O PERSONALISMO Transcrição do Seminário apresentado em 2000 UNISANTOS - Mestrado em Educação Melissa Elias Viana
[email protected] O tema escolhido hoje é sobre a obra intulada: O Personalismo, de Emmanuel Mounier. Confesso que o padre Waldemar tinha razão: é uma obra realmente apaixonante e atual. Mounier escreve de uma forma muito pessoal, muito bonita. Com certeza, quem tiver a oportunidade deve, e muito, fazer essa leitura. Antes de falar a respeito do pensamento de Mounier, do Personalismo, que é considerado, por muitos, uma síntese do Cristianismo e do Socialismo, eu queria dar uma pincelada sobre a vida desse filósofo francês nascido em Grenoble, no início do século (1905) e que morreu de infarte, aos 45 anos. Na verdade, o Personalismo de Mounier tem muito a ver com a sua própria existência e ao seu engajamento sociopolítico. Toda a sua vivência pessoal, ela extravasa-se e, como uma reflexão, ela acaba se tornando filosofia. Isso, na verdade é um paradoxo porque se exige da filosofia um certo afastamento das singularidades pessoais e Mounier não estava preocupado em ter uma atitude de um filósofo profissional. Não existe nele um sistema elaborado de uma filosofia, no sentido tradicional da palavra. Ele estava mesmo é preocupado em testemunhar como profeta, em provocar um comportamento, uma ação nos seus contemporâneos. Ele não buscava um saber sobre o homem, mas, antes de tudo, uma vontade sobre ele. Só que filosofar não é criar um sistema objetivado de conhecimento, é assumir uma atitude reflexiva diante da existência. É interrogar, apreender, compreender, interpretar essa existência. Mounier vinha de uma família modesta, teve uma infância alegre e desde cedo foi levado à MEDITAÇÃO, a perceber as coisas de uma outra forma e a viver sem perder o equilíbrio. Ainda jovem, sofreu dois acidentes que o afetaram e muito, que fizeram com que ele perdesse uma vista e um ouvido. A partir daí, sua vida foi marcada por um certo sentido de fragilidade. Além disso, a família queria que ele estudasse Medicina e ele se sentia fascinado por Letras. Daí, entrou em desespero, ficou entre a cruz e a espada, chegou a pensar em suicídio até que conheceu uma pessoa chamada Jacques Chevalier que o apresentou à uma Filosofia voltada a um aspecto mais religioso. Como a família toda era cristã, acabou dando o apoio necessário de que ele tanto precisava. Aos 22 anos ele termina seus estudos e parte pra tentar o magistério na Sorbonne. Fica em segundo lugar e recebe uma bolsa de três anos para o doutourado. Só que a Sorbonne era, naquela época, dominada por um idealismo abstrato, uma atmosfera meio artificial e desligada do contexto humano e ele não era assim. Ele queria mais. Ele queria um envolvimento maior e acaba sendo influenciado por alguns pensadores como Péguy, Bergson e Maritain, a pensar sobre o tema da personalidade, um tema que ele acabou se apaixonando. Ele acaba abandonando a carreira universitária e vai lançar, em 1932, uma revista chamada "Espirit", que foi porta-voz de um movimento de jovens inconformados com o estado das coisas e com a atitude que a velha geração estava tomando. Essa revista enfrentou muitas adversidades, desde o aspecto financeiro à acusação de modernismo e de comunismo. Mounier acabou rompendo com muita gente pela incompreensão do movimento.
A busca de Mounier era pelo testemunho da VERDADE, em qualquer circunstância, seja ela qual fosse. Sem acomodações nem a particularismos políticos. Sua pretensão era o quê? Era o fundamento de um verdadeiro HUMANISMO NOVO, ele queria descobrir VALORES HUMANOS UNIVERSAIS. Só que, em meio a isso tudo, o Fascismo dominava a Europa, explodia a guerra na Espanha e a Segunda Guerra Mundial tornava-se iminente. Ele acaba sendo convocado para o serviço militar e, em 1939, acaba sendo preso pelos alemães. Em 41 ele reconquista a liberdade e em 42 é preso de novo sob a acusação de ser um dos principais inspiradores do Movimento Clandestino Combate. Aí passou por outras prisões, fez greve de fome mas uma coisa ele sempre manteve em todas as situações: a sua serenidade, a sua fé. Acabou, depois de absolvido, por optar em viver sob nome falso até o fim da guerra, quando ele retorna, finalmente à Paris e à publicação da revista Espirit. O período do pós-guerra foi de intensa atividade para Mounier. Publicou o Tratado do Cárcere, Liberdade Condicional e Introdução aos Existencialismos, em 1946 e, muitas outras. O Personalismo, por exemplo, é de 1949. Uma das coisas fundamentais e admiráveis em Mounier é a influência da sua família como modelo de comunidade selada no AMOR. Ele encontra na sua esposa uma força incrível pra superar as adversidades, a pobreza. Como se não bastasse todas as aprovações, ele teve três filhas, sendo que uma delas, com anencefalia. Toda a obra de Mounier revela sua vida. Seu pensamento nada mais é do que a vontade de comunicar a própria existência pessoal. Mas o que torna esse homem de fibra é realmente um mistério. Sua honestidade, sua autenticidade diante dos acontecimentos, sua generosidade, seu amor pelos homens, sua força de vontade, fizeram dele um líder, um profeta. Mounier era um autêntico cristão, nasceu num ambiente cristão e foi FIEL A SUA FÉ ATÉ A MORTE. Mas ele idealizava um Cristianismo mais despojado, mais aberto aos outros, mais de acolhimento, de coisas a proteger e não a impor. Por isso, muitas vezes, foi incompreendido. QUESTÕES: Personalismo x Cristianismo (Corpo / Espírito) Personalismo x Marxismo (Ser Social) Personalismo x Existencialismo (Nós / Eu) Se as impurezas vinham do corpo e não da corpo e espírito, juntos. Ele trabalha o da existência de Deus. As relações entre como o Personalismo, o Existencialismo e esclarecimentos dele.
alma, Mounier vinha e dizia que o homem é homem com os pés no chão, sem abrir mão o Cristianismo e o Personalismo assim o Marxismo sempre exigiram muitos
Ele se aproxima do MARXISMO porque resgata o homem como ser social, ser terrestre social. E também quando fala da personalização da natureza, que nada mais é do que a humanização do mundo através do trabalho, proposta por Marx. O homem se vê homem no seu trabalho. Mounier é marxista nesse aspecto. A PRAXIS é fator fundamental no seu Personalismo. A maior parte das obras publicadas sobre o Personalismo de Mounier enfoca mais as posições político-sociais que ele engendrou e os seus discípulos de hoje estão mais preocupados com o valor do seu testemunho para a construção da história humana.
Mounier é kierkegaardiano na sua luta contra o sistema. Kierkegaard, um filósofo dinamarquês percursor do Existencialismo, também não estava preocupado em filosofar e sim em dizer o que ele pensava. A existência humana é o núcleo de todo o pensamento filosófico de Mounier. Mas é muito difícil encarar o homem em sua existência específica, como um tema metafísico. Algo que você não pode explicar mas tem como verdade. É mais do que subjetividade. Para ele o homem só pode ser entendido tridimensionalmente: natureza englobante, corporeidade, espaço/ temporalidade. Primeiro ele vê o homem integrando a natureza. O homem é um ser natural, sobretudo um ser natural humano, que identifica-se, portanto, com o próprio corpo. Aliás, pra ele e para o Péguy também, o próprio espiritual é o carnal. Esse é o aspecto que ele chama de CORPOREIDADE. Corpo e espírito são uma união indissolúvel. O homem não é um espírito caído no mundo, não está aqui, preso num túmulo, num corpo, aquela visão platônica da consciência humana. O homem é o único ser que transcende a sua natureza. Essa questão ontológica é que o torna único. Só ele é capaz de transformar, de amar, de ser livre, de usar a sua determinação pra superar qualquer obstáculo. Mounier não quer definir o homem. Qualquer tentativa de definir, explicar o homem, o diminui, o fragmenta e o homem é TOTALIDADE. E a existência da pessoa é uma existência dialética, ela não se prende a um dado definitivo. Existir para o homem é mais do que desenvolver uma essencialidade, é submeter-se a tudo, a construir com o mundo e com o outro. E para existir plenamente, é preciso AGIR, pois é na ação que se trama a existência. Agir para transformar a realidade externa, agir pra se auto-construir, para aproximar as pessoas entre si, para aumentar o universo de valores. A corporeidade liga a pessoa ao cosmos, com a natureza, aquilo que a cerca. E é da COSMICIDADE que o Mounier fala, como também fala sobre a HISTORICIDADE. O destino da pessoa é um destino espacial-temporal. O homem só pode ser explicado na relação TEMPO / ESPAÇO, portanto toda explicação será momentânea. Isso deixa a porta aberta, permanentemente, para mudanças. A existência toda da pessoa se mede e se tece conforme sua atitude diante do temporal. É através do passado que o homem envereda para o futuro e o presente não é apenas um momento, mas, antes de tudo, um desdobramento da memória, que nos projeta para um futuro promissor. A pessoa é mais do que um ser natural. A pessoa, imersa na natureza ou emergindo dela, a transcende, por isso, só ele pode conhecê-la e transformá-la. Para você conhecer a pessoa não é só se tornando a pessoa e sim se personalizando. Só é possível através da própria experiência existencial. Eu só poderia dizer que existo à medida em que existo para os outros. Eu sou eu porque convivo com você. Você se torna uma pessoa no sentido em que você percebe as coisas. Você se conhece e conhece aos outros, não é só uma questão de empatia. É uma sociedade englobante (eu, convivendo com vocês, em Santos, nessa sala de aula, no dia de hoje). Mounier faz uma crítica a quem julga o homem ou subjetivamente (de dentro pra fora) ou objetivamente (de fora pra dentro). O homem não se divide. Que fique claro também que existe uma distinção entre o Personalismo, que está preocupado com o NÓS e o Existencialismo, preocupado com o EU.
Individualizar (pressupõe uma separação do EU e VOCÊ) e Personalizar (é resgatar a própria pessoa, com a própria experiência. Ela não é restrita, ela se estende a todos). O individualismo é herança de uma sociedade burguesa, que faz o homem olhar só para o seu umbigo, ao passo que o Personalismo, é COLETIVISMO, é conhecer-se, é constrir-se, dando-se! O Personalismo diz que Ser é Amor, mas não se ama sozinho. O indivíduo é, segundo os personalistas, uma categoria BIOLÓGICA-NATURAL, e a Personalidade, é uma categoria HISTÓRICA E REAL. Um indivíduo é parte integrante de uma sociedade, de um grupo, de uma classe, de uma nação. Já uma personalidade constitui o INTEIRO, não é uma categoria orgânica. Todo ser humano é indivíduo, mas nem todo indivíduo resulta numa personalidade. Muita gente vive mecanicamente, adaptando-se passivelmente ao ambiente ou contrapondo-se à sociedade. Mounier fala então de uma situação que lembra o ser inautêntico de Heiddegger. Se por acaso o sujeito não consegue personalizar é por situações extrínsecas (isso beira à incapacidade, à irresponsabilidade). Porque os nossos atos refletem-se em toda a humanidade. As dificuldades, pra ele, estariam então no egoísmo, por exemplo. A pessoa é generosidade. Pro Mounier, SER é AMOR. Tem uma frase dele que diz: "A pessoa não é um objeto. Mais do que isso, ela é precisamente aquilo que, em cada homem, não pode ser tratado como objeto". Você explicar o homem é complicado, se ele não é um objeto, ele se faz, é algo único, ninguém é igual a ninguém. Você pode falar dele do ponto de vista histórico mas tem de ver depois a evolução. Nessa visão personalista, comunitária, está a raiz de uma concepção autenticamente humanista do desenvolvimento. Poucos, como Mounier tiveram essa visão global da importância da pessoa humana como valor básico, como mola inspiradora do dinamismo social. Por definição, a pessoa é aquilo que não pode ser repetido. Isso é lindo! Mounier diz que a gente deveria adotar a seguinte postura: "Não devo me procurar numa pessoa escolhida igual a mim, não conhecendo os outros apenas com um conhecimento geral, mas devo captar com a minha singularidade, numa atitude de acolhimento e um esforço de recolhimento ser todo para todos sem deixar de ser e de ser eu". Ser é Ter, é uma dimensão do humano. Uma metafísica antropomórfica e telúrica. Bom, era isso o que eu tinha pra colocar pra vocês. Obrigada.
GLOSSÁRIO • Antropomorfismo – crença que atribui a Deus / deuses atributos humanos. Aplicação a algum domínio da realidade (social, biologico, físico) de linguagem ou de conceitos próprios ao homem ou ao seu comportamento. • Existencialismo – corrente de pensamento iniciada por Kierkegaard (18131855), dinamarquês, na qual se distigngüem Heidegger, Jaspur e Sarte, e para qual o objeto próprio da reflexão filosófica é o homem na sua existência concreta, sempre definida nos termos de uma situação determinada, mas não necessária: o “ser-em-situação” e o “ser-no-mundo”, a partir da qual o homem, condenado à liberdade, por já não ser de uma essência abstrata e universal, surge como o arquiteto da sua vida, o construtor de seu próprio destino, submetido, embora a limitações concretas; filosofias existenciais; filosofias da existência. • Marxismo – doutrina de Marx (1818/83) e Engels (1820/95) fundada no materialismo dialético e que se desenvolveu através das teorias da luta de classes e da elaboração do relacionamento entre o capital e o trabalho, do que resultou a criação da teoria e da tática da revolução proletária. • Metafísica – depois dos tratados da Física. Corpo de conhecimentos racionais
(não revelados ou empíricos) em que se procura determinar regras fundamentais do pensamento e que nos dá a chave do conhecimento real, tal qual este realmente é (em oposição às aparências). Segundo Aristóteles, é o estudo do ser enquanto ser e a especulação em torno dos primeiros princípios e das causas primeiras do ser. • Ontologia – trata do ser enquanto ser, do ser concebido como tendo uma natureza que é inerente a todos e a cada um dos seres. Ontológico quer dizer necessidade do ser: tudo aquilo que existe, aquilo que é, se comunica, precisa de comunicação, de participação. “Com Kant o universo é uma dúvida, com Locke, é dúvida o nosso espírito: e num desses abismos vêm precipitar todas as ontologias”(Alexandre Herculano). • Personalismo (1) – teoria filosófica que compreende o ser humano e sua liberdade como valor espiritual superior. A chave da filosofia personalista constitui-se nos seguintes problemas: o de converter o indivíduo em uma personalidade, a do indivíduo e a do coletivo. O indivíduo, a soociedade e a liberdade humana e sua responsabilidade para com outros seres humanos. Segundo o Personalismo, o ser humano é livre e se encontra acima do Estado, da nação, da família. Mas a vida espiritual e moral de uma pessoa está entrelaçada com a vida social (sua personalidade corre o risco de se encontrar alienada por uma sociedade e seus requerimentos). • Personalismo (2) - doutrina que, concebendo embora o ser humano na sua individualidade como um valor absoluto, considera que esse valor não independente nem superior ao do relacionamento do indivíduo com a coletividade e com a natureza, mas por intermédio deste relacionamento se expressa e se perfaz. • Socialismo – conjunto de doutrinas que se propõem a promover o bem comum pela transformação da sociedade e das relações entre as classes sociais, mediante a alteração do regime de propriedade. (Soc. Científico = baseada no materialismo histórico, propões estatização dos meios de produção. / Soc. Não Científico = transformação da sociedade com iniciativa na base privada, sem estatização dos meios de produção, e pela modificação da consciência individual dos homens antes de transformar as relações entre eles). • Praxis – Ação. No Marxismo, o conjunto das atividades humanas tendentes a criar condições insdispensáveis à existência da sociedade e, particularmente, à atividade material, à produção prática. • Telúrico – relativo à Terra. Relativo ao solo. • Marxismo x Personalismo - Está de acordo enquanto anseio de justiça, de uma crítica ao capitalismo. Discorda por algumas razões: o Marxismo não personifica o homem. O homem é puramente social (antes disso ele é uma pessoa, algo que não pode ser repetido). O Marxismo é filho do Capitalismo, ainda que um filho rebelde (reafirma o primado da matéria, não é espiritual). O Marxismo substitui o capitalismo por outro Capitalismo (o do Estado). O Marxismo busca do homem o coletivo e isso implica numa diminuição da pessoa (Amaro não concorda muito). O Marxismo, no plano histórico levou a regimes totalitários (stalinismo). Depois de um imperialismo capitalista, surgirá, através do Marxismo, um imperialismo marxista. Mas, Mounier, é contrário mesmo porque, a um cristão, é inadimissível aderir a uma filosofia que negue a transcendência, que impeça a interiorização e critique a religião. • Ser é Ter - A filosofia do Personalismo é contrária a um Ter pelo Ter. Ter mais do que o necessário, um Ter egoísta. Mounier defende o Ter no sentido de propriedade (daí o telúrico). A propriedade adquirida com a conquista, com o trabalho. A propriedade não pode deixar de se findar em uma concepção do homem. •
Amo, logo o Ser existe e a vida merece ser vivida.