenômeno incompreensível. Não encontraram explicação para o mesmo. O comandante imediatamente entrou em contato com as outras naves e soube que na maioria delas os moofs haviam morrido pela mesma forma inexplicável. Sempre morreram sufocados, já que nos recipientes não existia mais a atmosfera de que as medusas precisavam para viver. O gás escapara, sem que houvesse qualquer vasamento. O metano e o oxigênio formam uma mistura explosiva. Dessa forma conseguiram explicar ao menos a explosão ocorrida a bordo da MRO. Mas quanto ao resto, o fenômeno continuou a ser um mistério. *** Em Zalit ninguém imaginava que uma batalha violenta estava sendo travada. Zarlt imaginava-o menos que qualquer outra pessoa. Impaciente, aguardava a decisão de Rhodan, mas achou preferível não continuar a insistir junto ao mesmo. Um tanto contrariado, viu-se obrigado a permitir que Rhodan e seus homens andassem livremente pela superfície de Zalit e estudassem seus habitantes. Também não imaginava que, ao proceder assim, Rhodan visava a uma finalidade bem definida. John Marshall conseguira localizar os primeiros zalitas ainda não influenciados pelos moofs. Um ligeiro exame telepático revelou que eram dotados por um débil campo defensivo, que os protegia da influência dos moofs. Quando Marshall e André Noir, o hipno do exército de mutantes, se puseram a caminho para procurar o grupo que exercia uma oposição clandestina, a ansiedade de Rhodan quanto às medidas que o cérebro robotizado poderia tomar tornou-se mais intensa. Bell procurou tranqüilizá-lo. — Não acredito que poderia vir a atacar a Terra. Thora é de opinião que nossa posição astronômica ainda lhe é desconhecida. Os saltadores não têm o menor motivo para revelar essa posição aos arcônidas, que são seus inimigos mortais. Com isso apenas prejudicariam a si mesmos. — Quando não podem possuir uma coisa, querem destruí-la — disse Rhodan em tom de dúvida. — Não podem possuir-nos, mas também não podem destruir-nos. Logo, deverão ficar muito satisfeitos se um outro nos destruir. Thora e Crest trocaram um olhar. — Não nos abandone numa emergência destas — implorou a arcônida. — O Império está em crise. Nem mesmo o cérebro robotizado imagina que o inimigo está diante de suas portas. Os zalitas podem entrar em Árcon quando quiserem, enquanto não provocarem nenhuma suspeita, e o Zarlt é muito inteligente para fazê-lo. Se perder a paciência a ponto de não querer esperar mais, recorrerá à violência e à astúcia. E é bem possível que consiga realizar seu intento. — Quando isso acontecer, os moofs que o assessoram terão deixado de existir.
— Não se esqueça de que não são apenas os moofs — advertiu Crest. — Outras naves de Zarlt já estão a caminho para trazer novas levas de moofs. O trabalho de Gucky e Tama, por mais rápido que seja, não conseguirá neutralizar os reforços. A solução não é esta. — Vamos aguardar para ver o que Marshall conseguirá. Talvez o Zarlt possa ser derrubado por seu próprio povo. — E daí? Os moofs encontrarão um substituto. Será uma luta sem fim, e o senhor não terá tempo para participar dela. Não se esqueça da Terra. Rhodan sorriu. — Muito obrigado por ter chamado minha atenção para isso. Bell, vamos enviar uma mensagem a Deringhouse. Prepare o telecomunicador e codifique a mensagem. Será um impulso concentrado, conforme combinamos. Temos que assumir o risco. O rosto de Crest assumiu uma expressão preocupada. — Isso não seria uma leviandade, Perry? Sabemos perfeitamente que os arcônidas possuem instrumentos de localização extremamente sensíveis. Quando Deringhouse expedir sua resposta, saberão determinar precisamente a localização do emissor. E isso lhes fornecerá a posição da Terra. — Já pensei nesse detalhe — respondeu Rhodan em tom indiferente. — A resposta de Deringhouse não será expedida da Terra, mas de algum ponto da Via Láctea situado ao menos a dois mil anos-luz da mesma. E por lá o cérebro robotizado procurará em vão pelo nosso mundo. Era a vez de Crest esboçar um sorriso. — Acho que o senhor não se esqueceu de nenhum detalhe, não é, Rhodan? — Tomara que não me tenha esquecido. Tomara mesmo! Bell dirigiu-se à sala de rádio e preparou a mensagem. A outra porta abriu-se, e Gucky e Tama entraram. Os dois pareciam exaustos, o que face ao trabalho pesado que haviam realizado não era de admirar. O rato-castor sentou no chão o recostou-se na parede. Tama acomodou-se numa poltrona. — A epidemia dos moof está se alastrando — disse Gucky com a voz cansada. — Morrem como se fossem moscas. Mas alguns deles não morreram em vão. — Ah, é? — disse Rhodan, sem disfarçar a curiosidade. — Por quê? — Descobri alguma coisa, ao menos com os moofs que tinham medo de morrer. Infelizmente não puderam contar mais do que sabiam. — Continue — disse Rhodan, dirigindo-se ao rato-castor, que intercalou uma pausa para aumentar o efeito de suas palavras. — Os moofs querem que os zalitas ataquem o Império e neutralizem o cérebro robotizado. Depois disso, Zarlt assumiria o cargo de imperador. Evidentemente só faria aquilo que os moofs ordenassem, se bem que o próprio Zarlt nem desconfia disso. Mas as coisas são ainda mais complicadas. Os moofs, por sua vez, apenas executam as ordens de outros seres, que se mantêm ocultos. É por eles que mandam os zalitas para a luta. Os moofs são apenas os elementos de ligação entre os zalitas e os verdadeiros manipuladores do jogo, os chamados senhores. — Era o que eu imaginava — disse Rhodan. — O que é que uma raça desamparada como os moofs poderia fazer com o império estelar? Quem são esses senhores? O rosto de Gucky assumiu uma expressão desolada. — Infelizmente não conseguimos descobrir. Ao que parecia, os próprios moofs não sabiam. Talvez estivessem submetidos a um bloqueio hipnótico; não consegui apurar esse
detalhe. De qualquer maneira, não passam de instrumentos manipulados por mestres muito poderosos. — E esses mestres logo saberão que em Zalit as coisas não estão correndo pela forma que planejaram — disse Rhodan em tom pensativo. — Quando isso acontecer, talvez saiam do seu esconderijo, revelando sua identidade. — É possível, mas não é provável — disse o rato-castor, sacudindo a cabeça peluda com tamanho vigor que as orelhas balançavam de um lado para outro. — Nem mesmo os moofs chegaram a ver um dos tais senhores, tanto que não conseguem descrevê-los. Não acredito que agirão com tamanha falta de cautela. Bell entrou na sala, trazendo um bilhete e entregando-o a Rhodan. Lançou um olhar de esguelha para Gucky, sorriu e fez um gesto com a mão. — Pelo que vejo, temos uma pausa na batalha. — Aguarde até que chegue sua vez — resmungou Gucky em tom ameaçador e fechou os olhos, como se não suportasse a visão do velho amigo. Na verdade, estava apenas cansado demais para brigar com Bell. Rhodan leu o texto: Ao major Deringhouse, Terra. Peço informar com urgência a partir da posição combinada se tudo está em ordem. Localizar imediatamente qualquer transição estranha. Nosso regresso foi retardado. Considerar eventual ataque à Terra, que deverá ser energicamente repelido. Rhodan. Devolveu o bilhete e fez um aceno de cabeça em direção a Bell. — Envie isto o mais rápido possível e fique na recepção. A resposta deverá demorar algumas horas, pois Deringhouse terá que tomar certas providências. E isso mesmo se tudo estiver em ordem. Bell saiu da sala de comando. Rhodan voltou-se para Gucky, na intenção de prosseguir na palestra. Mas era tarde. Estendido no chão, o rato-castor soltou certos grunhidos, que se pareciam com o ronronar de um gato. Adormecera...
5 Rogal conseguira compreender até certo ponto a situação reinante em Zalit. Rogal era um simples técnico de uma das grandes usinas que fabricavam as peças dos televisores usados em Zalit. Seu tempo livre era muito limitado, e ele o usava em atividades políticas. E não o fazia movido pela sede do poder ou pelo desejo de sair do anonimato, mas porque realmente andava preocupado com o curso dos acontecimentos. Tal qual ele, também seus amigos sabiam perfeitamente que o novo Zarlt não assumira o poder de forma legal. A morte súbita do velho Zarlt nunca chegou a ser considerada um assassínio político, contudo esse detalhe não passava de uma questão de forma. Os oficiais que haviam penetrado no palácio na calada da noite e o mataram nunca foram punidos e atualmente ocupavam posições importantes. Apesar disso, as declarações oficiais do governo do novo Zarlt insistiam em que o velho soberano havia morrido, e havia morrido de morte natural. Rogal sabia que essa declaração não passava de uma mentira. E de repente apareceram os moofs. Uma nave os trouxe. Receberam recipientes pressurizados que lhes permitiam viver em Zalit. De início pensava-se que aquilo não passasse de uma brincadeira dos oficiais da frota, mas logo notaram sua importância. Os moofs conseguiam ler os pensamentos dos zalitas e sabiam comunicar-se com os mesmos por via telepática. Qualquer pessoa que se julgasse importante comprava um moof. O mesmo lhe permitia controlar os pensamentos de seus semelhantes. Foi este o primeiro perigo que surgiu. As prisões tiveram início. Qualquer pessoa cujos pensamentos não se conformassem com os desejos do novo Zarlt era localizada pelos moofs e presa. Os moofs intervieram abertamente na política, colocando-se ao lado do novo governo, formado quase que, com exclusividade, por oficiais da frota espacial. Dali em diante Rogal passou a odiar os moofs. Encontrou amigos e adeptos que não concordavam com a linha de atuação do governo. Queriam continuar a ser súditos fiéis do Império, mesmo que esse fosse dirigido por um artefato mecânico. Isso ainda era preferível ao regime do novo Zarlt. O movimento de resistência começou a surgir, sofreu numerosos reveses, mas assim mesmo tornou-se cada vez mais forte e influente. Seu maior inimigo continuava a ser os moofs. *** Quando Rogal entrou no pequeno subterrâneo, a maioria dos seus amigos já estavam reunidos. Cumprimentou-os e reconheceu em seus rostos o brilho de confiança que por tanto tempo estivera ausente. — Os moofs estão morrendo — disse alguém com a voz alta e clara. — Estão morrendo em toda parte, e ninguém sabe por quê. — Pois eu sei — disse Rogal com um sorriso. — Dentro de pouco tempo deixarão de representar um perigo. — Acontece que as naves transportadoras que deverão trazer os reforços já se encontram a caminho. O governo não conseguirá manter-se sem os moofs telepáticos.
Perderia o controle sobre o povo. A quantidade de pessoas que aderiu ao nosso movimento aumentou consideravelmente depois que os moofs começaram a morrer. — Isso não é de admirar — disse Rogal. — Quando os traidores desaparecem, também desaparece o temor dos indecisos. Não sabia que havia outros motivos para o repentino afluxo de adeptos. Libertados da influência sugestiva dos moofs, só agora os habitantes começaram a compreender o perigo que ameaçava o sistema. Queriam depor o Zarlt, e não havia mais nenhuma constrição mental que os impedisse de realizarem seu intento. — Será que aqueles desconhecidos têm alguma coisa a ver com isso? — perguntou alguém. Rogal lançou um olhar para a pessoa que acabara de falar. — Os desconhecidos? Quem são eles? Afinal, são hóspedes do Zarlt. Além disso, roubaram uma nave do Império. Acho que não poderemos contar com eles. Muito menos acredito que tenham alguma coisa a ver com a morte dos moofs. — É possível que o senhor esteja enganado — disse uma voz forte vinda da entrada. — Não nos julgue antes de conhecer-nos. As cabeças viraram-se abruptamente. Todos os olhos fitaram os dois homens que, de pé na porta, retribuíam tranqüilamente os olhares. Usavam um uniforme discreto e traziam algumas armas estranhas no cinto. Rogal reconheceu-os. Muitas vezes vira sua imagem na televisão. Eram os desconhecidos... Por um instante o pânico ameaçava apoderar-se dele. Estariam perdidos? Se sua suposição a respeito dos desconhecidos fosse correta, estariam. Acontece que o desconhecido acabara de dizer que talvez estivesse errado. Decidiu jogar tudo numa única cartada. De qualquer maneira, não tinha nada a perder. Se os desconhecidos haviam localizado o grupo, era porque conheciam seus planos. — Por que veio até aqui? — perguntou, dominando a emoção. — Talvez seja para ajudá-los — disse John Marshall, lendo a dúvida e uma vaga esperança nos pensamentos de Rogal. André Noir, que se encontrava a seu lado, começou a avaliar a resistência dos homens que ali se encontravam reunidos. Levou poucos segundos para descobrir que não teria a menor dificuldade em impor-lhes sua vontade, se as circunstâncias o obrigassem a isso. — Ajudar em quê? — Queremos ajudá-los a voltar a transformar Zalit num mundo em que valha a pena viver. Pelo que vê, estou usando de toda a franqueza. Não quer usar a mesma franqueza conosco? — Como soube dos nossos planos? Afinal, são gente estranha neste planeta, e são inimigos do Império, tal qual o Zarlt. Como poderemos confiar nos senhores? — É que as aparências enganam, Rogal. Para todos os efeitos, o senhor também é considerado um súdito leal de Demesor, mas na verdade é seu inimigo. Por que não poderíamos ser amigos do Império, embora sejamos considerados seus inimigos? Rogal achou que esses argumentos poderiam ter algum fundamento. Acenou lentamente com a cabeça. — Qual é a prova de sua suposição? Marshall sorriu. — Os senhores são apenas um dos muitos grupos de resistência espalhados por Zalit. Em geral, não há nenhuma ligação entre os grupos, pois todo mundo tem de cuidar-
se por causa dos moofs. Estou disposto a promover o contato entre os grupos, a fim de reunir e fortalecer a resistência. Isso basta para provar minha lealdade e boa vontade? — Não poderíamos admitir que o senhor pretende entregar todos os grupos ao Zarlt? — Para isso não precisaria negociar com os senhores. Conheço todos os grupos e seus chefes. Se quisesse, já estariam presos. Acontece que nosso objetivo consiste em substituir o ditador Zarlt pelo sucessor legítimo do soberano assassinado. E o objetivo dos senhores não é outro. Rogal percebeu que o desconhecido não estava mentindo. Ainda um tanto indeciso, caminhou ao seu encontro e estendeu-lhe a mão. — Quero confiar no senhor. Se unirmos nossas forças, talvez cheguemos mais depressa ao nosso objetivo. Mas, o que acontecerá com os moofs? Marshall não tinha a intenção de informar seu interlocutor sobre a verdadeira natureza dos moofs. — Os moofs são aliados do Zarlt. Ajudam-no a controlar os pensamentos de seus súditos. São traidores; logo, têm de ser eliminados. Já começamos a executar essa tarefa. O rosto de Rogal iluminou-se. — Então é graças a vocês que está havendo essa mortandade entre os moofs. Digam como conseguem fazer isso, pois queremos ajudá-los. Nossa luta só poderá ser bem sucedida quando não houver mais nenhum moof. — Deixem os moofs por nossa conta. Vocês terão outro tipo de trabalho — disse Marshall e fez um sinal para André Noir. — Vocês permitem que eu participe de sua reunião? Encontraremos um caminho... Rogal concordou com um aceno de cabeça e dirigiu-se para um ponto mais elevado do subterrâneo, de onde abriu a conferência. *** Demorou nada menos de oito horas até que os receptores de hipercomunicação da Titan captassem o impulso concentrado expedido por Deringhouse. Vinham de uma distância de 32 mil anos-luz. Percorriam esse trajeto num instante, atravessando a quinta dimensão. Só retornavam ao espaço normal no momento em que atingiam o receptor. Deringhouse, que no momento comandava a frota espacial terrana sob as divisas da Terceira Potência, recebera a informação de Rhodan e expediu a seguinte resposta: Para Perry Rhodan, setor de Árcon. Tudo calmo em torno da Terra. Nenhuma transição. Frota de prontidão. Boa Sorte. Deringhouse. Se quisesse ser sincero para consigo mesmo, Rhodan teria que confessar que um peso lhe saíra de cima do coração. O cérebro robotizado de Árcon ainda não havia tomado nenhuma providência contra a Terra. Ao que tudo indicava a suposição de Thora era correta, se bem que ainda não fora provada. De qualquer maneira, a expedição de Rhodan dispunha de tempo para preparar sua missão com toda calma. Metade da Titan encontrava-se num hangar subterrâneo e a metade superior foi camuflada. Dessa forma, as naves que o cérebro robotizado enviasse à procura do couraçado roubado teriam poucas possibilidades de localizá-lo. Isso se ninguém lhe contasse o que realmente estava acontecendo em Zalit...
Não se poderia confiar no Zarlt. Era bem verdade que ainda se encontrava sob o efeito retardado das ordens sugestionadas pelos moofs, mas no fundo de sua mente, seus próprios pensamentos não diferiam muito daqueles que lhe haviam sido impostos. Os moofs não poderiam ter escolhido um instrumento melhor que este. Os objetivos que perseguiam eram os mesmos, embora os métodos talvez fossem diferentes. Se Zarlt Demesor achasse conveniente prestar um serviço ao cérebro robotizado para obter o reconhecimento do mesmo, não hesitaria um instante em trair Rhodan. Por um instante, Rhodan pensou em influenciá-lo através de seus mutantes, mas logo desistiu da idéia. As novas levas de moofs poderiam chegar a qualquer hora, e se os mesmos percebessem que o outro lado também dispunha de sugestores, a situação se tornaria ainda mais complicada. Os desconhecidos que recorriam aos moofs e aos zalitas para conquistar o Império não deveriam conhecer a força do inimigo. O operador de rádio já se havia retirado. Bell estava realizando um dos treinamentos de alarma que tanto apreciava. Thora entrou na sala sem que ninguém o notasse. Por um instante parou na porta, contemplando Rhodan que estava sentado na poltrona, mergulhado em pensamentos. Durante treze anos esse terrano a segurara, impedindo o regresso para Árcon, pelo qual tanto ansiava. Estava plenamente convencida de que nunca poderia permitir esse tipo de comportamento. Mas a esta hora, já não tinha tanta certeza. O regresso para Árcon transformara-se numa amarga desilusão. Thora não gostava de lembrar-se disso. As recriminações que pretendia jogar ao rosto de Rhodan nunca chegaram a ser formuladas em voz alta. Reconheceu que Rhodan tivera toda razão ao dizer que os arcônidas eram uma raça decadente e incapaz. A atitude de confiar a responsabilidade pelo império estelar a um cérebro positrônico bastara para definir sua opinião. Sem virar a cabeça, Rhodan rompeu o silêncio: — A senhora não me perturba, Thora. Chegue mais perto. Quero falar com a senhora. Thora aproximou-se lentamente. A figura altiva caminhava bem ereta e em seu rosto havia uma expressão indefinível. O cabelo quase branco emoldurava uma cabeça estreita e formava um contraste estranho com a pele morena. Os treze anos durante os quais a mesma ficara exposta à ação do sol terrano deixaram seus vestígios. Em seus olhos dourados havia um brilho que Rhodan nunca havia notado. — Quer dizer que nossas intenções estão em conflito — murmurou Thora. — Ainda bem que isso não acontece com nossas opiniões; ao menos tenho esta impressão — respondeu Rhodan. — Faça o favor de sentar, Thora. Aliás, a senhora estava com a razão. O cérebro robotizado não enviou nenhuma nave à Terra. Será que agiu assim por sua livre vontade, ou será que ainda não conhece a posição de nosso planeta? — A hipótese verdadeira é a última — disse Thora, acomodando-se numa poltrona. — Se conhecesse sua posição, a Terra estaria praticamente perdida. Não tenho a menor dúvida. Um cérebro robotizado não tem sentimentos. — Mas pensa logicamente; ao menos espero que o faça. Devia reconhecer que não sou nenhum inimigo do Império. — Por enquanto o senhor não lhe forneceu nenhuma prova disso. Qualquer indivíduo que não obedeça às suas ordens é considerado um inimigo do Império. E o senhor chegou a roubar-lhe um couraçado. — Acontece que fiz isso para servir ao Império.
Thora esboçou um sorriso de dúvida. — O senhor terá que provar isso ao cérebro. Não acha que será muito difícil, quase impossível fazê-lo? Rhodan sacudiu a cabeça. — De forma alguma. Os moofs surgiram no momento indicado. Se conseguirmos fazer com que Zalit volte a ser um mundo plenamente leal a Árcon, isso deverá constituir prova de nossa lealdade para com o Império. O sorriso de Thora aprofundou-se. — Para mim seria, Perry. Não duvido de suas boas intenções. Mas será que o cérebro pensa da mesma forma? — A senhora pensa logicamente, Thora, e o cérebro também. Logo, as conclusões deverão ser iguais. Bem, vamos aguardar. Aliás, eu queria conversar sobre outro assunto. Depois de ligeira hesitação, disse em tom resoluto: — Quais são seus planos para o futuro? O sorriso desapareceu do rosto de Thora como se uma mão invisível o tivesse apagado. — Meu futuro...? — uma dúvida a atingiu. — Que futuro poderei ter em Árcon? Minha dinastia praticamente foi extinta. Crest e eu estamos condenados ao ostracismo, se bem que de forma indireta acabaram por reconhecer-nos. Para ser sincera, Perry... se hoje me visse colocada diante da alternativa de continuar a ser uma arcônida ou transformarme numa terrana, não teria nenhuma dificuldade em fazer a escolha. Era uma afirmativa surpreendente para quem se lembrasse do orgulho que a arcônida costumava exibir e do desprezo que votava aos bárbaros terranos. A reviravolta era compreensível, mas para Rhodan foi rápida demais. Desconfiou de que houvesse alguma cilada. — Gostaria de ser uma terrana? — disse em tom pensativo, contemplando sua interlocutora. Esta retribuiu o olhar sem o menor constrangimento. Havia nele uma certa súplica, que Rhodan não compreendeu. — Os terranos não são seres muito inferiores à senhora, Thora? — Hoje não são mais, Perry. Às vezes chego a pensar que é exatamente o contrário. O imortal não afirmou coisa parecida? O imortal...! De repente Rhodan pensou que sabia qual era o verdadeiro motivo da atitude de Thora. O misterioso imortal, um ser incompreensível feito de energia, que vivia num planeta artificial, denominado Peregrino, recusara aos arcônidas a ducha celular revitalizadora. A mesma só fora concedida a Rhodan e a Bell. Por serem terranos! O sorriso de Rhodan estava marcado pela amargura. — Compreendo, Thora, mas não sei se conseguirá convencer o imortal. Thora recuou. — Perry, não pense assim a meu respeito. Não é só a perspectiva da vida eterna que me atrai. Árcon representou uma decepção tão amarga para mim que quase não desejo continuar a viver, quanto mais viver para sempre. Tive mais de um decênio para conhecer os terranos. Vi que em treze anos criaram uma coisa na qual levamos vários milênios. Já refleti sobre a prosperidade que o Império poderia experimentar se não fosse governado pela raça decadente dos arcônidas ou por um cérebro robotizado, mas sim pelos terranos. Rhodan não respondeu. Sentiu que a arcônida estava dizendo a verdade. O novo curso que estavam tomando os pensamentos da mesma pareceu-lhe tão formidável, que
precisou de alguns longos segundos para compreender. Mas as dúvidas logo começaram a surgir de novo. — Nesse caso sua raça teria que ceder sua posição dominante — ponderou. — A senhora é uma arcônida. E claro que no papel a senhora poderá transformar-se numa terrana, mas no fundo do coração continuará a ser o que sempre foi: uma arcônida. Será que esta situação a deixaria feliz? Mais uma vez, um sorriso esboçou-se no rosto de Thora. Desta vez foi um sorriso mais feminino. Uma expressão suave brincava em torno de sua boca, e seus olhos iluminaram-se. — Feliz? Por que não poderia ser feliz? — perguntou, olhando para além de Rhodan. Naquele instante, uma mão forte parecia comprimir o coração dele. Teve a impressão de que uma venda caía de seus olhos. Teve que fazer um esforço tremendo para não deixar perceber o que sentia. Examinou discretamente seu rosto, seus olhos. Mas não viu neles nenhuma confirmação de sua tremenda suposição, da qual sabia que era muito mais que uma simples hipótese. Esteve a ponto de dar uma resposta, quando a porta se abriu com violência e Bell entrou ruidosamente na sala. Por dois segundos, ficou sem fala quando viu Thora e Rhodan, juntinhos, sentados em suas poltronas. Mas logo se controlou. — O exercício de alarma foi concluído! — disse num tom exageradamente militar. — O próximo treino foi marcado para hoje de noite. Os tripulantes já conhecem a Titan como suas algibeiras. Rhodan parecia despertar de um sonho. Numa atitude ausente fitou Bell e acenou com a cabeça. — Está bem, Bell. O próximo exercício será realizado hoje de noite. Bell ficou parado. — Houve alguma coisa? — perguntou em tom preocupado. Rhodan sorriu. — Não, não houve nada; ao menos, não houve nada que pudesse preocupar você. — Ah! — disse Bell, que não estava compreendendo coisa alguma. Lançou um ligeiro olhar para Thora, sacudiu a cabeça e saiu. A porta foi fechada abruptamente. Seus passos ecoaram pelo corredor. Rhodan voltou a dirigir-se a Thora. A disposição de pouco antes esvaecera-se. Sua boca estava dura como sempre e em seus olhos já não havia o brilho luminoso que fornecera a primeira indicação a Rhodan. Voltara a ser a Thora que conhecera. Mas sabia que existia outra Thora, da qual teria que cuidar. Era uma Thora que possuía um coração. *** Gucky e Tama Yokida só voltaram à nave ao anoitecer. Sua primeira caminhada foi para a sala dos tripulantes, onde Rhodan jantava em companhia de Thora, Crest, Bell e os mutantes. Num canto, o tenente Tifflor e Frank Haggard jogavam xadrez. O rato-castor fez continência e pousou no traseiro. — Missão especial concluída — anunciou. — Nestes quinze dias, todos os moofs existentes em Zalit foram eliminados, a não ser que exista algum que não conseguimos localizar. Os cientistas estão dando tratos à bola para descobrir como os recipientes de
vidro feitos para resistirem à pressão puderam tornar-se porosos, mas receio que não encontraram nenhuma explicação. — E as naves da frota espacial? Gucky deu de ombros e por pouco não perde o equilíbrio. — Sempre que foi possível, também as controlamos e eliminamos os moofs. É claro que a toda hora algumas naves retornam de vôos de patrulhamento, com moofs vivos a bordo. — Isso também tem de ser evitado — ordenou Rhodan e deu uma palmada nas costas do rato-castor. — Sua missão prosseguirá. Os moofs terão de ser totalmente eliminados. Os seres que os comandam devem acreditar que o clima de Zalit não lhes faz bem. Neste ponto, atribuo à palavra clima um sentido figurado. Quando chegarem as naves que trouxerem novas levas de moofs, as mesmas terão que ser trabalhadas imediatamente. — Será feito — confirmou Gucky e esticou o corpinho. Seus olhos mal alcançavam a mesa posta. — Estou com fome. — Venha cá — chamou Bell, que se encontrava na extremidade oposta da mesa. — Mandei trazer algumas cenouras do frigorífico da Ganymed. O rato-castor pôs as orelhas de pé e teleportou-se para a poltrona vazia ao lado de Bell. Dali a dois segundos, Bell estava pendurado no teto, esforçando-se em vão para escapar aos fluxos de energia telecinética expedidos por Gucky. Debatia-se com os braços e as pernas e prometeu que mandaria imediatamente alguém à Ganymed para trazer algumas cenouras, que aquilo não passara de uma brincadeira e... Gucky não deu a menor atenção às palavras de Bell. Com um desprezo mortal, roía a carne do osso de um animal que também servia de alimento aos arcônidas. Teria preferido algumas cenouras. *** John Marshall confirmou as suposições de Rhodan. — As adesões ao movimento de resistência, agora unificado, decuplicaram depois que os moofs começaram a morrer e as forças sugestivas dos mesmos deixaram de agir. Os zalitas odeiam o Zarlt, que mandou assassinar o velho soberano para conseguir o poder. Não gostam da tutela exercida pelo cérebro positrônico estacionado em Árcon, mas têm bastante juízo para preferi-lo ao governo do nosso Zarlt. Sabem que, se este alcançar o poder total, o Império estará perdido, pois conhecem suas fraquezas. — Os zalitas são um povo notável — confirmou André Noir, o hipno. — Não há necessidade de influenciar os homens que acabam de ser libertados dos moofs, a não ser que se trate de oficiais ligados ao Zarlt. Estes bem que precisariam de um tratamento. — Por enquanto não! — advertiu Rhodan. — Quero que os zalitas decidam livremente. Quero que o Zarlt prossiga no seu jogo, sem saber que somos nós os responsáveis pela morte dos moofs. Quero que continue a acreditar que somos inimigos do Império e que nos escondemos do cérebro robotizado. John Marshall procurou investigar os pensamentos de Rhodan, mas sentiu-se decepcionado quando esbarrou numa barreira impenetrável. Rhodan brindou-o com um sorriso.
Bell, que já fora descido por Gucky de sua posição incômoda junto ao teto, disse em tom desconfiado: — Admitamos, Perry, que consigamos colocar as classes dominantes dos zalitas sob a nossa influência. Fariam o que queremos. De uma hora para outra a brincadeira teria um fim e Zalit seria um planeta livre. O cérebro robotizado nos deveria um favor... — ...e ficaríamos sem saber quem está atrás do plano de destruir o cérebro. Não, assim não é possível. O Zarlt deverá continuar livre para agir segundo seu arbítrio, pois do contrário os seres que manipulam o jogo desconfiarão. Quero desmascará-los, sejam eles quem forem. O Zarlt não passa de um boneco. Se cortarmos os fios nos quais está pendurado, jamais saberemos quem o faz dançar. Vamos neutralizar os moofs. Também apoiaremos o movimento de resistência. Mas isso é tudo que podemos fazer, ao menos por enquanto. — Pelo que vejo, você acha que o Zarlt deve executar seu plano para que... — Não, apenas deve dar os primeiros passos para sua execução. No momento em que a pessoa que manipula o marionete tiver sido descoberta, daremos nosso golpe e salvaremos o Império. É só o que quero. — Quer dizer que o senhor está decidido a salvar o Império? — interveio Crest. Em sua voz não soava a mais leve das dúvidas. — Isso mesmo — confirmou Rhodan. Crest olhou-o em cheio. — Para quem? — perguntou em tom amável. Rhodan não respondeu. Apenas retribuiu o sorriso com a mesma amabilidade.
6 Foi a segunda visita que o Zarlt Demesor fez à Titan. Não veio só. Trouxe alguns oficiais que na opinião de Rhodan formavam um tipo de guarda pessoal. O Zarlt não conseguiu disfarçar inteiramente o seu nervosismo. Continuava a mostrar-se amável e solícito, mas via-se que nuvens negras desenhavam-se no horizonte do futuro que planejava. Evidente que não sabia nada sobre o papel decisivo que os moofs desempenhavam. Para ele não passavam de auxiliares na luta contra o crescente descontentamento que lavrava entre o povo. Como poderia controlar os pensamentos recônditos de seus súditos, se não podia contar com os dons telepáticos dos moofs? Foi ao encontro de Rhodan, que o esperava na sala dos oficiais. Não deu a menor; atenção a John Marshall, que se mantinha à distância, e nem desconfiava de que, naquele instante, seus pensamentos e suas intenções estavam sendo submetidos a um exame minucioso. — Já se passou muito tempo desde que o senhor veio ao nosso mundo — principiou a palestra logo após os cumprimentos. — O senhor insiste em manter silêncio; não quer revelar como conseguiu romper a barreira exterior de Árcon. Rhodan esboçou um sorriso frio. — O senhor acha que isso é muito fácil, Zarlt Demesor. Devo preveni-lo de que, mesmo se o conseguisse, ainda se encontraria com a enorme frota dos arcônidas, sem falar nas unidades dirigidas por robôs, que o cérebro lança à luta independentemente da frota. Não acredito que o senhor teria qualquer chance de conquistar o Império. — Quem lhe diz que pretendo conquistá-lo? Apenas quero libertá-lo do governo arbitrário exercido por uma máquina. Mais nada. — Sua intenção é muito louvável admitiu Rhodan. — Quer que eu o ajude a executá-la? — Naturalmente. O cérebro não é seu inimigo? Não o persegue como um inimigo mortal? Não vejo nenhum motivo que possa impedi-lo de ser meu aliado. — Apenas a prudência poderia impedir-me, Zarlt. Outro detalhe: como é a disposição de seu povo? Pode contar com o apoio integral do mesmo? O Zarlt fez um gesto seguro. — Posso, sim. Nossa raça ama a paz, mas está disposta a lutar quando sua liberdade está em jogo. Rhodan lançou um ligeiro olhar para Marshall. A comunicação entre ambos não foi notada. O Zarlt estava mentindo. Sabia perfeitamente que a maioria do povo zalita era contra ele. Ninguém concordava com o plano de atacar o cérebro robotizado. — Não tenho nada a ver com os assuntos internos de Zalit — disse Rhodan. — No momento adequado, mostrar-lhe-ei como atravessei a barreira que defende Árcon. No momento adequado, Zarlt; nem um segundo antes. Uma sombra de contrariedade passou pelo rosto marrom-avermelhado que se exibia sob a cabeleira cor de cobre. Porém Demesor mostrou um excelente autocontrole. — Tenho tempo. Posso esperar até que sua confiança se consolide. Para comemorar nossa amizade realizarei hoje de noite uma festa no palácio vermelho. O senhor e sua
oficialidade estão convidados. O senhor já se encontra em nosso mundo há trinta dias, e ainda não teve oportunidade de conhecer os zalitas em festa. Aceita o convite? — Por que não? Quantas pessoas poderei levar? — É evidente que isso fica ao seu critério. Acredito que só queira levar seus amigos mais íntimos. Outro detalhe: hoje recebi a visita de um mensageiro de Árcon, que realizou certas investigações. O cérebro robotizado dispõe de certos dados pelos quais se conclui que o senhor fugiu nesta direção. Neguei terminantemente que o senhor tenha sido visto no interior do nosso sistema. — Fico-lhe muito grato — disse Rhodan, embora já soubesse que o Zarlt lhe contara uma mentira. Nenhum mensageiro chegara a Zalit naquele dia para fazer uma afirmativa dessas. E o coordenador robotizado não tinha a menor indicação sobre a direção que Rhodan tomara com a nave roubada. — Mandarei dois carros — prometeu o Zarlt. — Da festa participarão exclusivamente membros do governo. Peço-lhe que considere este fato na escolha das pessoas que o acompanharão. Rhodan prometeu atender ao pedido, embora não tivesse a menor intenção de modificar a decisão já tomada. Estava interessado em dar uma sensação de superioridade ao Zarlt. Queria que o mesmo se sentisse forte e confiasse no êxito do seu empreendimento. Rhodan não sabia se os grandes desconhecidos que manipulavam o jogo tinham espiões em Zalit, e quem seriam eles. Era possível que os moofs representassem o único elemento de ligação entre eles e o Zarlt. Mas também era possível que não fosse assim. O Zarlt passou a dedicar sua atenção a outros assuntos e manifestou o desejo de conhecer a nave. Rhodan não teve nenhuma objeção. Avisou Bell, que se sentiu muito satisfeito com a tarefa, pois esperava embelezar sua existência monótona com algumas brincadeiras. Rhodan pretextou o volume de serviço para ficar a sós com Marshall, que o informou sobre os pensamentos recônditos que atravessaram a mente do Zarlt e de seus oficiais. Constatou que Demesor não introduzira qualquer modificação em seus planos, embora já estivesse livre da influência dos moofs. Continuava firme no propósito de destruir o cérebro robotizado e assumir o lugar de Imperador do enorme reino estelar dos arcônidas. *** Bell ficou muito triste ao saber que teria de ficar na Titan. Rhodan explicou-lhe que a nave não poderia ficar desprotegida. Ele, Bell, conhecia todos os recantos da mesma, e por isso seria o homem indicado para assumir o comando, se houvesse algum imprevisto. Essa explicação representou um pequeno consolo para Bell. Suas queixas tornaramse menos violentas, embora não cessassem de todo. Rhodan agiu com a maior cautela ao escolher as pessoas que o acompanhariam. Além de Thora, Crest e o Dr. Haggard, levou os mutantes John Marshall, Ras Tschubai e André Noir. Eram sete pessoas ao todo. O teleótico Ralf Marten descansava em seu camarote, enquanto seu espírito se encontrava no palácio vermelho. Assumiu o corpo de um certo Milfor, que figurava como responsável pelo armamento da frota de Zalit. Vendo e ouvindo pelos olhos e ouvidos do inimigo, participava da festa e, se necessário, avisaria Bell assim que surgisse qualquer novidade.
Rhodan, Thora e os mutantes acomodaram-se no primeiro carro. Frank Haggard e Crest tomaram o segundo carro. Os dois homens sentiam-se ligados por uma forte amizade, cuja origem talvez residisse no fato de que fora Haggard quem há treze anos salvara Crest da morte certa pela leucemia. O médico australiano era especialista em doenças do sangue e descobridor do soro que curava a terrível doença, que já não apavorava a população da Terra. O fato de irem sós no carro não era um simples acaso. Crest providenciara para que isso acontecesse, e pouco lhe importava que isso provocasse ou não alguma desconfiança em Rhodan. Thora também estava muito interessada em que Crest ficasse a sós com Haggard. O carro de Rhodan partiu; o outro carro seguiu-o. Crest disse em inglês: — Quero falar com o senhor, Frank. Na nave, dificilmente teria oportunidade para isso. Mesmo aqui teremos que ter cuidado, pois é possível que Marshall nos esteja vigiando. Peço-lhe que isole seus pensamentos. Gostaria de formular-lhe uma pergunta cuja resposta significa muita coisa para mim e para Thora. — Que introdução solene! — gracejou Haggard, contemplando o céu crepuscular de Zalit. Ali estavam eles, a 34 mil anos-luz da Terra, desenvolvendo sua atividade num planeta estranho a fim de impedir que o cérebro robotizado de Árcon fosse destruído. Era uma situação intrincada, que certamente só Rhodan poderia compreender. — Pode falar; sou todo ouvidos. — Não se espantará com minha pergunta? — certificou-se Crest, cauteloso. — De forma alguma. Pergunte. Crest deixou que alguns segundos se passassem. Sua lembrança recuou ao instante terrível em que se viu juntamente com Rhodan diante do imortal, pedindo a dádiva da vida eterna. Há milênios a lenda do planeta da vida eterna corria por Árcon, e a lenda acabou por transformar-se em realidade no momento em que ele, Crest, e Rhodan descobriram o planeta. Foi então que o imortal, um ser surgido da espiritualização de toda uma raça, declarou que a vida eterna estava reservada exclusivamente aos terranos. Os arcônidas, acrescentou, já tinham a vida atrás de si, e não serviram para nada. Para que aumentar o tempo de vida natural de alguém que nada soubera fazer de sua existência? Ele, o imortal, não via nenhum motivo para isso. Naquela oportunidade, Crest conformara-se com o veredicto sem esboçar a menor reação, embora seu orgulho tivesse sofrido um forte arranhão. Com Thora, as coisas não foram diferentes. O dom da imortalidade relativa só fora concedido a Rhodan, o terrano, e ainda a Bell, para quem nada era sagrado. Crest falou. Como se gemesse: — Frank, o senhor acredita que com os recursos de que dispõe poderia iniciar e levar avante uma renovação geral das células do corpo humano? O Dr. Haggard reclinou-se no assento o lançou um olhar perscrutador para Crest. Naturalmente os acontecimentos do planeta Peregrino já eram do seu conhecimento. Também sabia que Rhodan estava em condições de conferir o dom da imortalidade relativa a qualquer terrano, desde que o apresentasse ao imortal. Mas os dois arcônidas haviam sido excluídos do benefício. Por quê? Thora e Crest não haviam provado suficientemente que não foram atingidos pela degenerescência geral de sua raça e possuíam quase a mesma força de
vontade e atividade dos terranos? Talvez ainda teriam uns cinqüenta ou cem anos de vida, mas o que representava isso quando a história dos próximos milênios estava em jogo. De repente, Haggard compreendeu como deve sentir-se uma pessoa condenada à morte. Mas não era verdade que todo homem está condenado à morte desde o momento em que nasce? — Por que faz essa pergunta, Crest? — Apenas quero saber se existe essa possibilidade, Frank. Há um meio de dispensar a colaboração do imortal? Haggard contemplou a traseira do carro que ia à frente. — Com isso não só estaríamos dispensando a colaboração do imortal, mas passaríamos Rhodan para trás. Já se deu conta disso? — Não. Apenas queremos alcançar a imortalidade pelos caminhos da medicina, não como uma dádiva de um ser inconcebível feito de bilhões de outros seres. Se conseguirmos descobrir o segredo da renovação celular, não estaremos passando ninguém para trás. Aquilo que conquistarmos com o nosso trabalho é nosso. — Desde quando está pensando nessa possibilidade? — perguntou Haggard. Crest fechou os olhos. — Há bastante tempo. Para falar exatamente, desde o momento em que o sargento Harnahan encontrou numa das luas do sol Tatlira um ser que tem um milhão de anos. Haggard confirmou com um gesto. Estava lembrado. — Não sabemos absolutamente nada a respeito desse ser que tem o aspecto de uma esfera e se alimenta com a luz das estrelas. Talvez não tenha uma estrutura orgânica, motivo por que os pressupostos... — Sabemos que é mais velho que qualquer das civilizações hoje existentes — disse Crest com uma estranha ênfase. — Ainda sabemos que sobreviverá a nós e às nossas civilizações. Será que isso não basta? — O que quer dizer com isso? — O que quero dizer é que talvez não seja tão mesquinho como o imortal. Afinal, pediu nosso auxílio. Poderíamos dá-lo em troca de um preço. Esse preço seria o segredo de sua imortalidade. Não acha que seria uma proposta razoável? Haggard acenou lentamente com a cabeça. — Já compreendi o que quer dizer. É possível que nos revele seu segredo, mas não saberemos fazer nada com ele, pois somos seres orgânicos. O senhor seria capaz de alimentar-se com a luz do sol? — Não — disse Crest em tom triste, mas seus olhos emitiam um brilho estranho. — Mas sei que sem essa luz não viveria mais. Talvez exista alguma ligação. Haggard viu o funil vermelho do palácio que surgia à distância. Holofotes coloridos mergulhavam-no num fogo frio, envolvendo-o como gigantescos diademas. — É possível — confessou num cochicho. — Ainda teremos que conversar a respeito. Talvez haja uma esperança para o senhor. Para o senhor e para Thora. *** Enquanto os discursos eram desfiados e os hóspedes dos zalitas recebiam os cumprimentos, Marshall e Noir não se mantiveram inativos. O telepata controlou ininterruptamente os presentes e constatou que todos eram vassalos fiéis do Zarlt. Por coincidência, também descobriu os assassinos do velho Zarlt. Eram pessoas que
ocupavam os mais altos cargos do atual governo; entre eles havia alguns oficiais da frota, a cujo quadro pertencia Demesor. Enquanto isso André Noir examinou os cérebros dos presentes, para verificar se ainda restava algum bloqueio hipnótico. Não se poderia pensar mais na influência dos moofs. Os zalitas eram livres, mas mantinham-se fiéis ao plano anterior. Por enquanto Ras Tschubai não tinha o que fazer. Encontrava-se num ponto mais isolado. Quase todos o admiravam pela cor quase negra de sua pele. Não se notava qualquer tipo de incompatibilidade racial. Neste ponto os zalitas chegavam a ser mesmo superiores aos terranos, que ainda carregavam esta pesada herança. Crest e Thora mantinham uma atitude reservada; eram principalmente Rhodan e Haggard que entretinham as conversas. Noir estava conversando com Cenet, chefe de armamentos da frota, quando os impulsos atingiram o setor telepático de seu cérebro. Infelizmente não conseguiu concentrar-se para entender a mensagem, pois o oficial formulava perguntas e logo queria a resposta. Só uma mensagem telepática de socorro despertou a atenção de André Noir que, como hipno, conseguiu sentir esses impulsos, embora não soubesse interpretá-los. Contando com o apoio de Noir, Marshall finalmente pediu licença e retirou-se para um canto mais tranqüilo da sala enfeitada, onde pôde dedicar sua atenção aos impulsos que estava captando. De início, pensou que se tratasse de moofs recém-chegados, que procuravam restabelecer o contato, mas logo percebeu seu engano. Eram zalitas. E naquele instante estavam dominando os guardas e penetrando no palácio. *** Rhodan estava conversando com o Zarlt, quando percebeu o sinal de Marshall. Pensou: “É muito importante?” A resposta veio sob a forma de um aceno de cabeça. “É tão importante que devo deixar o Zarlt a sós?” Mais uma vez Marshall acenou com a cabeça. Rhodan pediu licença e atravessou a sala. Marshall seguiu-o. Encontraram-se numa sala vazia. — O que houve, John? — São os rebeldes! Dominaram os guardas e estão penetrando no palácio aos montes, para matar o Zarlt e seus adeptos. A ação está sendo dirigida por meu amigo Rogal. Dizem que seremos poupados ao morticínio. — Onde está Noir? Deverá intervir antes que seja tarde. Se o Zarlt tiver conhecimento do ataque, dificilmente poderemos salvar Rogal e seus amigos. — Rogal conta com o nosso apoio. — Não podemos permitir-nos agir em seu apoio. Lembre-se de que não se trata apenas do Zarlt. Preciso conhecer os indivíduos que estão manobrando o Zarlt, e isso será impossível caso seus planos se frustrarem antes do tempo. Onde está Noir? — Está falando com Cenet, um dos oficiais. — Vá buscá-lo; depressa! ***
A bomba que se encontrava na mão de Rogal estava engatilhada. Apenas uma ligeira pressão de seu polegar sobre o detonador impedia sua explosão. Se Rogal fosse morto, o efeito da bomba seria tamanho que seu matador o acompanharia para a morte. Dois dos seus companheiros haviam aniquilado o guarda que se encontrava à esquerda da entrada. Um deles ocupou o lugar do morto. Do lado direito já havia um rebelde que montava guarda. Os rebeldes entraram no palácio sem que ninguém os impedisse. Não havia nenhum moof que pudesse denunciá-los. Os zalitas não eram telepatas. Mais dois guardas foram dominados numa ação silenciosa. Já se ouvia bem ao longe o murmúrio de vozes vindas do salão de festas que ficava ao nível do solo. Alguém estava fazendo um discurso. Rogal esboçou um sorriso frio, enquanto fazia um sinal aos seus seguidores e continuou a avançar. Penetraria no salão e pediria aos desconhecidos vindos de um outro sistema solar que se retirassem imediatamente do palácio. Depois disso soltaria a bomba. Zalit voltaria a ser um mundo livre. No corredor notou-se um movimento. Um vulto saiu da porta que dava para o salão. Sem demonstrar o menor receio, aproximou-se dos rebeldes. Rogal reconheceu André Noir, mas a pessoa que se encontrava a seu lado lhe era totalmente estranha. O rebelde parou e esperou. O corredor estava bem iluminado, de modo que se viam perfeitamente os desconhecidos. O homem que se encontrava ao lado de Noir despertou todo o interesse de Rogal. Aquele vulto alto e esguio insuflou em Rogal um respeito que ele mesmo não soube explicar, e que tentou espantar com um gesto da mão. Não conseguiu. E não havia nada de extraordinário nesse homem. Não havia dúvida de que os olhos em que ardia um fogo frio e cinzento chamavam a atenção, da mesma forma que a boca com os lábios estreitos. E, mais que tudo, os movimentos tranqüilos e dominadores com que se aproximou, sem dar a menor atenção à perigosa bomba que se encontrava na mão do rebelde. Noir parou a alguns passos de Rogal. — Meu chefe quer conhecê-lo, Rogal. Este é Rogal, Perry Rhodan. Rogal já ouvira o nome dos lábios de Noir e Marshall. Rhodan era o chefe da expedição que roubara a nave dos arcônidas. Aparentemente era um inimigo do Império, mas Marshall ressaltara que no íntimo estava ao lado dos zalitas livres. Fosse como fosse, Rogal não dava muito valor à diplomacia. Seu punho cerrou-se em torno da bomba. Uma expressão teimosa desenhou-se em seu rosto. — Vim para fazer justiça — disse com a voz dura, fitando os olhos cinzentos de Rhodan. — O Zarlt deve morrer. Rhodan confirmou com um aceno de cabeça. — É claro que deve morrer, mas não hoje, Rogal. A hora ainda não chegou. É bem possível que outros terminem a obra que você iniciou. Se o Zarlt morrer hoje, o mesmo processo se repetirá dentro de poucos anos. — Por quê? Rhodan não pretendia transmitir suas suposições ao zalita. Afinal, Rhodan não sabia nada sobre a tarefa dos moofs. Nem sobre aqueles que se encontravam por trás deles. — Mais tarde explicaremos, assim que tiver chegado o momento de agir. Vá para casa, antes que o Zarlt fique sabendo do atentado que está sendo planejado. Neste momento, não posso fazer nada por vocês.
Rogal hesitou. — Como foi que o senhor soube? Rhodan sorriu. — Acontece que soubemos, Rogal. Cumprimentou-o com um gesto amável e deulhe as costas. Sem prestar a menor atenção àquilo que acontecia atrás de suas costas, caminhou em direção ao fim do corredor e voltou a entrar no salão de festas. Noir ficou a sós com o outro. Estava disposto a usar seu dom, mas preferiu esperar até que isso se tornasse absolutamente necessário. Rogal olhou para a bomba. Ao seu lado encontravam-se os companheiros, que não recuariam diante de nada. Em suas mãos brilhavam armas mortíferas. — Então? — perguntou Noir. — Querem usar de inteligência e esperar, ou preferem colocar a violência antes da inteligência? — Inteligência? — resmungou Rogal. — Quer que desistamos, agora que conseguimos eliminar os guardas? Não seria uma covardia? Não sei quando teremos outra oportunidade como esta. Não, meu caro, ninguém nos deterá. Dou cinco minutos a você e aos seus amigos, para que saiam do prédio. Depois disso a bomba vai explodir. O Zarlt precisa morrer. Noir percebeu que sua força de persuasão havia chegado ao fim. Nem mesmo Rhodan conseguira. Portanto, não teve outra alternativa senão colocar um bloqueio póshipnótico nos rebeldes, que os faria esquecer tudo que havia acontecido. Foi assim que apenas vinte segundos depois Rogal e seus amigos bateram em retirada, numa retirada que não saberiam explicar a ninguém, muito menos a si mesmos. No dia seguinte, quando começou a correr a notícia do assassínio dos guardas do palácio, ninguém se espantou mais com isso que o próprio Rogal. *** — Não compreendo mais nada — protestou Bell e lançou um olhar recriminador para Rhodan. — Aparecem outras pessoas que querem fazer o trabalho por nós, e você as impede. Ficaríamos livres de todas as preocupações, e o cérebro robotizado também. Zalit ficaria livre e se manteria fiel ao Império... — ...e você acredita que o cérebro robotizado perceberia que isso foi devido exclusivamente a nós? — retrucou Rhodan. — Nada disso; nossa situação continuaria inalterada. Aos olhos da máquina positrônica continuaríamos a ser um inimigo. Será que o apoio a uma pequena rebelião é um serviço tão relevante? Para provarmos nossa lealdade ao Império, teremos que impedir um ato cuja execução representasse ao menos a destruição do cérebro robotizado. — Pois é o que o Zarlt pretende fazer. Rhodan sorriu. — Mas não conseguirá; ao menos, não o conseguirá sem o nosso auxílio e o dos moofs. O Zarlt não passa de um incapaz dotado de um pouquinho de inteligência. Nas mãos dos moofs, transforma-se num vulcão que pode destruir tudo. Como vê, temos que aguardar, nem que demore semanas. É a vez do inimigo. Bell viu os gestos de concordância dos outros e desistiu da apresentação de mais argumentos. Rhodan devia saber o que estava fazendo. Gucky atravessou a sala e segurou a mão de Bell. — Quando será o próximo exercício de alarma? Pelo que ouvi dizer, desta vez o exército de mutantes participará do mesmo.
O rosto de Bell iluminou-se. A idéia de tanger os mutantes pelos milhares de compartimentos da nave deixou-o alegre. Sorriu. — Daqui a dez minutos, Gucky. Peço que todos apareçam pontualmente e bem lavados. Além disso, mando que... Infelizmente foi interrompido por Rhodan. — Desculpe, Bell, mas o próximo exercício será dirigido por mim. Todos participarão, inclusive você. Precisamos aprofundar ainda mais o nosso conhecimento da nave. — Mas... — Não há nenhum mas. Se você der uma boa lavada no peito, isso não lhe fará nenhum mal. Não foi isso que você recomendou a Gucky? O sorriso desapareceu do rosto de Bell. — ...lavar o peito? — gaguejou perplexo. Depois sacudiu a cabeça e, abatido, saiu da sala a fim de preparar-se para o exercício. Só gostava do exercício quando podia dirigi-lo a partir da sala de comando. *** Orbson, o oficial zalita que comandava a patrulha espacial no setor de Voga, recebeu a carga na periferia do sistema. A pesada nave transportadora acabara de emergir do hiperespaço, e dentro de poucos segundos voltaria a mergulhar, tomando direção desconhecida. A missão secreta que tinha que executar o levaria a um sistema solar distante, onde havia um planeta de gravitação duplicada. Era nesse planeta que viviam os moofs. Orbson sentiu uma forte repugnância ao contemplar os numerosos recipientes de vidro. Não gostava desses seres com o formato de uma medusa, mas alguma coisa o obrigava a não demonstrar sua repugnância. Sem dúvida os moofs não tinham nada que lembrasse um ser civilizado, mas já se revelaram úteis. Além disso, o Zarlt ordenara importação de mais dois mil desses seres, assim que morreram os que existiam em Zalit. As velhas redomas de vidro foram inutilizadas. Por isso Orbson não se preocupou mais com o assunto. Sua repugnância desapareceu tão depressa como havia surgido. Sem que o soubesse, estava submetido aos comandos sugestivos dos moofs, que por sua vez haviam recebido novas instruções antes de saírem de seu mundo. Ainda haviam recebido a promessa de que no futuro desempenhariam um papel importante no Império Arcônida. A transferência da carga foi realizada sem o menor incidente. A nave de Orbson regressou para Zalit, enquanto a nave transportadora voltou a popa para o sol Voga e mergulhou nas profundezas do espaço. Mais uma vez os desconhecidos estendiam as mãos em direção ao Império. Zalit ainda não estava livre dos moofs. *** — Isto não é uma nave espacial, mas um planeta — voltou a fungar Bell espavorido, deixando-se cair no elevador antigravitacional. O tenente Tifflor seguiu-o, conforme era seu costume. Enquanto a queda era freada pelos campos energéticos invisíveis, falou:
— O senhor não disse isso há alguns dias? Bell aterrizou e dirigiu-se ao corredor. A voz de Rhodan soou de um dos altofalantes: — Alarma de combate! Guarnecer todas as posições. Ensaio de alarma. Ocupar imediatamente todas as posições. Bell resmungou: — Nossa posição é D-135. Sei lá o que quer dizer isto. Fica neste andar, a uns oitocentos metros daqui. Vamos andando. Correram por um corredor que descrevia uma curva ligeira para a esquerda, já que a fita transportadora não estava funcionando. Tifflor praguejou baixinho. Bell soltou um palavrão e lembrou-se de suas funções de dirigente dos alarmas anteriores. Ali a coisa foi muito mais divertida. Um vulto aproximou-se, vindo da esquerda. Era Ras Tschubai. Bell respirou aliviado. — Ei, Ras. Não quer dar-me uma ajuda? Poderia levar-me ao D-135, que também é seu posto. — Isso não seria justo — gritou Tiff e passou correndo por Bell. Bell parou. — Então, Ras? Sempre fomos bons amigos. Você é um teleportador e poderá estar lá num segundo. Já eu com estas pernas curtas... — Pernas tortas — disse uma voz vinda de cima. Bell praguejou e pôs-se a correr. Ras seguiu-o com um olhar de espanto. Sacudiu a cabeça, lançou um olhar assustado para o pequeno alto-falante embutido no teto. Desmaterializou-se e saltou para o setor D-135, onde aguardou tranqüilamente a chegada de Bell. Este chegou após cinco minutos, fungando e gemendo. Lançando um olhar zangado para Tiff, que já estava agachado atrás, dos controles do desintegrador, ocupou seu lugar. Ouviu-se um estalido, e a voz de Rhodan disse: — Excelente. Dentro de dez minutos conseguimos colocar a nave em posição de combate. Amanhã conseguiremos em nove minutos. Depois de uma ligeira pausa, prosseguiu: — A gente devia ser um teleportador, não acha, Bell? Especialmente quem tem pernas tão curtas... — O principal é que sejamos felizes — resmungou Bell sem entrar no assunto. Sabia perfeitamente o que o aguardava. No dia anterior, durante o primeiro alarma, proibira aos teleportadores que fizessem uso de seu dom. E quando Gucky, que detestava andar, foi o último a atingir o lugar que lhe fora destinado, Bell debochou do mesmo, culpando suas pernas curtas pelo insucesso. Dessa forma a gente paga tudo que faz, e não apenas na Terra. Se o rato-castor soubesse do incidente e ouvisse que o próprio Bell confessara... Não! As conseqüências seriam inconcebíveis. Naturalmente Gucky soube... *** ** *
Os astronautas da Terceira Potência conseguiram enganar o gigantesco cérebro positrônico que governa Árcon, e ainda se encontram de posse da Titan, mas A Luta Contra o Desconhecido representou uma prova flagrante de que é muito importante ser amigo, não inimigo do cérebro positrônico... Como será que Perry Rhodan consegue isso? Em O Aliado do Gigante, título do próximo volume, Perry Rhodan revela a resposta.