A terceira edição do Nosso
Lugar
Virou
Parque
vem demonstrar o interesse crescente pelas questões relativas à conservação ambiental, à biodiversidade e ao papel das populações tradicionais na defesa de seu modo de vida dependente do uso sustentável dos recursos naturais. O fato desse trabalho ter sido realizado por cientistas naturais e sociais, em envolvimento direto com as comunidades caiçaras aponta para a necessidade de se construir uma nova ciência da conservação ambiental no Brasil, a partir de uma reflexão sobre a nossa realidade ecológica e cultural e não a partir da transposição de modelos dos países do Norte. Esta publicação, que conta com o apoio da Fundação Ford, foi realizada a partir de trabalho de campo dos pesquisadores do NUPAUB-USP.
A^Diegues & P. Nogara
A conservação do m u n d o n a t u r a l , através de p a r q u e s nacionais e outras áreas protegidas t o r n o u - s e u m dos maiores objetivos das políticas públicas de m e i o - a m b i e n t e . C o m o , no e n t a n t o , a quase totalidade dessas unidades prevê o d e s l o c a m e n t o dos antigos m o r a d o r e s ,
Antonio Carlos
Diegues
raulo José Navajas
Nogara
p r i n c i p a l m e n t e das c o m u n i d a d e s tradicionais tais como sertanejos, c a i ç a r a s e c a b o c l o s , os p a r q u e s n a c i o n a i s , c u j o m o d e l o foi i m p o r t a d o d o s E s t a d o s U n i d o s no i n í c i o d e s t e s é c u l o t o r n a r a m - s e t a m b é m u m sinal de conflito, e e m m u i t o s casos, de opressão desses g r u p o s sociais. Hoje, já é aceito por grande parte dos cientistas que a presença dessas populações tradicionais dentro dos parques, não n e c e s s a r i a m e n t e l e v a à sua d e s t r u i ç ã o mas pode contribuir
O NOSSO
LUGAR VIROU
L s t u d o 5 o c i o a m b í e n t a l d o Saco
para o ê x i t o dessas unidades de seja d e v i d a m e n t e i n c o r p o r a d a , é preciso
5a. edição
m u d a r os p a r a d i g m a s da c i ê n c i a da c o n s e r v a ç ã o do m u n d o n a t u r a l , essa t a m b é m i m p o r t a d a de p a í s e s c o m ecossistemas e culturas distintas d a q u e l e s q u e t e m o s e m nosso país. Este livro, f r u t o de t r a b a l h o de u m antropólogo e um biólogo acenam para a n e c e s s i d a d e da c o n s t r u ç ã o d e u m m o d o novo de ver a relação e n t r e c o m u n i d a d e s tradicionais e parques que poderíamos c h a m a r d e e t n o b i o l o g i a da c o n s e r v a ç ã o .
Capa:
Frederico
Carvalho
de
M a m a n g u á - P a r a t i - K í o de J a n e i r o
significativamente
c o n s e r v a ç ã o . Para q u e e s s a c o n t r i b u i ç ã o
PARQUE
pau lo 200:5
© da organização, 2005, Antonio Carlos Diegues © direitos de publicação, 2005. do Núcleo de Apoio à Pesquisa sobre Populações Humanas e Áreas Úmidas Brasileiras (NUPAUB-USP) Rua do Anfiteatro, 181 — Colmeias — Favo 6 05508-060 São Paulo - Brasil (55 I I) 3091.3307 / 3091.3142 / 3091.3425 / 3091.3089 home page: www.usp.br/nupaub
O NOSSO
LUGAR VIROU
TARQU
e-mail:
[email protected]
i L s t u d o S o c i o a m b i e n t a l d o S^co
A p o i o : Fundação F o r d
de
Mamanguá - f a r a t i - K'o de Janeiro
Projeto Gráfico e Diagramação Eiiane Cristina Santos
5a. edição
Capa Frederico Corvaího Revisão dos originais Antonio Carlos Diegues
C-Oordenação
Fotos de capa e encartes
geral
Antonio Carlos Diegues
Paulo José Navajas Nogara Antonio Carlos Diegues
Catalogação na Fonte BibliotecáriarVera Lúcia de Moura Accioli Cardoso CRB-8/2269 Diegues.Antonio Carlos Sant'Ana O nosso lugar virou parque: estudos socioambiental do Saco do Mamanguá - Parati - Rio de Janeiro / Antonio Carlos Sant'Ana Diegues e Paulo José Navajas Nogara. 3a. ed. São Paulo: Núcleo de Apoio à Pesquisa sobre Populações Humanas e Áreas Úmidas Brasileiras. USR 2005. Bibliografia: I75p. ISBN: 85-87304-0 M
<^°° 301.31 I8*.ed. 301.32
I. Ecologia humana. II.Antropologia marítima. III. Natureza e sociedade. IV. Populações tradicionais em áreas naturais protegidas.V. Nogara. Paulo José Na vajas-VI.Titulo.
Pcscjuisadorcs
dc
Campo
1 '^'^lo J o s é N a v a j a s N o g a r a R o s a n a G r a n i e r i (estagiária
(£)iólogo) - Qcncias
R o k s o n 5 , i v 3 K o c h a (pcscjuisaJor
Sociais)
- Oéncias
V i m „ K n w a m u r a G o n ç a l v e s (cstagiáría
- Qências
Navais) Sociais)
Pref á cio
N
ESSES DE-z ANOS que se passaram entre a p r i m e i r a e d i ç ã o do Nosso Lugar virou Parque (1994) e hoje, o Saco de M a m a n g u á
sofreu u m a série de m u d a n ç a s sociais, dentre as quais a diminuição drástica das atividades agrícolas, que desapareceram na maioria dos povoados e praias, circunscrevendo-se a lugares mais distantes onde a l g u n s c a i ç a r a s ainda praticam o cultivo e a p r o d u ç ã o de farinha da m a n d i o c a . A v e n d a das posses aos turistas, aliada às dificuldades impostas pela legislação ambiental, fizeram c o m que 'is roças ficassem cada vez mais distantes do local de moradia. Ao
a b a n d o n o g r a d a t i v o da l a v o u r a , c o r r e s p o n d e r a m
um
'aumento das atividades pesqueiras, sobretudo da pesca artesanal do c a m a r ã o branco de alto valor de mercado, o incremento da renda gerada pelo transporte de turistas e a intensificação do artesanato feito de caixeta. T o d a s essas novas atividades f a z e m c o m que o
o
PREFÁCIO
Nosso L U G A R V I R O U P A R Q U E
caiçara local fique cada vez mais dependente da compra de produtos
conhecido que tenha u m barco motorizado, o que n e m s e m p r e é
industrializados da cidade e menos ligado aos ciclos naturais que
possível. H á muito tempo, a p o p u l a ç ã o v e m solicitando u m barco
regiam seu m o d o de vida.
à Prefeitura de Parati que garantiria o transporte público, mas s e m
E s s a s novas atividades, principalmente o turismo, s ã o sazonais
resultado.
e exercidas principalmente nos poucos meses de v e r ã o e durante
Nesta s i t u a ç ã o , os barcos motorizados dos donos de casas de
os feriados, gerando alguma renda que acaba q u a n d o termina a
veraneio que s ã o deixados com seus caseiros, acabam s e r v i n d o
e s t a ç ã o dos turistas ou a construção da casa do veranista. É preciso
para o transporte desses moradores locais. N u m caso, a única trilha
ressaltar a i n d a que i n ú m e r a s m a n s õ e s estão sendo c o n s t r u í d a s ,
da M a r g e m P e n i n s u l a r teve seu t r a ç a d o tradicional alterado por
principalmente na região peninsular pertencente à Reserva
passar n a praia de u m p r o p r i e t á r i o de fora, tendo este feito u m
Ecológica, área non-edificmidi.
outro caminho, mais penoso, por se tratar de u m a subida í n g r e m e .
A i n d a que mais da metade dos moradores afirme que os turistas t r a z e m b e n e f í c i o s ao lugar, outros v ê e m essa a t i v i d a d e c o m
No entanto, porque ele cede seu barco para o transporte de doentes, o referido p r o p r i e t á r i o é " d e s c u l p a d o " por situações como esta.
ceticismo, u m a v e z que os veranistas que c o n s t r u í r a m suas casas
U m aspecto positivo é a diminuição da m i g r a ç ã o para os bairros
de luxo trazem seus mantimentos de fora, c o n s u m i n d o pouco no
pobres de Parati. Nota-se t a m b é m u m a o r g a n i z a ç ã o crescente da
c o m é r c i o local.
p o p u l a ç ã o local e m torno da A M A M , criada e m 1992, que inclui
O s problemas de s a ú d e s ã o particularmente graves e m toda a
tanto turistas como moradores. A s gestões mais recentes da A s -
á r e a , sobretudo pelas m á s c o n d i ç õ e s sanitárias, já que n ã o existe
s o c i a ç ã o têm conseguido algumas m u d a n ç a s importantes, como
á g u a tratada e poucos moradores têm fossas sépticas o u esgotos.
por exemplo, o fim da a h v i d a d e dos barcos de arrasto de c a m a r ã o ,
N a maioria das vezes, a á g u a é coletada e m riachos que d e s c e m
que v i n d o s de Parati v a s c u l h a v a m o interior do Saco, p r o v o c a n d o
das montanhas, e m princípio, de á g u a pura. N o momento da cap-
a morte de i n ú m e r o s filhotes de peixes. A partir de m e a d o s d a
tação, os tanques ficam descobertos e a á g u a t a m b é m é u s a d a por
década de 1990, a A M A M , e m colaboração com os pescadores locais,
animais selvagens o u domesticados. A l é m disso, grande parte dos
c o m e ç o u a implementar os dispositivos de e x c l u s ã o de arrasto
moradores n ã o usa latrinas, o que contribui para o surgimento de
{DEAs), constih.u'dos por b*locos pesados de cimento com vergalhões
várias enfermidades transmissíveis como a hepatite. A d e m a i s , têm
de ferro que r e t ê m as redes usadas para capturar ilegalmente o
aparecido t a m b é m alguns casos de leishmaniose, u m a espécie de
c a m a r ã o . A p e s a r da resistência dos donos de barcos e de várias
úlcera de pele que se não tratada apropriadamente pode trazer pro-
a m e a ç a s , a i m p l e m e n t a ç ã o desses d i s p o s i t i v o s , a p o i a d a p e l a
blemas sérios à s a ú d e . O fato do r e c é m c o n s t r u í d o posto de s a ú d e
C a p i t a n i a dos Portos e pelo Ibama, e l i m i n o u a pesca de arrasto e,
funcionar com pouca regularidade, com rara p r e s e n ç a de m é d i c o s
como consequência, os estoques pesqueiros voltaram a se reproduzir
e falta de remédios também não tem colaborado para u m a melhoria
beneficiando os pescadores locais. A l é m disso, a A M A M c o n s e g u i u
das c o n d i ç õ e s de s a ú d e local. N o entanto, algumas melhorias no
construir sua sede na Praia do C r u z e i r o onde s ã o feitas as reuniões
setor de saúde, como tratamento dentário, tem ocorrido por iniciativa
da A s s o c i a ç ã o , c u r s o s de m e l h o r i a do artesanato e v e n d a de
da A M A M — A s s o c i a ç ã o de Moradores e A m i g o s do M a m a n g u á .
produtos locais.
A s s o c i a d a às c a r ê n c i a s de s a ú d e está a falta de transporte
A A M A M t a m b é m tem combatido o projeto de c o n s t r u ç ã o de
regular para levar os doentes à cidade de Parati, onde p o d e m
"•'ma marina no F u n d o do Saco, por iniciativa de ricos proprietários
receber a l g u m tratamento, ainda que precário. P o r é m , muitos têm d i f i c u l d a d e d e pagar o frete e r e c o r r e m a a l g u m parente o u
C o n d o m í n i o L a r a n j e i r a s e tem c o n s e g u i d o b l o q u e a r essa c o n s t r u ç ã o com a c o l a b o r a ç ã o do Ministério Público.
o Nosso LUGAR VIROU
PREFÁCIO
PARQUE
U m a atividade cada vez mais importante para os moradores é o
experiência importante nesse sentido foi realizada pelas c o m u n i -
artesanato especializado em reproduções de e m b a r c a ç õ e s feitas de
dades do Parque Estadual da Ilha do Cardoso e m C a n a n é i a , litoral
caixeta e que já s ã o consideradas u m a das mais a p r i m o r a d a s e m
sul paulista, onde os caiçaras s ã o donos de pousada e tentam m a n -
todo o Brasil. A o m e s m o tempo, c o m e ç a m a surgir iniciativas de
ter v i v o s o m o d o de v i d a , as d a n ç a s e as m ú s i c a s tradicionais. A
manejo florestal que p o d e r ã o garantir a r e p r o d u ç ã o de u m a das
aquicultura familiar baseada no mexilhão e na ostra pode ser tam-
poucas manchas de caixeta ainda existentes no litoral fluminense.
bém u m a alternativa para essas comunidades, como v e m ocorrendo
Por outro lado, é verdade que o m o d o de v i d a tem se mantido,
na Reserva Extrativista M a r i n h a do M a n d i r a e m C a n a n é i a .
e m parte porque ainda n ã o existem estradas que coloquem a região
C o l o c a r essas c o m u n i d a d e s e m contato u m a s com as outras,
ao alcance do turismo de massa. O m e s m o pode ocorrer c o m a
trocando e x p e r i ê n c i a s , é u m a atividade fundamental neste m o -
instalação da energia elétrica. Por enquanto, a energia para escola
mento. O importante é que, a t r a v é s d c u m conjunto de atividades
e para o centro de s a ú d e é garantida por placas solares e pequenos
dependentes dos recursos naturais, os c a i ç a r a s p o s s a m melhorar
geradores. O acesso por mar a Parati-Mirim, onde existe transporte
sua r e n d a e s u a qualidade de v i d a , guardando sua c o n d i ç ã o de
por ônibus para Parati, é feito por barcos a motor pertencentes a
produtores a u t ó n o m o s . N e s s e processo, é fundamental que eles
moradores da região. A U n i d a d e de C o n s e r v a ç ã o existente - Reserva E c o l ó g i c a , n ã o existe n o S N U C (Sistema Nacional de U n i d a d e de C o n s e r v a ç ã o ) e, portanto, no futuro, deverá passar por u m a m u d a n ç a de categoria. A Reserva de Desenvolvimento Sustentável ou Reserva Extrativista que p r e v ê e m o uso controlado dos recursos naturais p o d e r i a m ser aplicadas à á r e a costeira habitada das c o m u n i d a d e s e ao corpo de á g u a do p r ó p r i o Saco de M a m a n g u á . Pela sua riqueza biológica, essa área estuarina deveria ser de uso exclusivo dos moradores locais para atividades de pesca e aquicultura. D e v e r i a estender-se t a m b é m às áreas usadas para a agricultura, manguezais e caixetais. A implementação de uma marina, no entanto, pode ser u m a a m e a ç a direta a essa proposta, devido aos impactos negativos que teria para a pesca e para a aquicultura. A s áreas de floresta nas regiões mais elevadas que não são usadas produtivamente pelas comunidades poderiam ser transformadas e m outras unidades de proteção integral como Parque Nacional. Já a i m p l e m e n t a ç ã o de u m a Reserva de Desenvolvimento Sustentável ou de u m a Reserva Extrativista p r e v ê e m u m a sólida o r g a n i z a ç ã o c o m u n i t á r i a , d a qual já existe u m e m b r i ã o na A M A M . É importante que as c o m u n i d a d e s se o r g a n i z e m para retirar o m á x i m o proveito do turismo, seja a t r a v é s da c o n s t r u ç ã o de p o u sadas o u da a m p l i a ç ã o de suas casas para receber turistas. U m a
tenham tempo suficiente para se a d a p t a r e m às m u d a n ç a s que, aliás, já v ê m ( K o r r e n d o , f r e q u e n t e m e n t e a u m ritmo muito a c e l e r a d o , mais r á p i d o do que aquele ao qual estão acostumados.
PREFÁCIO
.
INTHOPUÇÃO.
.
1.
A
HISTÓRIA
.
.
.
.
.
SOCIOAMBIENTAL
.
.
.
. .
.
.
.
. .
.
v 17
.
A Hístót-13 de M^m^nguá na Histói-i3 4e Parati
23
26
Elementos da Histói-ia Oi-aMo Saco de Mamanguá .
.
32
2-
Os
DIVERSOS ESPAÇOS
HUMANIZADOS
.
.
4-1
^-
Os
MORAPORES
.
.
.
51
Os
ECOSSISTEMAS, SEUS RECL/RSOS E OS
.
.
.
.
. .
Wsos PELA P O P U L A Ç Ã O L O C A L
.
.
.
.
.
57
Os Ecossistemas da Região
.
.
.
.
.
57
o
SUMÁRIO Nosso LUGAR VIROU PARQUE
3) A M^t3 Atlântica b) A Zon^ Esiu^Hn^
.
•
•
•
• .
• .
^/ 62
REPRESENTAÇÕES
A Terra dos Escravos
.
Os Vários Mares .
.
As Formas de Utilização dos Recursos Naturais da Mata Atlântica
- O AUt Grosso
- O M^r-de-Pentro: ^5
.
. .
. .
•
. .
.
.
.
68 70
Naturais da Zona Estuarina.
•
•
•
.
.
A Ciência do Concreto e a Ciência Moderna . O
Populações Tradicionais Caiçaras
.
.
.
. 8 7
.
.
Fabricação da Farinha
88 94
A Tecnologia Patrimonial na Pesca
.
•
.
.
95
As Embarcações .
.
.
•
.
.
97
E SOCIAIS
.
.
•
As
PRÁTICAS
ECONÓMICAS
. 1 0 1
Os Pescadores . .
ty) PG5c:i4ore5 Attes:}n:)is. Os Lavradores
.
.
Os Empregados dos Turistas
.
.
.
.
.
. .
Os Aposentados .
. .
.
.
.
.
.
.
.
.
9.
A
V I P A PO LUGAR S E N T I P A PELOS M O R A D O R E S .
10.
A
RESERVA E C O L Ó G I C A PA J U A T I N C A :
PROPOSTA
PE Á R E A
Concepção de Planos de Manejo CONCLUSÁO
.
.
127
.
.
127
.
.
130
.
.
135
.
.
143
.
153
.
159
.
. 1 6 1
.
.
.
.
.
.
.
.
167
BIBLIOGRAFIA .
.
.
.
.
.
.
.
171
TABELAS
105
112
"í^belal.
População de Mamanguá
.
.
.
.
.
117
"Tabela 2.
Idade dos Casais, por Faixa Etária,
A Complementaridade de Atividades Económicas
.
.
•
.
.
A Conservação da Biodiversidade e uma Nova
•
.
"126
. 1 5 9
.
.
.
A Reserva vista pelos Moradores
.
.
.
UMA N O V A
N A T U R A L PROTEGIPA!*
.
.
. 1 2 3
SISTEMAS DE A C E S S O Ã T E R R A
117 .
.
.
109
Os Artesãos Os Comerciantes.
.
.
105
^) Pesc^doi-es Ernh^rc^dos
.
o Estuário .
.
.
77 81
M O D O PE V I P A E AS T E C N O L O G I A S C A I Ç A R A S .
.
E A O S RECURSOS N A T U R A I S
75
As Formas de Utilização dos Recursos
E FESTAS.
O Tempo da Natureza, o Tempo Mercantil e o Tempo da Memória . . . H.
As Formas de Utilização dos Recursos Naturais do Mangue . .
6.
SIMBOLISMOS,
O Vso dos Recursos Naturais pela População Local
3) aç3 h) O Extr^tivismo . c) A Agricultura 4g Suhsistênci:^.
5.
7.
em Porcentagem
.
.
.
.
.
.
117
Tabelas.
Média de Filhos por Casal
.
.
118
"Tabela 4.
Local de Nascimento dos Pais
.
.11H
'^^^^k 5. "^'"íbcU 6.
.
.
.
.
52
.
.
53
. .
Grau de Alfabetização dos Pais Caça: Espécies mais Caçadas
.
. .
. .
54 .
. .
54 .
.
55 69
o
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
Tabela 7a-
Tabela 26.
Extrativismo: Espécies Vegetais Utilizadas no Artesanato
.
.
71
Extrativismo: Madeiras Utilizadas nas Construçõesde Casas, Canoas e Barcos
.
•
72
Extrativismo: Espécies Vegetais Utilizadas na Alimentação
.
.
73
Tabelas.
Lavoura: Calendái-ioAgrícola-
.
.
74
Tabela 9.
Mangue: Recursos Naturais Extraídos do Mangue . .
Tabela 7b. Tabela 7c.
Tabela 10. Tabela 11Tabela 12.
.
.
.
Zona Estuarina: Utilização dos Recursos Estuarinos . .
-
.
.
.
Principal Atividade Económica dos Chefes de Família ^ ^ 7 5 0 ; . . . .
.
77 79
Atividades Complementares por chefe de família .
.
.
.
Tabela 27,
Renda Familiar.
.
.
.
Tabela 28.
Festas que Participam os Chefes de Família •
Tabela 29.
Situação da Posse da Terra em Porcentagem
Tabela 30.
Problema Segundo os Chefes de Famílias
Tabela 31.
Opinião sobre Turismo .
Tabela 32.
Grau de Informação sobre a Reserva Ecológica da ^uatinga . . .
.
Opiniões sobre a Reserva Ecológica daJuatinga . . . .
.
Tabela 33.
.
103
Principal Atividade Económica dos chefes de Família por Área
Tabela13.
Pesca Embarcada - Tipo de Pesca
.
.
105
Tabela 14-.
Pesca Embarcada - Função no Barco
.
.
105
Tabela 15.
Pesca Embarcada - Tempo de Embarque Cem anos)
.
.
.
.
106
Tabela 16.
Pesca Embarcada - Preferência de Trabalho.
107
Tabela 17.
Pesca Artesanal - Tipo de Pesca Praticada
109
Tabela 18.
Pesca Artesanal - Propriedade dos Aparelhos de Pesca
.
.
MAPAS
104-
.
Tabela 19.
Pesca Artesanal - Com Quem Trabalha
Tabela 20.
Pesca Artesanal - O Que Fazia
.
.
.
110
•
•
110
Antes de Pescar
111
Tabela 21.
Lavoura - Espécies Plantadas.
.
Tabela 22.
Lavoura - Com Quem Trabalha
Tabela 23.
Lavoura - Distância do Terreno da Roça .
Tabela 24.
Lavoura - Posse do Terreno
Tabela 25.
Lavoura - Destino do Produto
.
.
113
.
.
115
.
115
.
.116 .
.
,
116
Mapa 1.
Localização do Saco de Mamanguá
Mapa 2.
Distribuição das Antigas Fazendas na Região do Saco do Mamanguá .
Mapa 3.
Distribuição da População nos Diversos Ambientes do Saco de N\^m^D^u^ .
Introdução
E
STE TRABALHO f o i r e a l í z a d o p o r p e s q L i i s a d o r e s d o
NUPAUB
( N ú c l e o d e A p o i o à Pesquisa s o b r e P o p u l a ç õ e s H u m a n a s c
Areas Ú m i d a s Brasileiras da U n i v e r s i d a d e de São Paulo), fazendo
parte de u m esforço conjimto de conhecimento da região costeira de Parati - Rio de Janeiro, com o Departamento de Antropologia da U n i v e r s i d a d e L a v a i - C a n a d á . E s s e programa conjunto de pesquisas é c o o r d e n a d o pelo prof. Y v a n B r e t o n (Lavai) e pelo prof. Antonio Carlos D i e g u e s (USP). Entre as várias pesquisas propostas, d u a s já I t i r a m terminadas: Espaço, Pesca e Turismo em Trindade
(Rj),
com
'"•-'latório publicado por Steve Plante e Y v a n Breton (1994) e o presente estudo. O primeiro trabalho pretende analisar a ocitpaç ã o do e s p a ç o pelos moradores d a Praia de T r i n d a d e (RJ), sobretua p ó s os conflitos entre a p o p u l a ç ã o local e a Brascan que Pretendia instalar aí u m grande complexo turístico na d é c a d a de "^^^ Ênfase especial foi d a d a à questão dos impactos d o turismo e ^^'T pesca sobre a c o m u n i d a d e d a Praia de T r i n d a d e .
o
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
INTRODUÇÃO
O presente estudo pretende fornecer subsídios ao conhecimen-
ca e m b a r c a d a " abriu u m a nova d i m e n s ã o na r e p r o d u ç ã o social e
to d a á r e a estuarina e de M a t a Atlântica que foi transformada e m
cultural dos moradores, sobretudo os jovens que p a s s a r a m a ex-
o u t u b r o d e 1 9 9 2 na RESERVA E C O L Ó G I C A E S T A D U A L DA J U A T I N G A . O fato
plorar recursos m a r i n h o s distantes d e s u a s v i l a s e praias, dentro
de sor u m a u n i d a d e de p r o t e ç ã o restritiva, que legalmente n ã o
de u m sistema de trabalho bastante distinto daquele caracteriza-
permite a p r e s e n ç a de p o p u l a ç ã o em seu interior, causa conflitos e
do c o m o pesca de subsistência e pesca artesanal. N e s s e sentido,
impactos sobre o m o d o de v i d a tradicional caiçara a i n d a existente
s u r g i u u m g r u p o de "pescadores m a r í t i m o s " , c o m d i n â m i c a p r ó -
na á r e a . A i n d a que haja, n o texto d a lei d e c r i a ç ã o da R e s e r v a ,
pria, v i v e n d o quase que exclusivamente do ambiente m a r i n h o e
m e n ç ã o sobre a i m p o r t â n c i a da cultura local ( c a i ç a r a ) , a a p l i c a ç ã o
seus recursos, que, desde a d é c a d a de 7 0 , p a s s o u a ser estudado
da legislação atual restritiva quanto ao uso dos recursos naturais
pela "antropologia m a r í t i m a " . Essas novas p r á t i c a s socioculturais
repercutirá sobre as formas tradicionais d e uso dos recursos natu-
da "gente do m a r " d ã o ao ambiente marinho u m a d i m e n s ã o antro-
rais. Por outro lado, a d e c l a r a ç ã o dessa reserva d e v e r á acarretar o
pológica e s ã o marcadas pelas propriedades naturais socializa-
fim, o u pelo menos a r e d u ç ã o , da e s p e c u l a ç ã o imobiliária que já é
das. E s s a s práticas, no entanto, não d e p e n d e m exclusivamente
visível na área e que por si só tem causado m u d a n ç a s consideráveis
do mar, meio " n a t u r a l " socializado, m a s t a m b é m d e formas d e
no m o d o de v i d a da p o p u l a ç ã o local.
o r g a n i z a ç ã o da p r o d u ç ã o (Diegues, 1 9 9 3 ) . C o m o surgimento d a
D e v e - s e ressaltar que o E s t a d o d o R i o de Janeiro é u m dos que
"pesca e m b a r c a d a " configura-se uma relação complexa entre os
m a i s apresentam conflitos entre as p o p u l a ç õ e s moradoras de á r e -
pescadores artesanais (e alguns t a m b é m de subsistência) e os
as naturais protegidas e as a d m i n i s t r a ç õ e s dessas u n i d a d e s de
pescadores embarcados, ainda que, muito frequentemente, os se-
c o n s e r v a ç ã o . E s t u d o recente do N U P A U B ( V i a n n a , A d a m s &
g u n d o s voltem à pesca artesanal n o p e r í o d o do " c l a r o " ( q u a n d o
Diegues, 1 9 9 4 ) mostra que cerca de 7 4 % das u n i d a d e s d e conser-
não se pesca s a r d i n h a ) , nos longos p e r í o d o s de defeso (quando
v a ç ã o restritivas do Estado do R i o d e Janeiro tem p o p u l a ç ã o e m
essa pesca é proibida) e t a m b é m durante o tempo e m que se espe-
seu interior, gerando u m a série de conflitos que i n c i d e m negati-
ra u m n o v o embarque.
vamente sobre a c o n s e r v a ç ã o da área e sobre o m o d o de v i d a das
O u t r o s processos, no entanto, colaboram para alterar o m o d o d e v i d a tradicional, como o surgimento das igrejas "crentes", e d o turismo.
p o p u l a ç õ e s locais. O s resultados dessa c a r a c t e r i z a ç ã o p r e l i m i n a r m o s t r a m q u e as p o p u l a ç õ e s de M a m a n g u á , apesar de seu isolamento g e o g r á -
A p e s a r desses processos, e da forte e m i g r a ç ã o que tem ocorri-
fico relativo, estão inseridas em processos de m u d a n ç a social e
do, os moradores das praias de M a m a n g u á ainda d e p e n d e m , para
cultural que passaram a alterar seu modo de vida tradicional, prin-
'1 r e p r o d u ç ã o de seu modo de v i d a , do uso dos recursos naturais,
cipalmente a partir dos anos 4 0 - 5 0 . E n t r e os processos socioeco-
da Mata Atlântica, seja d a p r ó p r i a z o n a estuarina. N e s s e sen-
n ó m i c o s e n v o l v i d o s na m u d a n ç a social deve-se ressaltar o início
tido, sua v i d a é marcada pelas d u a s e s t a ç õ e s principais, o tempo
da "pesca e m b a r c a d a " , pela qual os jovens passaram a pescar fora
q>-iente e o tempo frio. Sobretudo a partir dos anos 7 0 criou-se
da á r e a , e m barcos de sardinha, as traineiras. E s s e tipo de pesca
^•nia outra e s t a ç ã o ; a dos turistas que entre d e z e m b r o e fevereiro
que se c o n t r a p õ e à pesca artesanal realizada n o interior d o e s t u á -
casas, assentam barracas o u p a s s a m o dia no lugar, v o l -
rio é r e s p o n s á v e l pelo aparecimento d c u m g r u p o d e moradores
''indt) a P a r a t i - M i r i m o u a Parati. É t a m b é m nesse p e r í o d o que
que p a s s a m a maior parte do tempo na captura da s a r d i n h a e
'^^••'itos moradores se transformam e m a r t e s ã o s , p r o d u z i n d o v á -
outras espécies, e m u n i d a d e s de p r o d u ç ã o (as traineiras) muito mais complexas que as existentes anteriormente (a canoa). A "pes-
'^>s artigos, c o m o miniaturas de barcos, gamelas, p á s s a r o s , feitos *• ^' " l a d e i r a de caixeta.
o
Nosso LUGAR VIROU
PARQUE
INTRODUÇÃO
A o r g a n i z a ç ã o social ainda é baseada na família extensa e no parentesco. U m a parcela importante tem sua subsistência assegurada pela pequena agricultura, sobretudo o cultivo da mandioca, d a q u a l extraem a farinha, base d a a l i m e n t a ç ã o local. O dinheiro para aquisição dos produtos industrializados é conseguido pela v e n d a do excedente de peixe, dos artigos de artesanato, do emprego com turistas ( c ons t r u çã o , caseiros, dias de trabalho, e t c ) . U m a das p r e o c u p a ç õ e s do trabalho é t a m b é m analisar o i m pacto da t r a n s f o r m a ç ã o do Saco de M a m a n g u á e m R e s e r v a E c o lógica E s t a d u a l , que pela legislação atual n ã o admite a p r e s e n ç a de p o p u l a ç ã o e m seu interior. Essa legislação é hoje ainda muito! rígida no que se refere ao uso dos recursos naturais, limitando ei proibindo atividades tradicionais como o corte de m a n g u e para aj c o n s t r u ç ã o de moradias; corte de á r v o r e s para a fabricação de! canoas; de ci pós para manufatura de cestas e balaios; de caixeta para artesanato e até a lavoura de subsistência. O decreto de criaç ã o dessa Reserva tem gerado u m ambiente de a p r e e n s ã o entre os moradores, principalmente de vi do à d e s i n f o r m a ç ã o sobre o significado dessa " á r e a natural protegida". C o m o e m toda " u n i d a d e de c o n s e r v a ç ã o " , o I B A M A (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e o l E F (Instituto E s t a d u a l de Florestas do R i o de Janeiro) pret e n d e m estabelecer zoneamento
u m "plano de manejo", instrumento
e p l a n i f i c a ç ã o a m b i e n t a l pelo q u a l se
de
pretende
d i s c i p l i n a r o u s o do solo e dos recursos naturais. A t é hoje, no entanto, esses estudos s ã o realizados de forma t e c n o c r á t i c a , s e m n e n h u m a consulta à p o p u l a ç ã o de moradores que aí r e s i d i a m antes m e s m o do estabelecimento
da R e s e r v a E c o l ó g i c a . É
n e c e s s á r i o , portanto, que esses planos de manejo sejam repens a d o s para que tenham a l g u m a utilidade e n ã o sejam s i m p l e s mente instrumentos de r e p r e s s ã o , de p r o i b i ç õ e s e r e s t r i ç õ e s ao m o d o d e v i d a tradicional dos moradores. N e s s e sentido, a partic i p a ç ã o dos m or a dor e s é fundamental para o plano de uso d a R e s e r v a , garantindo a c o n s e r v a ç ã o tanto d a d i v e r s i d a d e biológica quanto da d i v e r s i d a d e sociocultural (Diegues, 1993).
O N U P A U B pretende, c o m esse trabalho, dar subsídios ao planejamento e plano d e manejo dessa á r e a que e m s u a M a r g e m Penins u l a r faz parte d a Reserva Ecológica d a Juatinga. E s s e p l a n o d e v e necessariamente e n v o l v er a p o p u l a ç ã o de M a m a n g u á n ã o s ó pelo grande conhecimento que p o s s u e m dos recursos naturais, d e seus ciclos de r e p r o d u ç ã o , como t a m b é m porque ali é s e u " l u g a r " . O trabalho de pesquisa se iniciou e m julho d e 1993, c o m u m censo p r e l i m i n a r que cobriu a totalidade das famílias (cerca d e 119), colhendo i n fo rmaçõ es básicas. Posteriormente, a t é d e z e m bro do m e s m o ano foram aplicados 35 questionários atingindo cerca de 30% das famílias de moradores, de forma aleatória, distribuídas na M a r g e m Peninsular, na M a r g e m Continental e no F i m d o do Saco. A l é m disso, foram feitos cerca de 08 históricos de v i d a , especialmente com pessoas mais idosas. H o u v e u m esforço de quantificação das variáveis escolhidas com o intuito de fornecer d a d o s e m p í r i c o s organizados que p u d e s s e m ser utilizados no Plano de Diretor da Reserva, que d e v e r á ficar a cargo do l E F e do IBAMA.
o presente trabalho é somente u m estudo preliminar de M a m a n g u á , n ã o pretendendo apresentar u m a análise exaustiva e teórica d a s c o n d i ç õ e s d e p r o d u ç ã o e r e p r o d u ç ã o das c o m u n i d a des c a i ç a r a s a í residentes. F o i feito u m esforço particular para se dar u m a abrangência interdisciplinar, reunindo algumas das perspectivas e m C i ê n ci a s Naturais e Ciências Sociais. E l e aponta para '1 realização d e pesquisas mais aprofundadas, sobretudo, aquelas qi.ie partem d a perspectiva d a etnociência.
o
N o s s o LUC;AK V I R O U
PARQUE
1 A
Místóría
Socioambiental
O
S A C O P O M A M A N C L / Â é u m a área litorânea de tipo estuarina ou de " r i a " , inserida no d o m í n i o da Mata Atlântica, forma-
da por u m a reentrância do mar de a p r o x i m a d a m e n t e 9 k m de comprimento por 1,5 k m de largura. Situa-se no m u n i c í p i o de Parati, no extremo sudeste do Estado do Rio de Janeiro, sendo acessível somente por barco ou por u m a trilha para pedestres que ^t-* inicia e m P a r a t i - M i r i m . Essa área m a r i n h a é c i r c u n d a d a por lormações montanhosas e m que sobressaem o Pico do C a i r u ç ú (1070 m), o Pico da Cajaíba (667 m) e outros menos íngremes (Mapa " 1 )• Apresenta u m clima ú m i d o , com altos índices p l u v i o m é t r i c o s ' 1 -500-2.400 m m / a n o ) , principalmente no v e r ã o . Essa região ainda apresenta vestígios claros d e s u a história 'vologica, isto é a história da relação entre o h o m e m e a natureza. '^í> somente há ruínas de vários engenhos de c a n a - d e - a ç ú c a r , remontam ao século passado, mas t a m b é m marcas de várias ''^'vidacies h u m a n a s ligadas a ciclos e c o n ó m i c o s do passado, como
o
Nosso LUGAR VIROU
A
PARQUE
HISTÓRIA
SOCIOAMBIENTAL
bananais abandonados, estradas que l e v a v a m aos caixetais, recobertas pela v e g e t a ç ã o de mangue. H á , sobretudo, os m o m e n t o s mais importantes dessa história na m e m ó r i a dos mais velhos que por sua v e z n a r r a m a história dos "antigos", de personagens q u a se míticas, escravos fugidos e ex-escravos que f u n d a r a m alguns povoados, como o da Praia do C r u z e i r o ou C u r u p i r a . N a p r i m e i ra praia, a c r u z ainda existente marca a f u n d a ç ã o do povoado por u m ex-escravo. N a segunda, a d e n o m i n a ç ã o indígena (curupira: corpo de menino) traz à l e m b r a n ç a u m dos m a i s espantosos e populares entes fantásticos das matas brasileiras,
representado
por u m a n ã o de calcanhar para a frente ( C â m a r a C a s c u d o , 1972). Vê-se, portanto, que as marcas n ã o s ã o somente materiais, mas sobretudo r e p r e s e n t a ç õ e s simbólicas que, como afirma G o d e l i e r (1984), aparecem no c o r a ç ã o das relações materiais do h o m e m com a natureza como u m a parte ideal, pela qual se exercem as três f u n ç õ e s do conhecimento: representar, organizar e legitimar as relações dos h o me n s entre si e com a natureza. Nesse sentido, há necessidade de se c o m e ç a r a fazer no Brasil, de forma sistemática, a história ecológica n ã o somente e m nível nacional, m a s t a m b é m regional e até local. E s s a história ecológica, como proposta por Worster (1988), n ã o deve ser s i m p l e s m e n te a história dos ciclos e c o n ó m i c o s , mas principalmente a história das relações complexas, materiais e simbólicas que os h o m e n s , ao longo do tempo histórico, d e s e n v o l v e r a m com o m u n d o natural e com os outros homens. Essa história ainda está por ser feita no Saco de M a m a n g u á . O s elementos que constam deste trabalho s ã o somente as p r i m e i ras indicações para u m a história ecológica da r e g i ã o que deve ser realizada de forma interdisciplinar, reunindo v á r i a s di sci pl i nas como a etnoecologia, a antropologia, geografia h u m a n a , arquitetura, economia. U m a das primeiras características desse processo é que a hi slória de M a m a n g u á n ã o pode ser entendida s e m a análise de sua inserção nos processos socioambientais de Parati, u m dos m u •^'cípios que mais revelam os p r i m ó r d i o s d a o c u p a ç ã o do litoral ^'•»l-fluminense.
o A NA
A
Nosso LUGAR VIROU PARQUE HISTÓRIA HISTÓRIA
DE DE
MAMANGUÁ PARATI
HISTÓRIA
SOCIOAMBIENTAL
M u s s o l i n i (1980a), Parati se t o m o u célebre na p r o d u ç ã o d e aguar-, dente, e n ã o na fabricação de a ç ú c a r . F i c o u tão célebre que Parati veio a ser, n o s u l do Brasil, s i n ó n i m o de aguardente.
O litoral de Parati foi território dos índios guaianases. A i n d a hoje, existem a l d e i a s g u a r a n i s , particularmente n a s cabeceiras d o rio
"(...) a aguardente, simples subproduto d o aristocrático a ç ú -
P a r a t i - M i r i m . Parati v e m provavelmente do v o c á b u l o i n d í g e n a
car, muito m a i s d e m o c r á t i c a que ele e que, nos pequenos en-
parati, n o m e d a d o a u m peixe muito c o m u m na r e g i ã o e que se
genhos q u e se c o n s e r v a r a m d a é p o c a colonial, constitui hoje a
tornou a espécie mais capturada e c o n s u m i d a no Saco de M a m a n g u á . A cultura indígena deixou marcas p r o f u n d a s no m o d o
única p r o d u ç ã o , tendo relegada por completo a do a ç ú c a r , que antes era e s s e n c i a l " (Mussolini, 1980a: 224).
d e v i d a local. A p o p u l a ç ã o local, genericamente d e n o m i n a d a d e " c a i ç a r a " é fruto da m i s c i g e n a ç ã o entre o índio, o colonizador
A i n d a segundo M u s s o l i n i (1980a), a faixa litorânea de São P a u -
e u r o p e u e o negro. A s tecnologias patrimoniais d e f a b r i c a ç ã o d a
lo e R i o de Janeiro e r a m verdadeiras á r e a s de d e s e r ç ã o , à m e d i d a
farinha, de instrumentos de pesca, de c o n s t r u ç ã o de canoas e s t ã o p r o f u n d a m e n t e m a r c a d a s pela influência indígena ( M u s s o l i n i , 1980a). Parati foi f u n d a d a no século X V I I e elevada à c o n d i ç ã o de vila e m 1660. O cultivo d a c a n a - d e - a ç ú c a r foi a atividade mais i m p o r tante a partir do século xvili quando os engenhos se estabelecer a m na r e g i ã o . N o Saco de M a m a n g u á ainda p o d e m ser encontrad a s 05 r u í n a s desses engenhos. A r e g i ã o de Parati se transformou n u m centro colonial importante d e e x p o r t a ç ã o de ouro, proveniente das M i n a s G e r a i s no final do s é c u l o X V I I I e para seu transporte se u t i l i z a v a a antiga trilha dos guaianases. E m m e a d o s d o s é c u l o XIX, Parati chegou a exportar u m a prod u ç ã o c o n s i d e r á v e l de café, f u m o e aguardente, u s a n d o a v i a m a r í t i m a . A d e c a d ê n c i a d a região se d e u c o m a c o n s t r u ç ã o d a Estrada de Ferro D . Pedro II, e m 1877, e com a abolição d a escravatura — base da monocultura local — poucos anos depois. M e s m o a p ó s s e u apogeu e c o n ó m i c o , continuou-se a plantar cana-dea ç ú c a r para a p r o d u ç ã o de aguardente, muito apreciada dentro e fora d a r e g i ã o . S u r g i u t a m b é m a monocultura d e b a n a n a , que já utilizava m ã o - d e - o b r a assalariada (Mussolini, 1980a). A região d e Parati durante o p e r í o d o colonial foi, d e a l g u m a forma, u m a p ê n d i c e dos grandes centros exportadores, particularmente R i o de Janeiro e a região das M i n a s Gerais. C o m o afirma
que o povoamento a v a n ç a v a para o interior e as frentes pioneiras, sobretudo a do café, se afastavam da costa para o planalto. M u i t o s n ú c l e o s h u m a n o s da região litorânea do s u l do R i o de Janeiro e norte de São Paulo floresceram nos "interstícios" da grande l a v o u r a , gravitando e m torno de centros maiores para onde e n v i a v a m seu parco excedente: farinha de mandioca, peixe seco, aguardente. " D e c a i n d o os n ú c l e o s de p o v o a m e n t o q u e eles central i z a v a m , voltaram a fechar-se sobre si mesmos, entregando-se a u m a economia de quase trocas, com o decorrente estreitamente d e s e u horizonte e c o n ó m i c o e c u l t u r a l " ( M u s s o l i n i , 1980a: 223). Esse processo ocorreu t a m b é m e m Parati, c o m a d e c a d ê n c i a da sede d o m u n i c í p i o e de s u a base e c o n ó m i c a . " A i m p r e s s ã o q u e se tem do litoral, é q u e a v i d a a l i foi simplificada e m seus elementos culturais e, e m c o m p a r a ç ã o c o m o passado, r e d u z i d a a ponto pequeno. T a l v e z seja este o aspecto que mais cause a i m p r e s s ã o de d e c a d ê n c i a . É c o m o se v i v e s s e d o q u e s o b r o u d e outrora, tendendo-se, e m geral, a n tes a empobrecer esses restos que a lhes acrescentar n o v o s elementos. A q u e l e s produtos locais que u m d i a c o n s t i t u í r a m
o
A
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
g é n e r o s d e u m a economia de subsistência, s e m grande signifi-
HISTÓRIA
SOCIOAMBIENTAL
ç õ e s : a d a rede, c o m o mestre-proeiro e demais pescadores, e a
c a ç ã o e c o n ó m i c a , passaram, a representar os ú n i c o s g é n e r o s
tripulação do barco. A tripulação da rede v e n d i a a p r o d u ç ã o à do
d a e x p l o r a ç ã o l o c a l " ( M u s s o l i n i , 1980a: 223).
barco que, por sua v e z , fazia a c o m e r c i a l i z a ç ã o e m Santos. Foi a t r a v é s da pesca e m b a r c a d a que p r o v a v e l m e n t e os p r i m e i r o s
A p r o d u ç ã o de aguardente continuou sendo a atividade mais
moradores da região de Parati tomaram contato c o m Santos, para
importante do município nas primeiras d é c a d a s do século atual,
onde muitos m i g r a r a m atraídos pelo grande crescimento d a Bai-
sendo transportada nas célebres canoas de voga para ser v e n d i d a
xada Santista nos anos 40 e 50.
no R i o de Janeiro, e m municípios v i z i n h o s , m a s principalmente e m Santos.
A i n t r o d u ç ã o da pesca da s a r d i n h a c o m traineiras m o b i l i z o u u m n ú m e r o c o n s i d e r á v e l de pescadores-lavradores da r e g i ã o que já n ã o e n c o n t r a v a m emprego e formas de subsistência e m suas
" E l a s l e v a v a m o excedente das praias d a r e g i ã o de Parati,
praias. Isso l e v o u a u m a grande m i g r a ç ã o de jovens para o traba-
sobretudo a aguardente, mas t a m b é m ovos, peixe seco o u sal-
lho de embarcado e m traineiras. U m a outra atividade que atraía
gado, frutas, e trazendo de volta latas de querosene, sacos de
os jovens para fora das praias era o trabalho nos bananais de S a n -
sal, a n z ó i s , tecidos. A l g u m a s dessas canoas c h e g a v a m a trans-
tos e t a m b é m do litoral s u l do Rio de Janeiro.
portar a t é 14 p i p a s de aguardente o u 480 litros. M a s u m dia as
A d e c a d ê n c i a do litoral s u l fluminense nas p r i m e i r a s d é c a d a s
canoas de voga desapareceram; por volta de 1920, barcos de
do s é c u l o XX n ã o significou u m a p a r a l i s a ç ã o total das atividades
cabotagem c o m e ç a r a m a lhes roubar a p r i m a z i a nos transpor-
económicas, mas u m redirecionamento das mesmas, com o
tes de carga, e para as pescarias elas n ã o se prestavam. Sobrou
surgimento de novos centros e c o n ó m i c o s , como Santos, e m São
u m a o u outra, como sobraram uns poucos de seus tripulantes,
Paulo.
que nos contam as aventuras dos tempos das conoas de voga.
N e s s e sentido, a pesca c o m e ç o u a substihair as atividades agrí-
V i a g e m penosa e m condições de m a u tempo, quando, n ã o raro,
colas até e n t ã o predominantes e m Parati. N o entanto, n ã o se trata
f i c a v a m n o mar a carga e m e s m o a canoa e a tripulação, n u n c a
niais da pesca de subsistência, geradora de pequeno excedente,
m a i s se o u v i n d o falar no destino que l e v a r a m . M a s os velhos
mas d a pesca comercial e posteriormente, industrial. A l é m da
representantes da é p o c a das canoas à voga r e l e m b r a m c o m
pesca da sardinha, surgiu t a m b é m a grande rede de arrasto {trawl),
s a u d a d e : 'Bons tempos aqueles' " (Mussolini, 1980a: 225).
inicialmente i n t r o d u z i d a e m Santos por armadores migrantes japoneses. Por volta de 1957, esse trawl japonês foi substituído pela
O desaparecimento das canoas de voga c o i n c i d i u , a grosso m o d o , com o surgimento das traineiras, redes de pesca da s a r d i -
rede de arrasto portuguesa que se d i f u n d i u por toda a costa brasileira. C o m o afirma M u s s o l i n i (1980b):
nha {Sardinella aurita) na Ilha G r a n d e , onde muitos pescadores de Parati, i n c l u i n d o M a m a n g u á , c o m e ç a r a m a embarcar. E s s a rede
" A a r t i c u l a ç ã o desta parte do litoral paulista c o m o litoral
tinha sido introduzida por e s p a n h ó i s na Baía da G u a n a b a r a por
c o n t í g u o do Estado do R i o já estava estabelecida e m fins do
volta de 1910 (Soeiro, 1959), difundindo-se por todo o litoral s u -
sé cu l o passado, q u a n d o u m a frota de canoas de voga da re-
deste e s u l do Brasil; chegando à Ilha G r a n d e entre 1930 e 1940,
g i ã o de S ã o Sebastião ia até Parati, para dali tansportar para o
onde, segundo M u s s o l i n i (1959), havia proprietários de redes trai-
porto de Santos aguardente e m pipas (...). A s relações dentro
neiras sem barco. Para lá i a m os barcos de Santos, e m b a r c a n d o a
desse trecho litorâneo se mantiveram constantes e m seu dese-
rede traineira c o m sua tripulação. H a v i a portanto d u a s tripula-
nho básico q u a n d o a pesca, de uns 35/40 anos a esta parte.
•
o
Nosso LUGAR VIROU
A
PARQUE
p a s s o u a a s s u m i r c a r á t e r comercial e destaque crescente entre
HISTÓRIA
SOCIOAMBIENTAL
c o m ofertas irrisórias a que os lavradores n ã o resistiam, por
as outras subculturas regionais e os barcos de pesca desbanca-
n ã o conhecer o valor exato do dinheiro. Estes, analfabetos e m
r a m as canoas à voga c o m o elementos de transporte e co-
s u a maioria, eram enganados de várias formas, i n c l u s i v e as-
m u n i c a ç ã o . Pelas m e s m a s rotas, se b e m c o m ritmo d i v e r s o ,
s i n a n d o contratos de arrendamento, meia o u parceira, onde
c o n t i n u a r a m a circular barcos, peixes, h o m e n s e i n o v a ç õ e s
a c a b a v a m cedendo seus direitos de posse, sem saber.
técnicas pesqueiras, muito embora, evidentemente, as confi-
O s benefícios para as p o p u l a ç õ e s n ã o foram muitos: se por
g u r a ç õ e s espaciais intra-regionais se alterassem e m f u n ç ã o do
u m lado a estrada trouxe u m a via de transporte r á p i d o e es-
significado e c o n ó m i c o que as unidades envolvidas a d q u i r i r a m
coamento, o turismo por ela a t r a í d o provocou violenta espe-
ou p e r d e r a m e, e m consequência, do papel positivo e negativo
c u l a ç ã o imobiliária, e u m a tendência dos empreendimentos a
que elas p a s s a r a m a desempenhar na redistribuição das po-
privatizar as praias onde se instalam. O s habitantes originá-
p u l a ç õ e s d a á r e a " (p.247).
rias e s t ã o sendo e m p u r r a d o s para as favelas e empregos de baixa r e m u n e r a ç ã o , deixando de lado todo u m m o d o de v i d a
O e s v a z i a m e n t o importante da região se a g r a v o u c o m a const r u ç ã o d a V i a D u t r a , e m 1940, deslocando o eixo e c o n ó m i c o p a r a
secular e tradicional, embora frágil na c o n f r o n t a ç ã o c o m os novos valores trazidos pela estrada" (Mattoso, 1979:11).
o V a l e do Paraíba. A partir de 1955, a c o m u n i c a ç ã o de Parati c o m o exterior se fazia cada v e z menos por barco e canoas à voga e
E m alguns casos, as p o p u l a ç õ e s c a i ç a r a s reagiram a esse pro-
m a i s pela estrada de C u n h a . Acentuou-se o processo de m i g r a ç ã o
cesso de e x p o l i a ç ã o , e na praia de T r i n d a d e , p r ó x i m a ao Saco de
para outras á r e a s , como por exemplo. A n g r a dos R e i s onde, e m
M a m a n g u á , os moradores conseguiram reaver parte dos terrenos
1950, se instalou o estaleiro da Verolme, seguido, e m 1974, pela
apropriados pela multinacional Brascan para a í instalar u m c o m -
i m p l a n t a ç ã o d a U s i n a N u c l e a r que empregou 9.000 o p e r á r i o s .
plexo turístico. (Mattoso, 1979)
A c o n s t r u ç ã o da Br-101, ligando Rio de Janeiro a S ã o Paulo
E m 1970, a
EMBRATUR
encomendou o Projeto T u r i s c o m o obje-
pelo litoral, nos anos 70, trouxe grandes impactos tanto ecológi-
tivo de " r a c i o n a l i z a r " as implantações turísticas para o futuro tra-
cos como sociais para toda a região litorânea de ambos os esta-
çado da Br-101. Para a região da Juatinga, que engloba M a m a n g u á ,
dos. I n ú m e r o s manguezais foram aterrados, e o grande movimento
foi estimada a capacidade de mais de 12.000 leitos de hotéis. E m -
de terra c a u s o u a a c e l e r a ç ã o de processos erosivos, assoreando
bora não tenha sido implantado esse projeto, a o c u p a ç ã o turística
cerca de 70 praias e enseadas (Mattoso, 1979). O fácil acesso dos
L' grande na maioria das praias do município. A r e g i ã o de M a -
turistas de São Paulo e R i o de Janeiro acelerou a i m p l a n t a ç ã o de
m a n g u á escapou parcialmente dessas i m p l a n t a ç õ e s organizadas,
e m p r e e n d i m e n t o s turísticos e loteamentos, trazendo a v a l o r i z a ç ã o das praias. A e s p e c u l a ç ã o imobiliária e a a ç ã o dos " g r i l e i r o s " que já era grande nos anos 60 tornou-se ainda mais violenta, prov o c a n d o a e x p u l s ã o dos pescadores de s u a s praias.
por ser mais isolada e n ã o dispor de acesso por terra, mas a í tamisem se intensificou a c o n s t r u ç ã o de casas de turistas e a e x p u l s ã o dos " c a i ç a r a s " . Por outro lado, e m 1971, o Estado criou o Parque N a c i o n a l d a c'rra da Bocaina, no entanto, deixou de fora a r e g i ã o de M a -
" A partir do simples projeto d a R i o - Santos, os p r o p r i e t á -
•^i^^nguá; e m 1983, criou-se a Á r e a de P r o t e ç ã o A m b i e n t a l do
rios de terras s u r g e m como que do n a d a , d e m a r c a n d o á r e a s
airuçú, a qual engloba a região estudada; e e m 1992, foi criada a
enormes a partir de pequenas escrituras, 'grilando' terras, ex-
eserva Ecológica da Juatinga por Decreto E s t a d u a l , tendo c o m o
p u l s a n d o os lavradores com violência e a m e a ç a s o u m e s m o
^'"1 dos objetivos o fomento d a cultura caiçara local, " c o m p a t i b i -
o
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
A
l i z a n d o a utilização dos recursos naturais c o m os preceitos preservacionistas". A i n d a que exista, subjacente à proposta, a conserv a ç ã o da b i o d i v e r s i d a d e e da s ó c i o - d i v e r s i d a d e , n ã o está ainda clara a forma a t r a v é s da qual esse objetivo p o d e r á ser a l c a n ç a d o .
ELEMENTOS DO SACO
DA HISTÓRIA
DE
ORAL
MAMANGUÁ
A i n d a n ã o foi realizado u m levantamento histórico da região estudada baseado e m documentos. N o entanto, a partir de relatos orais, p r i n c i p a l m e n t e de antigos moradores, foi possível t r a ç a r u m brev e e s b o ç o d a c o l o n i z a ç ã o do Saco de M a m a n g u á . A i n d a que a história do Saco de M a m a n g u á tenha seguido, e m linhas gerais, a p e r i o d i z a ç ã o do que ocorreu no Município de Parati, há especificidades que p o d e m ser apreendidas com esses depoimentos. N o início do s é c u l o X I X , existiam grandes fazendas produtoras de c a n a - d e - a ç ú c a r e aguardente no F u n d o do Saco de MamangLiá, s e n d o que a l g u m a s de suas ruínas ainda p o d e m ser vistas na região. A p r i n c i p a l delas f o i a fazenda Santa M a r i a , de propriedade do padre Manoel A l v e s , que trabalhava com a m ã o - d e - o b r a escrav a , cuja lenda conta que esse grande proprietário fazia a m a r r a r os escravos recalcitrantes no mangue, para que fossem d e v o r a dos pelos mosquitos. U m a outra fazenda importante era a de P a r a t i - M i r i m , de propriedade de u m outro padre, Francisco A n tonio ( M a p a 2). A p ó s a libertação dos escravos, muitos deles m i g r a r a m para locais p r ó x i m o s a Parati-Mirim, como P a t r i m ó n i o ; outros ficaram no Saco de M a m a n g u á , d a n d o origem às famílias O l i v e i r a , N a s c i mento e Vilela. S e g i m d o o Sr. A g e n o r Vilela, morador antigo de C u r u p i r a , a maior c o n c e n t r a ç ã o de moradores, a vila existente na praia do C r u z e i r o , na M a r g e m Peninsular, teria sido fundada pelo seu a v ó , Sr. J o ã o L u i s V i l e l a , ex-escravo alforriado por volta de 1860. A l i , ele teria fincado u m a c r u z e c o n s t r u í d o u m a antiga capela, hoje desaparecida.
HISTÓRIA
SOCIOAMBIENTAL
o
A
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
HISTÓRIA
SOCIOAMBIENTAL
"O meu avô foi nascido era filho de escravo, foi nascido e criado
D o início a t é meados deste século h o u v e u m a é p o c a de gran-
no sítio da Costeira. Foi ele que fez a igreja do Cruzeiro, antes não
de fartura no Saco de M a m a n g u á e a p o p u l a ç ã o , segimdo u m outro
tinha igreja. O pessoal queria um povoado mais divertido. Aí meu
entrevistado, o Sr. Z i z i n h o (Ponta do L e ã o ) era muito maior que a
avô achou que devia fazer uma cruz, aífez a cruz. Aí depois ele foi a
presente:
Parati, trouxe o padre, rezou a primeira missa. Aí ele foi e construiu uma igreja de estuque. Era um povoado bem movimentado, aquele, com baile todo sábado. Tinha um engenho de cachaça na Praia do
"Antes, Mamanguá
produzia muito, o mais forte era banana e
cana, mas tinha também café, feijão, mandioca. Criação também ti-
Engenho onde o pessoal bebia cachaça. Aí depois meu avô morreu, e
nha, produzia bastante. Isso até mais ou menos 1960, aífoi
meu pai continuou no sítio do Cruzeiro, que era de meu avô" (Seu
indo, diminuindo, até que..." (Seu Z i z i n h o , Ponta do L e ã o ) .
diminu-
A g e n o r , Praia de C u r u p i r a ) . O Saco de M a m a n g u á era conhecido pela s u a p r o d u ç ã o de A l i , u m a sobrinha de seu a v ô teria se casado c o m o a v ô do Sr.
aguardente, farinha de mandioca, pequena c r i a ç ã o . A p r o d u ç ã o
L e o n e l O l i v e i r a , t a m b é m ex-escravo da fazenda Rio G r a n d e , cuja
era embarcada nas célebres "canoas de v o g a " e v e n d i d a e m A n -
família é considerada " d o lugar". O pai do Sr. A g e n o r , R u f i n o
gra dos Reis, Ilha G r a n d e e Mangaratiba, de onde traziam merca-
V i l e l a , teria m u d a d o para C u r u p i r a , tendo sido p r o p r i e t á r i o de
doria (café m o í d o , b a n h a , came-seca, etc.) para v e n d e r na r e g i ã o .
outras fazendas antigas, como a F a z e n d a V i l e l a , p r ó x i m a a L a -
O s comerciantes muitas vezes trocavam essa mercadoria c o m os
ranjeiras. A l é m dessas, cita como fazendas antigas, a fazenda de
produtos locais. A última canoa de voga do Saco de M a m a n g u á
C u n h a , do C o s t a .
continuou operando até o imcio da d é c a d a de 50.
C o m a morte do padre M a n u e l A l v e s , a fazenda Santa M a r i a
O contato dos moradores da Praia do Sono, e de outras praias
teria sido v e n d i d a à família R a m o s , que passou, já no início do
do lado oposto ao F u n d o do Saco de M a m a n g u á , c o m Parati era
século XX, a p r o d u z i r banana para ser comerciaUzada e m Parati.
feito por essas canoas, a partir do p r ó p r i o Saco, pois n ã o existia
O s antigos moradores a r r e n d a v a m as terras das fazendas, pagan-
ainda o c a m i n h o que hoje leva a P a r a t i - M i r i m . M a m a n g u á tam-
do o arrendamento c o m dois dias de trabalho por m ê s p a r a os
b é m manteve ligações e contatos com as praias do " m a r de fora",
fazendeiros.
sobretudo Cajaíba. Parte d a c a n a - d e - a ç ú c a r plantada a í era trans-
N a d é c a d a de 40, o Sr. A g e n o r p a s s o u a v i v e r na fazenda S a n ta M a r i a , onde parte do m a n g u e z a l chegou a ser d r e n a d o para o
portada para ser beneficiada, dentro do Saco de M a m a n g u á , na Praia do E n g e n h o .
plantio de banana. H o u v e aí u m a grande p r o d u ç ã o até que a fa-
A pesca, por outro lado, além da h e r a n ç a indígena, era prati-
z e n d a foi v e n d i d a ao Sr. Gibrail, que m a n d o u retirar o bananal e
cada pelos escravos para abastecimento das fazendas. U m a rede
i n t r o d u z i u búfalos. A criação n ã o d e u certo e os búfalos foram
muito utilizada era a " t r o l h a " , espécie de rede de cerco, feita de
vendidos. E s s e novo proprietário chegou a explorar intensivamen-
a l g o d ã o , e m que o p e r a v a m d u a s canoas. S e g u n d o o Sr. A g e n o r ,
te a caixeta para a p r o d u ç ã o de tamancos.
M a m a n g u á era muito rico e m peixe e o que n ã o era c o n s u m i d o imediatamente era salgado e seco para posteriormente ser v e n d i -
"È, depois que o Gibrail comprou, ele acabou com o bananal todo, mandou arrancar o bananal e botou um bocado de gado lá... de búfalo, c boi comum também" (Seu Agenor, Praia de C u r u p i r a ) .
Q u a n d o a captura era grande, entregava-se u m a parte para a a l i me n t a çã o de porcos, nas fazendas. O fim do p e r í o d o da "fartura", como c h a m a m os moradores de M a m a n g u á , se d e u a partir das d é c a d a s de 40 e 50, q u a n d o as
o
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
A
HISTÓRIA
SOCIOAMBIENTAL
fazendas fracassarani e a r e g i ã o pouca coisa tinha a exportar.
" C o m os processos de m i g r a ç ã o , e ê x o d o r u r a l , pela espe-
Vár ios moradores s a í r a m para fora da área, trabalhando e m ba-
culação imobiliária, o terreno c o m e ç o u a ser invadido e constru-
nanais e outras atividades agrícolas e m Santos, R i o de Janeiro e
ç õ e s p r e c á r i a s se instalaram no início, h a v e n d o e v o l u ç ã o nos
A n g r a dos R e i s .
materiais utilizados; apesar de n ã o haver n e n h u m a infra-estrutura urbana até setembro deste ano (1979), elementos do
"Na época em que os outros foram trabalhar nos bananais em
bairro e d a prefeitura estimam entre 1.000 e 1.500 as constru-
Santos, acho que nem existia pesca aqui ainda. O pessoal ia a pé para
ções foram levantadas, a maioria com pequenos aterros o u fun-
lá. Você sabe o que é isso? Sair daqui e viajar nove dias pra chegar em
d a ç õ e s m a i s altas. A l i , habitam antigos moradores do Sono,
Santos. Eu mesmo fui trabalhar lá porque em Santos era o único
da Cajaíba, de T r i n d a d e , Laranjeiras, das r o ç a s e m geral e que
lugar em que se ganhava um dinheirinlw. Levei um ano trabalhando
trabalham agora na c o n s t r u ç ã o c i v i l , no c o m é r c i o , no setor de
lá e trouxe de volta três contos e quinhentos mil reis. Deu pra casar,
serviços domésticos ou municipais.
pras despesas com o casamento. Fiz o terno, arrumei a noiva e teve até baile e ainda sobrou dinheiro" (Seu D o n d i n h o , 70 anos. Praia do Lopes).
D e produtores (ao menos de subsistência), passam a consLunidores urbanos, sofrendo o impacto de u m a sociedade urbana da qual n ã o fazem parte. Perdem os meios de p r o d u ç ã o , e com eles muitos dos traços culturais que p e r d u r a r a m até então. Já
Por essa é p o c a (1935-40), jovens como o Sr. A g e n o r , sem tra-
n ã o s ã o da roça, mas da cidade t a m b é m n ã o são. Muitos tem a
balho, c o m e ç a r a m a se dirigir para Ilha G r a n d e , p r i n c i p a l centro
ilusão que melhoraram a vida, porque tem acesso a algims bens
para onde afluíam os barcos de Santos, para trabalhar nas redes
de c o n s u m o que talvez n e m conhecessem. G r a n d e parte deles
traineiras de propriedade de portugueses radicados no local. O s
tem consciência que foi 'empurrada para lá' " (Mattoso, 1979).
barcos de Santos i a m até lá e p e s c a v a m à meia com os p r o p r i e t á rios das redes. "Eu tinha 19 anos quando embarquei numa traineira de Ilha Grande e fiquei uns cinco anos aí por fora. Tinha os barcos de Santos que vinham para a Ilha Grande e pegava as redes (traineiras) dos portugueses para pescar a meia. Então pesquei muito naqueles barcos, lá pro Cabo Frio. O primeiro que embarquei se chamava o Rei do Mar. Eu só tinha trabalhado na lavoura e um pouco na pesca pequena aqui dentro e embarquei como homem de convés" (Seu A g e n o r , Praia de Curupira).
Essa m i g r a ç ã o para a Ilha das Cobras parece ter aumentado com a c o n s t r u ç ã o da BR-101, nos anos 70, e continua intensa até hoje. "Hoje não tem um terço do povo que tinha antes, quando eu era moço. O povo saiu daqui, tem uns 40% na Ilha das Cobras, uns 10% em Angra,
mas tem muitos em Santos e aí por fora. A miséria tá
grande. Então vive do quê? Vive do biscate, vive do vício. E não tem condição de voltar, já vendeu a terra" (Seu Z i z i n h o , Ponta do Leão). A história de v i d a do Sr. D o n d i n h o revela a riqueza anterior e a d e c a d ê n c i a de M a m a n g u á . Q u a n d o ele chegou de P a r a t i - M i r i m
H o u v e t a m b é m u m a g r a n d e m i g r a ç ã o p a r a a periferia d e Parati, como a Ilha das C o b r a s , onde v i v e m centenas de ex-mora-
para morar p r ó x i m o à praia do Lopes (em 1940), na M a r g e m C o n tinental, a m i g r a ç ã o para fora d a área já tinha c o m e ç a d o :
dores de M a m a n g u á . Segundo Mattoso (1979), até 1950 havia nessa área pantanosa cerca de 50 p a l h o ç a s de pescadores.
"Quando cheguei aqui, tinha ainda muito morador. Na Praia Grande, tinha casa à beça, mas os velhos que venderam a posse foram
o
Nosso L U G A R V I R O U P A R Q U E
morrendo e o pessoal mais novo foi indo embora. Outros venderam e
A
nha).
HISTÓRIA
SOCIOAMBIENTAL
A i n d a se c o n s t r ó e m as casas de pau-a-pique c o m madeiras
ficaram por aí. Nós vendemos a posse pro pessoal de fora e ficamos
locais (mangue, caixeta, fibras). E s s e m o d o de v i d a sobrevive e m
tomando conta da propriedade desse pessoal" (Seu D o n d i n h o , Praia
M a m a n g u á n ã o s ó pelo relativo isolamento g e o g r á f i c o da r e g i ã o ,
do Lopes).
como t a m b é m pela grande d e p e n d ê n c i a do uso dos recursos n a turais r e n o v á v e i s da mata e do mar.
A m i g r a ç ã o e o embarque dos jovens nas traineiras trouxeram
M a i s recentemente, alguns moradores conseguiram c o m p r a r
t a m b é m conseqiãências sobre a o r g a n i z a ç ã o d a pesca locaL Por
barcos motorizados (botes e canoas), e m geral depois de v e n d e r
falta de m ã o - d e - o b r a , a " t r o l h a " , que requeria o trabalho conjun-
suas terras o u parte de suas " p o s s e s " ; outros u s a m essas embar-
to de v á r i a s canoas e pescadores, foi abandonada. E m seu lugar,
ca çõ e s no arrasto d o c a m a r ã o sete-barbas, atividade proibida d e n -
h o u v e a p r e d o m i n â n c i a do "tresmalho", rede pequena que pode
tro d o S a c o d e M a m a n g u á . E s s a p e s c a é, n o e n t a n t o ,
ser manejada por u m só pescador, ajudado por u m filho.
mais
frequentemente praticada pelos pequenos barcos de arrasto que v ê m de Parati e para lá l e v a m a p r o d u ç ã o . E s s a pesca é u m a das
"Nós pescava com rede de trolha, com duas canoas e quatro ho-
re sp o n sá v e i s pela d e s t r u i ç ã o dos estoques pesqueiros d a r e g i ã o
mens. Uma largava a rede, depois encostava na outra pra recolher o
estuarina, u m a v e z que, com rede de arrasto de m a l h a r e d u z i d a ,
peixe. Essa pesca acabou faz alguns anos e o pessoal começou a com-
capturam u m a grande quantidade de peixes jovens.
prar o fio de náilon pra fazer o "tresmalho" (Seu A g e n o r , Praia de Curupira).
A c o m e r c i a l i z a ç ã o do excedente do pescado e do c a m a r ã o é feita localmente, a t r a v é s de pequenos comerciantes, que por s u a vez d e p e n d e m de "atravessadores" maiores residentes e m Parati.
É durante esse p e r í o d o que, segundo o Sr. Z i z i n h o , se inicia a
U m fator importante de m u d a n ç a foi a chegada do protestan-
v i n d a de turistas para M a m a n g u á , que p a s s a r a m a construir ca-
tismo na r e g i ã o , i n t r o d u z i d o inicialmente antes d a d é c a d a de 50,
sas de veraneio e m terrenos comprados dos moradores locais. N a
c m C u r u p i r a . O n ú m e r o de igrejas protestantes aumentou conside-
maioria desses sítios, os novos proprietários p r o i b i r a m as r o ç a s
ravelmente nas últimas d é c a d a s e hoje cerca de 34% dos m o r a d o -
de m a n d i o c a ao m e s m o tempo e m que n a d a c o m p r a v a m na re-
res s ã o crentes. A m u d a n ç a do catolicismo para o protestantismo
g i ã o , pois tudo traziam de suas cidades de origem, p r i n c i p a l m e n -
coincidiu com u m período de desorganização social de M a m a n g u á
te R i o de Janeiro e São Paulo. É dessa é p o c a t a m b é m a c o n s t r u ç ã o
e com u m p e r í o d o de e m i g r a ç ã o . F o r m a s de ajuda m ú t u a , como o
do c o n d o m í n i o de turistas na praia do E n g e n h o . Hoje, s e g u n d o os mais velhos, os moradores de M a m a n g u á
m u t i r ã o (localmente chamado de p u t i r ã o ) , quase desapareceram, a s s i m como u m rico folclore baseada e m festas e d a n ç a s como a
d e p e n d e m cada v e z mais dos turistas visitantes das temporadas
roda de chiba, cirandas, marrafo, caranguejo, das quais n ã o parti-
e daqueles que aí c o n s t r u í r a m suas casas de veraneio. M u i t o s de-
c i p a v a m os que se h a v i a m convertido ao protestantismo. D e s a -
les, a p ó s v e n d e r e m suas posses o u delas serem expropriados pe-
pareceu t a m b é m a Bandeira do D i v i n o , mas a i n d a hoje os m o r a -
los especuladores imobiliários, tomam-se caseiros, muitas vezes,
dores antigos o r g a n i z a m a folia de Reis, no imcio do ano. A ajuda
das terras que lhes pertenceram. A p e s a r disso, o m o d o de v i d a tradicional caiçara a i n d a é dominante na r e g i ã o , u m a v e z que grande parte das famílias v i v e m da pesca de subsistência, das roças de mandioca, da pequena c a ç a e pesca, da fabricação d a farinha nos " a v i a m e n t o s " (casa de fari-
rnutua ainda existe, por exemplo, na tirada de u m a á r v o r e para c o n s t r u ç ã o de canoas.
2 O s
Diversos
spaços
Mumanízados
O
S A C O P E M A M A N C L / Â pode ser visto como u m e s p a ç o geográfico e social composto por vários " l u g a r e s " , onde v i v e m
seus moradores. H á o "lado de c á " , o "lado de l á " e o "o f i m d o " . O s lados s ã o as d u a s margens da zona estuarina, onde se distrib u e m as casas. E l a s t a m b é m s ã o d i v i d i d a s pelas muitas praias e costões, u n i d a d e s de agru-pamentos locais, que l e v a m nomes de antigos moradores (Praia do C o s t a , do L o p e s , das M o ç a s ) , de animais (Praia das A n t a s , das Pacas), de c o n s t r u ç õ e s antigas (Praia do E n g e n h o ) , de acidentes geográficas (Baixios) (Mapa 3). O " f u n d o " é a parte final, a mais distante, localizada at r ás do m ang ue e do caixetal, onde a v i d a é difícil, pela distância e pela grande quantidade de mosquitos ( m u r u i m , pó l v o r a, borrachudo) que e m noites de lua e s e m vento tornam a v i d a dos moradores impossível.
quase
o
O S DIVERSOS ESPAÇOS HUMANIZADOS
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
Para efeito de identificação, denominou-se a M a r g e m Leste de M a r g e m Peninsular. Assemelha-se a u m a península e a í e s t ã o loEn—tOt
calizados os grandes picos da região: o Pico da Cajaíba, o Pico do
d * Pafitl I
C a i r u ç ú , a Pedra da Jamanta, o Morro P ã o de A ç ú c a r e finalmente o Morro de M a m a n g u á . A M a r g e m Peninsular se diferencia da Continental por apresentar v á r i a s cararacterísticas p r ó p r i a s dos sistemas insulares. U m a primeira característica é seu isolamento maior, pois n ã o há n e n h u m a estrada ou c a m i n h o que a liga a P a r a t i - M i r i m e Parati, como ocorre c o m a Continental, de onde sai a trilha que leva à ••/.Populações Fundo do Saco CONTINENTAL
MARGEM PENINSULAR
1. Ponta da Foiça 2. Ponta do Regale 3. Regate Margsm Contlnontal
4. Currupira 5. Praia das Moças 6. Pontal 7. Praia do Lopes 8. Costão 9. Praia Grande 10. Praia das Pacas 11. Ponta do LeSo 12. Praia Guarda-mó 13. Ponta do Carro Margam Panlniular
14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25.
FUNDO DO SACO
Ponta do Buraco Praia do Sobrado Praia da Venda P. da Porceano Praia do Engenho Praia das Anlas Ponta da Romana Praia do Costa Praia do Pimenta Praia do Cruzeiro Baixio Ponta do Bananal
primeira localidade citada. Q u a n d o o mar-de-dentro fica agitado, a p o p u l a ç ã o pode ficar ilhada por vários dias, pois apenas as e m b a r c a ç õ e s maiores, motorizadas (baleeiras o u botes), se arriscam a sair da M a r g e m Peninsular para atravessar para a Continental, de onde as pessoas p o d e m tomar a trilha. E s s a característica não é somente geográfica, mas parece ter implicações sociais e CLilturais. A l é m de ser mais populosa, a M a r g e m Peninsular apresenta u m a p o p u l a ç ã o que se relaciona mais c o m as c o m u n i d a d e s t a m b é m mais ilhadas, como a Cajaíba, u m a península, acessível por terra a partir da Praia dos Engenhos. E s s a característica " i n s u l a r " n ã o i m p e d e outros tipos de contato c o m o m u n d o exterior. E m alguns casos esse contato chega a ser mais intenso do que o existente na M a r g e m Continental, na m e d i d a e m que u m n ú m e r o maior de jovens é embarcado, frequentando outros portos e v o l tando im:\ v e z por m ê s às suas praias de origem. E s s a característica " i n s u l a r " n ã o foi estudada aprofundadamente na pesquisa, permanecendo u m aspecto a ser aprofundado por estudos posteriores. N a M a r g e m Peninsular, e m sua parte p r ó x i m a à " b a r r a " , estão as melhores praias de areia de M a m a n g u á , pequenas e cercadas de pedras e matas. E m s u a grande maioria, foram c o m p r a d a s por especuladores
Fonce: Marinha do Brasil (1981). Adaptado por Nogara. 1994. Escala aproximada de 1:50.000
imobiliários que, s e m d ú v i d a , a g u a r d a m o c a s i ã o m a i s propícia para revender. O p r e ç o já é alto, e os especuladores p e d e m cerca
M a p a 0 5 - d i s t r i b u i ç ã o da f o p u l a ç ã o nos A m b i e n t e s do ^ ^ c o de
[^ívcrsos
Mamansjaá
de 1.200 dólares por metro e m algumas praias. A d e c l a r a ç ã o dessa margem como parte da Reserva Ecológica da Juatinga, e m 1993, e como " á r e a twn edificandi" a m e a ç a estragar os planos dos especu-
o
Nosso LUGAR VIROU
O S DIVERSOS ESPAÇOS HUMANIZADOS
PARQUE
ladores. N a s praias mais p r ó x i m a s do m a n g u e , do p o v o a d o do
longas c a m i n h a d a s . O povoado do C r u z e i r o é o ú n i c o que agrega
Estaleiro, o ú n i c o de M a m a n g u á e m direção ao F u n d o do Saco, se
u m certo n ú m e r o de serviços. N ã o existe escola s e c u n d á r i a e m
concentram os moradores locais e até recentemente havia poucos
Mamanguá.
moradores de fora, a n ã o ser u m a propriedade antiga de turistas na
E m 1993, foi c o n s t r u í d o u m posto de s a ú d e no p o v o a d o d o
praia da Ponta do Bananal. N e s s a área, as posses têm menor valor,
C r u z e i r o , cujo funcionamento é precário porque n ã o tem pessoal
e m v i r t u d e do fundo mais lodoso e dos ataques dos mosquitos.
m é d i c o regular e r e m é d i o s . Por outro lado, a inexistência quase
A outra m a r g e m , aqui d e n o m i n a d a M a r g e m C o n t i n e n t a l , fica p r ó x i m a a P a r a h - M i r i m , localidade a que se interliga por u m a
total de fossas sépticas e o uso de á g u a n ã o tratada facilitam a existência de várias d o e n ç a s transmissíveis.
trilha. M a i s d a m e t a d e d e s s a m a r g e m , a t é a P r a i a G r a n d e , é
A m o r a d i a tradicional é a de p a u - a - p i q u e , feita de m a d e i r a de
composta de " s í t i o s " e praias adquiridas por turistas. E s s a mar-
mangue, da mata, de barro, c o m cobertura de s a p é . E s t a última
gem tem u m a d e n s i d a d e d e m o g r á f i c a menor que a M a r g e m Pe-
v e m sendo substituída pela telha de amianto, pela d i f i c u l d a d e
ninsular.
cada v e z m a i o r e m se obter o s a p é . O mobiliário da casa é s i m -
A partir d o estreitamento da z o n a estuarina, à altura d a Ponta
ples, feito e m geral c o m madeira local (caixeta) e o f o g ã o é à le-
do B a n a n a l , inicia-se o F u n d o do Saco, onde o corpo d ' á g u a volta
nha, na maioria dos casos. E m a l g u m a s casas existe o f o g ã o a
a se alargar d a n d o lugar a u m extenso e magnífico m a n g u e z a l .
gás, mas este c o m b u s t í v e l tem p r e ç o elevado, sobretudo pelo
E s s a área é m a r c a d a pela existência de muitos rios r e s p o n s á -
transporte.
veis pelo rebaixamento da salinidade. F o i t a m b é m a área onde se
A dieta alimentar é simples, constituída pela farinha de m a n -
instalaram as várias fazendas e engenhos de c a n a - d e - a ç ú c a r a
dioca fabricada continuamente, pelo peixe e ocasionalmente pela
partir do s é c u l o
carne de c a ç a . O c o n s u m o de v e r d u r a s é quase inexistente. A fru-
XVIII
e
XIX.
Aí, as atividades e c o n ó m i c a s mais re-
l e v a n t e s s ã o a l a v o u r a e o artesanato, ao c o n t r á r i o d a s d u a s
ta mais c o n s u m i d a é a banana, plantada p r ó x i m a à s casas. A l -
margens, e m que a pesca e o turismo s ã o mais importantes.
guns poucos moradores p o s s u e m galinhas, que s ã o criadas sol-
Pode-se constatar que existem diferenças importantes no que d i z respeito 'a o c u p a ç ã o do território entre essas três á r e a s . N e s s e sentido, as análises tentarão levar e m conta essas diferenças.
tas. O s r e m é d i o s caseiros, sobretudo ervas, s ã o utilizados para o tratamento das d o e n ç a s mais simples. A maioria dos moradores, com e x c e ç ã o de muitos que m o r a m
O Saco de M a m a n g u á é u m local distante dos centros u r b a -
mais distantes do mar, como os do F u n d o do Saco, p o s s u i tam-
nos, acessível somente por e m b a r c a ç ã o ou por u m a trilha para
bém ranchos de s a p é , onde g u a r d a m suas canoas e petrechos de
pedestre, que partindo da M a r g e m Continental chega a Parati-
pesca.
M i r i m . A M a r g e m Peninsular é somente acessível por barco. A s
C a b e m aqui a l g u m a s reflexões sobre a n o ç ã o de " t e r r i t ó r i o "
c o m p r a s das mercadorias e o atendimento m é d i c o se f a z e m e m
" l u g a r " existente nos tipos de culturas e sociedades tradicio-
Parati, distante três horas de barco. O frete elevado torna a i n d a
nais a que pertence a de M a m a n g u á .
m a i s alto o p r e ç o dos produtos já caros na capital do m u n i c í p i o . O
U m elemento importante na relação entre p o p u l a ç õ e s tradicio-
abastecimento local é precário, feito por três " v e n d a s " , u m a na
'•i^^is e a natureza é a n o ç ã o de " t e r r i t ó r i o " , que pode ser definido
M a r g e m Continental e d u a s na Peninsular, que v e n d e m alguns
como u m a p o r ç ã o da natureza e e s p a ç o sobre o qual u m a so-
produtos de c o n s u m o imediato, a p r e ç o s elevados (óleo, sal, café).
ciedade determinada reivindica e garante a todos, o u a u m a parte
O local tem três escolas p r i m á r i a s , sendo u m a na M a r g e m Pe-
^ ^ seus membros, direitos estáveis de acesso, controle o u uso so-
ninsular e d u a s na M a r g e m Continental, obrigando as c r i a n ç a s a
a totalidade o u parte dos recursos naturais aí existentes que
o
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
Os DIVERSOS ESPAÇOS
HUMANIZADOS
ela deseja o u é capaz de " u t i l i z a r " (Godelier, 1984). E s s a p o r ç ã o do
e outras á r v o r e s frutíferas. N a s c o m u n i d a d e s m e n c i o n a d a s , é es-
m u n d o natural fornece, e m primeiro lugar, a natureza do h o m e m
treita a r e l a ç ã o c o m a Mata Atlântica, nicho importante para s u a
como espécie, m a s t a m b é m :
r e p r o d u ç ã o social. D a l i retiram a madeira para suas canoas, p a r a
a) os meios de subsistência;
a c o n s t r u ç ã o , equipamentos de pesca, instrumentos de trabalho,
b) os meios de trabalho e p r o d u ç ã o ;
medicamentos, etc. (Diegues, 1988).
os meios de p r o d u z i r os aspectos materiais d a s r e l a ç õ e s so-
A l g u m a s dessas sociedades se r e p r o d u z e m e x p l o r a n d o u m a
ciais, aqueles que c o m p õ e m a estrutura determinada de u m a
multiplicidade de habitats: a floresta, os estuários, m a n g u e s e as
sociedade (relações de parentesco, etc.) (Godelier, 1984).
áreas já transformadas para fins agrícolas. A e x p l o r a ç ã o desses
O território d e p e n d e n ã o somente do tipo de meio-físico ex-
habitats diversos exige n ã o só u m conhecimento aprofundado dos
plotado, m a s t a m b é m das relações sociais existentes. Para muitas
recursos naturais, das é p o c a s de r e p r o d u ç ã o das e s p é c i e s , m a s a
c)
p o p u l a ç õ e s tradicionais que exploram o meio m a r i n h o , o m a r tem
utilização de u m c a l e n d á r i o complexo dentro do q u a l se ajustam,
s u a s " m a r c a s " de posse, geralmente pesqueiros de boa p r o d u t i v i -
com maior o u menor integração, os diversos usos dos ecossistemas.
d a d e , descobertos e guardados cuidadosamente pelo pescador
O território das sociedades tradicionais, distinto daquele d a s
artesanal. E s s a s " m a r c a s " p o d e m ser físicas e visíveis, c o m o as
sociedades urbanas industriais, é descontínuo, marcado por vazios
" c a i ç a r a s " instaladas na laguna de M u n d a ú e M a n g u a b a ( A l ) . E l a s
aparentes (terras e m pousio, á r e a s de estuário que s ã o u s a d a s para
p o d e m t a m b é m ser invisíveis, como os " r a s o s " , tassis, corubas,
a pesca somente e m algumas estações do ano) e tem levado autori-
e m geral lajes submersas onde há certa a b u n d â n c i a de peixes de
dades da c o n s e r v a ç ã o a declará-lo parte das " u n i d a d e s de con-
fundo. E s s e s pesqueiros s ã o marcados e guardados e m segredo
s e r v a ç ã o " , p o r q u e " n ã o é usado por n i n g u é m " . A í reside, m u i t a s
a t r a v é s do sistema de " c a m i n h o e c a b e ç o " pelos pescadores do
vezes, parte dos conflitos existentes entre as sociedades tradicio-
Nordeste ( M a l d o n a d o , 1993), o u seja, os locais m a i s p r o d u t i v o s
nais e as autoridades conservacionistas.
do m a r s ã o localizados pelo pescador que os d e s c o b r i u por u m
A q u e s t ã o do e s p a ç o ocupado pelas c o m u n i d a d e s c a i ç a r a s foi
complexo sistema de triangulação de pontos para o q u a l usa a l -
estudado por Winter, Rodrigues e M a r i c o n d i (1990), demonstran-
g u n s acidentes g e o g r á f i c o s d a costa, como torres de igrejas, picos
do como a n o ç ã o espacial, nos p a r â m e t r o s da cultura e m o d o s de
de morro, etc. (Diegues, 1983; 1993). Para as sociedades tradicio-
vida c a i ç a r a s d a r e g i ã o de G u a r a q u e ç a b a ( P a r a n á ) s ã o distintos
nais de pescadores artesanais, o " t e r r i t ó r i o " é muito m a i s vasto
das culturas urbanas. O s autores r e a l ç a m a i m p o r t â n c i a dos espa-
que para as "terrestres" e sua " p o s s e " é m a i s fluida. A p e s a r d i s -
ços de trabalho e p r o d u ç ã o agrícolas apropriados coletivamente,
so, ela é c o n s e r v a d a pela " l e i do respeito" que c o m a n d a a ética
blinda que trabalhados a nível familiar. D a d o o c a r á t e r i n f o r m a l
reinante nessas c o m u n i d a d e s ( C o r d e l l , 1982).
da "posse coletiva", esses terrenos s ã o a l v o fácil da e s p e c u l a ç ã o
Para as sociedades tradicionais camponesas, o território tem
imobiliária e os primeiros a serem vítimas de grilagem.
d i m e n s õ e s m a i s definidas, apesar da agricultura itinerante, atra-
L a d e i r a (1992) enfatiza a n o ç ã o de e s p a ç o e território para os
vés do p o u s i o , demarcar a m p l a s á r e a s de uso, s e m limites m u i t o
^"íírí7íf/-MÍ7i/í7s, relacionada c o m os mitos ancestrais que os l e v a m
definidos. M u i t a s dessas á r e a s , como no caso das c o m u n i d a d e s
'IS m i g r a ç õ e s de v á r i o s pontos do Brasil e de outros países limí-
c a i ç a r a s de S ã o P a u l o Bagre, e m C a n a n é i a (SP), s ã o " c o m u n s " , isto
'^'"ofes, para o oceano, mais especificamente no litoral entre R i o de
é, posse de u m a c o m u n i d a d e onde seus m e m b r o s f a z i a m s u a s
J^ineiro e P a r a n á . E s s e e s p a ç o é marcado por lugares m a r c a d o s
r o ç a s . A terra e m descanso ou o " p o u s i o " é a marca da posse,
pela t r a d i ç ã o , onde a c a m p a m e m suas viagens. U m a parte desse
onde depois de colhida a mandioca ficam os p é s de banana, limão
tt>rritório g u a r a n i , sobretudo os litorâneos, de S ã o P a u l o , P a r a n á e
o
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
Rio de Janeiro foram transformados e m á r e a s naturais protegidas, e a p r e s e n ç a ocasional desses indígenas, e m sua m i g r a ç ã o , tem causado conflitos com as a d m i n i s t r a ç õ e s dessas áreas. U m aspecto relevante na definição de "culturas tradicionais" é a existência de sistemas de manejo dos recursos naturais marcados pelo respeito aos ciclos naturais, à sua e x p l o t a ç ã o dentro d a capacidade de r e c u p e r a ç ã o das espécies de animais e plantas utilizadas. E s s e s sistemas tradicionais de manejo n ã o s ã o somente formas de e x p l o r a ç ã o e c o n ó m i c a dos recursos naturais mas r e v e l a m a existência de u m complexo de conhecimentos a d q u i r i d o s pela tr adição herdada dos mais velhos, de mitos e símbolos que l e v a m à m a n u t e n ç ã o e ao uso sustentado dos ecossistemas naturais. A l é m do e s p a ç o de r e p r o d u ç ã o e c o n ó m i c a , das relações sociais, o território é t a m b é m o "locus" das representações e do imagin á r i o m ito lóg i c o dessas sociedades tradicionais. A íntima r e l a ç ã o do h o m e m c o m seu meio, sua d e p e n d ê n c i a maior e m r e l a ç ã o ao m u n d o natural, comparada ao do h o m e m urbano-industrial faz c o m que os ciclos d a natureza (a v i n d a de c a r d u m e s de peixes, a a b u n d â n c i a n a s roças) sejam associados a e x p l i ca çõ e s míticas ou religiosas. A s r e p r e s e n t a ç õ e s que essas p o p u l a ç õ e s fazem dos d i versos habitats e m que v i v e m , t a m b é m se constroem a partir do maior o u menor controle de que d i s p õ e m sobre o meio-físico. A s s i m , o cai ç a r a tem u m comportamento familiarizado c o m a mata, se adentrando nela para retirar os recursos de que precisa; ele t a m b é m n ã o tem receio de explorar os estuários e lagunas costeiras protegidas a t r a v é s de suas técnicas de pesca, m a s muitos têm u m verdadeiro p a v o r do m a r aberto, do " m a r de fora", da " p a s s a g e m da ba r r a ", dos naufrágios e d e s g r a ç a s associadas ao oceano que n ã o controla ( M o u r ã o , 1971).
O s DIVERSOS ESPAÇOS
HUMANI/A
Os
^
M o r a d o r e s
STE TRABALHO SE CONCENTRA exclusivaiTiente na p o p u l a ç ã o de moradores, que v i v e m habitualmente nos vários "lugares",
praias ou povoados, e portanto trata marginalmente de u m outro tipo de p o p u l a ç ã o , a dos turistas que c o n s t r u í r a m casas s e c u n d á rias e m M a m a n g u á . A o c o n t r á r i o do que se poderia pensar, os moradores apresentam u m a certa mobilidade espacial, m u d a n d o de u m lugar para ^>iitro, dentro do Saco como t a m b é m para fora dele, a t r a v é s dos processos m i g r a t ó r i o s . A mobilidade dentro da r e g i ã o se dá atra^ "^'^
casamentos, pelos quais geralmente a noiva deixa sua praia
c vai morar na do seu marido. Muitas vezes, famílias inteiras " n i d a m de u m lado para outro e m virtude da v e n d a de sua " p o s ' passando a v i v e r e m outra praia onde t ê m o u a d q u i r i r a m ^>nia outra " p o s s e " . A l g u m a s famílias d e i x a m t a m b é m lugares ^ mto atacados por maruins, m u d a n d o - s e para outros considera' '^^rios infestados. E m alguns p e r í o d o s , como na lua-cheia, os
OS
o N o s s o LuGAií ViKou P A R Q U E
povoados recebem dezenas de jovens embarcados que visitam suas
MORADORES
A p o p u l a ç ã o local se distribui nas seguintes praias: Ponta d o
famílias, t o m a n d o - s e mais calmos depois de s u a saída. S u c e d e m
13ananal - 1 família; Baixio - 21 famílias; C r u z e i r o - 18 famílias;
t a m b é m casos e m que a saída da família do i r m ã o mais velho, c o m
Praia d o Pimenta -1 família; Praia do Costa - 2 famílias; Ponta da
a v e n d a da terra, colabora para desestruturar a v i d a das famílias
Romana - 14 famílias; Ponta do E n g e n h o - 1 família; Ponta d o
dos outros i r m ã o s que permaneceram no lugar, c a u s a n d o u m
Sobrado - 1 família; Ponta do Buraco - 1 família.
abandono gradahvo das terras e a m u d a n ç a para outros " l u g a r e s "
A M a r g e m Continental, mais p r ó x i m a a P a r a t i - M i r i m , apre-
onde moram outros parentes. N u m desses casos recentes, no Baixio,
senta u m a p o p u l a ç ã o de 33 famílias, dispersas n a s seguintes p r a i -
u m dos irmãos mudou-se para uma outra praia para que sua família
as e c o s t õ e s c o m moradores locais: Praia das M o c a s - 1 família;
tivesse m a i s a m p a r o dos parentes durante os meses e m q u e está
Pontal - 7 famílias; Praia d o L o p e s - 1 família; C o s t ã o - 5 famílias; Praia G r a n d e - 9 famílias; Ponta d o L e ã o - 6 famílias; Ponta d o
embarcado. O Saco de M a m a n g u á tem 119 famílias de moradores, c o m
C a rro - 3 famílias; Ponta do Descalvado - 1 família. N o F i m d o d o Saco existem duas a g l o m e r a ç õ e s de moradores,
527 pessoas e 21 propriedades de turistas.
onde v i v e m 23 famílias: Regate, c o m 11 famílias e C u r u p i r a , c o m 12 famílias ( M a p a 3).
Tabela I - População de Mamanguá MARGEM
PROPR, DE TURISTAS
NÚMERO PESSOAS
NÚMERO FAMÍLIAS
Tabela 2 - Idade dos Casais, por Faixa Etária, em Porcentagem
Continental
33
28.0
120
23.0
08
38.0
F. do Saco
23
19.0
100
19.0
01
5.0
Peninsular
63
53.0
307
58.0
12
57.0
119
100
527
100
21
100
N a M a r g e m Peninsular encontra-se a maior d e n si d a d e de mo-
15-25 %
26-35 %
36-60 %
+ 50 %
TOTAL
Continental
6.0
21.5
29.5
43.0
100
F do Saco
0.7
27.2
27,2
45,5
100
Peninsular
23.5
18.5
31,0
26.3
100
9,8
22.8
29,2
38,2
100
MARGEM
TOfAL
radores d o Saco de M a m a n g u á . O povoado da praia do C r u z e i r o , c o m 18 famílias e 96 pessoas, quase todas aparentadas, constituise no centro mais importante da região. A í se localizam t a m b é m o posto de s a ú d e , u m a escola, a igreja católica da r e g i ã o , o estaleiro e u m dos bares de M a m a n g u á . O Baixio apresenta o maior n ú m e ro de moradores da região, 116 moradores, ainda que espalhados por u m a e x t e n s ã o maior de terra, inexistindo u m centro que agi mere os moradores (Mapa 3). A s casas d o s turistas se encontram concentradas na Praia d o E n g e n h o , onde existe o único c o n d o m í n i o d o Saco de M a m a n (8 casas de turistas); na Ponta d a R o m a n a (4 casas de turistas) Baixio de Dentro (4 casas de turistas).
A análise (Tabela 2) revela que 9,8% dos casais e s t ã o n a faixa ^"tária d e 15 a 25 anos; 22,8%, n a faixa entre 26 e 35 anos; 29,2% n a f^iixa etária entre 36 a 50 anos e 38,2% tem idade superior a 50 anos. A situação etária mais n o r m a l é a da M a r g e m Peninsular, ^''ide mora mais da metade da p o p u l a ç ã o de M a m a n g u á , pois ^ i s t e m 23,5% dos casais entre 15 e 25 anos, e somente 26,3% c o m s^r^
^ ^""'^^
^^^^ ^ ^ M a r g e m Continental apre-
tot^^-T " " ^ ^ p o p u l a ç ã o mais v e l h a , pois mais de 40% d o s casais C i d a d e superior a 50 anos. '^aio^*^'^''^"^" famílias d a M a r g e m P e n i n s u l a r apresentam a ' ' " r p r o p o r ç ã o de filhos por casal, as d a M a r g e m Continental
Os
o Nosso L U G A R V I R O U P A R Q U E
MORADORES
p o s s u e m menor m é d i a . E s s a p r o p o r ç ã o talvez se explique pelo
dores das praias de M a m a n g u á e de outras praias, situadas a duas
n ú m e r o r e d u z i d o d e casais novos c o m filhos e a maior porcenta-
ou três horas d e caminhada. É t a m b é m na M a r g e m P e n i n s u l a r
gem de casais c o m idade superior a 50 anos nessa M a r g e m .
que esse intercâmbio é maior, pois cerca de 15,7% d o s pais d e família s ã o provenientes de praias p r ó x i m a s . Por outro lado, é na Margem Continental, a mais influenciada pelo turismo, que mora
Tabela 3 - Média de Filhos por Casal MARGEM
o maior n ú m e r o de pessoas que m i g r a r a m para M a m a n g u á , d e outras regiões d o país.
MÉDIA DE FILHOS POR CASAL
Continental
3.5
F. do Saco
3.8
Peninsular
3.8
Pode-se constatar que grande parte dos moradores se distribuem por cerca d e 7 o u 8 famílias (os C o n c e i ç ã o , Santos, N a s c i mento, O l i v e i r a , S o u z a , C a m p o s , Mattos, Spíndola), entre as quais as pessoas se casam. N a M a r g e m Peninsular, por exemplo, exis-
l
tem entre 3 o u 4 grandes famílias que agregam a quase totalidade da p o p u l a ç ã o .
A m i g r a ç ã o para fora de M a m a n g u á parece ter sido intensa n o passado, principalmente a p ó s o esvaziamento e c o n ó m i c o d a re^ gião nos anos 50. E s s a e m i g r a ç ã o continua até hoje, talvez e m escala menor que no passado. H á u m n ú m e r o significativo d e ve-^
O grau de analfabetismo dos pais, como pode ser atestado pela Tabela 5 é d e cerca d e 50%, sendo maior na M a r g e m P e n i n s u l a r (62%) e menor na M a r g e m Continental (27%). A porcentagem maior de alfabetizados na M a r g e m Continental pode ser explicada pela existência d e d u a s escolas primárias, ao c o n t r á r i o d a M a r -
lhos s e m filhos, morando sobretudo na M a r g e m Continental - onde
gem Peninsular, onde existe somente u m a , obrigando as pessoas
verificou-se t a m b é m a maior porcentagem d e filhos d a r e g i ã o - e
a deslocamentos maiores.
t a m b é m no F u n d o d o Saco. Tabela 5 - Grau de Alfabetização dos Pais Tabela 4 - Local de Nascimento dos Pais MAMANGUÁ
JUATINGA
FORA
MARGEM
MARGEM
TOTAL
Continental
18
72.2%
5.5%
22.2%
09
100%
0.0X
0.0%
Fundo do Saco
Fundo do Saco Peninsular
38
78.9%
15.7%
5.2%
TOTAL
65
80%
10.7%
9,2%
Dentre o s p a i s d e família, 80% nasceram e m M a m a n g u á e somente 9,2% v e m d e fora d a região, e m geral h o m e n s q u e se c a s a m c o m m u l h e r e s d o lugar. C e r c a d e 10,7% p r o v ê m d e praias p r ó x i mas, m a s fora d e M a m a n g u á , como Sono, Cajaíba. Aliás, existe i i m inter c â m bi o significativo d e pessoas e contatos entre os mo ra -
Continental
TOTAL
ANALFABETO
SEMIANALFABETO
ALFABETIZADO
OUTROS
18
27.7%
1 1,1%
61.1%
0.0%
9
44.4%
22.2%
33.3%
0.0%
Peninsular
37
62.1%
10.8%
24,3%
2.7%
TOTAL
64
50.0%
12,5%
35.9%
1.5%
O Saco de M a m a n g u á tem duas religiões dominantes: a católi^' com 58,5% dos habitantes e a "crente" ( Assem bl ei a d e D e u s , " a g r e g a ç ã o Cristã do Brasil, Igreja Católica Brasileira) c o m 34%. " ca l i z a m- se aí 5 igrejas, sendo 1 católica e 4 "crentes". O s " c r e n se concentram mais n a M a r g e m Peninsular, pois três d a s
o
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
quatro igrejas protestantes aí se encontram. N o F u n d o do Saco existe a igreja "crente" mais antiga de M a m a n g u á (da d é c a d a d e 40) e na M a r g e m Continental n ã o existe n e n h u m a igreja. O s pastores crentes v ê m d c fora de M a m a n g u á ( U b a t u b a , Parati) e m barcos, trazendo, para alguns cultos, músicos que u s a m instrumentos desconhecidos em M a m a n g u á , como a c o r d e ã o , clarineta, etc. Entretanto, os cultos durante a s e m a n a s ã o organi-j' zados p o r líderes religiosos que m o r a m no local.
Os
ecossistemas,
seus
c os u S O S o p u i a ç aã o L o c a
ecursos
lar
Os
ECOSSISTEMAS
^) A M^tg
PA
REGIÃO
Atlântica
O Saco de M a m a n g u á apresenta v á r i o s e s t á g i o s d e s u c e s s ã o da Mata Atlântica, ecossistemas de transição (manguezal) p a r a í-ima importante zona eshaarina, do tipo " r i a " ou " f i o r d e " . A Mata Atlântica ainda apresenta segmentos bem conserva^^tís, sobretudo nas á r e a s montanhosas mais elevadas, c o m as ^^^guintes f o r m a ç õ e s : Mata Primária de Encosta, Mata S e c u n d á r i a ^ Encosta c o m suas variações de desenvolvimento. Mata de P l a J^'cie C o s t e i r a o n d e se l o c a l i z a u m i m p o r t a n t e c a i x e t a l e o '^^"lí^guezal (Foto 5). ^ ^^^^ Primária de Encosta se siHia entre 350 e 1000 metros Cair^'*'^*^^' ^^^'^^"^^ encostas do lado oeste do pico do •"uçú Q Pedra da Jamanta e nos maciços do morro P ã o de A ç ú c a r
o
Nosso
LLCÍAK VIIÍCU
O s ECOSSISTEMAS, SEUS R E C U R S O S E os
PAKQUI:
Usos
crescimento r á p i d o . A l é m das espécies já citadas, existem o i m b i r u ç u {Pseudobombax contortisiliquum),
grandiflorum),
timbuíba
(Enterolobium
fedegosa {Senna macranthera) e grande quanti-
dade de epífitas, b r o m é l i a s e orquídeas. A Mata de capoeira, localmente conhecida como " t i g u e r a " , ocupa á r e a s que já foram lavoura e se encontram a b a n d o n a d a s ou em pousio. O caiçara local, fazendo agricultura itinerante e m pequenas á r e a s , depois de três a quatro anos de cultivo, deixa o local para p l a n t a r e m outro. N a s terras muito enfraquecidas e ácidas aparecem o c a p i m gordura (Melinis minutiflora), o s a p ê (Imperata brasiliensis), a samambaia (Alsophila armata), as e m b a ú b a s (Cccropia spp) entre outras. A Mata de c a p o e i r ã o , apresenta as m e s m a s espécies de flora d a mata de capoeira, e m maior g r a u de desenvolvimento, b e m como u m maior n ú m e r o de palmeiras; p a l m e i r a brejaúba [Astrocaryum
tucuma), palmeira indaiá (Attalea dúbia), e
o início do aparecimento das espécies ocupantes d a mata secundária, já citadas anteriormente. A M a t a de P l a n í c i e C o s t e i r a existe e m terras b a i x a s , a m e Pico da Cajaíba, apresentando uma v e g e t a ç ã o densa o bem conservada, onde existem á r v o r e s altas, formadoras do estrato ar bór eo superior. Aí se destacam os cedros {Cedreln fissilis), as canelas {Ocotca spp, Nectnthirn spp), a canafístula (Cassm spp). N o estrato inferior existem mirtáceas, leguminosas, palmeiras, etc. "Do pedrão pra baixo, aquele morro grande que tem ali, o Cairuçú é mata virgem" (Seu Benedito da C o n c e i ç ã o , Praia do Baixio, Cruzeiro). A Mata Secundária de Encosta é consequência do uso h u m a no por muitas g e r a ç õ e s , resultando na existência de matas e m estado s e c u n d á r i o de s u c e s s ã o vegetativa. A maior parte das en-
plamente irrigada por cursos d ' á g u a , no final do Saco de M a m a n g u á , a p ó s u m extenso m a n g u e z a l . C o n s t i t u i - s e n u m a mata perenifólia, c o m espécies como o palmito (Euterpes edulis), canela [Ocotea spp, Nectandra spp), g u a p u r u v u (Shizolobium parahyba). N a interface c o m o m a n g u e , existem m a n c h a s de caixeta
(Tabebuia
cassinoides), formando u m importante caixetal muito utilizado para o artesanato local. O extrato arbustivo é composto principalmente por pimenteiras {MolUnedia spp), gravatas (Nidularium innocantii) e banana do mato U^ronielia antiacantha). E s s a área foi intensivamente utilizada há '"•luito tempo, pelas grandes fazendas e hoje aí existem r o ç a s de subsistência. O M a n g u e z a l situa-se no final da zona estuarina, composto de
costas se encontra ocupada por lavouras, matas de capoeiras e
mangue v e r m e l h o (Rizophora mangle), m a n g u e branco
cnpocirõos c nas vertentes dos morros da Margem Continental,
^^f'(i racemosa) e m a n g u e preto (Avicenia Shaueriana). E s s a vegeta-
peia mata secundária de encosta, menos explorada. Nas matas s e c u n d á r i a s jovens há u m a a b u n d â n c i a de e m b a ú b a s {Cccropia spp) e de outras espécies de madeira moio, de
(Laguncu-
oferece substrato a u m grande n ú m e r o de bivalves (ostras, por t e m p l o ) e t a m b é m p r o t e ç ã o a i n ú m e r a s e s p é c i e s de peixes e ^«•^•stáceos.
o
O s E C O S S I S T E M A S , SEUS R E C U R S O S E o s
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
A d e s c r i ç ã o e a análise d a fauna d a M a t a Atlântica se t o m a m ainda m a i s complexas d e v i d o à precariedade dos levantamentos
animais... Nós só caçava aqui no nosso local, não precisava
Usos
subir"
(morador da Praia do C r u z e i r o ) .
faunísticos existentes. A fauna d a Floresta Atlântica permanece rica em diversidade biológica, com pouquíssimas espécies já descri-
S e g u n d o Martinelli (1983), existem na r e g i ã o os seguintes ani-
tas totalmente extintas. N o entanto, as p o p u l a ç õ e s remanescentes,
mais: o n ç a pintada (Panthera onça); jaguatirica (Felis pardalis); gato
via d e regra, estão representadas e m muitos casos por apenas u m
do mato (Felis tigrina); paca (Caniculus paca); coati (Nasua
n ú m e r o perigosamente r e d u z i d o de indivíduos. Pelo fato de as
cotia (Dasyproeta agouti); cachorro do mata [Cerdocyon thous); m ã o
pesquisas faunísticas n ã o terem sido realizadas e m p r o f u n d i d a d e I
pelada [Procyon crancrivorus);
antes do desmatamento, acredita-se que muitas espécies pouco cons-
t a m a n d u á s (Myrmecophagidae
o u r i ç o - C a x e i r o (Coendou
nasua); villosus);
spp); porcos do mato (Tayassu);
ta-
p í c u a s tenham sido exterminadas s e m que delas sequer h o u v e s s e
tus (Dasypodidae spp); saguis (Callicthrix spp); c a x i n g u e l ê (Sciurus
conhecimento de sua existência ( C â m a r a , 1991).
spp). A l é m de d i v e r s a s espécies de aves como: macuco
D e acordo c o m a análise d a f a u n a e flora realizada pela S E M A
solitarius);
j a c u (Penélope spp); j u c u p e m b a (Pepile
(Secretaria E s p e c i a l do Meio Ambiente) e m 1983, referente a p o n -
jacutinga (Pepile jacutinga);
ta d o C a i r u ç ú , r e g i ã o esta confrontante ao Saco d e M a m a n g u á ,
(Picidae) e outros passarinhos.
(Tinamus
superciliares);
tucanos (Rhamphastos spp); p i c a - p a u s
i n ú m e r a s espécies habitam a área, entre elas a l g u m a s a m e a ç a d a s de e x t i n ç ã o , c o m o o m u r i q u i (Mono) (Brachyteles arachnoidis), já
"Passarinho miúdo tem bastante, tem sabiazinho ainda, sanhaçú,
citado para a r e g i ã o por A g u i r r e (1971) e confirmado, a t r a v é s d e
surucuá,
c o m u n i c a ç ã o verbal, por D r . C o i m b r a Filho, especialista e m p r i -
nhos maiores tá fraco, diminuiu,
matologia e do preguiça de coleira (Bradypiis torqiiatus).
Diminuiu por causa das frutas que acabou. Sabiá-cica, era o que mais
dorminhoco,
trocai, maritaca... Agora os outros passarimas diminuiu por causa de que?
tinha, cadê o sabiá-cica? Urú, outro passarinho que tinha muito, tide óculos, o tal de muriqui, ainda tem, tem
nlia bandos e bandos, hoje você não vê mais... é passarinho que nin-
poucos mais tem.... Sabe que ele jnudou-se muito dessa parte daqui
guém mata.... Saracura, outro pássaro que tinha no mangue, antiga-
"Macaco-Grande,
por causa da tiração de palmito, do barulho... As comidas dele são o
mente a gente sai aí no mar, de canoa, a maré tava vazia , dia de
palmito, dos passarinhos também, agora não tem mais... É difícil
pegar camarão e tinha duas, três pela maré afora. Hoje não tem mais....
encontra, ele é muito arisco, só gosta de lugar bem deserto, lugar de córrego,
cachoeira, de gruta ... e mais ele pressente a gente" (Seu
Socó tinha bastante também, mas fracassou. Outro
passarinho
que sumiu daqui foi o vira-bosta, tratam como gralha, hoje não tem
Benito d a C o n c e i ç ã o , Praia do C r u z e i r o ) .
mais" (Seu O r l a n d o d a C o n c e i ç ã o , Praia do C r u z e i r o ) .
É importante considerar as informações colhidas durante o tra-
F o r a m levantados, durante o trabalho de c a m p o , a l g u n s no-
balho de c a m p o , pois t a m b é m i n d i c a m que outrora grande quan-
populares referentes aos diversos p á s s a r o s que habitam o
tidade d e a n i m a i s e r a m vistos p r ó x i m o s aos n ú c l e o s d e h a b i t a ç ã o
•*-ícal: sabiá, s a n h a ç ú , s u r u c u á , dorminhoco, trocai, maritaca, tu-
e que atualmente estão restritos às á r e a s m a i s inacessíveis como
cano, jurita, papagaio. T a m b é m verificou-se a grande quantidade
as encostas do Pico do C a i r u ç ú .
répteis, cobras (jararacas, j a r a c u ç u , coral, u r u t u , m u ç u r a n a , surucucu, etc) e lagartos, b e m como a n h l j i o s .
nóis morava ali, nois saindo, indo na casa de uni
A s aves u t i l i z a m os m a n g u e z a i s para acasalamento e n i d i -
vizinho, passava pelo mato encontrava passarinho, encontrava vários
'cação. Entre elas podem-se observar a garça branca (Egretta thula).
"Antigamente,
o
O s E C O S S I S T E M A S , S E U S R E C U R S O S E OS U S O S
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
A m b r ó s i o et alli (1993), a p ó s analisar as v a r i a ç õ e s espaciais e
o m a r t i m pescador {Ceryle torquata) e o colhereiro (Ajaia ajaia) entre outros. E n q u a n t o os m a m í f e r o s como o m ã o - p e l a d a
temporais das propriedades hidrológicas e de c i r c u l a ç ã o , conclui
(Procyon
que a região n ã o apresenta as características típicas de u m estuário,
crancrivorus) p r o c u r a m o m a n g u e como fonte potencial d e a l i m e n to. Já os anfíbios e répteis s ã o menos frequentes.
I
O s organismos s e d e n t á r i o s a d e r e m ao substrato vertical d a s
devido às correntes de m a r é pouco intensas, associadas à fraca circulação gravitacional, decorrente da pequena descarga de á g u a
raízes a é r e a s , caules, e plântulas de Rhizoplwra mangle. O s t r a s e
doce. A estrutura térmica é fracamente estratificada, a distribui-
c i r r i p é d e s e outros a n i m a i s que p o d e m se retrair dentro d e tubos,
ção de sedimentos no fundo permite caracterizar a área como de
p e r m a n e c e m inativos durante m a r é baixa. A b a i x o do nível míni-
baixa energia, o que ocasiona intensa deposição d e lama. E s s e autor
mo d e m a r é podem-se encontrar, fixas ao substrato, p o p u l a ç õ e s
t a m b é m sugere que o sistema d e v e ser utilizado c o m o refúgio de
de b r i o z o á r i o s , h i d r o z o á r i o s e tunicados.
peixes j u v e n i s . A p r o d u ç ã o p r i m á r i a é m a i o r na p o r ç ã o m é d i a d a z o n a
O s organismos v á g e i s t ê m ritmos de atividades relacionados às m a r é s . Peixes como G o b i i d a e e Blenniidae, c o s t u m a m p e r m a -
estuarina, o n d e se encontram melhores c o n d i ç õ e s nutricionais,
necer enterrados no lodo o u entre as algas durante a m a r é baixa.
decrescendo e m d i r e ç ã o à barra (entrada d a zona estuarina). Nesta
H á t a m b é m aqueles que adentram o m a n g u e z a l somente durante
porção, formada pela barra e pelo c i n t u r ã o de ilhas p r ó x i m a s ,
a p r e a m a r à procura de alimento.
p r e d o m i n a m c o s t õ e s e f o r m a ç õ e s rochosas c o m o a ilha d a C o t i a
C r u s t á c e o s e g a s t r ó p o d e s p r e d o m i n a m nesta região, sendo sua distribuição intimamente relacionada à m u d a n ç a nos níveis de
e a ilha da P r e g u i ç a , nas quais existem polvos, lagostas, garoupas e badejos. N o interior da zona estuarina aparecem o parati (Mugil
m a r é . O s caranguejos o c u p a m buracos ú m i d o s o u apresentam comportamento
migratório, subindo em árvores (Cintrón &
operculares);
N a s á r e a s mais p r ó x i m a s ao m a n g u e z a l encontram-se o caranguejo g u a i a m u m (Cadisoma guanhumi); caranguejo maria-mulata c a r a n g u e j o uca (Ucides
cruentato);
cordatus);
ostra
curema);
o robalo (Centropomus
vermelho (Lutyanus aya); a pescadinha-branca (Cynoscion
N o v e l l i , 1986).
(Geniopsis
a corvina (Micropogon
a sardinha-lage (Opisthonema oglinum); a tainha (Mugil a guaivira (Oligoplistes saurus); a salema (Anisotremus
spp); o
leiarchus); platunus); virginicus);
a sororóca (Scomberomus maculatus); a m o r é i a - p i n t a d a (Gynwthorax
(Crassostrea brasiliensis); c a m a r ã o branco (Penaeus shimitti); maris-
occllatus); o c a m a r ã o branco (Penaeus shmitti) e outros.
co (Mytilus edulis). Entre os peixes, há o robalo (Centropomus
N o s baixios e praias arenosas, e m a m b a s as margens, ocorrem diversos tipos de c r u s t á c e o s (siris e carangueijos) e m o l u s c o s bivalves ( v ô n g o l e ) .
tainha (Mugil platunus); corvina (Micropogon b) A Zona
sp); a
a pescada branca (Cynoscion leiarchus); a
opercularis). Estuarina
O
A área a q u á t i c a do Saco de M a m a n g u á , de p r e d o m í n i o de á g u a
Uso
DOS RECURSOS
^'ELA P O P U L A Ç Ã O
NATURAIS
LOCAL
salobra, constitui-se n u m a " z o n a estuarina", conceito q u e se aplica n ã o s ó à s f o r m a ç õ e s estuarinas típicas, mas t a m b é m a outros
locais como o Saco do M a m a n g u á , onde o m o d o d e v i d a tra-
ambientes costeiros d e transição como baías, l a g u n a s costeiras,
•^'Tdlsd''^'"'^^^
deltas, á r e a s i n u n d a d a s pela m a r é e as de e n t r e - m a r é s , afetadas
gcta^"^ ^ Pequenas agriculturas de subsistência, extrativismo ve-
por diferentes regimes d e descarga d e á g u a doce ( M i r a n d a , 1990).
n i a n t é m presente, a p o p u l a ç ã o combina ativi-
' ' P^sca, c a ç a , coleta e artesanato (Diegues, 1988).
o
Nosso LUGAR VIROU
O s E C O S S I S T E M A S , S E U S R E C U R S O S E os
PARQUE
Usos
E s s a c o m b i n a ç ã o de práticas e usos dos recursos naturais é, de
cesso de m u d a n ç a e sobretudo de v i n c u l a ç ã o maior à economia
u m lado, u m a forma de utilização de vários ecossistemas, segun-
capitalista de mercado e que essa articulação passa a d e m a n d a r
do s u a s características e de acordo com os "ciclos n a t u r a i s " , v i -
determinados recursos naturais (e n ã o outros) n u m a intensidade
sando r e d u z i r os riscos d a d e p e n d ê n c i a de u m s ó recurso natural
nunca antes vista no lugar. É o caso do c a m a r ã o que p a s s o u a ter
que poderia se esgotar, a m e a ç a n d o a sobrevivência do grupo. D e
mercado há somente algumas d é c a d a s , sendo que antes da práti-
outro lado, essa c o m b i n a ç ã o de atividades e usos está e m b a s a d a
c a do arrasto era marginalmente capturado. O m e s m o ocorre hoje
n u m conjunto de conhecimentos e práticas que Levi-Strauss (1989)
c o m o palmito, a caixeta, o caranguejo, etc. E s s a s novas d e m a n -
d e n o m i n a de "ciência do concreto". N e s s e sentido, existe no local
das tem impacto n ã o somente sobre a intensidade do uso, mas
u m a extensa taxionomia folk, segundo a qual os vegetais e os a n i -
t a m b é m sobre as tecnologias patrimoniais de pesca, a l g u m a s das
mais s ã o classificados e m categorias como forte e fraco, v i v o e
quais foram substituídas por outras menos seletivas e mais pre-
n ã o v i v o , de couro e escama, masculino e feminino, b o m e m a u
datórias. Trata-se, portanto, de processos pelos quais o valor de
para o c o n s u m o , visível e invisível, bicho e n ã o bicho ("macaco não
u s o (consumo) é substituído pelo valor de troca o u mercado.
se deve matar: é uma pessoa"). O uso de determinadas plantas o u peixes pode ser aconselhado o u desaconselhado s e g u n d o as situ-
As
a ç õ e s como d o e n ç a , gravidez, etc, e está t a m b é m envolto e m i n -
Naturais
Formas
de da
Utilização
Mata
dos
Recursos
Atlântica
terdições expressas por tabus . O s moradores conhecem t a m b é m u m certo n ú m e r o de espécies que n ã o tem uso definido:
O uso dos recursos da mata se faz por meio da c a ç a e m pequena escala que serve para consumo d o m é s t i c o , da e x t r a ç ã o de m a d e i -
"Aquela planta eu conheço, mas aqui não se usa."
ra, bambus, sementes e cipós para diversos fins: artesanato, construção de casas, canoas e barcos, utensílios d o m é s t i c o s , medica-
E s s e vasto conhecimento foi explorado na pesquisa de forma somente parcial e incompleta, constituindo ainda u m campo aberto
mentos e a l i m e n t a ç ã o . P o r é m , é a t r a v é s d a agricultura de subsistência que se d á a p r i n c i p a l o c u p a ç ã o do solo.
para estudos mais aprofundados de etnociência (etnobotânica, etnoictiologia).
a)
Caça
M a r q u e s (1994) discute e m profundidade se o conhecimento e as p r á t i c a s tradicionais s ã o necessariamente "conservacionistas"
Hsta é u m a atividade que serve apenas para c o n s u m o p r ó p r i o ,
dos recursos naturais e ecossistemas. A s s i m como n ã o se pode
s o n d o realizada e m pequena escala o ano todo. É u m a atividade
partir do princípio de que os ecossistemas estão necessariamente
secular que v e m sofrendo alterações:
e m equilíbrio, n ã o se pode afirmar, sem u m a análise detalhada, se as p r á t i c a s tradicionais de uso dos recursos naturais s ã o forço-
"Meu pai, uma vez, caçou um porco legítimo que pesava xms 80
samente "conservacionistas". N o entanto, o relativo grau de con-
'piilos, aí, a gente arnnnava ele, dava pros vizinhos, salgava, aprovei-
s e r v a ç ã o de muitos recursos naturais verificado e m M a m a n g u á é
l^va, não botava fora não... E aí sobrevivia, né... Quando eu me entendi
fruto de práticas culturais embebidas de longo e profundo conlicci-
Po''gente, eu no caso estou com 45 anos, que cacei com meu pai, no caso
mento dos processos ecológicos, através d a "ciência do concreto"/
levava um facãozinho, ou levava um xilozinho para come uma
ou do saber tradicional. É importante se acentuar, no entanto, que
fofinha seca lá no mato, no caso de se perde... Já encontrava alguma
essa r e g i ã o sofre, desde muito tempo, u m a m p l o e p r o f u n d o prO'
'-oisa, mas com dificuldade. Raras as vezes a gente voltava sem trazer
o
Nosso L U G A R V I R O U
Os E C O S S I S T E M A S , SEUS R E C U R S O S E OS Usos
PARQUE
um objeto. Ou um pássaro grande, um jacu, um macuco ou caça, sempre.
foi com o advogado, fiquei lá dois dias. E a outra vez fez oito dias lá
Mas depois, de 30 anos, a uns 25 anos atrás, veio fracassando 50% e
com o diretor do Estado do Rio de Janeiro... Na mata aqui mesmo...
até mesmo os caçadores já desanimaram, que vai no mato e não mata
Naquela época não cevava não, era nos barro... Quem fica no mato, é de
nada " (morador d a praia do C r u z e i r o ) .
fora, a turma aqui da área, eles vão no mesmo dia, sai cinco horas da 4
O motivo deste fracasso está relacionado c o m atividades pred a t ó r i a s exercidas nos ú l t i m o s anos, c o m o a e x t r a ç ã o d e p a l m i t o
manhã e volta seis horas da tarde, porque eles não aprofundam no mato. Eles não vão lá no centro, eles ficam na beirada", (morador da Praia do C r u z e i r o ) .
e outras á r v o r e s frutíferas que constituem a base d a a l i m e n t a ç ã o d a s e s p é c i e s d a fauna local, b e m como o a u m e n t o do b a r u l h o d e - ^
C o m a d i m i n u i ç ã o de a b u n d â n c i a d a s e s p é c i e s faunísticas,
corrente do crescente desenvolvimento turístico e do a u m e n t o do
verifica-se que atualmente t a m b é m é necessário adentrar na mata
n ú m e r o d e c a ç a d o r e s , que p r o c u r a m n a c a ç a u m complemento
primária e m busca da c a ç a , cada v e z mais rara e encontrada, c o m
da a l i m e n t a ç ã o familiar.
mais frequência, nas encostas do Pico d o C a i r u ç ú . O s m é t o d o s e h o r á r i o s de c a ç a v a r i a m d e acordo c o m a e s p é -
"Hoje em dia, perde-se tempo pra encontrar alguma coisa e às
cie procurada, aves, pacas, cotias, tatus, porco-do-mato, etc. S ã o
vezes não se encontra nada. Tá muito fraco... Mas eu lhe digo, isso ato
utilizados cachorros para c a ç a r os animais maiores, apitos q u e
que acabou mais foi a tiração de palmito, do barulho... O palmito é
s i m u l a m o c h a m a d o d a s aves, cevas e a r m a d i l h a s p r ó x i m a s à s
alimento de muitos passarinhos... A matança do palmito é o seguinte,
palmeiras e á r v o r e s frutíferas, e " e s p e r a " , nas r o ç a s de m a n d i o c a ,
que eu acho coisa errada, é que eles cortam o pé de palmito, e se o
lugares p r o c u r a d o s pelos animais .
palmito encostou naquele pau, o cara derruba aquele pau, aí o outro
Esta a t i v i d a d e é intensificada nos meses frios ( i n v e r n o ) , q u a n -
pau, três, quatro paus para tirá hum só palmito... E ali ele não tá
do a a t i v i d a d e p e s q u e i r a é m e n o s intensa e n o s m e s e s s u b s e -
escolhendo qual o pau que abate, às vezes é pau de lei, um cedro ou
quentes, d e agosto a n o v e m b r o , q u e t a m b é m c o r r e s p o n d e m à
outro pau de fruta... Aiitigamente tinha gente que não dava prô mato, era mais meu pai e meu tio que pertubava uma caça.... O meu irmão
época e m q u e o m a c u c o {Tinamus
solitárias), e s p é c i e bastante
procurada, c o m e ç a a "piar", levando a u m aumento da caça. O s
João, aquele bem forte, foi criado com carne de caça.... Ah, hoje em dia
passarinhos s ã o c a p t u r a d o s a t r a v é s d e a r m a d i l h a s (arapucas)
tem mais caçador" (morador da Praia do C r u z e i r o ) .
ou abatidos por meio de estilingues, servindo t a m b é m c o m o fonte de alimento.
A s á r e a s e a d u r a ç ã o d a c a ç a d a , m u d a r a m d e acordo c o m a b u n d â n c i a d a c a ç a . N o r m a l m e n t e , esta a t i v i d a d e é exercida d" rante o d i a , sendo que o c a ç a d o r local s a i para c a ç a r ao a n
" O cachorro, qualquer caça eles corria. Agora, o que eles caçavam muito é porco-do-mato, cotia, paca... Costuma muito o cachorro andá
nhecer (5 h o r a s d a m a n h ã ) , retornando ao entardecer (6 h o r a s
ua corda, só saía quando encontra o rastro... O tatu, éfácil apanha ele
tarde).
^ ^loite, de dia só com cachorro que acha a toca dele... A paca também só ^ noite, a não ser com cachorro bom de rastro que vai no trilho e tira ela, "Eu caçava era nas encostas, do pedrão pra baixo... Eu caçava com
^ite ela se amoita, quando não se entoca, arruma um lugarzinho e deita
o meu irmão, e às vezes vinha gente defora pra caça aí. Vinha muita
prá aguarda a noite par marisca outra vez, e só com lua escura... Caça
gente, eu cacei com um advogado e com um diretor do estado...
<^otia, })iais fio engodo, tá na época agora do frio, porque não tem tanta
vezes nós ia de nianliãe voltava tarde. Só quando eu pousei na mata, l
fi'nta no mato, ela vem par cá mais na roça... Na ceva para paca e cotia,
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE
O s E C O S S I S T E M A S , S E U S R E C U R S O S E OS U s o s
tem diversas coisas que elas comem, mandioca, abricô, jaca, coco pindola e outras frutas. Ela é chegada na jaca, só que ela não come o favo, ela come o caroço que dá dentro do favo... Você deixa ali dois, três, quatro dias e quando chega no quinto, sexto dia, você vai espia a paca. Agora macuco, é na época que ele está piando, no mês de agosto/setembro/ outubro até novembro, que é época boa par caça, agora ales pegam
Tabela 6 - C a ç a : Espécies mais C a ç a d a s NOME POPULAR
NOME CIENTÍFICO
HABITAT
Paca Cotia Porco do mato
Canicu\u$ paca Dasyproeta agouti Tayassu spp
Mata primária Mata secundária Mata de planície Lavouras
sozinho ou com cachorro, armadilhas com ceva. espera nas lavouras
Tatu
Dasypodidae spp
Mata primária
sozinho ou com
Mata secundária
cachorro
muito de gaiola no chão, ceva com mandioca... Macaco a gente não caça, a gente encontra ele, ele é um bicho diferente dos animais, é uma pessoa, matar um macaco é matar um ser humano..."
(morador d a
MÉTODO DE CAÇA
praia do C r u z e i r o ) .
Mata de planície
A s p r i n c i p a i s espécies m a i s comumente c a ç a d a s , p o d e m ser
Hydrochaeris hydrochaeris
Capivara
melhor v i s u a l i d a d a s na tabela 6: Gambá
b) O
Extrativismo
O e x t r a h v i s m o de espécies vegetais é realizado v i s a n d o principalmente: a l i m e n t a ç ã o , c o n s t r u ç ã o de casas, canoas, barcos, utensílios de pesca e diversos tipos de artesanatos. O s moradores retir a m frutas, madeiras, como a caixeta (Tabebuia cassinoides) que é encontrada a t r á s do mangue, sementes, cipós, b a m b u s , e outros produtos utilizados no artesanato. A cultura tradicional se revela n ã o apenas no conhecimento preciso das espécies como t a m b é m pelo respeito às fases d a lua, pois a e x t r a ç ã o de madeiras só é feita na lua minguante, para que
Coati
Jacu Macuco Nliambu Uru
Mata de planície
sozinho ou com
várzeas
cachorro
Didelphis marsupialis Nasua nasua
Mata primária Mata secundária Mata de planície
sozinho ou com cachorro, armadilas com ceva
Penélope spp
Mata primária Mata secundária bem conservada
sozinho com apito, armadilhas com ceva
Geral
com arapucas, c o m estilingue
Tinamus solitarius
Diversos passarinhos
Obs.; Consideram-se "Moios secundárias" as áreas de mata secundária de encosta, mata de capoeira e capoeirão. Considera-se "geral" todos os ecossistemas e suas variações presentes no Saco de Mamanguá.
n ã o sejam atacadas por c u p i n s , rachem o u lasquem. A l é m disso, m a d e i r a n ã o é retirada de maneira aleatória, escolhendo-se os exemplares de acordo com o tipo de uso, que, na maioria das vezes, é d o m é s t i c o . A atividade de extrativismo vegetal perde s u a c a p a c i d a d e sustentação diante da atividade predatória decorrente da extraç^ ilegal e intensiva do palmito (Euterpes edulis) nesta última d é c a d a , trazendo consigo n ã o s ó a m e ç a s de e x t i n ç ã o d a e s p é c i e , como t a m b é m i n ú m e r o s impactos negativos sobre as espécies anii que tem no palmito sua principal fonte de alimento. H á t a m b é m impacto sobre outras espécies vegetais predadas durante o proces-
so de e x t r a ç ã o do palmito, assunto já citado anteriormente n o ^ ^'poimcnto oral de u m morador da praia do C r u z e i r o , a respeito motivos de fracasso da c a ç a . O palmito égrande alimento pra esses passarinhos, macaco tamcome a casca, mete o dente e come... O palmito, ele é uma árvore que guando tem um cacho que está maduro, tem outro que está madurando, outro que está verdinho. Quer dizê, não há falta de alimento para os pn^saros. Mas com essa matança de palmito, o bicho não tem o que ^">uer... Além disso, antes o pessoal cortava o palmito com macliado.
o
Os E C O S S I S T E M A S , SEUS R E C U R S O S E os Usos
Nosso Luc.AK Viiíou P A R Q U E
hoje eles cortam com facão, quédizê, éfilhote, peqiieninho... Você pro-
Tabela 7a - Extrativismo: Espécies
cura um palmito aí, nem prá remédio. Acabou demais. (...) A tiração de
Vegetais Utilizadas no A r t e s a n a t o
palmito tem uns dez anos... Olha, o palmito de primeira, o palmital começava ali na beira da casa... Outro dia eu tive lá na mata do Martin de Sá, nesse mato fechado, eu fui dar uma volta por lá e não acredito, até lá naquelas alturas eles estão explorando o palmito, é brincadeira,
ESPÉCIES (NOME POPULAR)
ÁREA DE MAIOR OCORRÊNCIA
Caixeta
Mata de planície próxima ao mangue
Palha de broto de breiaúba
Mata primária Matas secundária Mata de planície
Artesanato, abanador
Bambu japonês
Mata primária Mata secundária
Estantes, armários, vara de pesca
Bambu preto
Mata primária Mata secundária
Construção da casa de taipa
Bambu gigante
Mata primária Mata secundária
Bica de água. covo pesqueiro (cercada)
T:iquara lixa
Mata primária Mata secundária
Covo pesqueiro
Taquara açu
Mata primária Mata secundária
Tapiti (prensa de mandioca)
Cipó camburá Cipó ferrinho
Mata primária Mata secundária
Cipó balaio
Mata primária
ali é mata virgem" (morador da Praia do C r u z e i r o ) . A s principais espécies e n v o l v i d a s no extrativismo vegetal, sua utilidade e seu principal local de ocorrência p o d e m ser melhor vistos nas Tabelas 7a, Tb, 7c: c)
A Agricultura
de
Subsistência
M u s s o l i n i (1953) trata da agricultura o u l a v o u r a de subsistência c o m o sendo o cultivo p a r a garantir a sobrevivência d a s p o p u l a ç õ e s locais. A l a v o u r a m a i s c o m u m é a de mandioca e b a n a n a , feita a p ó s l i m p e z a d o terreno, u m m ê s antes do plantio. A área c u l t i v a d a é quase s e m p r e pequena, de algumas poucas tarefas (20m x 20m). K e m p e r s (1993) calcula que para cada meio hectare de roça existem cerca de 5 ha de pousio. A s r o ç a s se localizam, na maioria dos casos, nas encostas p r ó x i m a s às casas, m a s t a m b é m e m á r e a s de p o u s i o o u de mata, distantes, por vezes, a horas de c a m i n h a d a . Estas ú l t i m a s s ã o v i sitadas c o m m e n o r frequência, sendo atacadas por a n i m a i s que se a l i m e n t a m d e raízes de m a n d i o c a (paca, cotia). O s lavradores p o d e m ficar aí v á r i o s dias, trabalhando e m o r a n d o e m ranchos p r o v i s ó r i o s de s a p ê . A l g u n s têm ali sua casa de farinha. A p r o v e i tam t a m b é m a s u a estada para caçar. N a r e g i ã o , s ã o conhecidas e plantadas por volta de 10 espécies
Mata secundária Cipó timbupeba
Cipó imbé
diferentes de mandiocas (Manihot esculenta), as quais s ã o definidas s e g u n d o u m a taxionomia própria: A i p i m b a h i a . A i p i m tupã/ A i p i m vareta. A i p i m seda. A i p i m manteiga. A i p i m alecrim. A i p i m ipê. A i p i m m a r i c á . A i p i m landi. A i p i m negra. Esta v a r i e d a d e de espécies plantadas na m e s m a roça tem como objetivo d i m i n u i r a
UTILIZAÇÃO
^^P^tiaba Pimentinha
Mata de planície
Mata primária Matas secundária Mata de planície Mata secundária
Artesanato (gamelas, barquinhos, peixes e aves de madeira), canoas, batente de porta e janelas, utensílios domésticos
Envasar, amarrar estuque (casa de taipa) Construção de balaios Balaio para guardar isca para pesca Utilizado para todo tipo de amarração Construção de covos pesqueiros (cercada)
O s E C O S S I S T E M A S , SEUS R E C U R S O S E o s U s o s
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE
Tabela 7b - Extrativismo: Madeiras Utilizadas nas
Tabela 7c - Extrativismo: Espécies Vegetais
C o n s t r u ç õ e s de Casas, C a n o a s e Barcos ESPÉCIES (NOME POPULAR) Jacatirão. Cubata. Tatuzinlio Vara fisga (vermelha/preta)
ÁREA DE MAIOR OCORRÊNCIA Mata primária Matas secundária Mata de planície Mata primária
Canela
Matas secundária Mata de planície
Caixeta
Mata de planície Mata primária
Timbuiba
Matas secundária Mata de planície
Ingá ferrinho Ingá flecha Ingá concha Cobi
UTILIZAÇÃO
Madeiramento do telhado
Coluna da casa. tábua de barco madeira de telhado Batente de porta e janela Madeiramento de telhado, construção de canoa
Mata primária Matas secundária Mata de planície
Construção de canoas
Mata primária
Construção de canoas
Mata secundária
Utilizadas na A l i m e n t a ç ã o ESPÉCIES (NOME POPULAR)
ÁREA DE MAIOR OCORRÊNCIA
Palmito
Mata primária, mata secundária, mata de planície
Fruta abuta B.icuparí
Mata primária, mata secundária, mata de planície
Guaricica Brejaúba Indaiá Palmeira Natal Coco mamona Araçá Ingá macaco Ing:i cipó
Mata primária, mata secundária, mata de planície
Mata primária, mata secundária, mata de planície
Obs.:Consideram-se Matas secundárias as áreas de mata secundária de encosta, mata de capoeira e capoeirão
Mata primária Guapuruvu
Matas secundária
Construção de canoas
Mata de planície Mata primária Canafístula
Matas secundária Mata de planície
\e de todo o c u l t i v o e m r e l a ç ã o a d o e n ç a s e / o u p r a ,i;ns. Deste modo, o cultivo da mandioca se constitui e m importante
Construção de canoas e barcos
o\idência do tipo d e r e l a ç ã o que as c o m u n i d a d e s locais estabelecem c o m a n a t u r e z a , v i s a n d o d i m i n u i r a v u l n e r a b i l i d a d e deste l^iodiito c o m o u m todo, e m r e l a ç ã o a d o e n ç a s ( M o r e i r a , 1993). T a l
Mata primária Matas secundária Mata de planície
Construção de canoas e barcos
Mata primária Matas secundária Mata de planície
Construção de canoas, barcos e pontilhão de cais
Jequitibá
Mata primária
Construção de canoas
'anteriormente. E s t a s l a u v o r a s s ã o regidas por u m c a l e n d á r i o q u e
Cedro
Mata primária
Construção de canoas
^'^^'rmina as é p o c a s de l i m p e z a d o terreno, p l a n t i o e colheita,
Matas secundária
e barcos
Louro
Mau primária Matas secundária
Construção de canoas e barcos
Mata primária Matas secundária
Construção de canoas
Aricurana
Ipê
Figueira parda
itiMdade, c o m o é m a n e j a d a , p o d e ser u m ponto d e p a r t i d a p a r a ostudos m a i s a m p l o s que d e m o n s t r e m as estratégias d a p o p u l a ç ã o '(>cnl para m a n t e r u m a e l e v a d a b i o d i v e r s i d a d e . '^lém d a m a n d i o c a , há o plantio de c a n a - d e - a ç ú c a r (Saccharum "(ficinalc), m i l h o v e r d e {Zca mays) e feijão {Camvalia
sp),
citados
^n'^' ostão relacionadas na T a b e l a 8. -^lém cèr
d a l a v o u r a , plantam-se á r v o r e s frutíferas n a s p r o x i m i "Moradias, p a r a c o n s u m o d o m é s t i c o , e e m a l g u n s casos,
as frutas, c o m o a b a n a n a , s ã o v e n d i d a s . A s p r i n c i p a i s e s p é c i e s «arvores frutíferas p l a n t a d a s s ã o :
o
O s E C O S S I S T E M A S , SEUS R E C U R S O S E OS U S O S
Nosso LUGAR VIROU PARQUE Tabela 8 - Lavoura: C a l e n d á r i o Agrícola
ESPÉCIE
LIMPEZA DO TERRENO
PLANTIO
Mandioca
julho/agosto
agosto/setembro
fevereiro
março/abril
julho/agosto
setembro/outubro
Cana-de-açúcar
COLHEITA a partir de 12 meses após plantio a partir de 12 meses após plantio
-
louro
(dores e m geral);
-
erva doce
(dores e m geral);
-
tachagem
(inflamação de
garganta/boca);
-
hortelã preta
(dor de barriga, verme);
-
camomila
(cólicas, verme, desarranjo);
-
santa maria
(cólicas);
-
maria preta
(machucados e m geral, extrai-se o
-
saião
s u m o e p õ e - s e no machucado); Milho verde
Feijão
agosto/setembro
junho/julho
a partir de 3 meses após plantio a partir de 3 a 4 meses após plantio
(pneumonia e problemas respiratórios, extraise o s u m o e toma-se três vezes ao d i a ) ;
-
poejo
(tosse, gripe).
T a m b é m u t i l i z a m o cipó abutá como r e m é d i o contra c â n c e r de abacaxi
{Amuas
-
laranja
{Citrus sp);
-
limão
{Citrus sp);
-
manga
{Maugifera
-
banana
{Musa paradisiaca);
-
abacate
{Persea americana);
-
maracujá
{Passiflora edulis);
O mangue é u m verdadeiro reservatório de recursos naturais para
jaca
{Artocarpus
u s o d o m é s t i c o , onde s ã o coletados a n i m a i s , madeiras, folhas, etc.
-
jabuticaba
{Myrciana
-
coco bahia
(cocos nucifera);
ou c a r v ã o , b e m c o m o na c o n s t r u ç ã o de casas, pois s u a m a d e i r a
-
goiaba
{Psidium
'oferece e m geral alta resistência (Hertz, 1988).
-
mamão
{Carica papai/a);
-
pitanga
{Eugenia
-
caju
{Anacardium
-
comhuosus);
seio (cozinha-se a raiz de abutá verde, toma-se o líquido e b a n h a -
-
se o seio durante q u i n z e a vinte dias). indica);
integrifolia); trunciflora);
guajava); uniflora); occidentale).
T a m b é m p r ó x i m o às moradias, nos quintais, costuma-se plantar, e m poucos canteiros, flores, ervas medicinais e raras hortaliças, c o m o couve, cheiro-verde e condimentos para a cozinha, como pimenta-malagueta. Kempers (1993) cita algumas ervas medicinais que, s o m a d a s às i n f o r m a ç õ e s coletadas durante o trabalho de c a m p o , s ã o as seguintes: -
boldo
(dor de barriga);
-
cidreira
(dor de barriga, calmante);
As
Formas
Recursos
de
Utilização
Naturais
do
dos Mangue
As árvores são utilizadas como combustível, convertidas e m lenha
A s espécies a r b ó r e a s , como o m a n g u e preto o u siriúba {Avi^einiia shaueriana),
s ã o aproveitadas de i n ú m e r a s maneiras: s e u
^'onco, serve c o m o c o l u n a / b a s e para as c o n s t r u ç õ e s d a s casas de pau-a-pique, típicas do litoral; a casca e suas folhas s ã o q u e i m a d a s ^t^rvindo como repelente aos insetos que se encontram e m g r a n d e ^l^iantidade nas p r o x i m i d a d e s do m a n g u e durante a l u a cheia e <>va. N a s raízes do m a n g u e v e r m e l h o {Rizophora mangle) desen^ ^>Kem-se ostras {Crassostrea brasilienses) que são coletadas durante maré baixa o ano todo. ^ região do m a n g u e oferece à p o p u l a ç ã o fonte de alimento ^mo caranguejos, ostras, mariscos que s ã o coletados o u captura''"^ a t r a v é s da pesca.
o
Os E C O S S I S T E M A S , SEUS R E C U R S O S E OS U S O S
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
O caranguejo {Ucides cordatus) é muito explorado e merece u m a
Tabela 9 - Mangue: Recursos
Naturais Extraídos do
Mangue
abordagem u m pouco m a i s detalhada. Atualmente, o caranguejo PRODUTO
v e m sofrendo a a ç ã o p r e d a t ó r i a pelos coletores de fora do Saco de
USO
M a m a n g u á , especificamente pelos de M a g é (RJ), durante o v e r ã o
Tronco de mangue
(novembro a janeiro), "época em que os caranguejos saem para fora das
vcrmellio, preto, branco
Combustível vegetal
população local
Tronco de mangue preto
Construção de casas, coluna de casas
população local
Folha e casca de mangue preto ou Siriúba
Repelente de insetos
Ostra
Alimento
população local
Caranguejo
Alimento
população local e coletores de fora
tocas para brigar", segundo os moradores locais, e que p o d e ser entendida c o m o é p o c a de r e p r o d u ç ã o . Relatos i n d i c a m t a m b é m que os coletores de M a g é colocam armadilhas na boca de i n ú m e r a s tocas, e e s c a v a m m u i t o s buracos de g r a n d e s d i m e n s õ e s p a r a coletarem os caranguejos, prática considerada muito p r e d a t ó r i a pelos moradores. " O caranguejo que eles apanham no mangue, eles exploram o
USUÁRIO
moradores próximos ao mangue
ma}igue. Porque eles cavocam, eles pegam aqueles pedaços de saco plástico verde tipo nylon. Então botam na boca do buraco. Então não botam um só pedaço, eles botam em diversos buracos. O mangue é
As
grande, então, no momento em que eles vão procurar, eles perdem
Naturais
Formas
de da
Utilização
Zona
dos
Recursos
Estuarina
buraco. Então todos os caranguejos que saem, eles se enrolam com unhas no saco. Aí alguns eles apanham e outros apodrecem,
porque
A zona estuarina do Saco de M a m a n g u á abriga i n ú m e r a s espécies
eles não vão apanhar, apodrecem... Faz alguns anos que o caranguejo
de grande i m p o r t â n c i a para a pesca artesanal que representa a
diminuiu, simplesmente no tamanho. Antigamente o caranguejo era
base da a l i m e n t a ç ã o d a c o m u n i d a d e local. A pesca é u m a das
grande, gordo, agora a gente tá pegando um caranguejo miúdo, por-
atividades e c o n ó m i c a s mais importantes da r e g i ã o d o Saco de
que não tem tempo de crescer, é do tamanho de um siri. A época que o
Mcimanguá.
caranguejo sai da toca é a época em que ele tá bonito, já houve a criação, eles vão para a toca quando eles estão criando, tão ovados " (morad i >r da Praia do C r u z e i r o ) .
A s espécies m a i s frequentes e procuradas pelos pescadores " tcsanais no interior do Saco do M a m a n g u á s ã o parati ' '"ema), corvina {Micropogon operculares), robalo
{Mugil
{Centropomussp)
^ c a m a r ã o branco {Penaeus schmitti). O c o r r e m durante o ano inteiT a l atividade, a l é m de prejudicar diretamente a p o p u l a ç ã o local pelo e x t e r m í n i o de u m a fonte de alimento, tem forte a ç ã ^ impactante sobre o p r ó p r i o ecossistema do mangue, pois além d e acabar com u m a espécie da cadeia alimentar, prejudica o funcionamento do m e s m o .
|o e s ã o capturadas pela pesca de tresmalho, espera, tarrafa o u ""»ha. E x i s t e m t a m b é m espécies sazonais que frequentam a área ^*>nio a tainha {Mugil platunus),
mangue ou m e s m o no R i o G r a n d e e Rio da F a z e n d a . A pesca c o m e de espera tem importância fundamental, pois s ã o capturados
O s principais produtos retirados do M a n g u e e utilizados pcl'^ p o p u l a ç ã o local p o d e m ser vistos na Tabela 9:
tendo como p r i n c i p a l é p o c a o
'•"^erno, sendo pescada com rede-de-espera nas p r o x i m i d a d e s do
^ nimeras espécies de peixes como: pescada-branca {Cynoscion leiarAm
^^^^^oplistes saurus), vermelho {Lutyanus aya), bagre
^'^relo {Arius spixii) e, principalmente, o c a m a r ã o branco {Penaeus
o
O s E C O S S I S T E M A S , SEUS R E C U R S O S E OS U S O S
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
schmitti) que representa a maior fonte de renda para o pescador artesanal da região. A s m e d i d a s das redes v a r i a m , sendo normal a j u n ç ã o de redes c o m o p r o p ó s i t o de aumentar a capacidade de captura, como tresmalhos que v ã o de 25 b r a ç a s até 200 b r a ç a s . A s malhas e os fios das redes t a m b é m v a r i a m dependendo do tipo de captura.
Tabela 10 - Z o n a Estuarina; Utilização dos R e c u r s o s ESPÉCIE
ÁREA DE
ÉPOCA DE
MÉTODO DE
TAMANHO DA
(NOME
MAIOR
MAIOR
CAPTURA
MALHA PADRÃO
POPULAR)
OCORRÊNCIA
OCORRÊNCIA
(TIPO DE REDE)
(em cm)
Geral
Ano todo
Dentre os m é t o d o s de pesca, a rede de tresmalho é a m a i s c o m u m e n t e utilizada, pois se trata de u m a rede específica para o
Parati
parati, que ocorre e m a b u n d â n c i a na região. A especificidade do uso dos diferentes tipos de rede será melhor tratado posteriomente no tópico referente às tecnologias patrimoniais na pesca.
Corvina
O conhecimento e m p í r i c o dos pescadores d a r e g i ã o determ i n a os m e l h o r e s locais e m é t o d o s de pesca das e s p é c i e s deseja-
Para fora da ponta do leão
Verão
Perto de Robalo
parceis
das (Tabela 10).
Inverno
A pesca de c a m a r ã o c o m arrasto de fundo, exercida na costa, é feita pela rede e m forma de saco com malha bastante pequena que é arrastada pelo fundo removendo o lodo, habitat do c a m a r ã o .
Geral, Tainha
rio grande,
Inverno
rio da fazenda
Recentemente, este tipo de atividade tem sido realizado no interior do Saco do M a m a n g u á , onde há abundância de c a m a r ã o branco [Pencaus schmitti) por pequenos barcos de arrasto, o que é ilegal.
Camarão
vez que é grande a quantidade de fauna acompanhante, composta por i n ú m e r a s espécies j u v e n i s de organismos. A m a l h a utilizada para tal atividade é pequena e a rede captura, além do c a m a r ã o ,
Pontal para dentro
Verão
Geral
A realização deste tipo de pesca no interior do Saco de M a m a n guá causa grande impacto à complexa e rica cadeia trófica, u m a
Pescada, Goete, Carapau, Sororoca, Cuaivtra
Geral
Tresmalho Espera Tarrafa (rio)
5.0
Batedeira
6.0
Espera Tarrafa Linha Mergulho Tresmalho. Espera
cadores de fora do Saco do M a m a n g u á e, posteriormente, adotada por a l g u n s pescadores locais que c o m p r a r a m pequenos barcos de arrasto. O abuso na utilização deste petrecho chegou a tal ponto que já se observa a escassez do c a m a r ã o , outrora abundante na região, o que tem l e v a d o os p r ó p r i o s pescadores locais n ã o - m o t o r i z a d o s ^ se voltarem contra essa prática. Deve-se considerar que tal ativid a d e a l é m de p r e d a r a e s p é c i e de c a m a r ã o b r a n c o schimitti),
acaba t a m b é m com a fauna acompanhante
{Pcfieaii> composta
Vôngole Polvos. Lagostas. roupas. Badejos
Baixios e praias arenosas Parte anterior da zona estuarina (boca) e lageados
Ano todo
Verão Ano todo
5.5
Tarrafa
3.0
Espera Tarrafa Puçá
3.5
Arrasto (PE)
Ano todo
3.S 3.0 2.7
Espera
Espera Tresmalho
uma grande variedade de organismos marinhos. A utilização deste petrecho de pesca foi iniciado pelos pes-
Estuarinos
Coleta manual Mergulho
Mergulho Linha de mão
1.2 1.0
variável
Os E C O S S I S T E M A S , SEUS R E C U R S O S E OS U S O S
o Nosso L U G A R V I R O U P A R Q U E
pelas e s p é c i e s j u v e n i s de todos os peixes a c i m a citados. Pelo fato
O Sr. Licínio, morador do c o s t ã o , afirma que, a t r a v é s da obser-
de n ã o apresentarem tamanho m í n i m o para c o m e r c i a l i z a ç ã o , es-
s a ç ã o dos processos naturais, "os antigos" a p r e n d e r a m a fazer as
tes s ã o jogados d e volta ao mar sem ao menos p o d e r e m c o m p l e -
cercadas, pois quando u m tronco cai na á g u a , c o m e ç a a atrair cracas,
tar s e u ciclo de v i d a o u chegar à m a t u r i d a d e sexual.
algas, limo, ostras que, por sua vez, atraem peixes, c o m o robalos, badejos, vermelhos etc.
"Eu
tenho 1.200 braças de rede de cowwa de nialha sessenta, não
tem nada aí, não pega nada. Eu atravesso, eu boto uma rede daqui para lá e chego lá e vou apanhar e pego dois peixes. Na época do meu pai, há
A
uns 10 anos atrás, você botava uma rede de quarenta braças e você
A CiHNCiA
CIÊNCIA
D OC O N C R E T O E MODERNA
apanhava uma quantidade de peixe... Então a exploração é muito grande, acabou-se, não tem mais aquela abundância de peixe. E cada
O saber dos " a n t i g o s " se confronta c o m a ciência m o d e r n a q u a n -
vez tá pior, para ser sincero, cada vez pior" (morador da Praia do
do da tentativa de i n t r o d u ç ã o recente do c h a m a d o "recife artifici-
Cruzeiro).
a l " {fish attracting device) por pesquisadores de fora d a á r e a . E s s e s recifes artificiais, formados por u m a espécie de p i r â m i d e de p n e u s
A s s i m sendo, verifica-se que o impacto causado pela prática
\elhos tem por objetivo atrair certos tipos d e peixes, c r i a n d o u m
deste tipo d e pesca na r e g i ã o a s s u m e grandes p r o p o r ç õ e s , já que
liabitat artificial. É u m a técnica concebida e elaborada e m países
t a m b é m acaba c o m os recursos m a r i n h o s utilizados pela maioria
>u nnçados como o J a p ã o , onde se u s a m blocos de cimento colo-
da p o p u l a ç ã o tradicional n ã o - m o t o r i z a d a , que d e p e n d e direta-
cados no mar, sendo depois exportada para países do Terceiro
mente destes recursos pesqueiros como fonte de alimento o u fon-
Mundo. Essa tecnologia foi criada a partir de conhecimentos cienli ticos,que comportam n o ç õ e s apuradas de s u c e s s ã o ecológica. A o
te adicional d e renda. N o t o u - s e t a m b é m a e x i s t ê n c i a d e pesqueiros
ou
cercadas,
mesmo tempo, no caso de M a m a n g u á pensava-se e m usar essas
atratores de organismos marinhos feitos c o m madeiras locais que
^'>nstruções, imersas na á g u a , para dificultar o arrasto ilegal d e
resistem m a i s na á g u a , como: siriúba, encontrada no m a n g u e ;
'•imarão .
saputiaba e p i m e n t i n h a , presentes nas capoeiras. São aglomeraç õ e s d e troncos de m a d e i r a apoitadas por pedras de formato re-
Essa iniciativa c a u s o u g r a n d e p o l é m i c a no l u g a r e n a s r e u n i *'t-'s o r g a n i z a d a s
pela A M A M (ASSOCIAÇÃO D E MORADORES D E
tangular o u redondo, colocados e m lugares estratégicos onde não
*^1AMA\'CUÁ), cujo presidente era, no m o m e n t o , u m a turista c o m
p a s s a m os barcos d e arrasto d e c a m a r ã o . A s cercadas t a m b é m
^-i^a no local — e n ã o teve g r a n d e r e c e p t i v i d a d e por parte d o s
são colocadas e m lugares secretos, para evitar que m e r g u l h a d o -
' " ' ' M d o r e s . H o u v e o p o s i ç ã o , d e u m l a d o , p o r parte d e a l g u n s
res de P a r a t i - M i r i m os cerquem c o m tarrafa e r e a l i z e m a pesca
P^^*^
s u b m a r i n a e m s e u interior. O s peixes c o m e ç a m a procurar estes cercados para a l i m e n t a ç ã o
I^Hih o, por parte de p e s c a d o r e s de rede que t e m i a m estragos e m ^ "as redes. A p e s a r d e s s a o p o s i ç ã o , h á u m a c o n c o r d â n c i a geral p e s c a d o r e s d e que a pesca d e arrasto é p r e j u d i c i a l ao
e p r o t e ç ã o , normalmente a p ó s o quinto m ê s de sua implantação. A
\uJ^'
captura se faz por meio da pesca c o m linha de m ã o . Esta prática,
y ^' ^ P a r q u e tem c o n t r i b u í d o para a p a u p e r i z a ç ã o b i o l ó g i c a d a
h e r d a d a dos "antigos", merece maior a t e n ç ã o , porque representa mais u m a forma tradicional e n ã o p r e d a t ó r i a d e utilização dos recursos naturais d e s e n v o l v i d a pela p o p u l a ç õ e s tradicionais.
''^^ t^vstuarina. cii-iir'^'^ ''^Í*^'Ç'^o e m adotar u m a nova tecnologia, p r o p u g n a d a por '^t'^s, poderia ser analizada como u m a r e a ç ã o d a " t r a d i ç ã o "
o
O s E C O S S I S T E M A S , S E U S R E C U R S O S E OS U S O S
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
contra a " m o d e r n i d a d e " , o u pelo "conservacionismo inato" d a s
A s s i m , n a L a g o a d e M u n d a ú - M a n g u a b a s ã o conhecidos sob o
p o p u l a ç õ e s tradicionais e m adotar novas técnicas d e manejo pes-
nome d e " c a i ç a r a s " , descritos p o r Diegues (1983) e, sobretudo,
queiro portadoras de benefícios sociais e e c o l ó g i c o s claros.
por Marques (1991). Tanto as " c a i ç a r a s " quanto os " p e s q u e i r o s "
E s s e n ã o parece ser o caso e m M a m a n g u á , pois, c o m o foi vis-
sào verdadeiras unidades de recursos artificialmente i n d u z i d a s e
to, certos pescadores locais conhecem, d e longa data, os "recifes
ninnipuladas pelos pescadores artesanais, concentrando biomassa.
artificiais" (pesqueiros), como p ô d e se verificar anteriormente. O
Além disso, a c o n s t r u ç ã o e i m p l a n t a ç ã o desses habitats artificiais
"recife artificial l o c a l " tem algumas vantagens evidentes sobre o
revelam u m a m p l o e profundo conhecimento tradicional sobre as
" i m p o r t a d o " , pois é c o n s t r u í d o com madeira local, d e espécies
correntes m a r i n h a s , o substrato e m que eles r e p o u s a m e sobre o
vegetais conhecidas, ao contrário dos p n e u s que s ã o trazidos d e
processo de s u c e s s ã o ecológica que aí se cria. M a r q u e s (1991) des-
fora, c o m alto custo de transporte. A l é m disso, todo o processo d e
creve, c o m m i n ú c i a s , o etnoconhecimento
dos pescadores
c o n s t r u ç ã o e instalação d o " p e s q u e i r o " é d e conhecimento dos
lagunares de M u n d á u sobre as espécies de flora e fauna aquáticas
moradores locais podendo ser feito e colocado na á g u a por u m a
que se fixam nos p a u s d a " c a i ç a r a " , dando-lhe nomes locais. Pri-
o u d u a s pessoas, u s a n d o a canoa a remo. A o contrário, a confec-
meiro aparece o "cabelo" (macroalgas), depois o " l i m o " (perifiton),
ç ã o d o "recife artificial importado" necessita material especial i
depois o " b u z a m e " (Terrinidae) e o " s u r u r u " {Mytclla
d a d o s e u peso, n ã o pode ser arrastado para o local de instalaçãí
Essas espécies atraem peixes que v i v e m nas " c a i ç a r a s " d e forma
charruam).
pelas canoas mas exige barcos motorizados mais possantes. A l e n
mais ou menos permanente como a " c a r a p e b a " {Eugerres
disso, há indicações d e que o p n e u , depois de u m certo tempt
lianus), o " c a m u r i m " {Centropomus
imerso, libera elementos químicos prejudiciais ã flora e à fauni
cies d e p e i x e q u e a í b u s c a m u m abrigo t e m p o r á r i o , c o m o a
aquáticas.
" s a l e m a " {Asrchosargus
brasi-
spp) e t a m b é m a l g u m a s e s p é -
sp) e o vermelho {Lutjanus spp).
M a i s do que isso, o " s e g r e d o " é u m elemento cultural i m
E m M a m a n g u á , os pescadores t a m b é m e n u m e r a m as espécies
portante para o êxito d o " p e s q u e i r o " , pois este é instalado nai
que aparecem nos " p e s q u e i r o s " e seus hábitos alimentares, mas
p r o x i m i d a d e s d a casa d o pescador, e m lugar g u a r d a d o secre
somente u m a pesquisa mais aprofundada p o d e r á revelar a rique-
tamente para que outros pescadores, sobretudo "os d e fora", n ã J
do etnoconhecimento ictiológico a c u m u l a d o .
v e n h a m se beneficiar deles, pescando e m sua p r o x i m i d a d e . N 6 f l
Deve-se ressaltar t a m b é m que esses habitats a q u á t i c o s artifici-
se sentido, essa técnica patrimonial está imersa na cultura l o c f l
^lis existem na costa oeste d a África, conhecido localmente sob o
apresentando nítidas vantagens sobre o " o u t r o " recife a r t i f i d j
nome de "akadjás", descritos e analisados por u m a vasta biblio-
Dentro
dessa perspectiva, n ã o se pode falar em " r e j e i ç ã o "
íí''nfia internacional (Bourgeoignie, 1972).
tecnologia m o d e r n a , m a s n u m a proposta que, v i n d o d e fora, Í H
Tornam-se aparentes, nos casos citados, o confronto d e dois
nora a realidade cultural local. N a s reuniões p r o m o v i d a s p < H
í^'iberes", o etnoconhecimento, ou saber tradicional e o moder-
A M A M os pescadores n e m mencionaram a existência d o s "p^B
^"-científico. D e u m lado, está o saber a c u m u l a d o das p o p u l a ç õ e s
q u e i r o s " q u e somente foram conhecidos no final d a pesquiB
^•"'i^iicionais sobre os ciclos naturais, a r e p r o d u ç ã o e m i g r a ç ã o d a
e t n o g r á f i c a . Pode-se avaliar, portanto, os riscos da i n t r o d u ç ã o ^
' '"^^i. a influência d a lua nas atividades de corte da madeira, d a
c h a m a d a "tecnologia m o d e r n a " sem um conliecimento p r é v i o ^
J^^^^'i, sobre o manejo tradicional dos recursos naturais, etc. D o
realidade cultural local.
ci)
E interessante notar que os " p e s q u e i r o s " d e M a m a n g u á tem t a m b é m e m outras regiões d o Brasil, sob diferentes n o m ^
ciMil'^'^^""^'^'^ qne, dentro d e seus paradigmas, n ã o d á lugar ao
^^^^ ^ conhecimento científico, oriundo de u m tipo de ciên^^'ciniento folk, tido como "lugar c o m u m " , pré-científico. A p e -
O s E C O S S I S T E M A S , SEUS R E C U R S O S E OS U S O S
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE
sar d a c o n t r i b u i ç ã o d a etnociência no entendimento d a r e l a ç ã o
n a l é, implicitamente, reconhecer que as p o p u l a ç õ e s tradicionais
l i o m e m - n a t u r e z a e sobre a p r ó p r i a estrutura d a p e r c e p ç ã o e dO|
jíão sujeitos h i s t ó r i c o s , portadores desse c o n h e c i m e n t o e que
saber sobre o " m u n d o n a t u r a l " , os trabalhos de etnoecologia,
portanto, d e v e m ser considerados c o m o agentes fundamentais no
e t n o b o t â n i c a , etnoecologia s ã o vistos c o m d e s c o n f i a n ç a pelos
conhecimento e sobretudo na g e s t ã o o u manejo das á r e a s c h a m a -
biólogos e e c ó l o g o s de f o r m a ç ã o a c a d é m i c a clássica.
das naturais. E s s e reconhecimento poderia retirar u m a parte d o
O desconhecimento das práticas do saber tradicional está rela-
poder conferido pela ciência à s c o r p o r a ç õ e s t e c n o - b u r o c r á t i c a s e
cionado, de u m lado, com a aplicação de paradigmas de u m a ciência
a c a d é m i c a s que se autoconferem a exclusividade d o saber científi-
positivista e reducionista e de outro lado c o m as c a r a c t e r í s t i c a s d a
co e dos princípios e metodologias que regem os c h a m a d o s " p l a -
p r o d u ç ã o e r e p r o d u ç ã o d o s a b e r folk d e n t r o d a s p r ó p r i a s
nos de m a n e j o " das á r e a s naturais protegidas.. D e s c o n h e c e n d o e
c o m u n i d a d e s tradicionais. E s s e saber está imerso e m p r á t i c a s e
a t é rejeitando o saber tradicional, as c o r p o r a ç õ e s a n i n h a d a s nos
técnicas tradicionais de manejo do m u n d o natural e, nesse sentido,
ó rg ã o s ambientais decisórios como IBAMA, Secretarias de Meio-
é m a r c a d o pela s u a aplicabilidade prática, c o m o é o caso do saber
Ambiente e U n i v e r s i d a d e s acabam atribuindo à fiscalização e à
embutido n a c o n s t r u ç ã o e g e s t ã o dos " p e s q u e i r o s " . E m muitos
repressão policial o papel da " g u a r d i ã e s da b i o d i v e r s i d a d e " e os
casos, essas p r á t i c a s s ã o marcadas pelo " s e g r e d o " que permite,
únicos defensores do " m u n d o n a t u r a l " . Procedendo a s s i m , cau-
por exemplo, aos pescadores artesanais o acesso a recursos natu-
s a m e alimentam conflitos insolúveis com as p o p u l a ç õ e s de mora-
rais r e n o v á v e i s limitados, considerados como "bens c o m u n s " (cor-
dores das á r e a s naturais protegidas, i m p e d i d a s de p r o d u z i r e
pos de á g u a , etc). C o n s e r v a n d o esse conhecimento, transmitido
reproduzir s e u conhecimento tradicional, suas p r á t i c a s e c o n ó m i -
somente d c forma oral c passando-o somente a seus filhos o u
c a s e tecnologias patrimoniais e s e u m o d o de v i d a , relegados a
c o m p a n h e i r o s , os pescadores p o d e m evitar o u restringir o acesso
objetos do folclore.
aberto a esses recursos nahirais. N e s s e sentido, reside a q u i u m
A ciência d o concreto, que se revela e m M a m a n g u á n ã o somen-
primeiro patamar da " i n v i s i b i l i d a d e " desse tipo de conhecimento
te n o caso do " p e s q u e i r o " , n ã o é menos científica, c o m o afirma
e tecnologias patrimonais. É de se ressaltar que esses últimos
Lévi-Strauss, e m seu trabalho: A Ciência do Concreto (1989). C o m o
t a m b é m p o d e m ser apropriados por outros pescadores d a co-
a f i r m a Lévi-Strauss, o conhecimento tradicional não é menos cien-
m u n i d a d e a t r a v é s d e processos sociais marcados pelo compadrio,
tífico, e seus resultados n ã o s ã o menos reais q u e o d a ciência mo-
c o m o foi a n a l i s a d o por C o r d e l l (1982). E s s a " i n v i s i b i l i d a d e " tam-
derna baseada na o b s e r v a ç ã o e na e x p e r i m e n t a ç ã o .
b é m pode ser acentuada nos momentos de d e s e s t r u t u r a ç ã o dos modos de v i d a tradicional e o saber correspondente pode acabar
" E x i s t e m dois m o d o s diferentes do pensamento científico,
desaparecendo com fim dos "antigos", pela sua morte ou migração.
'•ím e outro, funções, n ã o certamente estágios desiguais do de-
Por outro lado, essas práticas cognitivas e técnicas p o d e m se tornai
senvolvimento do espírito humano, mas dois níveis estratégicos
inadequadas q u a n d o s u r g e m graves perturbações ecológicas, cort
^'in que a natureza se deixa abordar p e l o conhecimento científico
a l t e r a ç õ e s d e s a l i n i d a d e d a á g u a , assoreamento de estuários
~~ u m a p r o x i m a d a m e n t e a j u s t a d o ao d a p e r c e p ç ã o e d a
desaparecimento de espécies causado por i n t e r v e n ç õ e s humanai
• P a g i n a ç ã o , e outro deslocado; como s e as relações necessárias,
desastradas.
objeto d e toda
N o fundo, subjacente a essa discussão está a questão d o contrc le d o poder sobre o conhecimento científico e c o m o este reforça a estruturas do poder. Reconhecer a i m p o r t â n c i a do saber tradici<3
encia, neolítica o u moderna, p u d e s s e m ser
atingidas por dois caminhos diferentes; u m muito p r ó x i m o d a ""•^iiição sensível e outro mais d i s t a n c i a d o " (p. 30).
o
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
1
A análise, ainda que preliminar do saber e das tecnologia patrim o n i a l e m b u t i d a s n o " p e s q u e i r o " revela que sua descoberta n ã o se d e v e ao mero acaso, mas à longa o b s e r v a ç ã o de f e n ó m e n o s naturais, do comportamento dos peixes. T a m b é m se d e v e à experim e n t a ç ã o d e tipos de madeira que melhor s e r v e m d e substrato
S
para a c o n s t r u ç ã o desses recifes artificiais, enquanto habitats c r i ados pelo h o m e m .
O
M o d o d c V i d a e as
T"ccnologías (Caiçaras
O
Mopo DE VIDA existente nas praias de Parati é, e m termos gerais, específico às p o p u l a ç õ e s caiçaras que habitam o lito-
ral cie São Paulo e R i o de Janeiro. Estas p o p u l a ç õ e s , e m seu m o d o de vida, se distinguem das " c a i p i r a s " , de " s e r r a - a c i m a " (planal1"), por basearem s u a subsistência n u m complexo c a l e n d á r i o de «"tividades s o c i o e c o n ó m i c a s e culturais ligadas à Mata Atlântica e ^o litoral. A d e m a i s , por serem resultado da m i s c i g e n a ç ã o de ín*^*"s, portugueses, e e m menor quantidade, de negros, h e r d a r a m *^<*nhecimentos e técnicas e desenvolveram u m a série de tecnologias P'^tiimoniais. C o m o foi dito anteriormente, durante o p e r í o d o ^*-*'onial, baseado na monocultura com trabalho escravo, essas ^^"ininidades h u m a n a s , frequentemente isoladas geograficamen'^^ praias, v e n d i a m seu excedente nas cidades o u nas p r ó p r i a s '^^^*^s e engenhos. C o m a d e c a d ê n c i a d a economia colonial.
o
O
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
M O D O DE V I D A E AS T E C N O L O G I A S
essas c o m u n i d a d e s tiveram s u a p o p u l a ç ã o a u m e n t a d a pelos es-
atividades e c o n ó m i c a s de pequena escala, c o m o agricultura e
cravos alforriados e posteriormente libertados, como ocorreu e m
pesca, coleta e artesanato. Economicamente, portanto, essas
Parati.
c o m u n i d a d e s se baseiam no uso de recursos naturais r e n o v á -
E s s a ligação entre a utilização d o mar e d a mata, seguindo os
veis. U m a característica importante desse m o d o de p r o d u ç ã o
ciclos naturais dos quais os caiçaras tinham e a i n d a têm u m gran-
mercantil (petty mode of production)
de conhecimento, constitui-se, portanto, n u m elemento central
produtores t ê m dos recursos naturais, seus ciclos biológicos,
dessa cultura (Diegues, 1988). O u como afirma Mussolini:
é o conhecimento que os
hábitos alimentares, etc. E s s e " k n o w - h o w " tradicional, passado de g e r a ç ã o e m geração, é u m instrumento importante para
" C o n h e c e o h o m e m muito bem as propriedades das p l a n -
a c o n s e r v a ç ã o . C o m o essas p o p u l a ç õ e s e m geral n ã o t ê m o u -
tas ao seu redor, bem como os f e n ó m e n o s presos ã terra e ao
tra fonte d e renda, o uso sustentado d e recursos naturais é d e
m a r e que os norteia no sistema de v i d a anfíbia que leva, d i v i -
fundamental importância. Seus p a d r õ e s d e c o n s u m o , baixa
d i n d o suas atividades entre a pesca e a agricultura d e peque-
densidade populacional e limitado desenvolvimento tecnoló-
no vulto, com poucos excedentes para troca ou para v e n d a ; os
gico fazem c o m que sua interferência no meio ambiente seja
ventos, os " m o v i m e n t o s " das á g u a s , os hábitos dos peixes, seu
pequena. O u t r a s c a r a c t e r í s t i c a s importantes d e m u i t a s so-
p e r i o d i s m o , a é p o c a e a lua adequada para p o r abaixo u m a
ciedades tradicionais são: a c o m b i n a ç ã o de v á r i a s atividades
á r v o r e o u l a n ç a r à terra u m a semente o u u'a m u d a o u colher o
económicas (dentro de u m complexo calendário), a reutilização dos dejetos e o relativamente baixo nível d e p o l u i ç ã o . O uso
que p l a n t o u " (1980a:225).
cauteloso dos recursos naturais é parte integrante de s u a cultura, u m a ideia expressa no Brasil pela palavra "respeito" que se POPULAÇÕES TRADICIONAIS CAIÇARAS
aplica n ã o somente à natureza como t a m b é m aos outros m e m -
9
bros da c o m u n i d a d e " (p.l42). N a perspectiva deste trabalho, os moradores do Saco d e M a m a n g u á se i n c l u e m no conceito (por vezes a m b í g u o ) d e culturas ou
A S culturas e sociedades tradicionais se caracterizam pela:
sociedades tradicionais.
d e p e n d ê n c i a d a natureza, dos ciclos naturais e d o s recursos naturais r e n o v á v e i s a partir do qual se constrói u m " m o d o d e vida";
Dentro dessa visão, "culturas tradicionais" ( n u m certo sentido todas as culturas s ã o tradicionais) s ã o p a d r õ e s d e compor- ^ tamento transmitidos socialmente, modelos mentais u s a d o s p a i ^ ^ l H
significadoíM socialmente compartilhados, além de seus produtos materiaisÉM perceber, relatar e interpretar o m u n d o , símbolos e
próprios do modo de p r o d u ç ã o mercantil. Segundo D i e g u e ^ H
conhecimento aprofundado d a natureza e de seus ciclos que se reflete na e l a b o r a ç ã o d e estratégias d e uso e d e manejo dos recursos naturais. E s s e conhecimento é transferido de g e r a ç ã o •^'11 g e r a ç ã o por v i a oral;
H
'"loção d e " t e r r i t ó r i o " ou e s p a ç o onde o grupo social se reproduz e c o n ó m i c a e socialmente;
" C o m u n i d a d e s tradicionais estão relacionadas com u m tip^^B
•iioradia e o c u p a ç ã o desse "território" por várias g e r a ç õ e s , ainque alguns membros i n d i v i d u a i s possam ter se deslocado para os centros urbanos e voltado para a terra d e seus anteP«issados;
(1992c):
de o r g a n i z a ç ã o e c o n ó m i c a e social c o m pouca o u n e n h u i n ^ H a c u m u l a ç ã o d e capital, n ã o u s a n d o força d e trabalho assalaí^H riado. N e l a produtores independentes estão e n v o l v i d o s e m W
o
O M O D O D E V I D A E AS T E C N O L O G I A S
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
e)
i m p o r t â n c i a d a s atividades d e subsistência, a i n d a q u e a pro-
populações. E s s e "auto-reconhecimento"
d u ç ã o d e " m e r c a d o r i a s " possa estar mais o u menos d e s e n v o l -
dias de hoje, u m a identidade construída ou r e c o n s t r u í d a , como
v i d a , o que implica u m a relação com o mercado;
|
resultado, e m parte, de processos de contatos c a d a v e z m a i s
J
conflituosos c o m a sociedade urbano-industrial, e c o m o s "neo-
fl
r e d u z i d a a c u m u l a ç ã o de capital;
g)
i m p o r t â n c i a d a d a à u n i d a d e familiar, d o m é s t i c a o u c o m u n a l m
niitos" c r i a d o s p o r esta. Parece p a r a d o x a l , m a s o " n e o - m i t o ambientalista o u conservacionista" explícitos na n o ç ã o d e á r e a s
às r e l a ç õ e s d e parentesco o u c o m p a d r i o para o e x e r c í c i o d a j atividades e c o n ó m i c a s , sociais e culturais; //)
naturais protegidas sem p o p u l a ç ã o tem contribuído para o forta-
J
lecimento dessa identidade sociocultural e m p o p u l a ç õ e s como os
i m p o r t â n c i a das simbologias, mitos e rituais associados á ca J à pesca e atividades extrativistas;
quilombeiros d o Trombetas, os c a i ç a r a s d o litoral paulista, etc.
.>fl
Para esse processo tem contribuído a o r g a n i z a ç ã o d e m o v i m e n -
/•) a tecnologia utilizada é relativamente s i m p l e s , d e i m p a c t o H
tos sociais, apoiados por entidades n ã o - g o v e r n a m e n t a i s , influen-
mitado sobre meio ambiente. H á u m a r e d u z i d a d i v i s ã o t é c i B
ciadas pela ecologia social, por cientistas sociais, etc.
ca e social d o trabalho, sobressaindo o artesanal, cujo p r o d B
Essas características, mencionadas anteriormente, n ã o d e v e m
tor (e s u a família) d o m i n a o processo d e trabalho a t é o p r o d f l to final; j)
é frequentemente, nos
ser tomadas d e forma isolada, m a s constituem u m a totalidade
^
que pode ser traduzida por " m o d o d e v i d a " , n o sentido que lhe
fraco poder político, q u e e m geral reside com os grupos de
atribui A n t ô n i o C â n d i d o , e m Parceiros do Rio Bonito (1964). Nesse
poder dos centros urbanos;
trabalho. C â n d i d o descreve e analisa a "cultura c a i p i r a " como
k) auto-identificação o u identificação pelos outros de se perten-
modo de v i d a p r ó p r i o das p o p u l a ç õ e s interioranas do Estado d e
cer a u m a cultura distinta das outras.
São Paulo, formada pela contribuição d o s colonizadores portu-
U m d o s critérios m a i s importantes para a definição d e "cultu-
gueses, e m s e u cruzamento c o m o elemento indígena, e margi-
r a s " o u " p o p u l a ç õ e s " tradicionais, além do m o d o d e v i d a , é, sem
nalmente, c o m o negro. A d e m a i s não a considera equivalente à
d ú v i d a , o "reconher-se" como pertencente àquele grupo social
cultura o u sociedade de folk, mas corresponderia melhor à deno-
particular. E s s e critério remete à questão fundamental d a " i d e n -
minação d e "civilizatiou traditionelle" d e V a r a g n a c o u d e cultura
tidade", u m dos temas centrais d a antropologia. Historicamente,
camponesa.
sobretudo no início do século, quando a antropologia europeia e norte-americana se preocupava quase que exclusivamente com
"(...) a sociedade caipira tradicional elaborou técnicas q u e
as c h a m a d a s "sociedades p r i m i t i v a s " nos territórios colonizados,
permitiram estabilizar as relações d o grupo c o m o meio (em-
a identidade d o " o u t r o " (Massai, B o r o r ó , M a n d i n g a , etc.) era fa-
bora e m nível q u e r e p u t a r í a m o s hoje p r e c á r i o ) , mediante o
cilmente determinada pelo pesquisador, sobretudo porque havia
conhecimento satisfatório d o s recursos naturais, a s u a explo-
u m a clara distinção étnica. Nesse sentido, mesmo no Brasil, o "ou-
*'*^Ção sistemática e o estabelecimento de u m a dieta c o m p a -
tro" a t é recentemente era identificado com o " í n d i o " , havendo
tível com o m í n i m o vital - tudo relacionado a u m a v i d a social
pouca p r e o c u p a ç ã o c o m outras formas d e alteridade. O surgi'
de tipo fechado, com base na economia de s u b s i s t ê n c i a " ( C â n -
mento d e outras identidades sócio-culturais, c o m o a "caiçara"/
dido, 1964:19).
fato m a i s recente, tanto a nível d e esHidos a n t r o p o l ó g i c o s quanto a nível d e auto-reconhecimento
dessas p o p u l a ç õ e s c o m o porta-
d o r a s d e u m a cultura e um m o d o d e v i d a diferenciado d e outras
C â n d i d o enfatiza a obtenção d o s meios d e subsistência e as j
'^^''s d e solidariedade existentes nos bairros caipiras, entendi-
O
o Nosso LuGAií V I R O U P A R Q U E
M O D O DE V I D A E AS T E C N O L O G I A S
do como u m agrupamento territorial, mais o u menos denso, cujos
sivo, quase e x cl u si v o e m e s m o abusivo dos recursos d o meio, cri-
limites s ã o t r a ç a d o s pela participação d o s moradores e m traba-
iindo-se, desse m o d o , u m a intimidade muito p r o n u n c i a d a entre o
lhos d e ajuda m ú t u a (p.47). A l é m disso, o m o d o d e v i d a caipira é
iiomem e s e u hábi ta t.
.t, . . v
m a r c a d o pela estreita ligação das r e p r e s e n t a ç õ e s simbólicas e religiosas c o m a v i d a agrícola, a c a ç a , a pesca e a coleta.
" C o n h e c e o h o m e m muito bem as propriedades das p l a n tas ao seu redor — para remédios, para co nst r uçõ es, para cano-
" M a g i a , medicina simpática, i n v o c a ç ã o d i v i n a , e x p l o r a ç ã o da fauna e d a flora, conhecimentos agrícolas fundem-se n u
as, para jangadas — b e m como os f e n ó m e n o s naturais presos à terra e ao m a r e que o norteia no sistema d e v i d a anfíbia que
sistema que abrange, na m e s m a continuidade, o c a m p o e
leva, d i v i d i n d o suas atividades entre a pesca e a agricultura
mata, a semente, o ar, o bicho, a á g u a e o p r ó p r i o c é u . D o b r a d
de pequeno vulto, c o m poucos excedentes para troca o u para
sobre s i m e s m o pela economia d e subsistência, encerrado no
\'cnda: os ventos, os movimentos das á g u a s , os hábitos dos pei-
quadr o dos agrupamentos vicinais, o h o m e m aparece ele p r ó -
xes, seu periodismo, a época e a u'a adequadas para p ó r abaixo
prio c o m o segmento d e u m vasto meio, ao m e s m o tempo na-
uma á r v o r e o u lançar à terra u m a semente o u u ' a m u d a o u
tural, social e sobrenatural" ( C â n d i d o , 1964:138).
colher o que p l a n t o u " (Mussolini, 1980: 226).
A respeito d o ajuste ecológico entre a cultura caipira e o me:' natural. C â n d i d o afirma que o equilíbrio e c o l ó g i c o se estabel
Essas últimas a f i r m a ç õ e s nos remetem à q u e s t ã o das sociedaí tradicionais e da sustentabilidade. É importante recordar que
e m f u n ç ã o das c o n d i ç õ e s primitivas do meio: terra v i r g e m , ab
o Inodo de p r o d u ç ã o que caracteriza essas formas sociais de produ-
d â n c i a de c a ç a , pesca e coleta, fraca densidade d e m o g r á f i c a , li
^•ão é o da pequena p r o d u ç ã o mercantil; isto é, ainda que p r o d u z a m
tando a c o n c o r r ê n c i a vital. Q u a n d o apesar disso o meio n a
mercadoria para a v e n d a , s ã o sociedades que garantem sua sub-
se exauria, o caipira procurava outro local para s u a agricultur
sistência a t r a v é s d a p e q u ena a g r i c u l t u r a , p e q u e n a p e s c a , ex-
de subsistência.
ti-itivismo. São formas de p r o d u ç ã o e m que o trabalho assalariado
Q u e i r o z (1973) t a m b é m , e m seus vá ri o s trabalhos, pesquiso
('casional e n ã o é u m a relação determinante, prevalecendo o tra-
essa p o p u l a ç ã o tradicional composta de sitiantes, caipiras e
t^'ilho a u t ó n o m o o u familiar. E a pequena p r o d u ç ã o mercantil,
caras, definindo-a como lavradores cuja p r o d u ç ã o é orientada pa
como bem lembrou Barel (1974), é u m a d a s formas sociais que
a subsistência; s ã o e m larga escala auto-suficientes e independen-
^'m uma história muito mais longa que aquelas dominantes, como
tes e m r e l a ç ã o à economia urbana; seus estabelecimentos s ã o de
Íl^lt^nidal e a capitalista. A pequena p r o d u ç ã o mercantil nunca foi
tipo familiar, concentrando os chefes de família a iniciativa doS
^'Pc'udente, p o r é m sempre existiu articulada a outras formas
trabalhos efetuados na u n i d a d e d e p r o d u ç ã o , trabalhos que não
J>minantes como a escravocrata, a feudal e a capitalista. A o r d e m
se d i s t i n g u e m , m a s que se confundem com todas as atividades da
^^wivocrata e a feudal desapareceram, mas a pequena p r o d u ç ã o
v i d a cotidiana. O g é n e r o d e v i d a do c a m p o n ê s se forma e m fu"^
^^^rcantil continua existindo e mesmo na sociedade capitalista,
ç ã o d a cidade, c o m a qual aparece e m equilíbrio d e complemen-
Pnrui'^!"^."^""^^"^"^ históricos e e m certas regiões, ela floresce,
taridade, d e tal o r d e m que a cidade necessita muito mais dele ào
do e ^ ^'^^"'^ ^'"Irar em crise (o que sucede, por exemplo, nos bolsões
que ele dela. (p.35)
EsT^i"^*'^ subsistência, e m certas regiões mais isoladas), deve ""^'^ p e r m a n ê n c i a histórica desse m o d o d e p r o d u ç ã o se ' o seu sistema de p r o d u ç ã o e r e p r o d u ç ã o ecológica e social.
D e s c r e v e n d o as culturas litorâneas, M u s s o l i n i (1980) afif'^^ que o m o d o d e v i d a c a i ç a r a resultou n u m aproveitamento intt^^^
O
o Nosso L U G A R V I R O U P A R Q U E
M O D O DE V I D A E AS T E C N O L O G I A S
São sociedades mais hiomogêneas e igualitárias que as capitalis
rança indígena. E x t r a í d a da raiz da m a n d i o c a b r a v a o u " r a m a "
c o m pequena capacidade de a c u m u l a ç ã o de capital, o que dificu
[Wnnihot utilisshm),
da qual os moradores extraem o á c i d o c i a m -
ta a e m e r g ê n c i a de classes sociais'. A s relações sociais c o m o
drico (origem d a toxidade) a t r a v é s da " p r e n s a " de m a d e i r a , onde
compadrio funcionam como verdadeiras relações de p r o d u ç ã o ,
colocam os tapitis (cestos de timbopeva) cheios da m a s s a de m a n -
m o afirma G o d e l i e r (1984), na medida e m que p o d e m determi
dioca ralada.
a forma social de acesso aos recursos, colaboram na organiza
A totalidade dos moradores de M a m a n g u á tem sua casa de
dos processos de trabalho e, finalmente, m a r c a m a distribuição
farinha o u u t i l i z a m a da família extensa. N o " a v i a m e n t o " está
trabalho i n d i v i d u a l o u coletivo. A s relações de c o m p a d r i o ,
também o forno de barro, c o m o tacho de cobre, a parte de maior
m u i t a s dessas sociedades, facilitam o acesso a zonas de p r o d u
valor, onde é torrada a farinha, n u m processo lento e d e m o r a d o ,
(pesca, por exemplo) que de outra forma seria interditado. C o
(indc a f u m a ç a densa chega a prejudicar a vista. Este trabalho,
tuem-se t a m b é m na base da solidariedade grupai, juntamente
lunt.imente c o m o ralar da " r a m a " , é de responsabilidade p r i m o r -
outras formas de c o o p e r a ç ã o , como o m u t i r ã o . A l é m disso, a
,iial das m u l h e r e s .
nologia u t i l i z a d a tem impactos e c o l ó g i c o s r e d u z i d o s sobre
Além da fabricação da farinha, t a m b é m soca-se a m e n d o i m no
ecossistemas que utilizam, permitindo a renovabilidade dos es
piiào e, por vezes, os g r ã o s de café colhidos localmente. Moe-se a
ques e a sustentabilidade dos processos ecológicos f u n d a m e n t - "
t ,ina em pequenas moendas de madeira para fazer a garapa. A ca-
N a maioria das vezes, sobretudo e m regiões tropicais, essas
liiaça n ã o é mais feita em M a m a n g u á , mas encontra-se ainda mora-
dades tradicionais apresentam u m a fraca densidade populaci
lUtr que leva a cana para ser moída fora e ser transformada e m aguar-
A s festas, as lendas, e a simbologia mítica, a l é m da relig'
^ lente, ficando ele c o m u m terço da quantidade p r o d u z i d a .
a f i r m a m a c o e s ã o social, mas de forma a l g u m a f a z e m d e s a p a cer os conflitos, c o m o parecem fazer crer os que c o n s i d e r a m sociedades como totalmente igualitárias.
A TixNOLOGiA
PATRIMONIAL
NA
PESCA
À m e d i d a e m que os processos fundamentais d e p r o d u ç ã o r e p r o d u ç ã o e c o l ó g i c a , social, e c o n ó m i c a e c u l t u r a l funciona
As redes de uso local t a m b é m trazem a influência d o s índios que
pode-se afirmar que s ã o sociedades sustentáveis. E s s a sustenta-
'i^.n a m redes de ticum para emalhar o peixe, e o m o d o de c e r c á -
bilidade, no entanto, está associada a u m baixo nível d c desen-
tendo-se depois n ' á g u a para assustá-lo e para que fique apri-
v o l v i m e n t o das forças produtivas, a u m respeito pela conserva-
sionado nas m a l h a s . A s redes de emalhar tiveram t a m b é m a i n -
ç ã o dos recursos naturais.
"^'i-'ncia portuguesa, principalmente o tresmallw, o e q u i p a m e n t o 's u lilizado pelos caiçaras de M a m a n g u á para a pesca do parati. ^^'^mnlho atualmente usado já n ã o tem os três p a n o s de rede, de
FABRICAÇÃO
DA
FARINHA
A f a r i n h a d e m a n d i o c a , juntamente c o m o peixe, e a l g u m a s vez e s a c a r n e de c a ç a é o alimento b á s i c o do c a i ç a r a . O processo de
IJ^-i llias de tamanho diferenciado, u s a d a pelos portugueses. C o m o ^ screve M u s s o l i n i , essa rede de três panos era conhecida antigamente - pelo nome de "feiticeira", porque o peixe que nela batia "''•^'scapava:
f a b r i c a ç ã o d a f a r i n h a , b e m como os n o m e s d o s aparelhos, é htí' ^ que se conhece hoje como tresmalho é u m a rede de for' Para u m a discussão sobre o tema, ver Diegues, 1983; cap.XII.
retangular e de comprimento a p r o x i m a d o d e 90 metros.
o
O
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
M O D O DE V I D A E AS T E C N O L O G I A S
O p e s c a d o r de M a m a n g u á u s o u t a m b é m , a t é recentemente,
composta de u m a única parede de malhas uniformes, de ta n h o que permita prender o peixe pela c a b e ç a . É e m p r e g a d o
a rede de " t r o l h a " (como se d i z localmente) o u " t r ó i a " , u t i l i z a d a
três maneiras diferentes: (í) deixando-se a rede e m posi
cin d u a s c a n o a s a t r a v é s d a s q u a i s os p e s c a d o r e s c e r c a v a m o
transversal à correnteza. E l a se transforma, e n t ã o , e m "rede
peixe.
e s p e r a " , c o m o se d i z no litoral, sendo visitada e m interval
A l é m do a n z o l , e m p r e g a v a m t a m b é m o e s p i n h e i , técnica de
regulares de a l g u m a s horas para a despesca; (2) N a pescari
pesca de origem portuguesa que consiste n u m aparelho formado
conliecida nas costas paulistanas como "pesca de caceio". N e s '
por u m a corda mestra e m que se p e n d u r a m os a n z ó i s , de tama-
caso, a rede é l a n ç a d a n ' á g u a da maneira a c i m a descrita, c o m
nhos diferentes, segundo o peixe a que se destina. O espinhei é
diferença, p o r é m , de que o pescador, de dentro de u m a c a n
lançado, a n z o l por a n z o l , de dentro da canoa, ficando fundeado
m a n t é m seguro na m ã o u m cabo que se prende à tralha
por meio de bóias na parte superior e de poitas, na inferior. E l e é
cortiça, de sorte que a rede v a i a c o m p a n h a n d o o m o v i m e n
\o e recolhido, quando ocorre a despesca. H o j e o espinhei é
da canoa que se desloca; (3) Finalmente, ainda se usa o tresi
usado m a i s por barcos motorizados (botes) que p e s c a m fora do
lho p a r a fazer o "cerco" e m pleno m a r " (Mussolini, 1980a: 233)
Saco de M a m a n g u á .
O tresmallw foi t a m b é m usado para a pesca da tainha, e ne
" m n n z u á s " o u covos para pescar peixes demersais. H á t a m b é m
O b s e r v o u - s e t a m b é m a existência, na casa de u m pescador, de caso, juntavam-se mais de u m a rede (o temo), pertencente freq
alguns pescadores que fazem os pesqueiros o u cercadas, onde fin-
temente cada u m a a u m pescador diferente. D u r a n t e essa
ca-se no fundo d a zona estuarina, p r ó x i m o à sua casa, galhos de
realizada nos meses frios (maio-julho), e r a m utilizadas di
ar\'t)re para "atrair peixes", especialmente o robalo, que depois
noas p a r a efetuar o cerco da tainha. D e acordo c o m a d e s c r i ç
sãt> capturados c o m anzol o u rede. Trata-se de u m a v e r s ã o s i m -
detalhada de M u s s o l i n i (1980b), caracteriza-se c o m o a pesca m
ples dos "atratores de peixes".
.
tradicional do litoral paulista e fluminense. A partilha da ç ã o se fazia entre os participantes, depois de se d e d u z i r o "ter que cabia aos d o n o s d a s redes.
As
EMBARCAÇÕES
H o j e a tainha pode ser c a p h j r a d a c o m o tresmalho simples m e s m o utilizado para a pesca do parati; sendo n e c e s s á r i o apenas
A e m b a r c a ç ã o m a i s utilizada tanto para o transporte quanto para
o trabalho de u m pescador, ajudado frequentemente por u m ou
•1 pesca é a canoa, feita de madeiras locais, como o g u a p u r u v u ,
dois filhos, ficando toda a p r o d u ç ã o para a família.
cedro, canafístula, ingá, jequitibá, canela, figueira, cobi, caixeta e
A t é a d é c a d a de 1950, o tresmalho era feito localmente com
timbuíba. Estas últimas ainda são abundantes e m M a m a n g u á , mas
fios de a l g o d ã o , o que obrigava a constantes tingimentos. Coloca-
cedro e a canafístula e s t ã o se tomando mais raros. E s s a s á r v o r e s
v a - s e a rede n u m a canoa, embebida n u m líquido de casca de
S'io retiradas e m dias de l u a fraca, a minguante, pois a " á g u a v e m
aroeira, cobi o u m a n g u e , deixando-se depois secar na praia, eit>
P*^ra as r a í z e s " e n ã o dá bicho. A l é m disso, o jequitibá e o cedro,
estruturas feitas de p a u s do mato. Posteriormente, o fio de algO' d ã o foi substituído pelo fio de náilon, que d i s p e n s a tal atividade-
' i L i i t o procurados como madeira para as canoas, depois de der' '^'tíados d e v e m permanecer longos meses no c h ã o .
A p a n a g e m d a rede é hoje, quase sempre, c o m p r a d a e m Parati e entralhada pelos pescadores locais. O alto p r e ç o d a paragem tem dificultado cada v e z m a i s sua aquisição e m M a m a n g u á .
Apmrecem os brotos e quando eles secam, está na hora dc tirar o *'0)ico do mato. Se não espera a madeira secar, dá a canoa do ar-
4
o
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
O
rependimento, porque ela racha e o camarada fica arrependido" (Seu
M O D O DE V I D A E AS T E C N O L O G I A S
t.ir" a á g u a da canoa; e a gamela, feita de caixeta, na q u a l se guar-
L e o n e l do C r u z e i r o ) .
Jci o peixe depois de "consertado" (escamado e limpo).
A s á r v o r e s usadas d e v e m ser grandes, podendo-se fazer u m a
das na r e g i ã o . A baleeira é u m a e m b a r c a ç ã o de 8 a 12 metros de
A baleeira e o bote s ã o outros tipos de e m b a r c a ç õ e s encontra-
canoa grande e u m a menor.
comprimento, s e m cobertura o u casario, feita c o m t á b u a s parcialmente superpostas e calafetadas, c o m p r a d a s e m geral fora de
" O cedro é a melhor madeira pra canoa em todo o litoral, mas tem
M a m a n g u á . Originalmente v i e r a m de Santa Catarina, onde os pes-
que ser árvore grande. Sefor pequena, a canoa entorta" (Seu Licínio,
cadores a ç o r i a n o s as c o n s t r u í a m e com elas p e s c a v a m .
Costão). 1 A retirada do tronco de dentro da mata s ó é possível c o m a a j u d a de parentes e amigos, pois a m a d e i r a pesada é retirada à mão.
O Sr. Licínio, morador da M a r g e m Continental, foi u m dos primeiros a comprar u m a baleeira motorizada, há uns 40 anos atrás, por volta de 1950, c o m o capital que a c u m u l o u depois de ter sido por três anos contramestre e m traineira. N a é p o c a , h a v i a trocado sua canoa motorizada por esse tipo de e m b a r c a ç ã o d e v i d o à ca-
A s canoas grandes p o d e m ser " b o r d a d a s " , pois nelas acrescenta-se u m a tábua lateral para agiientar os mares. N o passado, essas canoas grandes u s a v a m t a m b é m u m a vela para ajudar na n a v e g a ç ã o , mas atualmente os moradores que têm recursos colocam o motor de centro. A s técnicas de se fazer a canoa s ã o de origem indígena, a i n d a que hoje se u s e m o machado, a plaina, o e n x ó . E x i s t e m e m M a m a n g u á cerca de 6 fazedores de canoas, ainda que o m a i s conhecido seja o dono do pequeno estaleiro de C r u z e i r o , que hoje v i v e mais do concerto de e m b a r c a ç õ e s motorizadas, botes e baleeiras. T o d o s eles a p r e n d e r a m na prática, " v e n d o os outros f a z e r e m " e e m geral c o n s t r u í r a m a primeira canoa p a r a uso p r ó p r i o . "Aprendi a profissão com meu pai, homem de poucas palavras. Ensinar, ele não ensinava, mas eu ficava ajudando ele fazer as canoas, vendo o jeito que ele tinha, esticando as linhas" (Seu L e o n e l , do Cruzeiro). A l é m d a canoa, a maior parte dos petrechos s ã o feitos m a n u almente, c o m material local como: a poita, pedra a m a r r a d a com cipó, cabo o u p e d a ç o de rede que serve como â n c o r a : os cestos e balaios, feitos do cipó timpopeva, e m que se colocam os peixes depois d a pesca ( s a m b u r á s ) ; a cuia feita de c a b a ç a s , p a r a se "esgo-
pacidade de transportar u m a maior quantidade d a s m e r c a d o r i a s que ele c o m e r c i a l i z a v a . A o c o n t r á r i o d a canoa, a baleeira precisa de m a i s m a n u t e n ç ã o , calafetagem e pintura. A cada seis meses as baleeiras s ã o retiradas da á g u a para a m a n u t e n ç ã o e pintura. E s s e trabalho é feito no pequeno estaleiro do Sr. L e o n e l , no C r u z e i r o , onde t a m b é m s ã o feitos os consertos com os motores de centro, cuja p o t ê n c i a v a r i a entre 9 e 18 cavalos a vapor. E s s a s e m b a r c a ç õ e s s ã o hoje usadas para o transporte de carga (material de c o n s t r u ç ã o ) , para as c o m pras e m Parati e p a r a o "frete dos turistas". E m muitas dessas baleeiras, os p r o p r i e t á r i o s a r m a m u m a cobertura de madeira o u plástico, p a r a tornar a v i a g e m dos turistas m a i s a g r a d á v e l . Q u a n t o ao bote é c o n s t r u í d o de m a d e i r a , e m geral de tamanho pequeno, entre 7 e 12 metros, tendo u m pequeno casario na popa, onde fica o motor e a roda do leme. E s s a s e m b a r c a ç õ e s (umas quatro o u cinco) apareceram m a i s recentemente e m M a m a n g u á , sendo utilizadas para o arrasto de c a m a r ã o , dentro e fora do Saco. Na e s t a ç ã o turística, os botes t a m b é m são usados para o transporte de passageiros, geralmente a partir de P a r a t i - M i r i m .
A s práticas económicas e
A
wNiPAPE BÁSICA de trabalho é a família, n u c l e a r o u extensa.
A primeira é fundamental nas lidas agrícolas. O s filhos a j u -
l i . i m na l i m p e z a da terra, no plantio e na colheita. A m u l h e r , a l é m
do duro trabalho d o m é s t i c o , ajuda na fabricação d a farinha de m a n d i o c a , atividade feita semanal o u quinzenalmente d e p e n d e n do d o tamanho da família. N a casa de farinha, que à s vezes serve '1 mais de u m a família, ocorrem formas de c o o p e r a ç ã o inter-fami'itir. N a pesca artesanal n ã o - m o t o r i z a d a , o p a i e m geral trabalha com os filhos, e na embarcada, a tripulação se constitui de p a 'í^^ntes e amigos. A s formas de c o o p e r a ç ã o no interior da família •^'^^tonsa acontecem durante a c o n s t r u ç ã o das casas de taipa, re-
"^iptirtnnte esclarecer que, neste levantamento, foi levada em conta somente ' 'itividnde económica dos pais de família, não tendo sido computada aquela '•-'^lizada pelos filhos menores ou daqueles não casados. Como as crianças começam cedo a ajudar os pais em seus trabalhos, a mão-de-obra empregada carias atividades, sobretudo na pesca artesanal e na agricultura locais, 1 L'xceção da pesca embarcada, é maior do que aquela aqtii indicada.
As
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE
PRÁTICAS ECONÓMICAS
E SOCIAIS
tirada de á r v o r e s do mato para a c o n s t r u ç ã o de canoas, etc. E s s a
C o m o pode ser observado pela Tabela 11,37% dos pais de famí-
c o o p e r a ç ã o se constitui n u m a das bases das atividades e c o n ó m i -
lia trabalham na pesca (embarcada e artesanal). A l a v o u r a ocupa
cas locais, t a m b é m pelo fato de grande parte dos moradores per-
21% e a atividade de caseiro, 18,5% dos pais de família.
tencerem a u m pequeno n ú m e r o de famílias extensas (4 o u 5 e m Mamanguá).
Tabela
A s relações familiares s ã o fundamentais n ã o somente nas ati-
11 - Principal Atividade dos Chefes de Família
v i d a d e s e c o n ó m i c a s mas permeiam, de forma nítida, as várias esferas da v i d a social, sobretudo através do sistema de compadrio. São as ligações familiares que garantem t a m b é m o acesso ao peixe capturado por u m membro da família extensa, q u a n d o existe a " m i s t u r a " para as refeições. A n t e s , a c o o p e r a ç ã o a t r a v é s do p u t i r ã o ( m u t i r ã o ) era u m elemento f u n d a m e n t a l de c o o p e r a ç ã o entre as famílias. "Isso terminou faz uns dez anos, depois não teve mais... Putirão era um trabalha pro outro, ajuda. Fazia a roça dele num dia, outro
Económica
(Censo) ISjo.
ATIVIDADE
%
36
30,0
Pescadores Artesanais motorizados
4
3.5
Pescadores Artesanais
4
3.5
L a v r a d o r e s de Subsistência
25
21,0
Caseiros
22
18.5
Aposentados
10
8.5
Pescadores
Embarcados
não-motorizados
dia ele vinha pra mim, e num outro dia eu trabalhava pra ele. Era pra
Artesãos
9
8.0
planta, pra colher, tudo era putirão... Antigamente fazia o putirão,
Pedreiros
3
2.5
T r a n s p o r t a d o r e s d e turistas
2
2.0
Comerciantes
1
1.0
Sem i n f o r m a ç ã o
3
1.5
1 19
100,0
chegava 30 pessoas, trabalhava e à tarde fazia a festa. Aí o pessoal trabalhava com prazer, e depois se divertia" (Seu Z i z i n h o , Ponta do L e ã o ) . A pouca frequência do p u t i r ã o hoje pode ser atribuída a u m a
TOTAL
grande r e d u ç ã o da p o p u l a ç ã o , com a m i g r a ç ã o , e à i n t r o d u ç ã o do trabalho assalariado diarista o u "por e m p r e i t a d a " , antes nos bananais, e agora na propriedade dos turistas. A necessidade cres-
Para melhor c o m p r e e n s ã o dos dados relaHvos à atividade eco-
cente de ter dinheiro v i v o para comprar os produtos que já não
nómica, outros dados e tabelas serão apresentados, originados n ã o
p r o d u z e m revela a d e p e n d ê n c i a cada v e z maior do mercado e
mais c m censo, mas e m análise de amostra de 35 pais de famílias
cada v e z m e n o r das atividades de subsistência.
pesquisados.
O s moradores s ã o , e m sua grande maioria, pescadores (embar-
C o m o pode ser observado pela Tabela 12, a M a r g e m P e n i n s u -
cados, artesanais e de subsistência), lavradores, caseiros, e artesãos.
é a que apresenta a maior p r o p o r ç ã o d c pescadores que i n d i -
N o entanto, existem poucos moradores especializados e m cada
a pesca embarcada como atividade p r i n c i p a l . Estes, junta-
das atividades e c o n ó m i c a s , pois, e m s u a grande maioria,
'iiente com os mestres se concentram no povoado do C r u z e i r o . A
c o m b i n a m m a i s de u m a atividade durante o ano, sobretudo a
•^'^voura é a segunda atividade principal mais importante dessa
pequena l a v o u r a e a pesca de subsistência. N e s s e sentido, p o d e m
^ ' " í f ^ e m , o c u p a n d o 25%, seguida do artesanato que emprega 10%
ser considerados, e m grande parte, lavradores-pescadores.
^^os chefes de família.
uma
-
A s PRÁTICAS ECONÓMICAS E SOCIAIS
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE Tabela
12 - Principal Atividade
Económica
Os
PESCADORES
dos Chefes de Família por Á r e a MARGEM
TOTAL
ContinenuI
10
F do Saco
05
Peninsular TOTAL
ARTES
CASEIRO
—
CONSTR.
LAVOURA
30.0%
10%
30%
40.0%
20.0%
—
20%
20
10.0%
10.0%
—
25%
35
11.4%
17.1%
2.8%
25%
Os pescadores, que representam 37% dos chefes de família, p o dem ser d i v i d i d o s e m " e m b a r c a d o s " , "artesanais n ã o - m o t o r i z a dos" e "artesanais motorizados".
a) Pescadores í
Embarcados
Segundo o Censo, a pesca embarcada ocupa cerca de 30% dos chefes :\c f a m í l i a . A a n á l i s e d a a m o s t r a p e s q u i s a d a d e m o n s t r a os seguintes tipos de pesca embarcada:
Tabela 12 (cont.) - Principal Atividade
Económica
Tabela 13 - Pesca Embarcada - T i p o de Pesca
dos Chefes de Família por Á r e a TOTAL
MARGEM MARGEM
TOTAL
PESC.ART
PESC. EM.
SARDINHA
CAMARÃO
CAÇÃO
TURIS.
ContinenuI
10
—
10.0%
20.0%
F do Saco
05
—
20,0%
—
Peninsular
20
10.0%
45,0%
—
TOTAL
35
5.71%
31.4%
5,7%
ContinenuI
2
100,0%
—
—
Fundo d o Saco
1
100.0%
—
—
Peninsular
10
40.0%
20.0%
30.0%
TOTAL
13
60.0%
15.3%
23.0%
A pesca embarcada é realizada e m traineiras, na pesca d a sarJá n a M a r g e m Continental, as atividades ligadas ao turismo o c u p a m o maior contingente de pais de família de todo o Saco de M a m a n g u á , representadas por 30% de caseiros e 20% de trabalhadores voltados ao setor turístico. A lavoura é t a m b é m u m a ativi-
dinha (60,0% d o total), e nos barcos que c a p t u r a m c a ç ã o (23%) e c a m a r ã o (15,3%). E s s e s barcos s ã o provenientes principalmente de A n g r a dos Reis, Parati e Ubatuba (SP), onde m o r a m seus p r o Pnetários. Tabela 14 - Pesca Embarcada - Função no B a r c o
d a d e p r i n c i p a l importante, ocupando 30% dos chefes de família. A í v i v e m t a m b é m 2 dos 3 pequenos comerciantes de pescado. N o F u n d o do Saco, cerca de 40% dos pais de família declaram ter no artesanato s u a atividade p r i n c i p a l , s e g u i d a d a lavoura (20%). O u t r o s 20% d e c l a r a m ser caseiros, trabalhando principalmente no C o n d o m í n i o de Laranjeiras. O s pescadores embarc a d o s (20%) s ã o p o u c o s n o Regate, m a s m a i s n u m e r o s o s e m
"MARGEM
TOTAL
CONVÉS
MESTRE
100,0%
—
— —
10
10.0%
60.0%
30.0%
13
15.3%
61.5%
23.0%
•Continental
2
^"-^do d o Saco
1
^^ninsular
CONT-MESTRE
100,0%
Currupira.
A s PRÁTICAS ECONÓMICAS E SOCIAIS
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE
C o m o pode-se observar pela Tabela 14,61,5% dos entrevistados na amostra s ã o " h o m e n s do c o n v é s " o u " t r i p u l a n t e s " , existindo entre eles aqueles que trabalham como geladores, cozinheiros, etc. Já 23% deles s ã o mestres e 15,3% são contramestres, a t i v i d a d e s de i m p o r t â n c i a no barco de pesca. Q u a n t o ao tempo que e s t ã o embarcados, a g r a n d e m a i o r i a (92,3%) está embarcada há mais de 10 anos, e somente cerca de 7,7% entre 1 e 4 anos, o que pode revelar a crise por que p a s s a a pesca de s a r d i n h a no litoral sudeste, decorrente sobretudo da
p e r í o d o d e e s p e r a , cerca de 70% deles se d e d i c a v a m à pesca artesanal, à agricultura e ao artesanato. A grande maioria dos embarcados (69,2%) a f i r m o u preferir a pesca e m b a r c a d a às outras atividades porque permite u m a renda maior e ter acesso aos benefícios sociais. A p e s a r da a t r a ç ã o exercida pela pesca e m b a r c a d a , sobretudo entre os jovens, cerca de 30,7% dos embarcados prefeririam trabalhar por conta p r ó p r i a . C o n s t a ta-se, por outro lado, que na M a r g e m Peninsular existe u m a preferência pela pesca embarcada maior do que nas outras á r e a s .
queda grande dos estoques, o que tem levado a p e r í o d o s de defeso Tabela 16 - Pesca Embarcada - Preferência de Trabalho
cada v e z m a i s longos. Isso força os jovens do lugar a procurar outras a t i v i d a d e s e c o n ó m i c a s . Somente n a M a r g e m P e n i n s u l a r existe u m recrutamento para a pesca e m b a r c a d a , o que enfatiza a i m p o r t â n c i a d e s s a atividade n a á r e a . Tabela 15 - Pesca Embarcada - Tempo de Embarque (em A n o s ) MARGEM
TOTAL
Continental
02
Fundo do Saco
01
1-4
— —
5-9
— —
MARGEM
TOTAL
C O N T A PÓPR.
EMBARCADO 50.0%
Continental
02
50,0%
Fundo do Saco
01
100.0%
Peninsular
10
20.0%
80.0%
TOTAL
13
30.7%
69.2%
—
+ 10 100.0% 100.0%
Peninsular
10
10.0%
—
90.0%
TOTAL
13
7.6%
—
92.3%
A r e n d a dos embarcados depende da f u n ç ã o que exercem no t^arco, v a r i a n d o de acordo c o m o tipo de pesca. A " p a r t i l h a " (diviscão da p r o d u ç ã o ) n u m a traineira se processa d a seguinte form a : descontadas as despesas (gelo, óleo c o m b u s t í v e l e rancho), o í-^ono do barco fica c o m a metade das partes, sendo as restantes
"Embarquei pela primeira vez quando tinha 18 anos e foi pela necessidade de ganhar um pouquinho mais. Eu nunca tinha saído pra fora, de embarcado, mas meus primos foram me ensinando... são do Cruzeiro e sempre tinham trabalhado em traineira...
Eles
Agora,
eu não embarco todo o tempo, tenho fatnília efilho pequeno... Também no defeso eu volto pra casa e toco minha roça" (Seu Luís, pesc a d o r e m b a r c a d o do Baixio).
^íivididas entre as diversas funções: o mestre proeiro: 4 partes; o contra-mestre: 2 partes; o motorista: 2,5 partes; o cozinheiro 1,5 P
106 C e r c a de 30% dos pescadores embarcados n ã o e s t a v a m pesc a n d o no p e r í o d o da pesquisa de c a m p o (junho-dezembro), seja pela i n t e r d i ç ã o do defeso, seja por avaria nas e m b a r c a ç õ e s . N o
" O mestre tem que ter sabedoria, porque ele tem que levar o barco 0'ide acha que deve levar. Tem que ser competente pra matar muito P^'ixe, mas não deve arriscar com a tripulação, que depende dele. Uns
o
A s PRÁTICAS ECONÓMICAS E SOCIAIS
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
tetupo atrás, um deles sumiu na Ponta da Juatinga porque abusou do
"Hoje, se não tiver instrumento de navegação, não navega. Anti-
mar, arriscou muito. Bateu tempo ruim e ele não quis nem saber,
gamente, o povo conhecia o tempo pelos astros, quando olhava as
tocou pra frente. Morreu ele e os filhos" (Seu Luís, Baixio).
estrelas, o sol, e a lua. Sabia o vento que ia dar. A mocidade lioje só usa instrumento"
(Seu Z i z i n h o , Ponta do L e ã o ) .
O u t r a qualidade apreciada pela tripulação é o empenho na pescaria, a boa captura que, segundo os pescadores, depende do es-
b) Pescadores
Artesanais
tado do barco, do tipo do material de pesca, e t a m b é m d a "sorte". Segundo o C e n s o , somente 7% dos chefes de família a f i r m a r a m "Pra ser mestre-proeiro, a pessoa tem que ter vocação. Tem que
depender exclusivamente da pesca artesanal, i n c l u i n d o aí tanto
agiientar temporal lá na proa. Às vezes, fica a noite inteira sem dor-
aqueles que s ã o primordialmente de subsistência como aqueles
mir, só olhando. Dá só um cochilo, quando termina a pescaria" (Seu
que já tem baleeiras e botes motorizados. N o entanto, é importan-
Licínio, C o s t ã o ) .
te destacar que 62,.8% afirmaram praticar esse tipo de pesca como a t i v i d a d e complementar (ver Tabela 26). E s s a porcentagem é ele-
O s mestres de barco do lugar (cerca de 8) preferem escolher a
\a no F u n d o do Saco (80%) e na Continental (70%). M e s m o na
tripulação entre parentes e a m i g o s , que v i v e m sobretudo no bair-
Margem Peninsular, cerca de 55% d e p e n d e m da pesca artesanal
ro d o C r u z e i r o .
para sua subsistência, particularmente para conseguir a " m i s t u r a " , que a c o m p a n h a o prato básico, o p i r ã o (farinha de m a n d i o c a
" A gente pega só tripulante do lugar. É tudo d a família. V i a g e m d u r a u n s 5 o u 6 dias, chegando até C a b o F r i o , depois
r á g u a ) . N e s s e sentido, a pesca artesanal é, sem d ú v i d a , u m a ati\e fundamental para a sobrevivência dos moradores.
do R i o de Janeiro. T a m b é m quando o tempo está r u i m , a gente volta pro lugar onde está a família" (Seu lero, mestre de pesca
Tabela
d a Praia do C r u z e i r o ) . A totalidade dos mestres n ã o tem d o c u m e n t a ç ã o apropriada, a p r e n d e n d o a profissão na prática, embarcando com parentes ou amigos pela primeira vez. A o contrário dos pescadores artesanais,
1 7 - Pesca Artesanal - T i p o de Pesca Praticada
'•'"•^'ÍGEM
ESPERA
UNHA
Continental
14.2%
42.8%
Fundo do Saco
25.0%
MERGULHO
TARRAFA
TRESMAL
OUTROS
—
14.2%
85.7%
—
25.0%
—
25.0%
100.0%
—
os mestres hoje u s a m aparelhos, como a s o n d a para identificar a
Peninsular
—
23.0%
7.6%
—
76.9%
7.6%
p r o f u n d i d a d e , o tipo de fundo e os c a r d u m e s :
TOTAL
8.3%
29.1%
4.1%
8.3%
83.3%
4.1%
"A gente usa a sonda pra saber se tem peixe. A agulha do apare-
^ b s : Cada pescador pode realizar mais de um tipo de pesca.
lho vai queimando aquele papel e indica a profundidade do mar" (Seu lero, mestre do Cruzeiro).
^ pesca artesanal é realizada com u m a variedade de técnicas e '"^petrechos de pesca, utilizados segundo o tipo de peixe, a é p o c a ,
A d e p e n d ê n c i a dos " i n s t r u m e n t o s " de n a v e g a ç ã o é criticada pelos pescadores artesanais mais velhos, que conheceram o tem' po das canoas de voga.
^"^^ condições do mar. ^ pesca c o m tresmalho é a técnica mais utilizada, sendo prati^^^^ por 83,3% dos pescadores artesanais. C o m linha trabalham
o
A s PRÁTICAS ECONÓMICAS E SOCIAIS
Nosso L U G A R V I R O U P A R Q U E
29,1%; c o m tarrafa, 8,3% e com rede de espera 8,3% deles. A o c o n t r á r i o do passado, e m que as redes eram confeccionadas c o m fios de a l g o d ã o e tingidas com jacatirão para aumentar sua d u r a bilidade, hoje elas s ã o feitas com fios de náilon, e m geral a d q u i r i dos e m Parati, a p r e ç o elevado. E s s e s pescadores s ã o , e m sua grande totalidade, p r o p r i e t á r i o s d e seus aparelhos de pesca (91,7%,) havendo somente 8,3% que se d e f i n e m como " c a m a r a d a s " , isto é, n ã o - p r o p r i e t á r i o s de equi-j pamentos. Somente no F u n d o do Saco aparece a categoria " c a m a - j
Q u a n t o à s atividades exercidas antes d a pesca artesanal, cerca de 50% a f i r m a r a m ter trabalhado na l a v o u r a e cerca de 33,3% n ã o [inham outra atividade económica anterior à pesca. A porcentagem dos que entraram diretamente para a pesca, s e m ter praticado outras atividades é maior na M a r g e m Peninsular, revelando u m d i n a m i s m o m a i o r que nas outras á r e a s . Isso se deve, p r o v a v e l mente, à i m p o r t â n c i a da pesca embarcada que recruta os jovens diretamente d a praia.
r a d a " , n ã o p r o p r i e t á r i o dos instrumentos de captura. Tabela 20 - Pesca Artesanal - o que fazia antes de pescar Tabela
18 - Pesca Artesanal - Propriedade dos Aparelhos de Pesca D O N O APARELHOS
MARGEM Continental
CAMARADA
100.0%
Peninsular
—
91,6%
TOTAL
3
50.0%
100.0%
COMÉRCIO
LAVOURA
NADA
oumA
14,2%
42,8%
28.5%
14.2%
—
Fundo do Saco
—
75.0%
25.0%
—
—
Peninsular
—
46.1%
38.4%
7.6%
7.6%
4,1%
50.0%
33.3%
8.3%
4,1%
Continental
-
50.0%
Fundo do Saco
MARGEM
J
TOTAL
SEM RESR
8.3%
O s pescadores artesanais motorizados (4 chefes de família) que Entre os pescadores artesanais, u m a grande maioria (75,0%)
afirmaram depender da pesca, trabalham e m pequenos botes a
trabalha s o z i n h a , e u m a pequena parcela com filhos e conheci-
motor, d e d i c a n d o grande parte de seu tempo na pesca de arrasto
dos. Somente no F u n d o do Saco existem aqueles que trabalham'
cio c a m a r ã o branco dentro o u fora do Saco de M a m a n g u á . O u t r o s
c o m c o m p a n h e i r o s de fora do grupo familiar.
pe'scam com tresmalho e linha as diversas espécies que existem zona estuarina. Esses pescadores motorizados c o m e ç a r a m a
Tabela MARGEM
19 - Pesca Artesanal - c o m quem
SOZINHO
CAMARADA
PARENTES
'••'ibalhar recentemente nessa pesca. A l g u n s deles f a z e m t a m b é m
trabalha OUTWDS
''•'insporte de turistas, sobretudo no v e r ã o . O s pescadores artesanais n ã o - m o t o r i z a d o s que se d e d i c a m
SEM RESR
^'>^clusivamente à pesca s ã o poucos (4 chefes de família) empreContinental
85,7%
—
Fundo do Saco
50.0%
—
Peninsular
76.9%
—
TOTAL
75.0%
0.0%
— 15.3% 8.3%
14.2%
f^'indo canoas a remo e pequenas redes na pesca de peixes (princi-
25.0%
25.0%
íj>iimente parati) do próprio Saco de M a m a n g u á , destinando gran-
—
7.6^
^' c^-m de v e n d e r no local seu pequeno excedente). N a realidade, o
12.5%
^ "iiero desses pescadores é b e m maior, pois a maioria dos m o r a -
4.1%
(I]
sua pequena captura à subsistência de suas famílias
"^•^'^ pesca para a subsistência, sendo o pescado a maior fonte de
As PRÁTICAS ECONÓMICAS E SOCIAIS
proteína d a r e g i ã o . A l é m d i s s o , m u l h e r e s e c r i a n ç a s r e t i r a m moluscos e c r u s t á c e o s como complemento da dieta o u da renda.
—Os
Lavradores
Cerca d e 21% (ou 25 chefes de família recenseados) se declararam "lavradores", trabalhando principalmente e m r o ç a s de m a n d i o ca, da qual f a z e m a farinha, base da dieta local, no tráfico o u "aviamento". N o entanto, como ocorre com a pesca artesanal, u m a p ro p o rçã o b e m maior de moradores tem na lavoura u m a atividade complementar importante (37,1 % ) , como se pode observar pela Tabela 26. C o m o pode-se ver pela Tabela 21, a totalidade dos agricultores plantam m a n d i o c a (100%). O s outros cultivos mencionados s ã o a banana (68,1%), á r v o r e s frutíferas (40,9%). A c a n a - d e - a ç ú car, lavoura antes predominante na região só é plantada por 27,2% Tabela 21 - Lavoura - Espécies •ARGEM
TOTAL
BANANA
06
83.3%
04
Peninsular ^OTAL
Continental 'lo do Saco
Tabela 21
CANA
FEIJÃO
—
33.3%
50.0%
25.0%
—
25.0%
75,0%
12
75.0%
8,3%
25.0%
33,3%
22
68.1%
4.5%
27.2%
45,4%
'ContinenuI -
BATATA
( c o n t . ) - Lavoura - Espécies
TOTAL
T o t o O ô . T r a k í l i n o nn r o ç a
Plantadas
FRUTÍFERA
Plantadas
MANDIOCA
MILHO
06
33.3%
100.0%
33.3%
''"^^o do Saco
04
25,0%
100,0%
50,0%
^'^''^'nsular
12
50.0%
100.0%
33.3%
22
40.9%
100.0%
36.3%
M ^ L
o
A s PRÁTICAS ECONÓMICAS E SOCIAIS
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
Tabela 22 - Lavoura -
dos lavradores. Deve-se afirmar, no entanto, que n ã o se tratam de culturas separadas o u monoculturas, m a s realizadas consorciadamente, na m e s m a r o ç a . C o m o foi mencionado anteriormente, u m a v e z u s a d a a terra por três o u quatro anos, o solo é deixado e m pousio, durante a l g u n s anos, para voltar a ser plantado de novo.
MARGEM
aí derruba o mato, pois a raiz dá melhor. A madeira cortada a genU aproveita pra cozinha, assim evita comprar gás" (Seu Dito, d<
trabalha
TOTAL
SOZINHO
Continental
06
33.3%
33.3%
50.0%
Fundo do Saco
04
25.0%
—
50.0%
Peninsular
12
25.0%
75,0%
33.3%
TOTAL
22
27.2%
50.0%
40.9%
"A gente derruba o mato, planta uns três anos e depois deixa i mato prospera. Quando a gente quer plantar num terreno mais forte
com quem
Obs.:
ESPOSA
FILHOS
OUTROS
25.0%
4.5%
Cada lavrador pode ter respondido mais de uma alternativa.
Baixio). A m a i o r i a d o s lavradores (70,8) a f i r m o u ter s u a s r o ç a s distanO s moradores t a m b é m tem u m a n o ç ã o d a s u c e s s ã o de espé cies q u a n d o o solo fica fraco e a roça é abandonada. "Quando a gente abandona a quadra de terra que já foi plantada
tes da casa, exigindo longas caminhadas, ainda mais penosas quando carregam a m a n d i o c a por q u i l ó m e t r o s a t é chegar à casa d e farinha. Somente n o F u n d o do Saco a s r o ç a s s ã o feitas m a i s p r ó x i mas às casas.
por muito tempo, o vento traz as sementes de árvores pro lugar. Vem, por exemplo, a acandiúba, que é a madeira que aparece em lugar fres-
Tabela 23 - Lavoura - Distância d o Terreno da R o ç a
co. Vem também o jacatirão. Mas quando o terreno já era fraco e está muito cansado, logo vem o capim-melado, o sapé" (Seu Dito, do Baixio). D e c l a r a m trabalhar sozinhos 27,2% dos lavradores, ao passq| que a maioria deles trabalha com a mulher e as crianças. A derrubada do mato é u m a tarefa masculina, m a s as m u l h e r e s e crianças t a m b é m trabalham n o plantio, na capina e na colheita (Tabela 22)-
MARGEM
TOTAL
DISTANTE
PRÓXIMO
Continental
06
83.3%
16.6%
Fundo do Saco
04
—
100.0%
Peninsular
12
58.3%
22
70.8%
"^OTAL
25.0%
'
,^
27.2%
E s s e parece ser u m p a d r ã o de trabalho aplicável a todas as áreaS/j sem distinção. Q u a n t o à p r o p r i e d a d e o u posse d o terreno d a r o ç a , 45,5% afir"A gente planta pouca área, uma ou duas quadras (cada quadra
maram s e r e m d o n o s e 50% n ã o s ã o donos dos terrenos e m q u e
é 20m X 20m), dependendo da família. A gente é obrigado a plantar
P'^'»ntam, emprestando-os de terceiros (Tabela 24). N o F u n d o d o
sempre mais longe. Os velhos já ficam cansados com a caminhada ^
^^^^h a totalidade dos agricultores informou ter a posse de seus
com o peso da carga de mandioca pra trazer. Os novatos fora^
"Tenos, enquanto que na M a r g e m Continental e P e n i n s u l a r , a
(Seu Dito, Baixio de
^jiioria planta e m terrenos de terceiros, o u " s e m d o n o " . Isso pode
saindo do lugar e a roça está fracassando" dentro).
^'^plicado pelo fato d e a maioria dos moradores d o F u n d o d o
As PRÁTICAS ECONÓMICAS E SOCIAIS
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE
—
Saco ser a i n d a p r o p r i e t á r i a de suas terras e n ã o tê-las v e n d i d o a turistas p o r se tratar de área distante e mais infestada de m a r u i n s
Os Empregados
dos Turistas
,:
Dentre os chefes de família, 18,5% declaram-se "caseiros" (Tabela
e mosquitos.
11), atividade cada vez mais importante em M a m a n g u á . A l é m disso, há t a m b é m os que transportam turistas (2 chefes de família), de
Tabela 24 - Lavoura - Posse do T e r r e n o
forma regular, sobretudo durante o v e r ã o , férias e dias feriados. TOTAL
MARGEM
PRÓPRIO
Continental
06
33.3%
Fundo do Saco
04
100.0%
Peninsular
12
33.3%
22
TOTAL
TERCEIROS
SEM RESR
A c o n s t r u ç ã o de casas para os turistas está se tornando u m a atividade importante para algumas famílias que a f i r m a r a m ter a í
66.6%
-
—
58.3% 50.0%
45.4%
sua p r i n c i p a l fonte de renda. U m n ú m e r o cada v e z maior de jovens trabalham c o m o ajudantes de pedreiro, quando existe trabalho, s e m deixar, no entan-
8.3%
to, de ajudar s u a s famílias na roça e na pesca. A totalidade d a s casas locais, sobretudo as feitas de " t a i p a " (casas de pau-a-pique)
4.5%
são c o n s t r u í d a s pelos p r ó p r i o s moradores, utilizando materiais locais, c o m o a madeira de mangue, palmeira j u ç a r a , s a p é e barro.
A maioria (63,6%) d o s lavradores p r o d u z e m somente para o
—
c o n s u m o p r ó p r i o , e somente 4,5% cultivam exclusivamente para
Os
Artesãos
a v e n d a , ao passo que 27,2% p r o d u z e m para o c o n s u m o e a venda {Tabela 25). A p o p u l a ç ã o d o F u n d o d o Saco é a q u e m a i s planta
Entre os chefes de família, 8,0% a f i r m a m depender de atividades
somente para o c o n s u m o ao passo que n a M a r g e m Continental e
artesanais, principalmente da fabricação de miniaturas de embar-
P e n i n s u l a r cerca d e u m quarto d e moradores planta p a r a o con-
cações, remos, gamelas, feitas sobretudo de madeira de caixeta.
sumo e venda.
Como foi dito anteriormente, essas atividades artesanais se intensificam nos meses de v e r ã o , q u a n d o aumenta o afluxo de turistas
Tabela 25 - Lavoura - Destino do Produto
VENDA
CONS/ VENDA
TOTAL
CONSUMO
06
50,0%
—
33.3%
Fundo do Saco
04
75.0%
—
25,0%
Peninsular
12
MARGEM ContinenuI
TOTAL
22
66.6% 63.6%
8.3% 4.5%
25.0% 27,2%
no local e na c i d a d e de Parati onde as p e ç a s de artesanato s ã o Vendidas para os donos de loja, que as r e v e n d e m a p r e ç o b e m
R SEM RESR
"lais elevado. Além disso, u m chefe de família v i v e exclusivamente d a cons-
16.6%
trução e reparo de e m b a r c a ç õ e s , n u m pequeno estaleiro existente bairro d o C r u z e i r o . N o entanto, existem cerca d e seis chefes de
—•
'^''mília que fabricam canoas para o u s o local, n a maioria dos c a -
—
para seu p r ó p r i o uso. 4.5%
Os
Comerciantes
^ c o m é r c i o local (vendas) é realizado por 1 chefe de família ao se ajuntam dois outros, que abriram recentemente d u a s v e n -
I
A S PRÁTICAS ECONÓMICAS E SOCIAIS
o Nosso L U G A R V I R O U P A R Q U E
d a s na praia do C r u z e i r o . A m b o s , no entanto, exercem t a m b é m
dade, c o m b i n a n d o frequentemente várias delas. A s atividades se-
atividades de pesca e transporte de mercadorias. A l é m disso, exis-
c u n d á r i a s o u complementares mais citadas são: a pesca artesanal
t e m 3 c o m e r c i a n t e s de p e s c a d o que c o m p r a m a p e s c a r i a de
(62,8%), a l a v o u r a (37,1%) e o artesanato (28,5%).
pescadores locais para r e v e n d ê - l a e m Parati. E s s e s comerciantes t a m b é m exercem outras atividades. C o m o n ã o existe energia elétrica, o peixe é c o n s e r v a d o no gelo, a d q u i r i d o e m Parati. O s peixes que tem m a i o r valor de mercado e m M a m a n g u á s ã o o robalo, o badejo, a pescada, o cherne, o namorado. A s a r d i n h a , o c a ç ã o e o c a m a r ã o branco, s ã o , e m geral, comercializados pelos p r ó p r i o s d o n o s dos barcos, fora d a região.
—
Os
Aposentados
D e z chefes de família (8,5%), muitas vezes v i ú v a s , v i v e m de a
Tabela 26 - Atividades C o m p l e m e n t a r e s por C h e f e de Família MARGEM
CHEFES
ARTES.
CAÇA
COLETA
CONST
Continental
10
10.0%
—
10.0%
10,0%
Fundo do Saco
05
20.0%
20.0%
20.0%
—
Peninsular
20
40.0%
15.0%
20.0%
15.0%
TOTAL
35
26.6%
11.4%
17.1%
11,4%
sentadoria, mas praticam t a m b é m atividades de roça e pesca. Tabela 26 A
COMPLEMENTARIDADE
ATIVIDADES
DE
ECONÓMICAS
C o m o foi afirmado anteriormente, os moradores muito r a r a m e n te v i v e m de u m a s ó atividade. O s pescadores embarcados, q u a n do d e s e m b a r c a m temporariamente praticam a pesca artesanal, a lavoura e o artesanato. O s lavradores, e m sua grande maioria tamb é m praticam a pesca de subsistência e vice-versa. O s a r t e s ã o s , que trabalham sobretudo durante a e s t a ç ã o turística, v i v e m d u rante o restante do ano da pequena pesca e da agricultura. O
(cont.) - Atividades C o m p l e m e n t a r e s por C h e f e de Família
MARGEM
LAVOURA
PESCA ARTES.
PESCA EMBARC.
TURIS.
NÃO POSSUI
Continental
30.0%
70.0%
10.0%
Fundo do Saco
60.0%
80,0%
—
— —
Peninsular
35.0%
55,0%
5.0%
10,0%
15,0%
TOTAL
37.1%
62.8%
5.7%
5.7%
11.4%
10.0%
—
O b s : Cada chefe de família pode realizar mais de uma atividade complementar.
dinheiro n e c e s s á r i o para a compra de produtos c o m e s t í v e i s n ã o p r o d u z i d o s localmente e industrializados é obtido pelo trabalho de embarcado, pela venda de artigos artesanais, do pouco exceden-
Pela Tabela 27, constata-se que 74,3% a f i r m a r a m ter renda fa-
te de peixe, pela atividade de caseiro e pelo trabalho ocasional
'iiiliar superior ao salário m í n i m o ; 5,7% estão abaixo do salário
(diaristas) para os turistas e pela pequena renda dos aposenta-
'iiínimo e 20% a f i r m a r a m que s u a renda familiar varia, ficando
dos. Para a c o m p r a de e m b a r c a ç õ e s , usa-se o dinheiro consegui-
"^•a a c i m a , ora abaixo do salário m í n i m o , d e p e n d e n d o do m ê s .
do c o m a v e n d a de parte d a terra (posse).
^'o F u n d o do Saco existe u m a p r o p o r ç ã o maior de famílias e m
C o m o pode-se observar pela Tabela 26, retirada d a amostra,
1ue a renda familiar é menor que o salário m í n i m o , revelando
cerca de 90% dos pais de família se d e d i c a m a mais de u m a ativi-
^'ma pobreza maior desses moradores.. N a medida e m que as ativi-
o
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
d a d e s e c o n ó m i c a s s ã o sazonais, é difícil calcular u m a r e n d a m é dia m e n s a l e nesse sentido a T a b e l a 27 se encontra p r e j u d i c a d a . Tabela 27 - Renda Familiar MARGEM
TOTAL
ABAIXO DO SM
ACIMA DO SM
VARIA
Continental
10
—
70.0%
30.0%
Fundo do Saco
05
40,0%
40.0%
20.
Peninsular
20
—
85,0%
I
TOTAL
35
5,7%
74.2%
20,
12a
Saco d o M.-imantíjuá, Farati ( K J ) .
7 5 ' ni t> o i s m o s [Representações e frestas
MODO
DE V I D A
das p o p u l a ç õ e s tradicionais c a i ç a r a s compor-
^ - ^ t a elementos simbólicos, a t r a v é s dos quais os h o m e n s n ã o somente agem sobre o m u n d o natural, mas também sobre as potências invisíveis que controlam a r e p r o d u ç ã o da natureza e p o d e m ou recusar u m a boa colheita, u m a pesca e c a ç a s abundantes. '•-'^SL'
sentido, a prática simbólica no processo de trabalho consti-
•^'i uma realidade social tão real quanto as a ç õ e s materiais sobre o ^^^"ndo visível. E s s a s r e p r e s e n t a ç õ e s n ã o existem apenas a t r a v é s piocesso de conhecimento, mas t a m b é m s ã o expressas n u m a ^ guogeni^ a qual representa u m a das c o n d i ç õ e s indispensáveis ' ' ''rc^ndizado das técnicas e d a sua transmissão. Godelier (1984) na que é necessário incluir a linguagem entre as forças p r o d u ^.
O simbolismo e as representações que os povos p r é - i n d u s ""^ fíízem d a natureza, constitui, segundo Lévi-Strauss, u m a
o
SIMBOLISMOS,
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
verdadeira ciência d o concreto, u m rico tesouro de conhecimentos d a b o t â n i c a , da ictiologia e da farmacologia. C o m o afirma Mircea E l i a d e (1991):
REPRESENTAÇÕES
E FESTAS
verso onde o s caracteres fundamentais d o s seres a n i m a d o s se e n contram n a s coisas i n a n i m a d a s .
^ "(...) nas mitologias antigas o u e m mitologias c o n t e m p o r â -
"O p e n s a m e n t o simbólico n ã o é u m a á r e a e x c l u s i v a
neas d e outras civilizações, os rochedos, montanhas, rios s ã o
c r i a n ç a , do poeta o u do desequilibrado; ela d consubstan
biomórficos ou antropomórficos e o universo é povoado de
ao ser h u m a n o ; precede a linguagem e a r a z ã o d i s c u r s i v a . 0 |
espíritos, g é n i o s , deuses, que estão e m todas as coisas o u por
s í m b o l o revela certos aspectos da realidade — os m a i s p r o f u i ^ H dos — que desafia qualquer outro meio de conhecimento. i m a g e n s , os s í m b o l o s e os mitos n ã o s ã o c r i a ç õ e s i r r e s p o n s ^ H v e i s da psique; elas respondem a u m a necessidade e p r e e ^ ^ l c h e m u m a f u n ç ã o : revelar as m a i s secretas m o d a l i d a d e s do s e r " (p.lO).
trás de todas as coisas. Reciprocamente, o ser h u m a n o pode sentir-se d a m e s m a natureza que as plantas e os a n i m a i s , ter c o m é r c i o c o m eles, metamorfosear-se neles, ser habitado o u p o s s u í d o pelas forças d a n a t u r e z a " ( M o r i n , 1986:151). N a s sociedades primitivas o u pré-industriais a u n i d a d e / d u a l i dade do h o m e m se reflete t a m b é m nas d u a s formas de a p r e e n s ã o
N e s s e sentido, a r e p r e s e n t a ç ã o do mundo selvagem, do munido
da realidade: u m a , e m p í r i c a , técnica e racional, pelo q u a l ele
natural, n ã o pode ser apreendida totalmente, se n ã o se recorrer às
a c u m u l o u u m a complexa bagagem d e saber b o t â n i c o , z o o l ó g i c o ,
r e p r e s e n t a ç õ e s , às imagens e ao pensamento mítico. D e acordo c o m M o r i n (1986), os mitos s ã o narrativas que d e s c r e v e m "(...) a origem do m u n d o , a origem do h o m e m , o s e u e s t a ^ tuto e a s u a sorte na natureza, as suas relações com os deuses e os espíritos. M a s os mitos n ã o falam s ó d a c o s m o g ê n e s e , não f a l a m s ó d a p a s s a g e m d a natureza à cultura, m a s t a m b é m de t u d o o q u e concerne a identidade, o passado, o futuro, o possível, o i m p o s s í v e l , e de tudo o que suscita a interrogação, a
ecológico, tecnológico (hoje objeto de etnociência); e outra, s i m b ó lica, mitológica e m á g i c a . N o entanto, essas d u a s formas de conhecimento do h o m e m arcaico, ainda que distintas, n ã o v i v e m em dois u n i v e r s o s separados; s ã o praticadas n u m u n i v e r s o único, ainda que d u a l . D e acordo c o m Eliade, nesse u n i v e r s o d u a l o espaço e o tempo s ã o os m e s m o s e ao m e s m o tempo diferentes; o tempo do mito, o tempo passado é t a m b é m s e m p r e presente. O lt^'nipo t>riginal, mítico, retoma através das cerimónias regenerado'"'is (o mito d o eterno retorno, descrito por Mircea Eliade).
c u r i o s i d a d e , a necessidade, a a s p i r a ç ã o . T r a n s f o r m a m a histó-
Essa r e p r e s e n t a ç ã o simbólica d o cíclico, d e que tudo n o c o s m o
ria d e u m a c o m u n i d a d e , cidade, povo, tornam-na lendária, e
^'^sce, morre, renasce é forte nas sociedades p r i m i t i v a s , m a s está
m a i s geralmente, tendem a desdobrar tudo que acontece no
presente t a m b é m nas comunidades tradicionais de pequenos agri-
nosso m u n d o real e no nosso m u n d o i m a g i n á r i o para os lig^^
cultores itinerantes, de pescadores e coletores que ainda v i v e m
e os projetar juntos no m u n d o m i t o l ó g i c o " (p.l50).
í^abor d o s ciclos naturais e n u m complexo c a l e n d á r i o agrícola pesqueiro. H á o tempo para fazer a coivara, p r e p a r a r a terra,
O m u n d o natural d i s p õ e d e caracteres a n t r o p o m ó r f i c o s e o h o m e m d i s p õ e de caracteres c o s m o m ó r f i c o s . E s s e aspecto é funda
^cMTiear, capinar e colher, como t a m b é m há o tempo de esperar as i^' Pccies de peixes m i g r a t ó r i o s , como a tainha. U m a v e z termina-
mental para se entenderem as r e p r e s e n t a ç õ e s que as s o c i e d a d ^
esse ciclo, ele r e c o m e ç a r á no p e r í o d o seguinte. E m muitas des-
c h a m a d a s primitivas, pré-capitalistas ou pré-industriais fazem ^
^s Comunidades, essas atividades s ã o c o m a n d a d a s por sinais,
m u n d o . O universo mitológico, para M o r i n , parece como u m
o aparecimento de u m a l u a determinada, d a c h u v a , etc. Esses
•
o
SIMBOLISMOS, REPRESENTAÇÕES E FESTAS
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
" t e m p o s " s ã o muitas vezes celebrados por festividades que mar-
São c o m u n s as lendas relativas aos tesouros escondidos nas
c a m o imcio o u o fim de u m a determinada safra (a colheita, por
ruínas dos engenhos, as a s s o m b r a ç õ e s e almas dos escravos que m u r m u r a m e gritam, à noite, na Ilha da C o t i a , e m frente a M a -
exemplo). C o m o afirma Mircea E l i a d e (1991):
m a n g u á , onde a i n d a existem as argolas e m que e r a m presos os " O ano, o u o que compreendemos por esse termo, e q u i v a l e
cativos, q u a n d o castigados. Conta-se t a m b é m que os escravos
à c r i a ç ã o , à d u r a ç ã o e à d e s t r u i ç ã o do m u n d o , ainda que tenha
\elhos, q u a n d o i a m morrer, e r a m levados para certas ilhas o n d e a i n d a hoje aparecem as almas dos mortos. H á t a m b é m relatos de
sido r e f o r ç a d a pelo e s p e t á c u l o da morte e da r e s s u r r e i ç ã o pe-
barulho de machadadas no mangue que se o u v e m de vez e m quan-
riódicas d a v e g e t a ç ã o n ã o seca, por isso, u m a c r i a ç ã o das soci-
d o , e que é atribuído a almas de escravos.
edades agrícolas. E l a se encontrava nos mitos das sociedades
O i m a g i n á r i o relativo ao tempo dos escravos está m a r c a d o
p r é - a g r í c o l a s e é muito provavelmente u m a c o n c e p ç ã o da estrutura lunar. A lua mede as mais sensíveis periodicidades e
pelas narrativas de f u n d a ç ã o de alguns núcleos de moradores por
foram termos relativos à lua que primeiro s e r v i r a m para ex-
ex-escravos, como é o caso Praia do C r u z e i r o e de C u r u p i r a . N o tempo das fazendas escravocratas, o m a r era mais consi-
pressar a m e d i d a do tempo. O s ritmos lunares s e m p r e marc a m u m a " c r i a ç ã o " (a lua nova) seguida de u m crescimento
derado c o m o u m e s p a ç o de transporte de mercadorias do que
(lua cheia) e de u m a morte (as três noites s e m l u a ) " (p.69).
c o m o lugar de p r o d u ç ã o . Daí a i m p o r t â n c i a das trilhas, dos carros de boi.
E m M a m a n g u á , os moradores representam simbolicamente m a r e a terra. N e s s a s r e p r e s e n t a ç õ e s simbólicas a p a r e c e m ta:
C^s V Á R I O S
MARES
b é m v á r i a s " c a m a d a s " de r e p r e s e n t a ç õ e s que s i m b o l i z a m o tempo do passado, o p e r í o d o heróico das canoas de voga e os e s p a ç o s
I'nra os moradores de M a m a n g u á existem v á r i o s mares, cada u m
atuais d e v i d a .
c o m seus simbolismos e r e p r e s e n t a ç õ e s .
A
TERRA
—
DOS ESCRAVOS
C o m o foi visto anteriormente, as atividades e c o n ó m i c a s e o modo de v i d a e m M a m a n g u á estiveram, no passado, muito mais lij dos à terra que ao mar. N o p e r í o d o colonial, as grandes fazem que u t i l i z a v a m o trabalho escravo o r g a n i z a v a m n ã o somente atividades e c o n ó m i c a s , mas t a m b é m as sociais e culturais. O imaginário local representa o tempo da s e r v i d ã o como o d a violência e d a d u r e z a do trabalho escravo. Sobressaem nas narrativas as
O Mar-de-Dentro:
o
Estuário
''ara os moradores que exercem atividades a g r í c o l a s , o M a r - d e l^entro está ligado às atividades agrícolas, e isso se revela n a s '••-'presentações simbólicas sobre a terra e o mar. Para esses morado'
por exemplo, os entes sobrenaturais s ã o sobretudo os de ter-
I
a, como ocorre c o m a lenda do c u r u p i r a , que p r o v a v e l m e n t e d e u "••gem a u m a praia do mesmo nome. E s s e ente fantástico já h a v i a
^ido mencionado por J o s é de Anchieta ( C â m a r a C a s c u d o , 1976):
figuras cruéis dos p a d r e s - c o r o n é i s , padre M a n o e l A l v e s , dono da Fazenda Santa M a r i a e Francisco Antonio, dono da Fazenda Parati-
" É coisa sabida e pela boca de todos corre que há certos
M i r i m . S e g u n d o as narrativas, o padre M a n o e l A l v e s fazia amar-
d e m ó n i o s e que os brasis c h a m a m de c u r u p i r a , que acometem
rar os escravos fugitivos no mangue para que fossem devorados pelos m a r u i n s .
índios muitas vezes no mato, dão-lhes açoites, m a c h u c a m uos e matam-nos. São testemunhas disto os nossos i r m ã o s , que
o
SiMBOLisMos, R E P R E S E N T A Ç Õ E S E F E S T A S
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
v i r a m a l g u m a s vezes os mortos por eles. P o r isso, c o s t u m a m
tam sair c o m s u a s canoas. A própria r e p r e s e n t a ç ã o d e " p r a i a " ,
os índios deixar e m certo caminho, que por á s p e r a s brenhas
enquanto lugar de moradia é mais terrestre q u e m a r í t i m a . Pode-
v a i ter ao interior das terras, no cume d a mais alta m o n t a n h a ,
se afirmar q u e a maioria dos moradores se sente mais a vontade
q u a n d o p o r cá p a s s a m , penas de ave, abanadores, flechas e
na r o ç a , n a casa de farinha, n a c a ç a que no mar. E x i s t e m t a m b é m
outras coisas semelhantes, como u m a espécie de o b l a ç ã o , ro-
" l u g a r e s " melhores o u piores para se viver. O lugar o u praia é
g a n d o fervorosamente aos curupiras que n ã o lhes f a ç a m m a l "
considerado b o m quando tem u m acesso fácil ao mar, á g u a doce
(p.332).
para beber e sobretudo quando n ã o é infestado de m o s q u i t o - p ó l vora o u pernilongo, que infernizam a v i d a das pessoas durante
Por outro lado, existem as r e p r e s e n t a ç õ e s relativas ao M a r - d e -
"as l u a s " (cheia e n o v a ) . Acredita-se q u e o m o s q u i t o - p ó l v o r a
Dentro, mais p r ó x i m o , o que está e m frente de casa, mais protegi-
( m a r u i m ) v e m d o mangue, por levas, durante as m a r é s - c h e i a s ,
d o d o s ventos, a partir d a " b a r r a " , e sobretudo a partir d a Ilha
sobretudo à noite e ao amanhecer. Por isso, u m b o m lugar para se
G r a n d e e m d i r e ç ã o ao F u n d o d o Saco. A s d u a s ilhas, a G r a n d e e a
viver é s e m p r e longe d o m a n g u e do F u n d o do Saco e u l t i m a m e n -
Pequena, aliás, fazem parte deste mar-de-dentro e hoje s ã o desa-
te a l g u m a s famílias tem saído dessas áreas, s e g u n d o d i z e m , pela
bitadas. N o passado, tinham u m morador cada u m a , sendo o mais
infestação d o m a r u i m .
lembrado u m a hippie que veio d o R i o de Janeiro e v i v e u ali sozinha mais de u m ano, apesar da falta de á g u a .
O lugar b o m para se morar é t a m b é m aquele e m que v i v e a " i r m a n d a d e " , seja a familiar seja a religiosa, principalmente a d o s
O mar, enquanto meio e objeto de trabalho e subsistência apareceu depois d o tempo das fazendas de escravo, q u a n d o a pesca
"crentes", pois ali está t a m b é m a igreja que congrega os " i r m ã o s " i^os fins de s e m a n a .
p a s s o u a desempenhar u m papel importante como gerador de
O M a r - d e - D e n t r o n ã o é somente u m lugar físico. É t a m b é m
renda e aporte de alimento para os moradores, alguns ex-escra-
um e s p a ç o c r i a d o c u l t u r a l m e n t e , sobretudo a t r a v é s d a s p r á t i -
vos. A p e s a r de hoje grande parte dos moradores c o m b i n a r e m
cas p e s q u e i r a s de s u b s i s t ê n c i a . M e s m o essas a t i v i d a d e s eco-
atividades agrícolas, artesanais, extrativistas e pesqueiras para ga-
n ó m i c a s s ã o m a r c a d a s pelas p r á t i c a s sociais e s i m b ó l i c a s . E s s e
rantir s u a subsistência e renda, muitos deles, durante a pesquisa,
mar é u m e s p a ç o h u m a n i z a d o , onde os peixes t ê m v i d a à s e m e -
se d e f l n i r a m como " l a v r a d o r e s " . Isso se explica na m e d i d a e m
lhança d o h o m e m . O parati, p o r e x e m p l o , é c l a s s i f i c a d o c o m o
que a roça exige u m empenho mais sistemático que se inicia com
peixe " d e carne forte", n ã o a c o n s e l h á v e l p a r a m u l h e r e s de " r e s -
a l i m p e z a d o terreno, a coivara, o plantio, as capinas. A pesca é
g u a r d o " . A m o r é i a é u m peixe " r e i m o s o " , p r o i b i d o p a r a as
somente u m a atividade de subsistência, que garante a " m i s t u r a "
mulheres g r á v i d a s .
que a c o m p a n h a a farinha.
,1
Para a maioria dos moradores, a p e r c e p ç ã o d o m a r se dá ||
O s peixes t ê m qualidades a n t r o p o m ó r f i c a s ; a s s i m o parati é •-'aperto, t ê m " v o n t a d e s " , pode-se deixar capturar o u n ã o .
partir d a terra. O Mar-de-Dentro é utilizado como meio de locom o ç ã o para visitar os parentes " d o outro l a d o " , u m a v e z que e
"A gente encontra o parati nos lajeados e nos baixios. Aí a gente
impossível se cruzar o m a n g u e d o F u n d o do Saco à pé. E l e é tarn'
cerca ele com a rede, batendo com o remo na canoa pra ele entrar.
b é m o e s p a ç o de trabalho dos pequenos pescadores. Q u a s e todo
Quando está bom de morrer, ele entra na rede. Quando a água está
o tempo é u m espelho d ' á g u a tranquilo, sem ondas. N o entanto,
escura, aí melhor pra ele morrer. Mas quando ele está velado, escondi-
pode ficar agitado, sobretudo quando aparece o vento s u l . D u -
dinho, não adianta que ele não quer morrer, passa pelo fundo da ca-
rante esse p e r í o d o , que pode chegar a três dias, os moradores c v i -
ma e volta" (Dito, do Baixio).
o
SIMBOLISMOS,
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
REPRESENTAÇÕES
E FESTAS
Parece h a v e r u m a c u m p l i c i d a d e entre o peixe e o pescador
O M a r G r o s s o era o m a r das canoas de v o g a do p a s s a d o que
dentro d a s r e p r e s e n t a ç õ e s do m u n d o natural dos que v i v e m no
afrontavam os mares agitados entre Mangaratiba e Santos, desde
interior do Saco. N e s s e sentido, tanto o mar como o peixe s ã o d á -
as p r i m e i r a s d é c a d a s deste século até cerca de 1950, q u a n d o foi
d i v a s de D e u s e os a n i m a i s só aparecem no " t e m p o certo", seja
v e n d i d a a última delas no lugar. Pode-se dizer que este foi o perí-
v e r ã o o u inverno. O s a n i m a i s de terra somente aparecem no " s e u
odo é p i c o d a n a v e g a ç ã o no lugar.
'
t e m p o " e deve h a v e r tempo para caçá-los e tempo para deixar que eles " p r o s p e r e m " , se r e p r o d u z a m . Por isso, há necessidade
"Antes tinha muita canoa de voga.. As maiores eram duas, tinha
de respeitá-los e, portanto, critica-se o barco de arrasto que mata
outras menores. Levavam umas quatro toneladas de mercadoria para
os filhotes c o m o destruidores da d á d i v a de D e u s . A n a t u r e z a
a Ilha Grande, Mangaratiba, Angra. Levavam uns 40 sacos de fari-
( D e u s ) é q u e m regula os ciclos, a l u a , as m a r é s , a s s i m c o m o o
nha, uns 3 barris de pinga. Era tudo a remo. Usava quatro remos
comportamento dos peixes e dos homens. D e s s e m o d o , a g a n â n -
grandes, mas quando tinha vento usava vela... aquelepanos
cia dos que q u e r e m se enriquecer, arrastando c a m a r ã o e filhotes
dos, só que não cortavam o vento, usava o vento de popa. Antigamente
de peixes, destruindo a natureza, é moralmente r e p r o v á v e l , se^:
o povo conliecia o tempo pelos astros, conhecia as marés. Eles se
g u n d o os pequenos pescadores.
guiavam, à noite, pelas estrelas. Hoje a mocidade tem os aparelhos, e
Existem t a m b é m lendas ligadas à terra, o próprio nome da praia C u r u p i r a sugere s u a existência, a s s i m como existe a lenda d a "co-
sem eles, não navegam, não navegam..."
quadra-
(Seu Z i z i n h o , Ponta do
Leão).
bra c a b e l u d a " , que causa medo aos moradores. O outro mar, e x t e n s ã o do primeiro é aquele que leva a Parati,
"A canoa de voga era grande... levava até 50 sacos defarinlia e
f o r m a d o por canais entre as v á r i a s ilhas, m a s m a i s exposto ac_
viajava com qualquer tempo. Era alta, cabia a gente em pé dentro
ventos e ao " t e m p o " . Se no passado era transposto pelas canoas
dela. Tinha até um metro e 20 de boca, de largura. Tinha 4 remos e 2
de voga, hoje nele n a v e g a m somente os barcos motorizados que
velas, o mesano e o traquele... Meu pai gostava de ir pra Angra com
transportam material e pessoas p a r a a sede do m u n i c í p i o .
uma pessoa que entendesse bem de vela, porque na hora do sufoco, tinha que jogar a vela n'água ou arriar rapidinho pro vento não virar, correndo a meio pano... Tinha canoa que pegava até 25 pessoas..."
—
O Mar
Grosso
(Seu Licínio, C o s t ã o ) .
Por fim, existe o m a r de fora, o verdadeiro, o m a r dos pescadores
O s " m e s t r e s " da canoa de voga e r a m considerados n a v e g a d o -
e m b a r c a d o s , frequentado pelas traineiras, pelos barcos de pesca
•es destemidos, que s a b i a m se guiar pelos ventos e pelas estrelas,
de c a m a r ã o e de c a ç ã o . E s s e e s p a ç o m a r í t i m o é representado de
afrontando mares perigosos e caprichosos, sujeitos a acidentes e
forma simbólica distinta do Mar-de-Dentro.
naufrágios. Estes e r a m causados pelo desrespeito às leis da natureza, q u a n d o o mestre arriscava muito. U m a dessas histórias
"A gente chama de Mar Grosso, o mar da Ponta do Mamanguá
^^^mta o n a u f r á g i o de d u a s canoas de voga, levando cada u m a
para fora. É um mar arriscado, porque as ondas são violentas. As
^^tízenas de pessoas, q u a n d o os noivos v o l t a v a m de P a r a h para a
pessoas daqui de dentro enjoam. Ele é também traiçoeiro. Aqui den-
'c'sta na Praia d o A r a ú j o , situada na baía de Parati. O n a u f r á g i o
tro não, a pessoa pode até morrer aqui, mas só se for predestinado o
'^'nninou c o m a morte dos viajantes, durante u m a tormenta. O s
dia dele morrer" (Dito, do Baixio).
' c'cém-casados teriam sido encontrados a b r a ç a d o s e mortos.
o
SIMBOLISMOS, REPRESENTAÇÕES E FESTAS
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
" O pessoal me contava de uma tormenta, no dia três de maio...
embarcada, os moradores p a s s a m a conhecer portos urbanos i m -
A época, a data, num sei quando foi, mas o padre Nilton era vivo...
portantes, c o m outros modos de v i d a , como o de Santos e R i o de
Vieram dois noivos, em duas canoas de voga com 25 pessoas em
Janeiro, onde se v e n d e a p r o d u ç ã o . E s s e é o m a r distante, o que
cada. Casaram em Parati e embarcaram para comemorar
separa o pescador da terra, de sua família.
na Praia
do Araújo. At foi quando o padre viu o tempo ameaçado e disse:
P a r a o n o v o g r u p o de "pescadores e m b a r c a d o s " , o M a r G r o s -
Filhos, vocês não vão ainda porque o tempo está ameaçado, mas o
so é antes de tudo o d o m í n i o da incerteza, da i m p r e v i s i b i l i d a d e ,
pessoal decidiu pegar o mar assim mesmo, porque tiniia festa, tinha
c a r a c t e r í s t i c a s opostas às da terra, onde, nas p r á t i c a s a g r í c o l a s ,
baile, num sei mais o quê. Quando eles saíram Pontal afora viram
existe u m a m a i o r p r e v i s ã o , d e s d e o plantio a t é a colheita. N a
aquela nuvem de poeira, aquele sarsêro de água salgada que vinha...
pesca, s o b r e t u d o na dos peixes m i g r a t ó r i o s , c o m o a t a i n h a , q u e
Quando a tormenta veio, num deu tempo, as canoas atracaram uma
aparece n o p e r í o d o frio, no e s t u á r i o , os pescadores e s p e r a m q u e
na outra e as velas engancharam uma na outra e as canoas afun-
ela a p a r e ç a e o i m a g i n á r i o local está m a r c a d o por essa e s p e r a .
daram. Morreu todo mundo, e só escapou um para contar a estória.
O "tempo" das espécies importantes está marcada
Os noivos
morreram
juntos,
abraçados..."
(Seu Licínio, do
pelo
s u r g i m e n t o d e f e n ó m e n o s c l i m á t i c o s (o frio, o vento, a cor d a
Costão).
água).
O s perigos d e n a u f r á g i o no m a r n ã o s ã o somente eventos do
onde ele se encontra, e nesse sentido a i m p o n d e r a b i l i d a d e é m u i -
N a pesca embarcada, ao contrário, é necessário ir buscar o peixe passado, mas a m e a ç a m os navegantes locais a i n d a hoje. O perigo
to maior que na pequena pesca. Essa i m p o n d e r a b i l i d a d e n ã o é
é a i n d a m a i o r no mar-de-fora, conforme o relato abaixo:
somente física o u biológica, mas t a m b é m e c o n ó m i c a e social. O preço de peixes como a s a r d i n h a varia de porto a porto e isso
" O barco eu não me lembro, mas o mestre se chamava
Marreco.
determina a renda dos pescadores.
Ele estava na pescaria do cação, aí por fora. Bateu o tempo ruim e
E s s a s n o v a s p r á t i c a s e c o n ó m i c a s e culturais ligadas à pesca
ele não quis nem saber, queria trazer a pescaria toda, quis teimar
embarcada n ã o somente l e v a m a u m maior distanciamento da
com o tempo. Morreu
ele, e a família toda que estava no barco"
(Luís, do Baixio).
terra, como c r i a r a m u m outro tipo de " p r a i a " , como a do C r u z e i l o e m que a quase totalidade dos homens se dedica à pesca e m barcada. C r i a m - s e t a m b é m novos símbolos e imagens, como a do
A p ó s o p e r í o d o das canoas a voga, o mar-de-fora c o m e ç o u a
"mestre", pessoa de prestígio, n ã o somente porque conhece e
d e s e m p e n h a r u m p a p e l central na v i d a de u m a parte importante
domina u m complexo de novos saberes, mas t a m b é m de n o v a s
dos moradores do Saco, quando s u r g i u a pesca da s a r d i n h a pelas
tecnologias: os motores, as redes mais complexas. A l é m disso, tran-
traineiras na Ilha G r a n d e , e alguns moradores c o m e ç a r a m a em-
si tam n u m m u n d o externo inatingível aos pequenos pescadores e
barcar. C o m o se v i u anteriormente, e m algumas praias, sobretu-
'avradores: a grande cidade.
do a do C r u z e i r o , a p o p u l a ç ã o , principalmente a j o v e m , p a s s o u a v i v e r do " e m b a r q u e " . I
C o m e ç o u a existir u m a outra r e p r e s e n t a ç ã o do mar, aquele
!— e s p a ç o distante onde se passa a v i v e r três e m quatro s e m a n a s do m ê s . O e s p a ç o m a r í t i m o p a s s o u a ser u m e s p a ç o de v i d a , do embate do dia a d i a , do lugar onde se ganha a v i d a . A t r a v é s da pesca
O "mestre de p e s c a " , apreciado pela tripulação, tem que ser ^•t»mpetente, isto é, encontrar o peixe e garantir u m a boa pescaria, ••^^sociada a esta qualidade existe u m a outra: a da coragem, sobretudo, no caso do "mestre proeiro", que localiza a " a r d e n t i a " , fosfí>rescência à tona d ' á g u a que revela a p r e s e n ç a dos c a r d u m e s d e ^'irdinha:
o
SIMBOLISMOS, REPRESENTAÇÕES E FESTAS
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
"A pessoa prá ser proeiro tem que ter vocação, aguenta temporal
cheia q u a n d o os barcos voltam às praias onde v i v e m o mestre e a
na proa à noite, a noite toda sem dormir. Só tira um cochilo quando
tripulação. É o período de rever os parentes e amigos, trazer dinhei-
vão puxar a rede, aí dá um cochilo" (Licínio, do
ro para casa, presentes para a família e recriar a solidariedade
os tripulantes Costão).
r o m p i d a s temporariamente. O futebol de praia e outras atividades lúdicas representam u m aspecto essencial na c o n v i v ê n c i a e
Para afrontar o mar nas tormentas e tempestades, n o entanto, o " m e s t r e " d e v e confiar e m D e u s :
no i m a g i n á r i o do embarcado. Nesse sentido, a lua cheia n ã o é somente u m f e n ó m e n o físico, mas sobretudo cultural, possibilitando p r á t i c a s sociais e culturais.
" O mestre não pode fazer nada, só pode fazer aquilo que está no
N o entanto, na v i d a de embarcado t a m b é m existe a i m a g e m
alcance dele. Tem que confiar em Deus".
do " r e t o m o à terra", à v i d a e m família, constituidora do sonho de
A l é m disso, o mestre tem que cuidar para manter u m c l i m a de
casa, u m a canoa o u baleeira para pescar como a u t ó n o m o ou trans-
c o o p e r a ç ã o à bordo, sobretudo porque a tripulação, e m geral, é
portar turistas. A l é m desta volta final desejada existem os muitos
voltar c o m dinheiro para comprar material para construir u m a
formada por parentes e amigos. E l e é obrigado a intermediar i n -
retornos, " q u a n d o existe a l g u m a p r e c i s ã o " , q u a n d o o barco entra
teresses conflitantes entre o dono do barco e a tripulação. E aqui
no estaleiro para consertos, durante os períodos de defeso o u quan-
reside u m aspecto fundamental d a o p o s i ç ã o entre terra e mar. A
do a família solicita. Durante esse tempo, há u m retorno t e m p o r á -
pesca na traineira, apesar de ser distinta da pequena pesca, re-
rio à v i d a de terra, ao plantio da " r a m a " , o u ao artesanato.
cria, de a l g u m a forma, as solidariedades e valores existentes em terra, o u a t é na pequena pesca. A p e s a r do sistema de partilha,
"Meu irmão Antonio tá pescando numa traineira, ele e o filho
assalariamento d i s f a r ç a d o , opor dono do barco e tripulação, o
dele. Mas tem também roça. Quando a pesca embarcada fracassa ele
" m e s t r e " , escolhendo a tripulação entre familiares e c o m p a n h e i -
volta prá roça durante uns dois ou três meses. Ele necesssita
ros, recria a teia de relações sociais p r ó p r i a s d a família extensa.
da roça prá alimentar a família dele. Aí ele faz a roça, deixa a roça
muito
N e s s e sentido, os conflitos sociais no interior do barco, causados
limpa e volta para a pesca outra vez. É assim que ele faz, trabalha nas
p o r u m a s e p a r a ç ã o entre os interesses d o s p r o p r i e t á r i o s dos ins-
duas função"
(Dito, do Baixio).
trumentos de p r o d u ç ã o e da força-de-trabalho acham-se mediatiz a d o s pelas r e l a ç õ e s familiares e d e c o m p a n h e i r i s m o existentes no interior das traineiras, por exemplo. U m outro aspecto d a o p o s i ç ã o mar-terra reside na s e p a r a ç ã o
O
TEMPO
DA NATUREZA,
MI-RCANTIL
E O TEMPO
O
DA
TEMPO MEMÓRIA
d a família, da m u l h e r o u i r m ã o durante os longos p e r í o d o s de a u s ê n c i a , d u r a n t e o embarque. A família continua a ser a referên-
^ s s i m como há diversos e s p a ç o s , muitos mares, há t a m b é m tem-
cia m a i o r do embarcado, mas e m terra ela já n ã o é a m e s m a , pois
P^is distintos, marcados seja pela economia de quase subsistên-
a m u l h e r é obrigada a desempenhar outros papéis e responsabili*
cia, seja pelo tempo mercantil. Este é o tempo d e " g a n h a r d i n h e i -
dades na m a n u t e n ç ã o do lar e na e d u c a ç ã o dos filhos. E l a conti-
'• A l g i m s desses tempos, s ã o t a m b é m cíclicos, como o tempo
nua necessitando a i n d a mais da família extensa que a ampa^^
d o v e r ã o , q u a n d o c h e g a m os turistas. Para os moradores, o " t e m -
durante os p e r í o d o s de ausência do chefe familiar. O s laços com a
Píí dos turistas" é u m " c i c l o " novo, que n ã o depende tanto da
terra, representada pelo lar e a família, s ã o reatados durante a lu^
'Natureza, m a s d a vontade dos visitantes. É u m p e r í o d o a n s i a d o e
o
SIMBOLISMOS, REPRESENTAÇÕES E FESTAS
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
esperado c o m o aquele e m que se p o d e fazer u m d i n h e i r o extra,
esse " p a s s a d o " c o n t é m , a l é m da s a u d a d e de u m tempo que
c o m a fabricação de p e ç a s de artesanato, c o m o transporte de pas-
acabou... E l a s expressam tudo o que poderia ter s i d o , m a s n ã o
sageiros, c o m serviços junto àqueles que t ê m casa s e c u n d á r i a e
foi, a tristeza de toda a existência que só existe q u a n d o cessa
p a s s a m as férias e m M a m a n g u á .
de ser outra coisa, o pesar de não v i v e r na p a i s a g e m e no tem-
O tempo mercantil, m a i s r á p i d o , é t a m b é m o do correr a t r á s
po evocados pela m ú s i c a . E n f i m , o desejo de algo c o m p l e -
da s a r d i n h a e do c a ç ã o , símbolos da mercadoria. N e s s e tempo, a
tamente diferente do m o m e n t o presente, d e f i n i t i v a m e n t e
natureza já n ã o é m a i s marcada pela " d á d i v a " , m a s pela e x t r a ç ã o
inacessível o u irremediavelmente perdido: o Paraíso. E s q u e -
da mercadoria de seu ambiente natural. Este se transforma tam-
cer-se disso é desconhecer que a vida do h o m e m moderno está
b é m e m e s p a ç o de c o m p e t i ç ã o c o m outros barcos que b a t a l h a m
cheia de mitos s e m i - o l v i d a d o s , de hierofanias decadentes, de
pelo m e s m o peixe. A s políticas governamentais, c o m o a institui-
símbolos abandonados. A d e s s a c r a l i z a ç ã o incessante do ho-
ç ã o do defeso, p e r í o d o e m que n ã o se pode pescar certas espécies,
m e m m o d e r n o alterou o conteildo da sua v i d a espiritual; ela
acelerou o tempo mercantil. É preciso pescar o m á x i m o antes que
n ã o r o m p e u , no entanto, com as matrizes de sua i m a g i n a ç ã o :
v e n h a o defeso. A instituição do " d e f e s o " traz consigo a i m a g e m d a a m e a ç a
todo u m resto de mitologia sobrevive e m z o n a s h u m a n a s m a l controladas" (p.09).
d a d i m i n u i ç ã o do peixe no M a r G r o s s o , já v i v i d a no M a r - d e D e n tro pelos pequenos pescadores, r e f o r ç a n d o a " c a r e s t i a " que caracteriza os tempos de hoje quando comparados ao "antigo", o
T a m b é m , s e g u n d o moradores m a i s velhos, nesse tempo os "antigos" t i n h a m maior conhecimento do m a r que os jovens:
tempo da a b u n d â n c i a . O " t e m p o da fartura" que existiu e m M a m a n g u á até a d é c a d a
"Antigamente
eles conheciam tudo... O povo conhecia o tempo
de 40 se constitui n u m referencial simbólico importante p a r a os
pelos astros, quer dizer, quando olhavam uma estrela, o sol, olhava
moradores m a i s antigos. O s moradores mais velhos têm s a u d a -
na lua, eles sabiam que vento ia dar... Eles observavam o tempo, era
des desse tempo e m que se dizia haver a b u n d â n c i a de tudo:
um pessoal de muita prática. Hoje o mais novo tem aparelho, tem barómetro"
(Seu Z i z i n h o , Ponta do L e ã o ) .
"Essa região produzia muito, o mais forte era banana, cana-deaçúcar, café, feijão, farinha... Era o mais forte. Depois vinlia a criação.
N a m e m ó r i a local, o tempo antigo era t a m b é m o tempo da
Tinha também muito comércio. Cada canoa de voga levava pra An-
união, onde n ã o havia d i v i s ã o entre católicos e protestantes, n ã o
gra 40 sacos de farinha, 2 a 3 barris de pinga. Eu mesmo fazia cO'
havia turistas, u m tempo de maior harmonia.
mércio, trazia banha de porco, que antigamente era isso que usava. Também levava muito peixe... Hoje até farinha tá vindo dc fora. A situação é de calamidade..." (Seu Zizirúio, Ponta do L e ã o ) . E s s a i m a g e m idolatra o passado c o m o u m " t e m p o p a r a d i s í a c o " , hoje p e r d i d o . C o m o afirma Mircea E l i a d e :
"Antes o povo era mais unido. Agora não, agora está dividido" (Seu Z i z i n h o , Ponta do Leão). E s s a última o b s e r v a ç ã o p r o v é m de u m informante de religião católica, pois o conceito de u n i ã o entre os "crentes" é outro: aquela que u n e os " e v a n g é l i c o s " , que se g u i a m pela Bíblia. S e g u n d o
" C o n s t a t a r e m o s que essas imagens i n v o c a m a nostalgia de u m passado mitificado, transformando-o e m a r q u é t i p o , que
Um outro informante católico:
SIMBOLISMOS,
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE
"Quando vem o padre aí o pessoal (católico) nem na igreja não
REPRESENTAÇÕES
E FESTAS
"A Roda de Chiba era a mais divertida, e o pessoal batia o pé,
vão. Mas ali nos crente, eles vão em qualquer hora. Marcou, ói, tal
sapateando no ritmo, fazendo repicado com o pé no chão batido. Já no
dia tem culto na casa de fulano, aí vão todos. Agora qui, os católicos
Caranguejo, batia-se o pé e as mãos, quando se cantava: Olha a mão,
não... Eles fazem uma igreja, vão pregando o Evangelho, a pessoa diz
olha o pé" (Seu Licínio, C o s t ã o ) .
que ficando crente se salva, ai o pessoal vai, acredita naquilo. Eles dizem assim: "ói, se vocês quiséficá na igreja levanta a mão prá cima. E a pessoa levanta a mão, aí fica crente..." (morador católico).
A i n d a persistem a l g u m a s festas tradicionais, c o m o a festa d e Reis.
O tempo antigo é lembrado t a m b é m como u m tempo d e festas
"A Folia de Reis a gente ainda faz ainda porque eu, meu sobri-
que garantiam a solidariedade e a união d o s moradores, todos
nho, meu primo, cantamos. Quando chegamos na casa, cantamos:
católicos. M a y n a r d A r a ú j o (1973) descreve o folclore litorâneo d o S u -
'Se quiser abrir a porta, abra já sem demora, pois voismecê num sabe quanto custa andá de noite pra fora' " (Seu Licínio, C o s t ã o ) .
deste c o m o pertencente à área do ubá (canoa) e m c o n t r a p o s i ç ã o à área d e jangada no Nordeste. Muitas das d a n ç a s e festas mencionadas pelos moradores s ã o c o m u n s ao litoral e ao V a l e do Paraíba.
S e g u n d o u m morador (católico), h a v i a t a m b é m a festa d e São Roque, d e S ã o Benedito, São J o ã o .
G r a n d e parte d a s festas profanas e religiosas tradicionais, l i gadas ao catolicismo, no entanto, n ã o existem mais. E n t r e as festas religiosas que desapareceram está a Bandeira d o D i v i n o ' .
"A festa era organizada. Tinha os festeiros, o ajudante, tinha o juiz, o ajudante de juiz. Tinha tudo, todo mundo ajudava um pouco e fazia aquela festança e o povo ia tudo naquele local. Aí tinha fogos,
"Antes tinha também a Bandeira do Divino que começava no
comida, bebida... Mas hoje acabou".
Pouso da Cajaãm, passava por essas praias todas e chegava a Parati. A bandeira era enfeitada com flô, com a pombinha do Divino, que cantava de casa em casa. O pessoal ouvia a cantoria e dava uma
Por outro lado, existe a crítica dos bailes de hoje, diferentes daqueles d e antigamente, q u a n d o h a v i a "respeito".
oferta pro Divino. O pessoal só bebia quando pousava numa casa, pra fazer o baile" (Seu Licínio, C o s t ã o ) .
"Depois que entrou essas dança nova, o sinhô não vai leva sua esposa, suafúha num baile desses, tem muita bebedeira.
Entre as m ú s i c a s e d a n ç a s que desapareceram, m a s s ã o l e m -
Antigamen-
te era respeito, respeitava os mais velhos" (morador católico).
b r a d a s pelos m a i s velhos, está o Caranguejo e a R o d a d e C h i b a ^: O f i m dessas festas está associado ao crescimento d o n ú m e r o '
M a y n a r d de Araújo afirma que as festas do Divino, no litoral leste de S ã o Paulo, se d a v a m após a safra da tainha, no contrário d c outras regiões interioraneas nas quais se seguiam ao ciclo agrícola.
- Roda d c Xiba o u Chiba, também chamada de Cateretê, é comandada por dois violeiros, denominados d c mestre c contra-mestre. O primeiro escolhe a " m o d a " a ser cantada, fazendo o contra-mestre n segunda voz. T a m bém há o "tirado de sapateado" que comanda o sapateado. (Maynard de Araújo, 1973)
de igrejas crentes e m M a m a n g u á , que preferem organizar s u a s p r ó p r i a s festas religiosas: "Tem muita gente que passou pra Assembleia de Deus, deixando de cantar essas coisas. Se a gente cantar na casa deles, não acham ruim, mas cantar, não cantam" (Seu Licínio, C o s t ã o ) .
139
SIMBOLISMOS, REPRESENTAÇÕES
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE
E FESTAS
C o m o pode ser visto pela Tabela 2 8 grande parte da p o p u l a ç ã o
se a c h a m hoje confrontados com mitos modernos conservacionistas
participa hoje somente de festas católicas (Santa C r u z , p a d r o e i r a
relativos às áreas naturais protegidas. C o n s i d e r a n d o - s e a
d o C r u z e i r o ) e festas evangélicas. U m a porcentagem significativa
i m p o r t â n c i a da simbiose homem-ciclos naturais existentes n a s
n ã o participa de festas ( 2 5 , 7 % ) e somente 1 7 , 1 % dos chefes de
culturas tradicionais, a n o ç ã o de E s t a ç ã o Ecológica que n ã o l e v a
família p a r t i c i p a m de bailes.
e m conta a história dos moradores é i n c o m p r e e n s í v e l e inaceitável. A disjunção forçada entre a natureza e a cultura tradicional, onde os moradores p o d e r ã o sofrer restrições e m s u a s atividades
Tabela 28 - Festas que Participam os Chefes de Família S.
CRUZ
do fazer patrimonial, e t a m b é m do saber, representa a i m p o s i ç ã o
EVANG.
de u m mito moderno: o d a natureza intocada e intocável, p r ó p r i o
TOTAL
REIS
Continental
10
—
30,0%
10.0%
sociedades tradicionais. N e s s a linha de pensamento, o c h a m a d o
Fundo do Saco
05
—
20.0%
—
" t u r i s m o e c o l ó g i c o " , que se iniciou recentemente na r e g i ã o , está
Peninsular
20
5.0%
40.0%
15.0%
TOTAL
35
2,8%
34,2%
11,4%
MARGEM
da sociedade urbano-industrial sobre os mitos e s i m b o l i s m o s das
t a m b é m i m b u í d o desse mito moderno da natureza s e l v a g e m , a ser d e s v e n d a d a por u n s poucos privilegiados. E m 1 9 9 2 , foi criada a ASSOCIAÇÀO OOS M O R A D O R E S D E M A M A N G U Á ,
abrigando tanto turistas como habitantes do local. A A M A M , no entanto, parece ter dificuldades e m se legihmar porque é vista,
Tabela 28 MARGEM
(cont.) - Festas que TOTAL
Participam os Chefes de Família BAILE
OUTRA
NÃO
PART
Continental
10
10,0%
40.0%
10.0%
Fundo do Saco
05
—
—
60.0%
Peninsular
20
25,0%
—
25,0%
TOTAL
35
17.1%
11.4%
25.7%
O b s . : As pessoas podem pardcipar de mais de um tipo de festa.
O futebol é o esporte mais praticado no local, especialmente, n o bairro de Regate, onde existe u m campo de futebol e m que jogam equipes locais e de fora. A s praias, sobretudo, a do C r u z e i r o , gan h a m a n i m a ç ã o durante as semanas de lua cheia, q u a n d o os e m barcados e m traineiras n ã o pescam e voltam para suas casas. Finalmente, como foi discutido e m outro trabalho (Diegues, 1 9 9 4 ) , os mitos a n t r o p o m ó r f i c o s dessas p o p u l a ç õ e s tradicionais
por a l g u n s moradores, como inspirada por "gente de fora". A t é agora, n ã o c o n s e g u i u mobilizar os moradores e m torno de seus problemas básicos, à e x c e ç ã o de algumas iniciativas para i m p e dir o arrasto de c a m a r ã o dentro da área estuarina.
o
N i i s s o L L C . A K V I K O L l*AKyui.
2 Cisternas >\ccsso
à T^erra c
f^ecursos
C
dc aos
fSjaturaís
OMO POPE SE CONSTATAR pela Tabela 29,34,5%
declararam-se
d o n o s da posse e m que m o r a m , 28% s ã o donos somente do
terreno d a casa e 37,5% n ã o têm mais posse da terra. São
raros os moradores que têm d o c u m e n t a ç ã o legal de s u a s
posses. U m n ú m e r o considerável deles v e n d e r a m suas posses a pessoas d e fora, sejam turistas o u especuladores, continuando a viver na terra como caseiros ou ocupantes. A r e g u l a r i z a ç ã o das posses é feita, e m geral, quando esta é v e n d i d a para turistas. A s melhores praias que se situam mais p r ó x i m a s à entrada do Saco, sendo portanto as mais valorizadas, já foram v e n d i d a s a turistas ou a grandes especuladores imobiliários, sobretudo na M a r g e m P e n i n s u l a r (Praias do E n g e n h o , Praia d a R o m a n a , Baixio). N a M a r g e m Continental, as casas de turistas se concentram na Praia G r a n d e e na Praia das Pacas.
o
S I S T E M A S DE A C E S S O À T E R R A
Nosso LUGAR VIROU PARQUE Tabela 29 - Situação da Posse da Terra em Porcentagem
O importante a se ressaltar é que muitas das terras s ã o consideradas de uso c o m u m , na m e d i d a e m que as mais distantes s ã o
SEM POSSE E CASA
DONO DA POSSE
DONO DA CASA
Continental
37,5%
0%
62,5%
Fundo do Saco
66,8%
16.6%
16,6%
Peninsular
22.2%
44.4%
33.3%
MARGEM
TOTAL
34.5%
28.0%
37,6%
tidas como " s e m d o n o " . O terreno tido enquanto posse i n d i v i d u a l o u familiar é sobretudo aquele c o n t í g u o ao mar, onde está a casa. Q u a n d o essa posse é v e n d i d a costumam-se anexar terras "sem
v a l o r " , aquelas que se encontram nas encostas acima das
casas, onde se fazia agricultura. Daí se explicam as marcas das d i v i s a s dos terrenos dos turistas, r o ç a d a s e l i m p a s , que s o b e m as encostas dos morros as quais anteriormente n ã o existiam, e que hoje p o d e m ser vistas de barco, ao se adentrar o Saco d e M a m a n g u á . O s c a i ç a r a s n ã o c o s t u m a m marcar suas posses c o m cer-
E m a l g u n s casos, como ocorreu na Praia G r a n d e , os antigos
cas ou "linhas de divisa".
...........
moradores, a p ó s v e n d e r e m suas posses na praia foram m o r a r
N o entanto, a questão do acesso aos recursos naturais n ã o se
morro a c i m a . O m e s m o parece ter ocorrido na Praia R o m a n a e na
restringe unicamente à terra, mas t a m b é m a territórios de uso
Praia das A n t a s , na M a r g e m Peninsular.
c o m u m como os m a n g u e z a i s , os caxetais , os bancos de b i v a l v e s
A l g u n s dos grandes especuladores imobiliários de M a m a n g u á
nos baixios e o p r ó p r i o corpo de á g u a . Esses e s p a ç o s s ã o tradi-
p e r m i t e m que os moradores dos quais c o m p r a r a m as posses per-
cionalmente usados pelos caiçaras de forma c o m u n i t á r i a . Daí, a
m a n e ç a m e m suas casas, e m contrato de tempo determinado (cerca
r e a ç ã o negativa demonstrada contra os "coletores" de carangue-
de 4 anos, r e n o v á v e i s ) . Estes s ã o chamados, c o m frequência, a
jo que v ê m de fora predar esses recursos do m a n g u e .
testemunhar e m juízo, e m favor do "grileiro", q u a n d o este a v a n -
O estabelecimento da Reserva Ecológica tem u m efeito d u p l o
ça as d i v i s a s sobre outras posses. C o m o esses moradores v i v e m
sobre essas formas tradicionais de a p r o p r i a ç ã o do e s p a ç o c o m u -
" d e f a v o r " do grileiro, dificilmente se r e c u s a m a ir ao c a r t ó r i o
nitário. D e u m lado, pode i m p e d i r a a p r o p r i a ç ã o desses e s p a ç o s
testemunhar e m favor da " g r i l a g e m " .
pela e s p e c u l a ç ã o imobiliária, e a e x p r o p r i a ç ã o dos moradores ao
O s moradores continuam plantando suas r o ç a s nos terrenos
d e cl a rá - l o s "area non-aedificandi". D e outro lado, trata-se da i m p o -
mais elevados e mais afastados da praia, considerados terrenos
sição de u m e s p a ç o territorial público (o da Reserva) sobre os es-
sem dono. E s s e s n ã o s ã o considerados "posses i n d i v i d u a i s " , m a s
p a ç o s c o m u n i t á r i o s , restringindo o uso dos recursos naturais.
são o c u p a d o s durante a l g u m tempo e abandonados q u a n d o a
N e s s e sentido, essa s u p e r p o s i ç ã o é vista pelos moradores como a
p r o d u t i v i d a d e d a terra decai. Esses, depois de a l g u n s anos, s ã o
u s u r p a ç ã o de seus direitos de acesso aos recursos, enquanto co-
l i m p o s de novo para plantio.
m u n i t á r i o s . E s s a u s u r p a ç ã o é tanto mais grave q u a n d o se justifi-
E s s e uso c o m u n a l das terras para agricultura se reflete nos depoimentos dos moradores:
ca essa c r i a ç ã o de e s p a ç o s territoriais públicos e m benefício d a " c o n s e r v a ç ã o " , " d a biodiversidade" ou dos "interesses n a c i o n a i s " frequentemente confundidos com a necessidade de lazer das po-
"Quantas pessoas já vieram e plantaram no mesmo lugar que outro tinha plantado, depois que o mato prosperou.
p u l a ç õ e s urbanas. A s comunidades tradicionais têm t a m b é m u m a
Depois aquele
r e p r e s e n t a ç ã o simbólica dos e s p a ç o s que lhes fornecem os meios
que tinha plantado saiu e entrou um outro para fazer sua roça. Nun-
de subsistência, os meios de trabalho e p r o d u ç ã o e as c o n d i ç õ e s
ca nenhuma reclamação houve" (Dito, do Baixio).
materiais d e sua r e p r o d u ç ã o social e simbólica. A a m e a ç a d a ex-
o
Nosso L U G A R V I R O U
SISTEMAS DE A C E S S O À T E R R A
PARQUE
p u i s ã o de seus territórios traz intranquilidade às p o p u l a ç õ e s locais que t r a d u z e m seu descontamento com u m a sobre-exploraç ã o dos recursos naturais que consideram como pertencentes ao G o v e r n o , à Polícia Florestal, depois da i m p l a n t a ç ã o das á r e a s naturais protegidas.
r e c u r s o s n a t u r a i s r e n o v á v e i s que g a r a n t e m s u a s u b s i s t ê n c i a , demograficamente pouco densas e com v i n c u l a ç õ e s mais o u menos limitadas c o m o mercado. Esses arranjos s ã o p e r m e a d o s por u m a extensa teia de parentesco, de compadrio, de ajuda m ú t u a , de normas e valores sociais que privilegiam a solidariedade intra-
Existe aí u m a v i s ã o conflitante entre o e s p a ç o público e e s p a ç o
grupal. E x i s t e m t a m b é m normas de e x c l u s ã o de acesso aos recur-
c o m u n i t á r i o , s e g u n d o perspectivas distintas e até opostas: a do
sos naturais por parte dos " n ã o c o m u n i t á r i o s " . Estes, por s u a v e z ,
E s t a d o , representando interesses das p o p u l a ç õ e s u r b a n o - i n d u s -
p o d e m ganhar acesso a e s p a ç o s e recursos de uso c o m u m , desde
triais, e a das sociedades tradicionais. N a verdade, o que está implí-
que, de a l g u m a forma, p a s s e m a fazer parte da c o m u n i d a d e (atra-
cito é que estas d e v e r i a m "sacrificar-se" para dotar as p o p u l a ç õ e s
vés do casamento, compadrio, e t c ) .
urbano-industriais de e s p a ç o s naturais, de lazer e "contato c o m a natureza s e l v a g e m " . O u ainda, segundo u m a v e r s ã o mais moderna dos objetivos das á r e a s naturais protegidas de uso restrito: proteger a biodiversidade.
que r e g u l a m o acesso aos recursos naturais, i m p e d i n d o s u a deg r a d a ç ã o . E s s a s normas existem tanto e m ecossistemas ter-restres (períodos de interdição da caça) e costeiros (limitação de p e r í o d o s ,
M c K e a n (1989) distingue seis tipos diferentes de p r o p r i e d a d e d o s q u a i s três s ã o relevantes para esta a n á l i s e : a p r o p r i e d a d e p r i v a d a i n d i v i d u a l , a p r o p r i e d a d e pública ( á r e a s n a t u r a i s protegidas), e a p r o p r i e d a d e c o m u m , o u formas c o m u n a i s o u c o m u n i t á r i a s d e a p r o p r i a ç ã o de e s p a ç o s o u recursos n a t u r a i s , sobretudo os r e n o v á v e i s . E s s e ú l t i m o tipo de acesso e a p r o p r i a ç ã o é d e n o m i n a d o , c o m o " p r o p r i e d a d e c o m u m " (common property, no conceito d e H a r d i n , 1968; o u "commons",
H á a i n d a mitos, valores e normas e interdições c o m u n i t á r i a s
M c K a y & Acheson,
1987).
acesso aos recursos controlado pelo "segredo"). E s s e tipo de s i t u a ç ã o contradiz a teoria da " T r a g é d i a dos C o m u n s " , elaborada por H a r d i n (1968), segundo a qual, no regime de propriedade c o m u m , haveria u m a consequente d e g r a d a ç ã o dos recursos naturais, pois cada usuário tenderia a s o b r e - e x p l o t á - l o s . Para evitar a queda dos rendimentos haveria a necessidade de i n t e r v e n ç ã o controladora do Estado, o u a i m p l a n t a ç ã o d a propriedade p r i v a d a . N o entanto, a experiência tem demonstrado que os p r o p r i e t á r i o s i n d i v i d u a i s o u as empresas d e g r a d a m os
Essa última modalidade, a dos "comimitários", é a que até recen-
recursos naturais dentro de suas propriedades e que o p r ó p r i o
temente apresentava a menor visibilidade social e política, u m a
E s t a d o tem criado políticas que s ã o degradadoras do ambiente
vez que existe e m regiões relativamente isoladas, sendo caracterís-
(caso da A m a z ó n i a ) .
tica de c o m u n i d a d e s tradicionais, como a " c a i ç a r a " , dos jangadeiros, dos ribeirinhos, etc. E s s a s formas de a p r o p r i a ç ã o c o m u m d e e s p a ç o s e recursos naturais r e n o v á v e i s se caracterizam pela utilização c o m u n a l ( c o m u m , c o m u n i t á r i a ) de determinados espaços e recursos a t r a v é s do extrativismo vegetal (cipós, fibras, ervas medicinais da floresta), do extrativismo a n i m a l (caça e pesca), e da pequena agricultura itinerante. A l é m dos e s p a ç o s usados e m c o m u m , p o d e m existir os que s ã o apropriados pela família o u pelo i n d i v í d u o , c o m o o e s p a ç o d o m é s t i c o (casa, horta, etc.) que, geralmente, existem e m comunidades com forte d e p e n d ê n c i a do uso de
Por outro lado, a literatura recente ( M c K a y & A c h e s o n , 1987) tem registrado e analisado u m n ú m e r o considerável, no m u n d o iiTteiro, de formas comunais de acesso a e s p a ç o s e recursos que asseguram u m uso adequado e sustentável dos recursos naturais e c o n s e r v a m os ecossistemas, gerando modos d c v i d a socialmente equitativos (ainda que n ã o necessariamente afluentes). O que tem ocorrido, geralmente, é a " t r a g é d i a dos c o m u n i tários" ( M c K a y & A c h e s o n , 1987), que s ã o expulsos de seus territórios pela e x p a n s ã o das grandes c o r p o r a ç õ e s , pela i m p l a n t a ç ã o de " g r a n d e s projetos" (hidroelétricas, de m i n e r a ç ã o ) e até pelo esta-
o
S I S T E M A S DE A C E S S O À T E R R A
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
belecimento de " e s p a ç o s p ú b l i c o s " (áreas de p r o t e ç ã o restritivas)
O autor afirma t a m b é m que e m Itaipu,
sobre os e s p a ç o s c o m u n i t á r i o s . E m a l g u n s casos, existem conflitos entre usos tradicionais de
"o e s p a ç o do público, do coletivo é o e s p a ç o do confronto
territórios anteriormente considerados de uso das c o m u n i d a d e s ,
d e v á r i o s c ó d i g o s , lutando pela hegemonia, ao passo que na
e a cheg ada de outros u s u á r i o s , os turistas que d i s p u t a m u m es-
praia americana, a 'diferença' é o símbolo da igualdade. C o n -
p a ç o p ú b l i c o , a praia. L i m a (1989) compara o uso d a praia de
cebendo-se radicalmente diferentes, os i ndi v í duo s a s s u m e m
Itaipu (Rj) para a pesca tradicional d a tainha c o m a da praia e m
s u a identidade política como verdadeiras e últimas u n i d a d e s
Massachusetts ( E U A ) . N o p r i m e i r o caso, existem regras tradicio-
do poder. A c r e d i t a m existir e atualizar u m a o r d e m que, sub-
nais que regem a prioridade dos l a nç os de rede na praia pelos
metendo a todos por igual, permite que c o n v i v a m , embora se-
pescadores artesanais, pelo sistema de "direito à v e z " , que orde-
paradamente."
(p.l4)
na os d i v e r s o s interessados na e x p l o r a ç ã o de u m a área c o m u m : a p r a i a . Para o e x e r c í c i o dessa pescaria, a praia é d i v i d i d a e m
É possível fazer u m a c o m p a r a ç ã o entre a a p r o p r i a ç ã o do es-
" p o n t o s " , referidos à história local ou a acidentes g e o g r á f i c o s
p a ç o coletivo, usado pelos pescadores tradicionais de Itaipu c o m
sobre os q u a i s se assenta u m conjunto de n o r m a s que v i s a m
a a p r o p r i a ç ã o de u m e s p a ç o coletivo tradicional pelo Estado ao
c o m p a t i b i l i z a r a existência de diversos grupos de pescadores.
t r a n s f o r m á - l o e m u n i d a d e de c o n s e r v a ç ã o . A cr i ação de parques
E s s a h a r m o n i a é quebrada, p o r é m , nos fins de s e m a n a , c o m o
nacionais, c o m o consequente afastamento f o r ç a d o das p o p u l a -
afluxo dos turistas, o que gera conflitos entre o pescadores e v i s i -
ções tradicionais, e m benefício de u m a c o n s e r v a ç ã o ambiental que
tantes, c o m frequentes danos aos aparelhos de pesca. A única
privilegia os "visitantes urbanos", é eticamente questionável. N a
forma d e c o n v i v ê n c i a é a troca de s e r v i ç o s pela q u a l os banhistas
maioria das vezes, é u m a u s u r p a ç ã o de e s p a ç o s coletivos, habita-
a j u d a m na lida pesqueira.
d o s por p o p u l a ç õ e s c o m g r a n d e t r a d i ç ã o de saber e fazeres
A l é m disso, o autor menciona a a p r o p r i a ç ã o de parte da praia
patrimoniais, e m benefício de u m mito moderno que favorece as
por grupos imobiliários que alijaram os pescadores de seu e s p a ç o
p o p u l a ç õ e s urbanas que u s a m o parque para passear, se divertir.
c o m u n i t á r i o de trabalho, tendo nesse processo a c o n c o r d â n c i a do
A s i t u a ç ã o está se tornando mais grave a i n d a q u a n d o sob o pre-
poder público. A p e s a r da praia, segundo a C o n st i t u i çã o brasilei-
texto de u m turismo chamado " e c o l ó g i c o " , as á r e a s que seriam
ra, ser u m bem público, acabou sendo privatizada sob a a l e g a ç ã o
" p ro t e g i d a s" e "intocadas" p a s s a m a ser local de u m turismo de
que beneficiaria u m grande n ú m e r o de c o n d ó m i n o s .
" a v e n t u r a " . É tanto mais inaceitável quando se trata de p o p u l a -
Já e m Massachussetts, ao se pagar o ingresso à praia, todos se
ç õ e s e m s u a grande maioria iletradas, geograficamente isoladas,
tornam iguais, apesar de cada banhista procurar seu nicho parti-
sem poder político, mas que por séculos, a t r a v é s de seu m o d o de
cular onde n ã o deseja ser importunado. C o m o afirma L i m a (1989):
v i d a s ã o r e s p o n s á v e i s pela c o n s e r v a ç ã o do c h a m a d o
"mundo
n a t u r a l " . Isso é mais grave quando se sabe que a p e r m a n ê n c i a " A o c o n t r á r i o do que acontece na Itaipu tradicional, onde
dessa p o p u l a ç ã o tradicional e m seus habitats pode levar, de for-
os diferentes grupos se a m o l d a m e f u n d e m e m torno de u m a
ma mais adequada, à c o n s e r v a ç ã o da biodiversidade. Trata-se,
identidade única, sendo a igualdade atingida pela pertinência
no final, de u m a q u e s t ã o ética, de direitos h u m a n o s e d a constru-
a u m grupo e esta espelhada na s e m e l h a n ç a de seus compo-
ç ã o de u m a democracia real no Brasil.
nentes, aqui é o direito à diferença que define a igualdade. S o u igual porque tenho o direito a ser diferente" ( p . l 4 ) .
L i m a finaliza s e u artigo afirmando que:
o
Nosso LUGAR VIROU
"Há
PARQUE
S I S T K M A S Dl- A c i S S t . ) A T l K R A
que inventar formas de conferir direitos e c i d a d a n i a a
essas diferentes c o n c e p ç õ e s de o r g a n i z a ç ã o social, por tanto tempo ocultas aos olhos do poder. M a s há t a m b é m , ao fazer isto, de respeitar-lhes as regras internas, n ã o submetendo-as necessariamente a u m olhar controlador. É preciso entender que essas diferenças foram até hoje capazes de subsistir, apropriando-se de parcelas de poder, reproduzindo-se, apesar de seu n ã o - r e c o n h e c i m e n t o . Instituí-las como sujeitos explícitos d o processo político s e m reduzi-las ao m e s m o , eis o desafio que a o r d e m jurídica d e v e r á superar para tornar-se reflexo de uma
sociedade solidária e fundada na tolerância do outro,
pronta a aprender c o m ele e a olhar-se nele, como, afinal, n ó s , a n t r o p ó l o g o s , pretendemos ter a p r e n d i d o . " ( p . l 7 ) N o s ú l t i m o s anos,
muitas dessas c o m u n i d a d e s tradicionais
têm reagido às a m e a ç a s o u à d e s p o s s e s s ã o de seus e s p a ç o s c o m u nais, repensando, redimensionando e até reconstruindo os "com u n s " . U m desse exemplos de novos " c o m u n s " r e c o n s t r u í d o s é o das "reservas extrativistas da A m a z ó n i a " .
Toto 15. i ' f s c a Ac- .ivmsta Saco do Mamanguá, F'arati
-9 A
Vida do Lugar
5 c n t í d a pelos M o r a d o r e s
M
AMANCL/Â É VISTO HOJE, pela maioria dos moradores, como u m lugar de c a r ê n c i a s , carestia, de dificuldades v á r i a s e
até de abandono. A m i g r a ç ã o ainda é vista por muitos como u m a s o l u ç ã o para seus problemas, apesar da i m a g e m negativa que apresentam os cortiços das Ilha das C o b r a s , onde v a i m o r a r a maioria dos ex-moradores do lugar. C o m o pode ser verificado pela Tabela 30, os problemas básicos sentidos pelos moradores se t r a d u z e m nas d i f i c u l d a d e s crescentes e m melhorar suas c o n d i ç õ e s básicas de v i d a , como a insuficiência de serviços m é d i c o s (citada por 20%), e de transporte (citada por 31,4 % ) . O s problemas de s a ú d e s ã o particularmente graves e m toda a á r e a , sobretudo pelas m á s c o n d i ç õ e s sanitárias, u m a vez que n ã o existe á g u a tratada e poucos moradores tem fossas séticas o u esgotos. N a maioria das vezes as á g u a s s ã o coletadas e m riachos
o
A
Nosso L u c A i í VIROU PARQUE
Tabela 30 - Problema MARGEM
CHEFES
Continental
10
Fundo do Saco
Segundo os Chefes de ARRASTO
COL.
c i d o , m u i t o s tem d i f i c u l d a d e s financeiras e m pagar o frete. Aí
FUNDIÁRIO
70.0%
20.0%
20,0%
05
100,0%
20.0%
—
Peninsular
20
50.0%
15.0%
15,0%
TOTAL
35
62.8%
17.1%
14.2%
Tabela 30 (cont.) - Problema MARGEM
MOSQUITO
Segundo os Chefes de Famílias TRANSR
OUTROS
—
20.0%
—
40.0%
20.0%
60.0%
20,0%
Peninsular
—
30.0%
30,0%
5.0%
TOTAL
5.7%
20.0%
31.4%
5.7%
Continental Fundo d o Saco
SAÚDE
DO L U G A R
transporte n u m barco motorizado de a l g u m parente o u conhe-
Famílias
PRED.
VIDA
O b s , : O s entrevistados podem ter citado mais de um problema cada um.
entra o p a p e l de a l g u n s turistas que tem barcos m o t o r i z a d o s que são
d e i x a d o s c o m os c a s e i r o s e q u e s e r v e m t a m b é m c o m o
transporte. N u m caso, a única trilha da M a r g e m P e n i n s u l a r teve seu t r a ç a d o tradicional alterado por p a s s a r na praia de u m prop r i e t á r i o de fora, tendo este feito u m outro c a m i n h o , m a i s p e n o so por se tratar de u m a s u b i d a í n g r e m e . N o entanto, porque cede seu barco p a r a o transporte de doentes, o referido p r o p r i e t á r i o é "desculpado". Há t a m b é m u m a grande p r e o c u p a ç ã o com a prática de arrasto de c a m a r ã o no Saco, citada por 62,8% dos entrevistados e c o m a coleta i n d i s c r i m i n a d a de caranguejo, palmito e outras espécies da mata, particularmente por pessoas de fora do lugar. "Com esse negócio de arrastão, nem com rede de espera a gente mata peixe. ÁJites, a gente botava rede de espera, e tinha peixe que nem jabuticaba no galho" (Seu Dito, Baixio de dentro). C o m o pode ser visto, pela Tabela 30, a p e r c e p ç ã o do arrasto ilegal é visto como problema grave sobretudo pelos que sobrevivem da pesca de subsistência (Fundo do Saco e M a r g e m C o n t i n e n -
que descem das montanhas, e m princípio, de á g u a p u r a . N o entan-
tal). O conflito c o m os barcos de arrasto teve momentos críticos
to, no momento da c a p t a ç ã o , os tanques ficam descobertos e a
no passado, q u a n d o alguns pescadores locais l a n ç a r a m no fundo
á g u a t a m b é m usada por animais, selvagens o u domesticados. Por
das á g u a s troncos de á r v o r e s com ferros pontiagudos para rasgar
outro lado, parte dos moradores defeca e m p r o x i m i d a d e s dos
as redes. E s s e s troncos foram localizados e retirados da á g u a e
riachos, o que tem causado várias enfermidades transmissíveis
levados para Parati, sendo mostrados como " t r o f é u s " no porto de
como a hepatite. A l é m disso, foram constatados, tanto e m turis-
Parati. A l é m disso, os pescadores de M a m a n g u á foram seriamen-
tas como e m moradores casos de leishmaniose, espécie de úlcera
te a m e a ç a d o s pelos donos de barcos de arrasto. C o m o alguns dos
de pele que se n ã o tratada apropriadamente pode trazer proble-
donos desses barcos, e m Parati, s ã o t a m b é m compradores de pei-
mas sérios à s a ú d e . O fato do r e c é m c o n s t r u í d o posto de s a ú d e
xe de M a m a n g u á , a situação se toma complexa, u m a v e z que os
não ter m é d i c o o u r e m é d i o s t a m b é m n ã o tem colaborado para
comerciantes locais de peixe dependem dos compradores da cida-
uma melhoria das c o n d i ç õ e s de s a ú d e local.
de. A q u e l e s poucos pescadores locais que tem bote motorizado
A s s o c i a d a às c a r ê n c i a s de s a ú d e está a falta de transporte re-
usado para arrasto s ã o , no entanto, os mais afluentes e influentes,
g u l a r para l e v a r os doentes à cidade de Parati, onde p o d e m ter
e tentam desqualificar o arrasto de c a m a r ã o no interior do Saco
a l g u m tratamento, a i n d a q u e p r e c á r i o . Se n ã o c o n s e g u e m o
como prejudicial. N o entanto, todos reconhecem que q u a n d o o
o
A
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
V I D A DO L U G A R
I B A M A r e p r i m i u recentemente os arrastos, durante o p e r í o d o d e
tem mais terra? Porque, atitigajuente, quem não era dono, ia plantar
defeso, a disponibilidade de peixes para a pequena pesca a u m e n -
no terreno de outro, do Estado. Um terreno que não tinha dono, mas
tou visivelmente.
o nego vinha e fazia a casa dele, fazia uma posse. Agora, não entra,
O ataque d o s mosquitos foi t a m b é m citado, particularmente pelos moradores p r ó x i m o s do mangue, como é o caso do F u n d o
quem vendeu e saiu não pode voltar mais" (Seu Z i z i n h o , Ponta do Leão).
do Saco O problema fundiário, particularmente a e x p u l s ã o de m o r a -
U m a q u e s t ã o particular d i z respeito ao p a p e l d e s e m p e n h a d o
dores de s u a s terras, e o consequente desvio dos c a m i n h o s tradi-
pelos turistas e a í as opiniões se d i v i d e m , como se p o d e verificar
cionais por haristas que c o m p r a r a m posses foi lembrado como u m
pela tabela abaixo:
dos problemas sérios do lugar. E l e parece ser mais importante na Tabela 31
M a r g e m P e n i n s u l a r e Continental que no F u n d o do Saco, pois a í a p r e s s ã o turística é menor que nas outras áreas. E s s a p r e o c u p a ç ã o c o m os problemas de terra se acentua porque c o m e ç a m a escassear terrenos para o plantio, u m a v e z que os
cie de terras cada v e z maior e m m ã o s dos turistas que i m p e d e m o
ATRAPALHAM
AMBOS
SEM RESR
20.0%
10.0%
10.0%
—
40,0%
—
TUTAL
AJUDAM
Continental
10
60.0%
Fundo do Saco
05
60.0%
Peninsular
20
55.0%
5.0%
35.0%
5.0%
TOTAL
35
57.1%
8.5%
28.5%
5.7%
MARGEM
proprietários-turistas dificultam a agricultura e m s u a s terras, antes usadas para o cultivo da mandioca e outras espécies. A superfí-
- Opinião sobre Turismo
cultivo de m a n d i o c a tem levado a u m a r e g e n e r a ç ã o m a i s r á p i d a d a v e g e t a ç ã o nas encostas e isso se pode constatar m a i s v i s i v e l mente na M a r g e m Continental. T a m b é m em r a z ã o desse processo, os terrenos disponíveis para cultivo o u se s i t u a m distantes de
I n d a g a d o s a respeito do turismo, 57,1% a f i r m a m que este traz
s u a s casas o u e m c o n d i ç õ e s difíceis para o cultivo (encostas). Por
benefícios para o lugar, 8,5% s ã o de opinião que traz prejuízos.
outro lado, pelo menos u m morador-lavrador da M a r g e m P e n i n -
C e r c a d e 28,5% (indicado na tabela como " a m b o s " ) a f i r m a m que
s u l a r a u m e n t o u drasticamente sua á r e a de cultivo c o m u m gran-
o turismo p o d e trazer benefícios m a s t a m b é m prejuízos ao lugar.
de desmatamento n u m a área de " t i g u e r a " nas encostas p r ó x i m a s
Mais de u m terço dos moradores do F u n d o do Saco e da M a r g e m
à Ponta do B a n a n a l , c o m o intuito de garantir a posse da terra
Peninsular e s t ã o nessa categoria, talvez por d e p e n d e r e m menos
que, aparentemente pertencia a u m parente seu que tinha migra-
dos turistas que têm casa no local e que preferem as praias m a i s
do para Parati e n ã o tinha aparecido mais no lugar.
arenosas p r ó x i m a s à barra. Já na M a r g e m C o n t i n e n t a l , onde a
M u i t o s moradores criticam os que v e n d e r a m suas posses por terem feito u m m a u negócio, tendo indo v i v e r e m Parati, pois tamb é m ali v i v e m miseravelmente, n ã o p o d e n d o m a i s voltar ao l u -
d e p e n d ê n c i a do turismo é maior, este n ã o é visto negativamente. O s que o b s e r v a m aspectos negativos no turismo se e x p r e s s a m da seguinte forma:
gar onde n ã o tem m a i s casa o u terra. "Não, o turismo não ajuda (...). Porque, vamos supor, o senhor " O pessoa fizeram o seguinte: venderam e não puderam
comprar
está aqui, veio de fora, compra um peixe, só isso. Porque o senhor não
outra terra. Acabaram com o dinheiro, que o dinheiro era muito pou-
vem de lá piara comprar farinha, feijão aqui. Traz de fora tudo. Quem
co. Venderam e foram para Parati, e como vão voltar agora, se não
compra terra aqui, não deixa plantar banana, mandioca. Então a
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE
mercadoria tem que vir de fora, mas com o custo de vida do jeito que está, o povo do lugar não tem condições de comprar" (Seu Z i z i n h o , Ponta do L e ã o ) .
10
O s moradores, apesar de perceberem os problemas e s u a grav i d a d e , n ã o sabem a q u e m recorrer para resolvê-los. Q u a s e sempre colocam a causa de sua carência e pobreza na falta d e interesse d o prefeito e d e outras autoridades e m resolvê-los. O Saco d e M a m a n g u á sequer tem u m vereador na C â m a r a d e Parati, e nas
/ \a g e o l ó g i c a d a
últimas eleições muitos preferiram votar n u m grande comerciante d e pescado e dono de barco, residente na sede. Em
1992,
Juatinga:
foi c r i a d a a A S S O C I A Ç Ã O DOS M O R A D O R E S D E M A M A N -
GUÁ, abrigando tanto turistas como habitantes d o local. A A M A M ,
de Á r e a
no entanto, parece ter dificuldades e m se legitimar porque é vis-
uma N o v a Natural
froposta frotegída?
ta, p o r alguns moradores, como inspirada por "gente de fora". A t é agora n ã o conseguiu mobilizar os moradores e m torno d e seus problemas básicos, à e x c e ç ã o d e algumas iniciativas para i m p e d i r o arrasto de c a m a r ã o dentro d a área estuarina.
A
R.ESERVA
A
VISTA
PELOS
MORAPORES
CRIAÇÃO DA A P A do C a i r u ç ú (1983) e a legislação d e proteç ã o à M a t a A t l â n t i c a , já tiveram u m impacto sobre o m o d o
de v i d a local, pois aplicando-se na r e g i ã o a legislação a m b i e n tal vigente m u i t a s a t i v i d a d e s tradicionais q u e i m p l i c a m , p o r e x e m p l o , n o corte de m a d e i r a , m e s m o p a r a fazer u m a canoa, são proibidas. A R E S E R V A E C O L Ó G I C A D A J U A T I N G A ( E s t a d u a l ) , q u e se estende à
M a r g e m P e n i n s u l a r d o Saco de M a m a n g u á , foi criada e m 1992 c o m a intenção de proteger n ã o só os ecossistemas, como t a m b é m as p o p u l a ç õ e s caiçaras. N o entanto, segundo a legislação vigente no país, n ã o é permitida a p r e s e n ç a d e moradores (tradicionais o u n ã o ) e m reservas ecológicas. A p e s a r do texto d a lei, implicitamente, mencionar a importância da cultura, a p e r m a n ê n c i a des-
A R E S E R V A E C O L Ó G I C A DA J U A T I N G A
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE
sas p o p u l a ç õ e s n ã o está clara e assegurada, d e i x a n d o lugar a
Tabela 33 - Opiniões sobre a R e s e r v a
Ecológica da Juatinga
muitas d ú v i d a s , sobretudo para os moradores. Pelas entrevistas (Tabela 32), percebe-se que somente 11,4% dos chefes d e família têm alguma n o ç ã o do que significa u m a R e s e r v a E c o l ó g i c a , e a grande maioria (85,7%) n ã o sabe para q u e ela serve: "É preservação, né? Eles querem criar um tipo de preservação da natureza. Não pode pescar, não pode desbastar e não pode criar"
MARGEM
TOTAL
BOM
SEM RESR
NÃO SABE
Continental
10
11.1%
1 1,1%
77,8%
Fundo do Saco
05
0.0%
0,0%
iOO.0%
Peninsular
20
5.0%
0.0%
95.0%
TOTAL
35
5,7%
2,8%
91,5%
(Licío, C o s t ã o ) . Tabela 32 - G r a u de Informação sobre a
A
R e s e r v a Ecológica da Juatinga
CONSERVAÇÃO
NOVA
DABIODIVERSIDADE
E UMA
CONCEPÇÃO DEPLANOS DE MANEJO
TOTAL
SIM
NÃO
SEM RESR
Continental
10
30,0%
70.0%
—
bretudo, a falta de envolvimento d a p o p u l a ç ã o local e m s e u esta-
Fundo do Saco
05
—
100.0%
—
belecimento, levanta problemas teóricos e p r á t i c o s relevantes
Peninsular
20
5.0%
90.0%
5.0%
MARGEM
TOTAL
35
11.4%
85,7%
2.8%
A forma pela qual foi criada a Reserva Ecológica d a Juatinga, so-
quanto à eficácia dessas áreas protegidas. E m trabalho anterior (Diegues, 1994), mostrou-se como o conceito d e " á r e a natural protegida" importada dos Estados U n i d o s é d e difícil a p l i c a ç ã o no Brasil, naqueles casos e m que existem moradores tradicionais (pescadores, ribeirinhos, e t c ) . C o m a ideia d e " p a r q u e s naturais
T a m b é m pela Tabela 33, pode-se perceber que a quase totalida-
sem m o r a d o r e s " transplantou-se para o Brasil n ã o somente u m a
de (91,5%) n ã o tem opinião formada sobre os impactos que a Reser-
c o n c e p ç ã o cultural e historicamente determinada d e " á r e a s sel-
va p o d e r á ter sobre seu modo de v i d a .
vagens desabitadas" como t a m b é m u m a forma específica de rela-
O s moradores c o n t i n u a m desinformados sobre as alterações
ção homem-natureza. Parte da visão preservacionista norte-ameri-
que essa u n i d a d e de c o n s e r v a ç ã o restritiva pode acarretar sobre
cana subjacente ao estabelecimento dessas áreas protegidas está
seu m o d o d e v i d a tradicional, sobretudo sobre o u s o de recursos
baseada n a v i s ã o d o h o m e m como necessariamente destruidor
naturais (mangue, caixeta, e t c ) . A falta de i n f o r m a ç ã o tem acar-
do equilíbrio natural. O s preservacionistas americanos, partindo
retado u m receio generalizado sobre possíveis restrições a s e u
de u m contexto de r á p i d a industrialização e u r b a n i z a ç ã o e m me-
m o d o de v i d a tradicional. Por outro lado, a fiscalização do IBAMA
ados d o século XIX nos Estados U n i d o s , p r o p u n h a m " i l h a s " de
é qviase ausente, principalmente na repressão à pesca d e arrasto
c o n s e r v a ç ã o ambiental, e m áreas de grande beleza cénica, onde o
praticada à l u z do d i a , m e s m o e m á g u a s rasas do Saco. A apreen-
h o m e m d a cidade pudesse apreciar e reverenciar a natureza sel-
são recente, pelo I B A M A , de sacos de caranguejos retirados indiscri-
v a g e m . A transferência d a ideia desses e s p a ç o s naturais v a z i o s ,
m i n a d a m e n t e do m a n g u e por coletores provenientes d e fora d a
onde n ã o se permite a p r e s e n ç a de moradores, entrou e m conflito
r e g i ã o foi b e m recebida pelos moradores.
c o m a realidade dos países tropicais, cujas florestas s ã o habitadas
o Nosso LUGAR VIROU
A
PARQUE
R E S E R V A E C O L Ó G I C A DA J U A T I N G A
por p o p u l a ç õ e s indígenas e outros grupos tradicionais que desen-
" A c o m p o s i ç ã o e distribuição presente das plantas e arú-
v o l v e m aí formas de a p r o p r i a ç ã o c o m u n a l dos recursos naturais
m a i s d a floresta ú m i d a são o resultado da i n t r o d u ç ã o de e s p é -
e seus e s p a ç o s . A t r a v é s d o conhecimento tradicional do m u n d o
cies e x ó t i c a s , c r i a ç ã o de novos habitats e m a n i p u l a ç ã o conti-
natural, essas p o p u l a ç õ e s foram capazes de criar sistemas enge-
n u a d a pelos povos d a floresta durante milhares d e anos (...).
nhosos d e manejo d e flora e fauna, protegendo, c o n s e r v a n d o e
E m resumo, essas florestas p o d e m ser consideradas artefatos
até potencializando a diversidade biológica. A i m p o s i ç ã o de m i -
culturais h u m a n o s . A atual biodiversidade existe, na África,
tos m o d e r n o s das p o p u l a ç õ e s urbanas, como a d o s " p a r a í s o s "
não apesar d a h a b i t r a ç ã o h u m a n a , mas por causa dela (...). A
naturais intocados, sobre mitos antropomórficos, p r ó p r i o s das po-
relevância deste fato para a planificação da p r o t e ç ã o e manejo
p u l a ç õ e s tradicionais, tem gerado u m a série de conflitos de difícil
das reservas biológicas é que se excluirmos os seres h u m a n o s
s o l u ç ã o , u m a v e z que a legislação p r e v ê a e x p u l s ã o o u transfe-
do uso de grandes á r e a s de florestas, n ã o estaremos protegen-
rência dos moradores de á r e a s transformadas e m á r e a s de con-
do a biodiversidade que apreciamos, mas a alteraremos signifi-
s e r v a ç ã o restritivas.
cantivamente e provavelmente a d i m i n u i r e m o s ao longo d o
No
caso d a c r i a ç ã o d a R E S E R V A E C O L Ó G I C A D A J U A T I N G A ,
apesar
t e m p o " (p. 208).
de no texto da lei existir a intenção de se valorizar o acervo c u l t u ral da p o p u l a ç ã o caiçara, n ã o houve u m levantamento a d e q u a d o
B a y l e y (1992) e t a m b é m outros cientistas como G o m e z - P o m -
dessa b a g a g e m cultural n e m das formas pelas quais os c a i ç a r a s se
pa (1971); Balée (1988) e M c N e e l y (1993) apontam para a m e s m a
relacionam c o m a natureza e seus e s p a ç o s . Pela lei, há necessida-
c o n c l u s ã o : é impossível se pensar na c o n s e r v a ç ã o d a b i o d i v e r s i -
de de se estabelecer u m " p l a n o de manejo" da Reserva E c o l ó g i c a ,
dade s e m a sociodiversidade o u sem a d i v e r s i d a d e cultural.
distribuindo os e s p a ç o s segundo os objetivos e usos d a á r e a , tais
Dentro desse contexto, como afirma Bayley (1992), o plano d e
c o m o a p r e s e r v a ç ã o permanente, a pesquisa científica, etc. N o
manejo d e v e necessariamente incorporar tanto o saber tradicio-
entanto, até hoje no Brasil esses planos de manejo (a n ã o ser n o
nal, as formas tradicionais de g e s t ã o dos e s p a ç o s territoriais e d e
caso d a s reservas extrativistas), n ã o i n c o r p o r a r a m o saber, a s
seus recursos, c o m o t a m b é m os mitos, o i m a g i n á r i o e as a s p i r a -
tecnologias patrimoniais de t r a n s f o r m a ç ã o d o m u n d o natural e
ções das p o p u l a ç õ e s locais. N e s s e sentido, esse é u m processo
dos sistemas tradicionais de manejo. O s d e n o m i n a d o s "atributos
muito complexo para ficar somente e m m ã o s dos cientistas natu-
naturais dos ecossistemas", definidos pelas ciências naturais se
rais e administradores de unidades d e c o n s e r v a ç ã o . E l e requer
tornam os únicos critérios "cientificamente" válidos para estabele-
u m trabalho interdisciplinar, u m esforço conjunto d e biólogos,
cer os planos de manejo e distribuir as á r e a s segundo os objetivos
e c ó l o g o s , a n t r o p ó l o g o s , g e ó g r a f o s , economistas, incorporando e
da p r e s e r v a ç ã o permanente, visitas de turistas, pesquisa científica,
v a l o r i z a n d o o saber " d o s antigos". E s s e é u m grande desafio para
etc. O m u n d o natural, apesar de historicamente ter sido transfor-
a p r ó p r i a ciência acostumada a tratar o m t m d o natural e o social
m a d o e m a n i p u l a d o pelo h o m e m durante dezenas d e milhares
dentro de u m a ótica disciplinar e frequentemente reducionista.
de anos continua sendo visto como " v i r g e m " e " n a t u r a l " . A p r ó -
Tão importante quanto a i n c o r p o r a ç ã o do saber local nos pla-
pria b i o d i v e r s i d a d e acaba sendo definida e m termos unicamente
nos de manejo é m u d a r - s e radicalmente a ótica desse tipo de pla-
" n a t u r a i s " , apesar de evidências crescentes terem apontado para
nejamento, transformando-o n u m instrumento d e m o c r á t i c o de
o fato d e ela t a m b é m , até certo ponto, ser fruto d a m a n i p u l a ç ã o
g e s t ã o dos e s p a ç o s e recursos naturais. Dever-se-ia partir do prin-
h u m a n a por parte das p o p u l a ç õ e s indígenas e nativas. C o m o afir-
cípio b á s i c o que afirma ser a g e s t ã o do m u n d o natural baseado
m a Bayley (1992):
e m p e r c e p ç õ e s e valores que os grupos sociais t ê m d o m u n d o
o
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
A
R E S E R V A E C O L Ó G I C A DA J U A T I N G A
natural, da i m p o r t â n c i a dos processos naturais e n ã o de princí-
n ó m i c a s e ambientais, privilegiando-se aquelas alternativas eco-
pios imanentes aos p r ó p r i o s ecossistemas. A s n o ç õ e s de equilí-
lógica e socialmen-te mais adequadas. N e s s e sentido, as á r e a s n a -
brio, de h o m e ó s t a s e , p r ó p r i o s da ecologia enquanto ciência, n ã o
turais protegidas e m que v i v e m p o p u l a ç õ e s tradicionais p o d e r ã o
p o d e m ser analisados enquanto processos estáticos, sobretudo,
ser transformadas n u m dos exemplos v i v o s d a r e p r o d u ç ã o de so-
q u a n d o se d e v e incorporar na análise as constantes i n t e r v e n ç õ e s
ciedades o u c o m u n i d a d e s locais sustentáveis, exemplos de u m a
dos homens. N a maioria dos ecossistemas c h a m a d o s " n a t u r a i s " ,
relação sadia entre o h o m e m e a natureza.
a a ç ã o h u m a n a é crucial, seja para manter os processos naturais essenciais seja para perturbá-los, muitas vezes de forma desastrosa e irreversível. E s s a g e s t ã o d e m o c r á t i c a deve incorporar n ã o somente elementos da ciência m o d e r n a , da etnociência, mas constituir-sc n u m processo de n e g o c i a ç ã o que leve e m conta n ã o somente as necessidades nacionais de c o n s e r v a ç ã o dos ecossistemas, mas as aspiraç õ e s locais, os modos de v i d a e, acima de tudo, a c o n t r i b u i ç ã o histórica das p o p u l a ç õ e s tradicionais para a c o n s e r v a ç ã o a m b i ental. N ã o é exagerado afirmar que, na grande maioria dos casos, a efetiva i n c o r p o r a ç ã o das p o p u l a ç õ e s tradicionais no processo d e m o c r á t i c o de manejo ambiental resultará na descoberta de aliados locais firmes e constantes para a c o n s e r v a ç ã o contra grupos especuladores urbanos e outros devastadores da biodiversidade. Para tanto, é necessário m u d a r radicalmente a c o n c e p ç ã o autoritária dos planos de manejo no Brasil, cujo enfoque p r o v é m do p e r í o d o a u t o r i t á r i o , quando grande parte das u n i d a d e s de cons e r v a ç ã o foram criadas. O s chamados planos de manejo n ã o dev e m m a i s serem tidos como produtos finais realizados por u m grupo restrito de " i l u m i n a d o s " , cientistas ou não, mas u m processo cujos produtos sejam constantemente avaliados, redimensionados e m e s m o alterados e m função de u m diálogo permanente c o m as p o p u l a ç õ e s , sobretudo, a de moradores. Por outro lado, essas culturas tradicionais n ã o p o d e m ser v i s tas como estáticas. É sabido que elas s ã o capazes de incorporar elementos culturais provenientes de outras culturas o u regiões dentro de u m marco cultural p r ó p r i o . C o m o , e m grande parte dos casos, tratam-se de p o p u l a ç õ e s pobres, é fundamental estabelecerem-se programas de melhoria das c o n d i ç õ e s de v i d a , por meio de atividades c o m p a t í v e i s com as especificidades socioeco-
o N o s s o LuiiAK Viií(.)L P A R Q U I
11 usao
T o t o ]6, Casa d e veranistas Saco d o Mamanguá, f a r a t i
-
^^KJ).
E
STE E S T U D O P R E L I M I N A R
revelou que a p o p u l a ç ã o tradicional
c a i ç a r a do Saco de M a m a n g u á , sobretudo, os " a n t i g o s " , as
pessoas m a i s velhas, tem u m profundo conhecimento do a m b i e n te e m que v i v e m , das espécies de plantas e a n i m a i s que u t i l i z a m no s e u d i a - a - d i a . Parte desse etno-conhecimento, principalmente no que se refere à s m a n i f e s t a ç õ e s culturais, como d a n ç a s tradicionais e festas, está sendo perdido no processo de m u d a n ç a s sociais, c o m o aparecimento do protestantismo que proíbe festas c o m " i m a g e n s " , d a n ç a s e cantos, com o aparecimento d a pesca embarcada que leva aos jovens se ausentarem das praias por longos p e r í o d o s , com a r e d u ç ã o da i m p o r t â n c i a das atividades agrícolas, do m u t i r ã o e outras atividades tradicionais socializadoras. f o t o 17. Crianças !->nncando com miniatura d e canoa Saco d o Mamanguá, Parati vKJ\
Hoje, por exemplo, é difícil encontrar violeiros e outros m ú s i c o s para a "cantoria dos R e i s " , da ciranda, etc.
o
CONLUSÂO
Nosso LUGAR VIROU PARQUE
A l g u n s conhecimentos da p o p u l a ç ã o local sobre artes de pesca
lado, as atividades tradicionais baseadas n o uso dos recursos da
sequer foram devidamente estudados, como é o caso dos "pesquei-
z o n a estuarina e da mata p o d e r ã o ser drasticamente r e d u z i d a s
r o s " o u " c e r c a d a s " , que s e r v e m para "cevar o peixe", atraindo
ou m e s m o proibidas, como sucede e m outras u n i d a d e s de prote-
certas espécies de pescado para o conjunto de galhos enfiados no
ç ã o ambiental restritivas. O s moradores dificilmente e n t e n d e m
substrato do estuário. É interessante se observar que o desconheci-
porque n ã o p o d e r ã o mais utilizar os recursos naturais do m a n -
mento
levou,
gue, d a caixeta, da mata, base de seu modo de v i d a , ao passo que
recentemente, técnicos e pesquisadores a propor a c o l o c a ç ã o de
os visitantes p o d e r ã o continuar u s u f r u i n d o das belezas naturais
"atratores de p e i x e s " formados por pneus, c o m o m e s m o objetivo
de u m a área p a r a d i s í a c a . E v i d e n c i a - s e , nesse processo, d u a s v i -
das cercadas tradicionais. Deve-se notar que a proposta da "gente
sões do " m u n d o n a t u r a l " , lastreadas por dois tipos de mito: o
de fora" de colocar os atratores artificiais contou com forte oposi-
mito m o d e r n o de u m a natureza intocável, p a r a d i s í a c a — trans-
dessas
práticas tecnológicas tradicionais
ç ã o local, principalmente por parte dos pescadores que pra ticam a
formada e m parques naturais e reservas e c o l ó g i c a s , propostas
pesca ilegal do c a m a r ã o e de outros pescadores que temem perder
pelos conservacionistas urbanos — , e o mito a n t r o p o m ó r f i c o —
neles as suas redes. Muito provavelmente, o incentivo às "cercadas"
p r ó p r i o das p o p u l a ç õ e s p r é - u r b a n a s e pré-industriais que m a n -
s e r i a m a i s d e s e j á v e l , m a s n e c e s s i t a r i a de u m e s t u d o m a i s
têm c o m o m u n d o natural u m a relação diferenciada, c o m p r á h -
a p r o f u n d a d o sobre s u a s características t e c n o l ó g i c a s e p r á t i c a s
cas culturais simbólicas distintas do m u n d o urbano.
culturais.
N a verdade, o E s t a d o acaba i m p o n d o sobre os "territórios de
E s s e conhecimento tradicional t a m b é m se revela pela grande
uso c o m u m " , onde os moradores locais quase n ã o p o s s u e m o tí-
v a r i e d a d e de espécies de mandioca e outras plantas u s a d a s nas
tulo de propriedade p r i v a d a , u m a outra forma de e s p a ç o territo-
" r o ç a s " , que r e d u z e m o perigo de ataque de d o e n ç a s que pode-
rial, o público (parques e reservas), baseado e m r a z õ e s como a
r i a m d i z i m a r a p l a n t a ç ã o , se ela fosse constituída por plantas de
biodiversidade, a c o n s e r v a ç ã o do m u n d o natural e a necessidade
u m a s ó variedade.
de se proteger os " ú l t i m o s remanescentes da Mata A t l â n t i c a " .
Por outro lado, o m o d o de v i d a tradicional, dentro do q u a d r o
N a Reserva Ecológica da Juatinga, a s s i m como e m outras á r e -
d a p e q u e n a p r o d u ç ã o mercantil, está sendo alterado por i n ú m e -
as naturais protegidas, onde há moradores que v i v i a m aí antes da
ros fatores mencionados neste trabalho, como a i n t r o d u ç ã o da
c r i a ç ã o do parque, os conflitos n ã o t a r d a r ã o a aparecer, c o m o na
pesca embarcada, a chegada do turismo ocasional e dos turistas
E s t a ç ã o Ecológica da Juréia-Itatins (SP). A s o l u ç ã o desses conflitos
c o m casas s e c u n d á r i a s no local. C o m o foi visto, a a p r e c i a ç ã o dos
exige u m a outra c o n c e p ç ã o de parques e reservas mais adapta-
benefícios o u dos prejuízos trazidos pelo turismo é c o n t r a d i t ó r i a ,
das à s c o n d i ç õ e s do Terceiro M u n d o , e u m a estratégia de nego-
d e p e n d e n d o da v i n c u l a ç ã o maior o u menor dos moradores e m
ci a çã o por parte das autoridades e administradores que leve e m
r e l a ç ã o aos turistas, vistos por alguns como prejudiciais e por
conta a c o n t r i b u i ç ã o que as p o p u l a ç õ e s tradicionais p o d e m dar à
outros c o m o benéficos ao local.
c o n s e r v a ç ã o da bio-sócio-diversidade. Essa n e g o c i a ç ã o d e v e pas-
A recente instituição da Reserva Ecológica E s t a d u a l da Juatin-
sar necessariamente pela não-expulsão dos moradores tradicionais
ga, à qual pertence a M a r g e m Peninsular do Saco d c M a m a n g u á ,
e pelo respeito ao conhecimento a c u m u l a d o pelos moradores tra-
p o d e r á v i r a alterar significativamente o m o d o de v i d a da p o p u -
dicionais sobre os ecossistemas e m que v i v e m e ao seu m o d o de
lação local. Se, de u m lado, a d e c l a r a ç ã o e i m p l e m e n t a ç ã o dessa
v i d a . A o c u p a ç ã o do e s p a ç o d e v e ser feita e m consulta direta com
" á r e a natural protegida" p o d e r á reduzir a especulação imobiliária,
os moradores. O s c h a m a d o s "planos de m a n e j o " d e v e m perder
na m e d i d a e m que novas c o n s t r u ç õ e s s ã o proibidas, por outro
seu c a r á t e r autoritário, baseado exclusivamente no c h a m a d o "co-
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE
nhecimento científico", incorporando o etno-conhecimento, os mitos e visões d e m u n d o a respeito d o m u n d o n a t u r a l que f a z e m parte d a cultura local.
í b i í o g r a f ía
A D A I M E , R. R. 1987. " E s t r u t u r a , p r o d u ç ã o e transporte e m u m m a n g u e z a l " .
In: Simpósio sobre ecossistemas da costa sul e sudeste brasileira. S ã o P a u l o , A C I E S P , V o l . 1.
A M B R Ó S I O , O . ( n o p r e l o ) . Estudo integrado do ecossistema do Saco do Mamanguá. S ã o P a u l o , Inst. O c e a n o g r á f i c o . A R A N C I B I A , Y . A . 1987. " L a g u n a s costeiras e e s t u á r i o s : c r o n o l o g i a , c r i t é rios e conceptos p a r a u n a classificacion e c o l ó g i c a d e s i s t e m a s cos-
teiros". I n : Simpósio sobre ecossistemas da costa sul e sudeste brasileira. S ã o P a u l o , A C I E S P , V o l 3. B A I L E Y , R. et alli 1992. " D e v e l o p m e n t i n the central A f r i c a n rainforest: c o n c e r n for forest p e o p l e " . I n : C L E A V E R , K. et alli Conservation of west and central African rainforest. W a s h i n g t o n , Banco M u n d i a l , U I C N . B A L É E , W. 1988. " I n d i g e n o u s adaptation to A m a z o n i a n p a l m forest". I n : Principies, 32(2), pp.47-54.
B A R E L , Y . 1973. La reproduction sociale. Paris, Anthropos.
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE
BIBLIOGRAFIA
B O U R G O I G N E , G . 1972. " E t h n o - é c o l o g i e d ' u n e coUectivité r é g i o n a l e ; les cites lacustres e n D a h o m e y " . I n : Canadian Journal of African
Studies,
G U S M Ã O , C . 1990. Mata Atlântica.
R i o de Janeiro: F u n d a ç ã o S O S M a t a
Atlântica, Editora Index.
Is.1.1, n.6. • 1991. Plano de ação para a Mata Atlântica. C Â M A R A C A S C U D O , L . 1992. Dicionário do folclore brasileiro. R i o de Janeiro,
São Paulo, Fundação
S O S Mata Atlântica.
Ediouro. H A R D I N , G . 1969. " T h e T r a g e d y of the C o m m o n s " . I n : Science, n. 162. C Â N D I D O , A . 1964. Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira
paulista
dos meios de vida. R i o de Janeiro, L i v r a r i a J o s é
e n transformação Olympio.
física
Distribuição
dos padrões
espectrais associados
dos manguezais de um sistema costeiro subtropical.
à
estrutura
São Paulo.
T e s e ( L i v r e D o c ê n c i a ) , Instituto O c e a n o g r á f i c o , U n i v e r s i d a d e S ã o
C O R D E L L , ] . 1982. " L o c a l l y m a n a g e d sea territories". I n : Brazilian Fishing.
H E R T Z , R. 1988.
Coastal
Paulo.
Roma, F A O , [mimeo]. I B A M A . 1983. Legislação básica da área de proteção ambiental de Cniruçii.
CONTI, v. M . 1987. Área de proteção ambiental de Cairuçú-Parati-RJ.
Brasília,
Rio
d e Janeiro.
SEMA. K E M P E R S , M . 1993. Ecological planning D A R C - D e p a r t a m e n t o de A t i v i d a d e s R e g i o n a i s da C u l t u r a ( C E P A M )
1990.
in Soutli-East
Wageningen,
Brazil.
U n i v e r s i t y of W a g e n i n g e n , D e p a r t m e n t of Foresty, D e p a r t m e n t of
Encontro sobre Tecnologia Caiçara. S ã o P a u l o , F u n d a ç ã o Prefeito F a r i a
E c o l o g i c a l , A g r i c u l t u r e a n d D e p a r t m e n t of E n v i r o n m e n t P l a n n i n g
Lima.
of A g r i c u l t u r a l .
D I E G U E S , A . C . 1 9 9 4 . 0 mito moderno da natureza intocada. S ã o Paulo, N U P A U B USP.
L A D E I R A , M . 1 9 9 2 . 0 caminhar sob a luz. O território Mhya à beira do oceano. São Paulo. Dissertação (Mestrado),
. 1993. Povos e mares: uma retrospectiva de sócio-antropologia
maríti-
ma. S ã o P a u l o , N U P A U B - U S P . . 1993. Populações
tradicionais
em imidades de conservação:
o mito
biológica e cidturas tradicionais litorâneas: o caso
E S P A C I A I S , 1992/1993. Atlas da evolução dos remanescentes florestais no período
e
1985-
São Paulo.
F U N D A Ç Ã O S O S M A T A A T L Â N T I C A , 1990.
brasileiras,
manual de identificação
e cultivo
de
M A C H A E K ) , z . L . 1989. comercialização.
Camarão
marinho:
cultivo,
capitara, conservação
e
Recife, S U D E N E .
M A T T O S O , A . 1979. Paraty: preservação
versus desenvolvimento
turístico.
São
Paulo, (Monografia para g r a d u a ç ã o ) , F A U - U S P . "Problemas, diretrizes e estra-
tégias de c o n s e r v a ç ã o " . I n : Anais da Reunião Nacional Sobre a Proteção dos Ecossistemas
L O R E N Z I , H . 1992. Árvores Plantarum.
F U N D A Ç Ã O S O S M A T A A T L Â N T I C A & I N S T I T U T O N A C I O N A L D E PESQUl-SAS
associados do domínio da Mata Atlântica
R i o de Janeiro, U F R J .
pilantns arbóreas nativas do Brasil. S ã o P a u l o , N o v a O d e s s a / E d i t o r a
E L I A D E , M . 1991. Imagens e símbolos. S ã o P a u l o , M a r t i n s Fontes.
1990.
L I M A , K. 1989. Democracia e expressão da cidadania: uma perspectiva piara o uso do espaço público.
das comimidades caiçaras. S ã o P a u l o , N U P A U B - U S P .
ecosssistemas
Universidade
L É V I - S T R A U S S , C . 1989. O pensamento selvagem. C a m p i n a s , P a p y r u s .
moderno da natureza intocada. S ã o P a u l o , N U P A U B - U S P . . 1988. Diversidade
Pontifícia
Católica.
Naturais da Mata Atlântica.
São Paulo.
G O D E L I E R , M . 1984. L'idéel et le imatériel. P a r i s , F a y a r d .
M A R T I N E L L I et alli 1983. Análise da situação atual da flora e fauna da ponta do Cairuçú,
no município de Parati. R i o de Janeiro, E l a b o r a ç ã o d o Projeto
de Criação da A P A - Cairuçú. M A Y A R D DE ARAÚJO, Melhoramentos.
A. 1973.
Cultura
Popular
Brasileira.
São Paulo,
Bini.IOGRAFIA
o Nosso LUGAR VIROU PARQUE M C C A Y , B & A C H E S O N , J. (ed.) 1990. The question of the commons.
Tucson,
institutions
on the commons:
for common
property
a comparative
resource
examinntion
of
Duke
mamangemenl.
M C N E E L Y , J. 1993. " A f t e r w o r d - people a n d protected á r e a s , partners i n p r o s p e r i t y " . I n ; K E M F , E . The laio of the mother. S. F r a n c i s c o , Sierra C l u b Book.
d i n â m i c a , p r o c e s s o s d e m i s t u r a e a p l i c a ç õ e s " . I n ; // Simpósio
de
da costa sul e sudeste brasileira. S ã o P a u l o , A C I E S P .
São Paulo, N U P A U B - U S P . (Relatório) M O R I N , E . 1986. O método: conhecimento
(Documento
S I M I E L L I . 1988. Mapa de localização da APA do Cairuçú e da reserva da
do conhecimento.
Lisboa, Publ.
V I A N N A , L ; A D A M S , C & D I E G U E S , A . C . 1994. Conflitos cntrc populações humanas de Conservação
na Mata Atlântica.
São Paulo,
NUPAUB-
U S P . (Relatório d e Pesquisa) Laudo
de Ocupação
comunidade de Tibicanga - Ilhas das Peças e Guaraqueçaba-Paranâ.
M U S S O L I N I , G . 1980. " A s p e c t o s d a c u l t u r a e d a v i d a s o c i a l n o l i t o r a l b r a s i l e i r o " . I n : C A R O N E , E . (org.) Ensaios de antropologia
indígena
e
D . ( e d . ) 1989. The ends of the earth:
da
São
1980. " O s japoneses e a pesca c o m e r c i a l n o litoral norte d e
S ã o P a u l o " . I n : C A R O N E , E . (org.) Ensaios de antropologia
indígena
e
caiçara. R i o d e Janeiro, P a z e T e r r a . N O V E L L I , Y . S. [s.d.]. Importância do manguezal e suas comunidades. S ã o P a u l o , A s s o c i a ç ã o L a t i n o a m e r i c a n a d e Investigadores e m C i ê n c i a s d o M a r . . 1987. " M a n g u e z a i s brasileiros: r e g i ã o S u d e s t e - S u l " . I n : Simpósio da costa sul e sudeste brasileira. S ã o P a u l o , A C I E S P ,
V o l . 1. pêche
et tourisme
maritime et enjeux amémgistes
à
dans la pcchc
Trindade: littorale
Québec, Université Lavai. the Atlantic rain forest of Brazil. T l i e N e t h e r l a n d s ,
SPB Academic Publishing - The Hague.
perspectives
on
modem
history. C a m b r i d g e , C a m b r i d g e U n i v . Press.
X A V I E R , J. S. 1987. Análise Ambiental
da APA de Cairuçú.
Trabalho apresen-
tado ao W O R K S H O P PARA Z O N E A M E N T O D E Á R E A S D E P R O T E Ç Ã O A M B I E M T A L .
Curitiba.
caiçara. R i o d e Janeiro, P a z e T e r r a .
P L A N T E , S & B R E T O N , Y . 1994. Espace,
WORSTER,
environmental
estudo de sociologia diferencial. S ã o P a u l o , F F L C H - U S P .
P O R , F . 1992. Sooretama,
brasileiro.
R i o d e Janeiro, RBM E d i t o r a .
P a u l o , lAMA.
M O U R Ã O , F. A . A . 1971. Os Pescadores do litoral sul do Estado de São Paulo: um
sobre ecossistemas
juatinga.
São Paulo, I B G E .
W I N T E R , J.; R O D R I G U E S , E . & M A R I C O N D I , M. 1990.
Europa-América.
brésiUenne.
São Paulo, F U N D A P .
trabalho)
e Unidades
M O R E I R A , A . C . 1993. Projeto de estudo integrado do sudeste do Rio de Janeiro.
anthropologie
Paulo e intervenção governamental.
S P I L M A M , M. 1991. Guia Prático de identificação dos peixes do litoral
M I R A N D A , L . B . 1990. " S i s t e m a s e s t u a r i n o s d e p l a n í c i e costeira: e s t r u t u r a
.
S I L V A , E . F . 1988. Estudo sobre o meio ambiente: problemas no Estado de São de
University ( n ã o publicado).
ecossistemas
Belo H o r i z o n t e , Itatiaia. ( C o l e -
ç ã o Z o o l o g i a Brasileira; v . l )
U n i v e r s i t y of A r i z o n a Press. M C K E A N , M . 1989. Sucess
S A N T O S , E . 1983. Nossos peixes marinhos.
ntonio Carlos S a n f A n a Diegues é antropólogo, com doutorado na Universidade de São Paulo e École des Hautes Études en S c i e n c e s Sociales, em Paris. É diretor científico do NUPAUB - Núcleo de Pesquisa sobre Populações Humanas e Áreas Úmidas e professor do Programa de pósgraduaçâo em Ciência Ambiental da USP. É autor de vários livros sobre a relação entre sociedade e natureza, sendo os principais: Ilhas e Mares: simbolismo e imaginário (Hucitec), O Mito moderno da natureza intocada (Hucitec), Povos e Mares (Nupaub), Ecologia humana e planejamento das áreas costeiras (Nupaub), Pescadores, C a m p o n e s e s e Trabalhadores do Mar (Ática). Paulo José Navajas Nogara é biólogo, com mestrado na Universidade de Quebec - Canadá, tendo apresentado a tese: O parque marinho de S a g u e n a y Saint Laurent. É pesquisador do Nupaub, com especialização em planejamento de parques marinhos, trabalhando na região de Parati.