O Nosso Lugar Virou Parque.pdf

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A terceira edição do Nosso

Lugar

Virou

Parque

vem demonstrar o interesse crescente pelas questões relativas à conservação ambiental, à biodiversidade e ao papel das populações tradicionais na defesa de seu modo de vida dependente do uso sustentável dos recursos naturais. O fato desse trabalho ter sido realizado por cientistas naturais e sociais, em envolvimento direto com as comunidades caiçaras aponta para a necessidade de se construir uma nova ciência da conservação ambiental no Brasil, a partir de uma reflexão sobre a nossa realidade ecológica e cultural e não a partir da transposição de modelos dos países do Norte. Esta publicação, que conta com o apoio da Fundação Ford, foi realizada a partir de trabalho de campo dos pesquisadores do NUPAUB-USP.

A^Diegues & P. Nogara

A conservação do m u n d o n a t u r a l , através de p a r q u e s nacionais e outras áreas protegidas t o r n o u - s e u m dos maiores objetivos das políticas públicas de m e i o - a m b i e n t e . C o m o , no e n t a n t o , a quase totalidade dessas unidades prevê o d e s l o c a m e n t o dos antigos m o r a d o r e s ,

Antonio Carlos

Diegues

raulo José Navajas

Nogara

p r i n c i p a l m e n t e das c o m u n i d a d e s tradicionais tais como sertanejos, c a i ç a r a s e c a b o c l o s , os p a r q u e s n a c i o n a i s , c u j o m o d e l o foi i m p o r t a d o d o s E s t a d o s U n i d o s no i n í c i o d e s t e s é c u l o t o r n a r a m - s e t a m b é m u m sinal de conflito, e e m m u i t o s casos, de opressão desses g r u p o s sociais. Hoje, já é aceito por grande parte dos cientistas que a presença dessas populações tradicionais dentro dos parques, não n e c e s s a r i a m e n t e l e v a à sua d e s t r u i ç ã o mas pode contribuir

O NOSSO

LUGAR VIROU

L s t u d o 5 o c i o a m b í e n t a l d o Saco

para o ê x i t o dessas unidades de seja d e v i d a m e n t e i n c o r p o r a d a , é preciso

5a. edição

m u d a r os p a r a d i g m a s da c i ê n c i a da c o n s e r v a ç ã o do m u n d o n a t u r a l , essa t a m b é m i m p o r t a d a de p a í s e s c o m ecossistemas e culturas distintas d a q u e l e s q u e t e m o s e m nosso país. Este livro, f r u t o de t r a b a l h o de u m antropólogo e um biólogo acenam para a n e c e s s i d a d e da c o n s t r u ç ã o d e u m m o d o novo de ver a relação e n t r e c o m u n i d a d e s tradicionais e parques que poderíamos c h a m a r d e e t n o b i o l o g i a da c o n s e r v a ç ã o .

Capa:

Frederico

Carvalho

de

M a m a n g u á - P a r a t i - K í o de J a n e i r o

significativamente

c o n s e r v a ç ã o . Para q u e e s s a c o n t r i b u i ç ã o

PARQUE

pau lo 200:5

© da organização, 2005, Antonio Carlos Diegues © direitos de publicação, 2005. do Núcleo de Apoio à Pesquisa sobre Populações Humanas e Áreas Úmidas Brasileiras (NUPAUB-USP) Rua do Anfiteatro, 181 — Colmeias — Favo 6 05508-060 São Paulo - Brasil (55 I I) 3091.3307 / 3091.3142 / 3091.3425 / 3091.3089 home page: www.usp.br/nupaub

O NOSSO

LUGAR VIROU

TARQU

e-mail: [email protected]

i L s t u d o S o c i o a m b i e n t a l d o S^co

A p o i o : Fundação F o r d

de

Mamanguá - f a r a t i - K'o de Janeiro

Projeto Gráfico e Diagramação Eiiane Cristina Santos

5a. edição

Capa Frederico Corvaího Revisão dos originais Antonio Carlos Diegues

C-Oordenação

Fotos de capa e encartes

geral

Antonio Carlos Diegues

Paulo José Navajas Nogara Antonio Carlos Diegues

Catalogação na Fonte BibliotecáriarVera Lúcia de Moura Accioli Cardoso CRB-8/2269 Diegues.Antonio Carlos Sant'Ana O nosso lugar virou parque: estudos socioambiental do Saco do Mamanguá - Parati - Rio de Janeiro / Antonio Carlos Sant'Ana Diegues e Paulo José Navajas Nogara. 3a. ed. São Paulo: Núcleo de Apoio à Pesquisa sobre Populações Humanas e Áreas Úmidas Brasileiras. USR 2005. Bibliografia: I75p. ISBN: 85-87304-0 M

<^°° 301.31 I8*.ed. 301.32

I. Ecologia humana. II.Antropologia marítima. III. Natureza e sociedade. IV. Populações tradicionais em áreas naturais protegidas.V. Nogara. Paulo José Na vajas-VI.Titulo.

Pcscjuisadorcs

dc

Campo

1 '^'^lo J o s é N a v a j a s N o g a r a R o s a n a G r a n i e r i (estagiária

(£)iólogo) - Qcncias

R o k s o n 5 , i v 3 K o c h a (pcscjuisaJor

Sociais)

- Oéncias

V i m „ K n w a m u r a G o n ç a l v e s (cstagiáría

- Qências

Navais) Sociais)

Pref á cio

N

ESSES DE-z ANOS que se passaram entre a p r i m e i r a e d i ç ã o do Nosso Lugar virou Parque (1994) e hoje, o Saco de M a m a n g u á

sofreu u m a série de m u d a n ç a s sociais, dentre as quais a diminuição drástica das atividades agrícolas, que desapareceram na maioria dos povoados e praias, circunscrevendo-se a lugares mais distantes onde a l g u n s c a i ç a r a s ainda praticam o cultivo e a p r o d u ç ã o de farinha da m a n d i o c a . A v e n d a das posses aos turistas, aliada às dificuldades impostas pela legislação ambiental, fizeram c o m que 'is roças ficassem cada vez mais distantes do local de moradia. Ao

a b a n d o n o g r a d a t i v o da l a v o u r a , c o r r e s p o n d e r a m

um

'aumento das atividades pesqueiras, sobretudo da pesca artesanal do c a m a r ã o branco de alto valor de mercado, o incremento da renda gerada pelo transporte de turistas e a intensificação do artesanato feito de caixeta. T o d a s essas novas atividades f a z e m c o m que o

o

PREFÁCIO

Nosso L U G A R V I R O U P A R Q U E

caiçara local fique cada vez mais dependente da compra de produtos

conhecido que tenha u m barco motorizado, o que n e m s e m p r e é

industrializados da cidade e menos ligado aos ciclos naturais que

possível. H á muito tempo, a p o p u l a ç ã o v e m solicitando u m barco

regiam seu m o d o de vida.

à Prefeitura de Parati que garantiria o transporte público, mas s e m

E s s a s novas atividades, principalmente o turismo, s ã o sazonais

resultado.

e exercidas principalmente nos poucos meses de v e r ã o e durante

Nesta s i t u a ç ã o , os barcos motorizados dos donos de casas de

os feriados, gerando alguma renda que acaba q u a n d o termina a

veraneio que s ã o deixados com seus caseiros, acabam s e r v i n d o

e s t a ç ã o dos turistas ou a construção da casa do veranista. É preciso

para o transporte desses moradores locais. N u m caso, a única trilha

ressaltar a i n d a que i n ú m e r a s m a n s õ e s estão sendo c o n s t r u í d a s ,

da M a r g e m P e n i n s u l a r teve seu t r a ç a d o tradicional alterado por

principalmente na região peninsular pertencente à Reserva

passar n a praia de u m p r o p r i e t á r i o de fora, tendo este feito u m

Ecológica, área non-edificmidi.

outro caminho, mais penoso, por se tratar de u m a subida í n g r e m e .

A i n d a que mais da metade dos moradores afirme que os turistas t r a z e m b e n e f í c i o s ao lugar, outros v ê e m essa a t i v i d a d e c o m

No entanto, porque ele cede seu barco para o transporte de doentes, o referido p r o p r i e t á r i o é " d e s c u l p a d o " por situações como esta.

ceticismo, u m a v e z que os veranistas que c o n s t r u í r a m suas casas

U m aspecto positivo é a diminuição da m i g r a ç ã o para os bairros

de luxo trazem seus mantimentos de fora, c o n s u m i n d o pouco no

pobres de Parati. Nota-se t a m b é m u m a o r g a n i z a ç ã o crescente da

c o m é r c i o local.

p o p u l a ç ã o local e m torno da A M A M , criada e m 1992, que inclui

O s problemas de s a ú d e s ã o particularmente graves e m toda a

tanto turistas como moradores. A s gestões mais recentes da A s -

á r e a , sobretudo pelas m á s c o n d i ç õ e s sanitárias, já que n ã o existe

s o c i a ç ã o têm conseguido algumas m u d a n ç a s importantes, como

á g u a tratada e poucos moradores têm fossas sépticas o u esgotos.

por exemplo, o fim da a h v i d a d e dos barcos de arrasto de c a m a r ã o ,

N a maioria das vezes, a á g u a é coletada e m riachos que d e s c e m

que v i n d o s de Parati v a s c u l h a v a m o interior do Saco, p r o v o c a n d o

das montanhas, e m princípio, de á g u a pura. N o momento da cap-

a morte de i n ú m e r o s filhotes de peixes. A partir de m e a d o s d a

tação, os tanques ficam descobertos e a á g u a t a m b é m é u s a d a por

década de 1990, a A M A M , e m colaboração com os pescadores locais,

animais selvagens o u domesticados. A l é m disso, grande parte dos

c o m e ç o u a implementar os dispositivos de e x c l u s ã o de arrasto

moradores n ã o usa latrinas, o que contribui para o surgimento de

{DEAs), constih.u'dos por b*locos pesados de cimento com vergalhões

várias enfermidades transmissíveis como a hepatite. A d e m a i s , têm

de ferro que r e t ê m as redes usadas para capturar ilegalmente o

aparecido t a m b é m alguns casos de leishmaniose, u m a espécie de

c a m a r ã o . A p e s a r da resistência dos donos de barcos e de várias

úlcera de pele que se não tratada apropriadamente pode trazer pro-

a m e a ç a s , a i m p l e m e n t a ç ã o desses d i s p o s i t i v o s , a p o i a d a p e l a

blemas sérios à s a ú d e . O fato do r e c é m c o n s t r u í d o posto de s a ú d e

C a p i t a n i a dos Portos e pelo Ibama, e l i m i n o u a pesca de arrasto e,

funcionar com pouca regularidade, com rara p r e s e n ç a de m é d i c o s

como consequência, os estoques pesqueiros voltaram a se reproduzir

e falta de remédios também não tem colaborado para u m a melhoria

beneficiando os pescadores locais. A l é m disso, a A M A M c o n s e g u i u

das c o n d i ç õ e s de s a ú d e local. N o entanto, algumas melhorias no

construir sua sede na Praia do C r u z e i r o onde s ã o feitas as reuniões

setor de saúde, como tratamento dentário, tem ocorrido por iniciativa

da A s s o c i a ç ã o , c u r s o s de m e l h o r i a do artesanato e v e n d a de

da A M A M — A s s o c i a ç ã o de Moradores e A m i g o s do M a m a n g u á .

produtos locais.

A s s o c i a d a às c a r ê n c i a s de s a ú d e está a falta de transporte

A A M A M t a m b é m tem combatido o projeto de c o n s t r u ç ã o de

regular para levar os doentes à cidade de Parati, onde p o d e m

"•'ma marina no F u n d o do Saco, por iniciativa de ricos proprietários

receber a l g u m tratamento, ainda que precário. P o r é m , muitos têm d i f i c u l d a d e d e pagar o frete e r e c o r r e m a a l g u m parente o u

C o n d o m í n i o L a r a n j e i r a s e tem c o n s e g u i d o b l o q u e a r essa c o n s t r u ç ã o com a c o l a b o r a ç ã o do Ministério Público.

o Nosso LUGAR VIROU

PREFÁCIO

PARQUE

U m a atividade cada vez mais importante para os moradores é o

experiência importante nesse sentido foi realizada pelas c o m u n i -

artesanato especializado em reproduções de e m b a r c a ç õ e s feitas de

dades do Parque Estadual da Ilha do Cardoso e m C a n a n é i a , litoral

caixeta e que já s ã o consideradas u m a das mais a p r i m o r a d a s e m

sul paulista, onde os caiçaras s ã o donos de pousada e tentam m a n -

todo o Brasil. A o m e s m o tempo, c o m e ç a m a surgir iniciativas de

ter v i v o s o m o d o de v i d a , as d a n ç a s e as m ú s i c a s tradicionais. A

manejo florestal que p o d e r ã o garantir a r e p r o d u ç ã o de u m a das

aquicultura familiar baseada no mexilhão e na ostra pode ser tam-

poucas manchas de caixeta ainda existentes no litoral fluminense.

bém u m a alternativa para essas comunidades, como v e m ocorrendo

Por outro lado, é verdade que o m o d o de v i d a tem se mantido,

na Reserva Extrativista M a r i n h a do M a n d i r a e m C a n a n é i a .

e m parte porque ainda n ã o existem estradas que coloquem a região

C o l o c a r essas c o m u n i d a d e s e m contato u m a s com as outras,

ao alcance do turismo de massa. O m e s m o pode ocorrer c o m a

trocando e x p e r i ê n c i a s , é u m a atividade fundamental neste m o -

instalação da energia elétrica. Por enquanto, a energia para escola

mento. O importante é que, a t r a v é s d c u m conjunto de atividades

e para o centro de s a ú d e é garantida por placas solares e pequenos

dependentes dos recursos naturais, os c a i ç a r a s p o s s a m melhorar

geradores. O acesso por mar a Parati-Mirim, onde existe transporte

sua r e n d a e s u a qualidade de v i d a , guardando sua c o n d i ç ã o de

por ônibus para Parati, é feito por barcos a motor pertencentes a

produtores a u t ó n o m o s . N e s s e processo, é fundamental que eles

moradores da região. A U n i d a d e de C o n s e r v a ç ã o existente - Reserva E c o l ó g i c a , n ã o existe n o S N U C (Sistema Nacional de U n i d a d e de C o n s e r v a ç ã o ) e, portanto, no futuro, deverá passar por u m a m u d a n ç a de categoria. A Reserva de Desenvolvimento Sustentável ou Reserva Extrativista que p r e v ê e m o uso controlado dos recursos naturais p o d e r i a m ser aplicadas à á r e a costeira habitada das c o m u n i d a d e s e ao corpo de á g u a do p r ó p r i o Saco de M a m a n g u á . Pela sua riqueza biológica, essa área estuarina deveria ser de uso exclusivo dos moradores locais para atividades de pesca e aquicultura. D e v e r i a estender-se t a m b é m às áreas usadas para a agricultura, manguezais e caixetais. A implementação de uma marina, no entanto, pode ser u m a a m e a ç a direta a essa proposta, devido aos impactos negativos que teria para a pesca e para a aquicultura. A s áreas de floresta nas regiões mais elevadas que não são usadas produtivamente pelas comunidades poderiam ser transformadas e m outras unidades de proteção integral como Parque Nacional. Já a i m p l e m e n t a ç ã o de u m a Reserva de Desenvolvimento Sustentável ou de u m a Reserva Extrativista p r e v ê e m u m a sólida o r g a n i z a ç ã o c o m u n i t á r i a , d a qual já existe u m e m b r i ã o na A M A M . É importante que as c o m u n i d a d e s se o r g a n i z e m para retirar o m á x i m o proveito do turismo, seja a t r a v é s da c o n s t r u ç ã o de p o u sadas o u da a m p l i a ç ã o de suas casas para receber turistas. U m a

tenham tempo suficiente para se a d a p t a r e m às m u d a n ç a s que, aliás, já v ê m ( K o r r e n d o , f r e q u e n t e m e n t e a u m ritmo muito a c e l e r a d o , mais r á p i d o do que aquele ao qual estão acostumados.

PREFÁCIO

.

INTHOPUÇÃO.

.

1.

A

HISTÓRIA

.

.

.

.

.

SOCIOAMBIENTAL

.

.

.

. .

.

.

.

. .

.

v 17

.

A Hístót-13 de M^m^nguá na Histói-i3 4e Parati

23

26

Elementos da Histói-ia Oi-aMo Saco de Mamanguá .

.

32

2-

Os

DIVERSOS ESPAÇOS

HUMANIZADOS

.

.

4-1

^-

Os

MORAPORES

.

.

.

51

Os

ECOSSISTEMAS, SEUS RECL/RSOS E OS

.

.

.

.

. .

Wsos PELA P O P U L A Ç Ã O L O C A L

.

.

.

.

.

57

Os Ecossistemas da Região

.

.

.

.

.

57

o

SUMÁRIO Nosso LUGAR VIROU PARQUE

3) A M^t3 Atlântica b) A Zon^ Esiu^Hn^

.







• .

• .

^/ 62

REPRESENTAÇÕES

A Terra dos Escravos

.

Os Vários Mares .

.

As Formas de Utilização dos Recursos Naturais da Mata Atlântica

- O AUt Grosso

- O M^r-de-Pentro: ^5

.

. .

. .



. .

.

.

.

68 70

Naturais da Zona Estuarina.







.

.

A Ciência do Concreto e a Ciência Moderna . O

Populações Tradicionais Caiçaras

.

.

.

. 8 7

.

.

Fabricação da Farinha

88 94

A Tecnologia Patrimonial na Pesca

.



.

.

95

As Embarcações .

.

.



.

.

97

E SOCIAIS

.

.



As

PRÁTICAS

ECONÓMICAS

. 1 0 1

Os Pescadores . .

ty) PG5c:i4ore5 Attes:}n:)is. Os Lavradores

.

.

Os Empregados dos Turistas

.

.

.

.

.

. .

Os Aposentados .

. .

.

.

.

.

.

.

.

.

9.

A

V I P A PO LUGAR S E N T I P A PELOS M O R A D O R E S .

10.

A

RESERVA E C O L Ó G I C A PA J U A T I N C A :

PROPOSTA

PE Á R E A

Concepção de Planos de Manejo CONCLUSÁO

.

.

127

.

.

127

.

.

130

.

.

135

.

.

143

.

153

.

159

.

. 1 6 1

.

.

.

.

.

.

.

.

167

BIBLIOGRAFIA .

.

.

.

.

.

.

.

171

TABELAS

105

112

"í^belal.

População de Mamanguá

.

.

.

.

.

117

"Tabela 2.

Idade dos Casais, por Faixa Etária,

A Complementaridade de Atividades Económicas

.

.



.

.

A Conservação da Biodiversidade e uma Nova



.

"126

. 1 5 9

.

.

.

A Reserva vista pelos Moradores

.

.

.

UMA N O V A

N A T U R A L PROTEGIPA!*

.

.

. 1 2 3

SISTEMAS DE A C E S S O Ã T E R R A

117 .

.

.

109

Os Artesãos Os Comerciantes.

.

.

105

^) Pesc^doi-es Ernh^rc^dos

.

o Estuário .

.

.

77 81

M O D O PE V I P A E AS T E C N O L O G I A S C A I Ç A R A S .

.

E A O S RECURSOS N A T U R A I S

75

As Formas de Utilização dos Recursos

E FESTAS.

O Tempo da Natureza, o Tempo Mercantil e o Tempo da Memória . . . H.

As Formas de Utilização dos Recursos Naturais do Mangue . .

6.

SIMBOLISMOS,

O Vso dos Recursos Naturais pela População Local

3) aç3 h) O Extr^tivismo . c) A Agricultura 4g Suhsistênci:^.

5.

7.

em Porcentagem

.

.

.

.

.

.

117

Tabelas.

Média de Filhos por Casal

.

.

118

"Tabela 4.

Local de Nascimento dos Pais

.

.11H

'^^^^k 5. "^'"íbcU 6.

.

.

.

.

52

.

.

53

. .

Grau de Alfabetização dos Pais Caça: Espécies mais Caçadas

.

. .

. .

54 .

. .

54 .

.

55 69

o

Nosso LUGAR VIROU PARQUE

Tabela 7a-

Tabela 26.

Extrativismo: Espécies Vegetais Utilizadas no Artesanato

.

.

71

Extrativismo: Madeiras Utilizadas nas Construçõesde Casas, Canoas e Barcos

.



72

Extrativismo: Espécies Vegetais Utilizadas na Alimentação

.

.

73

Tabelas.

Lavoura: Calendái-ioAgrícola-

.

.

74

Tabela 9.

Mangue: Recursos Naturais Extraídos do Mangue . .

Tabela 7b. Tabela 7c.

Tabela 10. Tabela 11Tabela 12.

.

.

.

Zona Estuarina: Utilização dos Recursos Estuarinos . .

-

.

.

.

Principal Atividade Económica dos Chefes de Família ^ ^ 7 5 0 ; . . . .

.

77 79

Atividades Complementares por chefe de família .

.

.

.

Tabela 27,

Renda Familiar.

.

.

.

Tabela 28.

Festas que Participam os Chefes de Família •

Tabela 29.

Situação da Posse da Terra em Porcentagem

Tabela 30.

Problema Segundo os Chefes de Famílias

Tabela 31.

Opinião sobre Turismo .

Tabela 32.

Grau de Informação sobre a Reserva Ecológica da ^uatinga . . .

.

Opiniões sobre a Reserva Ecológica daJuatinga . . . .

.

Tabela 33.

.

103

Principal Atividade Económica dos chefes de Família por Área

Tabela13.

Pesca Embarcada - Tipo de Pesca

.

.

105

Tabela 14-.

Pesca Embarcada - Função no Barco

.

.

105

Tabela 15.

Pesca Embarcada - Tempo de Embarque Cem anos)

.

.

.

.

106

Tabela 16.

Pesca Embarcada - Preferência de Trabalho.

107

Tabela 17.

Pesca Artesanal - Tipo de Pesca Praticada

109

Tabela 18.

Pesca Artesanal - Propriedade dos Aparelhos de Pesca

.

.

MAPAS

104-

.

Tabela 19.

Pesca Artesanal - Com Quem Trabalha

Tabela 20.

Pesca Artesanal - O Que Fazia

.

.

.

110





110

Antes de Pescar

111

Tabela 21.

Lavoura - Espécies Plantadas.

.

Tabela 22.

Lavoura - Com Quem Trabalha

Tabela 23.

Lavoura - Distância do Terreno da Roça .

Tabela 24.

Lavoura - Posse do Terreno

Tabela 25.

Lavoura - Destino do Produto

.

.

113

.

.

115

.

115

.

.116 .

.

,

116

Mapa 1.

Localização do Saco de Mamanguá

Mapa 2.

Distribuição das Antigas Fazendas na Região do Saco do Mamanguá .

Mapa 3.

Distribuição da População nos Diversos Ambientes do Saco de N\^m^D^u^ .

Introdução

E

STE TRABALHO f o i r e a l í z a d o p o r p e s q L i i s a d o r e s d o

NUPAUB

( N ú c l e o d e A p o i o à Pesquisa s o b r e P o p u l a ç õ e s H u m a n a s c

Areas Ú m i d a s Brasileiras da U n i v e r s i d a d e de São Paulo), fazendo

parte de u m esforço conjimto de conhecimento da região costeira de Parati - Rio de Janeiro, com o Departamento de Antropologia da U n i v e r s i d a d e L a v a i - C a n a d á . E s s e programa conjunto de pesquisas é c o o r d e n a d o pelo prof. Y v a n B r e t o n (Lavai) e pelo prof. Antonio Carlos D i e g u e s (USP). Entre as várias pesquisas propostas, d u a s já I t i r a m terminadas: Espaço, Pesca e Turismo em Trindade

(Rj),

com

'"•-'latório publicado por Steve Plante e Y v a n Breton (1994) e o presente estudo. O primeiro trabalho pretende analisar a ocitpaç ã o do e s p a ç o pelos moradores d a Praia de T r i n d a d e (RJ), sobretua p ó s os conflitos entre a p o p u l a ç ã o local e a Brascan que Pretendia instalar aí u m grande complexo turístico na d é c a d a de "^^^ Ênfase especial foi d a d a à questão dos impactos d o turismo e ^^'T pesca sobre a c o m u n i d a d e d a Praia de T r i n d a d e .

o

Nosso LUGAR VIROU PARQUE

INTRODUÇÃO

O presente estudo pretende fornecer subsídios ao conhecimen-

ca e m b a r c a d a " abriu u m a nova d i m e n s ã o na r e p r o d u ç ã o social e

to d a á r e a estuarina e de M a t a Atlântica que foi transformada e m

cultural dos moradores, sobretudo os jovens que p a s s a r a m a ex-

o u t u b r o d e 1 9 9 2 na RESERVA E C O L Ó G I C A E S T A D U A L DA J U A T I N G A . O fato

plorar recursos m a r i n h o s distantes d e s u a s v i l a s e praias, dentro

de sor u m a u n i d a d e de p r o t e ç ã o restritiva, que legalmente n ã o

de u m sistema de trabalho bastante distinto daquele caracteriza-

permite a p r e s e n ç a de p o p u l a ç ã o em seu interior, causa conflitos e

do c o m o pesca de subsistência e pesca artesanal. N e s s e sentido,

impactos sobre o m o d o de v i d a tradicional caiçara a i n d a existente

s u r g i u u m g r u p o de "pescadores m a r í t i m o s " , c o m d i n â m i c a p r ó -

na á r e a . A i n d a que haja, n o texto d a lei d e c r i a ç ã o da R e s e r v a ,

pria, v i v e n d o quase que exclusivamente do ambiente m a r i n h o e

m e n ç ã o sobre a i m p o r t â n c i a da cultura local ( c a i ç a r a ) , a a p l i c a ç ã o

seus recursos, que, desde a d é c a d a de 7 0 , p a s s o u a ser estudado

da legislação atual restritiva quanto ao uso dos recursos naturais

pela "antropologia m a r í t i m a " . Essas novas p r á t i c a s socioculturais

repercutirá sobre as formas tradicionais d e uso dos recursos natu-

da "gente do m a r " d ã o ao ambiente marinho u m a d i m e n s ã o antro-

rais. Por outro lado, a d e c l a r a ç ã o dessa reserva d e v e r á acarretar o

pológica e s ã o marcadas pelas propriedades naturais socializa-

fim, o u pelo menos a r e d u ç ã o , da e s p e c u l a ç ã o imobiliária que já é

das. E s s a s práticas, no entanto, não d e p e n d e m exclusivamente

visível na área e que por si só tem causado m u d a n ç a s consideráveis

do mar, meio " n a t u r a l " socializado, m a s t a m b é m d e formas d e

no m o d o de v i d a da p o p u l a ç ã o local.

o r g a n i z a ç ã o da p r o d u ç ã o (Diegues, 1 9 9 3 ) . C o m o surgimento d a

D e v e - s e ressaltar que o E s t a d o d o R i o de Janeiro é u m dos que

"pesca e m b a r c a d a " configura-se uma relação complexa entre os

m a i s apresentam conflitos entre as p o p u l a ç õ e s moradoras de á r e -

pescadores artesanais (e alguns t a m b é m de subsistência) e os

as naturais protegidas e as a d m i n i s t r a ç õ e s dessas u n i d a d e s de

pescadores embarcados, ainda que, muito frequentemente, os se-

c o n s e r v a ç ã o . E s t u d o recente do N U P A U B ( V i a n n a , A d a m s &

g u n d o s voltem à pesca artesanal n o p e r í o d o do " c l a r o " ( q u a n d o

Diegues, 1 9 9 4 ) mostra que cerca de 7 4 % das u n i d a d e s d e conser-

não se pesca s a r d i n h a ) , nos longos p e r í o d o s de defeso (quando

v a ç ã o restritivas do Estado do R i o d e Janeiro tem p o p u l a ç ã o e m

essa pesca é proibida) e t a m b é m durante o tempo e m que se espe-

seu interior, gerando u m a série de conflitos que i n c i d e m negati-

ra u m n o v o embarque.

vamente sobre a c o n s e r v a ç ã o da área e sobre o m o d o de v i d a das

O u t r o s processos, no entanto, colaboram para alterar o m o d o d e v i d a tradicional, como o surgimento das igrejas "crentes", e d o turismo.

p o p u l a ç õ e s locais. O s resultados dessa c a r a c t e r i z a ç ã o p r e l i m i n a r m o s t r a m q u e as p o p u l a ç õ e s de M a m a n g u á , apesar de seu isolamento g e o g r á -

A p e s a r desses processos, e da forte e m i g r a ç ã o que tem ocorri-

fico relativo, estão inseridas em processos de m u d a n ç a social e

do, os moradores das praias de M a m a n g u á ainda d e p e n d e m , para

cultural que passaram a alterar seu modo de vida tradicional, prin-

'1 r e p r o d u ç ã o de seu modo de v i d a , do uso dos recursos naturais,

cipalmente a partir dos anos 4 0 - 5 0 . E n t r e os processos socioeco-

da Mata Atlântica, seja d a p r ó p r i a z o n a estuarina. N e s s e sen-

n ó m i c o s e n v o l v i d o s na m u d a n ç a social deve-se ressaltar o início

tido, sua v i d a é marcada pelas d u a s e s t a ç õ e s principais, o tempo

da "pesca e m b a r c a d a " , pela qual os jovens passaram a pescar fora

q>-iente e o tempo frio. Sobretudo a partir dos anos 7 0 criou-se

da á r e a , e m barcos de sardinha, as traineiras. E s s e tipo de pesca

^•nia outra e s t a ç ã o ; a dos turistas que entre d e z e m b r o e fevereiro

que se c o n t r a p õ e à pesca artesanal realizada n o interior d o e s t u á -

casas, assentam barracas o u p a s s a m o dia no lugar, v o l -

rio é r e s p o n s á v e l pelo aparecimento d c u m g r u p o d e moradores

''indt) a P a r a t i - M i r i m o u a Parati. É t a m b é m nesse p e r í o d o que

que p a s s a m a maior parte do tempo na captura da s a r d i n h a e

'^^••'itos moradores se transformam e m a r t e s ã o s , p r o d u z i n d o v á -

outras espécies, e m u n i d a d e s de p r o d u ç ã o (as traineiras) muito mais complexas que as existentes anteriormente (a canoa). A "pes-

'^>s artigos, c o m o miniaturas de barcos, gamelas, p á s s a r o s , feitos *• ^' " l a d e i r a de caixeta.

o

Nosso LUGAR VIROU

PARQUE

INTRODUÇÃO

A o r g a n i z a ç ã o social ainda é baseada na família extensa e no parentesco. U m a parcela importante tem sua subsistência assegurada pela pequena agricultura, sobretudo o cultivo da mandioca, d a q u a l extraem a farinha, base d a a l i m e n t a ç ã o local. O dinheiro para aquisição dos produtos industrializados é conseguido pela v e n d a do excedente de peixe, dos artigos de artesanato, do emprego com turistas ( c ons t r u çã o , caseiros, dias de trabalho, e t c ) . U m a das p r e o c u p a ç õ e s do trabalho é t a m b é m analisar o i m pacto da t r a n s f o r m a ç ã o do Saco de M a m a n g u á e m R e s e r v a E c o lógica E s t a d u a l , que pela legislação atual n ã o admite a p r e s e n ç a de p o p u l a ç ã o e m seu interior. Essa legislação é hoje ainda muito! rígida no que se refere ao uso dos recursos naturais, limitando ei proibindo atividades tradicionais como o corte de m a n g u e para aj c o n s t r u ç ã o de moradias; corte de á r v o r e s para a fabricação de! canoas; de ci pós para manufatura de cestas e balaios; de caixeta para artesanato e até a lavoura de subsistência. O decreto de criaç ã o dessa Reserva tem gerado u m ambiente de a p r e e n s ã o entre os moradores, principalmente de vi do à d e s i n f o r m a ç ã o sobre o significado dessa " á r e a natural protegida". C o m o e m toda " u n i d a d e de c o n s e r v a ç ã o " , o I B A M A (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e o l E F (Instituto E s t a d u a l de Florestas do R i o de Janeiro) pret e n d e m estabelecer zoneamento

u m "plano de manejo", instrumento

e p l a n i f i c a ç ã o a m b i e n t a l pelo q u a l se

de

pretende

d i s c i p l i n a r o u s o do solo e dos recursos naturais. A t é hoje, no entanto, esses estudos s ã o realizados de forma t e c n o c r á t i c a , s e m n e n h u m a consulta à p o p u l a ç ã o de moradores que aí r e s i d i a m antes m e s m o do estabelecimento

da R e s e r v a E c o l ó g i c a . É

n e c e s s á r i o , portanto, que esses planos de manejo sejam repens a d o s para que tenham a l g u m a utilidade e n ã o sejam s i m p l e s mente instrumentos de r e p r e s s ã o , de p r o i b i ç õ e s e r e s t r i ç õ e s ao m o d o d e v i d a tradicional dos moradores. N e s s e sentido, a partic i p a ç ã o dos m or a dor e s é fundamental para o plano de uso d a R e s e r v a , garantindo a c o n s e r v a ç ã o tanto d a d i v e r s i d a d e biológica quanto da d i v e r s i d a d e sociocultural (Diegues, 1993).

O N U P A U B pretende, c o m esse trabalho, dar subsídios ao planejamento e plano d e manejo dessa á r e a que e m s u a M a r g e m Penins u l a r faz parte d a Reserva Ecológica d a Juatinga. E s s e p l a n o d e v e necessariamente e n v o l v er a p o p u l a ç ã o de M a m a n g u á n ã o s ó pelo grande conhecimento que p o s s u e m dos recursos naturais, d e seus ciclos de r e p r o d u ç ã o , como t a m b é m porque ali é s e u " l u g a r " . O trabalho de pesquisa se iniciou e m julho d e 1993, c o m u m censo p r e l i m i n a r que cobriu a totalidade das famílias (cerca d e 119), colhendo i n fo rmaçõ es básicas. Posteriormente, a t é d e z e m bro do m e s m o ano foram aplicados 35 questionários atingindo cerca de 30% das famílias de moradores, de forma aleatória, distribuídas na M a r g e m Peninsular, na M a r g e m Continental e no F i m d o do Saco. A l é m disso, foram feitos cerca de 08 históricos de v i d a , especialmente com pessoas mais idosas. H o u v e u m esforço de quantificação das variáveis escolhidas com o intuito de fornecer d a d o s e m p í r i c o s organizados que p u d e s s e m ser utilizados no Plano de Diretor da Reserva, que d e v e r á ficar a cargo do l E F e do IBAMA.

o presente trabalho é somente u m estudo preliminar de M a m a n g u á , n ã o pretendendo apresentar u m a análise exaustiva e teórica d a s c o n d i ç õ e s d e p r o d u ç ã o e r e p r o d u ç ã o das c o m u n i d a des c a i ç a r a s a í residentes. F o i feito u m esforço particular para se dar u m a abrangência interdisciplinar, reunindo algumas das perspectivas e m C i ê n ci a s Naturais e Ciências Sociais. E l e aponta para '1 realização d e pesquisas mais aprofundadas, sobretudo, aquelas qi.ie partem d a perspectiva d a etnociência.

o

N o s s o LUC;AK V I R O U

PARQUE

1 A

Místóría

Socioambiental

O

S A C O P O M A M A N C L / Â é u m a área litorânea de tipo estuarina ou de " r i a " , inserida no d o m í n i o da Mata Atlântica, forma-

da por u m a reentrância do mar de a p r o x i m a d a m e n t e 9 k m de comprimento por 1,5 k m de largura. Situa-se no m u n i c í p i o de Parati, no extremo sudeste do Estado do Rio de Janeiro, sendo acessível somente por barco ou por u m a trilha para pedestres que ^t-* inicia e m P a r a t i - M i r i m . Essa área m a r i n h a é c i r c u n d a d a por lormações montanhosas e m que sobressaem o Pico do C a i r u ç ú (1070 m), o Pico da Cajaíba (667 m) e outros menos íngremes (Mapa " 1 )• Apresenta u m clima ú m i d o , com altos índices p l u v i o m é t r i c o s ' 1 -500-2.400 m m / a n o ) , principalmente no v e r ã o . Essa região ainda apresenta vestígios claros d e s u a história 'vologica, isto é a história da relação entre o h o m e m e a natureza. '^í> somente há ruínas de vários engenhos de c a n a - d e - a ç ú c a r , remontam ao século passado, mas t a m b é m marcas de várias ''^'vidacies h u m a n a s ligadas a ciclos e c o n ó m i c o s do passado, como

o

Nosso LUGAR VIROU

A

PARQUE

HISTÓRIA

SOCIOAMBIENTAL

bananais abandonados, estradas que l e v a v a m aos caixetais, recobertas pela v e g e t a ç ã o de mangue. H á , sobretudo, os m o m e n t o s mais importantes dessa história na m e m ó r i a dos mais velhos que por sua v e z n a r r a m a história dos "antigos", de personagens q u a se míticas, escravos fugidos e ex-escravos que f u n d a r a m alguns povoados, como o da Praia do C r u z e i r o ou C u r u p i r a . N a p r i m e i ra praia, a c r u z ainda existente marca a f u n d a ç ã o do povoado por u m ex-escravo. N a segunda, a d e n o m i n a ç ã o indígena (curupira: corpo de menino) traz à l e m b r a n ç a u m dos m a i s espantosos e populares entes fantásticos das matas brasileiras,

representado

por u m a n ã o de calcanhar para a frente ( C â m a r a C a s c u d o , 1972). Vê-se, portanto, que as marcas n ã o s ã o somente materiais, mas sobretudo r e p r e s e n t a ç õ e s simbólicas que, como afirma G o d e l i e r (1984), aparecem no c o r a ç ã o das relações materiais do h o m e m com a natureza como u m a parte ideal, pela qual se exercem as três f u n ç õ e s do conhecimento: representar, organizar e legitimar as relações dos h o me n s entre si e com a natureza. Nesse sentido, há necessidade de se c o m e ç a r a fazer no Brasil, de forma sistemática, a história ecológica n ã o somente e m nível nacional, m a s t a m b é m regional e até local. E s s a história ecológica, como proposta por Worster (1988), n ã o deve ser s i m p l e s m e n te a história dos ciclos e c o n ó m i c o s , mas principalmente a história das relações complexas, materiais e simbólicas que os h o m e n s , ao longo do tempo histórico, d e s e n v o l v e r a m com o m u n d o natural e com os outros homens. Essa história ainda está por ser feita no Saco de M a m a n g u á . O s elementos que constam deste trabalho s ã o somente as p r i m e i ras indicações para u m a história ecológica da r e g i ã o que deve ser realizada de forma interdisciplinar, reunindo v á r i a s di sci pl i nas como a etnoecologia, a antropologia, geografia h u m a n a , arquitetura, economia. U m a das primeiras características desse processo é que a hi slória de M a m a n g u á n ã o pode ser entendida s e m a análise de sua inserção nos processos socioambientais de Parati, u m dos m u •^'cípios que mais revelam os p r i m ó r d i o s d a o c u p a ç ã o do litoral ^'•»l-fluminense.

o A NA

A

Nosso LUGAR VIROU PARQUE HISTÓRIA HISTÓRIA

DE DE

MAMANGUÁ PARATI

HISTÓRIA

SOCIOAMBIENTAL

M u s s o l i n i (1980a), Parati se t o m o u célebre na p r o d u ç ã o d e aguar-, dente, e n ã o na fabricação de a ç ú c a r . F i c o u tão célebre que Parati veio a ser, n o s u l do Brasil, s i n ó n i m o de aguardente.

O litoral de Parati foi território dos índios guaianases. A i n d a hoje, existem a l d e i a s g u a r a n i s , particularmente n a s cabeceiras d o rio

"(...) a aguardente, simples subproduto d o aristocrático a ç ú -

P a r a t i - M i r i m . Parati v e m provavelmente do v o c á b u l o i n d í g e n a

car, muito m a i s d e m o c r á t i c a que ele e que, nos pequenos en-

parati, n o m e d a d o a u m peixe muito c o m u m na r e g i ã o e que se

genhos q u e se c o n s e r v a r a m d a é p o c a colonial, constitui hoje a

tornou a espécie mais capturada e c o n s u m i d a no Saco de M a m a n g u á . A cultura indígena deixou marcas p r o f u n d a s no m o d o

única p r o d u ç ã o , tendo relegada por completo a do a ç ú c a r , que antes era e s s e n c i a l " (Mussolini, 1980a: 224).

d e v i d a local. A p o p u l a ç ã o local, genericamente d e n o m i n a d a d e " c a i ç a r a " é fruto da m i s c i g e n a ç ã o entre o índio, o colonizador

A i n d a segundo M u s s o l i n i (1980a), a faixa litorânea de São P a u -

e u r o p e u e o negro. A s tecnologias patrimoniais d e f a b r i c a ç ã o d a

lo e R i o de Janeiro e r a m verdadeiras á r e a s de d e s e r ç ã o , à m e d i d a

farinha, de instrumentos de pesca, de c o n s t r u ç ã o de canoas e s t ã o p r o f u n d a m e n t e m a r c a d a s pela influência indígena ( M u s s o l i n i , 1980a). Parati foi f u n d a d a no século X V I I e elevada à c o n d i ç ã o de vila e m 1660. O cultivo d a c a n a - d e - a ç ú c a r foi a atividade mais i m p o r tante a partir do século xvili quando os engenhos se estabelecer a m na r e g i ã o . N o Saco de M a m a n g u á ainda p o d e m ser encontrad a s 05 r u í n a s desses engenhos. A r e g i ã o de Parati se transformou n u m centro colonial importante d e e x p o r t a ç ã o de ouro, proveniente das M i n a s G e r a i s no final do s é c u l o X V I I I e para seu transporte se u t i l i z a v a a antiga trilha dos guaianases. E m m e a d o s d o s é c u l o XIX, Parati chegou a exportar u m a prod u ç ã o c o n s i d e r á v e l de café, f u m o e aguardente, u s a n d o a v i a m a r í t i m a . A d e c a d ê n c i a d a região se d e u c o m a c o n s t r u ç ã o d a Estrada de Ferro D . Pedro II, e m 1877, e com a abolição d a escravatura — base da monocultura local — poucos anos depois. M e s m o a p ó s s e u apogeu e c o n ó m i c o , continuou-se a plantar cana-dea ç ú c a r para a p r o d u ç ã o de aguardente, muito apreciada dentro e fora d a r e g i ã o . S u r g i u t a m b é m a monocultura d e b a n a n a , que já utilizava m ã o - d e - o b r a assalariada (Mussolini, 1980a). A região d e Parati durante o p e r í o d o colonial foi, d e a l g u m a forma, u m a p ê n d i c e dos grandes centros exportadores, particularmente R i o de Janeiro e a região das M i n a s Gerais. C o m o afirma

que o povoamento a v a n ç a v a para o interior e as frentes pioneiras, sobretudo a do café, se afastavam da costa para o planalto. M u i t o s n ú c l e o s h u m a n o s da região litorânea do s u l do R i o de Janeiro e norte de São Paulo floresceram nos "interstícios" da grande l a v o u r a , gravitando e m torno de centros maiores para onde e n v i a v a m seu parco excedente: farinha de mandioca, peixe seco, aguardente. " D e c a i n d o os n ú c l e o s de p o v o a m e n t o q u e eles central i z a v a m , voltaram a fechar-se sobre si mesmos, entregando-se a u m a economia de quase trocas, com o decorrente estreitamente d e s e u horizonte e c o n ó m i c o e c u l t u r a l " ( M u s s o l i n i , 1980a: 223). Esse processo ocorreu t a m b é m e m Parati, c o m a d e c a d ê n c i a da sede d o m u n i c í p i o e de s u a base e c o n ó m i c a . " A i m p r e s s ã o q u e se tem do litoral, é q u e a v i d a a l i foi simplificada e m seus elementos culturais e, e m c o m p a r a ç ã o c o m o passado, r e d u z i d a a ponto pequeno. T a l v e z seja este o aspecto que mais cause a i m p r e s s ã o de d e c a d ê n c i a . É c o m o se v i v e s s e d o q u e s o b r o u d e outrora, tendendo-se, e m geral, a n tes a empobrecer esses restos que a lhes acrescentar n o v o s elementos. A q u e l e s produtos locais que u m d i a c o n s t i t u í r a m

o

A

Nosso LUGAR VIROU PARQUE

g é n e r o s d e u m a economia de subsistência, s e m grande signifi-

HISTÓRIA

SOCIOAMBIENTAL

ç õ e s : a d a rede, c o m o mestre-proeiro e demais pescadores, e a

c a ç ã o e c o n ó m i c a , passaram, a representar os ú n i c o s g é n e r o s

tripulação do barco. A tripulação da rede v e n d i a a p r o d u ç ã o à do

d a e x p l o r a ç ã o l o c a l " ( M u s s o l i n i , 1980a: 223).

barco que, por sua v e z , fazia a c o m e r c i a l i z a ç ã o e m Santos. Foi a t r a v é s da pesca e m b a r c a d a que p r o v a v e l m e n t e os p r i m e i r o s

A p r o d u ç ã o de aguardente continuou sendo a atividade mais

moradores da região de Parati tomaram contato c o m Santos, para

importante do município nas primeiras d é c a d a s do século atual,

onde muitos m i g r a r a m atraídos pelo grande crescimento d a Bai-

sendo transportada nas célebres canoas de voga para ser v e n d i d a

xada Santista nos anos 40 e 50.

no R i o de Janeiro, e m municípios v i z i n h o s , m a s principalmente e m Santos.

A i n t r o d u ç ã o da pesca da s a r d i n h a c o m traineiras m o b i l i z o u u m n ú m e r o c o n s i d e r á v e l de pescadores-lavradores da r e g i ã o que já n ã o e n c o n t r a v a m emprego e formas de subsistência e m suas

" E l a s l e v a v a m o excedente das praias d a r e g i ã o de Parati,

praias. Isso l e v o u a u m a grande m i g r a ç ã o de jovens para o traba-

sobretudo a aguardente, mas t a m b é m ovos, peixe seco o u sal-

lho de embarcado e m traineiras. U m a outra atividade que atraía

gado, frutas, e trazendo de volta latas de querosene, sacos de

os jovens para fora das praias era o trabalho nos bananais de S a n -

sal, a n z ó i s , tecidos. A l g u m a s dessas canoas c h e g a v a m a trans-

tos e t a m b é m do litoral s u l do Rio de Janeiro.

portar a t é 14 p i p a s de aguardente o u 480 litros. M a s u m dia as

A d e c a d ê n c i a do litoral s u l fluminense nas p r i m e i r a s d é c a d a s

canoas de voga desapareceram; por volta de 1920, barcos de

do s é c u l o XX n ã o significou u m a p a r a l i s a ç ã o total das atividades

cabotagem c o m e ç a r a m a lhes roubar a p r i m a z i a nos transpor-

económicas, mas u m redirecionamento das mesmas, com o

tes de carga, e para as pescarias elas n ã o se prestavam. Sobrou

surgimento de novos centros e c o n ó m i c o s , como Santos, e m São

u m a o u outra, como sobraram uns poucos de seus tripulantes,

Paulo.

que nos contam as aventuras dos tempos das conoas de voga.

N e s s e sentido, a pesca c o m e ç o u a substihair as atividades agrí-

V i a g e m penosa e m condições de m a u tempo, quando, n ã o raro,

colas até e n t ã o predominantes e m Parati. N o entanto, n ã o se trata

f i c a v a m n o mar a carga e m e s m o a canoa e a tripulação, n u n c a

niais da pesca de subsistência, geradora de pequeno excedente,

m a i s se o u v i n d o falar no destino que l e v a r a m . M a s os velhos

mas d a pesca comercial e posteriormente, industrial. A l é m da

representantes da é p o c a das canoas à voga r e l e m b r a m c o m

pesca da sardinha, surgiu t a m b é m a grande rede de arrasto {trawl),

s a u d a d e : 'Bons tempos aqueles' " (Mussolini, 1980a: 225).

inicialmente i n t r o d u z i d a e m Santos por armadores migrantes japoneses. Por volta de 1957, esse trawl japonês foi substituído pela

O desaparecimento das canoas de voga c o i n c i d i u , a grosso m o d o , com o surgimento das traineiras, redes de pesca da s a r d i -

rede de arrasto portuguesa que se d i f u n d i u por toda a costa brasileira. C o m o afirma M u s s o l i n i (1980b):

nha {Sardinella aurita) na Ilha G r a n d e , onde muitos pescadores de Parati, i n c l u i n d o M a m a n g u á , c o m e ç a r a m a embarcar. E s s a rede

" A a r t i c u l a ç ã o desta parte do litoral paulista c o m o litoral

tinha sido introduzida por e s p a n h ó i s na Baía da G u a n a b a r a por

c o n t í g u o do Estado do R i o já estava estabelecida e m fins do

volta de 1910 (Soeiro, 1959), difundindo-se por todo o litoral s u -

sé cu l o passado, q u a n d o u m a frota de canoas de voga da re-

deste e s u l do Brasil; chegando à Ilha G r a n d e entre 1930 e 1940,

g i ã o de S ã o Sebastião ia até Parati, para dali tansportar para o

onde, segundo M u s s o l i n i (1959), havia proprietários de redes trai-

porto de Santos aguardente e m pipas (...). A s relações dentro

neiras sem barco. Para lá i a m os barcos de Santos, e m b a r c a n d o a

desse trecho litorâneo se mantiveram constantes e m seu dese-

rede traineira c o m sua tripulação. H a v i a portanto d u a s tripula-

nho básico q u a n d o a pesca, de uns 35/40 anos a esta parte.



o

Nosso LUGAR VIROU

A

PARQUE

p a s s o u a a s s u m i r c a r á t e r comercial e destaque crescente entre

HISTÓRIA

SOCIOAMBIENTAL

c o m ofertas irrisórias a que os lavradores n ã o resistiam, por

as outras subculturas regionais e os barcos de pesca desbanca-

n ã o conhecer o valor exato do dinheiro. Estes, analfabetos e m

r a m as canoas à voga c o m o elementos de transporte e co-

s u a maioria, eram enganados de várias formas, i n c l u s i v e as-

m u n i c a ç ã o . Pelas m e s m a s rotas, se b e m c o m ritmo d i v e r s o ,

s i n a n d o contratos de arrendamento, meia o u parceira, onde

c o n t i n u a r a m a circular barcos, peixes, h o m e n s e i n o v a ç õ e s

a c a b a v a m cedendo seus direitos de posse, sem saber.

técnicas pesqueiras, muito embora, evidentemente, as confi-

O s benefícios para as p o p u l a ç õ e s n ã o foram muitos: se por

g u r a ç õ e s espaciais intra-regionais se alterassem e m f u n ç ã o do

u m lado a estrada trouxe u m a via de transporte r á p i d o e es-

significado e c o n ó m i c o que as unidades envolvidas a d q u i r i r a m

coamento, o turismo por ela a t r a í d o provocou violenta espe-

ou p e r d e r a m e, e m consequência, do papel positivo e negativo

c u l a ç ã o imobiliária, e u m a tendência dos empreendimentos a

que elas p a s s a r a m a desempenhar na redistribuição das po-

privatizar as praias onde se instalam. O s habitantes originá-

p u l a ç õ e s d a á r e a " (p.247).

rias e s t ã o sendo e m p u r r a d o s para as favelas e empregos de baixa r e m u n e r a ç ã o , deixando de lado todo u m m o d o de v i d a

O e s v a z i a m e n t o importante da região se a g r a v o u c o m a const r u ç ã o d a V i a D u t r a , e m 1940, deslocando o eixo e c o n ó m i c o p a r a

secular e tradicional, embora frágil na c o n f r o n t a ç ã o c o m os novos valores trazidos pela estrada" (Mattoso, 1979:11).

o V a l e do Paraíba. A partir de 1955, a c o m u n i c a ç ã o de Parati c o m o exterior se fazia cada v e z menos por barco e canoas à voga e

E m alguns casos, as p o p u l a ç õ e s c a i ç a r a s reagiram a esse pro-

m a i s pela estrada de C u n h a . Acentuou-se o processo de m i g r a ç ã o

cesso de e x p o l i a ç ã o , e na praia de T r i n d a d e , p r ó x i m a ao Saco de

para outras á r e a s , como por exemplo. A n g r a dos R e i s onde, e m

M a m a n g u á , os moradores conseguiram reaver parte dos terrenos

1950, se instalou o estaleiro da Verolme, seguido, e m 1974, pela

apropriados pela multinacional Brascan para a í instalar u m c o m -

i m p l a n t a ç ã o d a U s i n a N u c l e a r que empregou 9.000 o p e r á r i o s .

plexo turístico. (Mattoso, 1979)

A c o n s t r u ç ã o da Br-101, ligando Rio de Janeiro a S ã o Paulo

E m 1970, a

EMBRATUR

encomendou o Projeto T u r i s c o m o obje-

pelo litoral, nos anos 70, trouxe grandes impactos tanto ecológi-

tivo de " r a c i o n a l i z a r " as implantações turísticas para o futuro tra-

cos como sociais para toda a região litorânea de ambos os esta-

çado da Br-101. Para a região da Juatinga, que engloba M a m a n g u á ,

dos. I n ú m e r o s manguezais foram aterrados, e o grande movimento

foi estimada a capacidade de mais de 12.000 leitos de hotéis. E m -

de terra c a u s o u a a c e l e r a ç ã o de processos erosivos, assoreando

bora não tenha sido implantado esse projeto, a o c u p a ç ã o turística

cerca de 70 praias e enseadas (Mattoso, 1979). O fácil acesso dos

L' grande na maioria das praias do município. A r e g i ã o de M a -

turistas de São Paulo e R i o de Janeiro acelerou a i m p l a n t a ç ã o de

m a n g u á escapou parcialmente dessas i m p l a n t a ç õ e s organizadas,

e m p r e e n d i m e n t o s turísticos e loteamentos, trazendo a v a l o r i z a ç ã o das praias. A e s p e c u l a ç ã o imobiliária e a a ç ã o dos " g r i l e i r o s " que já era grande nos anos 60 tornou-se ainda mais violenta, prov o c a n d o a e x p u l s ã o dos pescadores de s u a s praias.

por ser mais isolada e n ã o dispor de acesso por terra, mas a í tamisem se intensificou a c o n s t r u ç ã o de casas de turistas e a e x p u l s ã o dos " c a i ç a r a s " . Por outro lado, e m 1971, o Estado criou o Parque N a c i o n a l d a c'rra da Bocaina, no entanto, deixou de fora a r e g i ã o de M a -

" A partir do simples projeto d a R i o - Santos, os p r o p r i e t á -

•^i^^nguá; e m 1983, criou-se a Á r e a de P r o t e ç ã o A m b i e n t a l do

rios de terras s u r g e m como que do n a d a , d e m a r c a n d o á r e a s

airuçú, a qual engloba a região estudada; e e m 1992, foi criada a

enormes a partir de pequenas escrituras, 'grilando' terras, ex-

eserva Ecológica da Juatinga por Decreto E s t a d u a l , tendo c o m o

p u l s a n d o os lavradores com violência e a m e a ç a s o u m e s m o

^'"1 dos objetivos o fomento d a cultura caiçara local, " c o m p a t i b i -

o

Nosso LUGAR VIROU PARQUE

A

l i z a n d o a utilização dos recursos naturais c o m os preceitos preservacionistas". A i n d a que exista, subjacente à proposta, a conserv a ç ã o da b i o d i v e r s i d a d e e da s ó c i o - d i v e r s i d a d e , n ã o está ainda clara a forma a t r a v é s da qual esse objetivo p o d e r á ser a l c a n ç a d o .

ELEMENTOS DO SACO

DA HISTÓRIA

DE

ORAL

MAMANGUÁ

A i n d a n ã o foi realizado u m levantamento histórico da região estudada baseado e m documentos. N o entanto, a partir de relatos orais, p r i n c i p a l m e n t e de antigos moradores, foi possível t r a ç a r u m brev e e s b o ç o d a c o l o n i z a ç ã o do Saco de M a m a n g u á . A i n d a que a história do Saco de M a m a n g u á tenha seguido, e m linhas gerais, a p e r i o d i z a ç ã o do que ocorreu no Município de Parati, há especificidades que p o d e m ser apreendidas com esses depoimentos. N o início do s é c u l o X I X , existiam grandes fazendas produtoras de c a n a - d e - a ç ú c a r e aguardente no F u n d o do Saco de MamangLiá, s e n d o que a l g u m a s de suas ruínas ainda p o d e m ser vistas na região. A p r i n c i p a l delas f o i a fazenda Santa M a r i a , de propriedade do padre Manoel A l v e s , que trabalhava com a m ã o - d e - o b r a escrav a , cuja lenda conta que esse grande proprietário fazia a m a r r a r os escravos recalcitrantes no mangue, para que fossem d e v o r a dos pelos mosquitos. U m a outra fazenda importante era a de P a r a t i - M i r i m , de propriedade de u m outro padre, Francisco A n tonio ( M a p a 2). A p ó s a libertação dos escravos, muitos deles m i g r a r a m para locais p r ó x i m o s a Parati-Mirim, como P a t r i m ó n i o ; outros ficaram no Saco de M a m a n g u á , d a n d o origem às famílias O l i v e i r a , N a s c i mento e Vilela. S e g i m d o o Sr. A g e n o r Vilela, morador antigo de C u r u p i r a , a maior c o n c e n t r a ç ã o de moradores, a vila existente na praia do C r u z e i r o , na M a r g e m Peninsular, teria sido fundada pelo seu a v ó , Sr. J o ã o L u i s V i l e l a , ex-escravo alforriado por volta de 1860. A l i , ele teria fincado u m a c r u z e c o n s t r u í d o u m a antiga capela, hoje desaparecida.

HISTÓRIA

SOCIOAMBIENTAL

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A

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SOCIOAMBIENTAL

"O meu avô foi nascido era filho de escravo, foi nascido e criado

D o início a t é meados deste século h o u v e u m a é p o c a de gran-

no sítio da Costeira. Foi ele que fez a igreja do Cruzeiro, antes não

de fartura no Saco de M a m a n g u á e a p o p u l a ç ã o , segimdo u m outro

tinha igreja. O pessoal queria um povoado mais divertido. Aí meu

entrevistado, o Sr. Z i z i n h o (Ponta do L e ã o ) era muito maior que a

avô achou que devia fazer uma cruz, aífez a cruz. Aí depois ele foi a

presente:

Parati, trouxe o padre, rezou a primeira missa. Aí ele foi e construiu uma igreja de estuque. Era um povoado bem movimentado, aquele, com baile todo sábado. Tinha um engenho de cachaça na Praia do

"Antes, Mamanguá

produzia muito, o mais forte era banana e

cana, mas tinha também café, feijão, mandioca. Criação também ti-

Engenho onde o pessoal bebia cachaça. Aí depois meu avô morreu, e

nha, produzia bastante. Isso até mais ou menos 1960, aífoi

meu pai continuou no sítio do Cruzeiro, que era de meu avô" (Seu

indo, diminuindo, até que..." (Seu Z i z i n h o , Ponta do L e ã o ) .

diminu-

A g e n o r , Praia de C u r u p i r a ) . O Saco de M a m a n g u á era conhecido pela s u a p r o d u ç ã o de A l i , u m a sobrinha de seu a v ô teria se casado c o m o a v ô do Sr.

aguardente, farinha de mandioca, pequena c r i a ç ã o . A p r o d u ç ã o

L e o n e l O l i v e i r a , t a m b é m ex-escravo da fazenda Rio G r a n d e , cuja

era embarcada nas célebres "canoas de v o g a " e v e n d i d a e m A n -

família é considerada " d o lugar". O pai do Sr. A g e n o r , R u f i n o

gra dos Reis, Ilha G r a n d e e Mangaratiba, de onde traziam merca-

V i l e l a , teria m u d a d o para C u r u p i r a , tendo sido p r o p r i e t á r i o de

doria (café m o í d o , b a n h a , came-seca, etc.) para v e n d e r na r e g i ã o .

outras fazendas antigas, como a F a z e n d a V i l e l a , p r ó x i m a a L a -

O s comerciantes muitas vezes trocavam essa mercadoria c o m os

ranjeiras. A l é m dessas, cita como fazendas antigas, a fazenda de

produtos locais. A última canoa de voga do Saco de M a m a n g u á

C u n h a , do C o s t a .

continuou operando até o imcio da d é c a d a de 50.

C o m a morte do padre M a n u e l A l v e s , a fazenda Santa M a r i a

O contato dos moradores da Praia do Sono, e de outras praias

teria sido v e n d i d a à família R a m o s , que passou, já no início do

do lado oposto ao F u n d o do Saco de M a m a n g u á , c o m Parati era

século XX, a p r o d u z i r banana para ser comerciaUzada e m Parati.

feito por essas canoas, a partir do p r ó p r i o Saco, pois n ã o existia

O s antigos moradores a r r e n d a v a m as terras das fazendas, pagan-

ainda o c a m i n h o que hoje leva a P a r a t i - M i r i m . M a m a n g u á tam-

do o arrendamento c o m dois dias de trabalho por m ê s p a r a os

b é m manteve ligações e contatos com as praias do " m a r de fora",

fazendeiros.

sobretudo Cajaíba. Parte d a c a n a - d e - a ç ú c a r plantada a í era trans-

N a d é c a d a de 40, o Sr. A g e n o r p a s s o u a v i v e r na fazenda S a n ta M a r i a , onde parte do m a n g u e z a l chegou a ser d r e n a d o para o

portada para ser beneficiada, dentro do Saco de M a m a n g u á , na Praia do E n g e n h o .

plantio de banana. H o u v e aí u m a grande p r o d u ç ã o até que a fa-

A pesca, por outro lado, além da h e r a n ç a indígena, era prati-

z e n d a foi v e n d i d a ao Sr. Gibrail, que m a n d o u retirar o bananal e

cada pelos escravos para abastecimento das fazendas. U m a rede

i n t r o d u z i u búfalos. A criação n ã o d e u certo e os búfalos foram

muito utilizada era a " t r o l h a " , espécie de rede de cerco, feita de

vendidos. E s s e novo proprietário chegou a explorar intensivamen-

a l g o d ã o , e m que o p e r a v a m d u a s canoas. S e g u n d o o Sr. A g e n o r ,

te a caixeta para a p r o d u ç ã o de tamancos.

M a m a n g u á era muito rico e m peixe e o que n ã o era c o n s u m i d o imediatamente era salgado e seco para posteriormente ser v e n d i -

"È, depois que o Gibrail comprou, ele acabou com o bananal todo, mandou arrancar o bananal e botou um bocado de gado lá... de búfalo, c boi comum também" (Seu Agenor, Praia de C u r u p i r a ) .

Q u a n d o a captura era grande, entregava-se u m a parte para a a l i me n t a çã o de porcos, nas fazendas. O fim do p e r í o d o da "fartura", como c h a m a m os moradores de M a m a n g u á , se d e u a partir das d é c a d a s de 40 e 50, q u a n d o as

o

Nosso LUGAR VIROU PARQUE

A

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SOCIOAMBIENTAL

fazendas fracassarani e a r e g i ã o pouca coisa tinha a exportar.

" C o m os processos de m i g r a ç ã o , e ê x o d o r u r a l , pela espe-

Vár ios moradores s a í r a m para fora da área, trabalhando e m ba-

culação imobiliária, o terreno c o m e ç o u a ser invadido e constru-

nanais e outras atividades agrícolas e m Santos, R i o de Janeiro e

ç õ e s p r e c á r i a s se instalaram no início, h a v e n d o e v o l u ç ã o nos

A n g r a dos R e i s .

materiais utilizados; apesar de n ã o haver n e n h u m a infra-estrutura urbana até setembro deste ano (1979), elementos do

"Na época em que os outros foram trabalhar nos bananais em

bairro e d a prefeitura estimam entre 1.000 e 1.500 as constru-

Santos, acho que nem existia pesca aqui ainda. O pessoal ia a pé para

ções foram levantadas, a maioria com pequenos aterros o u fun-

lá. Você sabe o que é isso? Sair daqui e viajar nove dias pra chegar em

d a ç õ e s m a i s altas. A l i , habitam antigos moradores do Sono,

Santos. Eu mesmo fui trabalhar lá porque em Santos era o único

da Cajaíba, de T r i n d a d e , Laranjeiras, das r o ç a s e m geral e que

lugar em que se ganhava um dinheirinlw. Levei um ano trabalhando

trabalham agora na c o n s t r u ç ã o c i v i l , no c o m é r c i o , no setor de

lá e trouxe de volta três contos e quinhentos mil reis. Deu pra casar,

serviços domésticos ou municipais.

pras despesas com o casamento. Fiz o terno, arrumei a noiva e teve até baile e ainda sobrou dinheiro" (Seu D o n d i n h o , 70 anos. Praia do Lopes).

D e produtores (ao menos de subsistência), passam a consLunidores urbanos, sofrendo o impacto de u m a sociedade urbana da qual n ã o fazem parte. Perdem os meios de p r o d u ç ã o , e com eles muitos dos traços culturais que p e r d u r a r a m até então. Já

Por essa é p o c a (1935-40), jovens como o Sr. A g e n o r , sem tra-

n ã o s ã o da roça, mas da cidade t a m b é m n ã o são. Muitos tem a

balho, c o m e ç a r a m a se dirigir para Ilha G r a n d e , p r i n c i p a l centro

ilusão que melhoraram a vida, porque tem acesso a algims bens

para onde afluíam os barcos de Santos, para trabalhar nas redes

de c o n s u m o que talvez n e m conhecessem. G r a n d e parte deles

traineiras de propriedade de portugueses radicados no local. O s

tem consciência que foi 'empurrada para lá' " (Mattoso, 1979).

barcos de Santos i a m até lá e p e s c a v a m à meia com os p r o p r i e t á rios das redes. "Eu tinha 19 anos quando embarquei numa traineira de Ilha Grande e fiquei uns cinco anos aí por fora. Tinha os barcos de Santos que vinham para a Ilha Grande e pegava as redes (traineiras) dos portugueses para pescar a meia. Então pesquei muito naqueles barcos, lá pro Cabo Frio. O primeiro que embarquei se chamava o Rei do Mar. Eu só tinha trabalhado na lavoura e um pouco na pesca pequena aqui dentro e embarquei como homem de convés" (Seu A g e n o r , Praia de Curupira).

Essa m i g r a ç ã o para a Ilha das Cobras parece ter aumentado com a c o n s t r u ç ã o da BR-101, nos anos 70, e continua intensa até hoje. "Hoje não tem um terço do povo que tinha antes, quando eu era moço. O povo saiu daqui, tem uns 40% na Ilha das Cobras, uns 10% em Angra,

mas tem muitos em Santos e aí por fora. A miséria tá

grande. Então vive do quê? Vive do biscate, vive do vício. E não tem condição de voltar, já vendeu a terra" (Seu Z i z i n h o , Ponta do Leão). A história de v i d a do Sr. D o n d i n h o revela a riqueza anterior e a d e c a d ê n c i a de M a m a n g u á . Q u a n d o ele chegou de P a r a t i - M i r i m

H o u v e t a m b é m u m a g r a n d e m i g r a ç ã o p a r a a periferia d e Parati, como a Ilha das C o b r a s , onde v i v e m centenas de ex-mora-

para morar p r ó x i m o à praia do Lopes (em 1940), na M a r g e m C o n tinental, a m i g r a ç ã o para fora d a área já tinha c o m e ç a d o :

dores de M a m a n g u á . Segundo Mattoso (1979), até 1950 havia nessa área pantanosa cerca de 50 p a l h o ç a s de pescadores.

"Quando cheguei aqui, tinha ainda muito morador. Na Praia Grande, tinha casa à beça, mas os velhos que venderam a posse foram

o

Nosso L U G A R V I R O U P A R Q U E

morrendo e o pessoal mais novo foi indo embora. Outros venderam e

A

nha).

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SOCIOAMBIENTAL

A i n d a se c o n s t r ó e m as casas de pau-a-pique c o m madeiras

ficaram por aí. Nós vendemos a posse pro pessoal de fora e ficamos

locais (mangue, caixeta, fibras). E s s e m o d o de v i d a sobrevive e m

tomando conta da propriedade desse pessoal" (Seu D o n d i n h o , Praia

M a m a n g u á n ã o s ó pelo relativo isolamento g e o g r á f i c o da r e g i ã o ,

do Lopes).

como t a m b é m pela grande d e p e n d ê n c i a do uso dos recursos n a turais r e n o v á v e i s da mata e do mar.

A m i g r a ç ã o e o embarque dos jovens nas traineiras trouxeram

M a i s recentemente, alguns moradores conseguiram c o m p r a r

t a m b é m conseqiãências sobre a o r g a n i z a ç ã o d a pesca locaL Por

barcos motorizados (botes e canoas), e m geral depois de v e n d e r

falta de m ã o - d e - o b r a , a " t r o l h a " , que requeria o trabalho conjun-

suas terras o u parte de suas " p o s s e s " ; outros u s a m essas embar-

to de v á r i a s canoas e pescadores, foi abandonada. E m seu lugar,

ca çõ e s no arrasto d o c a m a r ã o sete-barbas, atividade proibida d e n -

h o u v e a p r e d o m i n â n c i a do "tresmalho", rede pequena que pode

tro d o S a c o d e M a m a n g u á . E s s a p e s c a é, n o e n t a n t o ,

ser manejada por u m só pescador, ajudado por u m filho.

mais

frequentemente praticada pelos pequenos barcos de arrasto que v ê m de Parati e para lá l e v a m a p r o d u ç ã o . E s s a pesca é u m a das

"Nós pescava com rede de trolha, com duas canoas e quatro ho-

re sp o n sá v e i s pela d e s t r u i ç ã o dos estoques pesqueiros d a r e g i ã o

mens. Uma largava a rede, depois encostava na outra pra recolher o

estuarina, u m a v e z que, com rede de arrasto de m a l h a r e d u z i d a ,

peixe. Essa pesca acabou faz alguns anos e o pessoal começou a com-

capturam u m a grande quantidade de peixes jovens.

prar o fio de náilon pra fazer o "tresmalho" (Seu A g e n o r , Praia de Curupira).

A c o m e r c i a l i z a ç ã o do excedente do pescado e do c a m a r ã o é feita localmente, a t r a v é s de pequenos comerciantes, que por s u a vez d e p e n d e m de "atravessadores" maiores residentes e m Parati.

É durante esse p e r í o d o que, segundo o Sr. Z i z i n h o , se inicia a

U m fator importante de m u d a n ç a foi a chegada do protestan-

v i n d a de turistas para M a m a n g u á , que p a s s a r a m a construir ca-

tismo na r e g i ã o , i n t r o d u z i d o inicialmente antes d a d é c a d a de 50,

sas de veraneio e m terrenos comprados dos moradores locais. N a

c m C u r u p i r a . O n ú m e r o de igrejas protestantes aumentou conside-

maioria desses sítios, os novos proprietários p r o i b i r a m as r o ç a s

ravelmente nas últimas d é c a d a s e hoje cerca de 34% dos m o r a d o -

de m a n d i o c a ao m e s m o tempo e m que n a d a c o m p r a v a m na re-

res s ã o crentes. A m u d a n ç a do catolicismo para o protestantismo

g i ã o , pois tudo traziam de suas cidades de origem, p r i n c i p a l m e n -

coincidiu com u m período de desorganização social de M a m a n g u á

te R i o de Janeiro e São Paulo. É dessa é p o c a t a m b é m a c o n s t r u ç ã o

e com u m p e r í o d o de e m i g r a ç ã o . F o r m a s de ajuda m ú t u a , como o

do c o n d o m í n i o de turistas na praia do E n g e n h o . Hoje, s e g u n d o os mais velhos, os moradores de M a m a n g u á

m u t i r ã o (localmente chamado de p u t i r ã o ) , quase desapareceram, a s s i m como u m rico folclore baseada e m festas e d a n ç a s como a

d e p e n d e m cada v e z mais dos turistas visitantes das temporadas

roda de chiba, cirandas, marrafo, caranguejo, das quais n ã o parti-

e daqueles que aí c o n s t r u í r a m suas casas de veraneio. M u i t o s de-

c i p a v a m os que se h a v i a m convertido ao protestantismo. D e s a -

les, a p ó s v e n d e r e m suas posses o u delas serem expropriados pe-

pareceu t a m b é m a Bandeira do D i v i n o , mas a i n d a hoje os m o r a -

los especuladores imobiliários, tomam-se caseiros, muitas vezes,

dores antigos o r g a n i z a m a folia de Reis, no imcio do ano. A ajuda

das terras que lhes pertenceram. A p e s a r disso, o m o d o de v i d a tradicional caiçara a i n d a é dominante na r e g i ã o , u m a v e z que grande parte das famílias v i v e m da pesca de subsistência, das roças de mandioca, da pequena c a ç a e pesca, da fabricação d a farinha nos " a v i a m e n t o s " (casa de fari-

rnutua ainda existe, por exemplo, na tirada de u m a á r v o r e para c o n s t r u ç ã o de canoas.

2 O s

Diversos

spaços

Mumanízados

O

S A C O P E M A M A N C L / Â pode ser visto como u m e s p a ç o geográfico e social composto por vários " l u g a r e s " , onde v i v e m

seus moradores. H á o "lado de c á " , o "lado de l á " e o "o f i m d o " . O s lados s ã o as d u a s margens da zona estuarina, onde se distrib u e m as casas. E l a s t a m b é m s ã o d i v i d i d a s pelas muitas praias e costões, u n i d a d e s de agru-pamentos locais, que l e v a m nomes de antigos moradores (Praia do C o s t a , do L o p e s , das M o ç a s ) , de animais (Praia das A n t a s , das Pacas), de c o n s t r u ç õ e s antigas (Praia do E n g e n h o ) , de acidentes geográficas (Baixios) (Mapa 3). O " f u n d o " é a parte final, a mais distante, localizada at r ás do m ang ue e do caixetal, onde a v i d a é difícil, pela distância e pela grande quantidade de mosquitos ( m u r u i m , pó l v o r a, borrachudo) que e m noites de lua e s e m vento tornam a v i d a dos moradores impossível.

quase

o

O S DIVERSOS ESPAÇOS HUMANIZADOS

Nosso LUGAR VIROU PARQUE

Para efeito de identificação, denominou-se a M a r g e m Leste de M a r g e m Peninsular. Assemelha-se a u m a península e a í e s t ã o loEn—tOt

calizados os grandes picos da região: o Pico da Cajaíba, o Pico do

d * Pafitl I

C a i r u ç ú , a Pedra da Jamanta, o Morro P ã o de A ç ú c a r e finalmente o Morro de M a m a n g u á . A M a r g e m Peninsular se diferencia da Continental por apresentar v á r i a s cararacterísticas p r ó p r i a s dos sistemas insulares. U m a primeira característica é seu isolamento maior, pois n ã o há n e n h u m a estrada ou c a m i n h o que a liga a P a r a t i - M i r i m e Parati, como ocorre c o m a Continental, de onde sai a trilha que leva à ••/.Populações Fundo do Saco CONTINENTAL

MARGEM PENINSULAR

1. Ponta da Foiça 2. Ponta do Regale 3. Regate Margsm Contlnontal

4. Currupira 5. Praia das Moças 6. Pontal 7. Praia do Lopes 8. Costão 9. Praia Grande 10. Praia das Pacas 11. Ponta do LeSo 12. Praia Guarda-mó 13. Ponta do Carro Margam Panlniular

14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25.

FUNDO DO SACO

Ponta do Buraco Praia do Sobrado Praia da Venda P. da Porceano Praia do Engenho Praia das Anlas Ponta da Romana Praia do Costa Praia do Pimenta Praia do Cruzeiro Baixio Ponta do Bananal

primeira localidade citada. Q u a n d o o mar-de-dentro fica agitado, a p o p u l a ç ã o pode ficar ilhada por vários dias, pois apenas as e m b a r c a ç õ e s maiores, motorizadas (baleeiras o u botes), se arriscam a sair da M a r g e m Peninsular para atravessar para a Continental, de onde as pessoas p o d e m tomar a trilha. E s s a característica não é somente geográfica, mas parece ter implicações sociais e CLilturais. A l é m de ser mais populosa, a M a r g e m Peninsular apresenta u m a p o p u l a ç ã o que se relaciona mais c o m as c o m u n i d a d e s t a m b é m mais ilhadas, como a Cajaíba, u m a península, acessível por terra a partir da Praia dos Engenhos. E s s a característica " i n s u l a r " n ã o i m p e d e outros tipos de contato c o m o m u n d o exterior. E m alguns casos esse contato chega a ser mais intenso do que o existente na M a r g e m Continental, na m e d i d a e m que u m n ú m e r o maior de jovens é embarcado, frequentando outros portos e v o l tando im:\ v e z por m ê s às suas praias de origem. E s s a característica " i n s u l a r " n ã o foi estudada aprofundadamente na pesquisa, permanecendo u m aspecto a ser aprofundado por estudos posteriores. N a M a r g e m Peninsular, e m sua parte p r ó x i m a à " b a r r a " , estão as melhores praias de areia de M a m a n g u á , pequenas e cercadas de pedras e matas. E m s u a grande maioria, foram c o m p r a d a s por especuladores

Fonce: Marinha do Brasil (1981). Adaptado por Nogara. 1994. Escala aproximada de 1:50.000

imobiliários que, s e m d ú v i d a , a g u a r d a m o c a s i ã o m a i s propícia para revender. O p r e ç o já é alto, e os especuladores p e d e m cerca

M a p a 0 5 - d i s t r i b u i ç ã o da f o p u l a ç ã o nos A m b i e n t e s do ^ ^ c o de

[^ívcrsos

Mamansjaá

de 1.200 dólares por metro e m algumas praias. A d e c l a r a ç ã o dessa margem como parte da Reserva Ecológica da Juatinga, e m 1993, e como " á r e a twn edificandi" a m e a ç a estragar os planos dos especu-

o

Nosso LUGAR VIROU

O S DIVERSOS ESPAÇOS HUMANIZADOS

PARQUE

ladores. N a s praias mais p r ó x i m a s do m a n g u e , do p o v o a d o do

longas c a m i n h a d a s . O povoado do C r u z e i r o é o ú n i c o que agrega

Estaleiro, o ú n i c o de M a m a n g u á e m direção ao F u n d o do Saco, se

u m certo n ú m e r o de serviços. N ã o existe escola s e c u n d á r i a e m

concentram os moradores locais e até recentemente havia poucos

Mamanguá.

moradores de fora, a n ã o ser u m a propriedade antiga de turistas na

E m 1993, foi c o n s t r u í d o u m posto de s a ú d e no p o v o a d o d o

praia da Ponta do Bananal. N e s s a área, as posses têm menor valor,

C r u z e i r o , cujo funcionamento é precário porque n ã o tem pessoal

e m v i r t u d e do fundo mais lodoso e dos ataques dos mosquitos.

m é d i c o regular e r e m é d i o s . Por outro lado, a inexistência quase

A outra m a r g e m , aqui d e n o m i n a d a M a r g e m C o n t i n e n t a l , fica p r ó x i m a a P a r a h - M i r i m , localidade a que se interliga por u m a

total de fossas sépticas e o uso de á g u a n ã o tratada facilitam a existência de várias d o e n ç a s transmissíveis.

trilha. M a i s d a m e t a d e d e s s a m a r g e m , a t é a P r a i a G r a n d e , é

A m o r a d i a tradicional é a de p a u - a - p i q u e , feita de m a d e i r a de

composta de " s í t i o s " e praias adquiridas por turistas. E s s a mar-

mangue, da mata, de barro, c o m cobertura de s a p é . E s t a última

gem tem u m a d e n s i d a d e d e m o g r á f i c a menor que a M a r g e m Pe-

v e m sendo substituída pela telha de amianto, pela d i f i c u l d a d e

ninsular.

cada v e z m a i o r e m se obter o s a p é . O mobiliário da casa é s i m -

A partir d o estreitamento da z o n a estuarina, à altura d a Ponta

ples, feito e m geral c o m madeira local (caixeta) e o f o g ã o é à le-

do B a n a n a l , inicia-se o F u n d o do Saco, onde o corpo d ' á g u a volta

nha, na maioria dos casos. E m a l g u m a s casas existe o f o g ã o a

a se alargar d a n d o lugar a u m extenso e magnífico m a n g u e z a l .

gás, mas este c o m b u s t í v e l tem p r e ç o elevado, sobretudo pelo

E s s a área é m a r c a d a pela existência de muitos rios r e s p o n s á -

transporte.

veis pelo rebaixamento da salinidade. F o i t a m b é m a área onde se

A dieta alimentar é simples, constituída pela farinha de m a n -

instalaram as várias fazendas e engenhos de c a n a - d e - a ç ú c a r a

dioca fabricada continuamente, pelo peixe e ocasionalmente pela

partir do s é c u l o

carne de c a ç a . O c o n s u m o de v e r d u r a s é quase inexistente. A fru-

XVIII

e

XIX.

Aí, as atividades e c o n ó m i c a s mais re-

l e v a n t e s s ã o a l a v o u r a e o artesanato, ao c o n t r á r i o d a s d u a s

ta mais c o n s u m i d a é a banana, plantada p r ó x i m a à s casas. A l -

margens, e m que a pesca e o turismo s ã o mais importantes.

guns poucos moradores p o s s u e m galinhas, que s ã o criadas sol-

Pode-se constatar que existem diferenças importantes no que d i z respeito 'a o c u p a ç ã o do território entre essas três á r e a s . N e s s e sentido, as análises tentarão levar e m conta essas diferenças.

tas. O s r e m é d i o s caseiros, sobretudo ervas, s ã o utilizados para o tratamento das d o e n ç a s mais simples. A maioria dos moradores, com e x c e ç ã o de muitos que m o r a m

O Saco de M a m a n g u á é u m local distante dos centros u r b a -

mais distantes do mar, como os do F u n d o do Saco, p o s s u i tam-

nos, acessível somente por e m b a r c a ç ã o ou por u m a trilha para

bém ranchos de s a p é , onde g u a r d a m suas canoas e petrechos de

pedestre, que partindo da M a r g e m Continental chega a Parati-

pesca.

M i r i m . A M a r g e m Peninsular é somente acessível por barco. A s

C a b e m aqui a l g u m a s reflexões sobre a n o ç ã o de " t e r r i t ó r i o "

c o m p r a s das mercadorias e o atendimento m é d i c o se f a z e m e m

" l u g a r " existente nos tipos de culturas e sociedades tradicio-

Parati, distante três horas de barco. O frete elevado torna a i n d a

nais a que pertence a de M a m a n g u á .

m a i s alto o p r e ç o dos produtos já caros na capital do m u n i c í p i o . O

U m elemento importante na relação entre p o p u l a ç õ e s tradicio-

abastecimento local é precário, feito por três " v e n d a s " , u m a na

'•i^^is e a natureza é a n o ç ã o de " t e r r i t ó r i o " , que pode ser definido

M a r g e m Continental e d u a s na Peninsular, que v e n d e m alguns

como u m a p o r ç ã o da natureza e e s p a ç o sobre o qual u m a so-

produtos de c o n s u m o imediato, a p r e ç o s elevados (óleo, sal, café).

ciedade determinada reivindica e garante a todos, o u a u m a parte

O local tem três escolas p r i m á r i a s , sendo u m a na M a r g e m Pe-

^ ^ seus membros, direitos estáveis de acesso, controle o u uso so-

ninsular e d u a s na M a r g e m Continental, obrigando as c r i a n ç a s a

a totalidade o u parte dos recursos naturais aí existentes que

o

Nosso LUGAR VIROU PARQUE

Os DIVERSOS ESPAÇOS

HUMANIZADOS

ela deseja o u é capaz de " u t i l i z a r " (Godelier, 1984). E s s a p o r ç ã o do

e outras á r v o r e s frutíferas. N a s c o m u n i d a d e s m e n c i o n a d a s , é es-

m u n d o natural fornece, e m primeiro lugar, a natureza do h o m e m

treita a r e l a ç ã o c o m a Mata Atlântica, nicho importante para s u a

como espécie, m a s t a m b é m :

r e p r o d u ç ã o social. D a l i retiram a madeira para suas canoas, p a r a

a) os meios de subsistência;

a c o n s t r u ç ã o , equipamentos de pesca, instrumentos de trabalho,

b) os meios de trabalho e p r o d u ç ã o ;

medicamentos, etc. (Diegues, 1988).

os meios de p r o d u z i r os aspectos materiais d a s r e l a ç õ e s so-

A l g u m a s dessas sociedades se r e p r o d u z e m e x p l o r a n d o u m a

ciais, aqueles que c o m p õ e m a estrutura determinada de u m a

multiplicidade de habitats: a floresta, os estuários, m a n g u e s e as

sociedade (relações de parentesco, etc.) (Godelier, 1984).

áreas já transformadas para fins agrícolas. A e x p l o r a ç ã o desses

O território d e p e n d e n ã o somente do tipo de meio-físico ex-

habitats diversos exige n ã o só u m conhecimento aprofundado dos

plotado, m a s t a m b é m das relações sociais existentes. Para muitas

recursos naturais, das é p o c a s de r e p r o d u ç ã o das e s p é c i e s , m a s a

c)

p o p u l a ç õ e s tradicionais que exploram o meio m a r i n h o , o m a r tem

utilização de u m c a l e n d á r i o complexo dentro do q u a l se ajustam,

s u a s " m a r c a s " de posse, geralmente pesqueiros de boa p r o d u t i v i -

com maior o u menor integração, os diversos usos dos ecossistemas.

d a d e , descobertos e guardados cuidadosamente pelo pescador

O território das sociedades tradicionais, distinto daquele d a s

artesanal. E s s a s " m a r c a s " p o d e m ser físicas e visíveis, c o m o as

sociedades urbanas industriais, é descontínuo, marcado por vazios

" c a i ç a r a s " instaladas na laguna de M u n d a ú e M a n g u a b a ( A l ) . E l a s

aparentes (terras e m pousio, á r e a s de estuário que s ã o u s a d a s para

p o d e m t a m b é m ser invisíveis, como os " r a s o s " , tassis, corubas,

a pesca somente e m algumas estações do ano) e tem levado autori-

e m geral lajes submersas onde há certa a b u n d â n c i a de peixes de

dades da c o n s e r v a ç ã o a declará-lo parte das " u n i d a d e s de con-

fundo. E s s e s pesqueiros s ã o marcados e guardados e m segredo

s e r v a ç ã o " , p o r q u e " n ã o é usado por n i n g u é m " . A í reside, m u i t a s

a t r a v é s do sistema de " c a m i n h o e c a b e ç o " pelos pescadores do

vezes, parte dos conflitos existentes entre as sociedades tradicio-

Nordeste ( M a l d o n a d o , 1993), o u seja, os locais m a i s p r o d u t i v o s

nais e as autoridades conservacionistas.

do m a r s ã o localizados pelo pescador que os d e s c o b r i u por u m

A q u e s t ã o do e s p a ç o ocupado pelas c o m u n i d a d e s c a i ç a r a s foi

complexo sistema de triangulação de pontos para o q u a l usa a l -

estudado por Winter, Rodrigues e M a r i c o n d i (1990), demonstran-

g u n s acidentes g e o g r á f i c o s d a costa, como torres de igrejas, picos

do como a n o ç ã o espacial, nos p a r â m e t r o s da cultura e m o d o s de

de morro, etc. (Diegues, 1983; 1993). Para as sociedades tradicio-

vida c a i ç a r a s d a r e g i ã o de G u a r a q u e ç a b a ( P a r a n á ) s ã o distintos

nais de pescadores artesanais, o " t e r r i t ó r i o " é muito m a i s vasto

das culturas urbanas. O s autores r e a l ç a m a i m p o r t â n c i a dos espa-

que para as "terrestres" e sua " p o s s e " é m a i s fluida. A p e s a r d i s -

ços de trabalho e p r o d u ç ã o agrícolas apropriados coletivamente,

so, ela é c o n s e r v a d a pela " l e i do respeito" que c o m a n d a a ética

blinda que trabalhados a nível familiar. D a d o o c a r á t e r i n f o r m a l

reinante nessas c o m u n i d a d e s ( C o r d e l l , 1982).

da "posse coletiva", esses terrenos s ã o a l v o fácil da e s p e c u l a ç ã o

Para as sociedades tradicionais camponesas, o território tem

imobiliária e os primeiros a serem vítimas de grilagem.

d i m e n s õ e s m a i s definidas, apesar da agricultura itinerante, atra-

L a d e i r a (1992) enfatiza a n o ç ã o de e s p a ç o e território para os

vés do p o u s i o , demarcar a m p l a s á r e a s de uso, s e m limites m u i t o

^"íírí7íf/-MÍ7i/í7s, relacionada c o m os mitos ancestrais que os l e v a m

definidos. M u i t a s dessas á r e a s , como no caso das c o m u n i d a d e s

'IS m i g r a ç õ e s de v á r i o s pontos do Brasil e de outros países limí-

c a i ç a r a s de S ã o P a u l o Bagre, e m C a n a n é i a (SP), s ã o " c o m u n s " , isto

'^'"ofes, para o oceano, mais especificamente no litoral entre R i o de

é, posse de u m a c o m u n i d a d e onde seus m e m b r o s f a z i a m s u a s

J^ineiro e P a r a n á . E s s e e s p a ç o é marcado por lugares m a r c a d o s

r o ç a s . A terra e m descanso ou o " p o u s i o " é a marca da posse,

pela t r a d i ç ã o , onde a c a m p a m e m suas viagens. U m a parte desse

onde depois de colhida a mandioca ficam os p é s de banana, limão

tt>rritório g u a r a n i , sobretudo os litorâneos, de S ã o P a u l o , P a r a n á e

o

Nosso LUGAR VIROU PARQUE

Rio de Janeiro foram transformados e m á r e a s naturais protegidas, e a p r e s e n ç a ocasional desses indígenas, e m sua m i g r a ç ã o , tem causado conflitos com as a d m i n i s t r a ç õ e s dessas áreas. U m aspecto relevante na definição de "culturas tradicionais" é a existência de sistemas de manejo dos recursos naturais marcados pelo respeito aos ciclos naturais, à sua e x p l o t a ç ã o dentro d a capacidade de r e c u p e r a ç ã o das espécies de animais e plantas utilizadas. E s s e s sistemas tradicionais de manejo n ã o s ã o somente formas de e x p l o r a ç ã o e c o n ó m i c a dos recursos naturais mas r e v e l a m a existência de u m complexo de conhecimentos a d q u i r i d o s pela tr adição herdada dos mais velhos, de mitos e símbolos que l e v a m à m a n u t e n ç ã o e ao uso sustentado dos ecossistemas naturais. A l é m do e s p a ç o de r e p r o d u ç ã o e c o n ó m i c a , das relações sociais, o território é t a m b é m o "locus" das representações e do imagin á r i o m ito lóg i c o dessas sociedades tradicionais. A íntima r e l a ç ã o do h o m e m c o m seu meio, sua d e p e n d ê n c i a maior e m r e l a ç ã o ao m u n d o natural, comparada ao do h o m e m urbano-industrial faz c o m que os ciclos d a natureza (a v i n d a de c a r d u m e s de peixes, a a b u n d â n c i a n a s roças) sejam associados a e x p l i ca çõ e s míticas ou religiosas. A s r e p r e s e n t a ç õ e s que essas p o p u l a ç õ e s fazem dos d i versos habitats e m que v i v e m , t a m b é m se constroem a partir do maior o u menor controle de que d i s p õ e m sobre o meio-físico. A s s i m , o cai ç a r a tem u m comportamento familiarizado c o m a mata, se adentrando nela para retirar os recursos de que precisa; ele t a m b é m n ã o tem receio de explorar os estuários e lagunas costeiras protegidas a t r a v é s de suas técnicas de pesca, m a s muitos têm u m verdadeiro p a v o r do m a r aberto, do " m a r de fora", da " p a s s a g e m da ba r r a ", dos naufrágios e d e s g r a ç a s associadas ao oceano que n ã o controla ( M o u r ã o , 1971).

O s DIVERSOS ESPAÇOS

HUMANI/A

Os

^

M o r a d o r e s

STE TRABALHO SE CONCENTRA exclusivaiTiente na p o p u l a ç ã o de moradores, que v i v e m habitualmente nos vários "lugares",

praias ou povoados, e portanto trata marginalmente de u m outro tipo de p o p u l a ç ã o , a dos turistas que c o n s t r u í r a m casas s e c u n d á rias e m M a m a n g u á . A o c o n t r á r i o do que se poderia pensar, os moradores apresentam u m a certa mobilidade espacial, m u d a n d o de u m lugar para ^>iitro, dentro do Saco como t a m b é m para fora dele, a t r a v é s dos processos m i g r a t ó r i o s . A mobilidade dentro da r e g i ã o se dá atra^ "^'^

casamentos, pelos quais geralmente a noiva deixa sua praia

c vai morar na do seu marido. Muitas vezes, famílias inteiras " n i d a m de u m lado para outro e m virtude da v e n d a de sua " p o s ' passando a v i v e r e m outra praia onde t ê m o u a d q u i r i r a m ^>nia outra " p o s s e " . A l g u m a s famílias d e i x a m t a m b é m lugares ^ mto atacados por maruins, m u d a n d o - s e para outros considera' '^^rios infestados. E m alguns p e r í o d o s , como na lua-cheia, os

OS

o N o s s o LuGAií ViKou P A R Q U E

povoados recebem dezenas de jovens embarcados que visitam suas

MORADORES

A p o p u l a ç ã o local se distribui nas seguintes praias: Ponta d o

famílias, t o m a n d o - s e mais calmos depois de s u a saída. S u c e d e m

13ananal - 1 família; Baixio - 21 famílias; C r u z e i r o - 18 famílias;

t a m b é m casos e m que a saída da família do i r m ã o mais velho, c o m

Praia d o Pimenta -1 família; Praia do Costa - 2 famílias; Ponta da

a v e n d a da terra, colabora para desestruturar a v i d a das famílias

Romana - 14 famílias; Ponta do E n g e n h o - 1 família; Ponta d o

dos outros i r m ã o s que permaneceram no lugar, c a u s a n d o u m

Sobrado - 1 família; Ponta do Buraco - 1 família.

abandono gradahvo das terras e a m u d a n ç a para outros " l u g a r e s "

A M a r g e m Continental, mais p r ó x i m a a P a r a t i - M i r i m , apre-

onde moram outros parentes. N u m desses casos recentes, no Baixio,

senta u m a p o p u l a ç ã o de 33 famílias, dispersas n a s seguintes p r a i -

u m dos irmãos mudou-se para uma outra praia para que sua família

as e c o s t õ e s c o m moradores locais: Praia das M o c a s - 1 família;

tivesse m a i s a m p a r o dos parentes durante os meses e m q u e está

Pontal - 7 famílias; Praia d o L o p e s - 1 família; C o s t ã o - 5 famílias; Praia G r a n d e - 9 famílias; Ponta d o L e ã o - 6 famílias; Ponta d o

embarcado. O Saco de M a m a n g u á tem 119 famílias de moradores, c o m

C a rro - 3 famílias; Ponta do Descalvado - 1 família. N o F i m d o d o Saco existem duas a g l o m e r a ç õ e s de moradores,

527 pessoas e 21 propriedades de turistas.

onde v i v e m 23 famílias: Regate, c o m 11 famílias e C u r u p i r a , c o m 12 famílias ( M a p a 3).

Tabela I - População de Mamanguá MARGEM

PROPR, DE TURISTAS

NÚMERO PESSOAS

NÚMERO FAMÍLIAS

Tabela 2 - Idade dos Casais, por Faixa Etária, em Porcentagem

Continental

33

28.0

120

23.0

08

38.0

F. do Saco

23

19.0

100

19.0

01

5.0

Peninsular

63

53.0

307

58.0

12

57.0

119

100

527

100

21

100

N a M a r g e m Peninsular encontra-se a maior d e n si d a d e de mo-

15-25 %

26-35 %

36-60 %

+ 50 %

TOTAL

Continental

6.0

21.5

29.5

43.0

100

F do Saco

0.7

27.2

27,2

45,5

100

Peninsular

23.5

18.5

31,0

26.3

100

9,8

22.8

29,2

38,2

100

MARGEM

TOfAL

radores d o Saco de M a m a n g u á . O povoado da praia do C r u z e i r o , c o m 18 famílias e 96 pessoas, quase todas aparentadas, constituise no centro mais importante da região. A í se localizam t a m b é m o posto de s a ú d e , u m a escola, a igreja católica da r e g i ã o , o estaleiro e u m dos bares de M a m a n g u á . O Baixio apresenta o maior n ú m e ro de moradores da região, 116 moradores, ainda que espalhados por u m a e x t e n s ã o maior de terra, inexistindo u m centro que agi mere os moradores (Mapa 3). A s casas d o s turistas se encontram concentradas na Praia d o E n g e n h o , onde existe o único c o n d o m í n i o d o Saco de M a m a n (8 casas de turistas); na Ponta d a R o m a n a (4 casas de turistas) Baixio de Dentro (4 casas de turistas).

A análise (Tabela 2) revela que 9,8% dos casais e s t ã o n a faixa ^"tária d e 15 a 25 anos; 22,8%, n a faixa entre 26 e 35 anos; 29,2% n a f^iixa etária entre 36 a 50 anos e 38,2% tem idade superior a 50 anos. A situação etária mais n o r m a l é a da M a r g e m Peninsular, ^''ide mora mais da metade da p o p u l a ç ã o de M a m a n g u á , pois ^ i s t e m 23,5% dos casais entre 15 e 25 anos, e somente 26,3% c o m s^r^

^ ^""'^^

^^^^ ^ ^ M a r g e m Continental apre-

tot^^-T " " ^ ^ p o p u l a ç ã o mais v e l h a , pois mais de 40% d o s casais C i d a d e superior a 50 anos. '^aio^*^'^''^"^" famílias d a M a r g e m P e n i n s u l a r apresentam a ' ' " r p r o p o r ç ã o de filhos por casal, as d a M a r g e m Continental

Os

o Nosso L U G A R V I R O U P A R Q U E

MORADORES

p o s s u e m menor m é d i a . E s s a p r o p o r ç ã o talvez se explique pelo

dores das praias de M a m a n g u á e de outras praias, situadas a duas

n ú m e r o r e d u z i d o d e casais novos c o m filhos e a maior porcenta-

ou três horas d e caminhada. É t a m b é m na M a r g e m P e n i n s u l a r

gem de casais c o m idade superior a 50 anos nessa M a r g e m .

que esse intercâmbio é maior, pois cerca de 15,7% d o s pais d e família s ã o provenientes de praias p r ó x i m a s . Por outro lado, é na Margem Continental, a mais influenciada pelo turismo, que mora

Tabela 3 - Média de Filhos por Casal MARGEM

o maior n ú m e r o de pessoas que m i g r a r a m para M a m a n g u á , d e outras regiões d o país.

MÉDIA DE FILHOS POR CASAL

Continental

3.5

F. do Saco

3.8

Peninsular

3.8

Pode-se constatar que grande parte dos moradores se distribuem por cerca d e 7 o u 8 famílias (os C o n c e i ç ã o , Santos, N a s c i mento, O l i v e i r a , S o u z a , C a m p o s , Mattos, Spíndola), entre as quais as pessoas se casam. N a M a r g e m Peninsular, por exemplo, exis-

l

tem entre 3 o u 4 grandes famílias que agregam a quase totalidade da p o p u l a ç ã o .

A m i g r a ç ã o para fora de M a m a n g u á parece ter sido intensa n o passado, principalmente a p ó s o esvaziamento e c o n ó m i c o d a re^ gião nos anos 50. E s s a e m i g r a ç ã o continua até hoje, talvez e m escala menor que no passado. H á u m n ú m e r o significativo d e ve-^

O grau de analfabetismo dos pais, como pode ser atestado pela Tabela 5 é d e cerca d e 50%, sendo maior na M a r g e m P e n i n s u l a r (62%) e menor na M a r g e m Continental (27%). A porcentagem maior de alfabetizados na M a r g e m Continental pode ser explicada pela existência d e d u a s escolas primárias, ao c o n t r á r i o d a M a r -

lhos s e m filhos, morando sobretudo na M a r g e m Continental - onde

gem Peninsular, onde existe somente u m a , obrigando as pessoas

verificou-se t a m b é m a maior porcentagem d e filhos d a r e g i ã o - e

a deslocamentos maiores.

t a m b é m no F u n d o d o Saco. Tabela 5 - Grau de Alfabetização dos Pais Tabela 4 - Local de Nascimento dos Pais MAMANGUÁ

JUATINGA

FORA

MARGEM

MARGEM

TOTAL

Continental

18

72.2%

5.5%

22.2%

09

100%

0.0X

0.0%

Fundo do Saco

Fundo do Saco Peninsular

38

78.9%

15.7%

5.2%

TOTAL

65

80%

10.7%

9,2%

Dentre o s p a i s d e família, 80% nasceram e m M a m a n g u á e somente 9,2% v e m d e fora d a região, e m geral h o m e n s q u e se c a s a m c o m m u l h e r e s d o lugar. C e r c a d e 10,7% p r o v ê m d e praias p r ó x i mas, m a s fora d e M a m a n g u á , como Sono, Cajaíba. Aliás, existe i i m inter c â m bi o significativo d e pessoas e contatos entre os mo ra -

Continental

TOTAL

ANALFABETO

SEMIANALFABETO

ALFABETIZADO

OUTROS

18

27.7%

1 1,1%

61.1%

0.0%

9

44.4%

22.2%

33.3%

0.0%

Peninsular

37

62.1%

10.8%

24,3%

2.7%

TOTAL

64

50.0%

12,5%

35.9%

1.5%

O Saco de M a m a n g u á tem duas religiões dominantes: a católi^' com 58,5% dos habitantes e a "crente" ( Assem bl ei a d e D e u s , " a g r e g a ç ã o Cristã do Brasil, Igreja Católica Brasileira) c o m 34%. " ca l i z a m- se aí 5 igrejas, sendo 1 católica e 4 "crentes". O s " c r e n se concentram mais n a M a r g e m Peninsular, pois três d a s

o

Nosso LUGAR VIROU PARQUE

quatro igrejas protestantes aí se encontram. N o F u n d o do Saco existe a igreja "crente" mais antiga de M a m a n g u á (da d é c a d a d e 40) e na M a r g e m Continental n ã o existe n e n h u m a igreja. O s pastores crentes v ê m d c fora de M a m a n g u á ( U b a t u b a , Parati) e m barcos, trazendo, para alguns cultos, músicos que u s a m instrumentos desconhecidos em M a m a n g u á , como a c o r d e ã o , clarineta, etc. Entretanto, os cultos durante a s e m a n a s ã o organi-j' zados p o r líderes religiosos que m o r a m no local.

Os

ecossistemas,

seus

c os u S O S o p u i a ç aã o L o c a

ecursos

lar

Os

ECOSSISTEMAS

^) A M^tg

PA

REGIÃO

Atlântica

O Saco de M a m a n g u á apresenta v á r i o s e s t á g i o s d e s u c e s s ã o da Mata Atlântica, ecossistemas de transição (manguezal) p a r a í-ima importante zona eshaarina, do tipo " r i a " ou " f i o r d e " . A Mata Atlântica ainda apresenta segmentos bem conserva^^tís, sobretudo nas á r e a s montanhosas mais elevadas, c o m as ^^^guintes f o r m a ç õ e s : Mata Primária de Encosta, Mata S e c u n d á r i a ^ Encosta c o m suas variações de desenvolvimento. Mata de P l a J^'cie C o s t e i r a o n d e se l o c a l i z a u m i m p o r t a n t e c a i x e t a l e o '^^"lí^guezal (Foto 5). ^ ^^^^ Primária de Encosta se siHia entre 350 e 1000 metros Cair^'*'^*^^' ^^^'^^"^^ encostas do lado oeste do pico do •"uçú Q Pedra da Jamanta e nos maciços do morro P ã o de A ç ú c a r

o

Nosso

LLCÍAK VIIÍCU

O s ECOSSISTEMAS, SEUS R E C U R S O S E os

PAKQUI:

Usos

crescimento r á p i d o . A l é m das espécies já citadas, existem o i m b i r u ç u {Pseudobombax contortisiliquum),

grandiflorum),

timbuíba

(Enterolobium

fedegosa {Senna macranthera) e grande quanti-

dade de epífitas, b r o m é l i a s e orquídeas. A Mata de capoeira, localmente conhecida como " t i g u e r a " , ocupa á r e a s que já foram lavoura e se encontram a b a n d o n a d a s ou em pousio. O caiçara local, fazendo agricultura itinerante e m pequenas á r e a s , depois de três a quatro anos de cultivo, deixa o local para p l a n t a r e m outro. N a s terras muito enfraquecidas e ácidas aparecem o c a p i m gordura (Melinis minutiflora), o s a p ê (Imperata brasiliensis), a samambaia (Alsophila armata), as e m b a ú b a s (Cccropia spp) entre outras. A Mata de c a p o e i r ã o , apresenta as m e s m a s espécies de flora d a mata de capoeira, e m maior g r a u de desenvolvimento, b e m como u m maior n ú m e r o de palmeiras; p a l m e i r a brejaúba [Astrocaryum

tucuma), palmeira indaiá (Attalea dúbia), e

o início do aparecimento das espécies ocupantes d a mata secundária, já citadas anteriormente. A M a t a de P l a n í c i e C o s t e i r a existe e m terras b a i x a s , a m e Pico da Cajaíba, apresentando uma v e g e t a ç ã o densa o bem conservada, onde existem á r v o r e s altas, formadoras do estrato ar bór eo superior. Aí se destacam os cedros {Cedreln fissilis), as canelas {Ocotca spp, Nectnthirn spp), a canafístula (Cassm spp). N o estrato inferior existem mirtáceas, leguminosas, palmeiras, etc. "Do pedrão pra baixo, aquele morro grande que tem ali, o Cairuçú é mata virgem" (Seu Benedito da C o n c e i ç ã o , Praia do Baixio, Cruzeiro). A Mata Secundária de Encosta é consequência do uso h u m a no por muitas g e r a ç õ e s , resultando na existência de matas e m estado s e c u n d á r i o de s u c e s s ã o vegetativa. A maior parte das en-

plamente irrigada por cursos d ' á g u a , no final do Saco de M a m a n g u á , a p ó s u m extenso m a n g u e z a l . C o n s t i t u i - s e n u m a mata perenifólia, c o m espécies como o palmito (Euterpes edulis), canela [Ocotea spp, Nectandra spp), g u a p u r u v u (Shizolobium parahyba). N a interface c o m o m a n g u e , existem m a n c h a s de caixeta

(Tabebuia

cassinoides), formando u m importante caixetal muito utilizado para o artesanato local. O extrato arbustivo é composto principalmente por pimenteiras {MolUnedia spp), gravatas (Nidularium innocantii) e banana do mato U^ronielia antiacantha). E s s a área foi intensivamente utilizada há '"•luito tempo, pelas grandes fazendas e hoje aí existem r o ç a s de subsistência. O M a n g u e z a l situa-se no final da zona estuarina, composto de

costas se encontra ocupada por lavouras, matas de capoeiras e

mangue v e r m e l h o (Rizophora mangle), m a n g u e branco

cnpocirõos c nas vertentes dos morros da Margem Continental,

^^f'(i racemosa) e m a n g u e preto (Avicenia Shaueriana). E s s a vegeta-

peia mata secundária de encosta, menos explorada. Nas matas s e c u n d á r i a s jovens há u m a a b u n d â n c i a de e m b a ú b a s {Cccropia spp) e de outras espécies de madeira moio, de

(Laguncu-

oferece substrato a u m grande n ú m e r o de bivalves (ostras, por t e m p l o ) e t a m b é m p r o t e ç ã o a i n ú m e r a s e s p é c i e s de peixes e ^«•^•stáceos.

o

O s E C O S S I S T E M A S , SEUS R E C U R S O S E o s

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A d e s c r i ç ã o e a análise d a fauna d a M a t a Atlântica se t o m a m ainda m a i s complexas d e v i d o à precariedade dos levantamentos

animais... Nós só caçava aqui no nosso local, não precisava

Usos

subir"

(morador da Praia do C r u z e i r o ) .

faunísticos existentes. A fauna d a Floresta Atlântica permanece rica em diversidade biológica, com pouquíssimas espécies já descri-

S e g u n d o Martinelli (1983), existem na r e g i ã o os seguintes ani-

tas totalmente extintas. N o entanto, as p o p u l a ç õ e s remanescentes,

mais: o n ç a pintada (Panthera onça); jaguatirica (Felis pardalis); gato

via d e regra, estão representadas e m muitos casos por apenas u m

do mato (Felis tigrina); paca (Caniculus paca); coati (Nasua

n ú m e r o perigosamente r e d u z i d o de indivíduos. Pelo fato de as

cotia (Dasyproeta agouti); cachorro do mata [Cerdocyon thous); m ã o

pesquisas faunísticas n ã o terem sido realizadas e m p r o f u n d i d a d e I

pelada [Procyon crancrivorus);

antes do desmatamento, acredita-se que muitas espécies pouco cons-

t a m a n d u á s (Myrmecophagidae

o u r i ç o - C a x e i r o (Coendou

nasua); villosus);

spp); porcos do mato (Tayassu);

ta-

p í c u a s tenham sido exterminadas s e m que delas sequer h o u v e s s e

tus (Dasypodidae spp); saguis (Callicthrix spp); c a x i n g u e l ê (Sciurus

conhecimento de sua existência ( C â m a r a , 1991).

spp). A l é m de d i v e r s a s espécies de aves como: macuco

D e acordo c o m a análise d a f a u n a e flora realizada pela S E M A

solitarius);

j a c u (Penélope spp); j u c u p e m b a (Pepile

(Secretaria E s p e c i a l do Meio Ambiente) e m 1983, referente a p o n -

jacutinga (Pepile jacutinga);

ta d o C a i r u ç ú , r e g i ã o esta confrontante ao Saco d e M a m a n g u á ,

(Picidae) e outros passarinhos.

(Tinamus

superciliares);

tucanos (Rhamphastos spp); p i c a - p a u s

i n ú m e r a s espécies habitam a área, entre elas a l g u m a s a m e a ç a d a s de e x t i n ç ã o , c o m o o m u r i q u i (Mono) (Brachyteles arachnoidis), já

"Passarinho miúdo tem bastante, tem sabiazinho ainda, sanhaçú,

citado para a r e g i ã o por A g u i r r e (1971) e confirmado, a t r a v é s d e

surucuá,

c o m u n i c a ç ã o verbal, por D r . C o i m b r a Filho, especialista e m p r i -

nhos maiores tá fraco, diminuiu,

matologia e do preguiça de coleira (Bradypiis torqiiatus).

Diminuiu por causa das frutas que acabou. Sabiá-cica, era o que mais

dorminhoco,

trocai, maritaca... Agora os outros passarimas diminuiu por causa de que?

tinha, cadê o sabiá-cica? Urú, outro passarinho que tinha muito, tide óculos, o tal de muriqui, ainda tem, tem

nlia bandos e bandos, hoje você não vê mais... é passarinho que nin-

poucos mais tem.... Sabe que ele jnudou-se muito dessa parte daqui

guém mata.... Saracura, outro pássaro que tinha no mangue, antiga-

"Macaco-Grande,

por causa da tiração de palmito, do barulho... As comidas dele são o

mente a gente sai aí no mar, de canoa, a maré tava vazia , dia de

palmito, dos passarinhos também, agora não tem mais... É difícil

pegar camarão e tinha duas, três pela maré afora. Hoje não tem mais....

encontra, ele é muito arisco, só gosta de lugar bem deserto, lugar de córrego,

cachoeira, de gruta ... e mais ele pressente a gente" (Seu

Socó tinha bastante também, mas fracassou. Outro

passarinho

que sumiu daqui foi o vira-bosta, tratam como gralha, hoje não tem

Benito d a C o n c e i ç ã o , Praia do C r u z e i r o ) .

mais" (Seu O r l a n d o d a C o n c e i ç ã o , Praia do C r u z e i r o ) .

É importante considerar as informações colhidas durante o tra-

F o r a m levantados, durante o trabalho de c a m p o , a l g u n s no-

balho de c a m p o , pois t a m b é m i n d i c a m que outrora grande quan-

populares referentes aos diversos p á s s a r o s que habitam o

tidade d e a n i m a i s e r a m vistos p r ó x i m o s aos n ú c l e o s d e h a b i t a ç ã o

•*-ícal: sabiá, s a n h a ç ú , s u r u c u á , dorminhoco, trocai, maritaca, tu-

e que atualmente estão restritos às á r e a s m a i s inacessíveis como

cano, jurita, papagaio. T a m b é m verificou-se a grande quantidade

as encostas do Pico do C a i r u ç ú .

répteis, cobras (jararacas, j a r a c u ç u , coral, u r u t u , m u ç u r a n a , surucucu, etc) e lagartos, b e m como a n h l j i o s .

nóis morava ali, nois saindo, indo na casa de uni

A s aves u t i l i z a m os m a n g u e z a i s para acasalamento e n i d i -

vizinho, passava pelo mato encontrava passarinho, encontrava vários

'cação. Entre elas podem-se observar a garça branca (Egretta thula).

"Antigamente,

o

O s E C O S S I S T E M A S , S E U S R E C U R S O S E OS U S O S

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A m b r ó s i o et alli (1993), a p ó s analisar as v a r i a ç õ e s espaciais e

o m a r t i m pescador {Ceryle torquata) e o colhereiro (Ajaia ajaia) entre outros. E n q u a n t o os m a m í f e r o s como o m ã o - p e l a d a

temporais das propriedades hidrológicas e de c i r c u l a ç ã o , conclui

(Procyon

que a região n ã o apresenta as características típicas de u m estuário,

crancrivorus) p r o c u r a m o m a n g u e como fonte potencial d e a l i m e n to. Já os anfíbios e répteis s ã o menos frequentes.

I

O s organismos s e d e n t á r i o s a d e r e m ao substrato vertical d a s

devido às correntes de m a r é pouco intensas, associadas à fraca circulação gravitacional, decorrente da pequena descarga de á g u a

raízes a é r e a s , caules, e plântulas de Rhizoplwra mangle. O s t r a s e

doce. A estrutura térmica é fracamente estratificada, a distribui-

c i r r i p é d e s e outros a n i m a i s que p o d e m se retrair dentro d e tubos,

ção de sedimentos no fundo permite caracterizar a área como de

p e r m a n e c e m inativos durante m a r é baixa. A b a i x o do nível míni-

baixa energia, o que ocasiona intensa deposição d e lama. E s s e autor

mo d e m a r é podem-se encontrar, fixas ao substrato, p o p u l a ç õ e s

t a m b é m sugere que o sistema d e v e ser utilizado c o m o refúgio de

de b r i o z o á r i o s , h i d r o z o á r i o s e tunicados.

peixes j u v e n i s . A p r o d u ç ã o p r i m á r i a é m a i o r na p o r ç ã o m é d i a d a z o n a

O s organismos v á g e i s t ê m ritmos de atividades relacionados às m a r é s . Peixes como G o b i i d a e e Blenniidae, c o s t u m a m p e r m a -

estuarina, o n d e se encontram melhores c o n d i ç õ e s nutricionais,

necer enterrados no lodo o u entre as algas durante a m a r é baixa.

decrescendo e m d i r e ç ã o à barra (entrada d a zona estuarina). Nesta

H á t a m b é m aqueles que adentram o m a n g u e z a l somente durante

porção, formada pela barra e pelo c i n t u r ã o de ilhas p r ó x i m a s ,

a p r e a m a r à procura de alimento.

p r e d o m i n a m c o s t õ e s e f o r m a ç õ e s rochosas c o m o a ilha d a C o t i a

C r u s t á c e o s e g a s t r ó p o d e s p r e d o m i n a m nesta região, sendo sua distribuição intimamente relacionada à m u d a n ç a nos níveis de

e a ilha da P r e g u i ç a , nas quais existem polvos, lagostas, garoupas e badejos. N o interior da zona estuarina aparecem o parati (Mugil

m a r é . O s caranguejos o c u p a m buracos ú m i d o s o u apresentam comportamento

migratório, subindo em árvores (Cintrón &

operculares);

N a s á r e a s mais p r ó x i m a s ao m a n g u e z a l encontram-se o caranguejo g u a i a m u m (Cadisoma guanhumi); caranguejo maria-mulata c a r a n g u e j o uca (Ucides

cruentato);

cordatus);

ostra

curema);

o robalo (Centropomus

vermelho (Lutyanus aya); a pescadinha-branca (Cynoscion

N o v e l l i , 1986).

(Geniopsis

a corvina (Micropogon

a sardinha-lage (Opisthonema oglinum); a tainha (Mugil a guaivira (Oligoplistes saurus); a salema (Anisotremus

spp); o

leiarchus); platunus); virginicus);

a sororóca (Scomberomus maculatus); a m o r é i a - p i n t a d a (Gynwthorax

(Crassostrea brasiliensis); c a m a r ã o branco (Penaeus shimitti); maris-

occllatus); o c a m a r ã o branco (Penaeus shmitti) e outros.

co (Mytilus edulis). Entre os peixes, há o robalo (Centropomus

N o s baixios e praias arenosas, e m a m b a s as margens, ocorrem diversos tipos de c r u s t á c e o s (siris e carangueijos) e m o l u s c o s bivalves ( v ô n g o l e ) .

tainha (Mugil platunus); corvina (Micropogon b) A Zona

sp); a

a pescada branca (Cynoscion leiarchus); a

opercularis). Estuarina

O

A área a q u á t i c a do Saco de M a m a n g u á , de p r e d o m í n i o de á g u a

Uso

DOS RECURSOS

^'ELA P O P U L A Ç Ã O

NATURAIS

LOCAL

salobra, constitui-se n u m a " z o n a estuarina", conceito q u e se aplica n ã o s ó à s f o r m a ç õ e s estuarinas típicas, mas t a m b é m a outros

locais como o Saco do M a m a n g u á , onde o m o d o d e v i d a tra-

ambientes costeiros d e transição como baías, l a g u n a s costeiras,

•^'Tdlsd''^'"'^^^

deltas, á r e a s i n u n d a d a s pela m a r é e as de e n t r e - m a r é s , afetadas

gcta^"^ ^ Pequenas agriculturas de subsistência, extrativismo ve-

por diferentes regimes d e descarga d e á g u a doce ( M i r a n d a , 1990).

n i a n t é m presente, a p o p u l a ç ã o combina ativi-

' ' P^sca, c a ç a , coleta e artesanato (Diegues, 1988).

o

Nosso LUGAR VIROU

O s E C O S S I S T E M A S , S E U S R E C U R S O S E os

PARQUE

Usos

E s s a c o m b i n a ç ã o de práticas e usos dos recursos naturais é, de

cesso de m u d a n ç a e sobretudo de v i n c u l a ç ã o maior à economia

u m lado, u m a forma de utilização de vários ecossistemas, segun-

capitalista de mercado e que essa articulação passa a d e m a n d a r

do s u a s características e de acordo com os "ciclos n a t u r a i s " , v i -

determinados recursos naturais (e n ã o outros) n u m a intensidade

sando r e d u z i r os riscos d a d e p e n d ê n c i a de u m s ó recurso natural

nunca antes vista no lugar. É o caso do c a m a r ã o que p a s s o u a ter

que poderia se esgotar, a m e a ç a n d o a sobrevivência do grupo. D e

mercado há somente algumas d é c a d a s , sendo que antes da práti-

outro lado, essa c o m b i n a ç ã o de atividades e usos está e m b a s a d a

c a do arrasto era marginalmente capturado. O m e s m o ocorre hoje

n u m conjunto de conhecimentos e práticas que Levi-Strauss (1989)

c o m o palmito, a caixeta, o caranguejo, etc. E s s a s novas d e m a n -

d e n o m i n a de "ciência do concreto". N e s s e sentido, existe no local

das tem impacto n ã o somente sobre a intensidade do uso, mas

u m a extensa taxionomia folk, segundo a qual os vegetais e os a n i -

t a m b é m sobre as tecnologias patrimoniais de pesca, a l g u m a s das

mais s ã o classificados e m categorias como forte e fraco, v i v o e

quais foram substituídas por outras menos seletivas e mais pre-

n ã o v i v o , de couro e escama, masculino e feminino, b o m e m a u

datórias. Trata-se, portanto, de processos pelos quais o valor de

para o c o n s u m o , visível e invisível, bicho e n ã o bicho ("macaco não

u s o (consumo) é substituído pelo valor de troca o u mercado.

se deve matar: é uma pessoa"). O uso de determinadas plantas o u peixes pode ser aconselhado o u desaconselhado s e g u n d o as situ-

As

a ç õ e s como d o e n ç a , gravidez, etc, e está t a m b é m envolto e m i n -

Naturais

Formas

de da

Utilização

Mata

dos

Recursos

Atlântica

terdições expressas por tabus . O s moradores conhecem t a m b é m u m certo n ú m e r o de espécies que n ã o tem uso definido:

O uso dos recursos da mata se faz por meio da c a ç a e m pequena escala que serve para consumo d o m é s t i c o , da e x t r a ç ã o de m a d e i -

"Aquela planta eu conheço, mas aqui não se usa."

ra, bambus, sementes e cipós para diversos fins: artesanato, construção de casas, canoas e barcos, utensílios d o m é s t i c o s , medica-

E s s e vasto conhecimento foi explorado na pesquisa de forma somente parcial e incompleta, constituindo ainda u m campo aberto

mentos e a l i m e n t a ç ã o . P o r é m , é a t r a v é s d a agricultura de subsistência que se d á a p r i n c i p a l o c u p a ç ã o do solo.

para estudos mais aprofundados de etnociência (etnobotânica, etnoictiologia).

a)

Caça

M a r q u e s (1994) discute e m profundidade se o conhecimento e as p r á t i c a s tradicionais s ã o necessariamente "conservacionistas"

Hsta é u m a atividade que serve apenas para c o n s u m o p r ó p r i o ,

dos recursos naturais e ecossistemas. A s s i m como n ã o se pode

s o n d o realizada e m pequena escala o ano todo. É u m a atividade

partir do princípio de que os ecossistemas estão necessariamente

secular que v e m sofrendo alterações:

e m equilíbrio, n ã o se pode afirmar, sem u m a análise detalhada, se as p r á t i c a s tradicionais de uso dos recursos naturais s ã o forço-

"Meu pai, uma vez, caçou um porco legítimo que pesava xms 80

samente "conservacionistas". N o entanto, o relativo grau de con-

'piilos, aí, a gente arnnnava ele, dava pros vizinhos, salgava, aprovei-

s e r v a ç ã o de muitos recursos naturais verificado e m M a m a n g u á é

l^va, não botava fora não... E aí sobrevivia, né... Quando eu me entendi

fruto de práticas culturais embebidas de longo e profundo conlicci-

Po''gente, eu no caso estou com 45 anos, que cacei com meu pai, no caso

mento dos processos ecológicos, através d a "ciência do concreto"/

levava um facãozinho, ou levava um xilozinho para come uma

ou do saber tradicional. É importante se acentuar, no entanto, que

fofinha seca lá no mato, no caso de se perde... Já encontrava alguma

essa r e g i ã o sofre, desde muito tempo, u m a m p l o e p r o f u n d o prO'

'-oisa, mas com dificuldade. Raras as vezes a gente voltava sem trazer

o

Nosso L U G A R V I R O U

Os E C O S S I S T E M A S , SEUS R E C U R S O S E OS Usos

PARQUE

um objeto. Ou um pássaro grande, um jacu, um macuco ou caça, sempre.

foi com o advogado, fiquei lá dois dias. E a outra vez fez oito dias lá

Mas depois, de 30 anos, a uns 25 anos atrás, veio fracassando 50% e

com o diretor do Estado do Rio de Janeiro... Na mata aqui mesmo...

até mesmo os caçadores já desanimaram, que vai no mato e não mata

Naquela época não cevava não, era nos barro... Quem fica no mato, é de

nada " (morador d a praia do C r u z e i r o ) .

fora, a turma aqui da área, eles vão no mesmo dia, sai cinco horas da 4

O motivo deste fracasso está relacionado c o m atividades pred a t ó r i a s exercidas nos ú l t i m o s anos, c o m o a e x t r a ç ã o d e p a l m i t o

manhã e volta seis horas da tarde, porque eles não aprofundam no mato. Eles não vão lá no centro, eles ficam na beirada", (morador da Praia do C r u z e i r o ) .

e outras á r v o r e s frutíferas que constituem a base d a a l i m e n t a ç ã o d a s e s p é c i e s d a fauna local, b e m como o a u m e n t o do b a r u l h o d e - ^

C o m a d i m i n u i ç ã o de a b u n d â n c i a d a s e s p é c i e s faunísticas,

corrente do crescente desenvolvimento turístico e do a u m e n t o do

verifica-se que atualmente t a m b é m é necessário adentrar na mata

n ú m e r o d e c a ç a d o r e s , que p r o c u r a m n a c a ç a u m complemento

primária e m busca da c a ç a , cada v e z mais rara e encontrada, c o m

da a l i m e n t a ç ã o familiar.

mais frequência, nas encostas do Pico d o C a i r u ç ú . O s m é t o d o s e h o r á r i o s de c a ç a v a r i a m d e acordo c o m a e s p é -

"Hoje em dia, perde-se tempo pra encontrar alguma coisa e às

cie procurada, aves, pacas, cotias, tatus, porco-do-mato, etc. S ã o

vezes não se encontra nada. Tá muito fraco... Mas eu lhe digo, isso ato

utilizados cachorros para c a ç a r os animais maiores, apitos q u e

que acabou mais foi a tiração de palmito, do barulho... O palmito é

s i m u l a m o c h a m a d o d a s aves, cevas e a r m a d i l h a s p r ó x i m a s à s

alimento de muitos passarinhos... A matança do palmito é o seguinte,

palmeiras e á r v o r e s frutíferas, e " e s p e r a " , nas r o ç a s de m a n d i o c a ,

que eu acho coisa errada, é que eles cortam o pé de palmito, e se o

lugares p r o c u r a d o s pelos animais .

palmito encostou naquele pau, o cara derruba aquele pau, aí o outro

Esta a t i v i d a d e é intensificada nos meses frios ( i n v e r n o ) , q u a n -

pau, três, quatro paus para tirá hum só palmito... E ali ele não tá

do a a t i v i d a d e p e s q u e i r a é m e n o s intensa e n o s m e s e s s u b s e -

escolhendo qual o pau que abate, às vezes é pau de lei, um cedro ou

quentes, d e agosto a n o v e m b r o , q u e t a m b é m c o r r e s p o n d e m à

outro pau de fruta... Aiitigamente tinha gente que não dava prô mato, era mais meu pai e meu tio que pertubava uma caça.... O meu irmão

época e m q u e o m a c u c o {Tinamus

solitárias), e s p é c i e bastante

procurada, c o m e ç a a "piar", levando a u m aumento da caça. O s

João, aquele bem forte, foi criado com carne de caça.... Ah, hoje em dia

passarinhos s ã o c a p t u r a d o s a t r a v é s d e a r m a d i l h a s (arapucas)

tem mais caçador" (morador da Praia do C r u z e i r o ) .

ou abatidos por meio de estilingues, servindo t a m b é m c o m o fonte de alimento.

A s á r e a s e a d u r a ç ã o d a c a ç a d a , m u d a r a m d e acordo c o m a b u n d â n c i a d a c a ç a . N o r m a l m e n t e , esta a t i v i d a d e é exercida d" rante o d i a , sendo que o c a ç a d o r local s a i para c a ç a r ao a n

" O cachorro, qualquer caça eles corria. Agora, o que eles caçavam muito é porco-do-mato, cotia, paca... Costuma muito o cachorro andá

nhecer (5 h o r a s d a m a n h ã ) , retornando ao entardecer (6 h o r a s

ua corda, só saía quando encontra o rastro... O tatu, éfácil apanha ele

tarde).

^ ^loite, de dia só com cachorro que acha a toca dele... A paca também só ^ noite, a não ser com cachorro bom de rastro que vai no trilho e tira ela, "Eu caçava era nas encostas, do pedrão pra baixo... Eu caçava com

^ite ela se amoita, quando não se entoca, arruma um lugarzinho e deita

o meu irmão, e às vezes vinha gente defora pra caça aí. Vinha muita

prá aguarda a noite par marisca outra vez, e só com lua escura... Caça

gente, eu cacei com um advogado e com um diretor do estado...

<^otia, })iais fio engodo, tá na época agora do frio, porque não tem tanta

vezes nós ia de nianliãe voltava tarde. Só quando eu pousei na mata, l

fi'nta no mato, ela vem par cá mais na roça... Na ceva para paca e cotia,

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tem diversas coisas que elas comem, mandioca, abricô, jaca, coco pindola e outras frutas. Ela é chegada na jaca, só que ela não come o favo, ela come o caroço que dá dentro do favo... Você deixa ali dois, três, quatro dias e quando chega no quinto, sexto dia, você vai espia a paca. Agora macuco, é na época que ele está piando, no mês de agosto/setembro/ outubro até novembro, que é época boa par caça, agora ales pegam

Tabela 6 - C a ç a : Espécies mais C a ç a d a s NOME POPULAR

NOME CIENTÍFICO

HABITAT

Paca Cotia Porco do mato

Canicu\u$ paca Dasyproeta agouti Tayassu spp

Mata primária Mata secundária Mata de planície Lavouras

sozinho ou com cachorro, armadilhas com ceva. espera nas lavouras

Tatu

Dasypodidae spp

Mata primária

sozinho ou com

Mata secundária

cachorro

muito de gaiola no chão, ceva com mandioca... Macaco a gente não caça, a gente encontra ele, ele é um bicho diferente dos animais, é uma pessoa, matar um macaco é matar um ser humano..."

(morador d a

MÉTODO DE CAÇA

praia do C r u z e i r o ) .

Mata de planície

A s p r i n c i p a i s espécies m a i s comumente c a ç a d a s , p o d e m ser

Hydrochaeris hydrochaeris

Capivara

melhor v i s u a l i d a d a s na tabela 6: Gambá

b) O

Extrativismo

O e x t r a h v i s m o de espécies vegetais é realizado v i s a n d o principalmente: a l i m e n t a ç ã o , c o n s t r u ç ã o de casas, canoas, barcos, utensílios de pesca e diversos tipos de artesanatos. O s moradores retir a m frutas, madeiras, como a caixeta (Tabebuia cassinoides) que é encontrada a t r á s do mangue, sementes, cipós, b a m b u s , e outros produtos utilizados no artesanato. A cultura tradicional se revela n ã o apenas no conhecimento preciso das espécies como t a m b é m pelo respeito às fases d a lua, pois a e x t r a ç ã o de madeiras só é feita na lua minguante, para que

Coati

Jacu Macuco Nliambu Uru

Mata de planície

sozinho ou com

várzeas

cachorro

Didelphis marsupialis Nasua nasua

Mata primária Mata secundária Mata de planície

sozinho ou com cachorro, armadilas com ceva

Penélope spp

Mata primária Mata secundária bem conservada

sozinho com apito, armadilhas com ceva

Geral

com arapucas, c o m estilingue

Tinamus solitarius

Diversos passarinhos

Obs.; Consideram-se "Moios secundárias" as áreas de mata secundária de encosta, mata de capoeira e capoeirão. Considera-se "geral" todos os ecossistemas e suas variações presentes no Saco de Mamanguá.

n ã o sejam atacadas por c u p i n s , rachem o u lasquem. A l é m disso, m a d e i r a n ã o é retirada de maneira aleatória, escolhendo-se os exemplares de acordo com o tipo de uso, que, na maioria das vezes, é d o m é s t i c o . A atividade de extrativismo vegetal perde s u a c a p a c i d a d e sustentação diante da atividade predatória decorrente da extraç^ ilegal e intensiva do palmito (Euterpes edulis) nesta última d é c a d a , trazendo consigo n ã o s ó a m e ç a s de e x t i n ç ã o d a e s p é c i e , como t a m b é m i n ú m e r o s impactos negativos sobre as espécies anii que tem no palmito sua principal fonte de alimento. H á t a m b é m impacto sobre outras espécies vegetais predadas durante o proces-

so de e x t r a ç ã o do palmito, assunto já citado anteriormente n o ^ ^'poimcnto oral de u m morador da praia do C r u z e i r o , a respeito motivos de fracasso da c a ç a . O palmito égrande alimento pra esses passarinhos, macaco tamcome a casca, mete o dente e come... O palmito, ele é uma árvore que guando tem um cacho que está maduro, tem outro que está madurando, outro que está verdinho. Quer dizê, não há falta de alimento para os pn^saros. Mas com essa matança de palmito, o bicho não tem o que ^">uer... Além disso, antes o pessoal cortava o palmito com macliado.

o

Os E C O S S I S T E M A S , SEUS R E C U R S O S E os Usos

Nosso Luc.AK Viiíou P A R Q U E

hoje eles cortam com facão, quédizê, éfilhote, peqiieninho... Você pro-

Tabela 7a - Extrativismo: Espécies

cura um palmito aí, nem prá remédio. Acabou demais. (...) A tiração de

Vegetais Utilizadas no A r t e s a n a t o

palmito tem uns dez anos... Olha, o palmito de primeira, o palmital começava ali na beira da casa... Outro dia eu tive lá na mata do Martin de Sá, nesse mato fechado, eu fui dar uma volta por lá e não acredito, até lá naquelas alturas eles estão explorando o palmito, é brincadeira,

ESPÉCIES (NOME POPULAR)

ÁREA DE MAIOR OCORRÊNCIA

Caixeta

Mata de planície próxima ao mangue

Palha de broto de breiaúba

Mata primária Matas secundária Mata de planície

Artesanato, abanador

Bambu japonês

Mata primária Mata secundária

Estantes, armários, vara de pesca

Bambu preto

Mata primária Mata secundária

Construção da casa de taipa

Bambu gigante

Mata primária Mata secundária

Bica de água. covo pesqueiro (cercada)

T:iquara lixa

Mata primária Mata secundária

Covo pesqueiro

Taquara açu

Mata primária Mata secundária

Tapiti (prensa de mandioca)

Cipó camburá Cipó ferrinho

Mata primária Mata secundária

Cipó balaio

Mata primária

ali é mata virgem" (morador da Praia do C r u z e i r o ) . A s principais espécies e n v o l v i d a s no extrativismo vegetal, sua utilidade e seu principal local de ocorrência p o d e m ser melhor vistos nas Tabelas 7a, Tb, 7c: c)

A Agricultura

de

Subsistência

M u s s o l i n i (1953) trata da agricultura o u l a v o u r a de subsistência c o m o sendo o cultivo p a r a garantir a sobrevivência d a s p o p u l a ç õ e s locais. A l a v o u r a m a i s c o m u m é a de mandioca e b a n a n a , feita a p ó s l i m p e z a d o terreno, u m m ê s antes do plantio. A área c u l t i v a d a é quase s e m p r e pequena, de algumas poucas tarefas (20m x 20m). K e m p e r s (1993) calcula que para cada meio hectare de roça existem cerca de 5 ha de pousio. A s r o ç a s se localizam, na maioria dos casos, nas encostas p r ó x i m a s às casas, m a s t a m b é m e m á r e a s de p o u s i o o u de mata, distantes, por vezes, a horas de c a m i n h a d a . Estas ú l t i m a s s ã o v i sitadas c o m m e n o r frequência, sendo atacadas por a n i m a i s que se a l i m e n t a m d e raízes de m a n d i o c a (paca, cotia). O s lavradores p o d e m ficar aí v á r i o s dias, trabalhando e m o r a n d o e m ranchos p r o v i s ó r i o s de s a p ê . A l g u n s têm ali sua casa de farinha. A p r o v e i tam t a m b é m a s u a estada para caçar. N a r e g i ã o , s ã o conhecidas e plantadas por volta de 10 espécies

Mata secundária Cipó timbupeba

Cipó imbé

diferentes de mandiocas (Manihot esculenta), as quais s ã o definidas s e g u n d o u m a taxionomia própria: A i p i m b a h i a . A i p i m tupã/ A i p i m vareta. A i p i m seda. A i p i m manteiga. A i p i m alecrim. A i p i m ipê. A i p i m m a r i c á . A i p i m landi. A i p i m negra. Esta v a r i e d a d e de espécies plantadas na m e s m a roça tem como objetivo d i m i n u i r a

UTILIZAÇÃO

^^P^tiaba Pimentinha

Mata de planície

Mata primária Matas secundária Mata de planície Mata secundária

Artesanato (gamelas, barquinhos, peixes e aves de madeira), canoas, batente de porta e janelas, utensílios domésticos

Envasar, amarrar estuque (casa de taipa) Construção de balaios Balaio para guardar isca para pesca Utilizado para todo tipo de amarração Construção de covos pesqueiros (cercada)

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Tabela 7b - Extrativismo: Madeiras Utilizadas nas

Tabela 7c - Extrativismo: Espécies Vegetais

C o n s t r u ç õ e s de Casas, C a n o a s e Barcos ESPÉCIES (NOME POPULAR) Jacatirão. Cubata. Tatuzinlio Vara fisga (vermelha/preta)

ÁREA DE MAIOR OCORRÊNCIA Mata primária Matas secundária Mata de planície Mata primária

Canela

Matas secundária Mata de planície

Caixeta

Mata de planície Mata primária

Timbuiba

Matas secundária Mata de planície

Ingá ferrinho Ingá flecha Ingá concha Cobi

UTILIZAÇÃO

Madeiramento do telhado

Coluna da casa. tábua de barco madeira de telhado Batente de porta e janela Madeiramento de telhado, construção de canoa

Mata primária Matas secundária Mata de planície

Construção de canoas

Mata primária

Construção de canoas

Mata secundária

Utilizadas na A l i m e n t a ç ã o ESPÉCIES (NOME POPULAR)

ÁREA DE MAIOR OCORRÊNCIA

Palmito

Mata primária, mata secundária, mata de planície

Fruta abuta B.icuparí

Mata primária, mata secundária, mata de planície

Guaricica Brejaúba Indaiá Palmeira Natal Coco mamona Araçá Ingá macaco Ing:i cipó

Mata primária, mata secundária, mata de planície

Mata primária, mata secundária, mata de planície

Obs.:Consideram-se Matas secundárias as áreas de mata secundária de encosta, mata de capoeira e capoeirão

Mata primária Guapuruvu

Matas secundária

Construção de canoas

Mata de planície Mata primária Canafístula

Matas secundária Mata de planície

\e de todo o c u l t i v o e m r e l a ç ã o a d o e n ç a s e / o u p r a ,i;ns. Deste modo, o cultivo da mandioca se constitui e m importante

Construção de canoas e barcos

o\idência do tipo d e r e l a ç ã o que as c o m u n i d a d e s locais estabelecem c o m a n a t u r e z a , v i s a n d o d i m i n u i r a v u l n e r a b i l i d a d e deste l^iodiito c o m o u m todo, e m r e l a ç ã o a d o e n ç a s ( M o r e i r a , 1993). T a l

Mata primária Matas secundária Mata de planície

Construção de canoas e barcos

Mata primária Matas secundária Mata de planície

Construção de canoas, barcos e pontilhão de cais

Jequitibá

Mata primária

Construção de canoas

'anteriormente. E s t a s l a u v o r a s s ã o regidas por u m c a l e n d á r i o q u e

Cedro

Mata primária

Construção de canoas

^'^^'rmina as é p o c a s de l i m p e z a d o terreno, p l a n t i o e colheita,

Matas secundária

e barcos

Louro

Mau primária Matas secundária

Construção de canoas e barcos

Mata primária Matas secundária

Construção de canoas

Aricurana

Ipê

Figueira parda

itiMdade, c o m o é m a n e j a d a , p o d e ser u m ponto d e p a r t i d a p a r a ostudos m a i s a m p l o s que d e m o n s t r e m as estratégias d a p o p u l a ç ã o '(>cnl para m a n t e r u m a e l e v a d a b i o d i v e r s i d a d e . '^lém d a m a n d i o c a , há o plantio de c a n a - d e - a ç ú c a r (Saccharum "(ficinalc), m i l h o v e r d e {Zca mays) e feijão {Camvalia

sp),

citados

^n'^' ostão relacionadas na T a b e l a 8. -^lém cèr

d a l a v o u r a , plantam-se á r v o r e s frutíferas n a s p r o x i m i "Moradias, p a r a c o n s u m o d o m é s t i c o , e e m a l g u n s casos,

as frutas, c o m o a b a n a n a , s ã o v e n d i d a s . A s p r i n c i p a i s e s p é c i e s «arvores frutíferas p l a n t a d a s s ã o :

o

O s E C O S S I S T E M A S , SEUS R E C U R S O S E OS U S O S

Nosso LUGAR VIROU PARQUE Tabela 8 - Lavoura: C a l e n d á r i o Agrícola

ESPÉCIE

LIMPEZA DO TERRENO

PLANTIO

Mandioca

julho/agosto

agosto/setembro

fevereiro

março/abril

julho/agosto

setembro/outubro

Cana-de-açúcar

COLHEITA a partir de 12 meses após plantio a partir de 12 meses após plantio

-

louro

(dores e m geral);

-

erva doce

(dores e m geral);

-

tachagem

(inflamação de

garganta/boca);

-

hortelã preta

(dor de barriga, verme);

-

camomila

(cólicas, verme, desarranjo);

-

santa maria

(cólicas);

-

maria preta

(machucados e m geral, extrai-se o

-

saião

s u m o e p õ e - s e no machucado); Milho verde

Feijão

agosto/setembro

junho/julho

a partir de 3 meses após plantio a partir de 3 a 4 meses após plantio

(pneumonia e problemas respiratórios, extraise o s u m o e toma-se três vezes ao d i a ) ;

-

poejo

(tosse, gripe).

T a m b é m u t i l i z a m o cipó abutá como r e m é d i o contra c â n c e r de abacaxi

{Amuas

-

laranja

{Citrus sp);

-

limão

{Citrus sp);

-

manga

{Maugifera

-

banana

{Musa paradisiaca);

-

abacate

{Persea americana);

-

maracujá

{Passiflora edulis);

O mangue é u m verdadeiro reservatório de recursos naturais para

jaca

{Artocarpus

u s o d o m é s t i c o , onde s ã o coletados a n i m a i s , madeiras, folhas, etc.

-

jabuticaba

{Myrciana

-

coco bahia

(cocos nucifera);

ou c a r v ã o , b e m c o m o na c o n s t r u ç ã o de casas, pois s u a m a d e i r a

-

goiaba

{Psidium

'oferece e m geral alta resistência (Hertz, 1988).

-

mamão

{Carica papai/a);

-

pitanga

{Eugenia

-

caju

{Anacardium

-

comhuosus);

seio (cozinha-se a raiz de abutá verde, toma-se o líquido e b a n h a -

-

se o seio durante q u i n z e a vinte dias). indica);

integrifolia); trunciflora);

guajava); uniflora); occidentale).

T a m b é m p r ó x i m o às moradias, nos quintais, costuma-se plantar, e m poucos canteiros, flores, ervas medicinais e raras hortaliças, c o m o couve, cheiro-verde e condimentos para a cozinha, como pimenta-malagueta. Kempers (1993) cita algumas ervas medicinais que, s o m a d a s às i n f o r m a ç õ e s coletadas durante o trabalho de c a m p o , s ã o as seguintes: -

boldo

(dor de barriga);

-

cidreira

(dor de barriga, calmante);

As

Formas

Recursos

de

Utilização

Naturais

do

dos Mangue

As árvores são utilizadas como combustível, convertidas e m lenha

A s espécies a r b ó r e a s , como o m a n g u e preto o u siriúba {Avi^einiia shaueriana),

s ã o aproveitadas de i n ú m e r a s maneiras: s e u

^'onco, serve c o m o c o l u n a / b a s e para as c o n s t r u ç õ e s d a s casas de pau-a-pique, típicas do litoral; a casca e suas folhas s ã o q u e i m a d a s ^t^rvindo como repelente aos insetos que se encontram e m g r a n d e ^l^iantidade nas p r o x i m i d a d e s do m a n g u e durante a l u a cheia e <>va. N a s raízes do m a n g u e v e r m e l h o {Rizophora mangle) desen^ ^>Kem-se ostras {Crassostrea brasilienses) que são coletadas durante maré baixa o ano todo. ^ região do m a n g u e oferece à p o p u l a ç ã o fonte de alimento ^mo caranguejos, ostras, mariscos que s ã o coletados o u captura''"^ a t r a v é s da pesca.

o

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O caranguejo {Ucides cordatus) é muito explorado e merece u m a

Tabela 9 - Mangue: Recursos

Naturais Extraídos do

Mangue

abordagem u m pouco m a i s detalhada. Atualmente, o caranguejo PRODUTO

v e m sofrendo a a ç ã o p r e d a t ó r i a pelos coletores de fora do Saco de

USO

M a m a n g u á , especificamente pelos de M a g é (RJ), durante o v e r ã o

Tronco de mangue

(novembro a janeiro), "época em que os caranguejos saem para fora das

vcrmellio, preto, branco

Combustível vegetal

população local

Tronco de mangue preto

Construção de casas, coluna de casas

população local

Folha e casca de mangue preto ou Siriúba

Repelente de insetos

Ostra

Alimento

população local

Caranguejo

Alimento

população local e coletores de fora

tocas para brigar", segundo os moradores locais, e que p o d e ser entendida c o m o é p o c a de r e p r o d u ç ã o . Relatos i n d i c a m t a m b é m que os coletores de M a g é colocam armadilhas na boca de i n ú m e r a s tocas, e e s c a v a m m u i t o s buracos de g r a n d e s d i m e n s õ e s p a r a coletarem os caranguejos, prática considerada muito p r e d a t ó r i a pelos moradores. " O caranguejo que eles apanham no mangue, eles exploram o

USUÁRIO

moradores próximos ao mangue

ma}igue. Porque eles cavocam, eles pegam aqueles pedaços de saco plástico verde tipo nylon. Então botam na boca do buraco. Então não botam um só pedaço, eles botam em diversos buracos. O mangue é

As

grande, então, no momento em que eles vão procurar, eles perdem

Naturais

Formas

de da

Utilização

Zona

dos

Recursos

Estuarina

buraco. Então todos os caranguejos que saem, eles se enrolam com unhas no saco. Aí alguns eles apanham e outros apodrecem,

porque

A zona estuarina do Saco de M a m a n g u á abriga i n ú m e r a s espécies

eles não vão apanhar, apodrecem... Faz alguns anos que o caranguejo

de grande i m p o r t â n c i a para a pesca artesanal que representa a

diminuiu, simplesmente no tamanho. Antigamente o caranguejo era

base da a l i m e n t a ç ã o d a c o m u n i d a d e local. A pesca é u m a das

grande, gordo, agora a gente tá pegando um caranguejo miúdo, por-

atividades e c o n ó m i c a s mais importantes da r e g i ã o d o Saco de

que não tem tempo de crescer, é do tamanho de um siri. A época que o

Mcimanguá.

caranguejo sai da toca é a época em que ele tá bonito, já houve a criação, eles vão para a toca quando eles estão criando, tão ovados " (morad i >r da Praia do C r u z e i r o ) .

A s espécies m a i s frequentes e procuradas pelos pescadores " tcsanais no interior do Saco do M a m a n g u á s ã o parati ' '"ema), corvina {Micropogon operculares), robalo

{Mugil

{Centropomussp)

^ c a m a r ã o branco {Penaeus schmitti). O c o r r e m durante o ano inteiT a l atividade, a l é m de prejudicar diretamente a p o p u l a ç ã o local pelo e x t e r m í n i o de u m a fonte de alimento, tem forte a ç ã ^ impactante sobre o p r ó p r i o ecossistema do mangue, pois além d e acabar com u m a espécie da cadeia alimentar, prejudica o funcionamento do m e s m o .

|o e s ã o capturadas pela pesca de tresmalho, espera, tarrafa o u ""»ha. E x i s t e m t a m b é m espécies sazonais que frequentam a área ^*>nio a tainha {Mugil platunus),

mangue ou m e s m o no R i o G r a n d e e Rio da F a z e n d a . A pesca c o m e de espera tem importância fundamental, pois s ã o capturados

O s principais produtos retirados do M a n g u e e utilizados pcl'^ p o p u l a ç ã o local p o d e m ser vistos na Tabela 9:

tendo como p r i n c i p a l é p o c a o

'•"^erno, sendo pescada com rede-de-espera nas p r o x i m i d a d e s do

^ nimeras espécies de peixes como: pescada-branca {Cynoscion leiarAm

^^^^^oplistes saurus), vermelho {Lutyanus aya), bagre

^'^relo {Arius spixii) e, principalmente, o c a m a r ã o branco {Penaeus

o

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schmitti) que representa a maior fonte de renda para o pescador artesanal da região. A s m e d i d a s das redes v a r i a m , sendo normal a j u n ç ã o de redes c o m o p r o p ó s i t o de aumentar a capacidade de captura, como tresmalhos que v ã o de 25 b r a ç a s até 200 b r a ç a s . A s malhas e os fios das redes t a m b é m v a r i a m dependendo do tipo de captura.

Tabela 10 - Z o n a Estuarina; Utilização dos R e c u r s o s ESPÉCIE

ÁREA DE

ÉPOCA DE

MÉTODO DE

TAMANHO DA

(NOME

MAIOR

MAIOR

CAPTURA

MALHA PADRÃO

POPULAR)

OCORRÊNCIA

OCORRÊNCIA

(TIPO DE REDE)

(em cm)

Geral

Ano todo

Dentre os m é t o d o s de pesca, a rede de tresmalho é a m a i s c o m u m e n t e utilizada, pois se trata de u m a rede específica para o

Parati

parati, que ocorre e m a b u n d â n c i a na região. A especificidade do uso dos diferentes tipos de rede será melhor tratado posteriomente no tópico referente às tecnologias patrimoniais na pesca.

Corvina

O conhecimento e m p í r i c o dos pescadores d a r e g i ã o determ i n a os m e l h o r e s locais e m é t o d o s de pesca das e s p é c i e s deseja-

Para fora da ponta do leão

Verão

Perto de Robalo

parceis

das (Tabela 10).

Inverno

A pesca de c a m a r ã o c o m arrasto de fundo, exercida na costa, é feita pela rede e m forma de saco com malha bastante pequena que é arrastada pelo fundo removendo o lodo, habitat do c a m a r ã o .

Geral, Tainha

rio grande,

Inverno

rio da fazenda

Recentemente, este tipo de atividade tem sido realizado no interior do Saco do M a m a n g u á , onde há abundância de c a m a r ã o branco [Pencaus schmitti) por pequenos barcos de arrasto, o que é ilegal.

Camarão

vez que é grande a quantidade de fauna acompanhante, composta por i n ú m e r a s espécies j u v e n i s de organismos. A m a l h a utilizada para tal atividade é pequena e a rede captura, além do c a m a r ã o ,

Pontal para dentro

Verão

Geral

A realização deste tipo de pesca no interior do Saco de M a m a n guá causa grande impacto à complexa e rica cadeia trófica, u m a

Pescada, Goete, Carapau, Sororoca, Cuaivtra

Geral

Tresmalho Espera Tarrafa (rio)

5.0

Batedeira

6.0

Espera Tarrafa Linha Mergulho Tresmalho. Espera

cadores de fora do Saco do M a m a n g u á e, posteriormente, adotada por a l g u n s pescadores locais que c o m p r a r a m pequenos barcos de arrasto. O abuso na utilização deste petrecho chegou a tal ponto que já se observa a escassez do c a m a r ã o , outrora abundante na região, o que tem l e v a d o os p r ó p r i o s pescadores locais n ã o - m o t o r i z a d o s ^ se voltarem contra essa prática. Deve-se considerar que tal ativid a d e a l é m de p r e d a r a e s p é c i e de c a m a r ã o b r a n c o schimitti),

acaba t a m b é m com a fauna acompanhante

{Pcfieaii> composta

Vôngole Polvos. Lagostas. roupas. Badejos

Baixios e praias arenosas Parte anterior da zona estuarina (boca) e lageados

Ano todo

Verão Ano todo

5.5

Tarrafa

3.0

Espera Tarrafa Puçá

3.5

Arrasto (PE)

Ano todo

3.S 3.0 2.7

Espera

Espera Tresmalho

uma grande variedade de organismos marinhos. A utilização deste petrecho de pesca foi iniciado pelos pes-

Estuarinos

Coleta manual Mergulho

Mergulho Linha de mão

1.2 1.0

variável

Os E C O S S I S T E M A S , SEUS R E C U R S O S E OS U S O S

o Nosso L U G A R V I R O U P A R Q U E

pelas e s p é c i e s j u v e n i s de todos os peixes a c i m a citados. Pelo fato

O Sr. Licínio, morador do c o s t ã o , afirma que, a t r a v é s da obser-

de n ã o apresentarem tamanho m í n i m o para c o m e r c i a l i z a ç ã o , es-

s a ç ã o dos processos naturais, "os antigos" a p r e n d e r a m a fazer as

tes s ã o jogados d e volta ao mar sem ao menos p o d e r e m c o m p l e -

cercadas, pois quando u m tronco cai na á g u a , c o m e ç a a atrair cracas,

tar s e u ciclo de v i d a o u chegar à m a t u r i d a d e sexual.

algas, limo, ostras que, por sua vez, atraem peixes, c o m o robalos, badejos, vermelhos etc.

"Eu

tenho 1.200 braças de rede de cowwa de nialha sessenta, não

tem nada aí, não pega nada. Eu atravesso, eu boto uma rede daqui para lá e chego lá e vou apanhar e pego dois peixes. Na época do meu pai, há

A

uns 10 anos atrás, você botava uma rede de quarenta braças e você

A CiHNCiA

CIÊNCIA

D OC O N C R E T O E MODERNA

apanhava uma quantidade de peixe... Então a exploração é muito grande, acabou-se, não tem mais aquela abundância de peixe. E cada

O saber dos " a n t i g o s " se confronta c o m a ciência m o d e r n a q u a n -

vez tá pior, para ser sincero, cada vez pior" (morador da Praia do

do da tentativa de i n t r o d u ç ã o recente do c h a m a d o "recife artifici-

Cruzeiro).

a l " {fish attracting device) por pesquisadores de fora d a á r e a . E s s e s recifes artificiais, formados por u m a espécie de p i r â m i d e de p n e u s

A s s i m sendo, verifica-se que o impacto causado pela prática

\elhos tem por objetivo atrair certos tipos d e peixes, c r i a n d o u m

deste tipo d e pesca na r e g i ã o a s s u m e grandes p r o p o r ç õ e s , já que

liabitat artificial. É u m a técnica concebida e elaborada e m países

t a m b é m acaba c o m os recursos m a r i n h o s utilizados pela maioria

>u nnçados como o J a p ã o , onde se u s a m blocos de cimento colo-

da p o p u l a ç ã o tradicional n ã o - m o t o r i z a d a , que d e p e n d e direta-

cados no mar, sendo depois exportada para países do Terceiro

mente destes recursos pesqueiros como fonte de alimento o u fon-

Mundo. Essa tecnologia foi criada a partir de conhecimentos cienli ticos,que comportam n o ç õ e s apuradas de s u c e s s ã o ecológica. A o

te adicional d e renda. N o t o u - s e t a m b é m a e x i s t ê n c i a d e pesqueiros

ou

cercadas,

mesmo tempo, no caso de M a m a n g u á pensava-se e m usar essas

atratores de organismos marinhos feitos c o m madeiras locais que

^'>nstruções, imersas na á g u a , para dificultar o arrasto ilegal d e

resistem m a i s na á g u a , como: siriúba, encontrada no m a n g u e ;

'•imarão .

saputiaba e p i m e n t i n h a , presentes nas capoeiras. São aglomeraç õ e s d e troncos de m a d e i r a apoitadas por pedras de formato re-

Essa iniciativa c a u s o u g r a n d e p o l é m i c a no l u g a r e n a s r e u n i *'t-'s o r g a n i z a d a s

pela A M A M (ASSOCIAÇÃO D E MORADORES D E

tangular o u redondo, colocados e m lugares estratégicos onde não

*^1AMA\'CUÁ), cujo presidente era, no m o m e n t o , u m a turista c o m

p a s s a m os barcos d e arrasto d e c a m a r ã o . A s cercadas t a m b é m

^-i^a no local — e n ã o teve g r a n d e r e c e p t i v i d a d e por parte d o s

são colocadas e m lugares secretos, para evitar que m e r g u l h a d o -

' " ' ' M d o r e s . H o u v e o p o s i ç ã o , d e u m l a d o , p o r parte d e a l g u n s

res de P a r a t i - M i r i m os cerquem c o m tarrafa e r e a l i z e m a pesca

P^^*^
s u b m a r i n a e m s e u interior. O s peixes c o m e ç a m a procurar estes cercados para a l i m e n t a ç ã o

I^Hih o, por parte de p e s c a d o r e s de rede que t e m i a m estragos e m ^ "as redes. A p e s a r d e s s a o p o s i ç ã o , h á u m a c o n c o r d â n c i a geral p e s c a d o r e s d e que a pesca d e arrasto é p r e j u d i c i a l ao

e p r o t e ç ã o , normalmente a p ó s o quinto m ê s de sua implantação. A

\uJ^'

captura se faz por meio da pesca c o m linha de m ã o . Esta prática,

y ^' ^ P a r q u e tem c o n t r i b u í d o para a p a u p e r i z a ç ã o b i o l ó g i c a d a

h e r d a d a dos "antigos", merece maior a t e n ç ã o , porque representa mais u m a forma tradicional e n ã o p r e d a t ó r i a d e utilização dos recursos naturais d e s e n v o l v i d a pela p o p u l a ç õ e s tradicionais.

''^^ t^vstuarina. cii-iir'^'^ ''^Í*^'Ç'^o e m adotar u m a nova tecnologia, p r o p u g n a d a por '^t'^s, poderia ser analizada como u m a r e a ç ã o d a " t r a d i ç ã o "

o

O s E C O S S I S T E M A S , S E U S R E C U R S O S E OS U S O S

Nosso LUGAR VIROU PARQUE

contra a " m o d e r n i d a d e " , o u pelo "conservacionismo inato" d a s

A s s i m , n a L a g o a d e M u n d a ú - M a n g u a b a s ã o conhecidos sob o

p o p u l a ç õ e s tradicionais e m adotar novas técnicas d e manejo pes-

nome d e " c a i ç a r a s " , descritos p o r Diegues (1983) e, sobretudo,

queiro portadoras de benefícios sociais e e c o l ó g i c o s claros.

por Marques (1991). Tanto as " c a i ç a r a s " quanto os " p e s q u e i r o s "

E s s e n ã o parece ser o caso e m M a m a n g u á , pois, c o m o foi vis-

sào verdadeiras unidades de recursos artificialmente i n d u z i d a s e

to, certos pescadores locais conhecem, d e longa data, os "recifes

ninnipuladas pelos pescadores artesanais, concentrando biomassa.

artificiais" (pesqueiros), como p ô d e se verificar anteriormente. O

Além disso, a c o n s t r u ç ã o e i m p l a n t a ç ã o desses habitats artificiais

"recife artificial l o c a l " tem algumas vantagens evidentes sobre o

revelam u m a m p l o e profundo conhecimento tradicional sobre as

" i m p o r t a d o " , pois é c o n s t r u í d o com madeira local, d e espécies

correntes m a r i n h a s , o substrato e m que eles r e p o u s a m e sobre o

vegetais conhecidas, ao contrário dos p n e u s que s ã o trazidos d e

processo de s u c e s s ã o ecológica que aí se cria. M a r q u e s (1991) des-

fora, c o m alto custo de transporte. A l é m disso, todo o processo d e

creve, c o m m i n ú c i a s , o etnoconhecimento

dos pescadores

c o n s t r u ç ã o e instalação d o " p e s q u e i r o " é d e conhecimento dos

lagunares de M u n d á u sobre as espécies de flora e fauna aquáticas

moradores locais podendo ser feito e colocado na á g u a por u m a

que se fixam nos p a u s d a " c a i ç a r a " , dando-lhe nomes locais. Pri-

o u d u a s pessoas, u s a n d o a canoa a remo. A o contrário, a confec-

meiro aparece o "cabelo" (macroalgas), depois o " l i m o " (perifiton),

ç ã o d o "recife artificial importado" necessita material especial i

depois o " b u z a m e " (Terrinidae) e o " s u r u r u " {Mytclla

d a d o s e u peso, n ã o pode ser arrastado para o local de instalaçãí

Essas espécies atraem peixes que v i v e m nas " c a i ç a r a s " d e forma

charruam).

pelas canoas mas exige barcos motorizados mais possantes. A l e n

mais ou menos permanente como a " c a r a p e b a " {Eugerres

disso, há indicações d e que o p n e u , depois de u m certo tempt

lianus), o " c a m u r i m " {Centropomus

imerso, libera elementos químicos prejudiciais ã flora e à fauni

cies d e p e i x e q u e a í b u s c a m u m abrigo t e m p o r á r i o , c o m o a

aquáticas.

" s a l e m a " {Asrchosargus

brasi-

spp) e t a m b é m a l g u m a s e s p é -

sp) e o vermelho {Lutjanus spp).

M a i s do que isso, o " s e g r e d o " é u m elemento cultural i m

E m M a m a n g u á , os pescadores t a m b é m e n u m e r a m as espécies

portante para o êxito d o " p e s q u e i r o " , pois este é instalado nai

que aparecem nos " p e s q u e i r o s " e seus hábitos alimentares, mas

p r o x i m i d a d e s d a casa d o pescador, e m lugar g u a r d a d o secre

somente u m a pesquisa mais aprofundada p o d e r á revelar a rique-

tamente para que outros pescadores, sobretudo "os d e fora", n ã J

do etnoconhecimento ictiológico a c u m u l a d o .

v e n h a m se beneficiar deles, pescando e m sua p r o x i m i d a d e . N 6 f l

Deve-se ressaltar t a m b é m que esses habitats a q u á t i c o s artifici-

se sentido, essa técnica patrimonial está imersa na cultura l o c f l

^lis existem na costa oeste d a África, conhecido localmente sob o

apresentando nítidas vantagens sobre o " o u t r o " recife a r t i f i d j

nome de "akadjás", descritos e analisados por u m a vasta biblio-

Dentro

dessa perspectiva, n ã o se pode falar em " r e j e i ç ã o "

íí''nfia internacional (Bourgeoignie, 1972).

tecnologia m o d e r n a , m a s n u m a proposta que, v i n d o d e fora, Í H

Tornam-se aparentes, nos casos citados, o confronto d e dois

nora a realidade cultural local. N a s reuniões p r o m o v i d a s p < H

í^'iberes", o etnoconhecimento, ou saber tradicional e o moder-

A M A M os pescadores n e m mencionaram a existência d o s "p^B

^"-científico. D e u m lado, está o saber a c u m u l a d o das p o p u l a ç õ e s

q u e i r o s " q u e somente foram conhecidos no final d a pesquiB

^•"'i^iicionais sobre os ciclos naturais, a r e p r o d u ç ã o e m i g r a ç ã o d a

e t n o g r á f i c a . Pode-se avaliar, portanto, os riscos da i n t r o d u ç ã o ^

' '"^^i. a influência d a lua nas atividades de corte da madeira, d a

c h a m a d a "tecnologia m o d e r n a " sem um conliecimento p r é v i o ^

J^^^^'i, sobre o manejo tradicional dos recursos naturais, etc. D o

realidade cultural local.

ci)

E interessante notar que os " p e s q u e i r o s " d e M a m a n g u á tem t a m b é m e m outras regiões d o Brasil, sob diferentes n o m ^

ciMil'^'^^""^'^'^ qne, dentro d e seus paradigmas, n ã o d á lugar ao

^^^^ ^ conhecimento científico, oriundo de u m tipo de ciên^^'ciniento folk, tido como "lugar c o m u m " , pré-científico. A p e -

O s E C O S S I S T E M A S , SEUS R E C U R S O S E OS U S O S

o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

sar d a c o n t r i b u i ç ã o d a etnociência no entendimento d a r e l a ç ã o

n a l é, implicitamente, reconhecer que as p o p u l a ç õ e s tradicionais

l i o m e m - n a t u r e z a e sobre a p r ó p r i a estrutura d a p e r c e p ç ã o e dO|

jíão sujeitos h i s t ó r i c o s , portadores desse c o n h e c i m e n t o e que

saber sobre o " m u n d o n a t u r a l " , os trabalhos de etnoecologia,

portanto, d e v e m ser considerados c o m o agentes fundamentais no

e t n o b o t â n i c a , etnoecologia s ã o vistos c o m d e s c o n f i a n ç a pelos

conhecimento e sobretudo na g e s t ã o o u manejo das á r e a s c h a m a -

biólogos e e c ó l o g o s de f o r m a ç ã o a c a d é m i c a clássica.

das naturais. E s s e reconhecimento poderia retirar u m a parte d o

O desconhecimento das práticas do saber tradicional está rela-

poder conferido pela ciência à s c o r p o r a ç õ e s t e c n o - b u r o c r á t i c a s e

cionado, de u m lado, com a aplicação de paradigmas de u m a ciência

a c a d é m i c a s que se autoconferem a exclusividade d o saber científi-

positivista e reducionista e de outro lado c o m as c a r a c t e r í s t i c a s d a

co e dos princípios e metodologias que regem os c h a m a d o s " p l a -

p r o d u ç ã o e r e p r o d u ç ã o d o s a b e r folk d e n t r o d a s p r ó p r i a s

nos de m a n e j o " das á r e a s naturais protegidas.. D e s c o n h e c e n d o e

c o m u n i d a d e s tradicionais. E s s e saber está imerso e m p r á t i c a s e

a t é rejeitando o saber tradicional, as c o r p o r a ç õ e s a n i n h a d a s nos

técnicas tradicionais de manejo do m u n d o natural e, nesse sentido,

ó rg ã o s ambientais decisórios como IBAMA, Secretarias de Meio-

é m a r c a d o pela s u a aplicabilidade prática, c o m o é o caso do saber

Ambiente e U n i v e r s i d a d e s acabam atribuindo à fiscalização e à

embutido n a c o n s t r u ç ã o e g e s t ã o dos " p e s q u e i r o s " . E m muitos

repressão policial o papel da " g u a r d i ã e s da b i o d i v e r s i d a d e " e os

casos, essas p r á t i c a s s ã o marcadas pelo " s e g r e d o " que permite,

únicos defensores do " m u n d o n a t u r a l " . Procedendo a s s i m , cau-

por exemplo, aos pescadores artesanais o acesso a recursos natu-

s a m e alimentam conflitos insolúveis com as p o p u l a ç õ e s de mora-

rais r e n o v á v e i s limitados, considerados como "bens c o m u n s " (cor-

dores das á r e a s naturais protegidas, i m p e d i d a s de p r o d u z i r e

pos de á g u a , etc). C o n s e r v a n d o esse conhecimento, transmitido

reproduzir s e u conhecimento tradicional, suas p r á t i c a s e c o n ó m i -

somente d c forma oral c passando-o somente a seus filhos o u

c a s e tecnologias patrimoniais e s e u m o d o de v i d a , relegados a

c o m p a n h e i r o s , os pescadores p o d e m evitar o u restringir o acesso

objetos do folclore.

aberto a esses recursos nahirais. N e s s e sentido, reside a q u i u m

A ciência d o concreto, que se revela e m M a m a n g u á n ã o somen-

primeiro patamar da " i n v i s i b i l i d a d e " desse tipo de conhecimento

te n o caso do " p e s q u e i r o " , n ã o é menos científica, c o m o afirma

e tecnologias patrimonais. É de se ressaltar que esses últimos

Lévi-Strauss, e m seu trabalho: A Ciência do Concreto (1989). C o m o

t a m b é m p o d e m ser apropriados por outros pescadores d a co-

a f i r m a Lévi-Strauss, o conhecimento tradicional não é menos cien-

m u n i d a d e a t r a v é s d e processos sociais marcados pelo compadrio,

tífico, e seus resultados n ã o s ã o menos reais q u e o d a ciência mo-

c o m o foi a n a l i s a d o por C o r d e l l (1982). E s s a " i n v i s i b i l i d a d e " tam-

derna baseada na o b s e r v a ç ã o e na e x p e r i m e n t a ç ã o .

b é m pode ser acentuada nos momentos de d e s e s t r u t u r a ç ã o dos modos de v i d a tradicional e o saber correspondente pode acabar

" E x i s t e m dois m o d o s diferentes do pensamento científico,

desaparecendo com fim dos "antigos", pela sua morte ou migração.

'•ím e outro, funções, n ã o certamente estágios desiguais do de-

Por outro lado, essas práticas cognitivas e técnicas p o d e m se tornai

senvolvimento do espírito humano, mas dois níveis estratégicos

inadequadas q u a n d o s u r g e m graves perturbações ecológicas, cort

^'in que a natureza se deixa abordar p e l o conhecimento científico

a l t e r a ç õ e s d e s a l i n i d a d e d a á g u a , assoreamento de estuários

~~ u m a p r o x i m a d a m e n t e a j u s t a d o ao d a p e r c e p ç ã o e d a

desaparecimento de espécies causado por i n t e r v e n ç õ e s humanai

• P a g i n a ç ã o , e outro deslocado; como s e as relações necessárias,

desastradas.

objeto d e toda

N o fundo, subjacente a essa discussão está a questão d o contrc le d o poder sobre o conhecimento científico e c o m o este reforça a estruturas do poder. Reconhecer a i m p o r t â n c i a do saber tradici<3

encia, neolítica o u moderna, p u d e s s e m ser

atingidas por dois caminhos diferentes; u m muito p r ó x i m o d a ""•^iiição sensível e outro mais d i s t a n c i a d o " (p. 30).

o

Nosso LUGAR VIROU PARQUE

1

A análise, ainda que preliminar do saber e das tecnologia patrim o n i a l e m b u t i d a s n o " p e s q u e i r o " revela que sua descoberta n ã o se d e v e ao mero acaso, mas à longa o b s e r v a ç ã o de f e n ó m e n o s naturais, do comportamento dos peixes. T a m b é m se d e v e à experim e n t a ç ã o d e tipos de madeira que melhor s e r v e m d e substrato

S

para a c o n s t r u ç ã o desses recifes artificiais, enquanto habitats c r i ados pelo h o m e m .

O

M o d o d c V i d a e as

T"ccnologías (Caiçaras

O

Mopo DE VIDA existente nas praias de Parati é, e m termos gerais, específico às p o p u l a ç õ e s caiçaras que habitam o lito-

ral cie São Paulo e R i o de Janeiro. Estas p o p u l a ç õ e s , e m seu m o d o de vida, se distinguem das " c a i p i r a s " , de " s e r r a - a c i m a " (planal1"), por basearem s u a subsistência n u m complexo c a l e n d á r i o de «"tividades s o c i o e c o n ó m i c a s e culturais ligadas à Mata Atlântica e ^o litoral. A d e m a i s , por serem resultado da m i s c i g e n a ç ã o de ín*^*"s, portugueses, e e m menor quantidade, de negros, h e r d a r a m *^<*nhecimentos e técnicas e desenvolveram u m a série de tecnologias P'^tiimoniais. C o m o foi dito anteriormente, durante o p e r í o d o ^*-*'onial, baseado na monocultura com trabalho escravo, essas ^^"ininidades h u m a n a s , frequentemente isoladas geograficamen'^^ praias, v e n d i a m seu excedente nas cidades o u nas p r ó p r i a s '^^^*^s e engenhos. C o m a d e c a d ê n c i a d a economia colonial.

o

O

Nosso LUGAR VIROU PARQUE

M O D O DE V I D A E AS T E C N O L O G I A S

essas c o m u n i d a d e s tiveram s u a p o p u l a ç ã o a u m e n t a d a pelos es-

atividades e c o n ó m i c a s de pequena escala, c o m o agricultura e

cravos alforriados e posteriormente libertados, como ocorreu e m

pesca, coleta e artesanato. Economicamente, portanto, essas

Parati.

c o m u n i d a d e s se baseiam no uso de recursos naturais r e n o v á -

E s s a ligação entre a utilização d o mar e d a mata, seguindo os

veis. U m a característica importante desse m o d o de p r o d u ç ã o

ciclos naturais dos quais os caiçaras tinham e a i n d a têm u m gran-

mercantil (petty mode of production)

de conhecimento, constitui-se, portanto, n u m elemento central

produtores t ê m dos recursos naturais, seus ciclos biológicos,

dessa cultura (Diegues, 1988). O u como afirma Mussolini:

é o conhecimento que os

hábitos alimentares, etc. E s s e " k n o w - h o w " tradicional, passado de g e r a ç ã o e m geração, é u m instrumento importante para

" C o n h e c e o h o m e m muito bem as propriedades das p l a n -

a c o n s e r v a ç ã o . C o m o essas p o p u l a ç õ e s e m geral n ã o t ê m o u -

tas ao seu redor, bem como os f e n ó m e n o s presos ã terra e ao

tra fonte d e renda, o uso sustentado d e recursos naturais é d e

m a r e que os norteia no sistema de v i d a anfíbia que leva, d i v i -

fundamental importância. Seus p a d r õ e s d e c o n s u m o , baixa

d i n d o suas atividades entre a pesca e a agricultura d e peque-

densidade populacional e limitado desenvolvimento tecnoló-

no vulto, com poucos excedentes para troca ou para v e n d a ; os

gico fazem c o m que sua interferência no meio ambiente seja

ventos, os " m o v i m e n t o s " das á g u a s , os hábitos dos peixes, seu

pequena. O u t r a s c a r a c t e r í s t i c a s importantes d e m u i t a s so-

p e r i o d i s m o , a é p o c a e a lua adequada para p o r abaixo u m a

ciedades tradicionais são: a c o m b i n a ç ã o de v á r i a s atividades

á r v o r e o u l a n ç a r à terra u m a semente o u u'a m u d a o u colher o

económicas (dentro de u m complexo calendário), a reutilização dos dejetos e o relativamente baixo nível d e p o l u i ç ã o . O uso

que p l a n t o u " (1980a:225).

cauteloso dos recursos naturais é parte integrante de s u a cultura, u m a ideia expressa no Brasil pela palavra "respeito" que se POPULAÇÕES TRADICIONAIS CAIÇARAS

aplica n ã o somente à natureza como t a m b é m aos outros m e m -

9

bros da c o m u n i d a d e " (p.l42). N a perspectiva deste trabalho, os moradores do Saco d e M a m a n g u á se i n c l u e m no conceito (por vezes a m b í g u o ) d e culturas ou

A S culturas e sociedades tradicionais se caracterizam pela:

sociedades tradicionais.

d e p e n d ê n c i a d a natureza, dos ciclos naturais e d o s recursos naturais r e n o v á v e i s a partir do qual se constrói u m " m o d o d e vida";

Dentro dessa visão, "culturas tradicionais" ( n u m certo sentido todas as culturas s ã o tradicionais) s ã o p a d r õ e s d e compor- ^ tamento transmitidos socialmente, modelos mentais u s a d o s p a i ^ ^ l H

significadoíM socialmente compartilhados, além de seus produtos materiaisÉM perceber, relatar e interpretar o m u n d o , símbolos e

próprios do modo de p r o d u ç ã o mercantil. Segundo D i e g u e ^ H

conhecimento aprofundado d a natureza e de seus ciclos que se reflete na e l a b o r a ç ã o d e estratégias d e uso e d e manejo dos recursos naturais. E s s e conhecimento é transferido de g e r a ç ã o •^'11 g e r a ç ã o por v i a oral;

H

'"loção d e " t e r r i t ó r i o " ou e s p a ç o onde o grupo social se reproduz e c o n ó m i c a e socialmente;

" C o m u n i d a d e s tradicionais estão relacionadas com u m tip^^B

•iioradia e o c u p a ç ã o desse "território" por várias g e r a ç õ e s , ainque alguns membros i n d i v i d u a i s possam ter se deslocado para os centros urbanos e voltado para a terra d e seus anteP«issados;

(1992c):

de o r g a n i z a ç ã o e c o n ó m i c a e social c o m pouca o u n e n h u i n ^ H a c u m u l a ç ã o d e capital, n ã o u s a n d o força d e trabalho assalaí^H riado. N e l a produtores independentes estão e n v o l v i d o s e m W

o

O M O D O D E V I D A E AS T E C N O L O G I A S

Nosso LUGAR VIROU PARQUE

e)

i m p o r t â n c i a d a s atividades d e subsistência, a i n d a q u e a pro-

populações. E s s e "auto-reconhecimento"

d u ç ã o d e " m e r c a d o r i a s " possa estar mais o u menos d e s e n v o l -

dias de hoje, u m a identidade construída ou r e c o n s t r u í d a , como

v i d a , o que implica u m a relação com o mercado;

|

resultado, e m parte, de processos de contatos c a d a v e z m a i s

J

conflituosos c o m a sociedade urbano-industrial, e c o m o s "neo-

fl

r e d u z i d a a c u m u l a ç ã o de capital;

g)

i m p o r t â n c i a d a d a à u n i d a d e familiar, d o m é s t i c a o u c o m u n a l m

niitos" c r i a d o s p o r esta. Parece p a r a d o x a l , m a s o " n e o - m i t o ambientalista o u conservacionista" explícitos na n o ç ã o d e á r e a s

às r e l a ç õ e s d e parentesco o u c o m p a d r i o para o e x e r c í c i o d a j atividades e c o n ó m i c a s , sociais e culturais; //)

naturais protegidas sem p o p u l a ç ã o tem contribuído para o forta-

J

lecimento dessa identidade sociocultural e m p o p u l a ç õ e s como os

i m p o r t â n c i a das simbologias, mitos e rituais associados á ca J à pesca e atividades extrativistas;

quilombeiros d o Trombetas, os c a i ç a r a s d o litoral paulista, etc.

.>fl

Para esse processo tem contribuído a o r g a n i z a ç ã o d e m o v i m e n -

/•) a tecnologia utilizada é relativamente s i m p l e s , d e i m p a c t o H

tos sociais, apoiados por entidades n ã o - g o v e r n a m e n t a i s , influen-

mitado sobre meio ambiente. H á u m a r e d u z i d a d i v i s ã o t é c i B

ciadas pela ecologia social, por cientistas sociais, etc.

ca e social d o trabalho, sobressaindo o artesanal, cujo p r o d B

Essas características, mencionadas anteriormente, n ã o d e v e m

tor (e s u a família) d o m i n a o processo d e trabalho a t é o p r o d f l to final; j)

é frequentemente, nos

ser tomadas d e forma isolada, m a s constituem u m a totalidade

^

que pode ser traduzida por " m o d o d e v i d a " , n o sentido que lhe

fraco poder político, q u e e m geral reside com os grupos de

atribui A n t ô n i o C â n d i d o , e m Parceiros do Rio Bonito (1964). Nesse

poder dos centros urbanos;

trabalho. C â n d i d o descreve e analisa a "cultura c a i p i r a " como

k) auto-identificação o u identificação pelos outros de se perten-

modo de v i d a p r ó p r i o das p o p u l a ç õ e s interioranas do Estado d e

cer a u m a cultura distinta das outras.

São Paulo, formada pela contribuição d o s colonizadores portu-

U m d o s critérios m a i s importantes para a definição d e "cultu-

gueses, e m s e u cruzamento c o m o elemento indígena, e margi-

r a s " o u " p o p u l a ç õ e s " tradicionais, além do m o d o d e v i d a , é, sem

nalmente, c o m o negro. A d e m a i s não a considera equivalente à

d ú v i d a , o "reconher-se" como pertencente àquele grupo social

cultura o u sociedade de folk, mas corresponderia melhor à deno-

particular. E s s e critério remete à questão fundamental d a " i d e n -

minação d e "civilizatiou traditionelle" d e V a r a g n a c o u d e cultura

tidade", u m dos temas centrais d a antropologia. Historicamente,

camponesa.

sobretudo no início do século, quando a antropologia europeia e norte-americana se preocupava quase que exclusivamente com

"(...) a sociedade caipira tradicional elaborou técnicas q u e

as c h a m a d a s "sociedades p r i m i t i v a s " nos territórios colonizados,

permitiram estabilizar as relações d o grupo c o m o meio (em-

a identidade d o " o u t r o " (Massai, B o r o r ó , M a n d i n g a , etc.) era fa-

bora e m nível q u e r e p u t a r í a m o s hoje p r e c á r i o ) , mediante o

cilmente determinada pelo pesquisador, sobretudo porque havia

conhecimento satisfatório d o s recursos naturais, a s u a explo-

u m a clara distinção étnica. Nesse sentido, mesmo no Brasil, o "ou-

*'*^Ção sistemática e o estabelecimento de u m a dieta c o m p a -

tro" a t é recentemente era identificado com o " í n d i o " , havendo

tível com o m í n i m o vital - tudo relacionado a u m a v i d a social

pouca p r e o c u p a ç ã o c o m outras formas d e alteridade. O surgi'

de tipo fechado, com base na economia de s u b s i s t ê n c i a " ( C â n -

mento d e outras identidades sócio-culturais, c o m o a "caiçara"/

dido, 1964:19).

fato m a i s recente, tanto a nível d e esHidos a n t r o p o l ó g i c o s quanto a nível d e auto-reconhecimento

dessas p o p u l a ç õ e s c o m o porta-

d o r a s d e u m a cultura e um m o d o d e v i d a diferenciado d e outras

C â n d i d o enfatiza a obtenção d o s meios d e subsistência e as j

'^^''s d e solidariedade existentes nos bairros caipiras, entendi-

O

o Nosso LuGAií V I R O U P A R Q U E

M O D O DE V I D A E AS T E C N O L O G I A S

do como u m agrupamento territorial, mais o u menos denso, cujos

sivo, quase e x cl u si v o e m e s m o abusivo dos recursos d o meio, cri-

limites s ã o t r a ç a d o s pela participação d o s moradores e m traba-

iindo-se, desse m o d o , u m a intimidade muito p r o n u n c i a d a entre o

lhos d e ajuda m ú t u a (p.47). A l é m disso, o m o d o d e v i d a caipira é

iiomem e s e u hábi ta t.

.t, . . v

m a r c a d o pela estreita ligação das r e p r e s e n t a ç õ e s simbólicas e religiosas c o m a v i d a agrícola, a c a ç a , a pesca e a coleta.

" C o n h e c e o h o m e m muito bem as propriedades das p l a n tas ao seu redor — para remédios, para co nst r uçõ es, para cano-

" M a g i a , medicina simpática, i n v o c a ç ã o d i v i n a , e x p l o r a ç ã o da fauna e d a flora, conhecimentos agrícolas fundem-se n u

as, para jangadas — b e m como os f e n ó m e n o s naturais presos à terra e ao m a r e que o norteia no sistema d e v i d a anfíbia que

sistema que abrange, na m e s m a continuidade, o c a m p o e

leva, d i v i d i n d o suas atividades entre a pesca e a agricultura

mata, a semente, o ar, o bicho, a á g u a e o p r ó p r i o c é u . D o b r a d

de pequeno vulto, c o m poucos excedentes para troca o u para

sobre s i m e s m o pela economia d e subsistência, encerrado no

\'cnda: os ventos, os movimentos das á g u a s , os hábitos dos pei-

quadr o dos agrupamentos vicinais, o h o m e m aparece ele p r ó -

xes, seu periodismo, a época e a u'a adequadas para p ó r abaixo

prio c o m o segmento d e u m vasto meio, ao m e s m o tempo na-

uma á r v o r e o u lançar à terra u m a semente o u u ' a m u d a o u

tural, social e sobrenatural" ( C â n d i d o , 1964:138).

colher o que p l a n t o u " (Mussolini, 1980: 226).

A respeito d o ajuste ecológico entre a cultura caipira e o me:' natural. C â n d i d o afirma que o equilíbrio e c o l ó g i c o se estabel

Essas últimas a f i r m a ç õ e s nos remetem à q u e s t ã o das sociedaí tradicionais e da sustentabilidade. É importante recordar que

e m f u n ç ã o das c o n d i ç õ e s primitivas do meio: terra v i r g e m , ab

o Inodo de p r o d u ç ã o que caracteriza essas formas sociais de produ-

d â n c i a de c a ç a , pesca e coleta, fraca densidade d e m o g r á f i c a , li

^•ão é o da pequena p r o d u ç ã o mercantil; isto é, ainda que p r o d u z a m

tando a c o n c o r r ê n c i a vital. Q u a n d o apesar disso o meio n a

mercadoria para a v e n d a , s ã o sociedades que garantem sua sub-

se exauria, o caipira procurava outro local para s u a agricultur

sistência a t r a v é s d a p e q u ena a g r i c u l t u r a , p e q u e n a p e s c a , ex-

de subsistência.

ti-itivismo. São formas de p r o d u ç ã o e m que o trabalho assalariado

Q u e i r o z (1973) t a m b é m , e m seus vá ri o s trabalhos, pesquiso

('casional e n ã o é u m a relação determinante, prevalecendo o tra-

essa p o p u l a ç ã o tradicional composta de sitiantes, caipiras e

t^'ilho a u t ó n o m o o u familiar. E a pequena p r o d u ç ã o mercantil,

caras, definindo-a como lavradores cuja p r o d u ç ã o é orientada pa

como bem lembrou Barel (1974), é u m a d a s formas sociais que

a subsistência; s ã o e m larga escala auto-suficientes e independen-

^'m uma história muito mais longa que aquelas dominantes, como

tes e m r e l a ç ã o à economia urbana; seus estabelecimentos s ã o de

Íl^lt^nidal e a capitalista. A pequena p r o d u ç ã o mercantil nunca foi

tipo familiar, concentrando os chefes de família a iniciativa doS

^'Pc'udente, p o r é m sempre existiu articulada a outras formas

trabalhos efetuados na u n i d a d e d e p r o d u ç ã o , trabalhos que não

J>minantes como a escravocrata, a feudal e a capitalista. A o r d e m

se d i s t i n g u e m , m a s que se confundem com todas as atividades da

^^wivocrata e a feudal desapareceram, mas a pequena p r o d u ç ã o

v i d a cotidiana. O g é n e r o d e v i d a do c a m p o n ê s se forma e m fu"^

^^^rcantil continua existindo e mesmo na sociedade capitalista,

ç ã o d a cidade, c o m a qual aparece e m equilíbrio d e complemen-

Pnrui'^!"^."^""^^"^"^ históricos e e m certas regiões, ela floresce,

taridade, d e tal o r d e m que a cidade necessita muito mais dele ào

do e ^ ^'^^"'^ ^'"Irar em crise (o que sucede, por exemplo, nos bolsões

que ele dela. (p.35)

EsT^i"^*'^ subsistência, e m certas regiões mais isoladas), deve ""^'^ p e r m a n ê n c i a histórica desse m o d o d e p r o d u ç ã o se ' o seu sistema de p r o d u ç ã o e r e p r o d u ç ã o ecológica e social.

D e s c r e v e n d o as culturas litorâneas, M u s s o l i n i (1980) afif'^^ que o m o d o d e v i d a c a i ç a r a resultou n u m aproveitamento intt^^^

O

o Nosso L U G A R V I R O U P A R Q U E

M O D O DE V I D A E AS T E C N O L O G I A S

São sociedades mais hiomogêneas e igualitárias que as capitalis

rança indígena. E x t r a í d a da raiz da m a n d i o c a b r a v a o u " r a m a "

c o m pequena capacidade de a c u m u l a ç ã o de capital, o que dificu

[Wnnihot utilisshm),

da qual os moradores extraem o á c i d o c i a m -

ta a e m e r g ê n c i a de classes sociais'. A s relações sociais c o m o

drico (origem d a toxidade) a t r a v é s da " p r e n s a " de m a d e i r a , onde

compadrio funcionam como verdadeiras relações de p r o d u ç ã o ,

colocam os tapitis (cestos de timbopeva) cheios da m a s s a de m a n -

m o afirma G o d e l i e r (1984), na medida e m que p o d e m determi

dioca ralada.

a forma social de acesso aos recursos, colaboram na organiza

A totalidade dos moradores de M a m a n g u á tem sua casa de

dos processos de trabalho e, finalmente, m a r c a m a distribuição

farinha o u u t i l i z a m a da família extensa. N o " a v i a m e n t o " está

trabalho i n d i v i d u a l o u coletivo. A s relações de c o m p a d r i o ,

também o forno de barro, c o m o tacho de cobre, a parte de maior

m u i t a s dessas sociedades, facilitam o acesso a zonas de p r o d u

valor, onde é torrada a farinha, n u m processo lento e d e m o r a d o ,

(pesca, por exemplo) que de outra forma seria interditado. C o

(indc a f u m a ç a densa chega a prejudicar a vista. Este trabalho,

tuem-se t a m b é m na base da solidariedade grupai, juntamente

lunt.imente c o m o ralar da " r a m a " , é de responsabilidade p r i m o r -

outras formas de c o o p e r a ç ã o , como o m u t i r ã o . A l é m disso, a

,iial das m u l h e r e s .

nologia u t i l i z a d a tem impactos e c o l ó g i c o s r e d u z i d o s sobre

Além da fabricação da farinha, t a m b é m soca-se a m e n d o i m no

ecossistemas que utilizam, permitindo a renovabilidade dos es

piiào e, por vezes, os g r ã o s de café colhidos localmente. Moe-se a

ques e a sustentabilidade dos processos ecológicos f u n d a m e n t - "

t ,ina em pequenas moendas de madeira para fazer a garapa. A ca-

N a maioria das vezes, sobretudo e m regiões tropicais, essas

liiaça n ã o é mais feita em M a m a n g u á , mas encontra-se ainda mora-

dades tradicionais apresentam u m a fraca densidade populaci

lUtr que leva a cana para ser moída fora e ser transformada e m aguar-

A s festas, as lendas, e a simbologia mítica, a l é m da relig'

^ lente, ficando ele c o m u m terço da quantidade p r o d u z i d a .

a f i r m a m a c o e s ã o social, mas de forma a l g u m a f a z e m d e s a p a cer os conflitos, c o m o parecem fazer crer os que c o n s i d e r a m sociedades como totalmente igualitárias.

A TixNOLOGiA

PATRIMONIAL

NA

PESCA

À m e d i d a e m que os processos fundamentais d e p r o d u ç ã o r e p r o d u ç ã o e c o l ó g i c a , social, e c o n ó m i c a e c u l t u r a l funciona

As redes de uso local t a m b é m trazem a influência d o s índios que

pode-se afirmar que s ã o sociedades sustentáveis. E s s a sustenta-

'i^.n a m redes de ticum para emalhar o peixe, e o m o d o de c e r c á -

bilidade, no entanto, está associada a u m baixo nível d c desen-

tendo-se depois n ' á g u a para assustá-lo e para que fique apri-

v o l v i m e n t o das forças produtivas, a u m respeito pela conserva-

sionado nas m a l h a s . A s redes de emalhar tiveram t a m b é m a i n -

ç ã o dos recursos naturais.

"^'i-'ncia portuguesa, principalmente o tresmallw, o e q u i p a m e n t o 's u lilizado pelos caiçaras de M a m a n g u á para a pesca do parati. ^^'^mnlho atualmente usado já n ã o tem os três p a n o s de rede, de

FABRICAÇÃO

DA

FARINHA

A f a r i n h a d e m a n d i o c a , juntamente c o m o peixe, e a l g u m a s vez e s a c a r n e de c a ç a é o alimento b á s i c o do c a i ç a r a . O processo de

IJ^-i llias de tamanho diferenciado, u s a d a pelos portugueses. C o m o ^ screve M u s s o l i n i , essa rede de três panos era conhecida antigamente - pelo nome de "feiticeira", porque o peixe que nela batia "''•^'scapava:

f a b r i c a ç ã o d a f a r i n h a , b e m como os n o m e s d o s aparelhos, é htí' ^ que se conhece hoje como tresmalho é u m a rede de for' Para u m a discussão sobre o tema, ver Diegues, 1983; cap.XII.

retangular e de comprimento a p r o x i m a d o d e 90 metros.

o

O

Nosso LUGAR VIROU PARQUE

M O D O DE V I D A E AS T E C N O L O G I A S

O p e s c a d o r de M a m a n g u á u s o u t a m b é m , a t é recentemente,

composta de u m a única parede de malhas uniformes, de ta n h o que permita prender o peixe pela c a b e ç a . É e m p r e g a d o

a rede de " t r o l h a " (como se d i z localmente) o u " t r ó i a " , u t i l i z a d a

três maneiras diferentes: (í) deixando-se a rede e m posi

cin d u a s c a n o a s a t r a v é s d a s q u a i s os p e s c a d o r e s c e r c a v a m o

transversal à correnteza. E l a se transforma, e n t ã o , e m "rede

peixe.

e s p e r a " , c o m o se d i z no litoral, sendo visitada e m interval

A l é m do a n z o l , e m p r e g a v a m t a m b é m o e s p i n h e i , técnica de

regulares de a l g u m a s horas para a despesca; (2) N a pescari

pesca de origem portuguesa que consiste n u m aparelho formado

conliecida nas costas paulistanas como "pesca de caceio". N e s '

por u m a corda mestra e m que se p e n d u r a m os a n z ó i s , de tama-

caso, a rede é l a n ç a d a n ' á g u a da maneira a c i m a descrita, c o m

nhos diferentes, segundo o peixe a que se destina. O espinhei é

diferença, p o r é m , de que o pescador, de dentro de u m a c a n

lançado, a n z o l por a n z o l , de dentro da canoa, ficando fundeado

m a n t é m seguro na m ã o u m cabo que se prende à tralha

por meio de bóias na parte superior e de poitas, na inferior. E l e é

cortiça, de sorte que a rede v a i a c o m p a n h a n d o o m o v i m e n

\o e recolhido, quando ocorre a despesca. H o j e o espinhei é

da canoa que se desloca; (3) Finalmente, ainda se usa o tresi

usado m a i s por barcos motorizados (botes) que p e s c a m fora do

lho p a r a fazer o "cerco" e m pleno m a r " (Mussolini, 1980a: 233)

Saco de M a m a n g u á .

O tresmallw foi t a m b é m usado para a pesca da tainha, e ne

" m n n z u á s " o u covos para pescar peixes demersais. H á t a m b é m

O b s e r v o u - s e t a m b é m a existência, na casa de u m pescador, de caso, juntavam-se mais de u m a rede (o temo), pertencente freq

alguns pescadores que fazem os pesqueiros o u cercadas, onde fin-

temente cada u m a a u m pescador diferente. D u r a n t e essa

ca-se no fundo d a zona estuarina, p r ó x i m o à sua casa, galhos de

realizada nos meses frios (maio-julho), e r a m utilizadas di

ar\'t)re para "atrair peixes", especialmente o robalo, que depois

noas p a r a efetuar o cerco da tainha. D e acordo c o m a d e s c r i ç

sãt> capturados c o m anzol o u rede. Trata-se de u m a v e r s ã o s i m -

detalhada de M u s s o l i n i (1980b), caracteriza-se c o m o a pesca m

ples dos "atratores de peixes".

.

tradicional do litoral paulista e fluminense. A partilha da ç ã o se fazia entre os participantes, depois de se d e d u z i r o "ter que cabia aos d o n o s d a s redes.

As

EMBARCAÇÕES

H o j e a tainha pode ser c a p h j r a d a c o m o tresmalho simples m e s m o utilizado para a pesca do parati; sendo n e c e s s á r i o apenas

A e m b a r c a ç ã o m a i s utilizada tanto para o transporte quanto para

o trabalho de u m pescador, ajudado frequentemente por u m ou

•1 pesca é a canoa, feita de madeiras locais, como o g u a p u r u v u ,

dois filhos, ficando toda a p r o d u ç ã o para a família.

cedro, canafístula, ingá, jequitibá, canela, figueira, cobi, caixeta e

A t é a d é c a d a de 1950, o tresmalho era feito localmente com

timbuíba. Estas últimas ainda são abundantes e m M a m a n g u á , mas

fios de a l g o d ã o , o que obrigava a constantes tingimentos. Coloca-

cedro e a canafístula e s t ã o se tomando mais raros. E s s a s á r v o r e s

v a - s e a rede n u m a canoa, embebida n u m líquido de casca de

S'io retiradas e m dias de l u a fraca, a minguante, pois a " á g u a v e m

aroeira, cobi o u m a n g u e , deixando-se depois secar na praia, eit>

P*^ra as r a í z e s " e n ã o dá bicho. A l é m disso, o jequitibá e o cedro,

estruturas feitas de p a u s do mato. Posteriormente, o fio de algO' d ã o foi substituído pelo fio de náilon, que d i s p e n s a tal atividade-

' i L i i t o procurados como madeira para as canoas, depois de der' '^'tíados d e v e m permanecer longos meses no c h ã o .

A p a n a g e m d a rede é hoje, quase sempre, c o m p r a d a e m Parati e entralhada pelos pescadores locais. O alto p r e ç o d a paragem tem dificultado cada v e z m a i s sua aquisição e m M a m a n g u á .

Apmrecem os brotos e quando eles secam, está na hora dc tirar o *'0)ico do mato. Se não espera a madeira secar, dá a canoa do ar-

4

o

Nosso LUGAR VIROU PARQUE

O

rependimento, porque ela racha e o camarada fica arrependido" (Seu

M O D O DE V I D A E AS T E C N O L O G I A S

t.ir" a á g u a da canoa; e a gamela, feita de caixeta, na q u a l se guar-

L e o n e l do C r u z e i r o ) .

Jci o peixe depois de "consertado" (escamado e limpo).

A s á r v o r e s usadas d e v e m ser grandes, podendo-se fazer u m a

das na r e g i ã o . A baleeira é u m a e m b a r c a ç ã o de 8 a 12 metros de

A baleeira e o bote s ã o outros tipos de e m b a r c a ç õ e s encontra-

canoa grande e u m a menor.

comprimento, s e m cobertura o u casario, feita c o m t á b u a s parcialmente superpostas e calafetadas, c o m p r a d a s e m geral fora de

" O cedro é a melhor madeira pra canoa em todo o litoral, mas tem

M a m a n g u á . Originalmente v i e r a m de Santa Catarina, onde os pes-

que ser árvore grande. Sefor pequena, a canoa entorta" (Seu Licínio,

cadores a ç o r i a n o s as c o n s t r u í a m e com elas p e s c a v a m .

Costão). 1 A retirada do tronco de dentro da mata s ó é possível c o m a a j u d a de parentes e amigos, pois a m a d e i r a pesada é retirada à mão.

O Sr. Licínio, morador da M a r g e m Continental, foi u m dos primeiros a comprar u m a baleeira motorizada, há uns 40 anos atrás, por volta de 1950, c o m o capital que a c u m u l o u depois de ter sido por três anos contramestre e m traineira. N a é p o c a , h a v i a trocado sua canoa motorizada por esse tipo de e m b a r c a ç ã o d e v i d o à ca-

A s canoas grandes p o d e m ser " b o r d a d a s " , pois nelas acrescenta-se u m a tábua lateral para agiientar os mares. N o passado, essas canoas grandes u s a v a m t a m b é m u m a vela para ajudar na n a v e g a ç ã o , mas atualmente os moradores que têm recursos colocam o motor de centro. A s técnicas de se fazer a canoa s ã o de origem indígena, a i n d a que hoje se u s e m o machado, a plaina, o e n x ó . E x i s t e m e m M a m a n g u á cerca de 6 fazedores de canoas, ainda que o m a i s conhecido seja o dono do pequeno estaleiro de C r u z e i r o , que hoje v i v e mais do concerto de e m b a r c a ç õ e s motorizadas, botes e baleeiras. T o d o s eles a p r e n d e r a m na prática, " v e n d o os outros f a z e r e m " e e m geral c o n s t r u í r a m a primeira canoa p a r a uso p r ó p r i o . "Aprendi a profissão com meu pai, homem de poucas palavras. Ensinar, ele não ensinava, mas eu ficava ajudando ele fazer as canoas, vendo o jeito que ele tinha, esticando as linhas" (Seu L e o n e l , do Cruzeiro). A l é m d a canoa, a maior parte dos petrechos s ã o feitos m a n u almente, c o m material local como: a poita, pedra a m a r r a d a com cipó, cabo o u p e d a ç o de rede que serve como â n c o r a : os cestos e balaios, feitos do cipó timpopeva, e m que se colocam os peixes depois d a pesca ( s a m b u r á s ) ; a cuia feita de c a b a ç a s , p a r a se "esgo-

pacidade de transportar u m a maior quantidade d a s m e r c a d o r i a s que ele c o m e r c i a l i z a v a . A o c o n t r á r i o d a canoa, a baleeira precisa de m a i s m a n u t e n ç ã o , calafetagem e pintura. A cada seis meses as baleeiras s ã o retiradas da á g u a para a m a n u t e n ç ã o e pintura. E s s e trabalho é feito no pequeno estaleiro do Sr. L e o n e l , no C r u z e i r o , onde t a m b é m s ã o feitos os consertos com os motores de centro, cuja p o t ê n c i a v a r i a entre 9 e 18 cavalos a vapor. E s s a s e m b a r c a ç õ e s s ã o hoje usadas para o transporte de carga (material de c o n s t r u ç ã o ) , para as c o m pras e m Parati e p a r a o "frete dos turistas". E m muitas dessas baleeiras, os p r o p r i e t á r i o s a r m a m u m a cobertura de madeira o u plástico, p a r a tornar a v i a g e m dos turistas m a i s a g r a d á v e l . Q u a n t o ao bote é c o n s t r u í d o de m a d e i r a , e m geral de tamanho pequeno, entre 7 e 12 metros, tendo u m pequeno casario na popa, onde fica o motor e a roda do leme. E s s a s e m b a r c a ç õ e s (umas quatro o u cinco) apareceram m a i s recentemente e m M a m a n g u á , sendo utilizadas para o arrasto de c a m a r ã o , dentro e fora do Saco. Na e s t a ç ã o turística, os botes t a m b é m são usados para o transporte de passageiros, geralmente a partir de P a r a t i - M i r i m .

A s práticas económicas e

A

wNiPAPE BÁSICA de trabalho é a família, n u c l e a r o u extensa.

A primeira é fundamental nas lidas agrícolas. O s filhos a j u -

l i . i m na l i m p e z a da terra, no plantio e na colheita. A m u l h e r , a l é m

do duro trabalho d o m é s t i c o , ajuda na fabricação d a farinha de m a n d i o c a , atividade feita semanal o u quinzenalmente d e p e n d e n do d o tamanho da família. N a casa de farinha, que à s vezes serve '1 mais de u m a família, ocorrem formas de c o o p e r a ç ã o inter-fami'itir. N a pesca artesanal n ã o - m o t o r i z a d a , o p a i e m geral trabalha com os filhos, e na embarcada, a tripulação se constitui de p a 'í^^ntes e amigos. A s formas de c o o p e r a ç ã o no interior da família •^'^^tonsa acontecem durante a c o n s t r u ç ã o das casas de taipa, re-

"^iptirtnnte esclarecer que, neste levantamento, foi levada em conta somente ' 'itividnde económica dos pais de família, não tendo sido computada aquela '•-'^lizada pelos filhos menores ou daqueles não casados. Como as crianças começam cedo a ajudar os pais em seus trabalhos, a mão-de-obra empregada carias atividades, sobretudo na pesca artesanal e na agricultura locais, 1 L'xceção da pesca embarcada, é maior do que aquela aqtii indicada.

As

o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

PRÁTICAS ECONÓMICAS

E SOCIAIS

tirada de á r v o r e s do mato para a c o n s t r u ç ã o de canoas, etc. E s s a

C o m o pode ser observado pela Tabela 11,37% dos pais de famí-

c o o p e r a ç ã o se constitui n u m a das bases das atividades e c o n ó m i -

lia trabalham na pesca (embarcada e artesanal). A l a v o u r a ocupa

cas locais, t a m b é m pelo fato de grande parte dos moradores per-

21% e a atividade de caseiro, 18,5% dos pais de família.

tencerem a u m pequeno n ú m e r o de famílias extensas (4 o u 5 e m Mamanguá).

Tabela

A s relações familiares s ã o fundamentais n ã o somente nas ati-

11 - Principal Atividade dos Chefes de Família

v i d a d e s e c o n ó m i c a s mas permeiam, de forma nítida, as várias esferas da v i d a social, sobretudo através do sistema de compadrio. São as ligações familiares que garantem t a m b é m o acesso ao peixe capturado por u m membro da família extensa, q u a n d o existe a " m i s t u r a " para as refeições. A n t e s , a c o o p e r a ç ã o a t r a v é s do p u t i r ã o ( m u t i r ã o ) era u m elemento f u n d a m e n t a l de c o o p e r a ç ã o entre as famílias. "Isso terminou faz uns dez anos, depois não teve mais... Putirão era um trabalha pro outro, ajuda. Fazia a roça dele num dia, outro

Económica

(Censo) ISjo.

ATIVIDADE

%

36

30,0

Pescadores Artesanais motorizados

4

3.5

Pescadores Artesanais

4

3.5

L a v r a d o r e s de Subsistência

25

21,0

Caseiros

22

18.5

Aposentados

10

8.5

Pescadores

Embarcados

não-motorizados

dia ele vinha pra mim, e num outro dia eu trabalhava pra ele. Era pra

Artesãos

9

8.0

planta, pra colher, tudo era putirão... Antigamente fazia o putirão,

Pedreiros

3

2.5

T r a n s p o r t a d o r e s d e turistas

2

2.0

Comerciantes

1

1.0

Sem i n f o r m a ç ã o

3

1.5

1 19

100,0

chegava 30 pessoas, trabalhava e à tarde fazia a festa. Aí o pessoal trabalhava com prazer, e depois se divertia" (Seu Z i z i n h o , Ponta do L e ã o ) . A pouca frequência do p u t i r ã o hoje pode ser atribuída a u m a

TOTAL

grande r e d u ç ã o da p o p u l a ç ã o , com a m i g r a ç ã o , e à i n t r o d u ç ã o do trabalho assalariado diarista o u "por e m p r e i t a d a " , antes nos bananais, e agora na propriedade dos turistas. A necessidade cres-

Para melhor c o m p r e e n s ã o dos dados relaHvos à atividade eco-

cente de ter dinheiro v i v o para comprar os produtos que já não

nómica, outros dados e tabelas serão apresentados, originados n ã o

p r o d u z e m revela a d e p e n d ê n c i a cada v e z maior do mercado e

mais c m censo, mas e m análise de amostra de 35 pais de famílias

cada v e z m e n o r das atividades de subsistência.

pesquisados.

O s moradores s ã o , e m sua grande maioria, pescadores (embar-

C o m o pode ser observado pela Tabela 12, a M a r g e m P e n i n s u -

cados, artesanais e de subsistência), lavradores, caseiros, e artesãos.

é a que apresenta a maior p r o p o r ç ã o d c pescadores que i n d i -

N o entanto, existem poucos moradores especializados e m cada

a pesca embarcada como atividade p r i n c i p a l . Estes, junta-

das atividades e c o n ó m i c a s , pois, e m s u a grande maioria,

'iiente com os mestres se concentram no povoado do C r u z e i r o . A

c o m b i n a m m a i s de u m a atividade durante o ano, sobretudo a

•^'^voura é a segunda atividade principal mais importante dessa

pequena l a v o u r a e a pesca de subsistência. N e s s e sentido, p o d e m

^ ' " í f ^ e m , o c u p a n d o 25%, seguida do artesanato que emprega 10%

ser considerados, e m grande parte, lavradores-pescadores.

^^os chefes de família.

uma

-

A s PRÁTICAS ECONÓMICAS E SOCIAIS

o Nosso LUGAR VIROU PARQUE Tabela

12 - Principal Atividade

Económica

Os

PESCADORES

dos Chefes de Família por Á r e a MARGEM

TOTAL

ContinenuI

10

F do Saco

05

Peninsular TOTAL

ARTES

CASEIRO



CONSTR.

LAVOURA

30.0%

10%

30%

40.0%

20.0%



20%

20

10.0%

10.0%



25%

35

11.4%

17.1%

2.8%

25%

Os pescadores, que representam 37% dos chefes de família, p o dem ser d i v i d i d o s e m " e m b a r c a d o s " , "artesanais n ã o - m o t o r i z a dos" e "artesanais motorizados".

a) Pescadores í

Embarcados

Segundo o Censo, a pesca embarcada ocupa cerca de 30% dos chefes :\c f a m í l i a . A a n á l i s e d a a m o s t r a p e s q u i s a d a d e m o n s t r a os seguintes tipos de pesca embarcada:

Tabela 12 (cont.) - Principal Atividade

Económica

Tabela 13 - Pesca Embarcada - T i p o de Pesca

dos Chefes de Família por Á r e a TOTAL

MARGEM MARGEM

TOTAL

PESC.ART

PESC. EM.

SARDINHA

CAMARÃO

CAÇÃO

TURIS.

ContinenuI

10



10.0%

20.0%

F do Saco

05



20,0%



Peninsular

20

10.0%

45,0%



TOTAL

35

5.71%

31.4%

5,7%

ContinenuI

2

100,0%





Fundo d o Saco

1

100.0%





Peninsular

10

40.0%

20.0%

30.0%

TOTAL

13

60.0%

15.3%

23.0%

A pesca embarcada é realizada e m traineiras, na pesca d a sarJá n a M a r g e m Continental, as atividades ligadas ao turismo o c u p a m o maior contingente de pais de família de todo o Saco de M a m a n g u á , representadas por 30% de caseiros e 20% de trabalhadores voltados ao setor turístico. A lavoura é t a m b é m u m a ativi-

dinha (60,0% d o total), e nos barcos que c a p t u r a m c a ç ã o (23%) e c a m a r ã o (15,3%). E s s e s barcos s ã o provenientes principalmente de A n g r a dos Reis, Parati e Ubatuba (SP), onde m o r a m seus p r o Pnetários. Tabela 14 - Pesca Embarcada - Função no B a r c o

d a d e p r i n c i p a l importante, ocupando 30% dos chefes de família. A í v i v e m t a m b é m 2 dos 3 pequenos comerciantes de pescado. N o F u n d o do Saco, cerca de 40% dos pais de família declaram ter no artesanato s u a atividade p r i n c i p a l , s e g u i d a d a lavoura (20%). O u t r o s 20% d e c l a r a m ser caseiros, trabalhando principalmente no C o n d o m í n i o de Laranjeiras. O s pescadores embarc a d o s (20%) s ã o p o u c o s n o Regate, m a s m a i s n u m e r o s o s e m

"MARGEM

TOTAL

CONVÉS

MESTRE

100,0%



— —

10

10.0%

60.0%

30.0%

13

15.3%

61.5%

23.0%

•Continental

2

^"-^do d o Saco

1

^^ninsular

CONT-MESTRE

100,0%

Currupira.

A s PRÁTICAS ECONÓMICAS E SOCIAIS

o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

C o m o pode-se observar pela Tabela 14,61,5% dos entrevistados na amostra s ã o " h o m e n s do c o n v é s " o u " t r i p u l a n t e s " , existindo entre eles aqueles que trabalham como geladores, cozinheiros, etc. Já 23% deles s ã o mestres e 15,3% são contramestres, a t i v i d a d e s de i m p o r t â n c i a no barco de pesca. Q u a n t o ao tempo que e s t ã o embarcados, a g r a n d e m a i o r i a (92,3%) está embarcada há mais de 10 anos, e somente cerca de 7,7% entre 1 e 4 anos, o que pode revelar a crise por que p a s s a a pesca de s a r d i n h a no litoral sudeste, decorrente sobretudo da

p e r í o d o d e e s p e r a , cerca de 70% deles se d e d i c a v a m à pesca artesanal, à agricultura e ao artesanato. A grande maioria dos embarcados (69,2%) a f i r m o u preferir a pesca e m b a r c a d a às outras atividades porque permite u m a renda maior e ter acesso aos benefícios sociais. A p e s a r da a t r a ç ã o exercida pela pesca e m b a r c a d a , sobretudo entre os jovens, cerca de 30,7% dos embarcados prefeririam trabalhar por conta p r ó p r i a . C o n s t a ta-se, por outro lado, que na M a r g e m Peninsular existe u m a preferência pela pesca embarcada maior do que nas outras á r e a s .

queda grande dos estoques, o que tem levado a p e r í o d o s de defeso Tabela 16 - Pesca Embarcada - Preferência de Trabalho

cada v e z m a i s longos. Isso força os jovens do lugar a procurar outras a t i v i d a d e s e c o n ó m i c a s . Somente n a M a r g e m P e n i n s u l a r existe u m recrutamento para a pesca e m b a r c a d a , o que enfatiza a i m p o r t â n c i a d e s s a atividade n a á r e a . Tabela 15 - Pesca Embarcada - Tempo de Embarque (em A n o s ) MARGEM

TOTAL

Continental

02

Fundo do Saco

01

1-4

— —

5-9

— —

MARGEM

TOTAL

C O N T A PÓPR.

EMBARCADO 50.0%

Continental

02

50,0%

Fundo do Saco

01

100.0%

Peninsular

10

20.0%

80.0%

TOTAL

13

30.7%

69.2%



+ 10 100.0% 100.0%

Peninsular

10

10.0%



90.0%

TOTAL

13

7.6%



92.3%

A r e n d a dos embarcados depende da f u n ç ã o que exercem no t^arco, v a r i a n d o de acordo c o m o tipo de pesca. A " p a r t i l h a " (diviscão da p r o d u ç ã o ) n u m a traineira se processa d a seguinte form a : descontadas as despesas (gelo, óleo c o m b u s t í v e l e rancho), o í-^ono do barco fica c o m a metade das partes, sendo as restantes

"Embarquei pela primeira vez quando tinha 18 anos e foi pela necessidade de ganhar um pouquinho mais. Eu nunca tinha saído pra fora, de embarcado, mas meus primos foram me ensinando... são do Cruzeiro e sempre tinham trabalhado em traineira...

Eles

Agora,

eu não embarco todo o tempo, tenho fatnília efilho pequeno... Também no defeso eu volto pra casa e toco minha roça" (Seu Luís, pesc a d o r e m b a r c a d o do Baixio).

^íivididas entre as diversas funções: o mestre proeiro: 4 partes; o contra-mestre: 2 partes; o motorista: 2,5 partes; o cozinheiro 1,5 P
106 C e r c a de 30% dos pescadores embarcados n ã o e s t a v a m pesc a n d o no p e r í o d o da pesquisa de c a m p o (junho-dezembro), seja pela i n t e r d i ç ã o do defeso, seja por avaria nas e m b a r c a ç õ e s . N o

" O mestre tem que ter sabedoria, porque ele tem que levar o barco 0'ide acha que deve levar. Tem que ser competente pra matar muito P^'ixe, mas não deve arriscar com a tripulação, que depende dele. Uns

o

A s PRÁTICAS ECONÓMICAS E SOCIAIS

Nosso LUGAR VIROU PARQUE

tetupo atrás, um deles sumiu na Ponta da Juatinga porque abusou do

"Hoje, se não tiver instrumento de navegação, não navega. Anti-

mar, arriscou muito. Bateu tempo ruim e ele não quis nem saber,

gamente, o povo conhecia o tempo pelos astros, quando olhava as

tocou pra frente. Morreu ele e os filhos" (Seu Luís, Baixio).

estrelas, o sol, e a lua. Sabia o vento que ia dar. A mocidade lioje só usa instrumento"

(Seu Z i z i n h o , Ponta do L e ã o ) .

O u t r a qualidade apreciada pela tripulação é o empenho na pescaria, a boa captura que, segundo os pescadores, depende do es-

b) Pescadores

Artesanais

tado do barco, do tipo do material de pesca, e t a m b é m d a "sorte". Segundo o C e n s o , somente 7% dos chefes de família a f i r m a r a m "Pra ser mestre-proeiro, a pessoa tem que ter vocação. Tem que

depender exclusivamente da pesca artesanal, i n c l u i n d o aí tanto

agiientar temporal lá na proa. Às vezes, fica a noite inteira sem dor-

aqueles que s ã o primordialmente de subsistência como aqueles

mir, só olhando. Dá só um cochilo, quando termina a pescaria" (Seu

que já tem baleeiras e botes motorizados. N o entanto, é importan-

Licínio, C o s t ã o ) .

te destacar que 62,.8% afirmaram praticar esse tipo de pesca como a t i v i d a d e complementar (ver Tabela 26). E s s a porcentagem é ele-

O s mestres de barco do lugar (cerca de 8) preferem escolher a

\a no F u n d o do Saco (80%) e na Continental (70%). M e s m o na

tripulação entre parentes e a m i g o s , que v i v e m sobretudo no bair-

Margem Peninsular, cerca de 55% d e p e n d e m da pesca artesanal

ro d o C r u z e i r o .

para sua subsistência, particularmente para conseguir a " m i s t u r a " , que a c o m p a n h a o prato básico, o p i r ã o (farinha de m a n d i o c a

" A gente pega só tripulante do lugar. É tudo d a família. V i a g e m d u r a u n s 5 o u 6 dias, chegando até C a b o F r i o , depois

r á g u a ) . N e s s e sentido, a pesca artesanal é, sem d ú v i d a , u m a ati\e fundamental para a sobrevivência dos moradores.

do R i o de Janeiro. T a m b é m quando o tempo está r u i m , a gente volta pro lugar onde está a família" (Seu lero, mestre de pesca

Tabela

d a Praia do C r u z e i r o ) . A totalidade dos mestres n ã o tem d o c u m e n t a ç ã o apropriada, a p r e n d e n d o a profissão na prática, embarcando com parentes ou amigos pela primeira vez. A o contrário dos pescadores artesanais,

1 7 - Pesca Artesanal - T i p o de Pesca Praticada

'•'"•^'ÍGEM

ESPERA

UNHA

Continental

14.2%

42.8%

Fundo do Saco

25.0%

MERGULHO

TARRAFA

TRESMAL

OUTROS



14.2%

85.7%



25.0%



25.0%

100.0%



os mestres hoje u s a m aparelhos, como a s o n d a para identificar a

Peninsular



23.0%

7.6%



76.9%

7.6%

p r o f u n d i d a d e , o tipo de fundo e os c a r d u m e s :

TOTAL

8.3%

29.1%

4.1%

8.3%

83.3%

4.1%

"A gente usa a sonda pra saber se tem peixe. A agulha do apare-

^ b s : Cada pescador pode realizar mais de um tipo de pesca.

lho vai queimando aquele papel e indica a profundidade do mar" (Seu lero, mestre do Cruzeiro).

^ pesca artesanal é realizada com u m a variedade de técnicas e '"^petrechos de pesca, utilizados segundo o tipo de peixe, a é p o c a ,

A d e p e n d ê n c i a dos " i n s t r u m e n t o s " de n a v e g a ç ã o é criticada pelos pescadores artesanais mais velhos, que conheceram o tem' po das canoas de voga.

^"^^ condições do mar. ^ pesca c o m tresmalho é a técnica mais utilizada, sendo prati^^^^ por 83,3% dos pescadores artesanais. C o m linha trabalham

o

A s PRÁTICAS ECONÓMICAS E SOCIAIS

Nosso L U G A R V I R O U P A R Q U E

29,1%; c o m tarrafa, 8,3% e com rede de espera 8,3% deles. A o c o n t r á r i o do passado, e m que as redes eram confeccionadas c o m fios de a l g o d ã o e tingidas com jacatirão para aumentar sua d u r a bilidade, hoje elas s ã o feitas com fios de náilon, e m geral a d q u i r i dos e m Parati, a p r e ç o elevado. E s s e s pescadores s ã o , e m sua grande totalidade, p r o p r i e t á r i o s d e seus aparelhos de pesca (91,7%,) havendo somente 8,3% que se d e f i n e m como " c a m a r a d a s " , isto é, n ã o - p r o p r i e t á r i o s de equi-j pamentos. Somente no F u n d o do Saco aparece a categoria " c a m a - j

Q u a n t o à s atividades exercidas antes d a pesca artesanal, cerca de 50% a f i r m a r a m ter trabalhado na l a v o u r a e cerca de 33,3% n ã o [inham outra atividade económica anterior à pesca. A porcentagem dos que entraram diretamente para a pesca, s e m ter praticado outras atividades é maior na M a r g e m Peninsular, revelando u m d i n a m i s m o m a i o r que nas outras á r e a s . Isso se deve, p r o v a v e l mente, à i m p o r t â n c i a da pesca embarcada que recruta os jovens diretamente d a praia.

r a d a " , n ã o p r o p r i e t á r i o dos instrumentos de captura. Tabela 20 - Pesca Artesanal - o que fazia antes de pescar Tabela

18 - Pesca Artesanal - Propriedade dos Aparelhos de Pesca D O N O APARELHOS

MARGEM Continental

CAMARADA

100.0%

Peninsular



91,6%

TOTAL

3

50.0%

100.0%

COMÉRCIO

LAVOURA

NADA

oumA

14,2%

42,8%

28.5%

14.2%



Fundo do Saco



75.0%

25.0%





Peninsular



46.1%

38.4%

7.6%

7.6%

4,1%

50.0%

33.3%

8.3%

4,1%

Continental

-

50.0%

Fundo do Saco

MARGEM

J

TOTAL

SEM RESR

8.3%

O s pescadores artesanais motorizados (4 chefes de família) que Entre os pescadores artesanais, u m a grande maioria (75,0%)

afirmaram depender da pesca, trabalham e m pequenos botes a

trabalha s o z i n h a , e u m a pequena parcela com filhos e conheci-

motor, d e d i c a n d o grande parte de seu tempo na pesca de arrasto

dos. Somente no F u n d o do Saco existem aqueles que trabalham'

cio c a m a r ã o branco dentro o u fora do Saco de M a m a n g u á . O u t r o s

c o m c o m p a n h e i r o s de fora do grupo familiar.

pe'scam com tresmalho e linha as diversas espécies que existem zona estuarina. Esses pescadores motorizados c o m e ç a r a m a

Tabela MARGEM

19 - Pesca Artesanal - c o m quem

SOZINHO

CAMARADA

PARENTES

'••'ibalhar recentemente nessa pesca. A l g u n s deles f a z e m t a m b é m

trabalha OUTWDS

''•'insporte de turistas, sobretudo no v e r ã o . O s pescadores artesanais n ã o - m o t o r i z a d o s que se d e d i c a m

SEM RESR

^'>^clusivamente à pesca s ã o poucos (4 chefes de família) empreContinental

85,7%



Fundo do Saco

50.0%



Peninsular

76.9%



TOTAL

75.0%

0.0%

— 15.3% 8.3%

14.2%

f^'indo canoas a remo e pequenas redes na pesca de peixes (princi-

25.0%

25.0%

íj>iimente parati) do próprio Saco de M a m a n g u á , destinando gran-



7.6^

^' c^-m de v e n d e r no local seu pequeno excedente). N a realidade, o

12.5%

^ "iiero desses pescadores é b e m maior, pois a maioria dos m o r a -

4.1%

(I]

sua pequena captura à subsistência de suas famílias

"^•^'^ pesca para a subsistência, sendo o pescado a maior fonte de

As PRÁTICAS ECONÓMICAS E SOCIAIS

proteína d a r e g i ã o . A l é m d i s s o , m u l h e r e s e c r i a n ç a s r e t i r a m moluscos e c r u s t á c e o s como complemento da dieta o u da renda.

—Os

Lavradores

Cerca d e 21% (ou 25 chefes de família recenseados) se declararam "lavradores", trabalhando principalmente e m r o ç a s de m a n d i o ca, da qual f a z e m a farinha, base da dieta local, no tráfico o u "aviamento". N o entanto, como ocorre com a pesca artesanal, u m a p ro p o rçã o b e m maior de moradores tem na lavoura u m a atividade complementar importante (37,1 % ) , como se pode observar pela Tabela 26. C o m o pode-se ver pela Tabela 21, a totalidade dos agricultores plantam m a n d i o c a (100%). O s outros cultivos mencionados s ã o a banana (68,1%), á r v o r e s frutíferas (40,9%). A c a n a - d e - a ç ú car, lavoura antes predominante na região só é plantada por 27,2% Tabela 21 - Lavoura - Espécies •ARGEM

TOTAL

BANANA

06

83.3%

04

Peninsular ^OTAL

Continental 'lo do Saco

Tabela 21

CANA

FEIJÃO



33.3%

50.0%

25.0%



25.0%

75,0%

12

75.0%

8,3%

25.0%

33,3%

22

68.1%

4.5%

27.2%

45,4%

'ContinenuI -

BATATA

( c o n t . ) - Lavoura - Espécies

TOTAL

T o t o O ô . T r a k í l i n o nn r o ç a

Plantadas

FRUTÍFERA

Plantadas

MANDIOCA

MILHO

06

33.3%

100.0%

33.3%

''"^^o do Saco

04

25,0%

100,0%

50,0%

^'^''^'nsular

12

50.0%

100.0%

33.3%

22

40.9%

100.0%

36.3%

M ^ L

o

A s PRÁTICAS ECONÓMICAS E SOCIAIS

Nosso LUGAR VIROU PARQUE

Tabela 22 - Lavoura -

dos lavradores. Deve-se afirmar, no entanto, que n ã o se tratam de culturas separadas o u monoculturas, m a s realizadas consorciadamente, na m e s m a r o ç a . C o m o foi mencionado anteriormente, u m a v e z u s a d a a terra por três o u quatro anos, o solo é deixado e m pousio, durante a l g u n s anos, para voltar a ser plantado de novo.

MARGEM

aí derruba o mato, pois a raiz dá melhor. A madeira cortada a genU aproveita pra cozinha, assim evita comprar gás" (Seu Dito, d<

trabalha

TOTAL

SOZINHO

Continental

06

33.3%

33.3%

50.0%

Fundo do Saco

04

25.0%



50.0%

Peninsular

12

25.0%

75,0%

33.3%

TOTAL

22

27.2%

50.0%

40.9%

"A gente derruba o mato, planta uns três anos e depois deixa i mato prospera. Quando a gente quer plantar num terreno mais forte

com quem

Obs.:

ESPOSA

FILHOS

OUTROS

25.0%

4.5%

Cada lavrador pode ter respondido mais de uma alternativa.

Baixio). A m a i o r i a d o s lavradores (70,8) a f i r m o u ter s u a s r o ç a s distanO s moradores t a m b é m tem u m a n o ç ã o d a s u c e s s ã o de espé cies q u a n d o o solo fica fraco e a roça é abandonada. "Quando a gente abandona a quadra de terra que já foi plantada

tes da casa, exigindo longas caminhadas, ainda mais penosas quando carregam a m a n d i o c a por q u i l ó m e t r o s a t é chegar à casa d e farinha. Somente n o F u n d o do Saco a s r o ç a s s ã o feitas m a i s p r ó x i mas às casas.

por muito tempo, o vento traz as sementes de árvores pro lugar. Vem, por exemplo, a acandiúba, que é a madeira que aparece em lugar fres-

Tabela 23 - Lavoura - Distância d o Terreno da R o ç a

co. Vem também o jacatirão. Mas quando o terreno já era fraco e está muito cansado, logo vem o capim-melado, o sapé" (Seu Dito, do Baixio). D e c l a r a m trabalhar sozinhos 27,2% dos lavradores, ao passq| que a maioria deles trabalha com a mulher e as crianças. A derrubada do mato é u m a tarefa masculina, m a s as m u l h e r e s e crianças t a m b é m trabalham n o plantio, na capina e na colheita (Tabela 22)-

MARGEM

TOTAL

DISTANTE

PRÓXIMO

Continental

06

83.3%

16.6%

Fundo do Saco

04



100.0%

Peninsular

12

58.3%

22

70.8%

"^OTAL

25.0%

'

,^

27.2%

E s s e parece ser u m p a d r ã o de trabalho aplicável a todas as áreaS/j sem distinção. Q u a n t o à p r o p r i e d a d e o u posse d o terreno d a r o ç a , 45,5% afir"A gente planta pouca área, uma ou duas quadras (cada quadra

maram s e r e m d o n o s e 50% n ã o s ã o donos dos terrenos e m q u e

é 20m X 20m), dependendo da família. A gente é obrigado a plantar

P'^'»ntam, emprestando-os de terceiros (Tabela 24). N o F u n d o d o

sempre mais longe. Os velhos já ficam cansados com a caminhada ^

^^^^h a totalidade dos agricultores informou ter a posse de seus

com o peso da carga de mandioca pra trazer. Os novatos fora^

"Tenos, enquanto que na M a r g e m Continental e P e n i n s u l a r , a

(Seu Dito, Baixio de

^jiioria planta e m terrenos de terceiros, o u " s e m d o n o " . Isso pode

saindo do lugar e a roça está fracassando" dentro).

^'^plicado pelo fato d e a maioria dos moradores d o F u n d o d o

As PRÁTICAS ECONÓMICAS E SOCIAIS

o Nosso LUGAR VIROU PARQUE



Saco ser a i n d a p r o p r i e t á r i a de suas terras e n ã o tê-las v e n d i d o a turistas p o r se tratar de área distante e mais infestada de m a r u i n s

Os Empregados

dos Turistas

,:

Dentre os chefes de família, 18,5% declaram-se "caseiros" (Tabela

e mosquitos.

11), atividade cada vez mais importante em M a m a n g u á . A l é m disso, há t a m b é m os que transportam turistas (2 chefes de família), de

Tabela 24 - Lavoura - Posse do T e r r e n o

forma regular, sobretudo durante o v e r ã o , férias e dias feriados. TOTAL

MARGEM

PRÓPRIO

Continental

06

33.3%

Fundo do Saco

04

100.0%

Peninsular

12

33.3%

22

TOTAL

TERCEIROS

SEM RESR

A c o n s t r u ç ã o de casas para os turistas está se tornando u m a atividade importante para algumas famílias que a f i r m a r a m ter a í

66.6%

-



58.3% 50.0%

45.4%

sua p r i n c i p a l fonte de renda. U m n ú m e r o cada v e z maior de jovens trabalham c o m o ajudantes de pedreiro, quando existe trabalho, s e m deixar, no entan-

8.3%

to, de ajudar s u a s famílias na roça e na pesca. A totalidade d a s casas locais, sobretudo as feitas de " t a i p a " (casas de pau-a-pique)

4.5%

são c o n s t r u í d a s pelos p r ó p r i o s moradores, utilizando materiais locais, c o m o a madeira de mangue, palmeira j u ç a r a , s a p é e barro.

A maioria (63,6%) d o s lavradores p r o d u z e m somente para o



c o n s u m o p r ó p r i o , e somente 4,5% cultivam exclusivamente para

Os

Artesãos

a v e n d a , ao passo que 27,2% p r o d u z e m para o c o n s u m o e a venda {Tabela 25). A p o p u l a ç ã o d o F u n d o d o Saco é a q u e m a i s planta

Entre os chefes de família, 8,0% a f i r m a m depender de atividades

somente para o c o n s u m o ao passo que n a M a r g e m Continental e

artesanais, principalmente da fabricação de miniaturas de embar-

P e n i n s u l a r cerca d e u m quarto d e moradores planta p a r a o con-

cações, remos, gamelas, feitas sobretudo de madeira de caixeta.

sumo e venda.

Como foi dito anteriormente, essas atividades artesanais se intensificam nos meses de v e r ã o , q u a n d o aumenta o afluxo de turistas

Tabela 25 - Lavoura - Destino do Produto

VENDA

CONS/ VENDA

TOTAL

CONSUMO

06

50,0%



33.3%

Fundo do Saco

04

75.0%



25,0%

Peninsular

12

MARGEM ContinenuI

TOTAL

22

66.6% 63.6%

8.3% 4.5%

25.0% 27,2%

no local e na c i d a d e de Parati onde as p e ç a s de artesanato s ã o Vendidas para os donos de loja, que as r e v e n d e m a p r e ç o b e m

R SEM RESR

"lais elevado. Além disso, u m chefe de família v i v e exclusivamente d a cons-

16.6%

trução e reparo de e m b a r c a ç õ e s , n u m pequeno estaleiro existente bairro d o C r u z e i r o . N o entanto, existem cerca d e seis chefes de

—•

'^''mília que fabricam canoas para o u s o local, n a maioria dos c a -



para seu p r ó p r i o uso. 4.5%

Os

Comerciantes

^ c o m é r c i o local (vendas) é realizado por 1 chefe de família ao se ajuntam dois outros, que abriram recentemente d u a s v e n -

I

A S PRÁTICAS ECONÓMICAS E SOCIAIS

o Nosso L U G A R V I R O U P A R Q U E

d a s na praia do C r u z e i r o . A m b o s , no entanto, exercem t a m b é m

dade, c o m b i n a n d o frequentemente várias delas. A s atividades se-

atividades de pesca e transporte de mercadorias. A l é m disso, exis-

c u n d á r i a s o u complementares mais citadas são: a pesca artesanal

t e m 3 c o m e r c i a n t e s de p e s c a d o que c o m p r a m a p e s c a r i a de

(62,8%), a l a v o u r a (37,1%) e o artesanato (28,5%).

pescadores locais para r e v e n d ê - l a e m Parati. E s s e s comerciantes t a m b é m exercem outras atividades. C o m o n ã o existe energia elétrica, o peixe é c o n s e r v a d o no gelo, a d q u i r i d o e m Parati. O s peixes que tem m a i o r valor de mercado e m M a m a n g u á s ã o o robalo, o badejo, a pescada, o cherne, o namorado. A s a r d i n h a , o c a ç ã o e o c a m a r ã o branco, s ã o , e m geral, comercializados pelos p r ó p r i o s d o n o s dos barcos, fora d a região.



Os

Aposentados

D e z chefes de família (8,5%), muitas vezes v i ú v a s , v i v e m de a

Tabela 26 - Atividades C o m p l e m e n t a r e s por C h e f e de Família MARGEM

CHEFES

ARTES.

CAÇA

COLETA

CONST

Continental

10

10.0%



10.0%

10,0%

Fundo do Saco

05

20.0%

20.0%

20.0%



Peninsular

20

40.0%

15.0%

20.0%

15.0%

TOTAL

35

26.6%

11.4%

17.1%

11,4%

sentadoria, mas praticam t a m b é m atividades de roça e pesca. Tabela 26 A

COMPLEMENTARIDADE

ATIVIDADES

DE

ECONÓMICAS

C o m o foi afirmado anteriormente, os moradores muito r a r a m e n te v i v e m de u m a s ó atividade. O s pescadores embarcados, q u a n do d e s e m b a r c a m temporariamente praticam a pesca artesanal, a lavoura e o artesanato. O s lavradores, e m sua grande maioria tamb é m praticam a pesca de subsistência e vice-versa. O s a r t e s ã o s , que trabalham sobretudo durante a e s t a ç ã o turística, v i v e m d u rante o restante do ano da pequena pesca e da agricultura. O

(cont.) - Atividades C o m p l e m e n t a r e s por C h e f e de Família

MARGEM

LAVOURA

PESCA ARTES.

PESCA EMBARC.

TURIS.

NÃO POSSUI

Continental

30.0%

70.0%

10.0%

Fundo do Saco

60.0%

80,0%



— —

Peninsular

35.0%

55,0%

5.0%

10,0%

15,0%

TOTAL

37.1%

62.8%

5.7%

5.7%

11.4%

10.0%



O b s : Cada chefe de família pode realizar mais de uma atividade complementar.

dinheiro n e c e s s á r i o para a compra de produtos c o m e s t í v e i s n ã o p r o d u z i d o s localmente e industrializados é obtido pelo trabalho de embarcado, pela venda de artigos artesanais, do pouco exceden-

Pela Tabela 27, constata-se que 74,3% a f i r m a r a m ter renda fa-

te de peixe, pela atividade de caseiro e pelo trabalho ocasional

'iiiliar superior ao salário m í n i m o ; 5,7% estão abaixo do salário

(diaristas) para os turistas e pela pequena renda dos aposenta-

'iiínimo e 20% a f i r m a r a m que s u a renda familiar varia, ficando

dos. Para a c o m p r a de e m b a r c a ç õ e s , usa-se o dinheiro consegui-

"^•a a c i m a , ora abaixo do salário m í n i m o , d e p e n d e n d o do m ê s .

do c o m a v e n d a de parte d a terra (posse).

^'o F u n d o do Saco existe u m a p r o p o r ç ã o maior de famílias e m

C o m o pode-se observar pela Tabela 26, retirada d a amostra,

1ue a renda familiar é menor que o salário m í n i m o , revelando

cerca de 90% dos pais de família se d e d i c a m a mais de u m a ativi-

^'ma pobreza maior desses moradores.. N a medida e m que as ativi-

o

Nosso LUGAR VIROU PARQUE

d a d e s e c o n ó m i c a s s ã o sazonais, é difícil calcular u m a r e n d a m é dia m e n s a l e nesse sentido a T a b e l a 27 se encontra p r e j u d i c a d a . Tabela 27 - Renda Familiar MARGEM

TOTAL

ABAIXO DO SM

ACIMA DO SM

VARIA

Continental

10



70.0%

30.0%

Fundo do Saco

05

40,0%

40.0%

20.

Peninsular

20



85,0%

I

TOTAL

35

5,7%

74.2%

20,

12a

Saco d o M.-imantíjuá, Farati ( K J ) .

7 5 ' ni t> o i s m o s [Representações e frestas

MODO

DE V I D A

das p o p u l a ç õ e s tradicionais c a i ç a r a s compor-

^ - ^ t a elementos simbólicos, a t r a v é s dos quais os h o m e n s n ã o somente agem sobre o m u n d o natural, mas também sobre as potências invisíveis que controlam a r e p r o d u ç ã o da natureza e p o d e m ou recusar u m a boa colheita, u m a pesca e c a ç a s abundantes. '•-'^SL'

sentido, a prática simbólica no processo de trabalho consti-

•^'i uma realidade social tão real quanto as a ç õ e s materiais sobre o ^^^"ndo visível. E s s a s r e p r e s e n t a ç õ e s n ã o existem apenas a t r a v é s piocesso de conhecimento, mas t a m b é m s ã o expressas n u m a ^ guogeni^ a qual representa u m a das c o n d i ç õ e s indispensáveis ' ' ''rc^ndizado das técnicas e d a sua transmissão. Godelier (1984) na que é necessário incluir a linguagem entre as forças p r o d u ^.

O simbolismo e as representações que os povos p r é - i n d u s ""^ fíízem d a natureza, constitui, segundo Lévi-Strauss, u m a

o

SIMBOLISMOS,

Nosso LUGAR VIROU PARQUE

verdadeira ciência d o concreto, u m rico tesouro de conhecimentos d a b o t â n i c a , da ictiologia e da farmacologia. C o m o afirma Mircea E l i a d e (1991):

REPRESENTAÇÕES

E FESTAS

verso onde o s caracteres fundamentais d o s seres a n i m a d o s se e n contram n a s coisas i n a n i m a d a s .

^ "(...) nas mitologias antigas o u e m mitologias c o n t e m p o r â -

"O p e n s a m e n t o simbólico n ã o é u m a á r e a e x c l u s i v a

neas d e outras civilizações, os rochedos, montanhas, rios s ã o

c r i a n ç a , do poeta o u do desequilibrado; ela d consubstan

biomórficos ou antropomórficos e o universo é povoado de

ao ser h u m a n o ; precede a linguagem e a r a z ã o d i s c u r s i v a . 0 |

espíritos, g é n i o s , deuses, que estão e m todas as coisas o u por

s í m b o l o revela certos aspectos da realidade — os m a i s p r o f u i ^ H dos — que desafia qualquer outro meio de conhecimento. i m a g e n s , os s í m b o l o s e os mitos n ã o s ã o c r i a ç õ e s i r r e s p o n s ^ H v e i s da psique; elas respondem a u m a necessidade e p r e e ^ ^ l c h e m u m a f u n ç ã o : revelar as m a i s secretas m o d a l i d a d e s do s e r " (p.lO).

trás de todas as coisas. Reciprocamente, o ser h u m a n o pode sentir-se d a m e s m a natureza que as plantas e os a n i m a i s , ter c o m é r c i o c o m eles, metamorfosear-se neles, ser habitado o u p o s s u í d o pelas forças d a n a t u r e z a " ( M o r i n , 1986:151). N a s sociedades primitivas o u pré-industriais a u n i d a d e / d u a l i dade do h o m e m se reflete t a m b é m nas d u a s formas de a p r e e n s ã o

N e s s e sentido, a r e p r e s e n t a ç ã o do mundo selvagem, do munido

da realidade: u m a , e m p í r i c a , técnica e racional, pelo q u a l ele

natural, n ã o pode ser apreendida totalmente, se n ã o se recorrer às

a c u m u l o u u m a complexa bagagem d e saber b o t â n i c o , z o o l ó g i c o ,

r e p r e s e n t a ç õ e s , às imagens e ao pensamento mítico. D e acordo c o m M o r i n (1986), os mitos s ã o narrativas que d e s c r e v e m "(...) a origem do m u n d o , a origem do h o m e m , o s e u e s t a ^ tuto e a s u a sorte na natureza, as suas relações com os deuses e os espíritos. M a s os mitos n ã o falam s ó d a c o s m o g ê n e s e , não f a l a m s ó d a p a s s a g e m d a natureza à cultura, m a s t a m b é m de t u d o o q u e concerne a identidade, o passado, o futuro, o possível, o i m p o s s í v e l , e de tudo o que suscita a interrogação, a

ecológico, tecnológico (hoje objeto de etnociência); e outra, s i m b ó lica, mitológica e m á g i c a . N o entanto, essas d u a s formas de conhecimento do h o m e m arcaico, ainda que distintas, n ã o v i v e m em dois u n i v e r s o s separados; s ã o praticadas n u m u n i v e r s o único, ainda que d u a l . D e acordo c o m Eliade, nesse u n i v e r s o d u a l o espaço e o tempo s ã o os m e s m o s e ao m e s m o tempo diferentes; o tempo do mito, o tempo passado é t a m b é m s e m p r e presente. O lt^'nipo t>riginal, mítico, retoma através das cerimónias regenerado'"'is (o mito d o eterno retorno, descrito por Mircea Eliade).

c u r i o s i d a d e , a necessidade, a a s p i r a ç ã o . T r a n s f o r m a m a histó-

Essa r e p r e s e n t a ç ã o simbólica d o cíclico, d e que tudo n o c o s m o

ria d e u m a c o m u n i d a d e , cidade, povo, tornam-na lendária, e

^'^sce, morre, renasce é forte nas sociedades p r i m i t i v a s , m a s está

m a i s geralmente, tendem a desdobrar tudo que acontece no

presente t a m b é m nas comunidades tradicionais de pequenos agri-

nosso m u n d o real e no nosso m u n d o i m a g i n á r i o para os lig^^

cultores itinerantes, de pescadores e coletores que ainda v i v e m

e os projetar juntos no m u n d o m i t o l ó g i c o " (p.l50).

í^abor d o s ciclos naturais e n u m complexo c a l e n d á r i o agrícola pesqueiro. H á o tempo para fazer a coivara, p r e p a r a r a terra,

O m u n d o natural d i s p õ e d e caracteres a n t r o p o m ó r f i c o s e o h o m e m d i s p õ e de caracteres c o s m o m ó r f i c o s . E s s e aspecto é funda

^cMTiear, capinar e colher, como t a m b é m há o tempo de esperar as i^' Pccies de peixes m i g r a t ó r i o s , como a tainha. U m a v e z termina-

mental para se entenderem as r e p r e s e n t a ç õ e s que as s o c i e d a d ^

esse ciclo, ele r e c o m e ç a r á no p e r í o d o seguinte. E m muitas des-

c h a m a d a s primitivas, pré-capitalistas ou pré-industriais fazem ^

^s Comunidades, essas atividades s ã o c o m a n d a d a s por sinais,

m u n d o . O universo mitológico, para M o r i n , parece como u m

o aparecimento de u m a l u a determinada, d a c h u v a , etc. Esses



o

SIMBOLISMOS, REPRESENTAÇÕES E FESTAS

Nosso LUGAR VIROU PARQUE

" t e m p o s " s ã o muitas vezes celebrados por festividades que mar-

São c o m u n s as lendas relativas aos tesouros escondidos nas

c a m o imcio o u o fim de u m a determinada safra (a colheita, por

ruínas dos engenhos, as a s s o m b r a ç õ e s e almas dos escravos que m u r m u r a m e gritam, à noite, na Ilha da C o t i a , e m frente a M a -

exemplo). C o m o afirma Mircea E l i a d e (1991):

m a n g u á , onde a i n d a existem as argolas e m que e r a m presos os " O ano, o u o que compreendemos por esse termo, e q u i v a l e

cativos, q u a n d o castigados. Conta-se t a m b é m que os escravos

à c r i a ç ã o , à d u r a ç ã o e à d e s t r u i ç ã o do m u n d o , ainda que tenha

\elhos, q u a n d o i a m morrer, e r a m levados para certas ilhas o n d e a i n d a hoje aparecem as almas dos mortos. H á t a m b é m relatos de

sido r e f o r ç a d a pelo e s p e t á c u l o da morte e da r e s s u r r e i ç ã o pe-

barulho de machadadas no mangue que se o u v e m de vez e m quan-

riódicas d a v e g e t a ç ã o n ã o seca, por isso, u m a c r i a ç ã o das soci-

d o , e que é atribuído a almas de escravos.

edades agrícolas. E l a se encontrava nos mitos das sociedades

O i m a g i n á r i o relativo ao tempo dos escravos está m a r c a d o

p r é - a g r í c o l a s e é muito provavelmente u m a c o n c e p ç ã o da estrutura lunar. A lua mede as mais sensíveis periodicidades e

pelas narrativas de f u n d a ç ã o de alguns núcleos de moradores por

foram termos relativos à lua que primeiro s e r v i r a m para ex-

ex-escravos, como é o caso Praia do C r u z e i r o e de C u r u p i r a . N o tempo das fazendas escravocratas, o m a r era mais consi-

pressar a m e d i d a do tempo. O s ritmos lunares s e m p r e marc a m u m a " c r i a ç ã o " (a lua nova) seguida de u m crescimento

derado c o m o u m e s p a ç o de transporte de mercadorias do que

(lua cheia) e de u m a morte (as três noites s e m l u a ) " (p.69).

c o m o lugar de p r o d u ç ã o . Daí a i m p o r t â n c i a das trilhas, dos carros de boi.

E m M a m a n g u á , os moradores representam simbolicamente m a r e a terra. N e s s a s r e p r e s e n t a ç õ e s simbólicas a p a r e c e m ta:

C^s V Á R I O S

MARES

b é m v á r i a s " c a m a d a s " de r e p r e s e n t a ç õ e s que s i m b o l i z a m o tempo do passado, o p e r í o d o heróico das canoas de voga e os e s p a ç o s

I'nra os moradores de M a m a n g u á existem v á r i o s mares, cada u m

atuais d e v i d a .

c o m seus simbolismos e r e p r e s e n t a ç õ e s .

A

TERRA



DOS ESCRAVOS

C o m o foi visto anteriormente, as atividades e c o n ó m i c a s e o modo de v i d a e m M a m a n g u á estiveram, no passado, muito mais lij dos à terra que ao mar. N o p e r í o d o colonial, as grandes fazem que u t i l i z a v a m o trabalho escravo o r g a n i z a v a m n ã o somente atividades e c o n ó m i c a s , mas t a m b é m as sociais e culturais. O imaginário local representa o tempo da s e r v i d ã o como o d a violência e d a d u r e z a do trabalho escravo. Sobressaem nas narrativas as

O Mar-de-Dentro:

o

Estuário

''ara os moradores que exercem atividades a g r í c o l a s , o M a r - d e l^entro está ligado às atividades agrícolas, e isso se revela n a s '••-'presentações simbólicas sobre a terra e o mar. Para esses morado'

por exemplo, os entes sobrenaturais s ã o sobretudo os de ter-

I

a, como ocorre c o m a lenda do c u r u p i r a , que p r o v a v e l m e n t e d e u "••gem a u m a praia do mesmo nome. E s s e ente fantástico já h a v i a

^ido mencionado por J o s é de Anchieta ( C â m a r a C a s c u d o , 1976):

figuras cruéis dos p a d r e s - c o r o n é i s , padre M a n o e l A l v e s , dono da Fazenda Santa M a r i a e Francisco Antonio, dono da Fazenda Parati-

" É coisa sabida e pela boca de todos corre que há certos

M i r i m . S e g u n d o as narrativas, o padre M a n o e l A l v e s fazia amar-

d e m ó n i o s e que os brasis c h a m a m de c u r u p i r a , que acometem

rar os escravos fugitivos no mangue para que fossem devorados pelos m a r u i n s .

índios muitas vezes no mato, dão-lhes açoites, m a c h u c a m uos e matam-nos. São testemunhas disto os nossos i r m ã o s , que

o

SiMBOLisMos, R E P R E S E N T A Ç Õ E S E F E S T A S

Nosso LUGAR VIROU PARQUE

v i r a m a l g u m a s vezes os mortos por eles. P o r isso, c o s t u m a m

tam sair c o m s u a s canoas. A própria r e p r e s e n t a ç ã o d e " p r a i a " ,

os índios deixar e m certo caminho, que por á s p e r a s brenhas

enquanto lugar de moradia é mais terrestre q u e m a r í t i m a . Pode-

v a i ter ao interior das terras, no cume d a mais alta m o n t a n h a ,

se afirmar q u e a maioria dos moradores se sente mais a vontade

q u a n d o p o r cá p a s s a m , penas de ave, abanadores, flechas e

na r o ç a , n a casa de farinha, n a c a ç a que no mar. E x i s t e m t a m b é m

outras coisas semelhantes, como u m a espécie de o b l a ç ã o , ro-

" l u g a r e s " melhores o u piores para se viver. O lugar o u praia é

g a n d o fervorosamente aos curupiras que n ã o lhes f a ç a m m a l "

considerado b o m quando tem u m acesso fácil ao mar, á g u a doce

(p.332).

para beber e sobretudo quando n ã o é infestado de m o s q u i t o - p ó l vora o u pernilongo, que infernizam a v i d a das pessoas durante

Por outro lado, existem as r e p r e s e n t a ç õ e s relativas ao M a r - d e -

"as l u a s " (cheia e n o v a ) . Acredita-se q u e o m o s q u i t o - p ó l v o r a

Dentro, mais p r ó x i m o , o que está e m frente de casa, mais protegi-

( m a r u i m ) v e m d o mangue, por levas, durante as m a r é s - c h e i a s ,

d o d o s ventos, a partir d a " b a r r a " , e sobretudo a partir d a Ilha

sobretudo à noite e ao amanhecer. Por isso, u m b o m lugar para se

G r a n d e e m d i r e ç ã o ao F u n d o d o Saco. A s d u a s ilhas, a G r a n d e e a

viver é s e m p r e longe d o m a n g u e do F u n d o do Saco e u l t i m a m e n -

Pequena, aliás, fazem parte deste mar-de-dentro e hoje s ã o desa-

te a l g u m a s famílias tem saído dessas áreas, s e g u n d o d i z e m , pela

bitadas. N o passado, tinham u m morador cada u m a , sendo o mais

infestação d o m a r u i m .

lembrado u m a hippie que veio d o R i o de Janeiro e v i v e u ali sozinha mais de u m ano, apesar da falta de á g u a .

O lugar b o m para se morar é t a m b é m aquele e m que v i v e a " i r m a n d a d e " , seja a familiar seja a religiosa, principalmente a d o s

O mar, enquanto meio e objeto de trabalho e subsistência apareceu depois d o tempo das fazendas de escravo, q u a n d o a pesca

"crentes", pois ali está t a m b é m a igreja que congrega os " i r m ã o s " i^os fins de s e m a n a .

p a s s o u a desempenhar u m papel importante como gerador de

O M a r - d e - D e n t r o n ã o é somente u m lugar físico. É t a m b é m

renda e aporte de alimento para os moradores, alguns ex-escra-

um e s p a ç o c r i a d o c u l t u r a l m e n t e , sobretudo a t r a v é s d a s p r á t i -

vos. A p e s a r de hoje grande parte dos moradores c o m b i n a r e m

cas p e s q u e i r a s de s u b s i s t ê n c i a . M e s m o essas a t i v i d a d e s eco-

atividades agrícolas, artesanais, extrativistas e pesqueiras para ga-

n ó m i c a s s ã o m a r c a d a s pelas p r á t i c a s sociais e s i m b ó l i c a s . E s s e

rantir s u a subsistência e renda, muitos deles, durante a pesquisa,

mar é u m e s p a ç o h u m a n i z a d o , onde os peixes t ê m v i d a à s e m e -

se d e f l n i r a m como " l a v r a d o r e s " . Isso se explica na m e d i d a e m

lhança d o h o m e m . O parati, p o r e x e m p l o , é c l a s s i f i c a d o c o m o

que a roça exige u m empenho mais sistemático que se inicia com

peixe " d e carne forte", n ã o a c o n s e l h á v e l p a r a m u l h e r e s de " r e s -

a l i m p e z a d o terreno, a coivara, o plantio, as capinas. A pesca é

g u a r d o " . A m o r é i a é u m peixe " r e i m o s o " , p r o i b i d o p a r a as

somente u m a atividade de subsistência, que garante a " m i s t u r a "

mulheres g r á v i d a s .

que a c o m p a n h a a farinha.

,1

Para a maioria dos moradores, a p e r c e p ç ã o d o m a r se dá ||

O s peixes t ê m qualidades a n t r o p o m ó r f i c a s ; a s s i m o parati é •-'aperto, t ê m " v o n t a d e s " , pode-se deixar capturar o u n ã o .

partir d a terra. O Mar-de-Dentro é utilizado como meio de locom o ç ã o para visitar os parentes " d o outro l a d o " , u m a v e z que e

"A gente encontra o parati nos lajeados e nos baixios. Aí a gente

impossível se cruzar o m a n g u e d o F u n d o do Saco à pé. E l e é tarn'

cerca ele com a rede, batendo com o remo na canoa pra ele entrar.

b é m o e s p a ç o de trabalho dos pequenos pescadores. Q u a s e todo

Quando está bom de morrer, ele entra na rede. Quando a água está

o tempo é u m espelho d ' á g u a tranquilo, sem ondas. N o entanto,

escura, aí melhor pra ele morrer. Mas quando ele está velado, escondi-

pode ficar agitado, sobretudo quando aparece o vento s u l . D u -

dinho, não adianta que ele não quer morrer, passa pelo fundo da ca-

rante esse p e r í o d o , que pode chegar a três dias, os moradores c v i -

ma e volta" (Dito, do Baixio).

o

SIMBOLISMOS,

Nosso LUGAR VIROU PARQUE

REPRESENTAÇÕES

E FESTAS

Parece h a v e r u m a c u m p l i c i d a d e entre o peixe e o pescador

O M a r G r o s s o era o m a r das canoas de v o g a do p a s s a d o que

dentro d a s r e p r e s e n t a ç õ e s do m u n d o natural dos que v i v e m no

afrontavam os mares agitados entre Mangaratiba e Santos, desde

interior do Saco. N e s s e sentido, tanto o mar como o peixe s ã o d á -

as p r i m e i r a s d é c a d a s deste século até cerca de 1950, q u a n d o foi

d i v a s de D e u s e os a n i m a i s só aparecem no " t e m p o certo", seja

v e n d i d a a última delas no lugar. Pode-se dizer que este foi o perí-

v e r ã o o u inverno. O s a n i m a i s de terra somente aparecem no " s e u

odo é p i c o d a n a v e g a ç ã o no lugar.

'

t e m p o " e deve h a v e r tempo para caçá-los e tempo para deixar que eles " p r o s p e r e m " , se r e p r o d u z a m . Por isso, há necessidade

"Antes tinha muita canoa de voga.. As maiores eram duas, tinha

de respeitá-los e, portanto, critica-se o barco de arrasto que mata

outras menores. Levavam umas quatro toneladas de mercadoria para

os filhotes c o m o destruidores da d á d i v a de D e u s . A n a t u r e z a

a Ilha Grande, Mangaratiba, Angra. Levavam uns 40 sacos de fari-

( D e u s ) é q u e m regula os ciclos, a l u a , as m a r é s , a s s i m c o m o o

nha, uns 3 barris de pinga. Era tudo a remo. Usava quatro remos

comportamento dos peixes e dos homens. D e s s e m o d o , a g a n â n -

grandes, mas quando tinha vento usava vela... aquelepanos

cia dos que q u e r e m se enriquecer, arrastando c a m a r ã o e filhotes

dos, só que não cortavam o vento, usava o vento de popa. Antigamente

de peixes, destruindo a natureza, é moralmente r e p r o v á v e l , se^:

o povo conliecia o tempo pelos astros, conhecia as marés. Eles se

g u n d o os pequenos pescadores.

guiavam, à noite, pelas estrelas. Hoje a mocidade tem os aparelhos, e

Existem t a m b é m lendas ligadas à terra, o próprio nome da praia C u r u p i r a sugere s u a existência, a s s i m como existe a lenda d a "co-

sem eles, não navegam, não navegam..."

quadra-

(Seu Z i z i n h o , Ponta do

Leão).

bra c a b e l u d a " , que causa medo aos moradores. O outro mar, e x t e n s ã o do primeiro é aquele que leva a Parati,

"A canoa de voga era grande... levava até 50 sacos defarinlia e

f o r m a d o por canais entre as v á r i a s ilhas, m a s m a i s exposto ac_

viajava com qualquer tempo. Era alta, cabia a gente em pé dentro

ventos e ao " t e m p o " . Se no passado era transposto pelas canoas

dela. Tinha até um metro e 20 de boca, de largura. Tinha 4 remos e 2

de voga, hoje nele n a v e g a m somente os barcos motorizados que

velas, o mesano e o traquele... Meu pai gostava de ir pra Angra com

transportam material e pessoas p a r a a sede do m u n i c í p i o .

uma pessoa que entendesse bem de vela, porque na hora do sufoco, tinha que jogar a vela n'água ou arriar rapidinho pro vento não virar, correndo a meio pano... Tinha canoa que pegava até 25 pessoas..."



O Mar

Grosso

(Seu Licínio, C o s t ã o ) .

Por fim, existe o m a r de fora, o verdadeiro, o m a r dos pescadores

O s " m e s t r e s " da canoa de voga e r a m considerados n a v e g a d o -

e m b a r c a d o s , frequentado pelas traineiras, pelos barcos de pesca

•es destemidos, que s a b i a m se guiar pelos ventos e pelas estrelas,

de c a m a r ã o e de c a ç ã o . E s s e e s p a ç o m a r í t i m o é representado de

afrontando mares perigosos e caprichosos, sujeitos a acidentes e

forma simbólica distinta do Mar-de-Dentro.

naufrágios. Estes e r a m causados pelo desrespeito às leis da natureza, q u a n d o o mestre arriscava muito. U m a dessas histórias

"A gente chama de Mar Grosso, o mar da Ponta do Mamanguá

^^^mta o n a u f r á g i o de d u a s canoas de voga, levando cada u m a

para fora. É um mar arriscado, porque as ondas são violentas. As

^^tízenas de pessoas, q u a n d o os noivos v o l t a v a m de P a r a h para a

pessoas daqui de dentro enjoam. Ele é também traiçoeiro. Aqui den-

'c'sta na Praia d o A r a ú j o , situada na baía de Parati. O n a u f r á g i o

tro não, a pessoa pode até morrer aqui, mas só se for predestinado o

'^'nninou c o m a morte dos viajantes, durante u m a tormenta. O s

dia dele morrer" (Dito, do Baixio).

' c'cém-casados teriam sido encontrados a b r a ç a d o s e mortos.

o

SIMBOLISMOS, REPRESENTAÇÕES E FESTAS

Nosso LUGAR VIROU PARQUE

" O pessoal me contava de uma tormenta, no dia três de maio...

embarcada, os moradores p a s s a m a conhecer portos urbanos i m -

A época, a data, num sei quando foi, mas o padre Nilton era vivo...

portantes, c o m outros modos de v i d a , como o de Santos e R i o de

Vieram dois noivos, em duas canoas de voga com 25 pessoas em

Janeiro, onde se v e n d e a p r o d u ç ã o . E s s e é o m a r distante, o que

cada. Casaram em Parati e embarcaram para comemorar

separa o pescador da terra, de sua família.

na Praia

do Araújo. At foi quando o padre viu o tempo ameaçado e disse:

P a r a o n o v o g r u p o de "pescadores e m b a r c a d o s " , o M a r G r o s -

Filhos, vocês não vão ainda porque o tempo está ameaçado, mas o

so é antes de tudo o d o m í n i o da incerteza, da i m p r e v i s i b i l i d a d e ,

pessoal decidiu pegar o mar assim mesmo, porque tiniia festa, tinha

c a r a c t e r í s t i c a s opostas às da terra, onde, nas p r á t i c a s a g r í c o l a s ,

baile, num sei mais o quê. Quando eles saíram Pontal afora viram

existe u m a m a i o r p r e v i s ã o , d e s d e o plantio a t é a colheita. N a

aquela nuvem de poeira, aquele sarsêro de água salgada que vinha...

pesca, s o b r e t u d o na dos peixes m i g r a t ó r i o s , c o m o a t a i n h a , q u e

Quando a tormenta veio, num deu tempo, as canoas atracaram uma

aparece n o p e r í o d o frio, no e s t u á r i o , os pescadores e s p e r a m q u e

na outra e as velas engancharam uma na outra e as canoas afun-

ela a p a r e ç a e o i m a g i n á r i o local está m a r c a d o por essa e s p e r a .

daram. Morreu todo mundo, e só escapou um para contar a estória.

O "tempo" das espécies importantes está marcada

Os noivos

morreram

juntos,

abraçados..."

(Seu Licínio, do

pelo

s u r g i m e n t o d e f e n ó m e n o s c l i m á t i c o s (o frio, o vento, a cor d a

Costão).

água).

O s perigos d e n a u f r á g i o no m a r n ã o s ã o somente eventos do

onde ele se encontra, e nesse sentido a i m p o n d e r a b i l i d a d e é m u i -

N a pesca embarcada, ao contrário, é necessário ir buscar o peixe passado, mas a m e a ç a m os navegantes locais a i n d a hoje. O perigo

to maior que na pequena pesca. Essa i m p o n d e r a b i l i d a d e n ã o é

é a i n d a m a i o r no mar-de-fora, conforme o relato abaixo:

somente física o u biológica, mas t a m b é m e c o n ó m i c a e social. O preço de peixes como a s a r d i n h a varia de porto a porto e isso

" O barco eu não me lembro, mas o mestre se chamava

Marreco.

determina a renda dos pescadores.

Ele estava na pescaria do cação, aí por fora. Bateu o tempo ruim e

E s s a s n o v a s p r á t i c a s e c o n ó m i c a s e culturais ligadas à pesca

ele não quis nem saber, queria trazer a pescaria toda, quis teimar

embarcada n ã o somente l e v a m a u m maior distanciamento da

com o tempo. Morreu

ele, e a família toda que estava no barco"

(Luís, do Baixio).

terra, como c r i a r a m u m outro tipo de " p r a i a " , como a do C r u z e i l o e m que a quase totalidade dos homens se dedica à pesca e m barcada. C r i a m - s e t a m b é m novos símbolos e imagens, como a do

A p ó s o p e r í o d o das canoas a voga, o mar-de-fora c o m e ç o u a

"mestre", pessoa de prestígio, n ã o somente porque conhece e

d e s e m p e n h a r u m p a p e l central na v i d a de u m a parte importante

domina u m complexo de novos saberes, mas t a m b é m de n o v a s

dos moradores do Saco, quando s u r g i u a pesca da s a r d i n h a pelas

tecnologias: os motores, as redes mais complexas. A l é m disso, tran-

traineiras na Ilha G r a n d e , e alguns moradores c o m e ç a r a m a em-

si tam n u m m u n d o externo inatingível aos pequenos pescadores e

barcar. C o m o se v i u anteriormente, e m algumas praias, sobretu-

'avradores: a grande cidade.

do a do C r u z e i r o , a p o p u l a ç ã o , principalmente a j o v e m , p a s s o u a v i v e r do " e m b a r q u e " . I

C o m e ç o u a existir u m a outra r e p r e s e n t a ç ã o do mar, aquele

!— e s p a ç o distante onde se passa a v i v e r três e m quatro s e m a n a s do m ê s . O e s p a ç o m a r í t i m o p a s s o u a ser u m e s p a ç o de v i d a , do embate do dia a d i a , do lugar onde se ganha a v i d a . A t r a v é s da pesca

O "mestre de p e s c a " , apreciado pela tripulação, tem que ser ^•t»mpetente, isto é, encontrar o peixe e garantir u m a boa pescaria, ••^^sociada a esta qualidade existe u m a outra: a da coragem, sobretudo, no caso do "mestre proeiro", que localiza a " a r d e n t i a " , fosfí>rescência à tona d ' á g u a que revela a p r e s e n ç a dos c a r d u m e s d e ^'irdinha:

o

SIMBOLISMOS, REPRESENTAÇÕES E FESTAS

Nosso LUGAR VIROU PARQUE

"A pessoa prá ser proeiro tem que ter vocação, aguenta temporal

cheia q u a n d o os barcos voltam às praias onde v i v e m o mestre e a

na proa à noite, a noite toda sem dormir. Só tira um cochilo quando

tripulação. É o período de rever os parentes e amigos, trazer dinhei-

vão puxar a rede, aí dá um cochilo" (Licínio, do

ro para casa, presentes para a família e recriar a solidariedade

os tripulantes Costão).

r o m p i d a s temporariamente. O futebol de praia e outras atividades lúdicas representam u m aspecto essencial na c o n v i v ê n c i a e

Para afrontar o mar nas tormentas e tempestades, n o entanto, o " m e s t r e " d e v e confiar e m D e u s :

no i m a g i n á r i o do embarcado. Nesse sentido, a lua cheia n ã o é somente u m f e n ó m e n o físico, mas sobretudo cultural, possibilitando p r á t i c a s sociais e culturais.

" O mestre não pode fazer nada, só pode fazer aquilo que está no

N o entanto, na v i d a de embarcado t a m b é m existe a i m a g e m

alcance dele. Tem que confiar em Deus".

do " r e t o m o à terra", à v i d a e m família, constituidora do sonho de

A l é m disso, o mestre tem que cuidar para manter u m c l i m a de

casa, u m a canoa o u baleeira para pescar como a u t ó n o m o ou trans-

c o o p e r a ç ã o à bordo, sobretudo porque a tripulação, e m geral, é

portar turistas. A l é m desta volta final desejada existem os muitos

voltar c o m dinheiro para comprar material para construir u m a

formada por parentes e amigos. E l e é obrigado a intermediar i n -

retornos, " q u a n d o existe a l g u m a p r e c i s ã o " , q u a n d o o barco entra

teresses conflitantes entre o dono do barco e a tripulação. E aqui

no estaleiro para consertos, durante os períodos de defeso o u quan-

reside u m aspecto fundamental d a o p o s i ç ã o entre terra e mar. A

do a família solicita. Durante esse tempo, há u m retorno t e m p o r á -

pesca na traineira, apesar de ser distinta da pequena pesca, re-

rio à v i d a de terra, ao plantio da " r a m a " , o u ao artesanato.

cria, de a l g u m a forma, as solidariedades e valores existentes em terra, o u a t é na pequena pesca. A p e s a r do sistema de partilha,

"Meu irmão Antonio tá pescando numa traineira, ele e o filho

assalariamento d i s f a r ç a d o , opor dono do barco e tripulação, o

dele. Mas tem também roça. Quando a pesca embarcada fracassa ele

" m e s t r e " , escolhendo a tripulação entre familiares e c o m p a n h e i -

volta prá roça durante uns dois ou três meses. Ele necesssita

ros, recria a teia de relações sociais p r ó p r i a s d a família extensa.

da roça prá alimentar a família dele. Aí ele faz a roça, deixa a roça

muito

N e s s e sentido, os conflitos sociais no interior do barco, causados

limpa e volta para a pesca outra vez. É assim que ele faz, trabalha nas

p o r u m a s e p a r a ç ã o entre os interesses d o s p r o p r i e t á r i o s dos ins-

duas função"

(Dito, do Baixio).

trumentos de p r o d u ç ã o e da força-de-trabalho acham-se mediatiz a d o s pelas r e l a ç õ e s familiares e d e c o m p a n h e i r i s m o existentes no interior das traineiras, por exemplo. U m outro aspecto d a o p o s i ç ã o mar-terra reside na s e p a r a ç ã o

O

TEMPO

DA NATUREZA,

MI-RCANTIL

E O TEMPO

O

DA

TEMPO MEMÓRIA

d a família, da m u l h e r o u i r m ã o durante os longos p e r í o d o s de a u s ê n c i a , d u r a n t e o embarque. A família continua a ser a referên-

^ s s i m como há diversos e s p a ç o s , muitos mares, há t a m b é m tem-

cia m a i o r do embarcado, mas e m terra ela já n ã o é a m e s m a , pois

P^is distintos, marcados seja pela economia de quase subsistên-

a m u l h e r é obrigada a desempenhar outros papéis e responsabili*

cia, seja pelo tempo mercantil. Este é o tempo d e " g a n h a r d i n h e i -

dades na m a n u t e n ç ã o do lar e na e d u c a ç ã o dos filhos. E l a conti-

'• A l g i m s desses tempos, s ã o t a m b é m cíclicos, como o tempo

nua necessitando a i n d a mais da família extensa que a ampa^^

d o v e r ã o , q u a n d o c h e g a m os turistas. Para os moradores, o " t e m -

durante os p e r í o d o s de ausência do chefe familiar. O s laços com a

Píí dos turistas" é u m " c i c l o " novo, que n ã o depende tanto da

terra, representada pelo lar e a família, s ã o reatados durante a lu^

'Natureza, m a s d a vontade dos visitantes. É u m p e r í o d o a n s i a d o e

o

SIMBOLISMOS, REPRESENTAÇÕES E FESTAS

Nosso LUGAR VIROU PARQUE

esperado c o m o aquele e m que se p o d e fazer u m d i n h e i r o extra,

esse " p a s s a d o " c o n t é m , a l é m da s a u d a d e de u m tempo que

c o m a fabricação de p e ç a s de artesanato, c o m o transporte de pas-

acabou... E l a s expressam tudo o que poderia ter s i d o , m a s n ã o

sageiros, c o m serviços junto àqueles que t ê m casa s e c u n d á r i a e

foi, a tristeza de toda a existência que só existe q u a n d o cessa

p a s s a m as férias e m M a m a n g u á .

de ser outra coisa, o pesar de não v i v e r na p a i s a g e m e no tem-

O tempo mercantil, m a i s r á p i d o , é t a m b é m o do correr a t r á s

po evocados pela m ú s i c a . E n f i m , o desejo de algo c o m p l e -

da s a r d i n h a e do c a ç ã o , símbolos da mercadoria. N e s s e tempo, a

tamente diferente do m o m e n t o presente, d e f i n i t i v a m e n t e

natureza já n ã o é m a i s marcada pela " d á d i v a " , m a s pela e x t r a ç ã o

inacessível o u irremediavelmente perdido: o Paraíso. E s q u e -

da mercadoria de seu ambiente natural. Este se transforma tam-

cer-se disso é desconhecer que a vida do h o m e m moderno está

b é m e m e s p a ç o de c o m p e t i ç ã o c o m outros barcos que b a t a l h a m

cheia de mitos s e m i - o l v i d a d o s , de hierofanias decadentes, de

pelo m e s m o peixe. A s políticas governamentais, c o m o a institui-

símbolos abandonados. A d e s s a c r a l i z a ç ã o incessante do ho-

ç ã o do defeso, p e r í o d o e m que n ã o se pode pescar certas espécies,

m e m m o d e r n o alterou o conteildo da sua v i d a espiritual; ela

acelerou o tempo mercantil. É preciso pescar o m á x i m o antes que

n ã o r o m p e u , no entanto, com as matrizes de sua i m a g i n a ç ã o :

v e n h a o defeso. A instituição do " d e f e s o " traz consigo a i m a g e m d a a m e a ç a

todo u m resto de mitologia sobrevive e m z o n a s h u m a n a s m a l controladas" (p.09).

d a d i m i n u i ç ã o do peixe no M a r G r o s s o , já v i v i d a no M a r - d e D e n tro pelos pequenos pescadores, r e f o r ç a n d o a " c a r e s t i a " que caracteriza os tempos de hoje quando comparados ao "antigo", o

T a m b é m , s e g u n d o moradores m a i s velhos, nesse tempo os "antigos" t i n h a m maior conhecimento do m a r que os jovens:

tempo da a b u n d â n c i a . O " t e m p o da fartura" que existiu e m M a m a n g u á até a d é c a d a

"Antigamente

eles conheciam tudo... O povo conhecia o tempo

de 40 se constitui n u m referencial simbólico importante p a r a os

pelos astros, quer dizer, quando olhavam uma estrela, o sol, olhava

moradores m a i s antigos. O s moradores mais velhos têm s a u d a -

na lua, eles sabiam que vento ia dar... Eles observavam o tempo, era

des desse tempo e m que se dizia haver a b u n d â n c i a de tudo:

um pessoal de muita prática. Hoje o mais novo tem aparelho, tem barómetro"

(Seu Z i z i n h o , Ponta do L e ã o ) .

"Essa região produzia muito, o mais forte era banana, cana-deaçúcar, café, feijão, farinha... Era o mais forte. Depois vinlia a criação.

N a m e m ó r i a local, o tempo antigo era t a m b é m o tempo da

Tinha também muito comércio. Cada canoa de voga levava pra An-

união, onde n ã o havia d i v i s ã o entre católicos e protestantes, n ã o

gra 40 sacos de farinha, 2 a 3 barris de pinga. Eu mesmo fazia cO'

havia turistas, u m tempo de maior harmonia.

mércio, trazia banha de porco, que antigamente era isso que usava. Também levava muito peixe... Hoje até farinha tá vindo dc fora. A situação é de calamidade..." (Seu Zizirúio, Ponta do L e ã o ) . E s s a i m a g e m idolatra o passado c o m o u m " t e m p o p a r a d i s í a c o " , hoje p e r d i d o . C o m o afirma Mircea E l i a d e :

"Antes o povo era mais unido. Agora não, agora está dividido" (Seu Z i z i n h o , Ponta do Leão). E s s a última o b s e r v a ç ã o p r o v é m de u m informante de religião católica, pois o conceito de u n i ã o entre os "crentes" é outro: aquela que u n e os " e v a n g é l i c o s " , que se g u i a m pela Bíblia. S e g u n d o

" C o n s t a t a r e m o s que essas imagens i n v o c a m a nostalgia de u m passado mitificado, transformando-o e m a r q u é t i p o , que

Um outro informante católico:

SIMBOLISMOS,

o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

"Quando vem o padre aí o pessoal (católico) nem na igreja não

REPRESENTAÇÕES

E FESTAS

"A Roda de Chiba era a mais divertida, e o pessoal batia o pé,

vão. Mas ali nos crente, eles vão em qualquer hora. Marcou, ói, tal

sapateando no ritmo, fazendo repicado com o pé no chão batido. Já no

dia tem culto na casa de fulano, aí vão todos. Agora qui, os católicos

Caranguejo, batia-se o pé e as mãos, quando se cantava: Olha a mão,

não... Eles fazem uma igreja, vão pregando o Evangelho, a pessoa diz

olha o pé" (Seu Licínio, C o s t ã o ) .

que ficando crente se salva, ai o pessoal vai, acredita naquilo. Eles dizem assim: "ói, se vocês quiséficá na igreja levanta a mão prá cima. E a pessoa levanta a mão, aí fica crente..." (morador católico).

A i n d a persistem a l g u m a s festas tradicionais, c o m o a festa d e Reis.

O tempo antigo é lembrado t a m b é m como u m tempo d e festas

"A Folia de Reis a gente ainda faz ainda porque eu, meu sobri-

que garantiam a solidariedade e a união d o s moradores, todos

nho, meu primo, cantamos. Quando chegamos na casa, cantamos:

católicos. M a y n a r d A r a ú j o (1973) descreve o folclore litorâneo d o S u -

'Se quiser abrir a porta, abra já sem demora, pois voismecê num sabe quanto custa andá de noite pra fora' " (Seu Licínio, C o s t ã o ) .

deste c o m o pertencente à área do ubá (canoa) e m c o n t r a p o s i ç ã o à área d e jangada no Nordeste. Muitas das d a n ç a s e festas mencionadas pelos moradores s ã o c o m u n s ao litoral e ao V a l e do Paraíba.

S e g u n d o u m morador (católico), h a v i a t a m b é m a festa d e São Roque, d e S ã o Benedito, São J o ã o .

G r a n d e parte d a s festas profanas e religiosas tradicionais, l i gadas ao catolicismo, no entanto, n ã o existem mais. E n t r e as festas religiosas que desapareceram está a Bandeira d o D i v i n o ' .

"A festa era organizada. Tinha os festeiros, o ajudante, tinha o juiz, o ajudante de juiz. Tinha tudo, todo mundo ajudava um pouco e fazia aquela festança e o povo ia tudo naquele local. Aí tinha fogos,

"Antes tinha também a Bandeira do Divino que começava no

comida, bebida... Mas hoje acabou".

Pouso da Cajaãm, passava por essas praias todas e chegava a Parati. A bandeira era enfeitada com flô, com a pombinha do Divino, que cantava de casa em casa. O pessoal ouvia a cantoria e dava uma

Por outro lado, existe a crítica dos bailes de hoje, diferentes daqueles d e antigamente, q u a n d o h a v i a "respeito".

oferta pro Divino. O pessoal só bebia quando pousava numa casa, pra fazer o baile" (Seu Licínio, C o s t ã o ) .

"Depois que entrou essas dança nova, o sinhô não vai leva sua esposa, suafúha num baile desses, tem muita bebedeira.

Entre as m ú s i c a s e d a n ç a s que desapareceram, m a s s ã o l e m -

Antigamen-

te era respeito, respeitava os mais velhos" (morador católico).

b r a d a s pelos m a i s velhos, está o Caranguejo e a R o d a d e C h i b a ^: O f i m dessas festas está associado ao crescimento d o n ú m e r o '

M a y n a r d de Araújo afirma que as festas do Divino, no litoral leste de S ã o Paulo, se d a v a m após a safra da tainha, no contrário d c outras regiões interioraneas nas quais se seguiam ao ciclo agrícola.

- Roda d c Xiba o u Chiba, também chamada de Cateretê, é comandada por dois violeiros, denominados d c mestre c contra-mestre. O primeiro escolhe a " m o d a " a ser cantada, fazendo o contra-mestre n segunda voz. T a m bém há o "tirado de sapateado" que comanda o sapateado. (Maynard de Araújo, 1973)

de igrejas crentes e m M a m a n g u á , que preferem organizar s u a s p r ó p r i a s festas religiosas: "Tem muita gente que passou pra Assembleia de Deus, deixando de cantar essas coisas. Se a gente cantar na casa deles, não acham ruim, mas cantar, não cantam" (Seu Licínio, C o s t ã o ) .

139

SIMBOLISMOS, REPRESENTAÇÕES

o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

E FESTAS

C o m o pode ser visto pela Tabela 2 8 grande parte da p o p u l a ç ã o

se a c h a m hoje confrontados com mitos modernos conservacionistas

participa hoje somente de festas católicas (Santa C r u z , p a d r o e i r a

relativos às áreas naturais protegidas. C o n s i d e r a n d o - s e a

d o C r u z e i r o ) e festas evangélicas. U m a porcentagem significativa

i m p o r t â n c i a da simbiose homem-ciclos naturais existentes n a s

n ã o participa de festas ( 2 5 , 7 % ) e somente 1 7 , 1 % dos chefes de

culturas tradicionais, a n o ç ã o de E s t a ç ã o Ecológica que n ã o l e v a

família p a r t i c i p a m de bailes.

e m conta a história dos moradores é i n c o m p r e e n s í v e l e inaceitável. A disjunção forçada entre a natureza e a cultura tradicional, onde os moradores p o d e r ã o sofrer restrições e m s u a s atividades

Tabela 28 - Festas que Participam os Chefes de Família S.

CRUZ

do fazer patrimonial, e t a m b é m do saber, representa a i m p o s i ç ã o

EVANG.

de u m mito moderno: o d a natureza intocada e intocável, p r ó p r i o

TOTAL

REIS

Continental

10



30,0%

10.0%

sociedades tradicionais. N e s s a linha de pensamento, o c h a m a d o

Fundo do Saco

05



20.0%



" t u r i s m o e c o l ó g i c o " , que se iniciou recentemente na r e g i ã o , está

Peninsular

20

5.0%

40.0%

15.0%

TOTAL

35

2,8%

34,2%

11,4%

MARGEM

da sociedade urbano-industrial sobre os mitos e s i m b o l i s m o s das

t a m b é m i m b u í d o desse mito moderno da natureza s e l v a g e m , a ser d e s v e n d a d a por u n s poucos privilegiados. E m 1 9 9 2 , foi criada a ASSOCIAÇÀO OOS M O R A D O R E S D E M A M A N G U Á ,

abrigando tanto turistas como habitantes do local. A A M A M , no entanto, parece ter dificuldades e m se legihmar porque é vista,

Tabela 28 MARGEM

(cont.) - Festas que TOTAL

Participam os Chefes de Família BAILE

OUTRA

NÃO

PART

Continental

10

10,0%

40.0%

10.0%

Fundo do Saco

05





60.0%

Peninsular

20

25,0%



25,0%

TOTAL

35

17.1%

11.4%

25.7%

O b s . : As pessoas podem pardcipar de mais de um tipo de festa.

O futebol é o esporte mais praticado no local, especialmente, n o bairro de Regate, onde existe u m campo de futebol e m que jogam equipes locais e de fora. A s praias, sobretudo, a do C r u z e i r o , gan h a m a n i m a ç ã o durante as semanas de lua cheia, q u a n d o os e m barcados e m traineiras n ã o pescam e voltam para suas casas. Finalmente, como foi discutido e m outro trabalho (Diegues, 1 9 9 4 ) , os mitos a n t r o p o m ó r f i c o s dessas p o p u l a ç õ e s tradicionais

por a l g u n s moradores, como inspirada por "gente de fora". A t é agora, n ã o c o n s e g u i u mobilizar os moradores e m torno de seus problemas básicos, à e x c e ç ã o de algumas iniciativas para i m p e dir o arrasto de c a m a r ã o dentro da área estuarina.

o

N i i s s o L L C . A K V I K O L l*AKyui.

2 Cisternas >\ccsso

à T^erra c

f^ecursos

C

dc aos

fSjaturaís

OMO POPE SE CONSTATAR pela Tabela 29,34,5%

declararam-se

d o n o s da posse e m que m o r a m , 28% s ã o donos somente do

terreno d a casa e 37,5% n ã o têm mais posse da terra. São

raros os moradores que têm d o c u m e n t a ç ã o legal de s u a s

posses. U m n ú m e r o considerável deles v e n d e r a m suas posses a pessoas d e fora, sejam turistas o u especuladores, continuando a viver na terra como caseiros ou ocupantes. A r e g u l a r i z a ç ã o das posses é feita, e m geral, quando esta é v e n d i d a para turistas. A s melhores praias que se situam mais p r ó x i m a s à entrada do Saco, sendo portanto as mais valorizadas, já foram v e n d i d a s a turistas ou a grandes especuladores imobiliários, sobretudo na M a r g e m P e n i n s u l a r (Praias do E n g e n h o , Praia d a R o m a n a , Baixio). N a M a r g e m Continental, as casas de turistas se concentram na Praia G r a n d e e na Praia das Pacas.

o

S I S T E M A S DE A C E S S O À T E R R A

Nosso LUGAR VIROU PARQUE Tabela 29 - Situação da Posse da Terra em Porcentagem

O importante a se ressaltar é que muitas das terras s ã o consideradas de uso c o m u m , na m e d i d a e m que as mais distantes s ã o

SEM POSSE E CASA

DONO DA POSSE

DONO DA CASA

Continental

37,5%

0%

62,5%

Fundo do Saco

66,8%

16.6%

16,6%

Peninsular

22.2%

44.4%

33.3%

MARGEM

TOTAL

34.5%

28.0%

37,6%

tidas como " s e m d o n o " . O terreno tido enquanto posse i n d i v i d u a l o u familiar é sobretudo aquele c o n t í g u o ao mar, onde está a casa. Q u a n d o essa posse é v e n d i d a costumam-se anexar terras "sem

v a l o r " , aquelas que se encontram nas encostas acima das

casas, onde se fazia agricultura. Daí se explicam as marcas das d i v i s a s dos terrenos dos turistas, r o ç a d a s e l i m p a s , que s o b e m as encostas dos morros as quais anteriormente n ã o existiam, e que hoje p o d e m ser vistas de barco, ao se adentrar o Saco d e M a m a n g u á . O s c a i ç a r a s n ã o c o s t u m a m marcar suas posses c o m cer-

E m a l g u n s casos, como ocorreu na Praia G r a n d e , os antigos

cas ou "linhas de divisa".

...........

moradores, a p ó s v e n d e r e m suas posses na praia foram m o r a r

N o entanto, a questão do acesso aos recursos naturais n ã o se

morro a c i m a . O m e s m o parece ter ocorrido na Praia R o m a n a e na

restringe unicamente à terra, mas t a m b é m a territórios de uso

Praia das A n t a s , na M a r g e m Peninsular.

c o m u m como os m a n g u e z a i s , os caxetais , os bancos de b i v a l v e s

A l g u n s dos grandes especuladores imobiliários de M a m a n g u á

nos baixios e o p r ó p r i o corpo de á g u a . Esses e s p a ç o s s ã o tradi-

p e r m i t e m que os moradores dos quais c o m p r a r a m as posses per-

cionalmente usados pelos caiçaras de forma c o m u n i t á r i a . Daí, a

m a n e ç a m e m suas casas, e m contrato de tempo determinado (cerca

r e a ç ã o negativa demonstrada contra os "coletores" de carangue-

de 4 anos, r e n o v á v e i s ) . Estes s ã o chamados, c o m frequência, a

jo que v ê m de fora predar esses recursos do m a n g u e .

testemunhar e m juízo, e m favor do "grileiro", q u a n d o este a v a n -

O estabelecimento da Reserva Ecológica tem u m efeito d u p l o

ça as d i v i s a s sobre outras posses. C o m o esses moradores v i v e m

sobre essas formas tradicionais de a p r o p r i a ç ã o do e s p a ç o c o m u -

" d e f a v o r " do grileiro, dificilmente se r e c u s a m a ir ao c a r t ó r i o

nitário. D e u m lado, pode i m p e d i r a a p r o p r i a ç ã o desses e s p a ç o s

testemunhar e m favor da " g r i l a g e m " .

pela e s p e c u l a ç ã o imobiliária, e a e x p r o p r i a ç ã o dos moradores ao

O s moradores continuam plantando suas r o ç a s nos terrenos

d e cl a rá - l o s "area non-aedificandi". D e outro lado, trata-se da i m p o -

mais elevados e mais afastados da praia, considerados terrenos

sição de u m e s p a ç o territorial público (o da Reserva) sobre os es-

sem dono. E s s e s n ã o s ã o considerados "posses i n d i v i d u a i s " , m a s

p a ç o s c o m u n i t á r i o s , restringindo o uso dos recursos naturais.

são o c u p a d o s durante a l g u m tempo e abandonados q u a n d o a

N e s s e sentido, essa s u p e r p o s i ç ã o é vista pelos moradores como a

p r o d u t i v i d a d e d a terra decai. Esses, depois de a l g u n s anos, s ã o

u s u r p a ç ã o de seus direitos de acesso aos recursos, enquanto co-

l i m p o s de novo para plantio.

m u n i t á r i o s . E s s a u s u r p a ç ã o é tanto mais grave q u a n d o se justifi-

E s s e uso c o m u n a l das terras para agricultura se reflete nos depoimentos dos moradores:

ca essa c r i a ç ã o de e s p a ç o s territoriais públicos e m benefício d a " c o n s e r v a ç ã o " , " d a biodiversidade" ou dos "interesses n a c i o n a i s " frequentemente confundidos com a necessidade de lazer das po-

"Quantas pessoas já vieram e plantaram no mesmo lugar que outro tinha plantado, depois que o mato prosperou.

p u l a ç õ e s urbanas. A s comunidades tradicionais têm t a m b é m u m a

Depois aquele

r e p r e s e n t a ç ã o simbólica dos e s p a ç o s que lhes fornecem os meios

que tinha plantado saiu e entrou um outro para fazer sua roça. Nun-

de subsistência, os meios de trabalho e p r o d u ç ã o e as c o n d i ç õ e s

ca nenhuma reclamação houve" (Dito, do Baixio).

materiais d e sua r e p r o d u ç ã o social e simbólica. A a m e a ç a d a ex-

o

Nosso L U G A R V I R O U

SISTEMAS DE A C E S S O À T E R R A

PARQUE

p u i s ã o de seus territórios traz intranquilidade às p o p u l a ç õ e s locais que t r a d u z e m seu descontamento com u m a sobre-exploraç ã o dos recursos naturais que consideram como pertencentes ao G o v e r n o , à Polícia Florestal, depois da i m p l a n t a ç ã o das á r e a s naturais protegidas.

r e c u r s o s n a t u r a i s r e n o v á v e i s que g a r a n t e m s u a s u b s i s t ê n c i a , demograficamente pouco densas e com v i n c u l a ç õ e s mais o u menos limitadas c o m o mercado. Esses arranjos s ã o p e r m e a d o s por u m a extensa teia de parentesco, de compadrio, de ajuda m ú t u a , de normas e valores sociais que privilegiam a solidariedade intra-

Existe aí u m a v i s ã o conflitante entre o e s p a ç o público e e s p a ç o

grupal. E x i s t e m t a m b é m normas de e x c l u s ã o de acesso aos recur-

c o m u n i t á r i o , s e g u n d o perspectivas distintas e até opostas: a do

sos naturais por parte dos " n ã o c o m u n i t á r i o s " . Estes, por s u a v e z ,

E s t a d o , representando interesses das p o p u l a ç õ e s u r b a n o - i n d u s -

p o d e m ganhar acesso a e s p a ç o s e recursos de uso c o m u m , desde

triais, e a das sociedades tradicionais. N a verdade, o que está implí-

que, de a l g u m a forma, p a s s e m a fazer parte da c o m u n i d a d e (atra-

cito é que estas d e v e r i a m "sacrificar-se" para dotar as p o p u l a ç õ e s

vés do casamento, compadrio, e t c ) .

urbano-industriais de e s p a ç o s naturais, de lazer e "contato c o m a natureza s e l v a g e m " . O u ainda, segundo u m a v e r s ã o mais moderna dos objetivos das á r e a s naturais protegidas de uso restrito: proteger a biodiversidade.

que r e g u l a m o acesso aos recursos naturais, i m p e d i n d o s u a deg r a d a ç ã o . E s s a s normas existem tanto e m ecossistemas ter-restres (períodos de interdição da caça) e costeiros (limitação de p e r í o d o s ,

M c K e a n (1989) distingue seis tipos diferentes de p r o p r i e d a d e d o s q u a i s três s ã o relevantes para esta a n á l i s e : a p r o p r i e d a d e p r i v a d a i n d i v i d u a l , a p r o p r i e d a d e pública ( á r e a s n a t u r a i s protegidas), e a p r o p r i e d a d e c o m u m , o u formas c o m u n a i s o u c o m u n i t á r i a s d e a p r o p r i a ç ã o de e s p a ç o s o u recursos n a t u r a i s , sobretudo os r e n o v á v e i s . E s s e ú l t i m o tipo de acesso e a p r o p r i a ç ã o é d e n o m i n a d o , c o m o " p r o p r i e d a d e c o m u m " (common property, no conceito d e H a r d i n , 1968; o u "commons",

H á a i n d a mitos, valores e normas e interdições c o m u n i t á r i a s

M c K a y & Acheson,

1987).

acesso aos recursos controlado pelo "segredo"). E s s e tipo de s i t u a ç ã o contradiz a teoria da " T r a g é d i a dos C o m u n s " , elaborada por H a r d i n (1968), segundo a qual, no regime de propriedade c o m u m , haveria u m a consequente d e g r a d a ç ã o dos recursos naturais, pois cada usuário tenderia a s o b r e - e x p l o t á - l o s . Para evitar a queda dos rendimentos haveria a necessidade de i n t e r v e n ç ã o controladora do Estado, o u a i m p l a n t a ç ã o d a propriedade p r i v a d a . N o entanto, a experiência tem demonstrado que os p r o p r i e t á r i o s i n d i v i d u a i s o u as empresas d e g r a d a m os

Essa última modalidade, a dos "comimitários", é a que até recen-

recursos naturais dentro de suas propriedades e que o p r ó p r i o

temente apresentava a menor visibilidade social e política, u m a

E s t a d o tem criado políticas que s ã o degradadoras do ambiente

vez que existe e m regiões relativamente isoladas, sendo caracterís-

(caso da A m a z ó n i a ) .

tica de c o m u n i d a d e s tradicionais, como a " c a i ç a r a " , dos jangadeiros, dos ribeirinhos, etc. E s s a s formas de a p r o p r i a ç ã o c o m u m d e e s p a ç o s e recursos naturais r e n o v á v e i s se caracterizam pela utilização c o m u n a l ( c o m u m , c o m u n i t á r i a ) de determinados espaços e recursos a t r a v é s do extrativismo vegetal (cipós, fibras, ervas medicinais da floresta), do extrativismo a n i m a l (caça e pesca), e da pequena agricultura itinerante. A l é m dos e s p a ç o s usados e m c o m u m , p o d e m existir os que s ã o apropriados pela família o u pelo i n d i v í d u o , c o m o o e s p a ç o d o m é s t i c o (casa, horta, etc.) que, geralmente, existem e m comunidades com forte d e p e n d ê n c i a do uso de

Por outro lado, a literatura recente ( M c K a y & A c h e s o n , 1987) tem registrado e analisado u m n ú m e r o considerável, no m u n d o iiTteiro, de formas comunais de acesso a e s p a ç o s e recursos que asseguram u m uso adequado e sustentável dos recursos naturais e c o n s e r v a m os ecossistemas, gerando modos d c v i d a socialmente equitativos (ainda que n ã o necessariamente afluentes). O que tem ocorrido, geralmente, é a " t r a g é d i a dos c o m u n i tários" ( M c K a y & A c h e s o n , 1987), que s ã o expulsos de seus territórios pela e x p a n s ã o das grandes c o r p o r a ç õ e s , pela i m p l a n t a ç ã o de " g r a n d e s projetos" (hidroelétricas, de m i n e r a ç ã o ) e até pelo esta-

o

S I S T E M A S DE A C E S S O À T E R R A

Nosso LUGAR VIROU PARQUE

belecimento de " e s p a ç o s p ú b l i c o s " (áreas de p r o t e ç ã o restritivas)

O autor afirma t a m b é m que e m Itaipu,

sobre os e s p a ç o s c o m u n i t á r i o s . E m a l g u n s casos, existem conflitos entre usos tradicionais de

"o e s p a ç o do público, do coletivo é o e s p a ç o do confronto

territórios anteriormente considerados de uso das c o m u n i d a d e s ,

d e v á r i o s c ó d i g o s , lutando pela hegemonia, ao passo que na

e a cheg ada de outros u s u á r i o s , os turistas que d i s p u t a m u m es-

praia americana, a 'diferença' é o símbolo da igualdade. C o n -

p a ç o p ú b l i c o , a praia. L i m a (1989) compara o uso d a praia de

cebendo-se radicalmente diferentes, os i ndi v í duo s a s s u m e m

Itaipu (Rj) para a pesca tradicional d a tainha c o m a da praia e m

s u a identidade política como verdadeiras e últimas u n i d a d e s

Massachusetts ( E U A ) . N o p r i m e i r o caso, existem regras tradicio-

do poder. A c r e d i t a m existir e atualizar u m a o r d e m que, sub-

nais que regem a prioridade dos l a nç os de rede na praia pelos

metendo a todos por igual, permite que c o n v i v a m , embora se-

pescadores artesanais, pelo sistema de "direito à v e z " , que orde-

paradamente."

(p.l4)

na os d i v e r s o s interessados na e x p l o r a ç ã o de u m a área c o m u m : a p r a i a . Para o e x e r c í c i o dessa pescaria, a praia é d i v i d i d a e m

É possível fazer u m a c o m p a r a ç ã o entre a a p r o p r i a ç ã o do es-

" p o n t o s " , referidos à história local ou a acidentes g e o g r á f i c o s

p a ç o coletivo, usado pelos pescadores tradicionais de Itaipu c o m

sobre os q u a i s se assenta u m conjunto de n o r m a s que v i s a m

a a p r o p r i a ç ã o de u m e s p a ç o coletivo tradicional pelo Estado ao

c o m p a t i b i l i z a r a existência de diversos grupos de pescadores.

t r a n s f o r m á - l o e m u n i d a d e de c o n s e r v a ç ã o . A cr i ação de parques

E s s a h a r m o n i a é quebrada, p o r é m , nos fins de s e m a n a , c o m o

nacionais, c o m o consequente afastamento f o r ç a d o das p o p u l a -

afluxo dos turistas, o que gera conflitos entre o pescadores e v i s i -

ções tradicionais, e m benefício de u m a c o n s e r v a ç ã o ambiental que

tantes, c o m frequentes danos aos aparelhos de pesca. A única

privilegia os "visitantes urbanos", é eticamente questionável. N a

forma d e c o n v i v ê n c i a é a troca de s e r v i ç o s pela q u a l os banhistas

maioria das vezes, é u m a u s u r p a ç ã o de e s p a ç o s coletivos, habita-

a j u d a m na lida pesqueira.

d o s por p o p u l a ç õ e s c o m g r a n d e t r a d i ç ã o de saber e fazeres

A l é m disso, o autor menciona a a p r o p r i a ç ã o de parte da praia

patrimoniais, e m benefício de u m mito moderno que favorece as

por grupos imobiliários que alijaram os pescadores de seu e s p a ç o

p o p u l a ç õ e s urbanas que u s a m o parque para passear, se divertir.

c o m u n i t á r i o de trabalho, tendo nesse processo a c o n c o r d â n c i a do

A s i t u a ç ã o está se tornando mais grave a i n d a q u a n d o sob o pre-

poder público. A p e s a r da praia, segundo a C o n st i t u i çã o brasilei-

texto de u m turismo chamado " e c o l ó g i c o " , as á r e a s que seriam

ra, ser u m bem público, acabou sendo privatizada sob a a l e g a ç ã o

" p ro t e g i d a s" e "intocadas" p a s s a m a ser local de u m turismo de

que beneficiaria u m grande n ú m e r o de c o n d ó m i n o s .

" a v e n t u r a " . É tanto mais inaceitável quando se trata de p o p u l a -

Já e m Massachussetts, ao se pagar o ingresso à praia, todos se

ç õ e s e m s u a grande maioria iletradas, geograficamente isoladas,

tornam iguais, apesar de cada banhista procurar seu nicho parti-

sem poder político, mas que por séculos, a t r a v é s de seu m o d o de

cular onde n ã o deseja ser importunado. C o m o afirma L i m a (1989):

v i d a s ã o r e s p o n s á v e i s pela c o n s e r v a ç ã o do c h a m a d o

"mundo

n a t u r a l " . Isso é mais grave quando se sabe que a p e r m a n ê n c i a " A o c o n t r á r i o do que acontece na Itaipu tradicional, onde

dessa p o p u l a ç ã o tradicional e m seus habitats pode levar, de for-

os diferentes grupos se a m o l d a m e f u n d e m e m torno de u m a

ma mais adequada, à c o n s e r v a ç ã o da biodiversidade. Trata-se,

identidade única, sendo a igualdade atingida pela pertinência

no final, de u m a q u e s t ã o ética, de direitos h u m a n o s e d a constru-

a u m grupo e esta espelhada na s e m e l h a n ç a de seus compo-

ç ã o de u m a democracia real no Brasil.

nentes, aqui é o direito à diferença que define a igualdade. S o u igual porque tenho o direito a ser diferente" ( p . l 4 ) .

L i m a finaliza s e u artigo afirmando que:

o

Nosso LUGAR VIROU

"Há

PARQUE

S I S T K M A S Dl- A c i S S t . ) A T l K R A

que inventar formas de conferir direitos e c i d a d a n i a a

essas diferentes c o n c e p ç õ e s de o r g a n i z a ç ã o social, por tanto tempo ocultas aos olhos do poder. M a s há t a m b é m , ao fazer isto, de respeitar-lhes as regras internas, n ã o submetendo-as necessariamente a u m olhar controlador. É preciso entender que essas diferenças foram até hoje capazes de subsistir, apropriando-se de parcelas de poder, reproduzindo-se, apesar de seu n ã o - r e c o n h e c i m e n t o . Instituí-las como sujeitos explícitos d o processo político s e m reduzi-las ao m e s m o , eis o desafio que a o r d e m jurídica d e v e r á superar para tornar-se reflexo de uma

sociedade solidária e fundada na tolerância do outro,

pronta a aprender c o m ele e a olhar-se nele, como, afinal, n ó s , a n t r o p ó l o g o s , pretendemos ter a p r e n d i d o . " ( p . l 7 ) N o s ú l t i m o s anos,

muitas dessas c o m u n i d a d e s tradicionais

têm reagido às a m e a ç a s o u à d e s p o s s e s s ã o de seus e s p a ç o s c o m u nais, repensando, redimensionando e até reconstruindo os "com u n s " . U m desse exemplos de novos " c o m u n s " r e c o n s t r u í d o s é o das "reservas extrativistas da A m a z ó n i a " .

Toto 15. i ' f s c a Ac- .ivmsta Saco do Mamanguá, F'arati
-9 A

Vida do Lugar

5 c n t í d a pelos M o r a d o r e s

M

AMANCL/Â É VISTO HOJE, pela maioria dos moradores, como u m lugar de c a r ê n c i a s , carestia, de dificuldades v á r i a s e

até de abandono. A m i g r a ç ã o ainda é vista por muitos como u m a s o l u ç ã o para seus problemas, apesar da i m a g e m negativa que apresentam os cortiços das Ilha das C o b r a s , onde v a i m o r a r a maioria dos ex-moradores do lugar. C o m o pode ser verificado pela Tabela 30, os problemas básicos sentidos pelos moradores se t r a d u z e m nas d i f i c u l d a d e s crescentes e m melhorar suas c o n d i ç õ e s básicas de v i d a , como a insuficiência de serviços m é d i c o s (citada por 20%), e de transporte (citada por 31,4 % ) . O s problemas de s a ú d e s ã o particularmente graves e m toda a á r e a , sobretudo pelas m á s c o n d i ç õ e s sanitárias, u m a vez que n ã o existe á g u a tratada e poucos moradores tem fossas séticas o u esgotos. N a maioria das vezes as á g u a s s ã o coletadas e m riachos

o

A

Nosso L u c A i í VIROU PARQUE

Tabela 30 - Problema MARGEM

CHEFES

Continental

10

Fundo do Saco

Segundo os Chefes de ARRASTO

COL.

c i d o , m u i t o s tem d i f i c u l d a d e s financeiras e m pagar o frete. Aí

FUNDIÁRIO

70.0%

20.0%

20,0%

05

100,0%

20.0%



Peninsular

20

50.0%

15.0%

15,0%

TOTAL

35

62.8%

17.1%

14.2%

Tabela 30 (cont.) - Problema MARGEM

MOSQUITO

Segundo os Chefes de Famílias TRANSR

OUTROS



20.0%



40.0%

20.0%

60.0%

20,0%

Peninsular



30.0%

30,0%

5.0%

TOTAL

5.7%

20.0%

31.4%

5.7%

Continental Fundo d o Saco

SAÚDE

DO L U G A R

transporte n u m barco motorizado de a l g u m parente o u conhe-

Famílias

PRED.

VIDA

O b s , : O s entrevistados podem ter citado mais de um problema cada um.

entra o p a p e l de a l g u n s turistas que tem barcos m o t o r i z a d o s que são

d e i x a d o s c o m os c a s e i r o s e q u e s e r v e m t a m b é m c o m o

transporte. N u m caso, a única trilha da M a r g e m P e n i n s u l a r teve seu t r a ç a d o tradicional alterado por p a s s a r na praia de u m prop r i e t á r i o de fora, tendo este feito u m outro c a m i n h o , m a i s p e n o so por se tratar de u m a s u b i d a í n g r e m e . N o entanto, porque cede seu barco p a r a o transporte de doentes, o referido p r o p r i e t á r i o é "desculpado". Há t a m b é m u m a grande p r e o c u p a ç ã o com a prática de arrasto de c a m a r ã o no Saco, citada por 62,8% dos entrevistados e c o m a coleta i n d i s c r i m i n a d a de caranguejo, palmito e outras espécies da mata, particularmente por pessoas de fora do lugar. "Com esse negócio de arrastão, nem com rede de espera a gente mata peixe. ÁJites, a gente botava rede de espera, e tinha peixe que nem jabuticaba no galho" (Seu Dito, Baixio de dentro). C o m o pode ser visto, pela Tabela 30, a p e r c e p ç ã o do arrasto ilegal é visto como problema grave sobretudo pelos que sobrevivem da pesca de subsistência (Fundo do Saco e M a r g e m C o n t i n e n -

que descem das montanhas, e m princípio, de á g u a p u r a . N o entan-

tal). O conflito c o m os barcos de arrasto teve momentos críticos

to, no momento da c a p t a ç ã o , os tanques ficam descobertos e a

no passado, q u a n d o alguns pescadores locais l a n ç a r a m no fundo

á g u a t a m b é m usada por animais, selvagens o u domesticados. Por

das á g u a s troncos de á r v o r e s com ferros pontiagudos para rasgar

outro lado, parte dos moradores defeca e m p r o x i m i d a d e s dos

as redes. E s s e s troncos foram localizados e retirados da á g u a e

riachos, o que tem causado várias enfermidades transmissíveis

levados para Parati, sendo mostrados como " t r o f é u s " no porto de

como a hepatite. A l é m disso, foram constatados, tanto e m turis-

Parati. A l é m disso, os pescadores de M a m a n g u á foram seriamen-

tas como e m moradores casos de leishmaniose, espécie de úlcera

te a m e a ç a d o s pelos donos de barcos de arrasto. C o m o alguns dos

de pele que se n ã o tratada apropriadamente pode trazer proble-

donos desses barcos, e m Parati, s ã o t a m b é m compradores de pei-

mas sérios à s a ú d e . O fato do r e c é m c o n s t r u í d o posto de s a ú d e

xe de M a m a n g u á , a situação se toma complexa, u m a v e z que os

não ter m é d i c o o u r e m é d i o s t a m b é m n ã o tem colaborado para

comerciantes locais de peixe dependem dos compradores da cida-

uma melhoria das c o n d i ç õ e s de s a ú d e local.

de. A q u e l e s poucos pescadores locais que tem bote motorizado

A s s o c i a d a às c a r ê n c i a s de s a ú d e está a falta de transporte re-

usado para arrasto s ã o , no entanto, os mais afluentes e influentes,

g u l a r para l e v a r os doentes à cidade de Parati, onde p o d e m ter

e tentam desqualificar o arrasto de c a m a r ã o no interior do Saco

a l g u m tratamento, a i n d a q u e p r e c á r i o . Se n ã o c o n s e g u e m o

como prejudicial. N o entanto, todos reconhecem que q u a n d o o

o

A

Nosso LUGAR VIROU PARQUE

V I D A DO L U G A R

I B A M A r e p r i m i u recentemente os arrastos, durante o p e r í o d o d e

tem mais terra? Porque, atitigajuente, quem não era dono, ia plantar

defeso, a disponibilidade de peixes para a pequena pesca a u m e n -

no terreno de outro, do Estado. Um terreno que não tinha dono, mas

tou visivelmente.

o nego vinha e fazia a casa dele, fazia uma posse. Agora, não entra,

O ataque d o s mosquitos foi t a m b é m citado, particularmente pelos moradores p r ó x i m o s do mangue, como é o caso do F u n d o

quem vendeu e saiu não pode voltar mais" (Seu Z i z i n h o , Ponta do Leão).

do Saco O problema fundiário, particularmente a e x p u l s ã o de m o r a -

U m a q u e s t ã o particular d i z respeito ao p a p e l d e s e m p e n h a d o

dores de s u a s terras, e o consequente desvio dos c a m i n h o s tradi-

pelos turistas e a í as opiniões se d i v i d e m , como se p o d e verificar

cionais por haristas que c o m p r a r a m posses foi lembrado como u m

pela tabela abaixo:

dos problemas sérios do lugar. E l e parece ser mais importante na Tabela 31

M a r g e m P e n i n s u l a r e Continental que no F u n d o do Saco, pois a í a p r e s s ã o turística é menor que nas outras áreas. E s s a p r e o c u p a ç ã o c o m os problemas de terra se acentua porque c o m e ç a m a escassear terrenos para o plantio, u m a v e z que os

cie de terras cada v e z maior e m m ã o s dos turistas que i m p e d e m o

ATRAPALHAM

AMBOS

SEM RESR

20.0%

10.0%

10.0%



40,0%



TUTAL

AJUDAM

Continental

10

60.0%

Fundo do Saco

05

60.0%

Peninsular

20

55.0%

5.0%

35.0%

5.0%

TOTAL

35

57.1%

8.5%

28.5%

5.7%

MARGEM

proprietários-turistas dificultam a agricultura e m s u a s terras, antes usadas para o cultivo da mandioca e outras espécies. A superfí-

- Opinião sobre Turismo

cultivo de m a n d i o c a tem levado a u m a r e g e n e r a ç ã o m a i s r á p i d a d a v e g e t a ç ã o nas encostas e isso se pode constatar m a i s v i s i v e l mente na M a r g e m Continental. T a m b é m em r a z ã o desse processo, os terrenos disponíveis para cultivo o u se s i t u a m distantes de

I n d a g a d o s a respeito do turismo, 57,1% a f i r m a m que este traz

s u a s casas o u e m c o n d i ç õ e s difíceis para o cultivo (encostas). Por

benefícios para o lugar, 8,5% s ã o de opinião que traz prejuízos.

outro lado, pelo menos u m morador-lavrador da M a r g e m P e n i n -

C e r c a d e 28,5% (indicado na tabela como " a m b o s " ) a f i r m a m que

s u l a r a u m e n t o u drasticamente sua á r e a de cultivo c o m u m gran-

o turismo p o d e trazer benefícios m a s t a m b é m prejuízos ao lugar.

de desmatamento n u m a área de " t i g u e r a " nas encostas p r ó x i m a s

Mais de u m terço dos moradores do F u n d o do Saco e da M a r g e m

à Ponta do B a n a n a l , c o m o intuito de garantir a posse da terra

Peninsular e s t ã o nessa categoria, talvez por d e p e n d e r e m menos

que, aparentemente pertencia a u m parente seu que tinha migra-

dos turistas que têm casa no local e que preferem as praias m a i s

do para Parati e n ã o tinha aparecido mais no lugar.

arenosas p r ó x i m a s à barra. Já na M a r g e m C o n t i n e n t a l , onde a

M u i t o s moradores criticam os que v e n d e r a m suas posses por terem feito u m m a u negócio, tendo indo v i v e r e m Parati, pois tamb é m ali v i v e m miseravelmente, n ã o p o d e n d o m a i s voltar ao l u -

d e p e n d ê n c i a do turismo é maior, este n ã o é visto negativamente. O s que o b s e r v a m aspectos negativos no turismo se e x p r e s s a m da seguinte forma:

gar onde n ã o tem m a i s casa o u terra. "Não, o turismo não ajuda (...). Porque, vamos supor, o senhor " O pessoa fizeram o seguinte: venderam e não puderam

comprar

está aqui, veio de fora, compra um peixe, só isso. Porque o senhor não

outra terra. Acabaram com o dinheiro, que o dinheiro era muito pou-

vem de lá piara comprar farinha, feijão aqui. Traz de fora tudo. Quem

co. Venderam e foram para Parati, e como vão voltar agora, se não

compra terra aqui, não deixa plantar banana, mandioca. Então a

o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

mercadoria tem que vir de fora, mas com o custo de vida do jeito que está, o povo do lugar não tem condições de comprar" (Seu Z i z i n h o , Ponta do L e ã o ) .

10

O s moradores, apesar de perceberem os problemas e s u a grav i d a d e , n ã o sabem a q u e m recorrer para resolvê-los. Q u a s e sempre colocam a causa de sua carência e pobreza na falta d e interesse d o prefeito e d e outras autoridades e m resolvê-los. O Saco d e M a m a n g u á sequer tem u m vereador na C â m a r a d e Parati, e nas

/ \a g e o l ó g i c a d a

últimas eleições muitos preferiram votar n u m grande comerciante d e pescado e dono de barco, residente na sede. Em

1992,

Juatinga:

foi c r i a d a a A S S O C I A Ç Ã O DOS M O R A D O R E S D E M A M A N -

GUÁ, abrigando tanto turistas como habitantes d o local. A A M A M ,

de Á r e a

no entanto, parece ter dificuldades e m se legitimar porque é vis-

uma N o v a Natural

froposta frotegída?

ta, p o r alguns moradores, como inspirada por "gente de fora". A t é agora n ã o conseguiu mobilizar os moradores e m torno d e seus problemas básicos, à e x c e ç ã o d e algumas iniciativas para i m p e d i r o arrasto de c a m a r ã o dentro d a área estuarina.

A

R.ESERVA

A

VISTA

PELOS

MORAPORES

CRIAÇÃO DA A P A do C a i r u ç ú (1983) e a legislação d e proteç ã o à M a t a A t l â n t i c a , já tiveram u m impacto sobre o m o d o

de v i d a local, pois aplicando-se na r e g i ã o a legislação a m b i e n tal vigente m u i t a s a t i v i d a d e s tradicionais q u e i m p l i c a m , p o r e x e m p l o , n o corte de m a d e i r a , m e s m o p a r a fazer u m a canoa, são proibidas. A R E S E R V A E C O L Ó G I C A D A J U A T I N G A ( E s t a d u a l ) , q u e se estende à

M a r g e m P e n i n s u l a r d o Saco de M a m a n g u á , foi criada e m 1992 c o m a intenção de proteger n ã o só os ecossistemas, como t a m b é m as p o p u l a ç õ e s caiçaras. N o entanto, segundo a legislação vigente no país, n ã o é permitida a p r e s e n ç a d e moradores (tradicionais o u n ã o ) e m reservas ecológicas. A p e s a r do texto d a lei, implicitamente, mencionar a importância da cultura, a p e r m a n ê n c i a des-

A R E S E R V A E C O L Ó G I C A DA J U A T I N G A

o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

sas p o p u l a ç õ e s n ã o está clara e assegurada, d e i x a n d o lugar a

Tabela 33 - Opiniões sobre a R e s e r v a

Ecológica da Juatinga

muitas d ú v i d a s , sobretudo para os moradores. Pelas entrevistas (Tabela 32), percebe-se que somente 11,4% dos chefes d e família têm alguma n o ç ã o do que significa u m a R e s e r v a E c o l ó g i c a , e a grande maioria (85,7%) n ã o sabe para q u e ela serve: "É preservação, né? Eles querem criar um tipo de preservação da natureza. Não pode pescar, não pode desbastar e não pode criar"

MARGEM

TOTAL

BOM

SEM RESR

NÃO SABE

Continental

10

11.1%

1 1,1%

77,8%

Fundo do Saco

05

0.0%

0,0%

iOO.0%

Peninsular

20

5.0%

0.0%

95.0%

TOTAL

35

5,7%

2,8%

91,5%

(Licío, C o s t ã o ) . Tabela 32 - G r a u de Informação sobre a

A

R e s e r v a Ecológica da Juatinga

CONSERVAÇÃO

NOVA

DABIODIVERSIDADE

E UMA

CONCEPÇÃO DEPLANOS DE MANEJO

TOTAL

SIM

NÃO

SEM RESR

Continental

10

30,0%

70.0%



bretudo, a falta de envolvimento d a p o p u l a ç ã o local e m s e u esta-

Fundo do Saco

05



100.0%



belecimento, levanta problemas teóricos e p r á t i c o s relevantes

Peninsular

20

5.0%

90.0%

5.0%

MARGEM

TOTAL

35

11.4%

85,7%

2.8%

A forma pela qual foi criada a Reserva Ecológica d a Juatinga, so-

quanto à eficácia dessas áreas protegidas. E m trabalho anterior (Diegues, 1994), mostrou-se como o conceito d e " á r e a natural protegida" importada dos Estados U n i d o s é d e difícil a p l i c a ç ã o no Brasil, naqueles casos e m que existem moradores tradicionais (pescadores, ribeirinhos, e t c ) . C o m a ideia d e " p a r q u e s naturais

T a m b é m pela Tabela 33, pode-se perceber que a quase totalida-

sem m o r a d o r e s " transplantou-se para o Brasil n ã o somente u m a

de (91,5%) n ã o tem opinião formada sobre os impactos que a Reser-

c o n c e p ç ã o cultural e historicamente determinada d e " á r e a s sel-

va p o d e r á ter sobre seu modo de v i d a .

vagens desabitadas" como t a m b é m u m a forma específica de rela-

O s moradores c o n t i n u a m desinformados sobre as alterações

ção homem-natureza. Parte da visão preservacionista norte-ameri-

que essa u n i d a d e de c o n s e r v a ç ã o restritiva pode acarretar sobre

cana subjacente ao estabelecimento dessas áreas protegidas está

seu m o d o d e v i d a tradicional, sobretudo sobre o u s o de recursos

baseada n a v i s ã o d o h o m e m como necessariamente destruidor

naturais (mangue, caixeta, e t c ) . A falta de i n f o r m a ç ã o tem acar-

do equilíbrio natural. O s preservacionistas americanos, partindo

retado u m receio generalizado sobre possíveis restrições a s e u

de u m contexto de r á p i d a industrialização e u r b a n i z a ç ã o e m me-

m o d o de v i d a tradicional. Por outro lado, a fiscalização do IBAMA

ados d o século XIX nos Estados U n i d o s , p r o p u n h a m " i l h a s " de

é qviase ausente, principalmente na repressão à pesca d e arrasto

c o n s e r v a ç ã o ambiental, e m áreas de grande beleza cénica, onde o

praticada à l u z do d i a , m e s m o e m á g u a s rasas do Saco. A apreen-

h o m e m d a cidade pudesse apreciar e reverenciar a natureza sel-

são recente, pelo I B A M A , de sacos de caranguejos retirados indiscri-

v a g e m . A transferência d a ideia desses e s p a ç o s naturais v a z i o s ,

m i n a d a m e n t e do m a n g u e por coletores provenientes d e fora d a

onde n ã o se permite a p r e s e n ç a de moradores, entrou e m conflito

r e g i ã o foi b e m recebida pelos moradores.

c o m a realidade dos países tropicais, cujas florestas s ã o habitadas

o Nosso LUGAR VIROU

A

PARQUE

R E S E R V A E C O L Ó G I C A DA J U A T I N G A

por p o p u l a ç õ e s indígenas e outros grupos tradicionais que desen-

" A c o m p o s i ç ã o e distribuição presente das plantas e arú-

v o l v e m aí formas de a p r o p r i a ç ã o c o m u n a l dos recursos naturais

m a i s d a floresta ú m i d a são o resultado da i n t r o d u ç ã o de e s p é -

e seus e s p a ç o s . A t r a v é s d o conhecimento tradicional do m u n d o

cies e x ó t i c a s , c r i a ç ã o de novos habitats e m a n i p u l a ç ã o conti-

natural, essas p o p u l a ç õ e s foram capazes de criar sistemas enge-

n u a d a pelos povos d a floresta durante milhares d e anos (...).

nhosos d e manejo d e flora e fauna, protegendo, c o n s e r v a n d o e

E m resumo, essas florestas p o d e m ser consideradas artefatos

até potencializando a diversidade biológica. A i m p o s i ç ã o de m i -

culturais h u m a n o s . A atual biodiversidade existe, na África,

tos m o d e r n o s das p o p u l a ç õ e s urbanas, como a d o s " p a r a í s o s "

não apesar d a h a b i t r a ç ã o h u m a n a , mas por causa dela (...). A

naturais intocados, sobre mitos antropomórficos, p r ó p r i o s das po-

relevância deste fato para a planificação da p r o t e ç ã o e manejo

p u l a ç õ e s tradicionais, tem gerado u m a série de conflitos de difícil

das reservas biológicas é que se excluirmos os seres h u m a n o s

s o l u ç ã o , u m a v e z que a legislação p r e v ê a e x p u l s ã o o u transfe-

do uso de grandes á r e a s de florestas, n ã o estaremos protegen-

rência dos moradores de á r e a s transformadas e m á r e a s de con-

do a biodiversidade que apreciamos, mas a alteraremos signifi-

s e r v a ç ã o restritivas.

cantivamente e provavelmente a d i m i n u i r e m o s ao longo d o

No

caso d a c r i a ç ã o d a R E S E R V A E C O L Ó G I C A D A J U A T I N G A ,

apesar

t e m p o " (p. 208).

de no texto da lei existir a intenção de se valorizar o acervo c u l t u ral da p o p u l a ç ã o caiçara, n ã o houve u m levantamento a d e q u a d o

B a y l e y (1992) e t a m b é m outros cientistas como G o m e z - P o m -

dessa b a g a g e m cultural n e m das formas pelas quais os c a i ç a r a s se

pa (1971); Balée (1988) e M c N e e l y (1993) apontam para a m e s m a

relacionam c o m a natureza e seus e s p a ç o s . Pela lei, há necessida-

c o n c l u s ã o : é impossível se pensar na c o n s e r v a ç ã o d a b i o d i v e r s i -

de de se estabelecer u m " p l a n o de manejo" da Reserva E c o l ó g i c a ,

dade s e m a sociodiversidade o u sem a d i v e r s i d a d e cultural.

distribuindo os e s p a ç o s segundo os objetivos e usos d a á r e a , tais

Dentro desse contexto, como afirma Bayley (1992), o plano d e

c o m o a p r e s e r v a ç ã o permanente, a pesquisa científica, etc. N o

manejo d e v e necessariamente incorporar tanto o saber tradicio-

entanto, até hoje no Brasil esses planos de manejo (a n ã o ser n o

nal, as formas tradicionais de g e s t ã o dos e s p a ç o s territoriais e d e

caso d a s reservas extrativistas), n ã o i n c o r p o r a r a m o saber, a s

seus recursos, c o m o t a m b é m os mitos, o i m a g i n á r i o e as a s p i r a -

tecnologias patrimoniais de t r a n s f o r m a ç ã o d o m u n d o natural e

ções das p o p u l a ç õ e s locais. N e s s e sentido, esse é u m processo

dos sistemas tradicionais de manejo. O s d e n o m i n a d o s "atributos

muito complexo para ficar somente e m m ã o s dos cientistas natu-

naturais dos ecossistemas", definidos pelas ciências naturais se

rais e administradores de unidades d e c o n s e r v a ç ã o . E l e requer

tornam os únicos critérios "cientificamente" válidos para estabele-

u m trabalho interdisciplinar, u m esforço conjunto d e biólogos,

cer os planos de manejo e distribuir as á r e a s segundo os objetivos

e c ó l o g o s , a n t r o p ó l o g o s , g e ó g r a f o s , economistas, incorporando e

da p r e s e r v a ç ã o permanente, visitas de turistas, pesquisa científica,

v a l o r i z a n d o o saber " d o s antigos". E s s e é u m grande desafio para

etc. O m u n d o natural, apesar de historicamente ter sido transfor-

a p r ó p r i a ciência acostumada a tratar o m t m d o natural e o social

m a d o e m a n i p u l a d o pelo h o m e m durante dezenas d e milhares

dentro de u m a ótica disciplinar e frequentemente reducionista.

de anos continua sendo visto como " v i r g e m " e " n a t u r a l " . A p r ó -

Tão importante quanto a i n c o r p o r a ç ã o do saber local nos pla-

pria b i o d i v e r s i d a d e acaba sendo definida e m termos unicamente

nos de manejo é m u d a r - s e radicalmente a ótica desse tipo de pla-

" n a t u r a i s " , apesar de evidências crescentes terem apontado para

nejamento, transformando-o n u m instrumento d e m o c r á t i c o de

o fato d e ela t a m b é m , até certo ponto, ser fruto d a m a n i p u l a ç ã o

g e s t ã o dos e s p a ç o s e recursos naturais. Dever-se-ia partir do prin-

h u m a n a por parte das p o p u l a ç õ e s indígenas e nativas. C o m o afir-

cípio b á s i c o que afirma ser a g e s t ã o do m u n d o natural baseado

m a Bayley (1992):

e m p e r c e p ç õ e s e valores que os grupos sociais t ê m d o m u n d o

o

Nosso LUGAR VIROU PARQUE

A

R E S E R V A E C O L Ó G I C A DA J U A T I N G A

natural, da i m p o r t â n c i a dos processos naturais e n ã o de princí-

n ó m i c a s e ambientais, privilegiando-se aquelas alternativas eco-

pios imanentes aos p r ó p r i o s ecossistemas. A s n o ç õ e s de equilí-

lógica e socialmen-te mais adequadas. N e s s e sentido, as á r e a s n a -

brio, de h o m e ó s t a s e , p r ó p r i o s da ecologia enquanto ciência, n ã o

turais protegidas e m que v i v e m p o p u l a ç õ e s tradicionais p o d e r ã o

p o d e m ser analisados enquanto processos estáticos, sobretudo,

ser transformadas n u m dos exemplos v i v o s d a r e p r o d u ç ã o de so-

q u a n d o se d e v e incorporar na análise as constantes i n t e r v e n ç õ e s

ciedades o u c o m u n i d a d e s locais sustentáveis, exemplos de u m a

dos homens. N a maioria dos ecossistemas c h a m a d o s " n a t u r a i s " ,

relação sadia entre o h o m e m e a natureza.

a a ç ã o h u m a n a é crucial, seja para manter os processos naturais essenciais seja para perturbá-los, muitas vezes de forma desastrosa e irreversível. E s s a g e s t ã o d e m o c r á t i c a deve incorporar n ã o somente elementos da ciência m o d e r n a , da etnociência, mas constituir-sc n u m processo de n e g o c i a ç ã o que leve e m conta n ã o somente as necessidades nacionais de c o n s e r v a ç ã o dos ecossistemas, mas as aspiraç õ e s locais, os modos de v i d a e, acima de tudo, a c o n t r i b u i ç ã o histórica das p o p u l a ç õ e s tradicionais para a c o n s e r v a ç ã o a m b i ental. N ã o é exagerado afirmar que, na grande maioria dos casos, a efetiva i n c o r p o r a ç ã o das p o p u l a ç õ e s tradicionais no processo d e m o c r á t i c o de manejo ambiental resultará na descoberta de aliados locais firmes e constantes para a c o n s e r v a ç ã o contra grupos especuladores urbanos e outros devastadores da biodiversidade. Para tanto, é necessário m u d a r radicalmente a c o n c e p ç ã o autoritária dos planos de manejo no Brasil, cujo enfoque p r o v é m do p e r í o d o a u t o r i t á r i o , quando grande parte das u n i d a d e s de cons e r v a ç ã o foram criadas. O s chamados planos de manejo n ã o dev e m m a i s serem tidos como produtos finais realizados por u m grupo restrito de " i l u m i n a d o s " , cientistas ou não, mas u m processo cujos produtos sejam constantemente avaliados, redimensionados e m e s m o alterados e m função de u m diálogo permanente c o m as p o p u l a ç õ e s , sobretudo, a de moradores. Por outro lado, essas culturas tradicionais n ã o p o d e m ser v i s tas como estáticas. É sabido que elas s ã o capazes de incorporar elementos culturais provenientes de outras culturas o u regiões dentro de u m marco cultural p r ó p r i o . C o m o , e m grande parte dos casos, tratam-se de p o p u l a ç õ e s pobres, é fundamental estabelecerem-se programas de melhoria das c o n d i ç õ e s de v i d a , por meio de atividades c o m p a t í v e i s com as especificidades socioeco-

o N o s s o LuiiAK Viií(.)L P A R Q U I

11 usao

T o t o ]6, Casa d e veranistas Saco d o Mamanguá, f a r a t i

-

^^KJ).

E

STE E S T U D O P R E L I M I N A R

revelou que a p o p u l a ç ã o tradicional

c a i ç a r a do Saco de M a m a n g u á , sobretudo, os " a n t i g o s " , as

pessoas m a i s velhas, tem u m profundo conhecimento do a m b i e n te e m que v i v e m , das espécies de plantas e a n i m a i s que u t i l i z a m no s e u d i a - a - d i a . Parte desse etno-conhecimento, principalmente no que se refere à s m a n i f e s t a ç õ e s culturais, como d a n ç a s tradicionais e festas, está sendo perdido no processo de m u d a n ç a s sociais, c o m o aparecimento do protestantismo que proíbe festas c o m " i m a g e n s " , d a n ç a s e cantos, com o aparecimento d a pesca embarcada que leva aos jovens se ausentarem das praias por longos p e r í o d o s , com a r e d u ç ã o da i m p o r t â n c i a das atividades agrícolas, do m u t i r ã o e outras atividades tradicionais socializadoras. f o t o 17. Crianças !->nncando com miniatura d e canoa Saco d o Mamanguá, Parati vKJ\

Hoje, por exemplo, é difícil encontrar violeiros e outros m ú s i c o s para a "cantoria dos R e i s " , da ciranda, etc.

o

CONLUSÂO

Nosso LUGAR VIROU PARQUE

A l g u n s conhecimentos da p o p u l a ç ã o local sobre artes de pesca

lado, as atividades tradicionais baseadas n o uso dos recursos da

sequer foram devidamente estudados, como é o caso dos "pesquei-

z o n a estuarina e da mata p o d e r ã o ser drasticamente r e d u z i d a s

r o s " o u " c e r c a d a s " , que s e r v e m para "cevar o peixe", atraindo

ou m e s m o proibidas, como sucede e m outras u n i d a d e s de prote-

certas espécies de pescado para o conjunto de galhos enfiados no

ç ã o ambiental restritivas. O s moradores dificilmente e n t e n d e m

substrato do estuário. É interessante se observar que o desconheci-

porque n ã o p o d e r ã o mais utilizar os recursos naturais do m a n -

mento

levou,

gue, d a caixeta, da mata, base de seu modo de v i d a , ao passo que

recentemente, técnicos e pesquisadores a propor a c o l o c a ç ã o de

os visitantes p o d e r ã o continuar u s u f r u i n d o das belezas naturais

"atratores de p e i x e s " formados por pneus, c o m o m e s m o objetivo

de u m a área p a r a d i s í a c a . E v i d e n c i a - s e , nesse processo, d u a s v i -

das cercadas tradicionais. Deve-se notar que a proposta da "gente

sões do " m u n d o n a t u r a l " , lastreadas por dois tipos de mito: o

de fora" de colocar os atratores artificiais contou com forte oposi-

mito m o d e r n o de u m a natureza intocável, p a r a d i s í a c a — trans-

dessas

práticas tecnológicas tradicionais

ç ã o local, principalmente por parte dos pescadores que pra ticam a

formada e m parques naturais e reservas e c o l ó g i c a s , propostas

pesca ilegal do c a m a r ã o e de outros pescadores que temem perder

pelos conservacionistas urbanos — , e o mito a n t r o p o m ó r f i c o —

neles as suas redes. Muito provavelmente, o incentivo às "cercadas"

p r ó p r i o das p o p u l a ç õ e s p r é - u r b a n a s e pré-industriais que m a n -

s e r i a m a i s d e s e j á v e l , m a s n e c e s s i t a r i a de u m e s t u d o m a i s

têm c o m o m u n d o natural u m a relação diferenciada, c o m p r á h -

a p r o f u n d a d o sobre s u a s características t e c n o l ó g i c a s e p r á t i c a s

cas culturais simbólicas distintas do m u n d o urbano.

culturais.

N a verdade, o E s t a d o acaba i m p o n d o sobre os "territórios de

E s s e conhecimento tradicional t a m b é m se revela pela grande

uso c o m u m " , onde os moradores locais quase n ã o p o s s u e m o tí-

v a r i e d a d e de espécies de mandioca e outras plantas u s a d a s nas

tulo de propriedade p r i v a d a , u m a outra forma de e s p a ç o territo-

" r o ç a s " , que r e d u z e m o perigo de ataque de d o e n ç a s que pode-

rial, o público (parques e reservas), baseado e m r a z õ e s como a

r i a m d i z i m a r a p l a n t a ç ã o , se ela fosse constituída por plantas de

biodiversidade, a c o n s e r v a ç ã o do m u n d o natural e a necessidade

u m a s ó variedade.

de se proteger os " ú l t i m o s remanescentes da Mata A t l â n t i c a " .

Por outro lado, o m o d o de v i d a tradicional, dentro do q u a d r o

N a Reserva Ecológica da Juatinga, a s s i m como e m outras á r e -

d a p e q u e n a p r o d u ç ã o mercantil, está sendo alterado por i n ú m e -

as naturais protegidas, onde há moradores que v i v i a m aí antes da

ros fatores mencionados neste trabalho, como a i n t r o d u ç ã o da

c r i a ç ã o do parque, os conflitos n ã o t a r d a r ã o a aparecer, c o m o na

pesca embarcada, a chegada do turismo ocasional e dos turistas

E s t a ç ã o Ecológica da Juréia-Itatins (SP). A s o l u ç ã o desses conflitos

c o m casas s e c u n d á r i a s no local. C o m o foi visto, a a p r e c i a ç ã o dos

exige u m a outra c o n c e p ç ã o de parques e reservas mais adapta-

benefícios o u dos prejuízos trazidos pelo turismo é c o n t r a d i t ó r i a ,

das à s c o n d i ç õ e s do Terceiro M u n d o , e u m a estratégia de nego-

d e p e n d e n d o da v i n c u l a ç ã o maior o u menor dos moradores e m

ci a çã o por parte das autoridades e administradores que leve e m

r e l a ç ã o aos turistas, vistos por alguns como prejudiciais e por

conta a c o n t r i b u i ç ã o que as p o p u l a ç õ e s tradicionais p o d e m dar à

outros c o m o benéficos ao local.

c o n s e r v a ç ã o da bio-sócio-diversidade. Essa n e g o c i a ç ã o d e v e pas-

A recente instituição da Reserva Ecológica E s t a d u a l da Juatin-

sar necessariamente pela não-expulsão dos moradores tradicionais

ga, à qual pertence a M a r g e m Peninsular do Saco d c M a m a n g u á ,

e pelo respeito ao conhecimento a c u m u l a d o pelos moradores tra-

p o d e r á v i r a alterar significativamente o m o d o de v i d a da p o p u -

dicionais sobre os ecossistemas e m que v i v e m e ao seu m o d o de

lação local. Se, de u m lado, a d e c l a r a ç ã o e i m p l e m e n t a ç ã o dessa

v i d a . A o c u p a ç ã o do e s p a ç o d e v e ser feita e m consulta direta com

" á r e a natural protegida" p o d e r á reduzir a especulação imobiliária,

os moradores. O s c h a m a d o s "planos de m a n e j o " d e v e m perder

na m e d i d a e m que novas c o n s t r u ç õ e s s ã o proibidas, por outro

seu c a r á t e r autoritário, baseado exclusivamente no c h a m a d o "co-

o Nosso LUGAR VIROU PARQUE

nhecimento científico", incorporando o etno-conhecimento, os mitos e visões d e m u n d o a respeito d o m u n d o n a t u r a l que f a z e m parte d a cultura local.

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ntonio Carlos S a n f A n a Diegues é antropólogo, com doutorado na Universidade de São Paulo e École des Hautes Études en S c i e n c e s Sociales, em Paris. É diretor científico do NUPAUB - Núcleo de Pesquisa sobre Populações Humanas e Áreas Úmidas e professor do Programa de pósgraduaçâo em Ciência Ambiental da USP. É autor de vários livros sobre a relação entre sociedade e natureza, sendo os principais: Ilhas e Mares: simbolismo e imaginário (Hucitec), O Mito moderno da natureza intocada (Hucitec), Povos e Mares (Nupaub), Ecologia humana e planejamento das áreas costeiras (Nupaub), Pescadores, C a m p o n e s e s e Trabalhadores do Mar (Ática). Paulo José Navajas Nogara é biólogo, com mestrado na Universidade de Quebec - Canadá, tendo apresentado a tese: O parque marinho de S a g u e n a y Saint Laurent. É pesquisador do Nupaub, com especialização em planejamento de parques marinhos, trabalhando na região de Parati.

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