a luta contra o poder cap�tulo de an�lise de temas sociais, vol i o �mpeto de poder (kratos) � avassalante, e tende a centralizar em suas m�os todo o movimento social e a subjugar as vontades livres. tenta reunir em torno de si todo poder, e quer justific�-lo com a religi�o. veja-se a forma��o do cristianismo, um movimento religioso mas tamb�m social, um movimento revolucion�rio contra os fundamentos do estado romano, e que pregava a igualdade de todos ante deus. a persegui��o, que sofreu dos c�sares, era compreens�vel. tentaram aniquil�-lo pela viol�ncia, porque se opunha a viol�ncia organizada. o cristinaismo foi uma doutrina libert�ria de afirma��o da dignidade humana e de amor entre os homens. toda e qualquer modifica��o em suas linhas fundamentais � uma violenta��o covarde de sua pureza doutrin�ria. os crist�os primitivos pugnavam a reuni�o de homens em assembl�ias (ecclesia), em conselhos, nos quais todos dariam o melhor de seus esfor�os pelo bem comum. n�o pregaram os crist�os a submiss�o ao estado divinizado pelos c�sares, mas o apoio-m�tuo, a coopera��o e o amor entre todos. e foi t�o forte o seu movimento, e tal o seu prest�gio entre as massas, que constantino, ao sentir vacilar em suas m�os o poder, n�o teve outro caminho sen�o aproximar-se dos crist�os e legaliz�-los para garantir o poder de roma, que se desfazia ante as oposi��es externas e a desagrega��o interna. o cristianismo foi, em seus prim�rdios, anti-estatal, muito embora paulo aconselhasse o contr�rio. n�o se diga, por�m, que fora apenas contra o estado romano, mas contra toda brutalidade organizada sob o nome de estado. se crist�os, posteriormente, passaram a justificar o estado, e outra coisa, sobre a qual nos demoraremos em breve. se santo agostinho, na �cidade de deus�, pregou a unidade, f�-lo porque as for�as opostas em roma, que pugnavam entre si, amea�avam a destrui��o de tudo. teve de ceder a necessidade de um poder unit�rio, que reunisse as for�as dispersas e opostas, a fim de que elas tendessem para fins superiores. queremos fazer justi�a a santo agostinho, n�o contudo, julgar que a �nica maneira de os homens conviverem seja pela brutalidade organizada. � mister uma ordem una, um consensus que realize a harmonia, mas da� afirmar que o �nico modo de unir � a for�a, n�o o diremos, nem o disse agostinho. o estado, como a sociedade politicamente organizada (no bom e no justo sentido de pol�tica), na qual todos, todos sem excep��o, tenham uma parcela de responsabilidade e de actividade referentes aos interesse do todo, � algo muito distinto ao estado abstracto, separado da sociedade, o estado organizado a parte, omnipotente e cruel. a sociedade humana precisa de um ordem, mas uma ordem em que todos participem, e n�o uma ordem em que alguns a instauram, para dela, depois, usufru�rem proventos a seus semelhantes. ningu�m de boa mente iria negar a necessidade de uma normal harmonizadora das oposi��es e antagonismos naturais entre os homens, mas da� julgar que a �nica maneira de enfrentar tais antagonismos e tais oposi��es � o uso da viol�ncia organizada sob o nome de lei, h� uma distancia muito grande. o que santo agostinho pregou foi a necessidade do consensus religioso, da direc��oo da id�ia crist� para unir os homens, a instaura��o da cidade de deus, e n�o da cidade dos homens, a cidadela da viol�ncia. � verdade que ele aceitou o imp�rio das nossas conting�ncias, e compreendeu a inevitabilidade de certos males necess�rios. mas esses males n�o s�o absolutamente necess�rios, mas relativamente, ou seja, hipoteticamente necess�rios, pois decorrem da seq��ncia de acontecimentos que s�o contingentes. dadas as condi��es do homem de ent�o, a guerra, a peste, a fome eram inevit�veis, mas relativamente inevit�veis. agostinho n�o disse que um fatalismo absoluto regia a nossa condi��o, mas apenas apontou ao que, segundo a vis�o da realidade de sua �poca, era inevit�vel ao homem.
cabe ao homem vencer suas defici�ncias, porque � tamb�m da sua condi��o poder superar-se, e superar as fraquezas que o tornam t�o deficit�rio. no entanto, naquela �poca de degrada��o, era imposs�vel. e para muitos � imposs�vel hoje, para outros o ser� sempre. jamais acreditam que o homem tem tesouros imensos a actualizar. muitos s� v�em em n�s a fraqueza, a mis�ria, a impot�ncia anelante de poder, a besta furiosa que se rebela com os obst�culos, e n�o querem ver em n�s os impulsos benevolentes e constructivos, que tamb�m nos animam, o amor que guardamos latente em nosso ser, cuja actualiza��o � sempre poss�vel e t�o dependente de n�s mesmos. podemos examinar os prim�rdios do cristianismo no ocidente, como o in�cio do per�odo teocr�tico do nosso ciclo cultural. em torno do novo ideal, juntavam-se os tipos correspondentes ao teocr�tico, ao hier�tico e ao areocr�tico. a acentuada decad�ncia da roma imperial, em que as disposi��es pr�vias corruptivas emergiam activas, amea�ando tragar, no turbilh�o das disputas, o imp�rio que se havia estabelecido no mundo de ent�o, pronunciava uma derrocada geral e a amea�a de abismar-se a humanidade outra vez na barb�rie. as paix�es despertadas, o desenfreamento das ambi��es desmedidas de dominadores de ocasi�o, de her�is transeuntes e ocasionais, a derrocada econ�mica e a revolta das prov�ncias dominadas, que aspiravam a libertar-se do jugo dos poderosos, a�uladas por outros tantos ambiciosos de mando, a degeneresc�ncia acentuada dos costumes e a falta de f� nos destinos de roma, faziam ver aos olhos dos homens virtuosos e ainda s�os, que s� havia dois caminhos a seguir: ou tomar o rumo do estoicismo, da indiferen�a, da apatheia, ou, ent�o entregar-se a nova f� que surgiu, a boa nova que anunciava um novo reino de paz e de amor, o cristianismo, que vencera j� a oposi��o violenta e a propaganda infame dos advers�rios. a nova assembl�ia dos homens virtuosos, a santa ecclesia, era a �nica for�a capaz de conter a amea�a dos b�rbaros e a degeneresc�ncia, �nica, aos olhos de muitos, capaz de assegurar a paz a que sempre aspirou o homem, j� saciado de sangue. compreenderam muitos, e com grande senso de realismo pol�tico, que s� a nova f� era capaz de assegurar a unidade amea�ada. sem duvida, ao cristianismo nascente se aproximaram muitos que n�o viram ali sen�o um meio mais apto de assegurar as bases s�lidas de um novo poder. n�o era de admirar que, nessas assembl�ias (ecclesias), ingressaram muitos, cujos verdadeiros intuitos eram mais de aumento de poder do que a aceita��o pura e simples de uma nova f� sincera. a unifica��o das ecclesias passou aos olhos de muitos como o primeiro est�gio da unidade romana e do mundo at� ent�o sujeito a roma, as prov�ncias. n�o espanta que houvesse a� variedade de inten��es: a dos que desejavam apenas unir os crist�os, para tornar mais poderosa a f�, e que eram os crentes sinceros e leais, e dos que consideravam que essa unidade seria o esteio de suas manobras de dom�nio pol�tico. portanto, n�o � de se espantar que, no seio das igrejas, uma heterogeneidade de inten��es, entre esses extremos, formasse a variedade dos crist�os, no que se referia a maneira de visualizar a situa��o hist�rica que viviam. de in�cio, cada ecclesia tinha a sua autonomia e at� maneiras muito v�rias de considerar a nova f�. j� nessa �poca toda a variedade que posteriormente iria mostrar o cristianismo nas diversas heresias, e na reforma, a eclos�o das seitas protestantes, j� eram vis�veis nas ecclesias, que variavam entre si na maneira de considerar os temas, n�o s� teol�gico, como at� os filos�ficos, os religiosos, etc. os conc�lios ecum�nicos, que eram a reuni�o geral das igrejas (eccleisas), estabeleciam-se para resolver problemas de f�. com o concilio de nic�ia, inicia-se a luta pela unifica��o, e constantino, sentindo no cristianismo uma for�a positiva, capaz de lhe assegurar as bases para sustentar o seu poder, tudo envidou para conseguir a unifica��o entre os ortodoxos e arianos, cuja disputa criava, alem de outras tend�ncias, um empecilho a unifica��o.
mas o per�odo teocr�tico teria em greg�rio vii (1073 � 1085) a era da �igreja triunfante�. � verdade que o papado sempre desejou garantir o poder espiritual, deixando o poder temporal aos elementos propriamente pol�ticos, mas tudo fez, sobretudo, com greg�rio vii, para manter uma subordina��o do poder temporal ao poder do papado, no intuito de conseguir, assim, a unidade do mundo crist�o, que seria o caminho indicado para a obten��o da paz sempre aspirada e nunca obtida pelo ser humano. negar-se que havia a� uma forte aspira��o ao poder , seria negar uma realidade psicol�gica humana, da qual nenhum ser, nem o mais virtuoso homem do mundo, est� isento, embora possa venc�-lo, domin�-lo e n�o sofrer a sua determina��o fatal. mais poder ainda teve inoc�ncio iii, esse outro grande papa, que se imp�s en�rgico ante os nobres, que aspiravam a todo poder. era o poder espiritual sobrepujando o temporal, era o teocrata lutando contra o nascente poder na aristocracia. imensa foi a sua luta. seria tarefa desproporcionada descrev�-la, mas tememos, em face do que registra a historia, sermos injustos, j� que as maneiras diversas de estudar a vida desse grande homem n�o favorecem um julgamento seguro. que os grandes homens da igreja tenham errado n�o � de admirar, porque eram homens, e seria ingenuidade julg�-los infal�veis. mesmo a cren�a na infalibilidade papal � restrita, porque s� em determinados momentos, e segundo muitas especiais condi��es, � ela assegurada. tamb�m ela se refere a um campo bem restrito, e n�o t�o amplo como querem fazer crer os inimigos da igreja cat�lica. jamais esta, por seus homens mais eminentes, consideraram que tudo quanto sai do seu seio seja a express�o perfeita da verdade. tamb�m aceita a� o engano, o erro, e as mis�rias da intelig�ncia humana, e o malogro de muitas inten��es boas. referindo-se a si mesmo, disse inocencio iii uma vez: �n�o tenho �cio algum para ocupar-me de coisas supra-terrenas; apenas encontro tempo para respirar. � terr�vel; tenho de viver tanto para os outros, que me tornei um estranho para mim mesmo.� conta a lenda crist� que de todas as tenta��es de satan�s � natureza humana de cristo, a mais forte foi a oferta de poder que o tentador lhe fez. �tu ser�s o dominador de todos os povos da terra, e reinar�s sobre todas as na��es.� sabia satan�s que n�o havia mais terr�vel tenta��o do que esta, e deixou-a, por isso, para apresent�-la em ultimo lugar, certo de que ainda venceria a natureza humana de cristo, embora soubesse que n�o poderia vencer a natureza divina. por sermos impotentes, desejamos a pot�ncia, e realmente todo o existir finito revela um anseio de mais, o mehwollem, de que falava nietzsche, que � o anelo do mais, die wille zur macht, a vontade para poder, que em termos mais filos�ficos seria vontade de pot�ncia, pois, por sua generalidade, inclui, no seu �mbito conceitual, todas as manifesta��es de poder. mas h� poder e poder. h� um poder, cuja obten��o se faz por rela��es sociais positivas, e outro poder que se obt�m por rela��es sociais negativas. o poder do que sabe, do que se esfor�a pelo conhecimento, do que empreende pelos pr�prios esfor�os erguer-se de uma situa��o inferior para outra superior, sem nada tirar dos outros, e o realizador de rela��es sociais positivas. mas aquele, cujo poder e a limita��o da liberdade alheia, a restri��o ao seu direito, e producto de rela��es sociais negativas, portanto vituper�veis; este e o poder que infama e indigna. sat� � o senhor do mundo, � a encarna��o do mando. e sabia ele qu�o forte era a sua tenta��o � natureza humana de cristo. mas este soube venc�-lo, e desprezou o poder que o tentador lhe oferecia, e deu, assim, no campo religioso, o exemplo salvador. toda a vida humana de cristo � um exemplo para demonstrar ao homem como pode este erguer-se de toda vileza, de toda fraqueza, de toda impot�ncia, para afirmar a for�a extraordin�ria de seu esp�rito. e aqueles que lutam pela verdadeira liberta��o do homem, que � a liberta��o de suas mesquinhas paix�es, que
viciam o seu acto humano, impedindo-lhe a plenitude de sua realiza��o, v�em em cristo o exemplo do que venceu. venceu as tenta��es das riquezas, dos prazeres e do poder pol�tico, venceu os falsos s�bios, os eruditos fariseus, denunciando a moeda falsa da cultura arrotada do alto das c�tedras, confundiu os pseudo-s�bios com argumentos simples, mas decisivos, enfrentou roma com dignidade, sem dobrar a espinha ante os poderosos, sofreu a afronta dos corruptores sem lhes dar sequer o valor de odi�-los, sofreu as torturas do corpo com firmeza. perdoou os que erraram, e a todos prometeu que n�o era t�o pesada a cruz que ele oferecia aos homens, porque n�o exigia de nossa fraqueza fa�anhas de deuses, mas apenas fa�anhas humanas. suas palavras de consola��o n�o foram nunca um opi�tico para amortecer os rancores, mas sim para indicar o verdadeiro caminho , o de amar ao pr�ximo como a si mesmo, e ajud�-lo a levar a sua cruz; em suma, a coopera��o, a mais pr�tica das virtudes crist�s. n�o �, pois, de admirar que tantos, vindos de tantos sectores, reivindiquem cristo para o seu lado. tolstoi viu nele o mais perfeito exemplo do libert�rio. cristo jamais pregou a opress�o, jamais pregou a escravid�o, jamais pregou a separa��o das ra�as, nem a dos povos. apenas pregou a paz entre os homens de boa vontade, unidos todos nele, no pensamento da sua grande fa�anha, aquela que superava todas as fa�anhas, e salvara o homem pelo exemplo do homem, vencendo as suas fraquezas. sua palavra foi sempre de luta contra o poder, a ponto de negar-se a tocar uma moeda, s�mbolo mais efetivo do poder. nada quis, deste mundo, sen�o perdoar, ajudar os fracos, levantar os combalidos, consolar os sofredores, auxiliar os que precisam de auxilio. apenas pregou ele amor a deus, ao ser supremo, amor ao homem com o mesmo amor que ele havia amado a todos, e o apoio mutuo, a coopera��o entre os homens, que � a base da paz, e, sobretudo, a boa-vontade, ou seja, a vontade limpa das paix�es, a vontade que se manifesta na plenitude do acto-humano. jamais pregou ao homem algo que o homem n�o pudesse realizar. continha o homem em si algo que o superava, e ele veio para afirmar essa supera��o, dando-lhe o exemplo. portanto, nada mais estranho ao verdadeiro e genu�no sentido do cristianismo, que o poder opressor, e se crist�os oprimiram, se crist�os mataram e torturaram irm�os, se crist�os destru�ram a paz, todos eles pecaram, tamb�m eles ofenderam as leis de cristo e seus ensinamentos. n�o se acuse o cristianismo dos erros dos crist�os, como n�o se pode acusar a institui��o da fam�lia porque h� lares corruptos. quem peca � o pecador, e n�o as suas id�ias. n�o se diga que o socialismo est� refutado, porque os socialistas erraram, mentiram e denegriram o homem. podem ter malogrado todos os socialistas, sem que o tenha o socialismo, como poderiam ter malogrados todos os crist�os, sem que o cristianismo deixasse de ser a mais profunda verdade. cristo foi o arauto da supera��o humana. o homem pode superar a si mesmo, porque o homem � o ser que supera a si mesmo. mas superar n�o � transformar a natureza som�tico-ps�quica do homem, a conjura��o de corpo e mente. superar n�o � deixar de ser o que � para ser outra coisa. superar � realizar o super, o sobre, o alem de... � elevar-se na escala das suas possibilidade perfectivas; ou seja, em suas positividades; e diminuir suas car�ncias e suas defici�ncias, e encher o vazio com positividades, e estimular a si mesmo a realizar o que parecia dif�cil e at� imposs�vel, � alcan�ar o alvo que parecia distante e inating�vel. ao homem n�o resta mais o caminho da revers�o animal, e aqueles que o tentaram ou os que o percorrem demitem-se da humanidade e descem a escala. quando nietzsche combatia com tanta virilidade o cristianismo, o que ele combatia era a caricatura que muitos fizeram da mais alta realiza��o humana. nietzsche via em cristo apenas o sofredor, o fraco compadecido do sofrimento, o propugnado da compaix�o para os que sofrem. nietzsche n�o o havia entendido, nem a palavra de cristo soara ante a sua consci�ncia com o verdadeiro sentido que ela trazia. no entanto, em nietzsche, cristo velava em seu subconsciente, e a tal ponto que em sua loucura, p�s-se a adorar o crucifixo, o crucifixo que ele partira, que ele destru�ra, que ele
ofendera e maculara. hoje, a revis�o que se faz da obra que antecedera � loucura posterior, permite que se compreenda que era ele mais crist�o do que julgava, e que suas doutrinas eram mais positivas em favor do bom sentido crist�o que a primeira vista parecia. n�o � de admirar hoje que consp�cuos homens de igreja pe�am a revis�o da obra de nietzshce, pois nela se encontram lampejos geniais de um verdadeiro cristianismo; que ele infelizmente n�o compreendera. quando em 1935 escrev�amos defendendo tais id�ias, e reivindicando o pensamento de nietzsche para o cristianismo verdadeiro, e procurando isent�-lo da falsifica��o, que os nazistas, com a cumplicidade sua irm�, haviam feito de sua obra, para que ela servisse de esteio as suas id�ias, muitos nos acusaram de erro, estes mesmos que se calam quando slechta vem a publico trazer as provas da falsifica��o, tantos anos depois, e afirmar, hoje, o que afirm�vamos ent�o. n�s, por�m somos brasileiros, n�o alem�es... e os colonialistas passivos tem sempre a mesma l�gica. pois bem, a doutrina do super-homem (ubermensch) n�o afirma uma transforma��o do homem no sentido filos�fico do temo; ou seja, que o homem, com a forma que tem, deixasse de ser o que � para ser outra coisa, ou que o homem, como ele � hoje, fosse apenas a mat�ria para uma nova informa��o, como uma massa de barro pode ser informada, ora pela forma de um vaso, e, depois de amassada, tomar a forma de uma panela. se em algumas passagens da obra do solit�rio de sils-maria h� trechos pouco claros, que podem levar a tais conclus�es, debite-se a certa fraqueza filos�fica do autor, pois era ele incipiente em muitos pontos, e incipiente em muitos mais. mas o que vale a� � a inten��o. este homem � a ponte do super-homem, � o fio que liga o animal ao super-homem. este � uma supera��o n�o s� da animalidade, como da actual hominilidade. mas tal est�gio n�o significa que neg�ssemos em n�s o que em n�s � fundamental. todas as vezes em que tratou deste tema sempre afirmou a mesma coisa. nietzsche n�o era um nihilista em rela��o ao homem, n�o queria aniquilar o que somos hoje para sermos o que deveremos ser amanha. apenas afirmava que em n�s estava o germe do super-homem, o germe de nossa supera��o, mas sem trairmos a n�s mesmos, sem demitirmo-nos do que somos. querianos mais fortes, mais poderosos no saber e na virtude. toda a sua obra � uma promessa de alcan�ar um n�vel de plenitude do acto humano, equilibrado, eficiente e liberto das paix�es que o viciam. tamb�m ele jamais pactuou com o poder pol�tico. denunciou-o sem d�. Dizia no �crep�sculo dos deuses�: �ningu�m pode dar mais do que tem: isto se aplica ao indiv�duo como se aplica aos povos. se se entrega algu�m ao poder, � grande pol�tica, � economia, ao trafico mundial, ao parlamentarismo, aos interesses militares: se se entrega tanto de raz�o, de seriedade, de vontade, de auto-supera��o, o que h� deste lado, falta, ent�o, do outro. a cultura e o estado � n�o cabe enganar-se neste ponto � s�o antag�nicos: �estado cultural� � s� uma id�ia moderna. um vive do outro, um prospera a custa do outro. todas as grandes �pocas da cultura s�o tempos de decad�ncia pol�tica; o que � grande no sentido da cultura, � apol�tico, melhor ainda, antipol�tico.� dizia ele no �assim falava zaratustra� que �ali onde termina o estado, come�a o super-homem.� mas era preciso lan�ar a cal�nia sobre a doutrina de nietzsche. e ningu�m mais favoreceu a cal�nia que os pr�prios nazistas e fascistas, que transformaram-no em seu precursor. deste modo, era f�cil despertar a desconfian�a sobre as suas id�ias e acomodar esquematismos intencionais que favoreceriam as assimila��es desejadas. no entanto, sua obra era realmente positiva e nobre, e genuinamente crist� em muitos aspectos. sempre houve, e haver� ainda por algum tempo, os que se iludem com a pol�tica no sentido em que sempre foi ela realizada. muitos ainda acreditam que devemos delegar poderes aos outros para fazer o que nos caberia fazer. ningu�m vai delegar
poderes a outro para beber a �gua que lhe matara a sede, nem para que estude por si, nem para que se case realmente por si. no entanto, julga-se que alguns seres privilegiados, e quase sempre os mais baixos exemplares de um povo, exemplos de indiv�duos corruptos e mal intencionados, sejam capazes de bem governar as coisas e os homens. convencer-se que a coisa publica � de todos n�s, e que cada um de n�s tem de desempenhar um papel activo, segundo a nossa capacidade, na governan�a das coisas e dos homens, � n�o apenas ter a fun��o de escolher entre os ruins e os menos piores, quando n�o � poss�vel aquilatar com justeza e com justi�a o real valor de quem � escolhido, que conhecemos apenas por informa��es muitas vezes faltosas e intencionalmente tendenciosas, � um dos mais graves erros que tem provocado tantos males � Humanidade. e n�o � s� isso. � que, embora a escolha seja bem feita, n�s abrimos ao eleito o caminho que o poder� corromper porque lhe damos os meios de saborear um doce e agrad�vel veneno, que insidiosamente terminar� por degener�-lo. h�, aqui, sugest�es para muitos temas que abordaremos em breve. como, por�m, queremos permanecer no exame do que v�nhamos fazendo, apenas, salientamos que n�o deve causar espanto nem mesmo aos crist�os, que homens sinceros do cristianismo tivessem desbordado de seus poderes e terminassem por oprimir seus irm�os. contudo, quem em face do exame da hist�ria, do estudo atento e cuidadoso dos textos, n�o perceber� que o cristianismo lutou sempre, n�o pelo poder temporal, mas pelo poder espiritual, procurando conciliar os antagonistas, evitando que golpes rasteiros da pol�tica din�stica pudessem amea�ar a paz do mundo crist�o? veja-se o que fez inoc�ncio iii, separando uni�es que amea�avam dar um imenso poder a um grupo de na��es, que se atirarariam depois, a conquista das mais fracas. o apetite do poder � um apetite, e aumenta � propor��o que se obt�m o que o satisfaz. o faminto de poder aumenta a sua fome � propor��o que devora os mais fracos. subordinando castela, o reino de leon, navarra, portugal impedia as uni�es que gerariam guerras cru�is. quando felipe de su�cia e oto iv disputavam a coroa alem�, preferiu d�-la a oto, mas logo retirou-a para dar a frederico ii. quem conhece devidamente as raz�es de toda essa pol�tica, sabe que ela tendia a evitar o predom�nio de uns sobre os outros. estava inoc�ncio ii isento de erros? quem se atreveria a diz�-lo, sabendo que humano, como era, e nas circunstancias hist�ricas em que vivia, muitos erros eram inevit�veis? mas a historia � uma mestra da vida, e ela nos da uma li��o: o poder corrompe. se o homem deve ter uma preocupa��o maior, como substitui-lo de modo a permanecer a ordem e a paz entre todos! se olharmos a hist�ria, podemos visualiz�-la do �ngulo dos que lutam pela liberdade do homem e dos que lutam por oprimi-lo e explor�-lo. e tamb�m, entre os que lutam pela liberdade, h� os que pretendem substituir uma opress�o por outra opress�o, apenas transferem o poder de uns para os outros, de uma casta para outra, de um grupo para outro, de um homem para outro homem. contudo, sempre houve um anseio pela diminui��o do poder, e o ideal democr�tico, que animou e anima a tantos, traz em seu bojo, inegavelmente, muitas inten��es boas, embora muitas vezes malogradas em seus resultados. mas o poder � tamb�m fatal para os que o adoram, como o tem sido na hist�ria, levando a cair ensang�entados muitos daqueles que semearam a sua volta apenas a viol�ncia e a brutalidade. a guilhotina francesa decepou as cabe�as dos que decepavam cabe�as; os pelot�es de fuzilamento tamb�m fuzilam os que mandaram fuzilar; na forca tamb�m foram dependurados os que estrangularam vidas. tamb�m o adorador do poder � uma v�tima do poder, porque os interesses que cria acabam por domin�-lo e transform�-lo num t�tere. quase todos os c�sares romanos ca�ram sob o punhal vingador, quase todos os czares tombaram assassinados. demonstra o estudo dos povos germ�nicos que estes, antes da domina��o romana, e enquanto puderam permanecer infensos aos esquematismos de poder do povo do tibre, viviam em sociedades fundadas no apoio-m�tuo, na coopera��o, n�o ideal, � certo,
pois conservam ainda a escravid�o dos vencidos, mas num grau de mutualidade muito elevado. foram homens como marbod e arminio, educados j� pelos romanos, que trouxeram para as suas terras os m�todos de dominar os povos e disputaram entre si, numa sangrenta luta, n�o a liberdade da sua gente, mas como dar a ela um s� senhor. n�o queriam ser apenas o chefe de sua tribo, mas os reis de todas as tribos germ�nicas. a vit�ria de teutoburgo, em que arminio derrotou as divis�es de varo, foi um producto da trai��o, pois o romano confiava na lealdade do germ�nico, e n�o se preocupou com as den�ncias que lhe faziam. caiu, assim, na emboscada que lhe armou aquele que recebera do romano o t�tulo de cidad�o de roma. mas se arm�nio foi um hip�crita, n�o s�o culpadas as tribos que ali lutaram contra o invasor. elas eram levadas pelo desejo de manter a sua independ�ncia e a sua liberdade, mas inconscientemente trabalhavam em favor do cesariocrata que surgia. ao contrario, usou da hipocrisia , da ast�cia infame, para obter o poder desejado. s�o assim os famintos de poder. todos os meios s�o justos, desde que lhe assegurem a conquista do posto desejado. e em todas as �pocas sempre houve os que justificaram os meios pelos fins. mas o fim � ign�bil, o fim � a opress�o � a explora��o do seu semelhante. nenhum meio, mesmo que n�o estivesse eivado de vitup�rio, seria digno. h� hoje muitos que proclamam que lutam por fins justos, como certos socialistas, que afirmam lutar pela liberta��o dos trabalhadores, atrav�s da forma��o do mais hediondo e brutal poder de coa��o. esses fins n�o justificariam jamais quaisquer meios, porque s�o eles ign�beis tamb�m. � verdade que eticamente jamais os fins justificam os meios, mas se o fim pelo menos � justo, h� uma atenuante para certos meios, n�o todos. jamais, por�m, uma palavra, uma frase � a reprodu��o fiel do fim. n�o basta dizer que o fim � a liberta��o humana, para que realmente o fim a ser alcan�ado seja essa liberta��o. � mister ser a real e poss�vel, e que os meios sejam realmente caminhos para alcan��-la. jamais a brutalidade do poder organizado despoticamente gerou a liberdade. nunca tal aconteceu na historia, nem poderia acontecer, porque � ontologicamente falso. para que o poder coactivo gere a liberdade � mister destruir o poder coactivo, ou melhor, n�o � este que gera a liberdade, � a liberta��o que a gera, � preciso libertar-se daquele poder, para que se gere a liberdade. assim, somente a pr�tica da liberdade torna a liberdade pr�tica. n�o h� sector onde o homem se tenha esmerado mais nos golpes sujos que na pol�tica. �a pol�tica � coisa suja...� � uma frase que se pronuncia em todo o mundo, e a historia o confirma. a que � narradas � a dos pol�ticos, e onde n�o h� pol�tica n�o h� Historia, como se os grandes factos da humanidade estivessem fora daquela. queremos, naturalmente, nos referir a que se propaga nas escolas. a historia oficializada pelos programas governamentais, que exalta somente feitos de guerreiros e pol�ticos, brutos e sujos, e n�o a dos verdadeiros exemplos de grandeza e de dignidade humana. fala-se mais nos livros de historia de uma fantoche como napole�o iii, e cita-se brevemente um pasteur, que construiu mais factos importantes para a humanidade que o �her�i� de sedan. um napole�o bonaparte enche mais paginas que um goethe, ou um bach, como se para a humanidade fosse ele mais importante. ainda n�o se contou bem a historia para os jovens, mas um dia se far�. ser� aquela em que os grandes santos, os grandes construtores de id�ias, e de novas formas de vida passar�o para a primeira plana e os �her�is� de heroicidade caricata, e os sujos politiqueiros passar�o a ter o lugar que realmente merecem. muitos, ingenuamente, podem julgar que, no alto posto de uma na��o, esteja um homem � altura da sua fun��o. pois n�o conseguiu ele atingir a suprema magistratura? mas quem � ele sen�o muitas vezes um aventureiro afortunado, manhoso e cheio de ast�cias, que n�o trepidou em usar toda a gama da demagogia para enganar os incautos e incipientes, que s�o a maioria? que p�ssima vis�o ter�amos de roma se pensarmos que seus c�sares representavam o m�ximo que aquele povo podia
dar ao mundo. note-se com que desembara�o e inconsci�ncia, homens dessa esp�cie p�em em jogo os destinos de um povo, perturbando sua vida econ�mica, por ac��o de seus desmandos pol�ticos, porque ainda veremos, e com copia de factos, que a pol�tica dirige mais a economia que a economia a pol�tica, com perd�o dos senhores materialistas hist�ricos, que tem nos exemplos do seu socialismo a confirma��o mais cabais desta tese. que espet�culo mais triste para o homem que o caudilhismo, o verem-se multid�es seguirem atr�s de um pseudo-her�i, de um peseudo-santo, de um pseudo-guia. compreende-se a trag�dia do povo alem�o, explorado e torturado pelos vencedores de 1914-1918. gra�as ao plano dawes, dos americanos, pode-se erguer um pouco da sangria que sofria. o �dio dominava esse povo n�o convicto da derrota. uma h�bil propaganda tornou g�nio um cabo do exercito alem�o. espanta ao mundo interior que um povo culto, como aquele, terminasse acaudilhado ao mando de um louco, que levou a alemanha a grande derrota. mas quem foi maior? os que lutaram de 39 a 45, ou os que ergueram, sem espalhafato e sem fanfarras, a alemanha destru�da, e das ru�nas uma na��o nova e poderosa, orgulho hoje da humanidade, exemplo de trabalho, de intelig�ncia e de esperan�a em si mesma? derrotada na guerra, saiu vitoriosa na paz. embora retalhada, coagida por todos os lados, restringida em sua a��o, rompe o circulo de ferro, n�o mais a pontas de baionetas, nem em gloriosas cargas militares, mas pelo trabalho silencioso e racional, inteligentemente dirigido, e coloca-se na primeira plana dos povos, estarrecidos ante o que resolveram chamar �milagre alem�o�, o maior elogio que se pode fazer a um povo que lutou quase sozinho contra o mundo inteiro. qual a for�a que realizou tal milagre? a confian�a na coopera��o disciplinada de todos para o bem de todos. n�o foi a pol�tica, n�o foi a ac��o dos anelantes de poder, mas a vontade f�rrea de um povo que admitiu a derrota na guerra, n�o a derrota de uma na��o. um povo pode erguer-se de suas ru�nas, quando uma vontade de a�o o anima, e a confian�a de seu amanh� � ainda palpitante. s� um ing�nuo pode acreditar na piedade religiosa de um chefe de estado ou de um pol�tico militante, que aspira ao poder e n�o a uma id�ia. tamb�m s�o �cristian�ssimos�, ou como gengis khan, que reverenciava todas as cren�as de seu imenso imp�rio, e dedicava-se a todas as pr�ticas, segundo as circunst�ncias, como ainda hoje h� chefes pol�ticos que afagam a todas as doutrinas, em busca, sen�o do apoio, pelo menos da neutralidade. nada mais torpe que a pol�tica desenfreada em roma desde a luta de m�rio e sila ate alcan�ar-se o per�odo dos imperadores b�rbaros. pelo poder pol�tico, lutaram entre si homens da mesma classe, da mesma casta, dos mesmos interesses econ�micos. o ideal crist�o de paz entre os homens, de respeito a dignidade humana, encontrou a mais completa oposi��o por homens que sempre traziam nos l�bios palavras religiosas e cita��es b�blicas. e assim o foi atrav�s dos s�culos at� nossos dias, pois o impenitente explorador das necessidades humanas, o monopolista de um sector de abastecimento, tamb�m quando pol�tico, pronuncia palavras religiosas, faz cita��es b�blicas, e invoca cristo. dizia nietzsche com toda raz�o que poder e cultura s�o contr�rios, e falar-se em estado cultural � uma insensatez inomin�vel. o estado � um obst�culo � cultura, e os pol�ticos, sobretudo nos pa�ses desenvolvidos, sabem que sua ascens�o depende mais da incultura que da cultura do povo. como seria poss�vel a d�beis mentais ascenderem a postos t�o elevados, se a massa dos eleitores tivesse um grau de cultura? qualquer homem culto, ao ver nos altos postos mediocridades de tal monta, envergonha-se, e v�-se obrigado a silenciar, e afastar-se temeroso de um contacto que s� o desmereceria. depois,
como se v� no mundo de hoje, como homens de dignidade se prestariam ao papel de propagandistas de sua pr�pria candidatura, tendo que usar os meios que se empregam, e adularem as massas incultas com adjetivos pomposos? como misturar-se com homens de certa esp�cie e usar tais praticas? pode-se acaso conceber um pasteur, um schweitzer, um s�o francisco de assis numa tribuna de com�cio a anunciar as suas virtudes? e quem conhece a massa de eleitores incultos dos homens de real valor de uma na��o? n�o � o sistema eleitoral, usado em tantos pa�ses, o mais eficiente processo para evitar os dignos, e abrir �s escancaras as portas aos mais astuciosos? os chamados meios legais de ascender ao poder obedeceram ao crit�rio dos homens gulosos de poder. a pratica empregada � proporcionada a est�magos tamb�m especiais. o caminho � de tal modo preparado, que s� o podem trilhar tipos adequados a ele, pois repugnaria aos outros. os m�todos pol�ticos vigentes s�o os mais pr�prios para realizar uma sele��o do pior. e nos per�odos em que � mais poderoso o estado, tudo quanto de grande se faz, � precisamente, como o diria nietzsche, apol�tico e at� antipol�tico. a cultura humana n�o parte do estado, mas este se assenhoreia dela para dirigi-la segundo os seus interesses. todo estado pol�tico, quer teocr�tico, quer aristocr�tico, quer de empres�rio utilit�rio (democr�tico), quer cesariocr�tico aspira a uniformidade cultural, e busca imp�-lo com maior ou menor energia, alcan�ando a m�xima brutalidade na cesariocracia. a orienta��o � a mesma, apesar das �diferen�as dos factores econ�micos�; todos os estados actuam do mesmo modo. uniforme � � o desejo supremo do estado, que, se pudesse uniformizaria todos os homens, ate na indument�ria. nos per�odos de dom�nio teocr�tico-aristocr�tico, ofender aos princ�pios aceitos � blasfemar contra a divindade, e a pena � a liquida��o do blasfemador. nos est�gios de dom�nio aristocr�tico-democr�tico o que dissente � o �traidor�, e deve ser punido, aniquilado; nos est�gios democr�ticoscesariocr�ticos quem dissente � �contrarevolucion�rio�, e reaccion�rio, e inimigo do povo, porque todos os cesariocratas, no poder, gozam de grande popularidade, porque sabem usar do poder demagogicamente para aumentar o prestigio junto as massas, que terminam por decepcionaram-se, tornarem-se descrentes do poder carism�tico do c�sar, desiludirem-se deste para iludirem-se com o pr�ximo, que ter� o mesmo destino. ent�o, nessas fases, o que se op�e � o blasfemo contra a divindade do estado ou da nova ideologia, e deve ser aniquilado tamb�m. n�o h� outro refr�o na historia; e a repeti��o constante da mesma brutalidade e da mesma falta de imagina��o. todos os per�odos, apenas da vari�ncia dos factores econ�micos, s�o sempre os mesmos: os dominadores do poder desejam aniquilar com a m�xima rapidez e viol�ncia todos aqueles que dissentem da sua orienta��o. j� dizia o grande lau-tseu, pensador libert�rio da cultura chinesa: �dirigir a comunidade �, segundo a experi�ncia, imposs�vel; a comunidade � colabora��o de for�as e, como tal, segundo o pensamento, anos se deixa dirigir pela for�a de um indiv�duo. orden�-la e arranc�-la da ordem; fortalec�-la, e perturb�-la. pois a ac��o do indiv�duo muda; a que, ela prossegue; ali, cede; aqui mostra calor, ali frio; aqui emprega for�a, ali mostra fraqueza; aqui actividade, ali sossego. portanto, o prefeito evita o prazer do mando, evita o atractivo do poder, evita o brilho do poder� (do livro tau-te-kung, o �livro do caminho� (tau). nem um indiv�duo, nem um grupo sozinho pode dirigir uma colectividade com proveito. a verdadeira organiza��o das sociedade s� pode ser aquela em que todos participam da direc��o (a pantarquia), em que o poder, por ser de todos, n�o � de ningu�m, em que o estado � a pr�pria sociedade politicamente organizada, na qual, desde a fam�lia se forma os conselhos administrativos at� alcan�ar, pelo quarteir�o, o bairro, a cidade, a regi�o, o pa�s, como ainda veremos, e que � o
�nico meio de permitir a sele��o mais cuidadosa e evitar a ascens�o do demagogo e do incompetente adinheirado, que compra votos. o estado, como o temos na historia, � a falsidade organizada, como mostrava nietszche, � a mentira organizada, chamese o que quiser, teocr�tico, aristocr�tico, democr�tico, cesariocr�tico (popular, democracia popular, ditadura do proletariado, fascismo, nazismo, justicialismo, desenvolvimentismo, o nome pouco importa). porque sempre � organizado para servir grupos, minorias reduzidas, usufructuarias do poder, combatida por tal. servem-lhe todos os ambiciosos de mando, todos os fracos de esp�rito, que se submetem mansamente ao seu poder, que o incensam e adulam como a nova divindade. em toda hist�ria, os adoradores do estado, os estat�latras, organizaram cultos especiais ao deus supremo dos ambiciosos de mando, os falsos religiosos, os falsos crentes, os falsos idealistas, os falsos amigos do povo. tudo � falso no estado, inclusive �os dentes com que morde s�o falsos e falsos tamb�m os seus intestinos.� (nietzsche). os eternos exploradores do homem fundam sua doutrina do estado na �natureza m� do homem�, como se estes apenas fosse movidos por impulsos malevolentes. o homem solto, sem o estado, � o lobo do homem, e imposs�vel seria conviverem uns com os outros. para evitar a bestializa��o do homem, ent�o o estado, o salvador da humanidade, surgiu para dar a ordem e a paz (!) para esses cavalheiros, fora do estado � a lei das selvas, a guerra de todos contra todos. mas o sofisma � dos mais pobres que se conhecem, contudo perdurador e poderoso ante as consci�ncias j� perturbadas pela grande loucura embriagadora do poder pol�tico. o estado, como o temos, � um organismo a parte da sociedade, aniquilizador e dominador, um monstro de mil tent�culos, que serve aos interesses de grupos dominantes, sejam quais forem. mas h� o estado que � a sociedade politicamente organizada, aquele em que todos os tomas parte no poder, e n�o alguns privilegiados astuciosos. a sociedade politicamente organizada, funda-se em princ�pios �ticos e estabelece a liberdade com �tica. o que o estado pol�tico hoje realiza � a opress�o sem �tica, porque ele n�o tem padr�es �ticos sen�o falsos, segundo apenas seus interesses moment�neos, porque n�o h� ali o respeito ao emprego apenas de meios honestos, j� que todos os meios s�o justos, desde que assegurem o poder absoluto. a liberdade, que d�, � apenas a de aplaudir os poderosos senhores do poder e adul�-los, ou ent�o a cr�tica que n�o ponha em risco a forma de poder. sim, porque desde que a critica n�o ponha em risco a forma de poder, ela dirige-se apenas aos eventuais detentores, e pode abrir o caminho para ascens�o de outros grupos, que desejam expulsar os primeiros para assumirem os seus postos, em nome da liberdade e da legalidade, palavras que afloram entusiasticamente em seus l�bios mentirosos. o que h� de bestialidade no homem e diminui na vida social, e despertado, depois, pelo pr�prio estado para servir de meio de dom�nio para ele. os impulsos benevolentes do homem n�o s�o considerados pelos defensores de tais teses, esquecendo-se que o homem � capaz de actos de abnega��o, de sacrif�cio e de caridade, que superam todos os baixos instintos. o homem � capaz de grandezas impressionantes, que iluminam as paginas da vida humana. uma das mentiras mais difundidas no mundo � a de que o estado tem sido um promotor de cultura, como se, sem p�ricles, a gr�cia n�o produzisse um plat�o, um s�crates, e um arist�teles. fala-se na obra gigantesca cultural de alexandre magno, como na de frederico ii da pr�ssia, mas � mentira. � mentira que luiz xiv ergueu a fran�a culturalmente, ou get�lio o brasil. tudo isso s�o mentiras. outros factores intervieram e permitiram o surgimento de tais �mpetos culturais, mas sempre apesar do estado, porque apesar do estado a humanidade tem conhecido certos progressos.
apesar dos pol�ticos nosso pa�s tem conhecido certo desenvolvimento, porque h� quem trabalha, quem se esfor�a, quem cria, quem organiza, quem edifica. apesar do estado, surgem produc��es nos campos, nas vilas, nas cidades. apesar dos embara�os constantes que os pol�ticos criam, fomentando crises pol�ticas, que afectam a vida econ�mica, o pa�s cresce, porque h� homens que conseguem, apesar dos obst�culos, trabalhar e produzir. o estado n�o � a humanidade, porque os estados passam, e a humanidade perdura. o estado � um accidente tr�gico na vida humana, fruto da ignor�ncia e da ma f�, que permite que se organize a parte da sociedade um �rg�o todo-poderoso para dirigir os outros. � mister provar-se que a humanidade s� pode sobreviver com essa forma de autoridade, que conhecemos, ent�o outra. � sobre isso discutiremos ainda (1). o estado s� favorece as formas de cultura, que assegurem a sua continuidade e fortalecimento, e n�o ponham em risco a sua sobreviv�ncia. no despotismo que conhecemos entre os asi�ticos, todo poder � dado ao soberano, cujas decis�es s�o indiscut�veis; porque � ele de �origem divina�. todos os d�spotas orientais afirmaram que �deus os assistia�, e todos os d�spotas, de todas as eras, sempre afirmaram que, atr�s de si, h� o poder da lei que rege o cosmos, ou divina ou n�o (fatalidade hist�rica, determinismo hist�rico, ou, encarna��o da divindade). o estado, deste modo, sempre mentiu, sempre mente, porque todos os seus possuidores sabem tamb�m que � mentira o que afirmam, ent�o se pejam de mentir. que o poder tenha sido cedido pelo povo a alguns eleitos, como o prega a democracia, tamb�m � outra mentira, porque n�o h� essa delega��o de poder. se algu�m admite que outro pode exercer o poder sobre si, n�o delegou o poder, mas cedeu-o h� cess�o e n�o delega��o. o poder � inerente ao ser na propor��o da sua positividade e perfectibilidade. ningu�m pode realmente ceder o poder, como n�o pode ceder a vida. essa cess�o ai � capitula��o, e acaudilhamento, e submiss�o, � colocar-se sob o dom�nio de outro, � subordina��o de poder e nada mais. n�o queremos, com estas palavras, afirmar que a sociedade humana pode viver sem uma ordem. mas quem � t�o insensato para pensar que s� h� ordem imposta pela for�a? e que o �nico modo de estabelecer a ordem � dar a alguns o direito de usar o poder e usufrui-lo mais em seu beneficio e de seus partid�rios, que em beneficio da colectividade? alguns afirmam que o estado � um mal, mas � um mal necess�rio. mas, qual a prova dessa necessidade e, ademais, de que necessidade se trata: da hipot�tica ou da absoluta? a necessidade do que acontece, em rela��o as suas causas, � evidente, mas � uma necessidade hipot�tica, porque o que acontece � evidente. quem iria atribuir ao estado a necessidade absoluta, e negar a sua conting�ncia hist�rica? ademais seria um grave erro julgar que a forma, como se apresenta o estado, � a �nica poss�vel, e que represente a �nica sa�da para a conviv�ncia humana, e que o homem n�o � capaz de viver outras formas melhores, em que �o peso da responsabilidade social� caia sobre os ombros de todos e n�o apenas sobre os ombros de alguns, os corifeus do mando pol�tico, que �se sacrificam� em bem da colectividade. ningu�m provou apoditicamente tais teses, mas sim argumentaram sempre com sofismas, que iremos destruir e mostrar o seu pecado l�gico, dial�tico e ontol�gico, doa a quem doer. a tend�ncia normal do poder (kratos pol�tico) � diminuir os direitos da colectividade e dos componentes desta, em nome de um pretenso direito da totalidade. sempre, na sociedade, instala-se a luta contra a autoridade e a liberdade, dois p�los que condensam os interesses sociais e individuais. a liberdade tamb�m n�o realiza cess�es, porque � ela indivis�vel. � mister que antes se clareie o sentido de cess�o. ceder � desistir de alguma coisa em favor de algu�m. quem cede, deixa de ter algo, no grau de sua cess�o. se se admitir que ceder � conceder, ceder com, admitir, aceitar em outro um poder sem
perd�-lo, sem diminui-lo, seria outra coisa. contudo, n�o � assim que e concebido. o estado n�o quer esse tipo de cess�o, mas aquele, porque n�o quer dar sen�o um hipot�tico direito ao cedente de reaver o direito cedido. dizer-se que cabe aos que elegem o direito de ceder, e retomar, � mentira, porque n�o retomam o poder cedido, mas sim, e apenas, o direito de transferi-lo para outro. o verdadeiro direito � aquele que apenas est� escrito na lei, mas aquele que � exercido praticamente. todos os cesariocratas afirmam que o povo cede-lhes o poder, e tamb�m a liberdade, libertando-se do fardo da responsabilidade, para que o outro leve em seus ombros a cruz do sacrif�cio da fun��o pol�tica, como � a linguagem de todos os ditadores. a liberdade � respeitada enquanto n�o p�e em risco os interesses dos dominadores. pois, como bem o diz rocker, se n�o fosse assim, porque erguem tanto os opositores as suas vozes clamando pelo respeito � constitui��o e a inviolabilidade dos direitos amea�ados sempre pelos dominadores eventuais? observe-se a ac��o do estado, mesmos quando se proclama democr�tico, sem, na verdade, o ser. quando o empres�rio utilit�rio, depois de obter o poder econ�mico, p�e-se em ac��o para obter o poder pol�tico e o conquista, em toda a sua luta, ele fala na liberdade. qual � a liberdade que ele proclama? a de poder retirar o poder dos aristocratas e teocratas, e passar para as suas m�os. nesse momento de conquista, ele aceita todas as id�ias libertarias. tolera-as, porque todas servem aos seus des�gnios. os que falam constantemente em liberdade preparam o advento de sua pr�xima vit�ria. estimularam, ent�o, todos os excessos e, sobretudo, os excessos, porque estes s�o o que melhor servem aos seus interesses. por isso, na segunda grande revolu��o de todo ciclo cultural, como em todas as outras, fala-se, de in�cio, na �sagrada liberdade� ... de arrebanhar o poder que est� nas m�os dos advers�rios. o empres�rio utilit�rio, pela �ndole fundamental da economia, que � liberal nos primeiros momentos, instalado no poder, por seus dominadores eventuais, que servem aos seus interesses, nos primeiros est�gios, tudo empreendem para garantir e solidificar os interesses dos novos senhores. mas, a pouco e pouco, h� uma invers�o acentuada: os novos possuidores do poder exigem mais direitos em favor do estado, e este, a pouco e pouco, interv�m na vida econ�mica, restringe direitos (ou seja, a capacidade de exercer livremente a ca��o econ�mica com seus benef�cios). a tend�ncia do estado sempre e subjugar. quando a aristocracia acende ao poder, tamb�m ela � �democraticamente aristocr�tica�. n�o h� a� contradi��o in adjectis, e o provamos. nos primeiros ensaios de poder da aristocracia, os chefes s�o livremente escolhidos pelos seus pares, h� elei��es tamb�m livres, s� que os eleitores s�o escolhidos apenas nos estamentos que dominam. s�o nobres , que elegem nobres. os antigos nobres arangoneses, ao coroarem o seu rei, proclamavam unissonamente na cerim�nia da sagra��o: �n�s, que valemos tanto como v�s, e que juntos valemos mais que v�s, vos fazemos rei. se respeitais nossas leis e direitos, vos obedeceremos; se n�o, n�o.� tamb�m come�am liberalmente entre si, mas terminam no absolutismo do chefe, ao alcan�ar a terceira fase desse per�odo, a autocracia. tudo s�o rosas no princ�pio, porque os espinhos est�o ocultos. mas surgem depois, e os que livremente elegiam passam a ser subordinados e eleitos posteriormente pelo monarca. h� uma invers�o. e sempre h� essa invers�o. passemos os olhos pela historia e vejamos se n�o foi sempre assim. logo ap�s a derrocada do imp�rio romano, os teocratas e os nobres ascendentes, sem d�vida, de inicio, com o poder sacerdotal acima do poder temporal, e durante o per�odo teocr�tico a verdadeira norma era: a religi�o deve subordinar o poder temporal.
mas o poder temporal cresceu em poder econ�mico e militar, atrav�s de tantas modifica��es, como � simbolizada pela luta das investiduras. que fez a nobreza no poder? os empres�rios utilit�rios e os servidores realizavam a economia em bases regulares, mas a nobreza pilhava. a pilhagem � f�rmula da aristocracia sempre, e em todos os povos e em todas as eras. o nobre n�o � um criador de riquezas, mas um expropriador de riquezas, e a �nica fun��o que julga digna de si � dominar, provocar guerras, pilhar, extropiar. as excep��es dignas entre homens desse estamento s�o explicadas por uma dose muito forre caracterol�gica de aretocracia e de empres�rio utilit�rio, porque houve nobres productivos, mas porque neles agia poderosamente outros impulsos, e n�o os que normalmente constituem a estructura caraterol�gica do seu estamento social. em plena idade media, os nobres organizaram estados violentos e cru�is, e afogariam a europa em sangue se n�o fosse a luta ingente das �comunas� dos �burgueses�, que se opunham a tirania dos aristocratas. foram as cidades livres e o federalismo que manteve ainda em p� alguma coisa de mais digno, e evitou que a europa ca�sse na completa brutalidade dos guerreiros insaci�veis de sangue e de pilhagem. munford escreveu uma obra not�vel sobre a cultura das cidades medievais, e os estudos que fizeram s�o suficientes para comprovar o acerto da tese que defendemos. nessas comunas, respirava-se liberdade e a coes�o fundada na lei de associa��o, que levava os homens a lutarem contra a tirania e a opress�o. a hist�ria da europa est� pontilhada das lutas gloriosas das comunas livres contra a opress�o da aristocracia insaci�vel. s�o p�ginas que n�o tem relevo na hist�ria intencionalmente transmitida, porque esta obedece a outros interesses; e nas escolas se fala com entusiasmo dos sanguin�rios reis e dos nobres sedentos de rapina, e silencia-se quase a grandeza cultural dos que constru�ram o bem com o respeito aos direitos de todos. que p�ginas mais belas que as guildas de artes�os, as fraternidades, o mutualismo, as associa��es eclesi�sticas, as alian�as de cidades, as ligas, o mercado comum, as formas de coopera��o nascidas pelo livre acordo dos seus participantes, sem a exist�ncia de poderes centrais, sem a exist�ncia de monop�lios de poder. que paginas mais belas! � preciso transmiti-las aos homens de hoje, esmagados ante o poder do estado tiranizador, que s� lhe promete suor, sangue e lagrimas, porque s� lhe prepara guerras e mais guerras, estupidamente destructivas. e o trabalho, depois, que ergue das ru�nas o que os pol�ticos destroem. � mister que se estude o que de grande se fez na idade m�dia. esta n�o foi a �noite de obscurantismo� que os cesariocratas e seus acaudilhados gostam de afirmar. foi luz, luz e n�o trevas. leiam munford, kropotkine, rocker, os estudiosos das cidades medievais, e l� encontrar�o novas sugest�es. poder�o alguns dizer: mas a hist�ria n�o se repete. sim, de certo modo n�o. por acaso n�o se repete a tirania, a opress�o? por que n�o poderia repeteir-se a liberdade? por acaso devemos seguir o rumo da cesariocracia que hoje avassala o mundo, porque seria a �nica sa�da para n�s? essa mentira n�s a denunciamos, e tamb�m denunciamos todos os que a servem, todos esses servidores da brutalidade organizada.