O Que Vem Com A Lua

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[email protected] “O que vem com a lua” – H.P. Lovecraft Fonte: “A Maldição de Sarnath”. Ed. Iluminuras. Adquira o livro completo em http://www.iluminuras.com.br

O

deio a lua, tenho medo dela, pois quando ela brilha sobre certas cenas familiares e amadas, às vezes as torna inusitadas e hediondas. Foi no verão espectral, quando a lua brilhava sobre o velho jardim onde eu passeava; o verão espectral de flores narcóticas e úmidos mares de folhagem provocando sonhos multicores e selvagens. E enquanto caminhava margeando a rasa corrente cristalina, vi estranhas ondulações com as cristas amareladas de luz, como se aquelas plácidas águas fossem arrastadas em correntes irresistíveis para estranhos oceanos fora do mundo. Silenciosas e faiscantes, brilhantes e malignas, aquelas águas amaldiçoadas pela lua corriam não sei para onde, enquanto nas margens verdejantes, brancas flores de lotos esvoaçavam uma a uma levadas pelo narcótico vento noturno, e caíam invariavelmente na corrente, girando vertiginosamente para longe, por baixo da ponte arqueada, entalhada, e olhando para trás com a sinistra resignação das impassíveis faces mortas. Enquanto corria ao longo da margem esmagando flores adormecidas com pés descuidados e enlouquecido pelo medo de coisas desconhecidas e a sedução das faces mortas, vi que o jardim não tinha fim sob aquele luar, pis onde havia muros durante o dia, agora se estendiam apenas novas paisagens de árvores e caminhos, flores e arbustos, ídolos de pedra e pagodes, e as dobras da corrente amarelada cruzando ribanceiras gramadas e passando por baixo de grotescas pontes de mármore. E os lábios das faces-lotos mortas murmuravam tristemente e convidavam-me a prosseguir, e não cessaram meus passos até que a corrente virasse um rio desaguando, através de pântanos de juncos ondulantes e praias de areias cintilantes, na costa de um vasto e inominado oceano. Brilhava sobre aquele mar a hedionda lua, e de suas ondas mudas emanavam misteriosos perfumes. E, enquanto olhava as face-lotos ali desaparecerem, ansiava por redes que me permitissem capturá-las e aprender com elas os segredos que a lua trouxera para a noite. Mas quando a lua desceu para o oeste e a maré calma refluiu da praia sombria, eu vi, sob aquela luz, antigas flechas quase descobertas pelas ondas e colunas brancas adornadas com festões de algas verdes. E sabendo que para este lugar submerso vieram todos os mortos, estremeci e não quis mais falar com as faces-lotos. No entanto, quando enxerguei no horizonte marinho o negro condor descer do céu para pousar num vasto recife, de bom grado eu o teria interrogado e perguntado por aqueles que eu conhecera quando estavam vivos. Isto eu lhe teria perguntado se não tivesse tão longe, mas ele estava muito longe e não podia ser absolutamente percebido ao se aproximar daquele gigantesco recife. Observei então a maré vazar sob aquela lua poente, e vi, cintilando, as flechas, as torres e os telhados daquela cidade morta gotejante. E enquanto olhava, minhas narinas tentaram se fechar para o mau cheiro dos mortos do mundo que afogava os perfumes; pois, realmente acumulara-se nesse lugar deslocado e esquecido toda a carne dos cemitérios para os túrgidos vermes marinhos roerem e se fartarem. Sobre tais horrores pairava agora a maligna lua muito baixa no céu, mas os túrgidos vermes marinhos não precisavam da lua para se alimentar. E enquanto eu olhava as ondulações que diziam da convulsão dos vermes sob sua superfície, senti um novo arrepio vindo de longe, do lugar para onde o condor voara, como se minha carne tivesse captado um horror antes de meus olhos o verem. Não se arrepiara sem motivo minha pele, pois ao erguer os olhos, vi que as águas haviam recuado para muito longe, deixando a descoberto boa parte do vasto recife cuja borda já havia enxergado. E, quando percebi que o recife era apenas a negra coroa de basalto de um fabuloso ídolo cuja monstruosa testa agora se expunha sob o tênue clarão do luar, e cujas ignóbeis patas deviam 1

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escavar o lodo infernal muitas milhas abaixo, gritei e gritei, temendo que a face oculta se erguesse acima das águas e temendo que os olhos ocultos me fitassem depois da ocultação daquela vigilante e traiçoeira lua amarela. E para escapar dessa coisa implacável, mergulhei contente e sem hesitação nas águas rasas malcheirosas onde, entre paredes arruinadas e ruas submersas, gordos vermes marinhos se regalam com os mortos do mundo.

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