O Vazio Necessário. Quantas vezes já ouvimos falar da estória do copo que está pela metade com água. Para alguns ele está meio cheio e para outros ele está meio vazio. Esta situação concreta nos remete a situações do dia a dia. Se a nossa cabeça estiver cheia, se a rua estiver cheia, se o elevador estiver cheio, não conseguiremos absorver mais nenhuma informação, o congestionamento na rua será inevitável e com certeza precisaremos esperar o próximo elevador. Quando se está cheio não existe mais lugar a ser ocupado. Qualquer idéia, mudança ou projeto novo não terá condições de ocupar seu espaço, precisará esperar a chegada de um elevador vazio. A situação torna-se conflitante, pois fomos incentivados a ter. Nós reagimos frente a uma necessidade de vazio, pois o vazio é não ter e não ter é algo que nós pensamos ser ruim, que nos diminui, que nos torna inferiores. Será isso mesmo que devemos continuar pensando? Vamos a uma pequena estória. Existia um mercador que realizava viagens, levando toda a sorte de produtos para comercializar. Podemos até dizer que a sua carroça não tinha mais condições de levar mais nada. Ela estava cheia e o mercador sentia-se muito feliz por ter tantos produtos. Porém, todo dia ele se queixava da sorte, porque tinha perdido muito com pessoas desonestas que compravam e não pagavam. Vez por outra, elas até mudavam de endereço e ele perdia qualquer chance de receber qualquer pagamento. O mercador, porém tinha uma grande vantagem, ele era rápido na estrada e sempre tinha bons cavalos. Certo dia, um nobre veio procurá-lo e perguntou se poderia fazer o transporte para ele de uma caixa lacrada de tempos em tempos. O mercador imediatamente respondeu: minha carroça está cheia, não consigo levar mais nada. O nobre ainda tentou convencê-lo, mas de nada adiantou. Tempos mais tarde o mercador começou a encontrar outro mercador em uma carroça muito rápida. Quando se encontraram, o nosso mercador percebeu que o outro era muito feliz e resolveu perguntar qual era o seu segredo. O outro mercador respondeu: tempos atrás um nobre veio pedir para que transportasse uma caixa lacrada de tempos em tempos. Resolvi então perguntar quanto pagaria pelo transporte. O valor era muito bom e imediatamente troquei algumas mercadorias que não conseguia vender para dar lugar ao transporte da caixa. Podemos imaginar a perplexidade do mercador ao ouvir esta resposta. O primeiro mercador estava cheio, tinha muitas coisas para levar e vender. O segundo mercador resolveu perguntar um pouco mais e descobriu que valeria a pena ficar vazio, deixar de lado as mercadorias inúteis e dar lugar à caixa lacrada. Vazio não quer dizer deixar de ter para sempre. O vazio é necessário para que possamos estar abertos a um novo ter e assim sucessivamente. Estar vazio é estar
aberto, olhar atento para o caminho a seguir. Ficar preso ao ter não permite que exista evolução, crescimento. Em nossos dias podemos verificar diversas situações em que o estar preso ao ter torna-se uma bola de ferro que nos é amarrada, impedindo que desfrutemos de uma vida melhor. Sentimo-nos importantes quando temos um diploma, mesmo que ele não sirva para nada. As pessoas querem trabalhar na segurança da carteira assinada, mesmo que para tal precisem se sujeitar a ganhar menos. Ao fim do dia, gostamos de voltar para casa com o sentimento do dever cumprido, dormimos e no dia seguinte recomeçamos tudo de novo. A visão otimista quanto à estória do copo, dizer que ele está meio cheio pode não ser tão boa assim. Quando estamos cheios não há espaço para mais nada. Quem diz que o copo está meio cheio, está contente com o que tem lá. Quem diz que o copo está meio vazio, está aberto para acrescentar algo mais ao copo, ainda há espaço. De uma forma ou de outra as situações estão a nossa volta e nós mesmos precisamos ter a coragem de experimentar o vazio necessário. Vazio este que permitirá dar espaço para novas idéias, novos encontros, novas possibilidades e oportunidades. Teimando em ter, nós simplesmente ficaremos presos para o resto de nossos dias, sem condições de desfrutar da felicidade de estar no caminho de uma vida melhor. Cláudio Loes - 2006