P-190 - O Almirante Geco - Clark Darlton

  • November 2019
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  • Words: 30,868
  • Pages: 63
(P-190)

O ALMIRANTE GECO Autor

CLARK DARLTON

Tradução

RICHARD PAUL NETO

Digitalização e Revisão

ARLINDO_SAN

A situação de Rhodan se complica — os blues estão à sua procura!...

Já faz vários meses que Perry Rhodan, Atlan e Reginald Bell desapareceram nas profundezas do espaço. Eles, que já foram os homens mais poderosos da Galáxia, não possuem nenhum poder — ao menos enquanto não conseguirem entrar em contato com as espaçonaves da USO ou da Frota Solar, que ainda estão à sua procura. Nem os plofosenses, de quem tinham sido prisioneiros, nem os rebeldes de Badum lhes deram a possibilidade de ter acesso a um hipercomunicador. E quando os bigheads dispensaram os terranos, uma vez cumprida sua missão, a espaçonave automática não os levou à Terra, conforme esperavam, mas à estação dos “mortos-vivos” Mas nesta estação, situada em pleno círculo da morte dos raios gama, Atlan conseguiu, arriscando a própria vida, ativar certos aparelhos que irradiaram urna mensagem que não poderia deixar de ser captada. O cruzador dos ratos-castores chamado Tramp, a única nave solar que se encontrava na área alcançada pelos impulsos transmitidos, sai na direção dos mesmos e prepara-se para entrar em combate... O Almirante Geco quer saber o que está acontecendo!

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Personagens Principais: = = = = = = =

Almirante Geco — Cujos companheiros pertencentes à mesma espécie fazem brincadeiras bobas — mas ele luta com os blues. Ooch, Vulevul, Biggy, Bokom e Hemi — Membros da estranha tropa de Geco. Zbron, Brcl, Vlck e Stozi — Astronautas pertencentes ao povo dos uniters. Perry Rhodan, Bell, Atlan, André Noir e Melbar Kasom — Os desaparecidos que são encontrados, mas nem por isso estão salvos.

1 O mundo submarino era somente um crepúsculo azul-esverdeado. À direita os recifes subiam verticalmente, perdendo-se na agitação iluminada da superfície. Havia cavernas escuras cercadas por árvores coloridas, que balançavam levemente para todos os lados. De vez em quando uma sombra escura passava rapidamente. As sombras eram pequenas e tinham o aspecto de projéteis. Para a esquerda estendia-se uma ampla superfície arenosa, que se perdia a menos de cinqüenta metros de distância num azul misterioso e infinito. Três mergulhadores flutuavam à frente de uma das cavernas. Usavam equipamento de mergulho, mas não tinham mais de um metro de altura. Atrás das lâminas transparentes dos capacetes viam-se os contornos pouco nítidos dos rostos escuros. Os olhos castanhos e bondosos espiavam atentamente para a escuridão das cavernas. Os mergulhadores não eram seres humanos. Mas a língua que falavam, transmitida pelo rádio, era humana. Tratava-se do intercosmo. — Ei, Vulevul, está com vontade de ser devorado por um caranguejo gigante? Eles moram aqui. O ser que proferiu estas palavras teve a sabedoria de manter-se num ponto mais afastado. Não flutuava, mas estava de pé. Trazia pedras presas à grossa cintura, e estas lhe garantiam o equilíbrio. No lugar em que se encontravam o mar só tinha alguns metros de profundidade. Quando quisesse emergir, bastaria soltar o cinto com as pedras. Mas geralmente Geco preferia ir a pé até a praia, que ficava a pequena distância. — Pois eu lhes daria uma indigestão da mesma forma que você — retrucou Vulevul, que era um dos membros esperançosos da gloriosa expedição da Tramp e da raça dos ratos-castores, da mesma forma que seus companheiros Geco e Ooch, que acabavam de nadar um pouco para o lado, a fim de olhar para dentro da caverna de uma posição diferente. — Hoje não estão querendo — constatou Ooch em tom decepcionado e acrescentou: — Que pena! Geco lembrou-se de que era o chefe da expedição e o comandante da nave Tramp, que há poucos dias realizara um pouso de emergência naquele planeta desabitado. Nunca devia esquecer que além de direitos também tinha deveres. Inclusive o de servir de exemplo aos outros. — Vou dar uma olhada — disse em tom corajoso e deu um passo na direção dos outros. Uma mensagem de rádio vinda da Tramp salvou-o do constrangimento de ter de fugir de um caranguejo que talvez habitasse a caverna. O piloto da Tramp, um uniter chamado Zbron, disse: — Está na hora, Geco. Está tudo pronto. A nave pode decolar. — Voltaremos imediatamente. Prepare a decolagem, Zbron! — Dirigindo-se aos companheiros, disse: — Vamos embora! Emergir! A viagem vai continuar. Ainda bem que já podemos sair deste mundo louco, no qual só existem fantasmas e superabelhas.

Não estava de todo sem razão, pois nos últimos dias não tinham experimentado somente a alegria do ambiente ensolarado. A Tramp fora atacada por uma nave desconhecida, tendo sido obrigada a pousar. O inimigo só aparecera bem mais tarde. Tratava-se de enormes insetos dotados de inteligências, aos quais deram o nome de caçadores. Quando atacaram a Tramp, foram destruídos juntamente com a nave que os tinha trazido. Mas ainda havia outros seres no décimo oitavo planeta do sol sem nome. Tratava-se de figuras transparentes, que apareciam que nem fantasmas e voltavam a desaparecer; eram inocentes “projeções de sonhos” de seres muito inteligentes, que viviam em outro planeta do mesmo sistema. Andavam por toda parte, por várias vezes tinham ajudado a expedição em situações difíceis e andavam constantemente com medo dos salteadores, que transformavam este setor da Via Láctea numa área insegura. Os três ratos-castores caminharam para a praia e abriram os capacetes. — É uma pena que já vamos decolar — disse Vulevul. — Gostei tanto daqui. Geco parou. Nos últimos dois dias parecia ter esquecido a presunção e arrogância que era uma das suas características. A aventura pela qual tinha passado de certa forma o amadurecera, aproximando-o mais dos seres de sua espécie, e também dos uniters e dos Willys. Era a expedição mais estranha que já tinha saído do Sistema Solar. As circunstâncias exigiam medidas extraordinárias. Perry Rhodan, Reginald Bell, Atlan e mais dois colaboradores importantes de Rhodan estavam desaparecidos há muito tempo e eram considerados mortos. Mas ninguém acreditava que realmente estivessem mortos. Dessa forma milhares de naves cruzavam a Galáxia, à procura dos desaparecidos. A colônia de ratos-castores instalada em Marte também queria contribuir para encontrar Rhodan e salvá-lo. Gucky convencera o substituto de Rhodan, Julian Tifflor, a concordar com o envio de uma expedição de ratos-castores. O comandante seria Geco, que era o mais idoso deles, com exceção de Gucky. Era acompanhado por vinte ratoscastores, entre eles o telepata Ooch e uma rato-castor fêmea. Todos eram bons telecinetas, e Geco até era teleportador. Além disso havia trinta uniters. Apesar do aspecto grosseiro, eram humanóides dotados de grande inteligência. Sua característica mais marcante era a longa tromba, que também lhes servia de instrumento para várias coisas. Sempre que isso se tornava necessário, usavam-na para surrar um rato-castor que os molestasse demais — isso naturalmente quando conseguiam pegá-lo. Também havia dez Willys a bordo da Tramp. Tratava-se de estranhas inteligências, parecidas com amebas fluidas, que também como elas se deslocavam. Geralmente ficavam deitados sob a forma de placas achatadas e permaneciam completamente imóveis. Mas se queriam podiam assumir praticamente qualquer forma que desejassem. Sua característica principal era a vontade de ajudar e agradar outros seres em todas as ocasiões possíveis. Fora este um dos principais motivos por que Geco resolvera solicitar um grupo de Willys para sua expedição. E até então não tivera por que arrepender-se. Os Willys tinham destruído o resto dos insetos num ataque cerrado. — Então você gostou? — Geco mediu Vulevul com um olhar indignado. — Será que esqueceu que temos uma tarefa imensa pela frente? — Não esqueci coisa alguma — objetou Vulevul em tom enérgico, balançando os braços curtos. — Afinal, não sou culpado por este maldito pouso de emergência. Quando aconteceu, você estava na sala de comando. Vulevul estava aludindo à queda da nave.

Geco era tão culpado disso quanto qualquer outra pessoa a bordo da Tramp. Mas era o comandante e, conforme ele mesmo fazia questão de dizer, ocupava o posto de Almirante-Geral. Por isso também carregava o fardo da responsabilidade. Não gostava que o lembrassem disso — mais precisamente, da responsabilidade. — Deixe de bobagem — chiou Geco e saiu andando. A Tramp erguia-se para o céu azul a menos de quinhentos metros da baía. Era uma esfera de sessenta metros de diâmetro, equipada com um sistema de propulsão linear, e podia deslocar-se a uma velocidade milhares de vezes superior à da luz. O conversor danificado tinha sido trocado. A operação de busca por meio da qual se pretendia encontrar Rhodan já podia prosseguir. Depois de ter percorrido cem metros a pé, Geco cansou-se. Teleportou-se e rematerializou-se na sala dos ratos-castores, a bordo da nave. Era o único entre os vinte e um ratos-castores que sabia teleportar. Vulevul e Ooch soltaram assobios indignados quando se viram abandonados de forma tão vergonhosa. Percorreram o resto do caminho a pé, praguejando constantemente. Chegaram à nave exaustos e fungando fortemente. Também chegaram à sala dos ratos-castores, usando elevadores antigravitacionais e corredores. Neste exato momento o intercomunica-dor entrou em funcionamento. A voz do piloto Zbron disse: — Estão todos a bordo. Decolaremos dentro de trinta minutos. Peço o comparecimento do comandante à sala de comando. Geco já tirara o traje espacial leve que usara para mergulhar e vestira o uniforme. Alisou as divisas sem dar atenção aos olhares zombeteiros dos outros ratos-castores, ficou sério — e desmaterializou-se. O ambiente na sala de comando era tenso. Os sonhadores os haviam informado de que as naves dos caçadores estavam à espreita fora do sistema. Os insetos salteadores pareciam ter a intenção de isolar os quarenta planetas do sistema do resto do Universo. Não se sabia qual era a finalidade dessa medida. Mas era possível que tivessem tido conhecimento do que acontecera com a nave que tinha atacado a Tramp. Nesse caso o motivo de suas medidas seria a vingança. Zbron já se acomodara no assento do piloto. Quando notou a presença de Geco, fez sinal com a tromba para que se aproximasse. — Se conseguirmos surpreendê-los, poderemos passar, Geco. Temos de acelerar ao máximo. A primeira manobra linear deverá ser iniciada antes de sairmos do sistema. É o único meio de escaparmos à superioridade de forças. Contrariando seus hábitos, Geco não chamou a atenção do uniter para que este lhe desse o tratamento de comandante ou almirante-geral. Pelo contrário. Aproximou-se arrastando os pés e deu uma pancadinha amistosa no ombro largo daquele humanóide, que para seus padrões era um verdadeiro gigante. — Excelente, Zbron, excelente mesmo! Pregaremos uma peça nestas superabelhas. Como se costuma dizer mesmo? Uma retirada tática, se não me engano. — Isto soa melhor que fuga; também acho. É bem verdade que os jogos de palavras são minha especialidade, mas neste caso a diferença é evidente demais. Só se poderia dizer que estamos fugindo se quiséssemos evitar uma luta honesta. Mas pelo que informam os sonhadores há pelo menos duas mil naves-ovo à nossa espera. Desviar-se delas é um ato de autodefesa, não de covardia. — Também penso assim — confirmou Geco e passou a caminhar numa pose altiva pela sala de comando. Estufou o peito de uma forma que chegava a ser amedrontadora,

dando a impressão de que a qualquer momento poderia perder o equilíbrio. — Nem mesmo Gucky seria capaz de contestar isso, embora só seja tenente e por isso mesmo não tenha nenhum conhecimento estratégico. — Dirigiu-se à porta que dava para a sala de rádio e abriu-a. Stozi estava sentado atrás dos aparelhos. Estava com os fones de ouvido colocados sobre a cabeça e girava os botões. Havia uma fileira de pequenas telas de imagem à sua frente. Algumas estavam escuras, enquanto outras mostravam figuras coloridas pouco nítidas. — Então, Stozi? — disse Geco. — Ainda não conseguiu ligação? Stozi sacudiu a cabeça. Geco ficou parado mais algum tempo mas, como não houve nenhuma reação, resignou-se, bateu a porta e voltou para perto de Zbron. — Ele não quer ser incomodado — disse o uniter em defesa do ser de sua raça. — Seria formidável se conseguíssemos o apoio de um cruzador terrano. — Seria tranqüilizador — corrigiu Geco e saltou para dentro da poltrona que ficava ao lado de Zbron. Os dois seres tão diferentes sentados lado a lado formavam um estranho quadro. O uniter era humanóide, pesava quase cento e cinqüenta quilos e exibia uma tromba móvel e uma cabeça grosseira. A seu lado estava um rato-castor pequeno, embora corpulento, envergando um vistoso uniforme de almirante. — Importante e tranqüilizador! — disse Zbron, sempre disposto a estabelecer um compromisso. Examinou os indicadores de tempo. — Faltam quinze minutos. A espera me incomoda. Por que não decolamos imediatamente? Geco respondeu em tom professoral. — Existem bons motivos para isso, Zbron. Os sonhadores prometeram incomodar os caçadores. São imateriais e independentes do ambiente. Flutuarão em bandos pelo espaço e penetrarão nas naves dos insetos. E verdade que não lhes poderão fazer nada, mas certamente os deixarão assustados e confusos. Manifestaram a intenção bastante elogiável de distraí-los e atraí-los para outro lugar. Dessa forma o caminho ficaria livre para nós. Depende exclusivamente de nós aproveitarmos esta vantagem. Quanto mais rápidos formos, maiores serão nossas chances de escapar sem que os insetos percebam. Dentro de exatamente quatorze minutos chegará o momento mais favorável. Geco parou. Sentia-se exausto. Provavelmente era o discurso mais longo que já proferira em sua longa vida. Era bem verdade que em comparação com a loquacidade exagerada de Zbron só se tratava de uma tentativa miserável, mas de qualquer maneira a tromba do uniter empalideceu ligeiramente de inveja. Este não respondeu. Os minutos pareciam arrastar-se. Finalmente chegou o momento da decolagem. Todos os campos antigravitacionais foram ativados, para neutralizar a tremenda pressão que surgia em virtude da forte aceleração da nave esférica. Dentro de alguns minutos o planeta transformou-se numa bola, e depois numa estrela luminosa. À frente da Tramp só restavam os planetas exteriores do sistema e as formações de bloqueio dos caçadores. Nestes minutos decisivos nenhuma das pessoas que se encontravam na sala de comando disse uma palavra. Zbron, o piloto, verificava os controles e efetuava pequenas correções de rota. O navegador Vlck observava as telas de rastreamento, mas não descobriu o menor sinal dos caçadores. Na sala de rádio que ficava ao lado Stozi ainda tentava entrar em contato com as unidades terranas. O co-piloto Brcl estava sentado do outro lado de Zbron e controlava o funcionamento do sistema de propulsão.

Geco era o único que não tinha nada a fazer. Apesar disso desta vez não sentiu nenhum tédio. Não tirava os olhos da tela frontal. Não se via nada na mesma. Alguns planetas foram passando lentamente ao lado da nave, mas a velocidade desta aumentava constantemente. A Tramp voava cada vez mais depressa. Na tela de popa o sol desconhecido ia minguando. A nave corria para a órbita do planeta exterior. — Alcançamos cem vezes a velocidade da luz — disse Zbron com a voz tranqüila. A Tramp já se deslocava no espaço linear, situado entre o universo einsteiniano e o hiperespaço. De repente, alguns minutos antes da fase decisiva da fuga, apareceram alguns sonhadores. Eram transparentes e praticamente incolores. Não se detiveram diante do campo defensivo ou do casco da Tramp e entraram na sala de comando, formando um bloco telepático. Seus impulsos mentais eram tão fortes que foram captados até mesmo por um telepata fraco como Geco, que os compreendeu sem dificuldade. O caminho está livre. Fazemos votos de que tenham um vôo feliz. Geco escorregou para fora da poltrona e ficou em posição de sentido. — Ficamo-lhes muito gratos pelo apoio, sonhadores. Tomara que os caçadores nunca os encontrem. É possível que um dia voltemos para entrar em contato com vocês. Viremos como amigos. A resposta foi a seguinte: — “Estaremos dispostos a recebê-los a qualquer momento. E também lhes agradecemos. Vocês nos prestaram um grande serviço.” Antes que Geco tivesse tempo para responder novamente, as estranhas figuras desapareceram. Voltaram para o cosmos e dali retornariam ao seu planeta. Voltariam para dentro de seus corpos, que descansavam nas máquinas de sonhos. Geco comunicou a Zbron o que acabara de ouvir. O uniter acenou com a cabeça. — Quer dizer que está na hora. O caminho está livre; conseguiremos. O caminho estava livre. Uma única nave, cuja forma grosseira lembrava a de um ovo, apareceu na tela de relevo, mas perdeu-se numa fração de segundo no infinito. Ficara irremediavelmente para trás. Antes que tivesse tempo para acelerar, a Tramp estaria a bilhões de quilômetros de distância, poderia ter mudado de rota e teria mergulhado no nada. O sol transformou-se numa pequena estrela. No momento em que a Tramp atingiu mil vezes a velocidade da luz e continuava a acelerar, o perigo tinha ficado para trás. A aventura no planeta dos sonhadores, que tivera um início tão perigoso, passara a ser apenas um episódio interessante guardado na memória dos participantes. Mas a tarefa propriamente dita ainda estava pela frente. Era uma tarefa na qual até então todos se tinham esforçado em vão. Geco estava decidido a dar conta dela. *** O desaparecimento de Rhodan produzira efeitos calamitosos não somente no Império Solar, mas entre todos os povos humanóides da Galáxia. Alianças não muito coesas eram desfeitas, e velhos conflitos voltavam a irromper. A união desapareceu, e os amigos transformaram-se em inimigos exasperados. Em todos os setores da Via Láctea travavam-se sangrentas batalhas na disputa do poder. Notava-se a ausência de uma mão firme. Os aconenses invadiram o antigo Reino dos Arcônidas numa operação-relâmpago e o conquistaram. Não havia ninguém que os impedisse. O império dos blues também

entrou em decomposição. As diversas raças que compunham este império guerreavam-se e travavam batalhas encarniçadas no espaço. Mas como estas batalhas se desenvolviam do outro lado da condensação central da Galáxia, a partir da Terra, elas praticamente não afetaram os terranos. Estes tinham suas próprias preocupações. A Tramp encontrava-se além da concentração central e avançava à velocidade máxima em direção aos setores periféricos do leste. Estava a cerca de oitenta mil anos-luz da Terra e corria por uma área desconhecida, na qual havia poucas estrelas. Era o dia dois de fevereiro do ano de 2.329. O piloto Brcl, que estava de serviço, acabara de localizar fortes grupos de naves e reduzira a velocidade da Tramp. As telas de rastreamento revelavam que não se tratava das naves-ovo dos caçadores, mas das unidades dos blues. Dificilmente haveria motivo para recear um ataque de sua parte, a não ser que a nave se colocasse entre duas frentes. Brcl acompanhou os acontecimentos que se desenrolavam a várias horas-luz de distância na tela do rastreador, cuja imagem fora fortemente: ampliada. Por enquanto preferiu não dar o alarme. Um dos grupos de naves dos blues entrou em formação compacta, constituindo uma enorme esfera composta por milhares de naves. As unidades menores foram colocadas no centro, onde não corriam tanto perigo. A periferia da esfera foi ocupada por grandes couraçados, alguns dos quais ainda possuíam blindagens de molkex. Brcl, que tivera a curiosidade despertada, continuou a investigar até descobrir o motivo da extraordinária medida de segurança. A cerca de cinco horas-luz da Tramp um grupo gigantesco de naves dos mais diversos tipos entrou em formação de ataque contra a esfera. Neste grupo também havia algumas naves de molkex. Portanto, o mesmo também devia ser formado por naves dos blues. Via-se que as raças começavam a dilacerar-se. “Isso não é da nossa conta”, pensou Brcl, espantado e tranqüilizado ao mesmo tempo. “Podem matar-se à vontade, desde que nos deixem em paz. Mas quem sabe se não podem dar alguma informação sobre Rhodan? Será que podemos perguntar?” Não conseguiu chegar a uma decisão. Dentro de meia hora seria substituído por Zbron. Será que poderia esperar até lá? Viu-se libertado do peso da decisão quando a porta se abriu e Geco entrou na sala de comando. Desde o pouso de emergência e os encontros com os sonhadores e os caçadores que perdera algumas de suas qualidades desagradáveis. Já não fazia questão de ser tratado respeitosamente como senhor ou almirante-geral. Também não se importava quando deixavam de cumprimentá-lo à sua entrada ou de lhe oferecer um relato. Era o comandante; todo mundo sabia disso. Suas ordens eram cumpridas, e era quanto bastava. Qualquer advertência no sentido de dar mais atenção ao tratamento devido às pessoas seria pura perda de tempo. Bem no íntimo Geco naturalmente lamentava que os acontecimentos tivessem tomado esse curso, mas não via nenhuma possibilidade de evitar isso. Por enquanto sempre saíra perdendo quando se metia em debates ou provas de força. Eram principalmente os ratos-castores que se mostravam como inimigos obstinados de qualquer forma de subordinação. Queriam ser deixados em paz e divertir-se. Será que Geco pretendia convencê-los de que não se divertia com a viagem, por mais séria que fosse a tarefa que tinham pela frente? Geco fechou a porta, soltou um suspiro resignado e enfiou-se na segunda poltrona. Passou algum tempo olhando para as telas, até que finalmente compreendeu o que seus olhos viam. Levantou-se de um salto. — São naves! — gemeu, apontando para a tela frontal.

Brcl confirmou com um aceno de cabeça. — São blues — confirmou laconicamente. Ao contrário de Zbron, não era muito loquaz. Chegava a ser calado a tal ponto que Vulevul já manifestara a suposição de que Brcl não era o verdadeiro nome do uniter, mas apenas uma abreviatura confortável. — Blues? Por que não fui informado antes? Sou o comandante desta- nave e tenho o direito... — Não quis deixá-lo nervoso, gorducho. Geco respirava com dificuldade. Seu nariz marrom ficou muito pálido e os pêlos da nuca eriçaram-se. Realmente tinha afrouxado os costumes a bordo, para não se aborrecer, mas o que acabava de ouvir ia longe demais. Constituía uma infração de todas as regras sobre a hierarquia. — Para você não sou o gorducho, mas o Almirante-Geral Geco, comandante do couraçado Tramp. Tomara que não demore muito a aprender. — As naves dos blues que via na tela levaram-no a mudar logo de assunto. — O que houve, Brcl? O que estão fazendo essas naves? — Não tenho a menor idéia — disse o uniter em tom indiferente. — Parede que vão entrar em combate. Não temos nada com isso. Por isso não dei o alarme. Se mudarmos de rota talvez nem percebam nossa presença. Geco refletiu apressadamente. Naturalmente poderiam esquivar-se ao encontro, mas por outro lado com isso talvez perderiam uma chance de descobrir alguma coisa sobre o paradeiro de Rhodan. Era possível que os blues soubessem alguma coisa. Mas será que contariam? Não o fariam num momento em que sua superioridade era tão pronunciada. Os tiros energéticos de três ou quatro naves seriam suficientes para romper o campo defensivo da Tramp. Nestas condições não teriam como defender-se. Isso evidentemente não atendia às conveniências dos terranos. Muito menos à dos tripulantes da Tramp. — Vamos deslocar-nos para uma posição mais distante e observar os acontecimentos — sugeriu Geco diplomaticamente. — Talvez consigamos capturar uma nave atingida por um tiro ou avariada para interrogar os tripulantes. — A sugestão não é nada má — admitiu Brcl em tom bonachão e passou a tromba pelos controles. Geco guardou para si a repreensão que iria formular e olhou para as telas. Os dois grupos de naves pareciam ficar menores enquanto a Tramp se afastava deles em velocidade reduzida. Os blues estavam tão absortos em seus próprios problemas que nem notaram a presença da pequena nave terrana. Os primeiros tiros energéticos chiaram pelo espaço e as cargas atômicas dos torpedos espaciais detonaram. Várias naves de ambos os lados foram atingidas e afastaram-se cambaleantes do teatro dos acontecimentos. Geco apontou-as. — Está vendo o que quero dizer, Brcl? Vamos pegar uma destas naves. Desta forma talvez possamos descobrir alguma coisa. — É bastante improvável que o comandante de uma unidade menor saiba qualquer coisa sobre o paradeiro de Rhodan, mas não custa tentar. Qualquer informação estratégica que obtenhamos também pode ser muito importante. Acho que convém colocar a Tramp em estado de prontidão. Pode ser que a captura de um blue nos traga problemas. Geco dignou-se em concordar.

O alarme soou na Tramp. Os uniters levaram apenas alguns segundos para chegar aos seus postos. Até mesmo os ratos-castores deram-se ao incômodo de abandonar seus alojamentos para assumir seus postos. Os Willys continuaram deitados no interior de seu porão de carga. Eram os únicos que não precisavam entrar em serviço, a não ser que recebessem instruções expressas para isso. Zbron apareceu para revezar Brcl. Recebeu algumas informações ligeiras sobre os acontecimentos que se tinham desenrolado e sobre os planos concebidos por Geco. A vítima aparecia nitidamente na tela. Tratava-se de uma nave alongada, não muito grande, que sem dúvida estava à deriva. Deslocava-se em velocidade bem inferior ã da luz, exatamente na direção da Tramp. — Nem precisamos mudar de direção — observou Zbron, que concordara prontamente com a sugestão de Geco. — Esta nave destroçada vem exatamente em nossa direção. Talvez descubramos alguns detalhes interessantes. Ainda bem que os blues dominam a língua do Império, ou ao menos têm um intérprete a bordo de cada nave. Quando os detalhes se tornaram mais nítidos, os ocupantes da Tramp que observavam a nave avariada constataram a existência de algumas aberturas irregulares na proa da nave desconhecida, além de outras avarias graves. O campo defensivo e as armas mais importantes tinham sido postos fora de ação. A nave destroçada não representava um perigo imediato. — Procure entrar em contato com eles, Stozi. Use o código do intercosmo. Sem dúvida entenderão. Exigimos que recebam uma delegação nossa a bordo. Em compensação garantimo-lhes livre passagem. Stozi sentia-se no seu elemento. Devia conseguir contato, a não ser que o equipamento de rádio da nave destroçada não estivesse funcionando. As duas naves estavam a poucos quilômetros uma da outra e deslocavam-se praticamente à mesma velocidade. Aproximavam-se lentamente. Stozi foi bem-sucedido. Não obteve uma resposta direta à sua pergunta, mas o comandante da nave avariada dos blues solicitou auxílio técnico urgente através do intérprete. Zbron em pessoa encarregou-se da resposta. — Aqui fala da Tramp, nave-capitânia da frota dos ilt, comandada pelo AlmiranteGeral Geco. Piloto Zbron no aparelho. O que entendem por auxílio? — Meus técnicos explicarão — respondeu a voz. Zbron ficou um pouco aborrecido com o tom arrogante usado por seu interlocutor. A tela continuou escura. As instalações da outra nave deviam estar avariadas, ou então os blues não queriam aparecer. — Pode enviar uma delegação. Abriremos a escotilha. Era exatamente o que Zbron queria. Virou a cabeça e olhou para Geco. O rato-castor imaginou que se esperava uma decisão de sua parte. Acenou com a cabeça. Zbron comunicou aos blues que dentro de alguns minutos uma equipe técnica deixaria sua nave. Advertiu os tripulantes da nave avariada para que não cometessem nenhuma ação irrefletida. Explicou que os canhões da Tramp estavam apontados para a nave destroçada. — Quem vai para lá? — perguntou Geco. Num gesto irônico, Zbron enrolou a tromba e voltou a atirá-la para a frente. — Você não é técnico, mas é o comandante. Sugiro que vá com alguns uniters. Ficarei aqui e dar-lhes-ei cobertura. Desta forma conseguiremos duas coisas. Os técnicos poderão verificar as avarias e prestar o auxílio que for possível, enquanto você conversa com o comandante dos blues. Alguma objeção? Geco não tinha nenhuma.

Dali a cinco minutos saiu da eclusa de ar da Tramp em companhia de três uniters e deixou que o impulso o levasse para a nave destroçada. Não se sentia muito bem no seu pêlo, mas não deixou que os outros percebessem. Sabia que a poderosa artilharia energética de sua nave e os irresistíveis canhões conversores dela o protegiam. Ficou com o rádio ligado, para que sua conversa com os blues pudesse ser ouvida e registrada na Tramp. — Daqui a pouco chegaremos lá — anunciou. — A eclusa está aberta; vamos entrar. Voltou a fechar-se. Ò ar está penetrando. Estamos abrindo os capacetes. Hum, o ar é bom, mas frio demais para meu gosto. Tudo em ordem lá fora? — Se houver algum problema, você poderá teleportar-se — consolou Zbron em tom irônico. Geco fez como se não tivesse notado a ironia. Esperou que a escotilha interna se abrisse e foi entrando na nave destroçada à frente dos uniters. Viram-se num largo corredor. Um blue veio ao seu encontro. Estes seres tinham forma humanóide, mas em cima de um pescoço comprido e dotado de grande mobilidade havia uma cabeça chata, em forma de disco, na qual se viam grandes olhos que enxergavam em todas as direções. Da mesma forma que nos terranos e nos arcônidas, também havia variações, mas para um ser humano era muito difícil distingui-las. — Bem-vindos a bordo — disse o blue e ficou parado. Contemplou Geco com uma expressão de insegurança, e a seguir lançou os olhos para os três uniters. — Sou Zrag, o intérprete. O comandante Grechk incumbiu-me de servir de guia. Venham comigo. Geco teve vontade de explicar ao cabeça de prato que ele estava lidando com um personagem muito importante, mas preferiu adiar o debate sobre este assunto. Dessa forma só precisaria fazê-lo uma única vez. Além disso o intérprete já lhe tinha virado as costas e saía caminhando. Encontraram-se com mais alguns blues e membros de uma raça menor, cujo aspecto lembrava o dos pingüins. Era sabido que os blues costumavam contratar povos auxiliares para trabalhar em suas naves. Grechk estava à sua espera na sala de comando. Não era nem um pouco diferente de Zrag. Quando viu Geco, emitiu um som assustado. A conversa foi conduzida por intermédio do intérprete Zrag. — Que houve? — perguntou Geco, espantado. — Por que se assustou ao me ver? Ou será que são os uniters que o deixam tão perplexo? O blue não tinha certeza sobre o tratamento que deveria usar, mas o tom familiar usado por Geco parecia incutir-lhe nova confiança. — Não me assustei. Apenas fiquei admirado por me encontrar com um personagem tão célebre e importante. Sempre tive vontade de me encontrar com o mais importante dos representantes do Império Solar para dizer-lhe o quanto o admiro. Um dos desejos que tenho nutrido por toda a vida acaba de cumprir-se. Fico tão grato ao destino porque minha nave foi avariada durante a batalha e pude cruzar a rota da sua. — Levantou-se e fez uma ligeira mesura. — Sejam bem-vindos em minha nave, você e seus amigos, embora ela esteja reduzida a destroços. Geco já não sabia o que pensar. Será que o blue se divertia à sua custa, ou estava falando sério? Infelizmente não conseguiu captar nenhum impulso telepático. Quem dera que Ooch estivesse com ele. Mas paciência; afinal, era bem possível que sua fama já tivesse chegado a esta parte da Via Láctea. Mas um personagem conhecido...? Não, por mais que quisesse, Geco não era capaz de imaginar que fosse uma pessoa conhecida.

Sempre vivera em Marte, com os outros ratos-castores, e nunca tivera oportunidade de dar prova de sua coragem e das qualidades extraordinárias que possuía. Fazia duas semanas que comandava a Tramp. Era só. Todavia... — Sinto-me honrado — disse em tom formal e um tanto desconfiado. — Quer dizer que você me conhece, Grechk? — Será que existe alguém que não o conheça? Afinal, você é a figura mais importante do Grande Império, o salvador do Universo e o melhor amigo do lendário Perry Rhodan. Eu me envergonharia se não o tivesse reconhecido. Em toda a Via Láctea fala-se nos seus feitos e em sua coragem, que excede tudo que se possa imaginar e não tem igual. O que seria da humanidade solar se não fosse seu melhor e mais poderoso aliado, o famoso rato-castor Gucky? Geco sentiu-se como se alguém tivesse despejado uma banheira de água fria sobre sua cabeça. Encolheu-se dois centímetros, enquanto os uniters que estavam de pé atrás dele continuavam impassíveis. Mas os fones de ouvido de Geco transmitiram uma risadinha. Devia ser Zbron e Stozi, que estavam grudados no rádio. Geco conseguiu controlar a decepção. — Sou o Almirante-Geral Geco, e não devo ser confundido com Gucky que, como todos sabem, não passa de um simples tenente — disse com a maior calma. — Geco? — perguntou Grechk em tom de perplexidade. — Almirante-Geral? Bem, nunca ouvi falar no senhor. Geco começou a ferver por dentro. — Está bem. Neste caso você pode ver como consegue consertar este calhambeque. Talvez você consiga se antes dermos um tiro de canhão no mesmo, o que para mim seria um grande prazer. — Calma — pediu o blue. Voltara a sentar, sem convidar os visitantes a fazerem a mesma coisa. As boas maneiras não pareciam ser seu forte. — Pedimos auxílio a vocês, e vocês vieram. Eu o confundi com Gucky. O que é que uma coisa tem que ver com a outra? Afinal, todos os ratos-castores são iguais. Além disso todo mundo acreditava que Gucky fosse um exemplar único. Quer dizer que existem outros indivíduos de sua espécie? Aos poucos Geco foi recuperando a autoconfiança. — Só na minha nave estão vinte, e qualquer um deles pode ocupar o lugar de seu Gucky. Pode substituí-lo muito bem, Grechk. Você vê quais são suas chances se não andar direito conosco. Gucky — ora essa! É verdade que goza de certa fama e de vez em quando tem feito uma coisinha. Mas nós também já fizemos muita coisa. Vou dar um exemplo. Nós o abandonaremos neste setor da Via Láctea, se não responder a algumas perguntas que vou fazer. Se você nos deixar satisfeitos, ajudaremos. Do contrário... — Concluiu com um gesto. — Pode perguntar, que responderemos. Por que não? Afinal, não temos nada a esconder. — Logo veremos. Lã vai a primeira pergunta. Onde está Rhodan? Zrag traduziu a pergunta, mas Grechk levou algum tempo para responder. — Não sabemos. Ninguém sabe. Dizem que está morto. — Não pode estar morto! Nós o encontraremos; não tenha a menor dúvida. Quero que diga tudo que sabe, o que ouviu falar, o que simplesmente supõe. — É o que já disse. Supomos que Rhodan esteja morto, tal qual seus companheiros. Foi seqüestrado e morreu ao tentar a fuga. O Grande Império está em decomposição, os povos oprimidos conquistam a independência, mesmo que sob o domínio dos gatasianos

vivessem melhor. A mesma coisa acontece com a Terra. Todos os planetas coloniais romperam os tratados que celebraram. O caos reina na Galáxia. — Está bem, Grechk. Mas você ainda não disse o que sabe sobre o paradeiro atual de Rhodan. — Sobre isso não sei nada nem ouvi qualquer boato. Estou viajando em minha nave há meses e nem sei mais o que significa ter chão firme sob os pés. Rhodan desapareceu. É só o que eu sei. Eu já disse que ninguém sabe mais que isso. Geco pôs-se a refletir. Fez um sinal para os três uniters, teleportou-se para a Tramp e trouxe Ooch, o telepata. Antes que Zrag e Grechk pudessem recuperar-se da surpresa, viram dois ratos-castores à sua frente. — Está vendo, Grechk? — disse Geco em tom de triunfo. — Aquilo que o lendário Gucky consegue fazer, o famoso Geco faz há muito tempo. Apresento-lhe Ooch, o telepata. Quero que você repita o que acaba de dizer. Ooch constatou que o blue estava dizendo a verdade. Geco deu ordem para verificar as avarias da nave e fazer um conserto precário. Voltou para a Tramp juntamente com Ooch. Zbron olhou-o com um sorriso. — Que tal a sensação de ser confundido com o grande Gucky? — Cale a boca! — gritou Geco. — Não se meta naquilo que não lhe diz respeito. Não existe ninguém com quem você possa ser confundido. A não ser que seja sua avó. — Foi uma mulher muito honrada de tromba azul — disse Zbron para defender-se contra o ataque pouco objetivo de Geco. — Pouco me importa que a tromba dela tenha sido azul ou lilás. Providencie para que seus técnicos logo consertem o calhambeque dos blues, para que possamos dar o fora daqui. Não tenho a menor vontade de bancar o bom samaritano entre duas frentes. Se quiser, faça uma visita a Grechk; talvez consiga descobrir mais do que eu. Depois que Geco se retirou, Zbron fez um aceno de cabeça na direção do co-piloto. — Acho que a idéia do Chefe até que não é má. Irei a bordo da outra nave para dar uma olhada nos cabeças de prato. Quem sabe se não descubro alguma coisa? Geco foi para junto de seus ratos-castores. Quando abriu a porta, uma coberta dobrada atingiu-o com tamanha violência na cabeça que perdeu o equilíbrio e tropeçou de volta para o corredor. No alojamento havia uma tremenda algazarra. A voz de Vulevul destacava-se entre as demais. Deblaterava contra Ooch em várias tonalidades e afirmou que o mesmo era um patife traiçoeiro. Geco conseguiu pôr-se de pé. Por um instante esqueceu que era o comandante. As recordações dos belos tempos de juventude passados em Marte vieram-lhe à mente. Era uma vida sem dificuldades, cheia de brincadeiras e tolices, livre de preocupações e obrigações. E sem qualquer responsabilidade. Levantou cautelosamente a coberta caída no chão, voltou a dobrá-la e rastejou em direção à porta. Ninguém lhe deu atenção. No enorme alojamento a batalha dos travesseiros estava em pleno andamento. Dois partidos se haviam formado. Os chefes eram Vulevul e Ooch. Biggy ficou parada entre as duas frentes, tentando acalmar os ânimos. Tal qual acontece com todas as pessoas de boa vontade, sofreu a decepção de ser atacada de ambos os lados, com cobertores, travesseiros e outras peças das camas. — Eu lhe mostrarei — gritou Vulevul com a voz estridente. Fez pontaria e atirou. Usou a telecinese para fazer algumas correções da rota do travesseiro, que passou rente ao corpo de Biggy e atingiu Ooch bem no rosto. As pernas

foram literalmente puxadas debaixo do corpo de Ooch, que sentou no chão com certa violência e logo se pôs a berrar. — Isso é uma sujeira! Sem telecinesia! Não combinamos assim! — Não combinamos coisa alguma — chiou Vulevul e supriu-se de outro projétil. Biggy, que era a causa da luta entre dois rivais, não conseguiu decidir-se por nenhum dos lados. Ficou indecisa na saraivada de projéteis e teve certo êxito em suas tentativas de desviar-se dos mesmos. Geco entrou na sala e pegou um colchão de plástico que errara o alvo. Fez pontaria, tomou impulso e atirou. Ooch, que acabara de pôr-se de pé, foi atingido de novo. Desta vez atingiu-o inesperadamente de lado. Deu uma cambalhota e caiu sobre o rosto. Ficou deitado, todo confuso, e fingiu-se de machucado. Vulevul uivou de triunfo e juntamente com os amigos tomou de assalto a barricada de cadeiras, mesas e colchões. Passaram simplesmente por cima de Biggy, que se retirou para cima de uma das camas saqueadas para acompanhar os acontecimentos de um lugar seguro. O partido derrotado recorreu à telecinesia. De repente Vulevul perdeu o apoio dos pés e foi levitando em direção ao teto. Como não sabia quem dera início à nova forma de luta, não tinha como defender-se. Ficou indefeso, à espera do momento em que o colocassem no chão ou simplesmente o deixassem cair. Isto aconteceu no momento em que se encontrava em cima de Ooch, que estava encerrando o drama que tinha representado e acabara de sentar-se. O peso de Vulevul comprimiu-o contra o chão. Os dois galos de briga enrodilharam-se e saíram rolando bem juntinho, indo parar aos pés de Geco. Os outros ratos-castores, que já tinham percebido a chegada do comandante, fizeram os rostos mais inocentes deste mundo. Ficaram sentados nas posições mais variadas sobre os travesseiros e cobertores que estavam espalhados pelo chão, fazendo de conta que nada tinha acontecido e bancando verdadeiros anjos de inocência. Quando Vulevul finalmente conseguiu libertar-se das mãos de Ooch e olhou para cima, viu o rosto indagador de Geco. — Por que tudo isso? — perguntou o comandante em tom sério. Vulevul deu um empurrão em Ooch e rolou para o lado. Quando se pôs de pé, balançou um pouco. Segurou-se numa mesa derrubada. — Não foi por nada. Só resolvemos arrumar algumas coisas. Ooch, que ainda estava sentado, fez um gesto de assentimento. — Isso mesmo. Fizemos uma arrumação. Havia uma tremenda confusão. Os dois malfeitores ficaram unidos. Geco olhou em torno. O alojamento dava a impressão de que a Tramp tinha girado cem vezes em torno do próprio eixo em pleno vôo, sem ligar os neutralizadores de pressão. Não se via o menor sinal de ordem. E Geco não se esquecera do cobertor que o tinha derrubado. — Quer dizer que para vocês isso é uma arrumação? Enquanto temos um encontro com a nave dos blues que pode decidir nosso destino, vocês fazem uma arrumação. E que arrumação! Eu lhes mostrarei! Voltarei dentro de dez minutos, e então a cabine dará a impressão de que acabamos de sair da academia. — Oh! — fez Ooch e levantou-se. Ainda teve a impressão de ver Vulevul ser atingido e derrubado por um travesseiro atrasado. Foi Biggy quem o arremessou. Estava de pé ao lado de sua cama. — Seu patife! — esbravejou em tom estridente. — Será que eu não sou nada? Geco, os dois andaram brigando por mim. Vivem brigando por minha causa. — Balançou os

quadris num gesto provocador e, gingando o corpo, avançou para o primeiro plano. — Sei que sou bonita, mas meu coração não pertence a Vulevul nem a Ooch, mas somente ao nosso comandante Geco. Quero dizer que vocês lutaram em vão. Ooch e Vulevul entreolharam-se com uma expressão de perplexidade. O que Biggy acabara de dizer era uma novidade para eles. Até então Geco sempre tinha sido considerado uma espécie de pólo neutro, que não participava da competição que se desenvolvia em torno de Biggy. Afinal, tinha muitas preocupações e carregava uma responsabilidade enorme. E agora Biggy anunciava em público que gostava de Geco. Isso encerrava de vez a disputa. Geco estufou o peito, caminhou duas vezes em torno de Biggy, todo empertigado, e deixou que ela o admirasse. Finalmente fez um gesto benevolente. — Obrigado, Biggy. Oportunamente me lembrarei disso. — Lançou um olhar de triunfo para Ooch e Vulevul. — O que houve com vocês? Perderam a língua? — Oh... — fez Ooch. Vulevul olhava fixamente para Biggy, mas não disse nada. Geco dirigiu-se à porta. Parecia satisfeito e orgulhoso ao mesmo tempo. Antes de sair, virou a cabeça. — Se quiserem, continuem — disse. Depois disso saiu para o corredor e fechou cuidadosamente a porta atrás de si. Biggy soltou uma risada estridente. Abaixou-se, pegou um colchão muito pesado e arremessou-o com tamanha habilidade que atingiu Ooch bem nas costas. Dali a dez segundos ambos os partidos prosseguiram na luta. Biggy ficou sentada na cama, assistindo a tudo. Ficou olhando até que oito castores tiveram a mesma idéia no mesmo instante. Foi literalmente enterrada embaixo de oito travesseiros. *** Quando a nave dos blues mergulhou nas profundezas do espaço para seguir em direção à batalha espacial que bramia lá adiante, Zbron relatou a conversa que tivera com os blues. Geco voltou à sala de comando e ouviu atentamente as palavras de Zbron. — Ele realmente não sabe nada sobre o paradeiro de Rhodan e dos outros desaparecidos. Mas descobri certas coisas que certamente interessarão a Tifflor. Os blues afirmam que em algum lugar existe uma chave para outras galáxias. Não sabem o que vem a ser isso. Deve ser um segredo que ainda não conseguiram desvendar. Só se fala vagamente nisso. Talvez seja uma raça desconhecida, que possui um sistema especial de propulsão, que permite superar as distâncias inconcebíveis que separam as galáxias. Até hoje ninguém conseguiu realizar esta façanha. No momento o império cósmico dos blues está em decadência, mas isso não importa. Sempre restará um núcleo, e este núcleo sairá à procura da misteriosa chave. — Que bom! — observou Geco em tom astucioso. — Se encontrarem a chave, sairão da Via Láctea e desaparecerão para sempre. — Não tenho tanta certeza! De qualquer maneira, ficariam de posse de uma coisa que nós não temos. Mais precisamente, de um sistema de propulsão diante do qual o nosso será considerado obsoleto. Geco interrompeu-o com um gesto. — Será que você acredita em fábulas? O tal do Grechk andou fazendo gozação com você. A chave para outra Galáxia... bolotas! Uma invenção! Um fantasma! Não acredito nestas bobagens. Devemos procurar Rhodan, e é só. Em minha opinião basta.

Zbron enrolou a tromba. — Já sabia que você não possui imaginação. Não falemos mais nisso. Conseguimos livrar-nos dos blues, e pronto. Que rota o senhor comandante quer que sigamos? Geco esteve a ponto de bater com o punho na mesa de instrumentos, mas controlouse em tempo. Num caso como este era preferível assumir uma atitude apaziguadora. Ainda precisariam de seus nervos. Assumiu um ar de superioridade e disse: — Quero observar o resultado da batalha entre os blues. Zbron não teve nenhuma objeção. — Para mim está bem, embora não veja para que isso possa servir. O que nos interessam os blues? — É uma ordem, e basta! — Geco ajeitou as insígnias, colocando-as bem à vista do uniter e fez um rosto zangado, que em sua opinião impressionaria e intimidaria seu interlocutor. Quase chegou a destroncar o pescoço para levantar os olhos para Zbron. — Eu sou o comandante! Quem dá as ordens sou eu. Entendido? — Está bem. — Zbron transmitiu a Vlck algumas instruções relativas à rota. As luzes de controle do computador de navegação piscaram. Umas poucas estrelas mudaram de posição nas telas. — Brcl assumirá os controles. Vou dormir um pouco. — Levantouse. — Desejo um vôo agradável. Geco seguiu-o com os olhos. — Não passa de um macaco presunçoso — constatou. Fez um gesto benevolente para Brcl e Vlck e saiu todo empertigado atrás de Zbron. Antes que atingisse a primeira curva do corredor, as campainhas de alarme soaram. Todos os alto-falantes transmitiram a voz potente de Brcl: — Sala de controle chamando todos os ocupantes da nave! Sala de controle chamando todos os ocupantes da nave! Entrar em prontidão! Comandante e piloto, compareçam imediatamente à sala de comando! Repito... Geco parou. Pôs-se a praguejar terrivelmente. — E a última vez que aceito o comando de uma nave. Os outros descansam e se divertem, e eu sou o bobo. Se a tarefa gloriosa de que vivem falando é esta, nem quero saber. Comandante — lorotas! Assim que acabou de proferir estas palavras, teleportou-se para a sala de comando.

2 Os rastreadores estruturais da Tramp acabavam de reagir a alguma coisa. Os aparelhos registraram violentas ondas de choque, que se desenvolviam além da quarta dimensão. Os instrumentos realizaram imediatamente os respectivos cálculos e os registraram em fitas perfuradas. Os abalos podiam originar-se tanto da transição de alguma nave como de algum transporte pelo transmissor. Naturalmente as naves dos blues também tinham registrado e interpretado as ondas de choque. Zbron fitou Geco e disse: — Brcl me avisou assim que os goniômetros e os rastreadores entraram em funcionamento. Já dispomos dos resultados. Brcl deu o alarme assim que os mesmos se tornaram conhecidos. — São tão ruins assim? — perguntou Geco e saltou para dentro de uma poltrona. — Ruins não, mas estranhos — observou Brcl. — Como uniters que somos, possuímos bastante experiência espacial para tirarmos nossas conclusões — explicou Zbron. — Os abalos, que se propagam em forma de ondas de choque regulares, só podem provir de um transmissor defeituoso. Jamais poderiam ter sua origem na transição de uma espaçonave. Neste caso as ondas seriam diferentes, Geco. Quer dizer que há um transmissor — mais precisamente, um transmissor de matéria — aqui, em pleno espaço, a vários anos-luz de qualquer mundo habitado. Até conseguimos determinar a direção aproximada da qual vieram as ondas de choque. Quando a interpretação for concluída, teremos outras informações. Posso garantir que os blues e suas batalhas perderam todo interesse. Estamos na pista de outra coisa; até pode ser nova e desconhecida. Algo não está em ordem no lugar em que se originaram as ondas de choque. Pode ser um simples erro na manipulação dos controles, mas também pode ser mais que isso. De qualquer maneira, sou de opinião que vale a pena investigar. O que acha, Geco? O rato-castor ignorou o fato de que um velho e experimentado astronauta pedia conselho, a ele. Achava que apenas era uma demonstração de respeito perfeitamente natural. Nem pensou na possibilidade de que o uniter talvez não o levasse a sério. Pigarreou para fazer-se de importante. — Primeiro quero ver a interpretação completa dos dados. Zbron confirmou com um gesto. — É para já. — Transmitiu algumas instruções a Vlck. Dali a dez minutos o navegador empurrou alguns cartões para o piloto. Zbron examinou-os, enrolou a tromba e assumiu uma atitude pensativa. — Hum, é estranho, mas também é interessante. Geco não sabia o que fazer com as misteriosas insinuações. — O que é mesmo? Será que eu posso saber? Zbron entregou-lhe os cartões. — Fique à vontade. Geco examinou os cartões. Só viu colunas de algarismos e algumas letras que pareciam não fazer sentido. Além disso havia gráficos perfurados em chapas, produzidos

pelo computador de bordo. Não conseguiu compreender nada. Devolveu tudo ao uniter com o rosto impassível. — Leia — disse. Um sorriso sarcástico apareceu no rosto de Zbron, que colocou as fichas à frente dos olhos. — A fonte das ondas de choque que captamos fica a exatamente trezentos e doze anos-luz daqui — e é muito potente, se me permite esta observação. Também o desempenho e a precisão dos nossos aparelhos e a energia consumida pelos transmissores que foram utilizados é notável. Quer dizer que são trezentos e doze anos-luz. A direção já foi determinada. Veja o senhor mesmo o que o mapa cósmico registra nesta direção. Não era muita coisa. — Um pequeno sol amarelo — leu Brcl. — Não é conhecido; somente foi catalogado. Possui três planetas, provavelmente desabitados. A área ainda não foi explorada. — Levantou os olhos. — Será que há uma estação de transmissor por lá? Tomara que não nos tenhamos enganado. — Nossos rastreadores estruturais nunca se enganam — apressou-se Zbron em objetar. — Nem nós. — Voltou a olhar para Geco. — Quais são as ordens do comandante? Vamos dar uma olhada no local? Geco pôs-se a refletir. Uma descoberta como esta poderia ser muito valiosa. Quem sabe se não encontrariam uma pista de Rhodan — ou ao menos uma nova raça? Ou então uma fonte de riquezas. Uma nova invenção ou uma tecnologia mais avançada, que possa ser levada à Terra como resultado da expedição. O que diria Tifflor, por exemplo, se alguém lhe levasse um transmissor de matéria capaz de deslocar mercadorias de uma extremidade da Via Láctea à outra...? “O que vale minha pele?”, continuou a pensar Geco. “Tenho de jogá-la na balança do destino. Além disso é minha a pele que eu arrisco.” Acenou com a cabeça. — Naturalmente daremos uma olhada. Nem sei por que está perguntando. Zbron fez um sinal para Brcl. O co-piloto imediatamente pôs em funcionamento o computador de navegação e fez o cálculo da rota juntamente com Vlck. Assim que os dados se tornaram disponíveis e foram armazenados no sistema de pilotagem automática, Geco deu oficialmente ordem de partida. Quase no mesmo instante Vlck disse: — Parece que os blues também notaram alguma coisa, e isso de ambos os lados. Liguei as telas de rastreamento. Vejam... Geco e Zbron olharam para as telas. Não era um quadro muito tranqüilizador. Quase uma dezena das naves separou-se das formações que participavam do combate e seguiu por outra rota. Saíram na mesma direção que a Tramp pretendia tomar, acelerando fortemente. — Era o que eu imaginava — resmungou Zbron, contrariado. — Eles ainda nos darão muito aborrecimento. Nem imaginava que os fatos confirmariam plenamente sua previsão. ***

Durante o vôo pelo espaço linear perdeu-se o contato de rastreamento com os blues. Geco sentiu-se aliviado. Nunca apreciara a proximidade dos cabeças de prato, em parte porque isto representava certo perigo. Finalmente a Tramp aproximou-se do sistema do pequeno sol normal amarelo. Ele só possuía três planetas, e o segundo oferecia condições mais favoráveis à vida. Se as ondas de choque provinham de um dos mundos do sistema, só podia ser o segundo planeta. Geco deu ordem para contornar este planeta numa altura que oferecesse segurança, para realizar observações de todos os tipos. A gravitação era pouco superior a 1 G, chegando aproximadamente a 1,03 G. Em virtude da proximidade do sol, o clima era quente e seco. O tempo de rotação era de 34,9 horas. A maior parte da superfície do planeta estava coberta por gigantescas florestas. Avistaram várias cidades e os dois continentes eram separados por um braço de mar, junto ao qual havia montanhas muito altas. — Hum — fez Brcl. Zbron virou a cabeça e olhou para ele. — Quer dizer alguma coisa? — Apesar das cidades, este mundo me parece bastante abandonado. De qualquer maneira não se vê sinal de uma civilização capaz de construir transmissores de matéria, ao menos de um tipo cujas ondas de choque ainda possam ser registradas a trezentos anos-luz de distância. — Acho que você tem razão, mas não pode haver dúvida quanto à localização da fonte de energia. Temos certeza de que as ondas de choque vieram daqui. — E verdade — confirmou Vlck. Geco ficou calado. Preferiu não participar do debate, porque não entendia nada do tema. Teve bastante inteligência para deixar isso por conta dos experimentados uniters. — Vamos pousar? — Acho que ainda é cedo. Onde estão os blues? Devem aparecer a qualquer momento. Zbron levantou-se e foi para junto dos rastreadores. Foi ligando as telas uma após a outra e fez girar a antena direcional para todos os lados. Finalmente acenou com a cabeça. — Eu não disse? Já estão chegando; são dez. — Qual é a distância? — Atingiram a órbita do terceiro planeta, mas continuam a penetrar no sistema. Poderão estar aqui dentro de dez minutos. O que acha, Geco? O rato-castor já esperava a pergunta. Era o comandante e quando a situação se tornasse crítica, era ele que tinha de segurar o rojão. — Vamos aguardar — decidiu. — É uma solução diplomática — disse Zbron em tom irônico. — Onde vamos aguardar? — Onde? — perguntou Geco, irritado. — Na Tramp! Onde poderia ser? Os rastreadores mostravam que seis naves dos blues estavam sendo perseguidas. Outras unidades apareceram nas telas, e realizavam manobras individuais bem coordenadas com o objetivo de cortar todos os caminhos de retirada das naves perseguidas. Finalmente abriram fogo. A batalha irrompeu exatamente entre o terceiro e o segundo planeta. Ao que parecia, cada um dos lados queria evitar que o outro chegasse ao segundo planeta. Era a

melhor prova de que acreditavam que ali houvesse um segredo valioso — uma estação de transmissor que emitia ondas de choque de potência enorme. Enquanto isso a Tramp continuava a contornar o segundo planeta. Geco estava sentado numa poltrona. Não se sentia muito bem. Aos poucos começou a reconhecer que a operação era apressada e não oferecia nenhuma chance. Tudo bem. Os ratos-castores quiseram dar sua contribuição para encontrar Rhodan, mas até certo ponto isso fora uma questão de prestígio. Nunca houvera uma verdadeira chance de sucesso. Poderiam dar-se por satisfeitos se conseguissem voltar à Terra sãos e salvos. “Ainda mais com uma tripulação como esta”, pensou para consolar-se. Não se podia negar que os uniters possuíam certa experiência, mas faltava-lhes a iniciativa. E aos Willys também. Eram amáveis e prestativos. Nem mesmo Geco poderia negar isso. Mas com essas qualidades não se ganhava uma guerra.. E os ratos-castores? Neste ponto Geco não se iludiu. Com eles só se poderia contar quando surgisse uma ameaça direta à sua vida. Sem essa ameaça, cada um fazia exatamente aquilo que desejava. Enquanto a Tramp manobrava para desviar-se dos grupos de naves inimigas, os ratos-castores ficavam na cama e contavam histórias alegres de sua vida. Ou então travavam batalhas de travesseiros e corriam que nem loucos pelos corredores da nave para brincar de pegar. Os uniters que trabalhavam na sala de máquinas já se haviam queixado cinco vezes de que os ratos-castores tinham trocado suas roupas de trabalho. Um deles fora trancado na toalete, que não podia ser aberta de fora. A fechadura só pôde ser aberta por um rato-castor, mediante a telecinesia. Todo o bando contestou com muita indignação a suspeita de que a mesma poderia ter sido fechada dessa maneira. Não, pensou Geco, resignado, com uma equipe destas não poderia praticar atos de heroísmo. Mesmo que ele fosse um herói. Quando suas reflexões chegaram a este ponto, resolveu dar quanto antes as costas a este sol desconhecido e voltar para casa. Pouco lhe importava que zombassem dele e o escolhessem como objeto de suas piadas. Não estava com vontade de morrer. O que adianta a fama e as honrarias se a gente está morta? — Não valem coisa alguma! — disse em tom enfático. Zbron levantou a tromba na vertical, dando mostra da estranheza que o comportamento de Geco lhe causava. — Como? Geco acordou do devaneio. — Oh, nada — respondeu. Neste momento a porta abriu-se violentamente e dois ratos-castores entraram rolando. Eram Ooch e Bokom, que se seguravam pela mão e assobiavam em tons exaltados, enquanto tentavam pôr-se novamente de pé. Geco escorregou para fora da poltrona. — O que é isso? — berrou para os dois infelizes, que se separaram num movimento titubeante e voltaram a pôr-se de pé. — Não sabem o que é disciplina? Eu lhes darei um puxão... — Encontramos Rhodan! — exclamou Ooch. Geco fitou-o estupefato. Engoliu em seco. — Vocês o quê? — gritou Geco depois de algum tempo. Ooch empertigou-se. Bokom também cresceu um pouco. — Encontramos Rhodan e André Noir. Estão lá embaixo, no planeta. Geco ficou sem fôlego.

Tinha certa compreensão para as brincadeiras sem graça de seus ratos-castores e sabia perdoar quase tudo que faziam, mas desta vez estavam indo longe demais. Rhodan não podia ser objeto de brincadeiras, pelo menos enquanto estivesse desaparecido. Viu o olhar de advertência de Zbron e procurou controlar-se. Voltou à sua poltrona o mais calmo que pôde e saltou para dentro dela. Olhou para as telas. — Vamos! Falem logo — pediu, dirigindo-se a Ooch e Bokom. — E depois desapareçam tão depressa como apareceram. Mais tarde conversaremos sobre a idéia esquisita que vocês tiveram. Ooch aproximou-se saltitando. A expressão de triunfo que se notava em seus olhos travessos parecia sincera. Zbron notou e de repente mostrou-se muito interessado. Geco não conseguiu ver. Exercitou sua paciência. — Captamos impulsos mentais. Eram muito fracos e confusos — principiou Ooch depois de algum tempo, quando já se tinha deleitado com a situação. — Conhecemos o modelo destes impulsos. Até que o conhecemos muito bem. Vêm do segundo planeta. Trata-se dos impulsos mentais de Perry Rhodan e do hipno Noir. Não existe a menor dúvida, Geco; nós os encontramos. Geco permaneceu imóvel por algum tempo. Finalmente virou-se lentamente e fitou Ooch nos olhos. Levou alguns longos segundos para compreender que os dois ratoscastores estavam falando sério. Então não era brincadeira! Tinham encontrado Rhodan. Rhodan! Geco saltou da poltrona e caminhou em direção a Ooch. Bateu-lhe no ombro com a pata direita e finalmente abraçou o velho amigo. De tão emocionado que estava, não conseguiu proferir uma única palavra. Algumas lágrimas brotaram de seus olhos castanhos. — Será que não estão enganados? — De forma alguma — afirmou Bokom. — Também captei os impulsos, e mais alguns dos nossos companheiros. Eram impulsos muito fracos, mas temos certeza de que não estamos enganados. O uniter Zbron parecia a calma em pessoa. Não se notava o abalo que um ser humano certamente teria demonstrado numa situação como esta. Rhodan estava vivo! Um morto não emite impulsos mentais. Rhodan acabara de ser encontrado; num planeta de um sol distante e desconhecido, onde jamais se poderia supor que estivesse. — Vamos pousar logo? — perguntou. Geco olhou para, Ooch. — O que acha? — Os impulsos revelavam temor e preocupações, mas também certa confiança. Eram confusos. Talvez seria um erro pousarmos antes de nos livrarmos dos blues. E o planeta desconhecido pode oferecer perigos de que nem desconfiamos. Se Rhodan está lá, deve ter sido levado de alguma forma e por algum motivo. Se a Tramp for destruída, ficaremos todos presos. Ninguém saberá onde estamos. Depois desta longa fala Ooch ficou calado, pois estava exausto. Até então sempre ficara em segundo plano, e agora de repente um comandante pedira sua opinião. Transformara-se numa pessoa importante. Talvez a mais importante a bordo. Biggy ficaria... — O que estão fazendo os blues, Vlck? — A pergunta de Geco trouxe Ooch de volta ao mundo da realidade. Os blues! — A que distância se encontram?

— A distância é variável. Alguns romperam as linhas inimigas e fugiram, mas voltarão quando não houver mais perigo. — Sempre haverá perigo, ao menos aqui. — Geco fez um sinal para Zbron. — Vamos descer. Precisamos encontrar Rhodan ou ao menos dar-lhe um sinal. Deve saber que a salvação está próxima. — Quer que tentemos estabelecer contato telepático com Rhodan? — perguntou Ooch. — Rhodan é um telepata muito fraco, e Noir só é um hipno. Não acredito que consigam estabelecer contato, mas não custa tentar. Usem meu camarote, pois lá estarão sossegados. Preciso ficar na sala de comando para dirigir a operação. Ooch e Bokom desapareceram. O Geco que ficou na sala de comando já não era o mesmo. A idéia de que justamente ele e seus ratos-castores tinham encontrado os desaparecidos e talvez até viessem a salvá-los virou-o pelo avesso numa questão de segundos. Naturalmente ainda estava com medo e receava a morte, mas por nada deste mundo permitiria que alguém percebesse. Além disso a proximidade de Rhodan dava-lhe novo ânimo. Quando a Tramp estava dando mais uma volta em torno do planeta, a nave ficou entre as frentes das unidades que se combatiam. Os blues não tomaram conhecimento da presença da nave esférica, mas também não se desviaram dela. Alguns tiros energéticos foram absorvidos pelos campos defensivos da Tramp. Mais ao lado um cruzador dos blues explodiu é caiu. Quando atingiu a atmosfera do segundo planeta, entrou em combustão. Desapareceu numa nova explosão, deixando para trás somente o brilho apagado de uma nuvem energética. Ooch e Bokom seguravam-se pelas mãos. Como a rato-castor fêmea Hemi também possuía dons telepáticos bastante pronunciados, os dois haviam recorrido a ela. Em conjunto formaram um bloco telepático, aumentando enormemente as possibilidades de transmissão e recepção. — Perry Rhodan! Responda! Recebemos sua mensagem e aguardamos novas instruções! Viemos para levá-los para casa. Proferiram estas palavras em voz alta, para aumentar a intensidade dos impulsos. Depois ficaram na escuta. Nenhuma resposta. Ao menos por enquanto. Não desistiram, mas sempre voltavam a tentar. Depois de algum tempo Ooch disse: — Precisamos reforçar o bloco. Acho que Geco poderia ajudar. — Além disso é melhor que eu veja o lugar ao qual devo dirigir a mensagem. — Bokom acenou com a cabeça. — Não tenho nada contra Geco, mas tenho contra o barulho da sala de comando. — Os uniters saberão calar suas trombas, pois sabem o que está em jogo. — Ooch levantou-se. — Vamos andando. Não podemos perder tempo. Dentro de alguns minutos teremos de atingir novamente o ponto da superfície do planeta do qual vieram os primeiros impulsos. Geco logo se mostrou disposto a participar do bloco telepático. Zbron não fez nenhum comentário. Ele e os demais uniters permaneceram mudos diante dos controles. Sabiam que qualquer palavra que proferissem distrairia os ratos-castores da tarefa que estavam desempenhando. A paisagem foi desfilando pelas telas. No momento não se via sinal das naves dos blues.

— E ali — disse Ooch e apontou para uma das telas. Uma porção de terra surgiu no horizonte de um dos mares, mas os impulsos mentais de Rhodan ainda não puderam ser captados. Em compensação os ratos-castores pensavam intensamente em sua mensagem, repetiam-na constantemente e só faziam ligeiras pausas para a recepção. Geco começou a transpirar. De repente uma coisa muito fraca chamou em seu cérebro. Parecia uma batida tímida numa porta, um tanto incrédula, mas cheia de alegria e de esperança: — Quem vem lá...? Geco irromperem júbilo. — É ele! E seu modelo. Estou reconhecendo. Vamos responder! Mais uma vez expediram sua mensagem em direção ao planeta. Desta vez a resposta veio mais nítida e com maior intensidade: — Quer dizer que finalmente nos encontraram? Estamos vivos, mas encontramonos num perigo grave. Pousem, recolham-nos e decolem imediatamente. É o segundo platô na encosta da montanha. Rápido! Geco enviou outra mensagem e pediu que tivessem paciência. Falou sobre os blues e prometeu que pousariam o mais cedo possível e enviariam uma expedição de busca. Não houve mais nenhuma resposta. O segundo planeta do sol amarelo permaneceu em silêncio. A Tramp continuou a descer e descreveu uma grande curva. Neste exato momento foram atacados por três cruzadores dos blues.

3 Há algumas semanas uma nave dirigida automaticamente tinha levado os seqüestrados para fora das áreas próximas ao centro da Galáxia. Quando se encontrava a cerca de oitenta mil anos-luz da Terra, a nave robotizada tomou a direção de um pequeno sistema solar e pousou no seu segundo planeta. Desembarcou cinco homens e uma mulher chamada Mory Abro num planalto rochoso e voltou a decolar, para desaparecer totalmente nas profundezas do espaço cósmico. Os seqüestrados ficaram completamente indefesos num planeta que parecia desabitado. Mas a primeira impressão era enganadora. O planeta não era desabitado. A raça desconhecida à qual pertencia a nave cilíndrica robotizada há muito tempo já devia ali ter instalado uma base. Mais tarde os fugitivos descobriram os outros nativos. Tratava-se de descendentes de saltadores que há muito tempo tinham realizado um pouso de emergência. Ajudados por eles, conseguiram penetrar na base misteriosa dos desconhecidos, que era vigiada pelos remanescentes de uma raça extinta há muito tempo. Nessa oportunidade Atlan tentou ligar um transmissor automático que pudesse existir por ali, mas acabou ativando um aparelho que na oportunidade ainda era desconhecido, do qual partiram as ondas de choque que atraíram a Tramp e também os blues. Depois de fugirem apressadamente da base contaminada pela radioatividade, Rhodan e seus companheiros retiraram-se para uma das inúmeras cavernas situadas na encosta do planalto. O mar estendia-se no horizonte, mil metros abaixo deles. Não podiam contar com o auxílio dos descendentes de saltadores. Entre os saltadores o sol amarelo era chamado de Simban, enquanto o segundo planeta tinha o nome de Roost. Esta era a situação, no momento em que Rhodan e Noir captaram os impulsos mentais dos ratos-castores. Pela primeira vez depois de semanas de desespero voltou a ser estabelecido contato com amigos, se bem que a presença dos blues representava uma ameaça grave, contra a qual não se podia opor nenhuma resistência. Atlan estava numa alegre exaltação. — Meu Deus, ratos-castores! — Abanou a cabeça. — Poderia esperar qualquer coisa, menos isto. Será que você não se enganou, Perry? — Não há possibilidade de erro, Atlan. Não há dúvida de que os impulsos foram expedidos por três ou quatro ratos-castores, que formaram um bloco telepático. Tomara que tenham recebido minha mensagem e venham nos buscar. A ligação era muito fraca; não sou bom telepata. Bell, que tinha perdido alguns quilos, estava sentado numa pedra junto à entrada da caverna. Mostrava sinais das canseiras dos últimos meses. Mas naquele momento seus olhos brilhavam. — Deve ser Gucky. Quem mais poderia ser? Ele nos encontrou! É inacreditável! — Se fosse Gucky, eu o teria reconhecido — disse Rhodan. — Seu modelo de ondas cerebrais talvez seja o único que eu poderia identificar imediatamente. São ratoscastores, mas Gucky não está entre eles. — Não compreendo. — Nem eu — confessou Rhodan. — É possível que Gucky tenha enviado alguns dos ratos-castores de Marte à nossa procura. Bem que seria capaz disso. Mas seja como

for, o que importa é que eles nos encontraram. Meu Deus, como não devem estar as coisas na Terra...? Atlan saiu para o planalto. Seus braços estendidos apontaram para cima. — Naves... duas... não, são três! Voam devagar, como se procurassem alguma coisa. Será que são eles? Rhodan foi para junto dele, olhou para cima e puxou Atlan para dentro da caverna. — Cuidado, são os blues. Se eles nos descobrirem, a situação poderá tornar-se perigosa. Segure minha mão, André. Precisamos tentar entrar em contato com os ratoscastores. No momento não podem pousar, pois sua nave correria perigo de ser destruída. Dessa forma o único caminho de fuga que nos resta seria cortado. No início seus esforços não deram resultado, mas, quando já se tinham passado quase trinta minutos, começaram a chegar impulsos fracos e incompletos. Noir e Rhodan tiveram dificuldade em estabelecer uma ligação entre os mesmos. ...Ataque dos blues... pouso impossível... ficar escondidos... esperem... — Vocês nos entendem? Respondam! Precisamos estabelecer uma ligação constante. E muito importante! Não houve resposta. Dali a alguns segundos duas naves dos blues passaram a pouca altura sobre o planalto, em direção às três pirâmides, embaixo das quais ficava a base dos desconhecidos. Um canhão automático começou a disparar contra os blues. As naves retiraram-se imediatamente para uma altitude mais segura. — Aqui estamos presos mesmo — disse Bell. — Por enquanto estamos livres, o que é muito importante — objetou Rhodan. — E a salvação está próxima. — Mas ela se torna bem difícil, Perry. Se não fossem os blues, já poderíamos estar viajando em direção à Terra. Rhodan confirmou com um gesto. Era claro que Bell tinha razão, mas acontecia que os blues tinham sido atraídos pelos mesmos sinais que os ratos-castores. Se Atlan não tivesse posto em funcionamento o misterioso transmissor, nem os blues nem os ratoscastores teriam tido a idéia de dirigir-se ao sol Simban ou de pousar em Roost. — Quem dera que ao menos tivéssemos um rádio — resmungou o enorme Melbar Kasom, contrariado. — Onde existem naves dos blues, também há unidades do Império por perto. O aparecimento dos ratos-castores é a melhor prova disso. — Pode ser uma coincidência. — Rhodan avançou cautelosamente um passo e olhou para o platô abandonado. Não viu nenhum movimento. A oeste, ao sul e a leste estendiam-se enormes florestas com extensos lagos e pântanos. Ao norte erguia-se uma cadeia de montanhas entrecortadas. — Daqui a algumas horas vai escurecer, e é possível que aí tenhamos uma chance. Que pena que a comunicação com a nave não funciona melhor... A situação podia ser tudo, menos agradável. Durante o último encontro com os guardiões das pirâmides tinham perdido seu equipamento e suas armas. A única coisa que lhes restava eram as roupas e as facas, além de algumas rações de alimentos concentrados. Isso não bastava para travar uma guerra, ainda mais com os cruzadores fortemente armados dos blues, que se interessavam por tudo que acontecesse em sua área de interesse. Rhodan deu um salto para trás. — Cuidado! Estão atacando as pirâmides. Protejam-se!

A advertência seria desnecessária. Os outros já tinham visto os três cruzadores disformes dos blues descerem do céu, voarem a pequena altura sobre o planalto e tomarem a direção das pirâmides. Abriram fogo quando ainda se encontravam a alguns quilômetros. Gigantescos feixes energéticos precipitaram-se sobre as pirâmides e envolveramnas em nuvens de gases incandescentes. Crateras surgiram na rocha, e uma lava viscosa entrava nas depressões do solo, lançando bolhas. Depois disso as naves desapareceram. — Sem dúvida voltarão — avisou Rhodan ao ver que Bell pretendia sair. — Precisamos ficar aqui e aguardar os acontecimentos. Os ratos-castores certamente voltarão a chamar. Devo dizer que são muito cautelosos. Quase chegam a ser cautelosos demais. — Se fosse você, não acusaria o comandante — disse Atlan em voz baixa. — Ele deve saber o que está em jogo. Rhodan sorriu. — Longe de mim acusar quem quer que seja, Atlan. Seja quem for a pessoa que comanda a nave, ela deve ter bons motivos para retardar a operação de salvamento. Talvez esteja esperando que anoiteça. As horas foram-se arrastando, até que finalmente o sol amarelo baixou a oeste em direção à coberta verde da mata. Os blues tinham atacado as pirâmides mais duas vezes. Os canhões automáticos ocultos continuavam a responder ao fogo. Rhodan e seus amigos estavam sentados nas profundezas da caverna, esperando. Começou a escurecer. Neste momento mais um contato mental foi estabelecido com os participantes da operação de salvamento. Desta vez Atlan participou do fraco bloco formado por Rhodan e Noir. Talvez fosse por causa disso que os impulsos se tornaram mais intensos e mais fáceis de serem captados. Os ratos-castores pareciam entendê-los melhor. Pelo menos surgiu algo parecido com uma conversa. ...chamando Rhodan! Responda, por favor... só dispomos de alguns minutos... — Entendido. O que houve? Quando pretendem pousar? A resposta foi rápida e perfeitamente compreensível: — Impossível pousar! Somos perseguidos ininterruptamente pelos blues. Tentaremos enviar um jato espacial ou pelo menos um planador. Desviaremos a atenção dos blues e iremos buscá-los. — Não se esqueçam de trazer armas e equipamentos. Não temos mais nada. — No planador há de tudo. Precisamos terminar. Os blues... Neste ponto a comunicação foi interrompida. — Já é alguma coisa — observou Bell e pôs a mão no bolso, à procura de um cubo de alimento concentrado. — Só me sentirei bem quando perceber o peso de uma arma energética pesada no cinto. Ou quando estiver na nave. — Se fosse o senhor, não me alegraria tanto com esta idéia — observou Kasom com um sorriso. — Por que não? — indagou Bell. Kasom continuava a sorrir. — Porque seremos salvos por um grupo de ratos-castores, senhor Bell. Já imaginou o que eles vão fazer com o senhor? Se me lembro do que Gucky andou fazendo com o senhor quando tiveram uma briguinha, a idéia de nos defrontarmos com três ou quatro ratos-castores deixa-me apavorado. Vão desmontá-lo. Bell exibiu um sorriso forçado.

— Veremos. Acontece que nem todos os ratos-castores são tão sem-vergonhas como Gucky. Fico admirado porque ele não participa da expedição. O velho camarada deve estar de férias. Bell não se sentiria tão confiante se soubesse que outros ratos-castores eram muito mais sem-vergonhas que Gucky. *** Naquele momento Geco poderia ser tudo, menos um sem-vergonha. Há várias horas a Tramp não fazia outra coisa senão fugir. Às vezes eram somente duas, outras vezes eram quatro ou cinco naves dos blues que ficavam no seu encalço. Não quiseram atirar diretamente contra ela, mas tentaram levar a Tramp à superfície para obrigá-la a pousar. Se não fosse isso, a Tramp já teria deixado de existir. — Estão com medo — disse Geco, dirigindo-se a Zbron e procurando dar um tom confiante à voz trêmula. — Esquivam-se de uma luta honesta. Vamos atacar, Zbron. O uniter não era da mesma opinião, e tinha bons motivos para isso. Sabia perfeitamente que os blues faziam questão de descobrir o que a nave terrana viera fazer nesse sistema afastado. Talvez também estivessem interessados em conhecer a causa dos estranhos impulsos de choque que haviam atraído todos para cá. Achava que o ataque seria uma tolice. E disse a Geco. O rato-castor fez de conta que ficou contrariado, mas na verdade mal conseguiu dissimular o alívio que sentia por poder continuar a fugir sem prejudicar seu prestígio, que só existia em sua fantasia. Ooch, Bokom e Hemi acabavam de estabelecer contato pela última vez com Rhodan. Geco prometera enviar um veículo, o que era mais fácil de dizer que de fazer. — Um jato espacial levará pelo menos cinco minutos — informou Zbron. — Nesses cinco minutos poderíamos pousar e recolher Rhodan. É bem verdade que nesse caso os blues ficariam mesmo grudados em nossos calcanhares. — Que tal um planador? O planador era um veículo de esteira de dez metros de comprimento, que podia voar. Era bem verdade que não se prestava para o vôo espacial. Mas podia manobrar perfeitamente na atmosfera de um planeta e era considerado perfeitamente seguro. Possuía esteiras com unidades propulsoras acopladas. Em seu interior havia armas, equipamentos e ferramentas de todos os tipos, além de uma reserva de mantimentos capaz de alimentar a tripulação por várias semanas. — Por que justamente um planador? Zbron levantou-se e entregou os controles a Brcl. — É muito simples, Geco. Um planador pode ser colocado fora da nave numa questão de segundos. Não perdemos tempo e não provocamos suspeitas entre os blues. Continuarão a perseguir-nos, sem notar a sua saída. Poderá pousar e recolher Rhodan. Com ele poderão dirigir-se a um lugar relativamente seguro. Mais tarde, quando o perigo tiver passado, nós os recolhemos. Além disso o planador possui rádio. Finalmente poderemos estabelecer comunicação verbal. — Quem vai dirigi-lo? — Os controles desse veículo são muito simples. Tenho certeza de que qualquer uniter seria capaz de pilotá-lo. Geco fez um gesto de estranheza. — Você deve saber que só podemos cogitar de um rato-castor. Afinal, fomos nós que tivemos a iniciativa da expedição e conseguimos levá-la avante. Quem encontrou

Rhodan foram os ratos-castores, e por isso nós o salvaremos. Bokom pilotará o veículo. Entendido? — Tudo bem. Tomara que ele saiba. Bokom sabia. Foi ao menos o que ele disse. — É claro que sei pilotar um planador! Aprendemos em Marte, pois isso fazia parte do treinamento. Foi muito divertido correr com aquilo pelos desertos e fazer saltos pelo ar. Até chegamos a fazer excursões... — Desta vez não será uma excursão — ponderou Zbron. — Seja como for, sei lidar com isso — concluiu Bokom. — Hemi o acompanhará. Vocês combinam. — Geco caminhava todo empertigado pela sala de comando e elaborou seu plano de batalha. — Desceremos ainda mais com a Tramp e faremos várias mudanças de rota ao acaso. É bom que os blues acreditem que estamos procurando um local para pousar. Desta forma não nos incomodarão. Lá embaixo já é noite. Rhodan e seus homens estão numa caverna. Os blues nem perceberão quando o planador sair da nave. Aí será sua vez, Bokom. Pouse o mais depressa possível e encontre Rhodan. Desviaremos a atenção dos blues. Mais tarde entraremos em contato pelo rádio e então veremos o resto. Deve haver uma possibilidade de recolher vocês e dar o fora. Neste ponto não posso deixar de concordar com Zbron. Não será uma fuga, mas um golpe tático. Entendido, Bokom? E você, Hemi? Os dois ratos-castores fizeram um gesto de assentimento. A manobra foi iniciada. Foi mais difícil do que Geco acreditara. Quando perceberam que a Tramp aparentemente procurava um local para pousar, os blues aproximaram-se e cercaram a nave de vez. O fogo ocasional foi suspenso, mas alguns holofotes potentes acenderam-se e mergulharam a Tramp, que se deslocava em baixa velocidade, numa luz ofuscante. Naquele momento seria impossível fazer sair o planador. Geco praguejou contra os blues. — Deviam ser todos mortos, esses cabeças chatas de pêlo azul! Estão estragando minha operação de salvamento. Se continuarem assim, nós os atacaremos e destruiremos. Não se deveria ter tanta consideração com uns tipos como estes. Zbron pigarreou e agitou nervosamente a tromba. — Primeiro não podemos atacar os blues, porque são muito mais fortes que nós, e depois, no momento estão se comportando muito bem. Tenho certeza de que abrirão fogo imediatamente se os atacarmos ou tentarmos fugir — e isso será nosso fim, Geco. Será que você ainda não sabe? A coragem é uma coisa bonita, mas quando ela beira à loucura, não estou mais nessa. — Sou corajoso, mas não sou louco — declamou Geco em tom orgulhoso. — Hum — fez Zbron. Brcl, que estava sentado a seu lado, nem procurou dissimular seu sorriso. Geco fez como se não tivesse visto. Ligou o intercomunicador e chamou Bokom, que já estava sentado junto aos controles do veículo aéreo, juntamente com Hemi. — Pronto, Bokom? — Estou pronto há muito tempo. Quando partiremos? — Mais um instante, Bokom. Primeiro precisamos livrar-nos de alguns blues curiosos que estão lá fora. Só falta uma manobra desviacionista bem bolada, e vocês receberão o sinal. Assim que a escotilha se abrir, vocês devem rolar para fora e deixar-se cair. Só detenham a queda pouco acima da superfície e procurem estar logo nas proximidades da caverna. Rhodan e seus companheiros devem entrar logo, e então tratem

de voltar para a Tramp o mais depressa possível, isto naturalmente se ainda estivermos por aqui. Se não estivermos, escondam-se no mato. Fiquem o mais perto possível da superfície e não deixem que eles os vejam. O receptor deve ficar ligado. Entendido? — Nunca houve nada que eu não entendesse — respondeu Bokom em tom arrogante. Geco estremeceu levemente. “Você não perde por esperar.”, pensou. “Lá fora você vai falar mais fino, seu velho presunçoso.” Zbron fez a Tramp correr em disparada sobre montanhas, florestas, e planícies. Fora dos feixes de luz projetados pelos holofotes reinava a escuridão. Vlck, que estava a seu lado, calculava as posições. — Daqui a pouco atingiremos o planalto em que fica a caverna e as pirâmides. — Quanto tempo levaremos? — Cerca de dois minutos. Zbron fez um sinal para Brcl. — Reduza um pouco a velocidade. Atenção, que o terreno está subindo. Aproximamo-nos da encosta sul do planalto, onde fica a caverna. O planador dificilmente poderá pousar lá. Siga para o norte. Geco, está quase na hora. Geco já sabia. Olhava para os microfones, enquanto sua pata direita empurrava nervosamente o microfone do intercomunicador de um lado para outro. No seu íntimo sentia-se bem satisfeito por não ser obrigado a entrar no planador e descer para a superfície do planeta desconhecido, mas invejava Bokom e Hemi porque os mesmos teriam um encontro com Rhodan. Não desfrutaria este momento de grande triunfo. Em compensação estaria mais seguro na Tramp. Enquanto refletia se a vantagem realmente compensava a desvantagem, o momento decisivo ia chegando. Zbron fazia a contagem dos segundos, enquanto prestava atenção às naves dos blues. Não poderia enganá-las por muito tempo. O planador teria de pousar antes que eles desconfiassem. A grande escotilha de carga abriu-se. Bokom, que alteara o assento para enxergar melhor os controles, empurrou a alavanca para a posição de partida. O motor entrou em funcionamento. O veículo começou a movimentar-se lentamente, rolou por cima da moldura da escotilha de carga e desceu em queda livre em direção à superfície do planeta. Foi tudo tão rápido que ele permaneceu no máximo meio segundo na luz dos holofotes. Logo desapareceu na escuridão. A Tramp prosseguiu em seu vôo, acelerou e voltou a subir. Os blues desligaram os holofotes e partiram para um ataque furioso. Uma única nave mudou de rota. Dirigiu-se para o planalto e lançou algumas bombas atômicas sobre a estação das pirâmides. Crateras enormes formaram-se e o brilho avermelhado da lava incandescente iluminou a noite num círculo amplo. *** — Vamos! Comece logo — piou Hemi, assustada. — Deixe por minha conta — respondeu Bokom. — Acha que não sei manobrar um veículo como este? Lembro-me de que certa vez em Marte caímos de uma altura de dez quilômetros e não conseguíamos colocar o motor em funcionamento...

— Não quero saber de Marte! — Hemi estava furiosa e assustada ao mesmo tempo. — Quero que faça um pouso seguro, para não quebrarmos o pescoço. Bokom examinou as escalas e os controles fracamente iluminados. — Ainda faltam dois quilômetros para atingirmos a superfície. Os blues desapareceram; não nos viram. Conseguimos, Hemi! Pronto — agora lhe mostrarei como um piloto decente coloca isto no chão. Os campos antigravitacionais detiveram a queda, freando o planador. A luz das crateras incandescentes que se encontravam ã alguns quilômetros de distância era tão intensa que dentro de alguns minutos viram a superfície do planalto. O pouso foi tão suave que quase não se notou nenhum abalo. Bokom fez um gesto de admiração. — Que piloto formidável você é, Bokom. Foi um pouso notável. Gostei de ver, Bokom. Hemi olhou-o de lado e ficou calada. Provavelmente se teria espantado se a reação de Bokom tivesse sido diferente. O veículo foi deslizando alguns centímetros acima da superfície. Seguiu para o sul, na direção da encosta. Não se conhecia a posição exata do esconderijo de Rhodan, mas apenas a situação aproximada. Depois de alguns minutos o terreno começou a baixar. Era o início da encosta que levava à planície. Bokom reduziu a potência do motor e parou. Finalmente desligou a propulsão. Viram-se envolvidos pelo silêncio. Lã fora a noite os esperava. A luz mortiça da lava incandescente ficava no alto e não podia chegar ao lugar em que se encontravam. Os microfones exteriores não revelaram nada. Bokom preferiu não ligar os holofotes, pois isso poderia atrair a atenção dos blues. Tudo dependia de que encontrassem o mais depressa possível Rhodan e seus amigos, os recolhessem e dessem o fora. Lá embaixo, na floresta, a visibilidade não era tão boa, e por isso mesmo havia mais segurança. — Estou captando impulsos mentais! — disse Hemi de repente, toda tensa. — Devem estar bem perto... — É Rhodan? — Não; talvez seja Noir. Ou Bell. — De qualquer maneira, não são os blues ou um grupo de seres desconhecidos. Procure enviar uma resposta. Por mais que Bokom se esforçasse para romper a escuridão com a vista, não conseguiu. Era possível que uma piscadela dos holofotes fosse suficiente para chamar Rhodan, mas Bokom preferiu não arriscar. Se os blues o vissem, estaria tudo perdido. Resolveu conformar-se com a espera. Talvez Hemi conseguisse estabelecer contato antes que fosse tarde. — Então? Que me diz? — Estão à nossa procura e encontram-se bem próximos. Dê-lhes um sinal. Não estão captando meus impulsos, porque não formaram nenhum bloco. São telepatas muito fracos para agir isoladamente. — Rhodan é o único telepata entre eles — corrigiu Bokom em tom pedante. — Vamos, dê um sinal. Rápido! — Gostaria de saber por que não têm mais nenhum rádio. Talvez estejam todos quebrados. — Seja como for, eles não têm.

“Nesta situação a telecinesia não adianta nada”, pensou Bokom, amargurado. “Bem que gostaria de saber teleportar-me que nem Gucky ou Geco. Nesse caso saltaria para fora da nave e vasculharia a área. Se surgisse algum perigo, poderia dar o fora imediatamente.” — Os impulsos estão ficando mais fortes — disse Hemi de repente. — Estão bem perto. Estão à nossa procura. Vamos, abra a escotilha. Vou sair. “Hum, seria uma saída”, pensou Bokom egoisticamente. Não formulou nenhuma objeção. Acionou os controles e a escotilha lateral abriu-se. Uma escada estreita saiu dali. Hemi não perdeu tempo. Segurando a arma energética na mão direita, saiu para a noite escura. Logo se arrependeu de sua coragem. Havia ruídos estranhos na escuridão. Isso mesmo; ruídos. Alguém rastejava em sua direção. Mas esse alguém não era um inimigo. Os impulsos mentais tornaram-se mais nítidos. Formavam uma tremenda confusão. Finalmente Hemi compreendeu que estava captando os pensamentos de vários indivíduos e não conseguia separá-los. — Perry Rhodan...? — piou, com a voz tímida. O ruído de passos cessou de repente. E os pensamentos mudaram. Exprimiam espanto e uma súbita esperança. Finalmente ouviu-se uma voz vinda de algumas dezenas de metros de distância. — Sim. Quem está lá? Hemi respirou aliviada. Saltou do planador e saiu correndo na direção da qual viera a voz. Gritou o mais alto que pôde: — Aqui! Estamos aqui! Depressa! Os passos tornaram-se mais apressados e uma luz pequenina acendeu-se por alguns segundos. A débil luminosidade parecia ser suficiente para a pessoa que acionara a fonte de luz. — Até que enfim! Quando as sombras apareceram à sua frente, Hemi ficou parada. Sabia que acabara de encontrar Rhodan e seus companheiros, mas eram seis, e não apenas cinco. Havia uma mulher entre eles. Rhodan parou. Abaixou-se. Segurou Hemi e levantou-a. Colocou-a perto de seu rosto, que quase não se podia distinguir. — Qual é seu nome? — perguntou em voz baixa e quase carinhosa. — Hemi, meu nome é Hemi. Bokom nos espera na nave. Temos de andar depressa, Per... senhor... Rhodan deu uma risada. — Pode chamar-me de Perry, Hemi. Estou acostumado a receber este tratamento, ao menos dos ratos-castores, que são todos meus amigos. As pessoas que me acompanham são Mory Abro, Atlan, Bell, Noir e Kasom. Mas você tem razão. Não podemos perder tempo. Carregou Hemi até o planador e colocou-a cuidadosamente no chão. Entrou na cabina atrás dela. Os outros seguiram-no o mais depressa que puderam. A escotilha fechou-se com um baque surdo. — Bokom? — perguntou Rhodan e sentou na poltrona que ficava junto aos controles, ao lado do rato-castor. Estendeu-lhe a mão e acariciou seu pêlo.

— Acho que é um bom sinal que os primeiros amigos com quem nos encontramos são justamente dois ratos-castores. Quem os mandou? — O Almirante Geco — disse Bokom, enfatizando as palavras. — Teria vindo pessoalmente, mas cabe-lhe cuidar da segurança da Tramp e de seus ocupantes. Por isso resolveu enviar-me juntamente com Hemi. Quer que decolemos agora, ou vamos esperar mais um pouco? — Vamos esperar. O Almirante Geco? Nunca ouvi falar nele. Desde quando um almirante comanda uma pequena nave de patrulhamento? Muita coisa deve ter mudado depois de nosso desaparecimento. — Sim, muita coisa mudou — confirmou Bokom e acrescentou: — O Almirante Geco nunca tinha comandado uma unidade. Nem nós. Gucky permitiu que fizéssemos a expedição — com o consentimento de Tifflor, naturalmente. Rhodan compreendia cada vez menos. — Quer dizer que Gucky permitiu a expedição? E um almirante teve de pedir permissão a Gucky? — O Almirante Geco também é um rato-castor. Ouviu-se um gemido baixo. Alguém deu uma risada. Bell aproximou-se dos controles. Seu rosto era irreconhecível na escuridão. — O comandante da nave é um rato-castor? — perguntou para certificar-se. — Será que o resto da tripulação também é? — Só a terça parte — respondeu Bokom em tom sério para tranqüilizá-lo. — O resto é formado por uniters e Willys. Quer que decolemos? — Vamos esperar mais um pouco. — Rhodan e Bell precisavam de tempo para digerir a estranha notícia que acabavam de receber. Além disso Rhodan não julgava recomendável decolar sem orientação prévia e possivelmente se colocar no caminho dos blues. — Você poderia entrar em contato com a Tramp? — Vou tentar. Tomara que Stozi esteja sentado na frente dos aparelhos. Bell voltou a aproximar-se. — Stozi? — Deu uma risada. — Os ratos-castores têm cada nome esquisito! — Stozi é um uniter — retificou Bokom em tom objetivo e começou a chamar a Tramp. — O nome Bell também não é muito distinto. Bell retirou-se sem comentário. Começou a imaginar que teria muitos contratempos pela frente. Vinte ratos-castores ao mesmo tempo. Tomara que escapasse são e salvo! A Tramp respondeu. — Aqui fala Stozi. Impossível recolher o planador. Estamos sendo perseguidos e não conseguimos sair por um segundo que seja dos rastreadores deles. Desviamos a atenção dos blues. É só o que podemos fazer. Escondam-se nas florestas que ficam ao sul do planalto. Mais tarde os procuraremos. Boa sorte. A ligação foi interrompida antes que Bokom tivesse tempo para confirmar o recebimento da mensagem. Kasom suspirou. — Continuamos quase na mesma. Ainda estamos num beco sem saída. — Kasom, o senhor é um ingrato — disse Rhodan. — Temos um planador e o equipamento completo. Isto é importante, especialmente para o senhor, que pode voltar a comer à vontade. Se necessário podemos fugir, e temos um alojamento fixo. E ainda há outro detalhe. Fomos localizados por uma nave terrana. Se isto não é uma melhoria, então não sei de mais nada.

— Isso mesmo — confirmou Atlan. — A observação que o senhor acaba de fazer deve ofender as pessoas que nos salvaram, Kasom. Kasom retirou-se para os fundos da grande cabine. Parecia um pouco ressentido. — Não costumamos guardar rancor — piou Hemi. — Além disso, o grande homem poderá apresentar suas queixas diretamente ao Almirante Geco. Vai ouvir umas boas. Rhodan inclinou-se sobre Hemi. — Esse Geco deve ser um grande herói, não é mesmo? — É sim — confirmou Hemi. Compreendeu que os seres humanos continuavam a cometer o erro de formar um juízo coletivo sobre cada raça. Um rato-castor não podia cometer nenhum erro, a não ser que quisesse prejudicar a fama de todos os ratos-castores. Por isso mesmo Geco era um herói. — Quando decolamos, já sabia que nós os encontraríamos. — Ótimo, ótimo — elogiou Rhodan, que compreendia as intenções de Hemi, mas não deixou que ela o percebesse. Se havia alguém que conhecia os ratos-castores, era ele. — Providenciarei para que todos os tripulantes da Tramp sejam condecorados. — Fez uma pequenina pausa. — Acontece que por enquanto ainda não estamos salvos. — Talvez seria recomendável aproveitar a escuridão — sugeriu Bell. Foi para perto de Rhodan. Como que por acaso colocou a mão suavemente no ombro de Hemi. — Já que no momento a Tramp não nos pode recolher, devemos evitar que os blues nos descubram. Já estão desconfiados de que há algo de errado por aqui. Até é possível que saibam que estamos neste planeta. — É bem possível, embora não possa imaginar quem lhes terá contado. De qualquer maneira você tem razão. Bokom, continue na superfície e siga cuidadosamente para o sul. O terreno apresenta um declive não muito forte; mas existem grotas e despenhadeiros. Se avançarmos bastante para o sul, atingiremos as florestas. São pantanosas, mas as árvores enormes podem servir de proteção. Os blues dificilmente nos descobrirão por lá. — Para a Tramp também será difícil — ponderou Kasom. — Podemos usar o rádio — lembrou Rhodan em tom delicado. Bokom tinha consciência da responsabilidade que pesava sobre ele. Embora fosse menos egocêntrico que Geco, sempre era um rato-castor, e por isso não perdia nenhuma oportunidade de prestar um serviço a si mesmo e à sua raça. Se ajudasse os terranos, estaria fazendo exatamente isso. A gratidão deles seria o maior elogio. E para o ratocastor a impressão de se ter tornado indispensável para os terranos era um motivo de satisfação. Ligou o sistema de locomoção por esteiras. Estava cercado de todos os lados por pesadas paredes protetoras à prova de radiações, motivo por que a localização do veículo por meio de rastreadores era praticamente impossível. Ouviu-se um leve zumbido embaixo do piso da cabine. O veículo vibrava. — Para o sul? — perguntou Bokom para ter certeza. — Quer que me encarregue da direção? — perguntou Rhodan. — Você deve estar cansado, Bokom. Bokom empertigou-se. — Não estou cansado. Darei conta do serviço. E uma pena que não podemos ligar nenhuma luz. Viajaremos às cegas. Se de repente aparecer um despenhadeiro à nossa frente... — Este veículo é um planador — lembrou Rhodan. — Você deve regular o sistema de propulsão aérea de tal maneira que o veículo perca quase todo o peso. Se houver uma

grota não cairemos, mas flutuaremos por cima dela na mesma altitude. Nos pântanos agiremos da mesma forma. Geco teve uma excelente idéia ao enviar-nos um planador. O veículo deslizava lentamente pela noite. Quando tinha percorrido algumas centenas de metros, viu-se o clarão ofuscante de várias explosões no planalto. Três ou quatro naves dos blues voltaram a atacar a estação. Seus canhões energéticos disparavam salva após salva contra as três pirâmides, deixando-as completamente arrasadas. Se ainda houvesse sobreviventes nas instalações subterrâneas, eles dificilmente teriam uma chance de escapar ao inferno. Os ocupantes do planador não podiam ver o que estava acontecendo lá em cima no planalto. Ainda bem, pois nunca saberiam explicar por que os blues atacavam com tanta fúria e obstinação. Talvez nem os próprios blues soubessem. Precipitaram-se sobre os poucos canhões automáticos que ainda estavam atirando e silenciaram sistematicamente um após o outro. Crateras gigantescas foram abertas na rocha, e a lava endurecida deformou a paisagem. — Olhem! — Rhodan apontou para a direita. Um paredão de rocha inclinado para fora distinguiu-se no clarão das bombas. — Rápido, Bokom. Ali não poderemos ser vistos de cima. Se uma nave seguir por acaso em nossa direção estaremos perdidos, a. não ser que consigamos esconder-nos. Bokom já tinha compreendido. Com a mão segura dirigiu o veículo para baixo da rocha saliente e desligou o motor. O silêncio fazia bem, mas por outro lado tornava mais nítidos os ruídos da batalha de extermínio que se travava nas proximidades. Kasom encontrou o depósito de mantimentos. A cabine estava suficientemente iluminada para que se reconhecessem todos os detalhes. Noir e Mory Abro sentaram num banco à frente de Kasom. Bell mastigava com a boca cheia e supria Rhodan, que dividia seu alimento com Atlan. Os dois ratos-castores dispensaram a alimentação. Estavam sem fome. Ao menos não tinham vontade de comer conservas. Aos poucos o barulho que vinha de fora foi diminuindo. Os blues pareciam satisfeitos com o resultado de sua missão e começaram a retirar-se. Uma das naves passou bem baixo sobre o esconderijo do planador. Estava com os holofotes ligados e seus canhões certamente estavam prontos para atirar. Finalmente desapareceu para o lado do sul e mergulhou embaixo da linha do horizonte. Bell bateu na barriga. — Agora já me sinto melhor. Quanto tempo faz que não comemos à vontade? — Faz uma eternidade! — disse Kasom com um gemido e enfiou na boca tudo quanto era alimento em que conseguia pôr as mãos. Estava dizimando as provisões numa proporção alarmante. — Para mim nada mais importa. — Mas nós nos importamos quando o senhor devora tudo — gritou Bell, verdadeiramente preocupado. — O que temos aqui são rações de emergência, meu caro. — Prezado senhor Bell — retrucou Kasom, todo compenetrado. — Não se esqueça de que há uma dama entre nós. Faça o favor de moderar sua linguagem vulgar. — Se por aqui existe alguém que deve praticar a moderação... — principiou Bell, mas logo se calou em meio a um gesto de pouco-caso. Sorriu para Mory Abro e pegou mais uma conserva. Bastou comprimir o botão bem visível e o conteúdo da conserva, que cheirava a condimentos deliciosos, começou a fumegar assim que a tampa foi levantada. Bell soltou a colher presa à lata e começou a comer. — Nada mau — resmungou, satisfeito. — Quem tem um pouquinho de inteligência é capaz de matar-se de tanto comer.

— O que vamos fazer com dois cadáveres a bordo? — perguntou Atlan com uma risada. Notava-se a sensação de alívio que todos estavam experimentando. As longas semanas e meses de incerteza fatalmente teriam que deixar seus vestígios em Bell e também nos outros. A tensão desapareceu. A salvação era iminente. Nem mesmo os blues seriam capazes de impedi-la para sempre. Rhodan comeu calmamente, sem a menor pressa. Deleitava-se com cada pedaço de comida, demonstrando uma verdadeira devoção, que exprimia melhor que muitas palavras o que estava sentindo. Bokom, que estava sentado a seu lado, informou-o em voz baixa sobre os acontecimentos que se tinham verificado em sua ausência na Terra e na Via Láctea. O rosto de Rhodan não revelava o que se passava dentro dele. O desmoronamento da Aliança Galáctica não parecia abalá-lo. Quando Bokom contou que os aconenses tinham assumido o controle do império dos arcônidas, Rhodan fitou prolongadamente o arcônida. O imortal retribuiu o olhar — e continuou a comer. — Tifflor concentrou todas as forças na região do Sistema Solar. Dessa forma a Terra ficou protegida contra qualquer ataque. Há mais de mil expedições à sua procura. Rhodan acenou com a cabeça. — E justamente vocês, os ratos-castores, conseguiram. — Inclinou-se em direção a Bokom. — Você nem imagina o quanto isso me deixa contente. — Você fica contente por termos sido nós? — Isso mesmo. Não existe ninguém a quem eu deseje tanto este sucesso como a vocês. Até agora a sua raça sempre foi representada exclusivamente por Gucky, mas daqui em diante muitos nomes serão pronunciados pelos homens com alegria, gratidão e orgulho. Rhodan afastou a lata vazia com a mão e olhou para o crepúsculo. As crateras incandescentes tinham se extinguido há muito tempo ou então sua luminosidade era abafada pela luz dos primeiros raios de sol refletidos. A claridade começou a espalhar-se no céu. Dali a pouco seria dia. Atlan veio para a frente. — Mory está dormindo — disse em voz baixa. — Talvez seria preferível que não seguíssemos para a frente, mas esperássemos aqui mesmo. Os blues dificilmente voltarão. Em compensação a Tramp saberá onde encontrar-nos. — De qualquer maneira vamos fazer uma pausa prolongada. — Rhodan acenou várias vezes com a cabeça. — Acho que todos devemos dormir um pouco. Basta que um de nós fique acordado. — Posso ficar de sentinela — disse Bokom. Dali a pouco raiou o dia. Quando os primeiros raios de sol atingiram a rocha nua e a claridade passou a espalhar-se rapidamente, as pessoas que acabavam de ser salvas estavam deitadas nos bancos confortáveis da cabine e dormiam. Bokom e Hemi estavam sentados à frente dos controles. Velaram o sono daquelas criaturas exaustas, embora também estivessem tão cansados que mal conseguiam ficar com os olhos abertos. As horas foram-se arrastando.

4 Isso não acontecia com Geco. Também se sentia muito cansado, tal qual a maioria dos tripulantes da Tramp, que passara a ser uma nave em fuga constante. Estava sendo caçada incessantemente pelos blues, mas estes não lançavam nenhum ataque sério nem atiravam para valer. Tornava-se cada vez mais evidente que os blues supunham que na nave perseguida houvesse alguma coisa valiosa de que queriam apoderar-se. Zbron fora substituído por Brcl. O uniter mostrou-se incansável, dirigindo a nave com grande habilidade sem afastá-la muito do planeta. A recepção ficou ligada, para que um eventual pedido de socorro de Bokom fosse ouvido imediatamente. Mas o planador não dava sinal de vida. Além disso Brcl nem saberia o que poderia fazer para ajudá-lo. Bastava a forma pela qual os blues caçavam a Tramp. Se além de tudo descobrissem as pessoas que acabavam de ser salvas, seria uma catástrofe. A Tramp estava sendo seguida por duas naves em forma de torpedo, que tentavam obrigá-la a descer à superfície do planeta. Mas Brcl sempre soube desviar-se e ganhar altitude de novo. Alguns tiros energéticos tinham danificado o casco da Tramp, mas o sentido de direção da nave não foi afetado pelas avarias. — Assim nunca teremos oportunidade de recolher o planador sem que eles percebam — disse Geco, esfregando os olhos. — Devemos atraí-los para o espaço e voltar de repente para recolher Rhodan. Não vejo outra possibilidade. Brcl piscou os olhos. — Poderíamos atacar os blues. Suas armas são fracas, enquanto nossos campos defensivos são fortes. Não teria a menor dúvida em enfrentar duas naves deles. — Fico satisfeito porque não nos fazem nada — exclamou Geco sem refletir. — Acontece que deste jeito não conseguiremos nada. Além disso há mais de duas naves. Se nós as liquidarmos uma após a outra, teremos uma chance. No momento esqueceram o conflito que lavrava entre elas. Mas se resolverem unir-se para atacar-nos ao mesmo tempo, estaremos liquidados. — Hum — resmungou o rato-castor e refletiu seriamente se a sugestão do uniter não poderia representar o fim de sua carreira. — Você acha mesmo que estamos em condições de destruir dois inimigos sem expor-nos a um perigo? — Não tenho a menor dúvida. Os blues não têm blindagens de molkex; ao menos as duas naves que estão ali. Veja como são descuidados. Uma salva bem aplicada, e as duas naves serão transformadas em sucata. A tentação era grande. Nem mesmo Geco podia negar isso. As duas naves-torpedo mantinham-se sempre à mesma distância. Certamente tinham sido incumbidas de vigiar a Tramp e evitar que ela fugisse. E as outras naves dos blues...? Enquanto isso as outras naves pousam no planeta e podem descobrir o planador — apressou-se Geco em dizer. — Temos de evitar que isso aconteça. Outro uniter ocupava o lugar de Vlck junto aos rastreadores. Fez novas regulagens e passou a concentrar-se principalmente naquilo que estava acontecendo lá fora, no espaço. De repente virou-se e começou a falar. Sua tromba estava enrolada e ficara branca de susto.

— Há naves — uma frota inteira. Acabam de retornar ao universo einsteiniano e aproximam-se do sol com sessenta por cento da velocidade da luz. Deverão chegar dentro de algumas horas, a não ser que voltem a aumentar a velocidade. — Uma frota? — Uma ligeira esperança vibrava na voz de Geco. — Que frota é esta? Quem sabe se não são... — Não! — O uniter balançou a tromba de um lado para outro. — São os blues. Não existe a menor dúvida. — Blues! — O corpo de Geco amoleceu. O medo de morrer esfriou seu coraçãozinho e de repente compreendeu que se metera numa coisa grande demais para ele. Queria ser um herói, um modelo para todos os homens e ratos-castores, e principalmente para Gucky. Queria ser valente e arrojado. Mas nunca tivera a intenção de morrer como herói. Brcl levantou-se e foi para perto do navegador. Olhou para as telas do rastreador e certificou-se de que realmente uma frota de naves de vários tipos aproximava-se do sistema solar em que se encontravam. Sem dúvida vinham para ajudar a vanguarda. Outra tela acendeu-se. Mostrou mais uma frota. — Era só o que faltava! — gemeu Brcl, assustado, assim que a viu. — Também vêm vindo para cá. Os dois lados marcaram encontro aqui. Querem saber o que há atrás dessas estranhas ondas de choque. Ou será que sabem que Rhodan está aqui? Como poderiam saber? Geco levantou-se de um salto. — O que foi que você disse? Duas frotas vêm para cá? Elas nos esmagarão como se esmaga um mosquito que incomoda a gente. Eu, Geco, almirante-geral das forças unidas dos ratos-castores, serei esmagado que nem um mosquito. Arrasado por essa idéia inacreditável, caiu na poltrona do comandante e fitou o ar com o rosto sombrio. Brcl voltou para seu lugar. Levou apenas alguns segundos para recuperar-se do choque. Fez um ligeiro movimento com a tromba para dar o alarme no centro de artilharia. Depois acordou Zbron. — Temos de colocar a nave em estado de prontidão de combate. O jogo de gato e rato logo vai terminar, Zbron. Diante de tamanha superioridade seremos impotentes. Rhodan também será. Temos de preveni-lo. — Daqui a pouco estarei aí — respondeu Zbron. — O que pretende fazer? — perguntou Geco, abatido. Não restava quase nada do almirante presunçoso. — Não venha dizer-me que vai atacá-los? — Não; só vamos defender-nos — respondeu Brcl. — Ou será que você quer deixar que os blues o prendam para esquecer Rhodan? Geco não respondeu. A menção do nome de Rhodan o fez pensar. Viu-se colocado diante de algumas alternativas bastante desagradáveis. Se falhasse nessa altura e conseguisse salvar a própria vida por meio de algum truque, dali em diante seria considerado um elemento sem o menor valor. Todos veriam nele um covarde e um fracassado, e qualquer um zombaria dele ou até o desprezaria. Neste caso seria preferível morrer. Mas se tivesse de morrer, bem que poderia realizar alguma coisa antes que isso acontecesse. A salvação de Rhodan seria uma grande realização. Mesmo que não estivesse mais vivo, nunca cairia no esquecimento. Todos o venerariam e adorariam, vendo nele um herói. Sempre havia a possibilidade de que escapasse com vida, até mesmo de uma ação arrojada. Tanto melhor. Talvez conseguisse salvar Rhodan sem morrer logo. Neste caso...!

Era a alternativa mais atraente. Aquela que oferecia maiores possibilidades de sobrevivência era menos tentadora. Dessa forma Geco transformou-se em herói dentro de alguns segundos, por uma questão de prestígio, e quem menos compreendia este fato era ele mesmo. Mas Zbron também não compreendeu. — Será que você enlouqueceu? — perguntou este, depois que Geco tinha apresentado seu plano. — Seria suicídio! Não podemos enganar duas frotas dos blues ao mesmo tempo. Geco estufou o peito. — E claro que podemos! Podemos muito mais que isso. Se você e seus amigos trombudos não tiverem a necessária coragem, mandarei acorrentá-los e colocarei os ratoscastores nos postos mais importantes. Você está sendo ridículo. Zbron fitou-o com uma expressão de perplexidade. — Vejo que você enlouqueceu mesmo! A única coisa que pode salvar-nos é a astúcia, não a violência cega. A violência sempre é cega. Especialmente quando o outro é mais forte. E os blues são mais fortes que nós! — E daí? — Geco levantou-se e ficou caminhando pela sala de comando. Até parecia que estava discutindo uma manobra. De vez em quando lançava um olhar para as telas dos rastreadores. As frotas aproximavam-se cada vez mais. — Se até agora não quiseram destruir-nos, eles também não o farão no futuro. Não posso afirmar categoricamente que tenham medo de nós, mas sem dúvida estão mostrando certa prudência. Seus canhões energéticos são uma coisa ridícula. Não representam nada para nossos campos defensivos. — Mas se dez naves atirarem em nós ao mesmo tempo, as coisas mudam de figura! — Não devemos permitir que isso aconteça. Antes de mais nada temos de preocupar-nos com Rhodan. Nossa segurança fica em segundo plano. Devemos prevenilo. — Para traí-lo? — Zbron agitou furiosamente a tromba. — Devemos impedir que os blues vasculhem a superfície do planeta. Para isso temos que distraí-los. Além disso devemos tentar expedir uma mensagem pelo rádio. Especialmente uma mensagem que informe à Terra de que acabamos de encontrar Rhodan. No momento em que uma nave terrana captar esta mensagem, mil naves acorrerão em nosso auxílio. — Mil naves virão em nosso auxílio? — Os olhos de Geco iluminaram-se. — Então, Stozi? Quando vai expedir a mensagem? Por que ainda não a enviou? — Ainda não recebi ordem para isso — respondeu o operador de rádio em tom sarcástico. — Posso interpretar sua observação tola como uma ordem? — Pode! — berrou Geco, furioso. O desleixo reinante na nave era uma coisa incrível. Mas eles não perderiam por esperar. Quando o pior do perigo tivesse passado, ele os mandaria fazer exercícios punitivos até dizer chega! — O que está esperando, seu sáurio trombudo? Stozi sorriu e ligou o transmissor. A Tramp conseguira avançar mais um trecho no espaço. Lá fora havia uma chance de que as hiperondas, que apesar de sua tremenda velocidade tinham um alcance limitado, fossem captadas por algum receptor. Era possível que estivesse a cem anos-luz de distância, talvez mesmo a mil. Mas viria às pressas, não sem antes retransmitir a mensagem. Dentro de algumas horas ou dias mil naves terranas poderiam aparecer na área e modificar a situação definitivamente a favor de Rhodan e seus amigos. As duas naves dos blues seguiram a Tramp para o espaço. Talvez também captassem a mensagem, mas não saberiam o que fazer. Estava codificada, mas mesmo

seu texto decifrado não faria nenhum sentido para a pessoa que não tivesse sido previamente informada. RhAtBu-QQYR-285-888430-NoTri... Mas a pessoa devidamente informada saberia que Rhodan e seus amigos estavam vivos, que tinham sido encontrados, onde tinham sido encontrados e que precisava de auxílio. As duas naves dos blues atacaram de repente. Desta vez fizeram boa pontaria e os tiros atingiram os campos defensivos da Tramp bem de perto. A nave-girino adaptada foi arrancada da rota e levou algum tempo para controlar-se novamente, quando Zbron, com grande presença de espírito, moveu os controles. Enrolou a tromba de raiva. Geco estava sentado no chão. O abalo inesperado fora demais para ele. Teve de fazer um grande esforço para pôr-se de pé. — Responder ao fogo! — esbravejou com a voz estridente. — Nós lhes mostraremos. Vamos, Zbron! Transmita à sala de artilharia a ordem de usar os canhões conversores. Os canhões conversores eram a arma mais perigosa que já se tinha tornado conhecida. Reuniam uma espécie de transmissor fictício com um dispositivo de mira altamente aperfeiçoado. Uma bomba atômica podia ser transportada para qualquer alvo, atravessando tudo quanto era campo defensivo, para então ser detonada. A bomba desmaterializava-se, percorria instantaneamente a respectiva distância e rematerializavase junto ao alvo. Não havia defesa contra esta arma. Geco em pessoa comandou o fogo. . Fazia a leitura dos instrumentos e transmitia os dados para a sala de artilharia, onde o canhão era colocado em posição. Enquanto isso Zbron manobrava a Tramp, afastando-a das duas naves dos blues, para que não corresse perigo de ser atingida pela explosão. — Já! — cochichou. Geco comprimiu o botão de comando. Dali a um segundo uma das naves estrangeiras se desmanchou. A potente bomba detonara bem no centro dela, transformando toda a matéria num gás radioativo incandescente. O outro cruzador, que voava atrás do primeiro e não pôde mudar a rota com a necessária rapidez, atravessou a nuvem de gás antes de sofrer o mesmo destino. — Deveríamos ter feito isto mais cedo — disse Geco em tom convicto. Zbron modificou a rota. A Tramp voltou para Roost. — Vamos entrar em contato com Rhodan. Ele precisa ser informado sobre a nova situação. Talvez tentemos recolhê-lo. — Acho que não será possível — respondeu Zbron, apontando para as teias. — Já estão à nossa espera. A Tramp mergulhou nas camadas superiores, da atmosfera e certamente deixou os blues perplexos. Por que a nave terrana sempre fazia questão de voltar, embora a essa altura lhe fosse fácil fugir? O que estava procurando neste planeta? Sem dúvida os blues faziam estas perguntas, mas não encontravam nenhuma resposta. A única coisa que sabiam era que o inimigo era muito mais perigoso do que acreditavam. Adaptaram seu comportamento a esta circunstância. Cinco naves atacaram a Tramp, na intenção evidente de, desta vez, acabar com ela. Mas não contavam com Geco. Era um Geco que passara por uma transformação completa alguns minutos antes, ao perceber quais eram as armas de que dispunha sua nave.

Dentro de quatro minutos três dos cinco blues foram destruídos. Os outros dois fugiram, mas permaneceram a uma distância em que não perderam a Tramp de vista. Geco encontrava-se em estado de êxtase. — Eu os varrerei do espaço! — anunciou, iludido pelo êxito que acabara de alcançar. — Nem que me ataquem com cem ou mil naves, eu os mandarei para o inferno — ou sei lá para onde vão os blues depois de mortos. Eles ainda não sabem quem eu sou, estes cabeças chatas! Libertarei o Universo destes parasitas dos vermes do pavor! Construirei um novo Império, e Rhodan será meu substituto. Isso mesmo, Rhodan. Zbron bateu com a tromba em suas costas para trazê-lo de volta ao mundo da realidade. Apontou na direção da cabine de rádio. — Quer fazer o favor de comunicar isso a Rhodan em pessoa? Ele está no aparelho. Geco parecia acordar de um sonho. — O quê? Vocês conseguiram o contato? — Foi o que eu disse. Vamos logo! Todo mundo está ansioso para ouvir a voz do novo imperador. Geco escorregou para fora da poltrona. Fazia votos de que ninguém tivesse ouvido suas palavras. Foi apenas uma brincadeira. Saiu caminhando em direção à cabine de rádio, que estava com a porta aberta. Hum, quem sabe se não era mesmo possível... — Aqui fala Geco, comandante da Tramp — anunciou com a voz tímida. — Rhodan falando. É o Almirante Geco? — Eu... bem... sim senhor. Almirante Geco, senhor. Ouviu-se um grunhido transmitido pelo alto-falante. Devia ser Bokom. — Você pode deixar de lado o senhor, Geco. Em compensação abandonarei o tratamento de almirante, se você permite. Costumo tratar meus amigos de você, e todos os ratos-castores são meus amigos. Quero agradecer pelo que você fez, Geco. Aliás, seu nome me traz à lembrança o de Gucky. — Gucky... bem... Gucky é meu amigo — exclamou Geco, embaraçado. — Fico satisfeito em ouvir isso. Transmita meus agradecimentos também aos seus tripulantes, Geco. Vocês conseguiram uma coisa que ninguém tinha conseguido. Mas no momento isso não importa. Brizel me informou de que vocês usaram canhões conversores. Isso foi necessário? — Brizel...? — Isso mesmo. O operador de rádio. — Deve ser Brcl. Ele e Stozi cuidam dos contatos. Os nomes dos uniters são impronunciáveis. Mas são muito competentes e prestativos. — Brcl lançou-lhe um olhar furioso. Geco fez como se não tivesse notado. — Infelizmente não pudemos evitar a destruição do inimigo. Não tivemos alternativa. — Muito bem. Qual é a situação atual? — É uma por... bem, não quero ocultar nada. Pelo menos mil naves dos blues se aproximam. Estamos sendo observados e vigiados. É impossível recolher o planador sem que eles notem. — Compreendo. Descobrimos uma caverna situada na planície e entramos nela com o planador. Ninguém nos encontra aqui, a não ser que façam a localização goniométrica do ponto de origem das nossas transmissões. Estamos garantidos contra a localização visual. Registrem nossa posição, para que mais tarde possam recolher-nos. Geco, concedo-lhe permissão expressa para tentar a fuga com a Tramp. Tragam auxílio. É melhor que defender uma posição perdida por aqui. Nada nos poderá acontecer. Temos alimentos para algumas semanas e... — Foi interrompido por um grunhido e prosseguiu:

— Bem, temos alimentos para alguns dias. Até lá chegará o auxílio. Vocês já enviaram a mensagem? Bokom informou-me sobre isso. — Foi expedida — confirmou Geco e disse: — Nem pensamos em fugir. Ficaremos aqui! Enviaremos toda a frota dos blues para o inferno e iremos recolhê-los. Vou... — Você não vai coisa alguma — interrompeu Rhodan em tom amável. — Procurem alcançar um lugar seguro e entrem em contato com as naves terranas. Geco empertigou-se. — Ninguém pode fazer-me uma coisa dessas, senhor! — objetou em tom valente, sem tomar conhecimento dos sinais nervosos que Zbron fazia com a tromba. — Não quero que mais tarde alguém diga que me acovardei, fugi e abandonei Rhodan. Ficaremos aqui mesmo! E recolheremos o planador na primeira oportunidade que se oferecer. Depois poderemos dar o fora. Mas não serei eu que darei o comando para isso. Depois de uma ligeira pausa Rhodan respondeu, visivelmente impressionado: — Admiro sua coragem, Geco, e a de seus tripulantes. Nunca encontrei um oficial tão valente como você. Apesar disso vejo-me obrigado a pedir que se retire antes que tudo esteja perdido. Se a Tramp for destruída, estaremos todos liquidados. Acho que você não quer assumir este risco. Geco acenou alegremente com a cabeça. — Não, não quero. Por isso submeter-me-ei à ordem de retirada, embora sob protesto. O auxílio não demorará a chegar. Mas ai dos blues que tentarem impedir minha fuga. Eu os mandarei... — Faça isso! — Ouviu-se um suspiro de alívio transmitido pelo alto-falante. — Mais uma vez, muito obrigado por tudo. — Outro suspiro. — Já me alegro só de pensar que mais tarde poderei apertar sua pata. — O prazer será todo meu — asseverou Geco em tom formal e estufou o peito a ponto de quase esmagar o equipamento de rádio. — Agüentem até nossa volta. — Ficou em posição rígida. — Até lá, Perry! Virou-se para voltar à sala de comando e viu Ooch, Vulevul e Axo. Os três ratos-castores fitaram-no com uma expressão de perplexidade. Geco passou por eles com o ventre bem saliente, sem dignar-se de lançar um olhar que fosse em sua direção. Sentou ao lado de Zbron. — Você ouviu o conselho de meu amigo Perry. Acho que não foi um mau conselho. Vamos segui-lo. — Olhou para as telas. Cinco cruzadores de grande porte dos blues aproximavam-se em alta velocidade, vindos de um lado e disparavam seus canhões. — É para já! Depressa! Zbron ficou com o rosto impassível enquanto mexia nos controles. Os cinco cruzadores foram ficando para trás, enquanto a Tramp se precipitava espaço afora. Ooch, Vulevul e Axo entreolharam-se em silêncio, sacudiram a cabeça, fizeram um gesto de compaixão para Zbron e desapareceram. De tão abalados que estavam, esqueceram de fechar a porta.

5 — Não podemos passar o resto da vida nesta caverna. — Bell olhou em torno, como se estivesse à procura de alguém que apoiasse seu plano. Esperou em vão. — Vocês realmente acreditam que a Tramp conseguirá passar? As últimas notícias aludem a aproximadamente mil naves dos blues. Nestas condições até mesmo um comandante melhor que Geco quase não teria nenhuma chance. Rhodan levantou os olhos. — Quem afirma que Geco não é um bom comandante é só você; mais ninguém. — Não foi o que eu quis dizer, mas o fato é que ele não tem experiência. Afinal, não é nada fácil escapar aos hiperrastreadores de mil naves inimigas. Acho que deveríamos fazer alguma coisa. — Seria suicídio revelar nossa presença. Um único tiro energético pode liquidarnos. Não, Bell. Só temos uma chance. Temos de ficar aqui e esperar que chegue auxílio — ou que os blues nos encontrem. Bell resignou-se. Talvez até reconhecesse que realmente não tinham alternativa. Mas para ele era pior permanecer inativo do que precipitar-se numa luta sem esperança. — Vamos comer alguma coisa — sugeriu Kasom, mas calou-se, atarantado, ao defrontar-se com os olhares indignados dos outros. Atlan disse o que todos estavam pensando: — Se permitirmos que o senhor continue a sacar as provisões, amanhã já passaremos fome. — Pois eu já estou passando fome hoje — resmungou Kasom, ofendido. — Um homem com a minha estatura... — Pare com isso — exclamou Bell, furioso. — Procure dormir um pouco. — Por que iria dormir? Não estou com sono. — Quem dorme não cha... não peca — apressou-se Bell a corrigir quando seu olhar caiu por acaso nos punhos enormes de Kasom. Voltou para junto de Rhodan. — Quer que acorde os dois ratos-castores? Acho que já dormiram bastante. Bokom e Hemi estavam enrolados bem juntinhos no banco dos fundos e ronronavam baixinho. Bell contemplou-os um instante e sacudiu a cabeça. — Não consigo — disse e foi para perto dos controles, onde estava sentado Rhodan. — Não posso despertá-los. Por que faria isso? No momento não precisamos deles. — A idéia foi sua — lembrou Rhodan em tom delicado. — Mas está bem. Vamos deixá-los dormir. Se necessário poderemos arranjar-nos sem eles, caso tenhamos de mudar nossa posição. — E a Tramp? — perguntou Noir. — Ainda está em contato? Rhodan sacudiu a cabeça. — O contato foi interrompido de repente. Tomara que Geco tenha conseguido. Antes que alguém pudesse responder, uma nave apareceu junto à encosta do planalto. Sem dúvida pertencia à frota dos blues. Tinha formato cilíndrico e não era muito grande. Quase se podia ser levado a acreditar que fosse um veículo de salvamento, mas o canhão de proa logo apagou essa impressão. Devia ser uma nave de reconhecimento dos blues, incumbida de vasculhar a superfície do planeta.

Não havia duvida de que ó comandante da nave estava levando a tarefa muito a sério. A nave descia cada vez mais, acompanhando o declive do terreno. Aproximou-se do esconderijo dos fugitivos numa altura de trinta ou quarenta metros. O planador tinha entrado na caverna, mas como tinha dez metros de comprimento, um canto continuava visível. Não se tinham lembrado de camuflar esse canto. E as árvores mais próximas ficavam a centenas de metros de distância. — O canhão de proa! — exclamou Rhodan assim que percebeu o perigo. — Vamos, Bell, você precisa sair. Acompanhe todos os movimentos dessa nave. Leve um telecomunicador. Kasom, guarneça o canhão. Se ela chegar mais perto, abra fogo. Mas só quando tiver certeza de que fomos vistos. Talvez sejamos obrigados a sair de surpresa... Bell, que estava junto à porta, virou a cabeça. — Como poderei voltar ao planador antes que seja tarde? — Você será avisado em tempo. Vá andando! Bell saiu correndo. Os dois ratos-castores também já tinham acordado. Sem dizer uma palavra, Bokom escorregou para dentro da poltrona que ficava perto de Rhodan. Hemi ficou perto de Mory Abro. Kasom ocupou seu lugar junto aos controles do canhão de proa. Tratava-se de um canhão energético pequeno, mas muito eficiente, que era perfeitamente capaz de perfurar um campo defensivo de reduzida potência. Rhodan ainda via a nave dos blues. O cilindro deslocava-se muito devagar. O comandante devia ter muito tempo, ou então sabia que as pessoas que estava procurando se encontravam nesta área. Todavia, era bastante duvidoso que soubesse quem eram essas pessoas. Provavelmente os blues só podiam formular conjecturas sobre isso. Bell colocou-se junto à entrada da caverna. — Estão dobrando para a esquerda, isto é, seguem para leste. A distância está aumentando. Talvez nem nos vejam. Agora — droga! — O que houve, Bell? — perguntou Rhodan, que não enxergava mais a nave dos blues, porque uma rocha saliente impedia sua visão. — Estão pousando! Acabam de pousar a menos de duzentos metros daqui. E agora? — Fique de olho neles. Não deixe que eles o vejam. Entendido? — Você acha que minha vida não vale nada para mim? Kasom continuava sentado junto aos controles do canhão. Seu rosto parecia, tenso. Via-se que gostaria de comprimir desde logo o botão do acionador, embora não houvesse nenhum alvo à vista. Bokom não fez o menor movimento. Olhava para Rhodan, e havia tanta fé e confiança em seu olhar que Rhodan fez um gesto amistoso para ele e acariciou o pêlo castanho. Bell espiou cautelosamente pela entrada da caverna. Uma escotilha da nave abriu-se e várias figuras apareceram. Eram blues. Carregavam armas e pareciam mais nervosos, mas ficaram esperando. Dali a alguns segundos viu-se por que faziam isso. Quatro criaturas de seis pernas passaram por eles e saltaram para o chão. Bell nunca vira um ser desse tipo. Logo imaginou que deviam ser membros de um povo oprimido, que eram utilizados em tarefas especiais. As criaturas pareciam muito perigosas. Não carregavam armas e talvez pudessem ser designados como animais. Certamente desempenhavam uma tarefa semelhante à dos cães de fila terranos.

— Uma espécie de cães — constatou Bell e relatou suas observações. — Se ninguém mais nos encontrar, eles nos descobrirão. E agora? Acabam de espalhar-se. Um deles vem exatamente na nossa direção. — Dificilmente podemos impedi-lo. Se atirarmos, revelaremos nossa presença. Volte para a cabine, Bell; depressa! Vamos sair daqui. — Talvez isso não seja necessário — piou Bokom. Rhodan fitou-o com uma expressão de espanto. — Por quê? — Procurarei deter o animal. Telecineticamente. Os blues nem saberão o que aconteceu. Serão incapazes de determinar a direção da qual veio a influência telecinética, se é que sabem o que vem a ser isso. — Está bem, Bokom. Pode tentar a sorte. Você enxerga bastante? Bell já tinha entrado na cabine. A porta fechara-se atrás dele. Kasom ainda estava à espera da ordem de abrir fogo. O animal de seis pernas atingiu a entrada da caverna e ficou parado. Bokom olhou fixamente para ele e concentrou-se. De repente o animal parecia estar seguro por mãos invisíveis e foi levantado. As pernas finas debatiam-se desesperadamente e em vão. Não encontravam apoio. Bokom ainda não soltou a presa. Transportou-a a alguns metros de distância, fazendo-a descer até a mata que quase não podia ser vista. Colocou o animal cuidadosamente no chão, para não feri-lo. Os blues acompanharam o fenômeno inacreditável, mas não esboçaram a menor reação. Provavelmente estavam ocupados em encontrar uma explicação racional para aquilo que acabavam de ver. Mas dali a dois ou três minutos desceram da nave e marcharam em direção à caverna, com as armas apontadas para a frente. — Eles não se assustam à toa — constatou Rhodan e ligou o motor do planador. — Quando estiverem bem perto, sairemos daqui. A nave não pode atirar sem colocar em risco seus tripulantes. Quando tiverem voltado para bordo, já deveremos ter atingido a floresta. Quando eu der a partida, segurem-se. — Quer que dê um tiro na nave, de passagem? — perguntou Kasom em tom ansioso. — Não seria nada mau — respondeu Rhodan. Quatro ou cinco blues aproximaram-se a vinte metros antes de ver a proa do planador. Estacaram, com as armas apontadas e logo começaram a atirar. O planador possuía um campo defensivo bem fraco, que Rhodan ligara em tempo. Esse campo absorveu facilmente a energia concentrada das armas leves. Era bem verdade que o campo não seria capaz de resistir ao impacto direto de um tiro de canhão. — Pronto! — disse Rhodan. — Partiremos dentro de cinco segundos. Todos se prepararam para a decolagem instantânea. Alguns tinham atado os cintos de segurança. Bokom cravou as unhas na almofada de sua poltrona. Bell agarrou-se às costas de Kasom, na esperança plenamente justificada de que dificilmente alguma coisa aconteceria ao gigante. De repente Rhodan moveu várias alavancas ao mesmo tempo. O planador saiu do abrigo que nem um projétil, passou velozmente pelos blues tomados de surpresa e subiu rapidamente. Quando se encontrava na posição mais favorável, Kasom disparou contra a nave e conseguiu um impacto direto. Rhodan fez o veiculo aéreo descrever uma curva para a direita, desceu e seguiu em direção às matas

impenetráveis do sul. Atrás deles o planalto, as rochas, as cavernas e os blues desapareceram em meio ao súbito clarão dos tiros energéticos, que não atingiram o alvo. Rhodan continuava sentado junto aos controles. Parecia tenso. Sabia perfeitamente o risco que estavam correndo. Bastava uma única mensagem de rádio dos blues para colocar a matilha em seu encalço. E a nave deles não poderia ter sido destruída tão depressa que não tivesse tempo para transmitir um pedido de socorro. Seria preferível dar o fora quanto antes e procurar um esconderijo melhor. A floresta aproximou-se. Junto a ela brilhavam as superfícies de água. O chão rochoso desapareceu, cedendo lugar a um solo úmido e batido pelo calor. Mais uma vez Rhodan mudou de direção, para desviar os blues da pista certa. O planador corria para leste. Embaixo deles era tudo mata. As copas das árvores enfileiravam-se uma ao lado da outra. Só de vez em quando havia uma brecha pela qual a vista alcançava o solo. Kasom ligou os rastreadores, para livrar Rhodan de parte do trabalho. Numa altura tão baixa a recepção só poderia ser deficiente e imprecisa. Os raios rastreadores só funcionavam na base da visão direta. No espaço cósmico esta era praticamente ilimitada, enquanto no lugar em que se encontravam ficava limitada a distâncias bastante reduzidas. Uma das telas mostrava cinco naves, que se aproximavam em alta velocidade. Kasom abandonou os rastreadores e voltou para junto do canhão. — Atenção, vamos descer mais — disse Rhodan. — Vou reduzir a velocidade, mas não posso evitar as mudanças abruptas da rota. Seremos sacudidos um pouco, mas só assim talvez conseguirei livrar-nos dos perseguidores. Kasom, só dispare quando eu mandar. Entendido? — Tudo bem, Chefe. A manobra que Rhodan passou a desenvolver beirava à loucura. Na altura das copas das árvores a mata parecia impenetrável, mas no lugar em que se supunha estivesse a vegetação rasteira havia espaço suficiente para o planador. Mas não seria nada fácil encontrar uma clareira que abrisse uma brecha na cobertura verde. Quando Rhodan a encontrou, os blues só estavam a alguns quilômetros de distância. Rhodan deixou cair o planador e só deteve a queda poucos metros acima do solo. Deixou ligado o propulsor aéreo e fez o veículo deslizar poucos centímetros acima do solo, para não deixar rastros, fazendo-o passar entre os troncos enormes. Penetrou cada vez mais profundamente na mata. Os blues aproximaram-se, mas a única coisa que viram foi um mar de folhas verdes no qual de vez em quando se abria uma ilha. Não viram o menor sinal do veículo que estavam perseguindo. As cinco naves ficaram circulando por algum tempo um tanto indecisas sobre o lugar em que Rhodan tinha desaparecido e começaram a disparar furiosamente contra a floresta. Dali a dez minutos desapareceram tão depressa como tinham aparecido. Cem metros abaixo deles Rhodan fez descer o planador junto a um riacho estreito e desligou o motor. Espreguiçou-se. — Aqui estamos seguros. Para cima estamos protegidos contra a localização visual. Se quiserem encontrar-nos, os blues terão de vasculhar a floresta a pé ou incendiá-la. Isso não será muito fácil, porque a madeira é fresca e úmida. Além disso teriam que destruir mais de metade da superfície do planeta. Tomara que não soltem sua raiva em cima dos inocentes nativos. — Quer dizer que vamos ficar aqui? — perguntou Kasom e saiu a custo da poltrona, que era muito apertada para ele.

— Por enquanto sim. Vamos esperar que a Tramp ou outra de nossas naves entre em contato conosco. — Muito bem. Nesse caso vou comer alguma coisa e depois tomar um banho refrescante no riacho... — O senhor pode tomar banho à vontade, Kasom. Mas aqui só se come quando eu mandar. Precisamos racionar imediatamente nossos alimentos, senão dentro de dois ou três dias teremos de comer a casca das árvores. — Assim Kasom finalmente poderia comer até ficar satisfeito — escarneceu Bell em tom malicioso. Rhodan sorriu. — Você também. Quem sabe... é possível que a casca das árvores até seja uma comida bem gostosa. De qualquer maneira é um produto vegetal que combina com o nosso metabolismo. Na planície fazia muito mais calor que no planalto rochoso. Os raios do sol dardejavam sobre as copas das árvores e eram detidos somente pelas inúmeras folhas. Ninguém suportaria uma exposição direta ao sol num lugar como este sem sofrer uma insolação. O sistema de condicionamento de ar do planador trabalhava a toda força para conservar a temperatura da cabine num nível suportável. A água do riacho era fresca e potável. Vinha do planalto ou da cadeia de montanhas mais próxima. Certamente desembocava em algum pântano, onde a água límpida logo se transformava num caldo morno e malcheiroso. Era quase meio-dia, mas no solo da floresta tudo continuava envolto numa penumbra. Era uma espécie de crepúsculo verde e benfazejo, que prometia segurança. Quando saiu da cabine para investigar a área, Rhodan levou o rato-castor Bokom. O riacho podia ser transposto num só passo, mas mais abaixo formava algumas bacias extensas, que convidavam para tomar um banho. Rhodan notou algumas sombras ligeiras em meio à água clara e resolveu chamar a atenção de Kasom. Se nessa água houvesse peixe, o problema da alimentação estaria resolvido. As conservas seriam guardadas para uma emergência. No planador havia um pequeno- nicho para cozinhar, motivo por que ninguém seria obrigado a comer peixe ou caça crua. Havia água em abundância. Poderiam ficar algumas semanas no lugar em que se encontravam, se os blues deixassem. — Não acredito que façam uma coisa dessas — disse com um sorriso embaraçado, porque suas palavras revelavam que acabara de ler em segredo os pensamentos de Rhodan. Ao sorrir mostrou o dente roedor e ficou igualzinho a Gucky numa situação dessa. — Não descansarão enquanto não nos encontrarem. — De qualquer maneira ficaremos aqui enquanto estivermos seguros, baixinho. Não poderíamos ter encontrado lugar melhor. Aliás, fico admirado de que nesta mata não existe vegetação rasteira. A gente passeia por ela como num parque bem tratado. Bokom não respondeu. Teve a impressão de que acabara de captar impulsos mentais confusos, cujo sentido não era claro. Procurou determinar a direção da qual vinham os impulsos e ficou parado. — Há alguém lá na frente — disse. Rhodan também parou. — Não sei quem é, mas não se trata de uma criatura muito inteligente. São modelos primários; talvez sejam de um animal. — Talvez seja mesmo um animal — conjecturou Rhodan, enquanto pôs a mão na arma. — Desta forma conseguiremos carne. Será uma festa para Kasom. Continuaram a andar devagar.

O terreno tornou-se mais plano e o riacho corria mais devagar. Seria o melhor indicador do caminho de volta para o planador e os outros membros de seu grupo. De repente depararam-se com a margem pantanosa de um pequeno lago. A primeira coisa que Rhodan fez foi olhar para a folhagem das árvores. Viu um pedaço de céu. Se surgisse uma situação em que tivessem de fugir às pressas com o planador, bastaria seguir o riacho até o lugar em que se encontravam. Dali poderiam sair da floresta sem ter de procurar uma clareira. — Ali estão — disse Bokom. Rhodan seguiu a direção de seu braço. — Sáurios! Realmente alguns sáurios tinham marcado um encontro no lago. Eram pequenos e seu aspecto não era perigoso, mas provavelmente deviam sê-lo se alguém os irritasse. — Não sei se a carne destes animais será do agrado de nosso insaciável Kasom — cochichou Rhodan para não perturbar os sáurios. — Se estiver com fome de verdade, ele come — respondeu Bokom em tom alegre. — Pode caçar seu próprio sáurio, se tiver vontade. Quanto a mim, prefiro os brotos das árvores da floresta. Levarei alguns para Hemi. Sem dar atenção aos sáurios, Bokom começou a colher brotos de árvores. Rhodan deixou-o à vontade, mas ficou de olho nas estranhas criaturas que brincavam na água suja. Eram quadrúpedes e possuíam um pescoço longo e ágil, em cuja extremidade se via uma cabeça pequena e estreita. Os corpos eram negros e desajeitados, as caudas compridas e achatadas. Costumavam ficar com a cabeça sob a água, à procura de alimento. Rhodan constatou que podiam ficar muito tempo sem respirar. Como os animais não eram perigosos, Rhodan teve pena de matar um deles. Kasom poderia cuidar disso, se quisesse. Bokom tinha razão. De repente Rhodan ouviu um ruído. Não tinha sido produzido pelos animais, mas vinha de cima. Rhodan levantou os olhos e viu uma sombra achatada que passava rente às copas das árvores, tornando-se perfeitamente visível quando chegou em cima do lago. Rhodan deu um salto para baixo da cobertura verde e arrastou Bokom consigo. Deitaram lado a lado no chão pantanoso. — Uma nave — disse Rhodan e acompanhou a sombra com os olhos, até que a mesma desaparecesse atrás das copas das árvores que ficavam do outro lado do lago. — Quer dizer que continuam a acreditar que estamos nesta área, mas não sabem. Acho que por enquanto estaremos seguros aqui. Se realmente resolverem realizar uma busca mais cuidadosa, inventaremos alguma coisa. Bokom levantou-se devagar e contemplou os sáurios. — Já inventei. Rhodan não fez perguntas. Quando chegasse a hora, Bokom falaria. Os dois companheiros tão pouco parecidos voltaram em silêncio para o planador, onde já estavam sendo ansiosamente esperados. O rosto de Kasom poderia ficar num quadro quando viu Bokom e Hemi sentarem junto ao riacho para se deleitarem com os jovens e delicados brotos de árvores como se fossem aspargos de boa qualidade ou as cenouras que os ratos-castores tanto apreciavam. — Que vida boa eles têm! — foi a única coisa que conseguiu dizer depois de algum tempo. *** Geco e os outros ratos-castores não tiveram vida tão boa. Depois que cinco naves dos blues tinham sido destruídas, os cabeças-de-prato atacaram sem contemplação. De repente não pareciam importar-se que a destruição da

nave inimiga pudesse representar a perda de uma grande vantagem. Perceberam que a nave era muito perigosa e resolveram eliminar o perigo. Zbron e Brcl não tiveram mãos nem trombas a medir. A Tramp corria vertiginosamente junto à superfície do planeta Roost. Estava sendo perseguida por oito ou nove cruzadores ligeiros dos blues. Montanhas, florestas pantanosas, planícies e cidades passavam lá embaixo. Nem os ocupantes da Tramp, nem seus perseguidores deram a menor atenção a tudo isso. Ofuscantes feixes energéticos passavam constantemente perto deles ou eram absorvidos pelos campos defensivos da nave. Enquanto não fosse disparado um fogo concêntrico, não haveria nada a recear. Mais uma vez foi Geco que guarneceu o canhão conversor. Muito enraivado, estava sentado junto aos controles e transmitia os dados para a sala de artilharia. Quando o primeiro perseguidor foi transformado numa nuvem atômica de gases incandescentes, um assobio agudo saiu de seu peito. Nunca pensara em destruir outras inteligências, mas aqui a situação era diferente, Não tinham feito nada aos blues. Vieram em paz, para salvar Rhodan e seus companheiros. Os blues impediam-nos de fazer isso e os atacavam. A lei da autodefesa mandava que devolvessem os golpes com todas as forças de que dispunham. Quando só restavam cinco perseguidores, Geco gritou: — Vamos seguir em direção ao espaço, Zbron! Devemos colocar-nos em segurança e providenciar auxílio. Foi o que Rhodan quis e ordenou. Voltaremos com uma frota e esquentaremos o inferno para os blues. — Fugir? — Zbron balançou a tromba de um lado para outro. — Já fui a favor disso, mas será que realmente é necessário? Não poderíamos enviar outras mensagens e ficar à espera? Podemos abandonar o sistema, mas não devemos afastar-nos a mais de um ano-luz. — Isso veremos depois, Zbron. Primeiro temos que dar o fora daqui. Quando as duas frotas dos blues chegarem, o canhão conversor não adiantará mais nada. De repente Zbron levantou os olhos. — Já sei o que os blues querem de nós. O canhão! Pretendem usá-lo como modelo para construir outro. Provavelmente não sabem que existe um comando secreto que destrói o canhão no momento em que a Tramp é derrubada ou obrigada a pousar. Já ativei este comando. — Não colocarão as mãos em nós, em Rhodan ou no canhão — exclamou Geco e agitou furiosamente os braços. — É agora, Zbron. Atravesse o centro, senão eles ainda nos comprimem contra estes lagos pantanosos. Zbron não respondeu. Estava totalmente exausto. Já deveria ter sido revezado há tempo, mas Brcl ficara acordado e trabalhando tanto tempo quanto ele. A nave não possuía o terceiro piloto, embora quase todos os uniters possuíssem carteira de piloto. Mas não possuíam experiência. E numa situação como esta ela valia ouro. Os blues compreenderam imediatamente as intenções da Tramp. Subiram atrás dela e ficaram grudados em seus calcanhares. De repente as cinco naves passaram a dez, a duas dezenas. As duas frotas tinham chegado. A batalha continuou rugir fora da atmosfera, mas um número cada vez maior de naves desgarradas ou avariadas desceu para Roost e participou da busca dos sobreviventes da misteriosa estação das pirâmides e da Tramp.

— Estão chamando pelo rádio — disse Stozi, que não se afastara um instante dos aparelhos de rádio que continuavam ligados ininterruptamente. — Usam o intercosmo. Devo responder? Geco logo se pôs de pé. Correu o mais depressa que pôde para a cabine de rádio, que ficava ao lado da sala de comando. — O que querem? Stozi entregou-lhe um bilhete. — Comandante dos gatasianos chamando comandante da nave terrana — leu Geco. — Pouse imediatamente! Queremos estabelecer contato para entendimentos. Geco atirou o bilhete na mesa. — O que é que eles estão pensando? Que entendimento que nada! Será que devemos responder? — Você pode falar diretamente com os blues. Estabeleci contato audiovisual. A tela iluminou-se. Um cabeça-de-prato apareceu. Os dois olhos dianteiros fitaram Geco. Eram totalmente inexpressivos, mas entre os blues isso era perfeitamente natural. A boca não ficava no rosto. O blue falava de uma abertura da laringe. As palavras eram ásperas e guturais, mas perfeitamente compreensíveis. — Quero falar com o comandante. Geco apoiou as mãos nos quadris. — Sou o comandante! Que houve? O outro fez um gesto impaciente. — Quero falar com um terrano, não com um representante de uma raça inferior. Geco quase estourou de raiva. Teve de fazer um grande esforço para controlar-se. Só o fez porque perto dele as telas da sala de comando mostravam pelo menos cinqüenta naves dos blues, que se aproximavam cada vez mais da Tramp. Se estas naves abrissem fogo... — Sou o Almirante-Geral Geco, comandante-chefe da frota espacial dos ilts. Não há nenhum terrano a bordo. — Sabemos que há terranos a bordo — respondeu o blue. — Nossos comandos não conseguiram localizar os fugitivos no segundo planeta. Logo, vocês os recolheram. Geco fingiu-se de bobo. — Que fugitivos? Não sei do que está falando. O outro mudou de tática. — Quer dizer que não estão a bordo dessa nave. Muito bem. Neste caso intensificaremos as operações de busca na superfície do planeta. Geco reconheceu que acabara de cometer um erro. O que queria era justamente evitar que procurassem muito lá embaixo. Talvez fosse bem bom que eles acreditassem que Rhodan e seus companheiros estivessem a bordo da Tramp. Desta forma colocaria as naves em seu encalço, mas a situação de Rhodan seria aliviada. Fez um gesto embaraçado e disse: — Está bem. Já que vocês sabem — o que desejam? — Falar com vocês e os terranos. Queremos saber o que há com a estação das três pirâmides que acabamos de destruir. Geco sabia menos que o blue a respeito da estação. Nem sabia que esta existia. — Por que destruíram a estação se estão interessados em saber o que há com ela? — Isso é nosso problema. Então, que diz? Vai pousar espontaneamente, ou teremos de obrigá-lo? Geco compreendeu que seria impossível prolongar a conversa. Devia tomar uma decisão. Os blues não tinham certeza se Rhodan e seus companheiros estavam a bordo da Tramp, ou se continuavam em Roost. Era uma vantagem que tinha de ser aproveitada.

— Obrigar-nos? Tentem se são capazes! Fez um sinal para Stozi e correu de volta para a sala de comando. O contato certamente fora estabelecido pela nave mais próxima. Num instante os dados foram apurados e transmitidos para a sala de artilharia. Geco virou a cabeça, mas colocou a pata sobre o botão do acionador. — Stozi, diga ao cabeça de prato que deve desaparecer com sua frota. Dou-lhe dez segundos. Stozi transmitiu a mensagem. Geco não tirava os olhos da nave. No momento em que o primeiro tiro energético foi disparado e absorvido pelos campos defensivos da Tramp, comprimiu o botão. Zbron entrou em ação no mesmo instante, acelerando a Tramp ao máximo. Cinqüenta naves dos blues, com um sol em miniatura no centro, ficaram para trás. — Destes nós nos livramos! — gritou Geco em tom exultante. — Gostaria de saber por que eles imaginam que Rhodan deve estar em Roost. Será que alguém lhes disse? Zbron sacudiu a tromba. — Uma mensagem de rádio imprudente... quem sabe... — Não fomos nós! — Geco olhou para as telas. — Estão nos seguindo. Vamos mostrar-lhes do que a Tramp é capaz. Voltar para Roost! — Você ficou louco? Geco bateu com ambos os punhos na mesa de controle. — Quem manda aqui sou eu! Você obedece. Entendido? Eu sou o chefe. Zbron soltou um gemido e fez o que Geco estava mandando. O planeta voltou a crescer enquanto a Tramp o contornava numa curva ampla, voltando a aproximar-se de Simban. Estava voando bem para dentro da armadilha preparada pelo inimigo.

6 A conversa entre Geco e os blues fora ouvida por acaso no planador. Bell ligara o receptor, numa tentativa de captar uma notícia da Tramp. De repente ouviu algumas palavras proferidas em intercosmo, que era a língua universal do Império. Muito tensos, acompanharam a palestra, até que foi interrompida abruptamente. Dali a pouco também cessaram os sinais que os blues transmitiam pelo rádio. Rhodan sacudiu a cabeça. — Receio que tenha sido injusto para com Geco. É um sujeito valente e arrojado. Terei muito prazer em conhecê-lo. — Ele está louco — disse Bell. — É uma loucura envolver-se numa luta com um inimigo que goza de tamanha superioridade. — Vamos aguardar. Os blues não estão transmitindo mais pelo rádio. Está ouvindo? A Tramp continua a transmitir. Se não me engano está expedindo o pedido de socorro em código. Se o diabo não tiver as mãos no jogo, uma de nossas naves terá de captar a mensagem. — Tomara que a Tramp escape. — É o que eu também espero. Nem desconfiavam de que, em vez de aproveitar a última chance de fugir, Geco estava voltando para o inferno. Mais tarde ele mesmo não saberia dizer o que o levara a agir assim. Insistia em afirmar que se sentira dominado pela raiva. Confessou que não se guiara por qualquer tipo de reflexão. Mas nunca chegou a confessar que tivesse sentido medo ao ver-se de repente diante de uma força composta por quinhentas naves. Rhodan e seus amigos ainda não sabiam disso. Sentiam-se relativamente seguros em seu esconderijo na selva e faziam votos de que ninguém os descobrisse. Constantemente havia alguém perto do receptor. Kasom fora com Noir para o lago que ficava nas proximidades e abatera um dos pequenos sáurios. Frita, sua carne era saborosa, embora fosse dura e cheia de fibras. Pouco depois do meio-dia Rhodan e Bell foram tomar um banho, juntamente com os dois ratos-castores. Mory Abro também os acompanhou. Deixaram que ficasse sozinha numa bacia de pedra cercada por brotos de árvores, na qual ninguém a observaria. Cinqüenta metros abaixo Rhodan e Bell encontraram uma bacia maior com água muito limpa. Esta bacia tinha dois metros de profundidade e a correnteza era muito fraca. Tiraram as roupas sujas e esfarrapadas e caíram na água refrescante. Os dois ratoscastores olharam-nos por algum tempo, mas também acabaram por saltar resolutamente para dentro da água. Bell nunca vira um rato-castor nadar, salvo por ocasião das frustradas tentativas de mergulho realizadas por Gucky no lago salgado de Goshun. No lugar em que se encontravam a água não era salgada e seu poder de sustentação era menor. Além disso a gravitação era semelhante à da Terra, ao contrário de Marte, onde a natação se resumia em ficar deitado sobre a água. Bokom e Hemi mergulharam imediatamente. Até parecia que eram de pedra. Se Bell tinha uma esperança de finalmente ver realizado o desejo de defrontar-se com um rato-castor que perdesse a calma, ele teve uma decepção amarga. A única coisa

que aconteceu foi que Hemi rastejou às pressas para a margem baixa, voltando à superfície para inalar o ar. Com Bokom as coisas foram diferentes. Não demorou nem um pouco a compreender que deixara de observar certas leis naturais que prevaleciam neste planeta. Mas isso não podia abalá-lo. Prendeu a respiração até sentir novamente chão firme sob os pés. A poça de água não era muito grande. Com a maior calma atravessou-a várias vezes, fez de conta que estava contemplando o fundo pedregoso e sacudiu a cabeça, decepcionado. Finalmente caminhou em direção à margem e colocou a cabeça fora da água. — Lá embaixo é bem fresco — comunicou a Bell. — E bastante úmido. Todos riram, o que deixou Rhodan muito satisfeito. Percebeu que a tensão que os dominava há vários meses estava cedendo aos poucos. A salvação parecia estar ao alcance das mãos, embora ainda faltasse muito para que ela se concretizasse. Já não estavam sós. Os outros sabiam onde encontrá-los. Rhodan teve de confessar que estavam se consolando apenas com uma fraca centelha de esperança, mas pelo menos não enfrentavam mais um risco de vida imediato. Era claro que isso poderia mudar de um instante para outro. Ninguém sabia a que distância ficava esse segundo. Ou o quanto estava próximo... As roupas de Rhodan estavam jogadas na margem da bacia. O rádio muito pequeno emitiu um zumbido. Rhodan saiu da água num salto. — Sim, o que houve, Noir? — Antes da operação contra os blues Kasom recebeu um hipnotreinamento em sua língua principal, senhor. Ficamos na escuta. Estão planejando uma operação de vasculhamento em grande escala. Mais de trezentas naves já pousaram no planalto, perto da estação destruída. As patrulhas avançarão para o sul. Daqui a pouco não estaremos mais seguros aqui. — Voltaremos imediatamente, André. Não saia de perto do receptor. — Traga tudo. Tenho a impressão de que possivelmente teremos de partir às pressas. — Isso pode acontecer. Mas Bokom tem uma idéia. O ar quente já enxugara os dois ratos-castores. Ao ouvir seu nome, Bokom limitouse a acenar com a cabeça. Rhodan e Bell puseram as roupas e chamaram Mory Abro, dizendo-lhe que devia interromper seu banho. Dali a dez minutos chegaram ao planador. Kasom cortara o sáurio em pedaços manipuláveis e os guardara no refrigerador. Acontecesse o que acontecesse, não tinha a menor vontade de depender mais uma vez das minúsculas rações que os outros costumavam designar como conservas. — Alguma novidade, André? — Pouca coisa. Kasom não entende tudo, e muitas vezes transmitem em código. Uma coisa é certa: os blues estão pousando. Nas proximidades do sol Simban está sendo travada uma enorme batalha entre grupos de naves de povos inimigos pertencentes à raça dos blues. Uma divisão, que provavelmente é formada por naves de ambas as partes em luta, está caçando a Tramp. Se as indicações do goniômetro são corretas, as patrulhas terrestres já estão a caminho. Avançam em nossa direção. Não sei se é por acaso. Não sei como poderiam ter dado com a nossa pista. — Nem eu. — Rhodan pôs-se a refletir. O alto-falante do rádio-receptor transmitia ininterruptamente sinais estranhos e fragmentos de frases. Era quase impossível distingui-

los uns dos outros. — Acho que devemos tomar preparativos para abandonar nosso esconderijo assim que isso se torne necessário. Kasom servirá de tradutor. Precisamos ficar a par dos acontecimentos. Bokom e Hemi prestarão atenção a eventuais impulsos mentais. — De repente dirigiu-se a Bokom: — Você não pretendia dar uma sugestão? Acha que já está na hora? — Então ainda não sabe? Rhodan sorriu e acenou com a cabeça. — Sei, sim. Sou um telepata muito fraco, mas consegui adivinhar suas intenções. — Passou a dirigir-se aos outros. — Bokom acha aconselhável que o planador fique parado no fundo do lago pantanoso, para aguardar o desenrolar dos acontecimentos. Acho que ninguém desconfiará de que estamos lá. — E os sáurios? — Kasom lançou um olhar apavorado para Rhodan. — Devo dizer que são uma boa companhia. Será que não nos devorarão? — A sua boca não é tão grande como a de certo especialista da USO — observou Bell. Kasom levantou o punho num gesto ameaçador e enfiou o último pedaço de carne na gaveta do refrigerador. Rhodan sentou junto aos controles. Ao lado dele Noir mexia nos botões do rádio. — O planador possui um periscópio que pode ser levantado — explicou. — Dessa forma poderemos ficar embaixo da água e observar o que está acontecendo na superfície. — É isso — disse Bokom com a voz tranqüila e apontou para uma rodinha. — Pode ser levantado até dez metros. Noir fez um gesto de agradecimento. As notícias transmitidas pelo rádio tornavamse cada vez mais interessantes. — Certamente desconfiam de que estamos aqui — disse Kasom, que se encontrava atrás de Noir, prestando atenção à conversa. Não entendia tudo, mas os fragmentos bastaram para que formasse um quadro aproximado da situação. — Os blues continuam a lutar entre si, mas celebraram um tratado. Metade da frota de cada lado prossegue na luta, enquanto o resto persegue a Tramp e procura localizar-nos. Não têm certeza se já fomos recolhidos ou não. Isso representa mais uma divisão das forças empenhadas na busca. Este Geco foi muito hábil. Mas ainda há trezentas naves no nosso encalço. Um grupo numeroso está a caminho daqui. Dispõe de veículos blindados. Estão a cerca de três quilômetros. Rhodan ligou o motor. — Pronto? — Não aguardou resposta. — Acho que vamos dar o fora. Mesmo que encontrem alguma pista por aqui, ficarão sem saber onde fomos parar. Daqui em diante não tocaremos mais o chão. O planador levantou-se do chão. Desceu riacho abaixo a poucos centímetros de altura, em direção ao lago. A cobertura vegetal quase não se abriu, pois as árvores cresciam junto ao riacho. O veículo seguia através de um túnel natural. Em certo ponto uma árvore tombada fechou-lhes o caminho. Bokom e Hemi afastaram-na telecineticamente. Foi uma visão medonha: a árvore movimentou-se de repente, subiu balançando, deslizou para o lado e caiu. O caminho estava livre, e o planador prosseguiu no seu vôo. Finalmente avistaram o lago. Os sáurios continuavam a movimentar-se em sua superfície, sem tomar conhecimento do planador. Pareciam considerá-lo uma coisa inocente. Rhodan contornou-os, até chegar ao centro do lago.

A água era lodosa e esverdeada. Não se enxergava a três centímetros de profundidade. Não era muito profunda. Rhodan fazia votos de que a profundidade fosse suficiente para esconder o veículo. O planador foi afundando devagar, enquanto Rhodan reduzia a potência dos campos energéticos. A gravitação natural de Roost foi puxando o veículo para baixo. O sistema de renovação de ar da cabine entrou em funcionamento, enquanto as águas se fechavam sobre a cobertura transparente. Escureceu imediatamente. A iluminação de emergência entrou em ação, espalhando uma luz mortiça. O planador afundou oito metros e descansou no fundo do lago. Os motores foram desligados e um silêncio medonho espalhou-se pela cabine. Rhodan fez um sinal para Noir. O hipno levantou o periscópio. Depois de subir cinco metros, chegou à superfície. A tela panorâmica mostrava toda a área adjacente — as margens pantanosas, a mata, o céu azul que se estendia sobre ela e os sáurios que continuavam na água. Não se via o menor sinal dos blues. Bell olhou para o teto. Viu que a lama levantada começava a assentar, depositandose na cobertura da cabine. Para os lados a visão era um pouco melhor. Enxergava-se alguns metros. Provavelmente mais embaixo não havia a camada verde formada pelas plantas aquáticas. Mas a luz do sol estava bastante amortecida. — Os sáurios! — exclamou Bell, surpreso, e apontou para a penumbra verde. — Estas feras estão mergulhando! Quatro ou cinco dos animais pré-históricos desceram para o fundo do lago, para contemplar aquilo que acreditavam ser uma presa. Aproximaram-se, balançando o corpo de forma estranha, e contornaram o planador em distâncias cada vez menores. Depois de algum tempo certificaram-se de que o estranho objeto, que se juntara a eles de forma tão surpreendente, não representava nenhum perigo nem era comestível. Tranqüilizados, voltaram a afastar-se e subiram à superfície. — Com estes eu não queria encontrar-me de maio — disse Bell e recostou-se no banco. — Mas do jeito que estão as coisas não tenho medo deles. Aqui a paisagem não é tão bonita como lá em cima, junto ao riacho, mas pelo menos teremos tempo para dormir à vontade. Alguma objeção? Não houve nenhuma. — Um de nós tem de ficar constantemente junto ao periscópio — ordenou Rhodan. — Assumirei o primeiro turno. Dentro de três horas Kasom me revezará. Se tivermos de fugir de novo, não haverá mais tempo para dormir. O silêncio voltou a reinar na cabine. Rhodan ficou sozinho junto aos controles e olhava ininterruptamente para a tela panorâmica. Dentro de algum tempo tinha registrado em sua memória as características de cada centímetro da margem do lago. Notaria imediatamente qualquer modificação, por menor que fosse. A ponta do periscópio não saía mais de um centímetro da água. Ninguém os descobriria. No entanto, Rhodan teve de encolhê-la várias vezes, quando os sáurios se aproximavam. As horas foram passando, e o sol caminhava para oeste. De repente os primeiros blues apareceram na margem do lago. *** Nem Zbron nem Geco perceberam que nenhum blue lhes fechava o caminho de volta para Roost. A passagem ficou completamente livre, mas atrás da Tramp reuniam-se dezenas de naves dos mais diversos tipos, comboiando o veículo espacial terrano. Depois

de algum tempo as naves eram tão numerosas que não se reconheciam mais as estrelas nas telas dos rastreadores. Os blues bloquearam o planeta Roost do espaço cósmico. E a Tramp estava na armadilha. Quando Zbron e Geco perceberam, já era tarde. — Então foi por isso que eles nos deixaram passar! — Zbron colocou a Tramp em órbita. — Ainda querem obrigar-nos a pousar, para que possam pegar-nos intactos. Não podemos permitir que isso aconteça. Se revistarem a nave e não encontrarem Rhodan e seus companheiros, intensificarão ainda mais as buscas no planeta. Então, Geco, o que acha? O rato-castor via-se diante de uma decisão difícil. — Capitular...? Você não pode acreditar seriamente que eu tenha dedicado um único pensamento a essa possibilidade. Vamos romper as linhas inimigas. — Cerca de quinhentas naves estão em nosso encalço. — Nem que fossem cinco mil! A brecha sempre será do mesmo tamanho, Zbron. Nós a abriremos com o canhão conversor. Aos poucos estou me treinando com ele. Mas antes de fazermos qualquer coisa quero voltar a falar com Rhodan. — Está bem. Mas não demore. Você coloca o planador em perigo de ser localizado pelos goniômetros do inimigo. Geco arrastou os pés em direção à cabine de rádio, enquanto Zbron tentava não aproximar a Tramp mais da superfície de Roost sem provocar suspeitas. Deslocaram-se horizontalmente a dez quilômetros da superfície e aproximaram-se do planalto. Enquanto isso Geco chamava o planador pelo rádio. — Alô, Bokom! Favor responder! Tramp em perfeitas condições. Depois de algumas tentativas sem resultado veio a resposta: — Alô, aqui fala planador. Tudo bem a bordo. O que houve? Geco relatou em palavras ligeiras, ressaltando que realmente não via outra alternativa senão desaparecer dali o mais depressa possível. — Era o que você deveria ter feito há algumas horas — respondeu Rhodan. — Se demorar mais, colocará todo mundo em perigo. Se a Tramp não tiver oportunidade de entrar em contato com as naves terranas, estaremos perdidos. Por isso quero que a Tramp fuja imediatamente. Isto é uma ordem. Entendido? — Entendido — respondeu Geco. — Voltaremos em breve com reforços. Os blues terão uma surpresa. Onde estão vocês? — Estamos em segurança. É só o que posso dizer. É possível que dentro em breve tenhamos que transferir nosso esconderijo, mas não faz mal. Tratem de colocar-se em segurança. Boa sorte. Geco voltou para junto de Zbron. — Acho que devemos dar o fora — disse. — Foi o que Rhodan disse há algumas horas, mas você não quis. Gostaria de saber por que faz questão de bancar o herói quando isso não pode adiantar nada. No presente caso a fuga é o melhor aspecto da coragem. — Não estou bancando o herói — protestou Geco. — Sou um herói. Zbron suspirou, deu um ligeiro olhar para as telas a fim de orientar-se e respondeu: — Avançaremos exatamente na direção do sol. Afaste do caminho tudo que tentar impedir nossa passagem. Eles nos atraíram para uma armadilha; quanto a isso não há dúvida. Mas se você souber usar corretamente o canhão conversor e a sala de artilharia tiver permissão de atirar com os outros canhões, devemos conseguir.

As naves dos blues agruparam-se numa gigantesca semi-esfera que se deslocava com a mesma velocidade da Tramp, concentrando-se num espaço cada vez mais reduzido. A nave-comando ficava num ponto um pouco mais afastado e dirigia a operação. Zbron percebeu isso quando Stozi captou as respectivas mensagens. Era impossível decifrá-las, mas a forma pela qual eram emitidas deixava claro quem dava as ordens. — Precisamos liquidar esta nave — disse, dirigindo-se a Geco. — Coloque-a na mira antes das outras. Um plano arrojado amadureceu na cabeça de Geco. Destruir a nave-capitânia inimiga não bastava. Deviam meter um tremendo susto nos blues para deixá-los confusos. O caos que se estabeleceria depois disso poderia ser aproveitado para tentar a fuga. — Mantenha a rota — disse, dirigindo-se a Zbron. — Voltarei dentro de alguns minutos. — O que pretende fazer? — Não há tempo para explicações. Faça o que estou dizendo. Antes que Zbron tivesse tempo de protestar, Geco desmaterializou-se. Saltou para a sala de artilharia e dali para o depósito de munições da Tramp. Com um movimento rápido pegou uma bomba atômica portátil, examinou-a e ligou o mecanismo do relógio. O artefato explosivo do tamanho de um punho humano detonaria exatamente dentro de cinco minutos. A partir das telas da sala de artilharia Geco fixou a nave-capitânia do inimigo, concentrou-se e teleportou-se. Rematerializou-se num depósito, quase no centro da nave inimiga, colocou a bomba num canto, entre algumas caixas e ferramentas, voltou a teleportar-se e depois de três tentativas frustradas chegou à sala de comando. Havia sete ou oito blues, sentados ou em pé, à frente dos controles. Uma tela oval mostrava a imagem ampla e nítida da Tramp. Encontrava-se exatamente no ponto de interseção do dispositivo de mira das armas energéticas. — Ei! — disse Geco em intercosmo e deu uma pancadinha no ombro estreito do blue que se encontrava mais próximo. — Você é o comandante? Todos os blues viraram-se abruptamente ao ouvir a voz que falava aos pios. Ficaram estupefatos ao notar a presença de Geco. Ninguém fez o menor movimento. Parecia que o susto os paralisara. Não compreendiam como aquele ser pequeno e peludo poderia ter entrado na nave. — Fiz uma pergunta — esbravejou Geco e deu um soco no blue. — Faça o favor de responder. Nenhum dos blues disse uma palavra que fosse. Procuraram desvendar o mistério, mas não conseguiram. Compreenderam que a criatura que se encontrava à sua frente não era um terrano, mas isso não facilitava a solução do mistério. Geco sentiu certa satisfação ao notar que desta vez não estava sendo confundido com Gucky, mas nem por isso sua raiva diminuiu. Os blues tinham-no impedido de praticar um ato de heroísmo e salvar Rhodan. Deviam ser castigados por isso. — Bem, já que não querem — ao menos rezem. Daqui a dois minutos vocês irão para os ares — ou melhor, para o vácuo, para não ofender a precisão científica. Procurem colocar-se em segurança. Estão avisados. Um dos blues conseguiu chegar a uma decisão. Tirou uma arma pequena do cinto e apontou-a para Geco, que notou imediatamente o movimento. Realizou uma operação

telecinética, tirando a pistola do cabeça de prato e atirando-a para dentro de uma das telas. A confusão tornou-se ainda maior. — Boa viagem — disse Geco e teleportou-se de volta para a Tramp. Foi parar no colo de Zbron, mas logo se colocou em segurança, pois o uniter assustou-se tanto que instintivamente tentou golpeá-lo com a tromba. — Que é isso? Onde já se viu alguém atacar seu comandante? — chiou o rato-castor e saltou para dentro da poltrona mais próxima. — Daqui a um minuto os blues ficarão sem seu comando supremo. Neste exato momento tentaremos atravessar suas linhas. Entendido? Stozi, que continuava na sala de rádio, ligou o transmissor automático, que repetia constantemente a mesma mensagem: RhAtBu-QQYR-12-l5-888430-NoTri. A mensagem continuaria a ser expedida quando a Tramp tivesse sido reduzida a destroços e os tripulantes estivessem mortos. Certamente chegaria a hora em que alguém iria captar a mensagem. Exatamente no momento indicado a nave dos blues transformou-se num sol chamejante. As ordens deixaram de ser transmitidas. Os pêlos azuis ficaram perplexos, à espera de ordens dos seus oficiais. — Vamos! É agora! — ordenou Geco, que estava sentado atrás dos controles do canhão de conversão. — Conseguiremos! A Tramp saiu em disparada na direção em que se encontrava a frota dos blues. O inimigo estava tão confuso que levou algum tempo para compreender a intenção da nave terrana e coordenar suas reações. Mais uma vez a sorte favoreceu Geco e sua tripulação. Enquanto os ratos-castores estavam no seu alojamento, entretendo-se em brincadeiras inocentes para fazer passar o tempo, enquanto os Willys permaneciam sob a forma preferida de placas, à espera de que alguma coisa acontecesse, a Tramp rompeu o cinturão formado pelas naves dos blues, deixando atrás de si a morte e a destruição e precipitando-se espaço afora. Inúmeros feixes energéticos disparados pelos canhões inimigos correram atrás dela e alcançaram-na. O campo defensivo entrou em colapso. A Tramp sofreu impactos graves, mas agüentou. A aceleração era tão elevada que a nave não demorou a ultrapassar a velocidade da luz, quando então os tiros energéticos não podiam alcançá-la mais. Luzes vermelhas acenderam-se nos painéis do controle. A rota tornou-se insegura e inconstante. Alguns propulsores falharam. As luzes apagaram-se. As luzes de emergência acenderam-se imediatamente. Geco levantou do chão. — O que aconteceu? — perguntou, assustado. — Sofremos alguns impactos fortes na área da popa. Por enquanto não estamos em condições de avaliar os danos. Isso pode ficar para depois. Agora o mais importante é sair daqui. Se os blues nos pegarem neste estado, estaremos perdidos. — Quer dizer que a Tramp está reduzida a destroços — disse Geco para certificarse. — Ainda resta um pouco mais que isso — retificou Zbron. — Por enquanto ainda podemos executar algumas manobras e temos meios de nos defender. Mas não se pode dizer que a nave esteja em plena forma. Sugiro que nos afastemos do sistema, talvez a algumas horas-luz, e fiquemos à espera.

— Concordo. — Geco surpreendeu-se de ter aceito sem a menor objeção o conselho de um “subordinado”. — Enquanto isso providenciarei para que os danos sejam apurados. Além disso preciso verificar o que estão fazendo os tripulantes. — Todos os uniters estão a postos — observou Zbron, numa evidente alusão aos ratos-castores. Geco acenou pacatamente com a cabeça. — Já sei, já sei. Este fato será considerado na distribuição das condecorações. Quanto aos meus ratos-castores... — Soltou um suspiro e exibiu um sorriso embaraçado. Zbron retribuiu o sorriso e enrolou a tromba. Do outro lado do sol não encontraram mais nenhum blue. O espaço estava vazio; não havia naves. Era a primeira vez em algumas horas que não havia um perigo imediato para a Tramp. Geco percorreu a nave e examinou as avarias. Distribuiu elogios entre os uniters e dirigiu-se ao lugar em que estavam os Willys, para certificar-se de que por lá também estava tudo em ordem. Finalmente abriu a porta que dava para o alojamento dos ratos-castores. Ouviu uma algazarra alegre e caiu ao chão antes de compreender o que significava. Acabara de ser atingido na cabeça por um travesseiro. Naturalmente por ali também estava tudo em ordem. *** Havia um silêncio apavorante. Rhodan contemplava as telas panorâmicas. Novos blues continuavam a chegar à margem do lago. Dois veículos blindados entraram em posição. Seus canhões estavam apontados para o lago. Rhodan estava ansioso atrás dos controles. Era perfeitamente possível que os blues possuíssem aparelhos que permitissem a localização de uma grande massa metálica escondida embaixo da água. Ficou com as mãos no botão de partida. Uma leve pressão, e o planador poderia entrar em ação. Poderia vir à superfície, erguer-se no ar e desaparecer. Ficaria fora do alcance dos canhões dos veículos blindados, mas uma verdadeira caçada teria início. Rhodan resolveu não assumir este risco. Seria preferível permanecer no esconderijo enquanto isso fosse possível e aguardar os acontecimentos. Os blues observavam os sáurios. Rhodan ficou mais aliviado. Descontraiu-se. Talvez fossem realmente os sáurios que tinham despertado a atenção dos pêlos azuis e cabeças de prato. Era possível que nunca tivessem visto um sáurio. Os inocentes animais pré-históricos não tomaram conhecimento da presença dos recém-chegados. Continuaram a mergulhar à procura de alimento e revolviam o lodo. Rhodan sentiu-se grato por isso. Kasom e Bell acordaram. Vieram para perto de Rhodan. — Aqui estamos bem — disse Bell. — Tão depressa não nos encontram. — Se não nos encontrarem, será por puro acaso. Se tiverem a idéia de vasculhar o lago estamos liquidados. Cuide do rádio, Kasom. Talvez consiga, captar algumas mensagens interessantes. Gostaria de saber o que aconteceu com a Tramp. — A nave continua a transmitir a mensagem secreta. Mas as indicações do goniômetro mudaram. Parece que estão se afastando de nós. — É o que devem fazer. Neste caso devem ter rompido o cerco.

— Provavelmente. — Kasom mexeu nos controles do receptor. Outros sinais tornaram-se mais fortes e nítidos. Pôs-se a. escutar atentamente. Finalmente acenou com a cabeça. — É verdade! A Tramp conseguiu surpreendê-los. Uma nave-capitânea dos blues foi destruída — de uma maneira inexplicável, conforme dizem os blues. Este Geco aprendeu bastante com Gucky. Rhodan acenou com a cabeça, mas não respondeu. Estava de olho nas margens do lago. Para seu gosto os blues estavam demorando demais. Não podiam estar enlevados com o panorama do lago que se abria na floresta a ponto de esquecer a tarefa que os tinha trazido para lá. — Os blues estão transmitindo ordens —-disse Kasom em meio às suas reflexões. — As buscas na superfície de Roost prosseguem com esforços redobrados. Estão convencidos de que deve haver alguma coisa por aqui, já que a Tramp não foge. Se não estivesse à procura de alguma coisa, afastar-se-ia o mais depressa possível para escapar à destruição. Como a nave permanece obstinadamente nas proximidades do sistema, deve haver uma coisa muito valiosa em Roost. Os blues estão decididos a encontrar esta coisa. — Quer dizer que nem sabem de que se trata? Não sabem o que estão procurando? — Parece que não. De qualquer maneira, devemos preparar-nos para o pior. — Ficaremos no lago enquanto for possível. Se necessário fugiremos para as montanhas, onde existem muitos esconderijos. Bell olhou para a tela panorâmica. — Olhem! Estão tirando barcos dos veículos. Droga! Quem lhes disse que estamos neste lago? Rhodan acompanhou o desenrolar dos acontecimentos com uma expressão preocupada. Os blues realmente haviam tirado pequenos barcos infláveis dos veículos e estavam preparando os mesmos na margem do lago. Pelas características dos instrumentos que estavam colocando nos barcos concluía-se que pretendiam vasculhar o fundo da lagoa com rastreadores. — Bell, acorde os ratos-castores. Peça-lhes que venham imediatamente. — O que quer...? — Vá buscá-los, Bell. Não temos tempo para explicações. Os blues entraram nos barcos e saíram cautelosamente para o lago. Distribuiram-se e colocaram em funcionamento os rastreadores de matéria. Levariam meia hora para chegar ao centro do lago. Bell voltou com Bokom e Hemi. Pareciam estar menos curiosos que o primeiro, pois não formularam nenhuma pergunta. Rhodan apontou para a tela. — Vejam o que está acontecendo. Temos de fugir. Quanto a isso não existe dúvida. Se nos encontrarem, ficaremos indefesos. Nossos canhões não funcionam embaixo da água. Teríamos de voltar à superfície, mas os blues já estariam preparados. Quero dizer que vamos emergir antes disso, mas primeiro temos de evitar que os blues possam transmitir alguma mensagem. Os transmissores devem estar nos dois veículos blindados. Será que vocês têm força para empurrá-los para dentro da água? Vocês têm de fazer com que afundem. Bokom teve suas dúvidas. — É possível que juntos consigamos, mas o difícil será fazer com que tudo aconteça com a necessária rapidez. Se desconfiarem antes da hora, será tudo em vão. Hemi e eu tentaremos movimentar os dois veículos ao mesmo tempo. Rhodan confirmou com um gesto. Não tinha vontade de dar palpites. Em matéria de telecinesia os ratos-castores entendiam mais que ele. Deviam saber do que eram capazes.

Concentrou-se na imagem projetada na tela panorâmica. Os barcos iniciaram seu trabalho. Sondas foram colocadas na água. Rhodan tinha certeza de que também havia câmaras de televisão para revistar o fundo do lago. Outro grupo de blues apareceu na margem oposta do lago, mas logo seguiu caminho. Rhodan passou a dedicar sua atenção aos dois veículos blindados. Seus ocupantes estavam espalhados ã frente dos mesmos, de pé ou sentados, observando os companheiros que trabalhavam sobre a água. Isso não deixava de ser interessante, porque os sáurios não gostaram de ser incomodados. Atacaram os barcos. Um deles virou e os blues fizeram esforços desesperados para alcançar a margem, que não estava muito distante. Como os sáurios não os perseguiram, conseguiram. Era bem verdade que a operação de busca sofreu um atraso considerável. De repente os dois veículos blindados começaram a movimentar-se, embora os motores estivessem desligados. Um dos blues foi apanhado pelas sapatas e desapareceu sob a carroçaria do veículo. Os outros conseguiram saltar para o lado antes que fosse tarde, sem compreender o espetáculo que se desenrolava diante de seus olhos. Os controles dos blindados deviam ter sido manipulados por fantasmas. Era a única explicação. Bokom e Hemi estavam sentados, completamente imóveis. Ficaram de olho nos dois veículos, que rolavam lentamente em direção ao lago e não se detiveram entre os juncos. Foram afundando, e dali a pouco só as cúpulas blindadas saíam da água. Finalmente desapareceram de vez. Os blues que se encontravam nos barcos suspenderam suas atividades. Olharam espantados para o lugar em que seus veículos tinham afundado. Depois voltaram à margem e reuniram-se em conselho de guerra. Apontavam constantemente para o lago. Tornava-se cada vez mais evidente que acreditavam que aquilo que estavam procurando estava lá. — Foi um trabalho bem-feito — elogiou Rhodan, mas ainda não tinha certeza se realmente já estava na hora de abandonarem o esconderijo. — Parece que conseguimos detê-los. Tão depressa não conseguirão pôr as mãos nos blindados que afundaram no lago. Se não tiverem rádios portáteis, poderão esperar muito até que apareça alguém para levá-los. — A floresta está cheia de blues — disse Kasom, — De qualquer maneira acabaremos sendo descobertos — constatou Rhodan. — Acho que devemos dar o fora. Diria que o mais recomendável é irmos para o norte. Para as montanhas. Fora da água poderemos defender-nos melhor. Dali a meia hora os blues reiniciaram as buscas. Havia poucos deles junto ao lago. Um grupo devia ter ido a pé até a base situada no planalto, para relatar o estranho acontecimento. — Daqui a pouco vai escurecer — disse Bell. Rhodan olhou para o relógio. Em Roost os dias eram mais compridos, mas dentro de três horas escureceria. Se até lá não fossem encontrados... — Quer dizer que vamos esperar mais um pouco... Os minutos foram-se arrastando. O trabalho dos blues progredia muito devagar. Vasculharam as margens metro por metro antes de avançarem cautelosamente em direção ao centro. O sol ia baixando; já tinha desaparecido atrás das copas das árvores. Desapareceria dentro de meia hora.

A tensão cresceu, quando mais uma vez um incidente interrompeu o trabalho dos blues. Os sáurios ficaram cada vez mais inquietos. Pareciam decididos a expulsar os intrusos. Precipitaram-se em formação compacta sobre os barcos relativamente fracos e pequenos e viraram três deles. Imediatamente os ocupantes dos outros barcos abriram fogo contra os monstros e mataram a metade deles. — Bárbaros! — disse Bokom, enojado. Rhodan não fez nenhum comentário. Os blues apenas estavam defendendo sua pele. E esqueceram a tarefa que estavam desempenhando. Começou a escuridão. Duas horas depois do pôr-do-sol Rhodan ligou o propulsor do planador. O motor emitiu um zumbido leve. Os campos energéticos entraram em ação, e o veículo foi subindo lentamente. Estava completamente escuro. Nas margens do lago estava tudo em silêncio. Mas os blues ainda estavam lá. Os ruídos fracos que se faziam ouvir de vez em quando eram a melhor prova. Provavelmente estavam à espera de reforços e de outros veículos. O planador rompeu a superfície da água — e continuou a subir até ficar suspenso no ar, bem acima das copas das árvores. A fuga ainda não tinha sido notada. Rhodan acelerou e seguiu para o norte. O lago foi ficando para trás, enquanto o planador se deslocava pouco acima das copas das árvores e ia subindo para acompanhar o terreno em aclive. A floresta terminou no lugar em que começava o planalto. Ainda havia algumas crateras incandescentes no lugar em que ficara a estação. As correntes ascendentes de ar quente tentaram levantar o veículo, mas Rhodan soube compensar todos os fatores que perturbavam a rota. — Estão procurando na face diurna — disse Kasom, interrompendo o silêncio. Continuava sentado à frente do rádio. — Podem procurar à vontade. — Que nem o homem da chave — observou Bell em tom distraído. — Que história é essa? — perguntou Kasom, curioso. — O homem perdeu a chave e procurou embaixo da lanterna, porque lá era mais claro. Mas ele a deixara cair no escuro, a cem metros dali. — Que piada estúpida! — exclamou Kasom, decepcionado. Bokom piou de alegria, bateu nas costas de Bell e retirou-se juntamente com Hemi para os fundos da cabine principal. Bell seguiu-os com os olhos. Parecia satisfeito. — São dois caras inteligentes — constatou. Rhodan não tirava os olhos das telas. — Acontece que um dos caras é uma moça — disse como que ao acaso. Bell confirmou com um gesto. — Não dá para notar, Perry. Ninguém consegue distinguir um rato-castor do outro. Para mim são todos uns caras alegres e inteligentes. — Oportunamente você poderia dizer isso a Gucky — recomendou Rhodan e modificou a rota um pouco para a esquerda. Mal distinguia o planalto. A lua não tinha saído e havia poucas estrelas. Só podia imaginar o que havia na superfície. — Daqui a pouco atingiremos as montanhas. Precisamos ter cuidado para não colidir com uma rocha. Seus olhos já se tinham acostumado à escuridão. Pelo menos o suficiente para enxergar as montanhas que se destacavam contra o céu escuro. Havia um vale largo que deixava livre o caminho para o norte. Rhodan acompanhou a depressão pouco profunda. O planalto ficou para trás.

Depois de terem percorrido cerca de trinta quilômetros, o vale terminou numa bacia quase redonda, cercada por encostas íngremes. Como não se via muita coisa na escuridão e Rhodan não quis arriscar-se a ligar os holofotes, fez o planador pousar junto à encosta rochosa e desligou o motor e os campos energéticos. Ligou o campo defensivo que envolvia o veículo, para estar protegido contra eventuais surpresas. — Amanhã de manhã veremos o resto — disse. — Kasom, é sua vez de ficar de sentinela. Preste atenção à troca de mensagens pelo inimigo. Acorde-me se houver algo de extraordinário. Kasom ficou atrás dos controles, enquanto os outros foram dormir. Finalmente o dia começou a raiar. O vale era mais estreito do que supunham. Na encosta leste havia algumas cavernas largas e profundas. Uma delas, cuja entrada ficava vinte metros acima do fundo do vale, parecia muito apropriada. Rhodan manobrou o planador para o seu interior e o fez pousar bem nos fundos. Era uma caverna grande: poderia acolher dez planadores. No lugar em que se encontravam estavam totalmente protegidos contra a visão de cima e de baixo. Se necessário, poderiam defender-se contra uma grande superioridade de forças. — Ficaremos aqui — decidiu Rhodan. — Nada de experiências daqui em diante. Noir, quais são as notícias? Noir sorriu e apontou para Kasom. Este, que durante a última hora não saíra de perto dos instrumentos, mantinha-se em silêncio. Lançou um olhar para o nicho da cozinha, onde um pedaço de sáurio estava sendo assado. Um cheiro delicioso espalhou-se pela cabine. — Suspeitam de que haja alguma coisa no lago da floresta. Hoje mesmo darão início a uma operação de busca. O nome Rhodan chegou a ser mencionado, senhor, mas perdi o contexto. Parece que sabem que nós estamos aqui. Querem pegar-nos vivos. — Gostaria de saber como descobriram. Talvez tenha sido através de nossas mensagens de rádio. — Rhodan também olhou para o nicho que servia de cozinha. Era possível que à carne de sáurio não fosse tão má assim. — E a Tramp? Continua a transmitir? — Transmite ininterruptamente o pedido de socorro, além de algumas notícias para nós. O comandante pede que não respondamos. Provavelmente receia que possamos ser localizados por meio de algum goniômetro. Ao romper as linhas inimigas, a Tramp foi atingida várias vezes e está bastante avariada, mas ainda pode ser manobrada. Permanece no interior do sistema e não se afastará a mais de um mês-luz. Os receptores ficam ligados ininterruptamente. O pedido de socorro continua a ser transmitido. Rhodan não respondeu. Lançou os olhos através da parede transparente da cabine, pela caverna, até a saída. Olhou para o vale baixo e solitário onde se via um pequeno riacho e alguns prados verdes. Do lado oposto a rocha nua subia na vertical. Não se ouvia o menor ruído. Aquele lugar nas montanhas era ainda mais seguro e solitário que o fundo do lago na floresta. — Um dia alguém há de captar o pedido de socorro — disse Bell em meio ao silêncio. — Ninguém venha me dizer que não há uma única nave terrana neste setor da Via Láctea. Rhodan levantou-se e abriu a porta da cabine. Foi à entrada da caverna. A seus pés o paredão de rocha caía na vertical. A visibilidade era boa e por isso poderiam frustrar um eventual ataque de surpresa dos blues. — O que acha, Perry? — perguntou Bell. — Também acredita que alguém ouvirá a mensagem?

Rhodan deu-lhe razão. — Naturalmente acredito. Até é possível que isso já tenha acontecido e que estejam a caminho, enquanto nós nos preocupamos por aqui. Hoje ou amanhã — um dia virão buscar-nos. E neste dia os blues voltarão a aprender o que significa ter medo. O Império desmoronou, mas a Terra ficou mais forte que nunca. Atlan, que fizera questão de permanecer nos fundos da cabine, juntou-se aos outros. Olhou para o vale. — Talvez o sentido do Império tenha sido este — disse em voz baixa e com uma ligeira tristeza. — Nenhuma vitória é alcançada sem sacrifícios. Ficou parado entre os outros — um arcônida e um imortal — mas apesar de tudo um homem. Era mais terrano que arcônida. Rhodan colocou a mão em seu ombro. — Quando vierem buscar-nos, teremos de recomeçar — disse.

*** ** *

Uma coisa que frotas inteiras não conseguiram durante as buscas que se estenderam por meses a fio acabou sendo feita pela expedição dos ratos-castores. Esta expedição conseguiu entrar em contato com os desaparecidos. Mas para salvá-los é necessário um couraçado — e um tipo arrojado como Tschato. Seus tripulantes costumam chamá-lo de leão! Tschato, o Leão é o título do próximo livro da série Perry Rhodan.

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