Trabalho apresentado à disciplina de Educação e Linguagem Mestrado em Filosofia da Educação Ano: 2000 Publicação: Cadernos de Pesquisa em Pós Graduação 2 -Série Educação - Educação e Linguagem - Unisantos Contato:
[email protected] A LINGUAGEM DOS CHATS DESAFIA OS NEWBIES Melissa Elias Viana Introdução Jovens embebidos em outras linguagens, saberes e escritas circulam pela sociedade através de canais de comunicação difusos e descentralizados. São eles os responsáveis por acrescentarem, a uma língua que demorou 500 anos para ficar “pronta”, um novo sabor. Deram a ela um ritmo, roubado por habilidosos hackers. Introduziram subversões à temível gramática e a temperaram com um delicioso “molho” inglês. O resultado é uma mistura de ingredientes ainda não provada (estatisticamente), mas que promete – satisfações ou indigestões. O fato é que não há mais como evitá-la. Este estudo é um convite à experimentação dessas novas linguagens. Lembramos que a receita pode parecer simples, mas com os mesmos ingredientes é possível fazer diferentes degustações, o que dependerá do paladar apurado de cada um. A recomendação é que se faça uma sesta logo em seguida, pois, após digeridas as linguagens, é preciso voltar ao trabalho – e, quem sabe, com a sensação de ter acrescentado um pouco de sabor ao saber. Internet: amplas possibilidades Nunca uma revolução foi tão rápida. Em apenas trinta anos, a rede de computadores que os norte-americanos criaram para uso militar transformou-se numa gigantesca malha de mais de 3,6 milhões de sites e 196 milhões de usuários, sendo 7 milhões deles, brasileiros. Desses, 68% estão na faixa etária entre os 15 e 29 anos e, em sua maioria (75%), solteiros. Para eles, o mundo, depois da Internet, decididamente não é mais o mesmo. A aldeia global de Marshall McLuhan tornou-se tecnicamente realizável. A aldeia global está sendo desenhada, tecida, colorida, sonorizada e movimentada por todo um complexo de elementos díspares, convergentes e contraditórios, antigos e renovados, novos e desconhecidos. Formam-se redes de signos, símbolos e linguagens, envolvendo publicações e emissões, ondas e telecomunicações. Compreendem as relações, os processos e as estruturas de dominação política e de apropriação econômica que se desenvolvem além de toda e qualquer fronteira, desterritorializando coisas, gentes e idéias, realidades e imaginários.2 Os jovens usuários da Internet vêem o computador como extensão natural de suas vidas. Querem respostas rápidas, são excepcionalmente curiosos e valorizam muito o direito à individualidade, à privacidade e, deste modo, acabam por formar uma espécie de tribo. Uma tribo que sociabiliza, de certa forma, a sua solidão. Sem sair do quarto, os internautas viajam o mundo, visitam museus, fazem uma série de coisas ao ganharem uma nova identidade. Escondem-se por pseudônimos e, sem terem o desafio de olhar nos olhos de seus interlocutores, os internautas podem se transformar. Podem passar a imagem de terem dez ou vinte quilos a menos, podem ser mais simpáticos, engraçados e até deixar a timidez de lado. Podem ser qualquer um que desejarem ser, pois têm a chance de virarem atores, atores comunicantes. A questão do isolamento social desenvolvido pelo indivíduo, quando em contato com
as possibilidades que a rede oferece, é um dos aspectos que está mobilizando muitos dos debates em torno dessa nova mídia em constante evolução. Há, de fato, certa alienação e uma desumanização pela ausência de contatos reais entre as pessoas. Entretanto, os defensores da Internet afirmam que ela não pode ser considerada a grande vilã, culpada por preencher um vazio já anteriormente existente nos indivíduos, em virtude da complexidade da vida urbana. O professor, filósofo e engenheiro, Pierre Lévy, pensador da tecnodemocracia, apresenta a rede como um pharmakon – nem remédio nem veneno, ou os dois ao mesmo tempo, dependendo do uso correto ou incorreto que se desenvolve. A virtualização do cotidiano e, especialmente, a Internet estão nos obrigando a conceber uma nova arquitetura, uma arquitetura dos espaços de comunicação e do conhecimento, que tem por desafio político conciliar a cidade "real" e o "cyberspace". Estamos vivendo um momento em que descobrimos novas formas de organização e transmissão das tradições. Há hoje uma inteligência coletiva, que é a comunidade dos usuários, que pode reorganizar, a todo o momento, as massas de informação disponíveis on-line, por meio de conexões transversais e simultâneas. É essa inteligência coletiva que está se contrapondo à cultura verticalizada na qual vivemos até agora. A verdade é que não existe um meio de retroceder, a Internet já foi incorporada à rotina da classe média brasileira, proporcionando uma grande comodidade nunca antes estabelecida, ao disponibilizar serviços (bancos, livrarias, bibliotecas e até mesmo psicoterapias virtuais, tudo ao alcance do consumidor através de uma tecla) e também uma fuga das pressões cotidianas, como o trânsito e a violência das grandes cidades, com muita informação e entretenimento. Essa mídia digital está promovendo mudanças radicais no comportamento do homem moderno. Já existem, é verdade, muitos relatos onde a Internet levou pessoas a extremos patológicos mas, para uma grande maioria, ela parece ter melhorado e ampliado o universo de relações. Seu sucesso é resultado de um jogo entre estímulo e resposta. É a interatividade e a compulsividade de estar on-line e de obter respostas imediatas que levam as pessoas a ficar conectadas a um mundo virtual, sem fronteiras, onde, como diria Marx, “tudo o que é sólido e estável se esfumaça”. Meios & Linguagens Talvez um dos recursos mais populares utilizados na Internet sejam as salas de bate-papo (chats), os canais do IRC (Internet Relay Chat, criado em 1988, na Finlândia) e programas como ICQ (acrônimo de I seek you – eu busco por você). A possibilidade de conversar com pessoas do outro lado do mundo, em tempo real, por intermédio de “canais” dedicados a assuntos específicos, associada ao confortável anonimato dos nicknames (apelidos), torna os chats atrativos para muitas pessoas, inclusive quando não se tem nada para fazer, ou sobre o que conversar. Recursos como o IRC conquistaram seu espaço também por permitirem comunicações instantâneas durante a Copa do Mundo, em desastres naturais, guerras e outras crises. Em 1993, por exemplo, em meio à tentativa de golpe comunista na Rússia, a única fonte que transmitiu os acontecimentos para o mundo foi um canal específico do IRC. Nos terremotos de Los Angeles (EUA) em 1994 e o de Kobe (Japão) em 1995, esse meio também foi fundamental para a comunicação e localização de sobreviventes. Os jovens experimentam uma empatia feita não só de facilidade para relacionar-se com as tecnologias audiovisuais e informáticas, mas também de cumplicidade expressiva: é em seus relatos e imagens, em suas sonoridades, fragmentações e velocidades que eles encontram seu idioma e seu ritmo. Pois, frente às culturas letradas, ligadas à língua e ao território, as eletrônicas, audiovisuais, musicais ultrapassam essa limitação, produzindo comunidades hermenêuticas que respondem a novos modos de perceber e narrar a identidade. Identidades de temporalidades menos extensas, mais precárias, mas também mais flexíveis, capazes de amalgamar e fazer
conviver ingredientes de universos culturais muito diversos. Um dos aspectos mais interessantes destes novos ambientes virtuais é justamente a sua linguagem característica, marcada principalmente pela iconização da mensagem, mais conhecida como emoticons ou smileys (marcadores conversacionais). Nessa nova linguagem, também podemos notar a disseminação de termos da informática, uma economia de caracteres digitados e um grande descaso com as regras gramaticais da nossa Língua Portuguesa. A expansão da Internet trouxe também, sem dúvida, uma certa soberania da língua inglesa no mundo. Com a Internet, vieram novas palavras e expressões, em forma de comandos ou aplicações, muitas sem correspondentes em nossa língua. E o que agrava mais ainda a situação, é que a grande maioria dos softwares disponíveis no país é justamente em inglês. A tendência natural é o abrasileiramento desses termos, à medida em que o meio vai se popularizando: alguns até já escrevem, por exemplo, linque, ao invés de link. A mídia impressa, eletrônica e informática(...) desempenham um papel fundamental na difusão do inglês. Representam de longe o principal meio de pôr-se em contato com esta língua, que alcança o maior número de pessoas, que as toca mais freqüentemente e de maneira variada. (...) Esta presença do inglês manifesta-se como a própria língua das mídias. Além disso, as mídias propagam em inglês a reprodução da realidade do mundo contemporâneo.(...) A rapidez da comunicação via chat ou e-mail permite uma fluência maior da linguagem, quase com a mesma rapidez da fala. Uma brincadeira pode, facilmente, ser mal interpretada. Numa analogia, quando escrevemos uma carta a alguém, entre o tempo em que ela é escrita e o envelope fechado, ainda existe um período para repensar seu conteúdo. Na rede, escreve-se o que se pensa e a mensagem é publicada imediatamente. Qualquer pessoa que tenha passado alguns minutos de conversa on-line, ou simplesmente visitado esses mundos virtuais, deve ter percebido como as palavras foram abreviadas até o ponto de se converterem em uma, duas ou no máximo três letras (não=n, sim=s, de=d, que=q, também=tb, cadê=kd, tc=teclar, porque=pq, aqui=aki, acho=axo, qualquer=qq, mais ou mas=+). Além dessa “economia”, houve também um extermínio da pontuação e da acentuação (é=eh, não=naum), remetendo-nos à fonética das palavras e não mais à etimologia. Não parece que os internautas vIRCiados (aficionados pelo IRC) estão simplesmente "escrevendo errado", mas sim, estabelecendo um processo onde as mensagens são refinadas, de tal forma que possam ser expressas com o menor número de caracteres possível. Por que utilizar o ponto final, por exemplo, quando é certo que se chegou ao fim de uma frase? (Só se houver mais de uma frase ainda se costuma usar o ponto final). Da mesma forma, as letras maiúsculas também se mostraram desnecessárias. E nessa onda de cortes, até as reticências perderam um de seus três pontos. As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios(...) A palavra constitui o meio no qual se produzem lentas acumulações quantitativas de mudanças que ainda não tiveram tempo de adquirir uma nova qualidade ideológica, que ainda não tiveram tempo de engendrar uma forma ideológica nova e acabada. A palavra é capaz de registrar fases transitórias mais íntimas, mais efêmeras das mudanças sociais. (...) Cada época e cada grupo social têm seu repertório de formas de discurso na comunicação sócio-ideológica.(...) A língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema lingüístico abstrato das formas da língua nem no psiquismo individual dos falantes. Essa verdadeira mistura de diversos elementos que é o dialeto dos chats, o uso de
códigos importados da informática e erros ortográficos freqüentemente propositais (que, no entanto, podem deixar de ser) seria, a princípio, um espelho da proposta da própria Internet: uma rede democrática que se governa por si mesma. A alteração da grafia seria, então, apenas uma transgressão de regras que não são nenhuma novidade, basta lembrar da linguagem dos telégrafos ou dos radioamadores, dificilmente compreendidas. As origens :-) O curioso é que muitas das expressões utilizadas nos chats surgiram antes mesmo da Internet. Se nos remetermos às salas de aula de alguns anos, é provável que já tenhamos visto alunos escrevendo bilhetes para outros colegas com a mensagem: “você é d+!”, acompanhada de um sorriso carismático , já prenunciando o sucesso dos emoticons. Os emoticons foram desenvolvidos pelo serviço secreto de um país do sudoeste europeu, em 1979, para que apenas pessoas altamente treinadas na arte da decifragem pudessem compreendê-los. A técnica básica desse sistema criptográfico baseava-se na rotação a 270 graus dos caracteres digitados, tornando-os praticamente impossíveis de serem lidos por aqueles que não conheciam essa arte. Com o fim da Guerra Fria, o uso militar dos emoticons tornou-se obsoleto e hoje, só é preciso muita criatividade e um pouco de paciência para entendê-los. Os usuários da rede se utilizam desses códigos, elaborados a partir de símbolos de pontuação, para expressarem sentimentos, emoções. Também são utilizadas abreviações que encurtam a tarefa de digitar (H/M – Você é homem ou mulher?). Quando é preciso dizer algo, porém sem dar o nome, apenas a idéia contextual (< > sem comentários, [ ] abraço forte), utiliza-se a palavra foobar. Por outro lado, não raro nos deparamos com emoticons “desafiadores”: ‘:-) mergulhador, [:-) de walkman, 8(:-) Mickey, C=:-) cozinheiro, @@@ :-) cabeludo, ¿:-) filósofo, :%% com acne, :* ) resfriado, cI:- = Carlitos, 5:-) Elvis Presley, :3-< cão, ^..^ gato, :8) porco, ~~~~~~8) cobra, ( -- ) coruja. E ainda desenhos criados a partir de traços simples que identificam as afinidades ou hobbies (aviões, animais, computadores) dos internautas (geralmente são colocados como assinaturas): (...) Uma hipótese de nova escrita, proposta por Pierre Lévy, seria a criação de uma “ideografia dinâmica”, misturando o princípio de escritas que utilizam conceitos ou idéias ao invés de símbolos fonéticos – como é o caso dos ideogramas chineses ou representações pictóricas – com o caráter dinâmico dos novos suportes multimídia. Um começo do que se tornaria essa nova escrita, a título de exemplificação, seriam os jogos de vídeo, potenciais embriões dessa linguagem animada de que fala o professor Lévy. No que essa nova escrita – linguagem talvez fosse o termo mais adequado – está relacionada aos preceitos e características da comunicação virtual? A exemplo das representações pictóricas (como a do boneco jogando o papel na lixeira), essa seria uma forma de comunicação universal, passível de compreensão por virtualmente todas as pessoas – uma verdadeira revolução nas relações humanas. Os recursos multimídia ampliariam as possibilidades naturalmente limitadas da ideografia, podendo incluir até a adaptação dessa nova linguagem a contextos locais. (...) Uma outra explicação considerável para a economia de caracteres deve-se, em grande parte, a um hábito antigo da informática. A maioria dos servidores, tempos atrás, não reconhecia os sinais gráficos dos acentos e uma mensagem, com uma grande quantidade destes, corria o risco de ser destruída ou convertida em uma série de símbolos ininteligíveis. Para ilustrar esses conceitos, tomemos a ilustração da tabela ASCII (American
Standard Code for Information Interchange) A tabela é ponto de partida para a fundamentação da linguagem dos chats. O computador, como se sabe, funciona através de números. Cada sinal gráfico letras, números, sinais de pontuação e linhas – corresponde a um número. Os números começam em 33 (os 32 primeiros sinais são para controle interno do computador). Em seguida, estão os sinais de pontuação, os números (sinais de 48 a 57), as letras (maiúsculas, de 65 a 90; minúsculas, de 97 a 122), chaves, colchetes e outros recursos do teclado. As primeiras plataformas (bases) de computadores, chamadas UNIX, suportavam apenas os primeiros 127 caracteres (a cedilha e os acentos começam no número 128). A rigor, apenas o conjunto dos 127 primeiros caracteres é o código ASCII original. Quando o conjunto vai até o 255, é chamado de ASCII expandido. Aí está a origem “imperialista” do não uso de acentos em mensagens eletrônicas. Até há pouco tempo, muitos dos computadores por onde as mensagens da Internet passavam podiam ser os UNIX antigos. A acentuação, neste caso, era interpretada erroneamente, e a mensagem chegava confusa ao receptor. Desde os tempos das BBS, as precursoras da WEB (World Wide Web - WWW), os jovens internautas aprenderam a substituir os acentos por outros recursos, usando o conjunto limitado de letras. Além disso, antigamente, toda economia era preciosa: os computadores tinham o disco rígido muito menor e a transmissão era muito mais demorada. Com essas limitações da época, os internautas aprenderam a economizar cada sinal. Então "que" se torna "q", "você" transforma-se em "vc", “não” em “n” ou “naum” e daí por diante. São nos chats que essas abreviações e sinais gráficos encontram o ambiente mais propício para se proliferarem. Ali eles se adaptam melhor às vontades, e até mesmo às necessidades dos usuários, de uma forma mais natural. Segundo Pierre Lévy, “o poder e a identidade de um grupo dependem mais da qualidade e da intensidade da sua conexão consigo mesmo do que da sua resistência em comunicar-se com o seu meio”9. Num ambiente em que é possível manter simultaneamente várias conversas distintas com outros internautas, haverá sempre a exigência de escrever o mais rápido possível, para não deixar ninguém esperando, uma questão de netiqueta. Ética no Cyberspace Netiqueta ou Nética é um conjunto de regras do comportamento social, que disciplinam os internautas na rede. Ensina, por exemplo, como agir em grupos de discussão, como escrever de forma a preservar a eficiência da rede e ampliar o potencial de comunicação. São regras baseadas no bom senso e na utilização desse meio. Quem não conhecê-las será chamado de newbie, ficando fácil identificar os usuários recém-chegados. Portanto, é preciso ser sociável, não usar palavras de baixo calão, não insultar, não escrever em letras maiúsculas (para não dar a impressão de estar gritando), não escrever mais do que duas ou três linhas para não ocasionar um flood (repetição ou excesso de mensagens que possibilita a saída do internauta do chat) ou lags (“buracos negros” na comunicação – podem significar ausência de um dos comunicantes, falha, ruído ou ruptura na conexão). Quando se tenta transgredir a netiqueta, o internauta fica sujeito às regras de banimento. A primeira delas é o kick (uma advertência – o internauta sai do chat mas pode voltar). Primeiro, ele receberá uma notificação, mas se continuar insistindo na transgressão, acabará sendo banido daquele canal de bate-papo (o que pode ser temporário ou não). Caso não seja temporário, o internauta terá sofrido então um kill, não podendo voltar mais para aquele canal de forma alguma (nem com outro name, nick ou username). Neste caso, a situação é a seguinte: cada internauta tem um número próprio, o chamado IP (Internet Protocol), que funciona como um R.G. (a cada conexão, ele recebe um número). Portanto, mesmo aqueles que se fazem passar por lamers (uma espécie de “treinee” de hackers – piratas especialistas em computadores) para enganar, clonar o IP de uma outra pessoa, ou seja, fazer-se passar por um outro usuário, não conseguirão ou, pelo menos, não
por muito tempo. Em cada canal existe um OP, um operador, e é ele quem controla o conteúdo de uma sala, é ele quem determina quais internautas serão banidos ou quais irão continuar pelas ações de cada um. Interessante ainda é a subdivisão no significado de lamers. Podem ser newbies, meros novatos ou ainda crackers (hackers “do mal”). As alterações gráficas freqüentemente encontradas nos chats - como a troca da letra “o” pelo “O” (zero) e da letra “l” pelo número “1” - são fruto de um código de regras originais criadas pelos hackers, onde a grafia e a sintética chegam a ser incompreensíveis por leigos, mas já disseminada no mundo virtual. Outro fato a ser mencionado é a diversidade temática encontrada nas salas de batepapo. Para se ter uma noção, o Universo Online, o maior provedor de conteúdos em Língua Portuguesa, oferece 130 grupos de discussão, divididos nas categorias: cultura, saúde, hobbies, computação, política, economia, sociedade, comportamento, viagem, jogos, Internet, educação, esporte, negócios e outros (esoterismo, humor, jornalismo, religião, etiqueta). E cada categoria subdivide-se ainda em temas mais específicos.10 O crescimento espetacular dos chats na web deve-se à liberdade para relacionamentos de qualquer espécie, à sincronicidade nas conversações, à garantia do anonimato, à ausência de censura (apesar de existirem os OPs) e à desobrigação de se submeter a regras (apesar das recomendações da netiqueta). Na verdade, não importa o quanto se entenda do assunto ou o quanto experiente a pessoa seja. Sempre há muita coisa que não se compreende a respeito da Internet. É quase impossível manter-se atualizado diante de tantas novidades. Considerações finais Fronteiras dissolvidas, modificadas pela tecnologia, pela comunicação, pelos novos conceitos de espaço e tempo... Ainda estamos na fase embrionária da realidade virtual / factual. Quebram-se regras, discutem-se as múltiplas visões de mundo, aguçam-se sensibilidades. O pensamento é transformado, traduzido em palavras que refletem e refratam a realidade. Se entronizarmos palavras cifradas, teremos um mundo cifrado? Tudo ainda é muito novo. Há encanto e deslumbramento diante do interativo. Mas é preciso pensar, abandonar a resistência, ir além das leituras críticas, desvendar as linguagens que emergem da nova esfera, conhecer as origens, participar dessas linguagens que permeiam a modernidade e que trazem consigo a possibilidade de circulação de mensagens, de idéias universais. Há uma interação ímpar e já disseminada, tanto na oralidade quanto na escrita. Não podemos fechar os olhos. Os cadernos já estão recheados de smileys, as produções de texto apontam erros que não constam na leitura digital onde a fonética impera. Cabe a nós, desarmarmos as metáforas do clique, do rápido, do instantâneo, do imediato - pois são lineares e descontínuas - e vermos de que forma são aplicáveis ou não para cada realidade circundante. Por intermédio dos espaços virtuais que os exprimiriam, os coletivos humanos se jogariam a uma escritura abundante, a uma leitura inventiva deles mesmos e de seus mundos. Como certos manifestantes desse fim de século gritaram nas ruas “Nós somos o povo”, poderemos então pronunciar uma frase um pouco bizarra, mas que ressoará de todo seu sentido quando nossos corpos de saber habitarem o cyberspace: “Nós somos o texto”. E nós seremos um povo tanto mais livre quanto mais nós formos um texto vivo. ANEXOS Para se ter uma idéia mais precisa do que ocorre na linguagem do mundo virtual, aqui se encontra uma transcrição de um chat entre três participantes (cores distintas) com algumas traduções, marcas de oralidade e comentários gerais (ao lado de cada thread – linha).
ICQ Chat Session ---------------------------Participants: MEL, LUFL, THARWN (nicknames de Melissa, Luiz Flávio e Guilherme) Description: Created On: Monday, May 29, 2000 ---------------------------
Taí o Zifio. (Algo como: estou aqui, meu filho!) bomxibomxibombombom. O de cima sobe e o de baixo desce... (Música do grupo As Meninas) E Æ?? Blz? Kd a Mel? Melando? Have time to tc? (E aí? Beleza? Cadê a Mel? Melando? Tem tempo para teclar?) blz! (Beleza!) O q 6 taum fzndo agora ? (O que vocês estão fazendo agora?) <MEL> <:-) Tc! (Emoticon: seu burro! Teclando!) <MEL> LOL :-) (Recurso do ICQ que envia um som de risadas. LOL= lots of laughin’ e emoticon de felicidade) alguem afim tc? (tc=teclar) hahahahahahaha (Risos) Beep! Beep! (Recurso do ICQ que envia som de buzina para chamar a atenção dos receptores) Hehehehehehehe.. (Risos – observem como isso se tornará constante) <MEL> tou fazendo um job pro mestrado. Ajuda Æ!!! (Estou fazendo um trabalho para o mestrado. Ajuda aí!) Uh... (Algo como: ah, tá! Acrescido de uma pausa breve) Coooooooool !!!!!!!!!!!! (Legal!) Show... (Gíria: muito legal) isssu mesmo, garota issssssssstudiosa! (Observem que a repetição da letra s tem por finalidade modificar a forma como deve ser lida a frase, com maior entonação) Eu n tou fazendu nadica (Eu não estou fazendo nada.) <MEL> Tharwn, q nick eh esse Gui? (Tharwn - que apelido é esse, Guilherme?) ops (Ôpa...) <MEL> Inspiração donde? (Inspiração de onde?) É um persona de Star Wars.. (É um personagem de Star Wars – Guerra nas Estrelas – o nickname já demonstra um hobbie do internauta) + como Tharwn (Mas como Tharwn. Percebam que não ficou clara a resposta) <MEL> nem Darth Vader salva! (O nickname é tão estranho que nem Darth Vader – outro personagem do filme – salva!) <MEL> Beep! Beep! (Recurso do ICQ novamente utilizado para chamar a atenção dos receptores) Hehehehehehehe (Repetição das risadas, como deboche) SAVE THE EARTH ! (Um grito - letras maiúsculas: Salve a Terra!) eh um Grande almirante (Volta-se à explicação do nickname: Tharwn é um grande almirante no filme) The best (Complemento da explicação: o melhor!) <MEL> Tou vendo 1s lances pro site (Estou vendo uns lances para o site – tanto Tharwn quanto Lufl são webdesigners) Vader um bom mestre jedi + tinha um disturbio (Volta ao assunto do nickname: Vader era um bom mestre Jedi mas tinha um distúrbio) quando falar (A frase não ficou clara, Tharwn apertou a tecla enter e o que ele havia digitado foi enviado sem que a frase estivesse terminada) <MEL> Ker saber? deixa sobrar um tempo q a gente se reune (Quer saber? Deixa sobrar um tempo que a gente se reúne – volta-se à conversa sobre o site) Poizeh....Eu naum sei o q fzer ...tou lendo flash 4 (Pois é... Eu não sei
o que fazer...estou lendo Flash 4.0 – um programa para a elaboração de sites com animação) moh difícil (Muito difícil – emoticon: triste) <MEL> tdbom no Biju? (Tudo bem no Objetivo? – Colégio onde estudam em Santos – 1º ano do Ensino Médio) Tou indeciso. (Estou indeciso – reparem no uso do ponto final: raridade) 4ª eh prova de Fis... (Quarta-feira é prova de Física) Hihihi (mais risos, diferenciados) <MEL> Vamo pro Hopi Hari fim do mês. Yeessssssssssssssss (Vamos para o Hopi Hari – parque de diversões – no final do mês) o q vc ker +? (O que você quer mais?) <MEL> Jah foi? Eh show! (Já foi? É muito legal! Emoticon: feliz) U...Beto foi pro HopiHari onti .. (O Beto foi para o Hopi Hari ontem) <MEL> Só vai ter que falar hopês! Arght! (Hopês é o dialeto criado especialmente para o Hopi Hari) Nice (Utilização de palavras em inglês, novamente:bom) <MEL> Sorry, tô ½ :*) (Desculpe, estou meio – emoticon: resfriada) <MEL> Q Beto? (Que Beto?) <MEL> Roberto, 1º A? Ah tah... (Lembra-se e diz: Roberto do Primeiro ano A? Então, tá!) <MEL> Sério, tem até 1 dicionário Michaellis... (Volta ao assunto do Hopi Hari) hahahahhahahahahahahahhhahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahah ahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahah ahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahaha (Risos exagerados, novamente) <MEL> A 5ª maior montanha russa do mundo, de madeira (Ainda no assunto do Parque – explicando que lá existe a quinta maior montanha russa de madeira do mundo) sei.. (equivaleria ao emoticon :-I indiferente) falta $$$ (Estou sem dinheiro) <MEL> No problem, dependendo da nota dá pra negociar com papis e mamis, try! (Nenhum problema, dependendo da nota que você tirar na Prova de Física, dá pra negociar com o pai e a mãe, tente!) <MEL> O q vc tah vendo em Fis eh baba (O que você está vendo em Física é fácil) TÁ NA MESA, PESSUAAAAAAAAAAL !!!!!!!!!!!!! (Avisando que o jantar está pronto. Assim anunciava um personagem do extinto programa infantil: TV Colosso / Rede Globo) hahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahaha hahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahh ahahaha queda livre (Gargalhadas e um aviso de que o Lufl irá se desconectar em breve) <MEL> Q rola de food? (O que tem para comer?) Eu preciso ir... Chegou a redonda (pizza) por aki (Observar o humor: redonda=pizza) <MEL> Vai entaum, Cinderela, antes que vire abóbora! (Uma outra brincadeira) <MEL> (Emoticon: triste) <MEL> Beep! Beep! (Recurso de áudio para chamar a atenção: buzina) Depois reclama da barriga, abóbora recheada! (Observar o uso correto da pontuação- raridade) LOL (Recurso de áudio: gargalhadas debochadas) :-* Mel... (Emoticon: beijo para Mel e uma pausa: para demonstrar despedida) <MEL> TNX 1.0E6 (Agradecimento: thanks a million. Milhões de vezes, obrigada) <MEL> and :-* 2 (Um beijo pra você também. O número 2 significa too – também, em inglês – diferente de mandar um beijo para os outros dois comunicantes) [ ]'s pro R2-D2...ops..Tharwn. BBL (Abraços fortes para o R2-D2 – outro personagem - robô - do Star Wars para “irritar” o Tharwn – BBL= I’ll be back later
- eu voltarei depois - para o chat)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS • BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 2ª edição. São Paulo: Hucitec, 1981. • HABERMAS, J. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Publicações Dom Quichote, 1990. • IANNI, O. Teorias da globalização. 5.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. • LÉVY, P. O que é o virtual?. São Paulo: Editora 34, 1996. • MARTIN-BARBERO, J. Cidade virtual: novos cenários da comunicação. Comunicação & Educação, São Paulo, n.11, p. 58-9, jan./abr., 1998. • MARTINEZ, V. A rede democrática. Perspectivas, São Paulo, v.22, p. 191-9, 1999. • MARX, K.& ENGELS, F. Manifesto Comunista. São Paulo: Chedi Editorial, 1980. • TRUCHOT,C. L’anglais dans le monde contemporain. Paris: Le Robert, 1990.
REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS • IRC http://www.brasirc.net/documentacao/biblirc.txt • Glossário de termos usados no IRC http://www.ginet.com.br/internet/irc/glossario.html • Mudanças da Comunicação Virtual - A Era da Comunicação Virtual http://www.home.openlink.com.br/adrimattos/mudancas1.html • Pesquisa Cadê?/IBOPE 2000 http://www.pesquisa.cade.com.br/ • Pierre Lévy, o pensador da tecnodemocracia http://www.uol.com.br/internet/webzona/levy.htm • Pierre Lévy - Revista da FAMECOS 9 http://www.ultra.pucrs.br/famecos/rf9levy.htm
• Smiley Center
http://www.goldrush.net/~mleon/lorelei/smiles.htm • Tecnologias intelectuais e modo de conhecer http://www.informarte.net/curso/15_plevy1.htm • UOL – Fórum http://www.uol.com.br/forum/
http://br.geocities.com/mel_vanhalen/newbies.html