Poesia E Os Deuses

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[email protected] “Poesia e os Deuses” — H.P. Lovecraft e Anna Helen Crofts Fonte: “A Tumba... e Outras Histórias”. Ed. Francisco Alves. * Notas de transcrição não constam nos originais da editora.

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RA UMA ÚMIDA e sombria noite de abril, logo após o fim da Grande Guerra, quando Márcia se descobriu sozinha com estranhos pensamentos e desejos, anseios inconfessáveis que pairavam no espaçoso escritório do século XX, para fora nas profundezas do ar, e para oeste, nos olivais distantes da Arcádia1 que ela vira apenas em sonhos. Entrara no quarto em abstrações, desligara os candelabros brilhantes, e agora reclinava-se num divã confortável ao lado de uma lâmpada solitária que derramava sobre a mesa de leitura um brilho verde tão tranqüilizante quando o luar quando passava pela folhagem cercando um antigo altar. Vestida com simplicidade num vestido curto de dormir, por fora ela parecia um produto típico da civilização moderna; mas aquela noite ela sentia o golfo imensurável que separava sua alma de todo o prosaico que a cercava. Seria por causa da estranha casa onde vivia, aquele refúgio gelado onde as relações eram sempre tensas e os habitantes pouco mais que estranhos? Seria isso ou seria algum maior e menos explicável deslocamento no tempo e no espaço, por ter ela nascido muito tarde, ou muito cedo, ou muito distante dos desejos de seu espírito para jamais se harmonizar com as coisas feias da realidade contemporânea? Para dispersar o temperamento que a engolfava mais e mais a cada momento, ela pegou uma revista da mesa e procurou alguma peça suave de poesia. A poesia sempre aliviara sua mente preocupada melhor do que qualquer coisa, embora muitas coisas na poesia ela havia visto apartada da influência. Sobre as partes até mesmo dos versos mais sublimes pairava um vapor gelado de feiúra estéril e tensão, como a poeira sobre uma vidraça através da qual se assiste a um magnífico crepúsculo. Virando distraída as páginas da revista, como se procurando um tesouro elusivo, ela subitamente descobriu uma coisa que dispersou seu langor. Um observador poderia ter lido seus pensamentos e lhe dito que ela havia descoberto alguma imagem onírica que a levava mais perto de seu objetivo inalcançado do que qualquer imagem ou sonho que jamais tivera antes. Era apenas um pedaço de verso livre, aquele piedoso compromisso do poeta que entremeava a prosa mas a que faltava a divina melodia dos números; mas que possuía em si toda a música não-estudada dos bardos que vivem e sentem, que se agarram estáticos à beleza desvelada. Despidos de regularidade, ainda assim possuía a harmonia das palavras aladas, espontâneas, uma harmonia que fugia do formalismo, da prisão das convenções dos versos de que ela havia conhecido. Ao ler aquilo, tudo o que a cercava gradualmente desaparecia, e logo só havia sobre ela as neblinas do sonho, as purpúreas e estreladas neblinas além do tempo, onde somente os deuses e os sonhadores caminham. A Lua sobre o Japão, Lua branca borboleta! Onde sonham os Budas Ao som do cuco que chama... As brancas asas de borboletas lunares Flutuam nas ruas da cidade, Calando em silêncio as lanternas inúteis Nas mãos das meninas A Lua sobre os trópicos, Botão curvado de branco Abrindo as pétalas lentamente no calor dos céus...

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Arcádia, região na parte central do Peloponeso, Grécia. Na mitologia grega, era a residência de Pã, deus da natureza e padroeiro dos pastores, e centro do seu culto. (Nota de Transcrição)

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O ar está cheio de odores E langorosos sons cálidos... Uma flauta zumbe sua música de inseto para a noite Sob a pétala lunar curvada dos céus... A Lua sobre a China, Lua cansada do rio do céu, O movimento da luz nos salgueiros é como o brilho de mil peixinhos de água doce Em águas escuras; Os azulejos das tumbas e templos decaídos brilham como ondas, O céu se enche de nuvens como as escamas de um dragão.

Entre as brumas do sonho a leitora gritava para as estrelas rítmicas, de seu deleite na chegada de uma nova idade da canção, um renascimento de Pã. 2 Semicerrando os olhos, ela repetia palavras cuja melodia jazia oculta como cristais no fundo de um rio antes do amanhecer, escondidas apenas para brilharem com refulgência ao nascer do dia. A Lua sobre o Japão Lua branca borboleta! A Lua sobre os trópicos, Botão curvado de branco Abrindo as pétalas lentamente no calor dos céus. O ar cheio de odores E langorosos sons cálidos... A Lua sobre a China, Lua cansada no rio do céu...

Além das brumas coruscava divina a forma de um jovem, de capacete alado e sandálias, levando na mão um caduceu3, e de uma beleza incomparável na Terra. Diante do rosto da adormecida ele três ele três vezes girou o bastão que Apolo4 havia lhe presenteado em troca pela concha de nove cordas da melodia, e sobre sua testa ele colocou uma coroa de louros e rosas. Então, adorando, Hermes5 falou: — Ó Ninfa6 mais bela que as irmãs de cabelos dourados de Ciene ou que as atlantes que habitam o céu, amada de Afrodite7 e abençoada por Palas8, descobriste de fato o segredo dos 2

Pã, na mitologia grega, deus dos bosques, dos campos e da fertilidade, filho de Hermes com uma ninfa. Sendo parte animal, com chifres, patas e orelhas de bode, era uma divindade vigorosa, deus dos pastores. (Nota de Transcrição) 3 Caduceu, bastão simbólico coroado por duas asas e com duas serpentes entrelaçadas. Entre os gregos antigos, o caduceu era levado pelos heraldos e pelos mensageiros como emblema de seu ofício e como marca de inviolabilidade pessoal, porque era o símbolo de Hermes. (Nota de Transcrição) 4 Apolo, na mitologia grega filho de Zeus e Leto. Era um músico talentoso que deliciava os deuses tocando a lira. Também ficou famoso como arqueiro e atleta veloz e foi o primeiro vencedor dos Jogos Olímpicos. Deus da agricultura e da pecuária, da luz e da verdade, ensinou aos humanos a arte da medicina. (Nota de Transcrição) 5 Hermes, na mitologia grega, mensageiro dos deuses, filho do deus Zeus e de Maia, a filha do titã Atlas. Como especial servidor e carteiro de Zeus, usava sandálias e capacete alados e levava um caduceu de ouro, ou vara mágica, com serpentes enroladas e asas na parte superior. (Nota de Transcrição) 6 Ninfas, na mitologia grega e romana, divindades menores ou espíritos da natureza, que vivem em arvoredos, fontes, bosques, pradarias, rios e águas do mar, e são representadas por jovens e belas donzelas que gostam da música e da dança. (Nota de Transcrição) 7 Afrodite, na mitologia grega, deusa do amor e da beleza, equivalente a Vênus romana. Na Ilíada de Homero aparece como filha de Zeus e Dione, uma de suas companheiras, mas em lendas posteriores é descrita brotando da espuma do mar e seu nome pode ser traduzido como "nascida da espuma". (Nota de Transcrição) 8 Atena, uma das deusas mais importantes da mitologia grega. Na mitologia romana, chegou a ser identificada com a deusa Minerva, também conhecida como Palas Atenéia. Saiu já adulta da proteção do deus Zeus e foi sua filha favorita. Ele confiou a Atena seu escudo, adornado com a horrorosa cabeça da górgona Medusa, sua “égide” e o raio, sua arma principal. (Nota de Transcrição)

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Deuses, que jazem na beleza e na canção. Ó profetisa mais adorável que a Sibilia de Cumas9 quando Apolo pela primeira vez a viu, tu falaste verdadeiramente da nova era, pois mesmo agora em Mênalo, Pã dorme inquieto seu sono, desejoso de acordar e ver ao seu redor as pequenas faunas com coroas de rosas e os antigos sátiros10. Em sua visão divinaste o que nenhum mortal, à exceção de alguns a quem o mundo rejeita, lembraste-te: que os Deuses nunca morrem, mas apenas dormem o sono e sonham os sonhos de Deuses em jardins das Hespérides11 repletos de flores de lótus além do amanhecer dourado. E agora aproxima-se a hora de se despertar, quando o frio e a feiúra perecerão, e Zeus12 se sentará uma vez mais no Olimpo13. Já o oceano sobre Pafos14 tremeu numa espuma que apenas céus antigos presenciaram antes, e à noite em Helicon15 os pastores ouvem estranhos murmúrios e notas semilembradas. Florestas e campos tremem ao crepúsculo com o tremeluzir de lívidas formas saltitantes, os oceanos imemoriais trazem curiosas visões sob pálidas luas. Os Deuses são pacientes, e dormiram muito, mas nem o homem nem os gigantes destruirão os Deuses para sempre. No Tártaro16 os Titãs17 se contorcem e sob o furioso Etna18 choramingam os filhos de Urano e Gaia19. O dia agora amanhece em que o homem deverá responder por séculos de negação, mas ao dormir os Deuses se tornaram tolerantes e não o atirarão no poço criado para os degeneradores de Deuses. Ao invés disso, sua vingança acabará com a escuridão, a falácia e a feiúra que viraram a mente homem; e sob as revoluções do barbudo Saturno20 os mortais, uma vez mais sacrificando para ele, viverão na beleza e no deleite. Esta noite tu conhecerás o favor dos Deuses, e verás no Parnaso21 os sonhos que os Deuses têm há eras enviado à Terra para mostrar que não estão 9

Cumas, cidade fortificada e costeira da antiga Campânia. Foi fundada em aproximadamente 750 a.C. por colonos de Cálcis e Cime. Segundo Estrabão, foi à primeira colônia grega estabelecida na Itália. Converteu-se em um poderoso centro comercial. A cidade foi controlada pelos romanos em aproximadamente 340 a.C. (Nota de Transcrição) 10 Sátiros, na mitologia grega, divindades dos bosques e montanhas, com chifres e caudas e às vezes com pernas de bode. Os sátiros eram os companheiros de Dionísio e passavam seu tempo perseguindo as ninfas, bebendo vinho, dançando e tocando siringa, flauta ou gaita. (Nota de Transcrição) 11 Hesperides, na mitologia grega, filhas do titã Atlas ou de Hesper, a estrela vespertina. Ajudadas por um dragão, as hesperides vigiavam uma árvore com galhos e folhas de ouro, que dava maçãs também de ouro. (Nota de Transcrição) 12 Zeus, na mitologia grega, deus do céu e soberano dos deuses olímpicos. Corresponde ao deus romano Júpiter. Segundo Homero, Zeus era considerado pai dos deuses e dos mortais. Não foi seu criador; era seu pai no sentido de proteger e ser o soberano tanto da família olímpica, como da raça humana. Zeus presidia os deuses no monte Olimpo, na Tesália. Zeus era o filho menor do titã Cronos e da titã Réia e irmão das divindades Posêidon, Hades, Héstia, Deméter e Hera. (Nota de Transcrição) 13 Olimpo, montanha de 2.917 m de altitude, a mais elevada da Grécia, situada na fronteira da Tessália com a Macedônia, próximo ao mar Egeu. Segundo a antiga mitologia grega, este era o lugar onde moravam os deuses. No cume, ficavam seus palácios, construídos por Hefesto. A entrada para o Olimpo era uma porta de nuvens protegida pelas deusas conhecidas como as Estações. (Nota de Transcrição) 14 Pigmalião, na mitologia romana, escultor de Chipre. Durante muitos meses, dedicou-se a esculpir uma mulher belíssima e acabou se apaixonando loucamente pela estátua. Suplicou então a Vênus que lhe mandasse uma mulher semelhante à sua obra. A jovem, a quem Pigmalião chamou Galatéia, correspondeu ao seu amor e lhe deu um filho, Pafos. (Nota de Transcrição) 15 O helicon é uma tuba com o tubo enrolado em forma circular, da qual o sousafone é uma variante. (Nota de Transcrição) 16 Tártaro (mitologia), na mitologia grega, a região mais baixa dos infernos. Segundo Hesíodo e Virgílio, o Tártaro é fechado por portas de ferro e está tão abaixo do mundo subterrâneo de Hades quanto a terra está em relação ao céu. (Nota de Transcrição) 17 Seres fantásticos da mitologia grega. (Nota de Transcrição) 18 Etna, vulcão do sul da Itália situado na costa oriental da Sicília. (Nota de Transcrição) 19 Urano (mitologia), na mitologia grega, deus dos céus, casado com Gaia. Era o pai dos titãs, dos ciclopes e dos hecatonquiros, gigantes de cem mãos e 50 cabeças. Os titãs, guiados pelo seu soberano, Cronos, destronaram e mutilaram Urano e do seu sangue que caiu sobre a terra surgiram as três Erínias ou Fúrias que vingaram os crimes de parricídio e perjúrio. (Nota de Transcrição) 20 Saturno (mitologia), na mitologia romana, antigo deus da agricultura. Nas lendas posteriores foi identificado com o deus grego Cronos, que depois de ter sido destronado por seu filho Zeus (Júpiter, na mitologia romana) fugiu para a Itália, onde governou durante 'a idade de ouro', um tempo de paz e felicidade completas. (Nota de Transcrição) 21 Parnaso, montanha da Grécia, de 2.457 m de altitude. Na mitologia grega, ela estava consagrada ao deus Apolo. Acreditava-se que este era o lugar predileto das musas e lugar de adoração dos deuses Pã e Dioniso. (Nota de Transcrição)

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mortos. Pois os poetas são os sonhos dos Deuses, e a cada era alguém deve cantar, sem que o saiba, as mensagens e a promessas dos jardins de lótus, que ficam além do crepúsculo. Então, em seus braços, Hermes levou a donzela que sonhava através dos céus. Brisas gentis das torres de Éolo22 os que soergueram acima de mares quentes e aromáticos, até que subitamente chegaram a Zeus, presidindo a corte sobre o Parnaso de duas cabeças, sentado em seu trono dourado flanqueado por Apolo e as Musas à sua direita, e pelo coroado Dionísio23 e o prazenteiro Baco24 à esquerda. Tanto esplendor Márcia jamais vira antes, seja acordada ou em sonhos, mas seu brilho não a feria, como teria feito a radiância do fenomenal Olimpo; pois nesta corte menor o Pai dos Deuses havia temperado suas glórias para a visão dos mortais. Ante a boca cinzelada da caverna corícia sentavam numa fileira seis nobres formas com o aspecto de mortais, mas com as posturas de Deuses. Estes a sonhadora reconheceu de imagens deles que havia visto, e sabia que não eram outros senão o divino Menides, o averno Dante, o mais que mortal Shakespeare25, o explorador do caos Milton26, o cósmico Goethe27 e o musófilo Keats28. Aqueles eram os mensageiros que os Deuses haviam enviado para dizer aos homens que Pã não havia morrido, mas apenas dormia; pois é na poesia que os Deuses falam aos homens. Então falou o Trovão: — Ó filha — pois, sendo uma da minha interminável linhagem, és de fato minha filha — olha os tronos de marfim e honra os augustos mensageiros que os Deuses enviaram para que nas palavras e nos escritos dos homens possa ainda haver traços de beleza divina. Outros bardos têm homens justamente coroados com lauréis que duram, mas estes Apolo coroou, e estes eu pus em lugares apartados, como mortais que falaram a linguagem dos Deuses. Muito sonhamos nos jardins de lótus além do Oeste, e falamos apenas em nossos sonhos; mas chega a hora em que nossas vozes não mais ficarão silentes. É um tempo de despertar e de mudança. Uma vez mais Faeton29 voa baixo, segando os campos e secando os rios. Na Gália30, ninfas solitárias com cabelos em desordem choram ao lado de fontes que não existem mais, e inclinam-se defronte de rios vermelhos como o sangue dos mortais. Ares31 e seu trem avançaram com a loucura dos Deuses e retornaram Fobos e Deimos glutões com desejo antinatural32. As luas de Telus com lamento e as faces dos homens são como as faces de Erínies33, mesmo quando Astréia voou para as estrelas, e as ondas de nossas preces abrangia toda a Terra, salvo este alto pico. Entre esses caos, preparado para anunciar sua vinda mas escondendo sua chegada, mesmo agora aqui se encontra nosso mensageiro mais novo, e em cujos sonhos estão todas as imagens que outros mensageiros sonharam antes dele. Ele é o que 22

Éolo, nome de duas figuras da mitologia grega. A mais conhecida era a do guardião dos ventos. Vivia na ilha flutuante de Eólia com seus seis filhos e suas seis filhas. Outro Éolo da mitologia grega foi o rei de Tessália. Era o filho de Heleno, antepassado dos helenos, os antigos habitantes da Grécia. (Nota de Transcrição) 23 Dionísio, na mitologia grega, deus do vinho e da vegetação, que ensinou aos mortais como cultivar a videira e como fazer vinho. (Nota de Transcrição) 24 Baco, na mitologia romana, deus do vinho, identificado com Dionísio, o deus grego do vinho. Filho de Zeus (Júpiter) é caracterizado de duas formas: uma, como deus da vegetação; a segunda caracterização do deus aponta os mistérios de uma divindade que inspirava cultos orgiásticos. (Nota de Transcrição) 25 Shakespeare, William (1564-1616), poeta e autor teatral inglês, considerado um dos melhores dramaturgos da literatura universal. (Nota de Transcrição) 26 Milton, John (1608-1674), poeta ensaísta inglês, autor de uma obra de grande influência nos poetas posteriores. Dedicou sua prosa à defesa das liberdades civis e religiosas. (Nota de Transcrição) 27 Goethe, Johann Wolfgang von (1749-1832), poeta, romancista, dramaturgo e cientista alemão. (Nota de Transcrição) 28 Keats, John (1795-1821), poeta inglês, figura carismática do romantismo. (Nota de Transcrição) 29 Faetonte, na mitologia grega, filho de Hélio e da ninfa Clímene. (Nota de Transcrição) 30 Gália, nome romano dado às terras dos celtas no oeste da Europa; cobria grande parte da atual França, embora se estendesse além das fronteiras do referido país. (Nota de Transcrição) 31 Ares, na mitologia grega, deus da guerra e filho de Zeus, rei dos deuses, e de sua esposa Hera. Os romanos o identificavam com Marte, também um deus da guerra. Agressivo e sanguinário personificava a brutal natureza da guerra, e era impopular tanto entre os deuses quanto entre os seres humanos. (Nota de Transcrição) 32 Medo e terror em grego, respectivamente. Ambos são satélites do planeta Marte (que recebeu este nome por causa do deus romano da guerra). (Nota de Transcrição) 33 Erínias, também Fúrias, na mitologia grega, as três deusas vingadoras: Tisífone (a vingadora do crime), Megera (a vingadora dos céus) e Aleto (a sempre irada). Na maioria dos relatos são filhas de Géia e Urano e às vezes recebem o nome de filhas da Noite. (Nota de Transcrição)

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escolhemos para reunir um todo glorioso toda a beleza que o mundo já conheceu antes, e para escrever palavras que ecoaram toda a sabedoria e a amabilidade do passado. É ele que proclamará nossa volta e cantará os dias por vir, quando faunos34 e dríades35 encherão suas florestas de beleza. Guiada foi nossa escolha por aqueles que agora se sentam defronte da gruta corícia em tronos de marfim, e em cujas canções tu ouvirás notas de sublimidade pelas quais daqui a anos tu conhecerás o maior dos mensageiros quando ele chegar. Ouvi suas vozes, pois um por um ele cantam par vós aqui. Cada nota, tu deverás ouvir novamente na poesia que está por vir, a poesia que deverá trazer a paz e o prazer à tua alma, embora ainda devas busca-las por anos vazios. Ouça com diligência, pois cada corda que vibra oculta aparecerá par ti após teu retorno à Terra, como Alfeu, afundando em suas águas na alma de Hela, aparece como a aretusa de cristal na remota Sicília. Então, ergueu-se Homero36, o mais antigo dos bardos, que tomou de sua lira e cantou seu hino a Afrodite. Márcia não conhecia uma só palavra de grego, mas mesmo assim a mensagem não caiu em seus ouvidos em vão, pois na rima criptica estava aquilo que falava a todos os mortais e Deuses, e não precisava de intérprete. Assim também as canções de Dante e Goethe, cujas desconhecidas palavras marcavam o éter com melodias fáceis de ler e adorar. Mas finalmente sotaques lembrados ressoaram ante a ouvinte. Era o Cisne de Avon, antes um Deus entre os homens, e ainda um Deus entre os Deuses: Escreve, escreve, que com o curso sangrento da guerra, Meu caro mestre, seu filho querido pode jazer; Abençoa-o em casa na paz, enquanto que eu, de longe, Seu nome com zeloso fervor santifico.

Um sotaque ainda mais familiar surgiu quando Milton, não mais cego, declamou harmonia imortal: Ou deixa tua lamparina à meia-noite Acesa em alguma torre solitária, De onde eu possa vigiar o Urso Com o três vezes grande Hermes, ou tirar da esfera O espírito de Platão37, para desenrolar os mundos ou as vastas regiões que Detém a mente imortal, que deve procurar Sua mansão neste abrigo de carne. ***** Por vezes deixa a bela tragédia Em cetro e manto passar como o vento, Presenteando Febe ou a linhagem de Penélope38 Ou a história da divina Tróia39 34

Fauno, na mitologia romana, neto do deus Saturno, venerado como deus dos campos e dos pastores. Eram acompanhadas pelos faunos, criaturas metade homem, metade bode, equivalentes aos sátiros gregos. Fauno é o equivalente romano do deus grego Pã. (Nota de Transcrição) 35 Seres, juntamente com as ninfas, cultuados pelos gregos, que em contraposição aos romanos e outros povos, não cultuavam as fadas. (Nota de Transcrição) 36 Homero, nome tradicionalmente atribuído ao famoso autor da Ilíada e da Odisséia, as duas grandes epopéias da Antigüidade na Grécia. (Nota de Transcrição) 37 Platão (428- 347 a.C.), filósofo grego, um dos pensadores mais criativos e influentes da filosofia ocidental. (Nota de Transcrição) 38 Penélope, na mitologia grega, filha de Icário, rei de Esparta, mulher de Odisseu, rei de Ítaca, e mãe de Telêmaco. Seu marido esteve ausente por mais de 20 anos, como conseqüência da guerra de Tróia, mas ela nunca duvidou que ele regressasse e se manteve fiel. (Nota de Transcrição) 39 Tróia, nome da antiga Ílion, cidade celebrizada na epopéia grega Ilíada, situava-se no extremo noroeste da Ásia Menor, na atual Turquia. Ilo, filho de Tros (que deu origem ao nome Tróia), foi o lendário fundador da cidade. O herói Hércules, ao conquistar a cidade, assassinou Lamedonte, filho e sucessor de Ilo. (Nota de Transcrição)

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Por último veio a jovem voz de Keats, de todos os mensageiros a mais próxima do fauno: As melodias ouvidas são doces, mas as que não se ouvem O são mais; por isso, pífaros ainda doces, tocai... *** Quando a idade desgastar esta geração, Tu permanecerás, em meio a outros lamentos Que não os nossos, amigo do homem, a quem dirás “Beleza é verdade — verdade bela” — isto é tudo Que sabemos na Terra, e tudo que precisamos saber.

Quando o cantor terminou, ouviu-se um som de vento que soprava do distante Egito, onde à noite Aurora chora às margens do Nilo a perda de seu Mennon. Aos pés do Trovão flutuava a deusa de dedos rosados e, ajoelhando-se, gritava: “Mestre, é hora de eu abrir os Portões do Leste”. E Febo, entregando sua lira a Calíope40, sua noiva entre as Musas, preparou-se para partir para o reluzente e norme Palácio do Sol, onde já esperavam inquietos os garanhões presos à biga dourada do Dia. Então Zeus desceu de seu trono esculpido e colocou a mão sobre a cabeça de Márcia, dizendo: — Filha, a aurora se aproxima, e é bom que retornes antes do despertar dos mortais à tua casa. Não chores pelo vazio de tua vida, pois as sombras das falsas crenças breve se dissipará e os Deuses uma vez mais andarão por entre os homens. Procurai incessantemente por teu mensageiro, pois nele encontrará paz e conforto. Pela palavra dele teus passos serão guiados à felicidade, e em sonhos de beleza teu espírito encontrará aquilo que procura. — E, quando Zeus terminou de falar, o jovem Hermes gentilmente enlaçou a donzela e elevou-a em direção à estrelas evanescentes, para cima e para oeste, sobre mares nunca vistos. Muitos anos se passaram desde que Márcia sonhou com os Deuses e seu conclave no Parnaso. Nesta noite ela se encontrara sentada no mesmo escritório, mas não está só. Partiu o velho espírito do desassossego, pois ao seu lado se encontra um cujo nome brilha com a fama: o jovem poeta dos poetas a cujos pés está o mundo. Ele lê, de um manuscrito, palavras que nunca ninguém jamais ouviu, mas que quando ouvidas trarão ao homem os sonhos e os desejos que perderam tantos séculos atrás, quando Pã deitou-se para repousar em Arcádia, e os grandes Deuses retiraram-se para dormir em jardins de lótus além das terras das Hespérides. Nas súbitas cadências e ocultas melodias do bardo o espírito da donzela finalmente encontrou descanso, pois ali ecoavam as mais divinas notas do Orfeu da Trácia41, notas que moviam as próprias rochas e árvores dos bancos de Hebrus. O cantor se interrompe, e com ansiedade pede um veredito, mas o que Márcia pode dizer senão que a canção foi “feita para os Deuses”? E, enquanto ela fala, vem novamente uma visão de Parnaso e o som distante de uma voz poderosa dizendo: “Por sua palavra deverão seus passos ser guiados à felicidade, e em seus sonhos de beleza teu espírito encontrará tudo que almeja”.

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Musas, na mitologia grega, nove deusas e filhas do deus Zeus e de Mnemosine. As musas presidiam as Artes e as Ciências e acreditava-se que inspiravam os artistas, em especial poetas, filósofos e músicos. Calíope era a musa da Poesia épica, Clio da História, Euterpe da Poesia lírica, Melpómene da Tragédia, Terpsícore da Música e da Dança, Erato da Poesia amorosa, Polimnia da Poesia sagrada, Urania da Astronomia e Talia da Comédia. (Nota de Transcrição) 41 Orfeu, na mitologia grega, poeta e músico, filho da musa Calíope e de Apolo ou de Eagro, rei da Trácia. Recebeu a lira de Apolo e chegou a ser tão bom músico que não teve rival entre os mortais. É mais conhecido pelo seu desafortunado matrimônio com a ninfa Eurídice. Pouco depois da cerimônia de casamento, a noiva sofreu uma picada de cobra e morreu. (Nota de Transcrição)

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