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  • Words: 67,422
  • Pages: 208
DECLARAÇÃO Nome: Isabel Cristina Mendes Martins

Endereço eletrónico: [email protected]

Número do Bilhete de Identidade: 10568849

Título da Tese de Mestrado: “À barra do Tribunal: crime e criminalidade em Braga de 1940 a 1959.”

Orientadora: Professora Doutora Maria de Fátima da Cunha Moura Ferreira

Ano de conclusão: 2012

Ramo de Conhecimento do Mestrado: História

DE ACORDO COM A LEGISLAÇÃO EM VIGOR, NÃO É PERMITIDA A REPRODUÇÃO DE QUALQUER PARTE DESTA TRABALHO

Universidade do Minho, ___/___/______ Assinatura: __________________________________

ii

Agradecimentos

Encerrar um trabalho de investigação implica olhar para nós próprios, para o caminho que seguimos e para todos aqueles, que, de diferentes formas, contribuíram para a nossa chegada a este ponto. Uma primeira palavra de agradecimento vai para a Professora Fátima Ferreira, cuja presença foi fundamental na construção e conclusão deste estudo. Numa vertente científica, propondo fontes e rumos investigativos, dando valiosos contributos, que me fizeram criar competências de investigação e reflexão. Numa vertente humana, pelo carinho e pelo incentivo constante. A todos do Tribunal de Braga, um reconhecimento, pela forma cordial com que fui recebida. À Dra. Elisabete Rodrigues, oficial do Arquivo durante algum tempo, por me mostrar “os cantos à casa”, quer fisicamente, quer em ensinamentos iniciais na área da Arquivística e do Direito. Ao Sr. Chaves que assumiu o arquivo entretanto, pela partilha e sobretudo pela companhia serena nos longos dias da recolha dos dados. À Exa. Sra. Juíza Presidente, ao Sr. Secretário Judicial, o Sr. Hernâni, ao Sr. Isac, chefe da Secretaria Central, que me abriram oficialmente todas as portas. Aos elementos do CITCEM, em particular ao Eurico Loureiro, cuja ajuda com a cartografia foi muito enriquecedora da apresentação dos resultados. Ao Professor Francisco pelo apoio, ao Nuno Lopes pela partilha de saberes e documentação que se revelaram fundamentais para a sustentação deste estudo. Aos meus amigos, sempre presentes nas minhas ausências. Sou muito grata a toda minha família, a de sangue e a outra, pelo incentivo, pelo amor, pela alegria e cuidado sem reservas... Um particular, e imenso OBRIGADA, à minha Mãe e à minha irmã, Liliana Martins, por me substituírem, sem limites de atenção e amor, nas minhas incumbências maternas. À minha filha Mariana pela maturidade que demonstrou do alto dos seus 7 anos, enquanto a mãe terminava os “mestrados”. Ao Viriato, meu companheiro nesta e noutras caminhadas, por estar sempre pacientemente presente para mim e para as nossas filhas, Mariana e Gabriela.

iii

 

Ao Viriato e às minhas princesas, Mariana e Gabriela

iv

 

Resumo O presente estudo visa traçar um quadro sobre o crime e a criminalidade de Braga de 1940 a 1959, num período de consolidação do Estado Novo enquanto doutrina e enquanto prática, com base no estudo de processos judiciais do Tribunal da comarca. Num primeiro momento procurar-se-á fazer o enquadramento da criminalidade, enquanto teoria que se refletia nas iniciativas legislativas dos diferentes estados europeus, desde finais do século XIX ao início do século XX, num momento de crescendo dos regimes totalitários e autoritários. Discutir-se-á também o processo de cristalização do sistema judicial do Estado Novo, nas suas diferentes vertentes, salientando-se o alcance das reformas judiciais iniciadas no âmbito da Ditadura Militar, e que se entenderam por todo o período em estudo, correspondendo a um crescente domínio do estado sobre a vida dos cidadãos no seu todo, e no momento particular em que se viam a braços com um crime e com a Justiça. Seguidamente, analisa-se a questão da importância da documentação judicial para a História, discutindo-se as condições de gestão e de preservação deste corpo documental, no plano legislativo e no plano das práticas, nomeadamente do Arquivo do Tribunal de Braga, onde permanecem conservadas parte das fontes que servem de mote a este estudo, cuja exploração é também apresentada. Acessoriamente, fazse também um apontamento sobre dois equipamentos judiciários, o Tribunal da Comarca de Braga e a Cadeia. A exploração das estatísticas judiciárias sobre a Comarca de Braga de 1940 a 1959 toma corpo, com uma breve análise das características deste instrumento em meados do século XX e depois com o estudo do acervo relativo ao distrito de Braga em geral e à comparação dos dados da comarca de Braga com outras do Minho. Uma amostra constituída por processos pertencentes ao espólio do Tribunal de Braga serviu de base a um estudo exploratório que visa os crimes praticados pelos indivíduos, discutindo-se as maiores prevalências e o significado em termos de locais e nacionais. Analisam-se, igualmente, as fases e atos processuais, desde as denúncias, às defesas e testemunhos, culminando com as sentenças que determinam ou não penas. As gentes envolvidas nos processos - os réus e as vítimas são também caraterizadas em termos socioeconómicos e de distribuição geográfica pela área de influência da Comarca de Braga. Por último, atende-se ao tempo da justiça, tanto da duração das diferentes fases do processo e deste no seu todo, discutindo-se do significado que assumiria para a sociedade.

v

 

Abstract

This study aims to draw a picture about crime and crime Braga from 1940 to 1959, a period of consolidation as the “Estado Novo” doctrine and while practice-based study of the court's judicial district. At first look will do the framing of crime, as a theory that was reflected in the legislative initiatives of the different european states, from the late nineteenth to early twentieth century, at a time of growing totalitarian and authoritarian regimes. It will discuss also the crystallization process of the judicial system of the “Estado Novo”, in its different aspects, emphasizing the scope of judicial reforms initiated under the military dictatorship, and that is understood throughout the study period, corresponding to a growing area of the state over the lives of citizens as a whole, and in particular when they found themselves grappling with a crime and justice. Next, we analyze the question of the importance of documentation for legal history, discussing the conditions of management and preservation of this body of documents, in law and practice, including file Court of Braga, where they remain part of the conserved sources that serve the motto of this study, whose operation is also presented. Incidentally, it is also a note on two machines judiciary, the district Court of Braga and Chain. Exploiting statistics on the judicial district of Braga from 1940 to 1959 takes shape, with a brief analysis of the characteristics of this instrument in the mid-twentieth century and then with the study of the acquis on the Braga district in general and the comparison of data from district of Braga with other Minho. A sample of processes belonging to the estate of the Court of Braga formed the basis of an exploratory study aimed at crimes committed by individuals, discussing the highest prevalence and significance in terms of local and national. It analyzes also the phases and procedural acts, from the complaints, testimonies and defenses, culminating with the sentences to determine whether or not penalties. The people involved in the process - the defendants and the victims are also featured in socioeconomic terms of geographical distribution and the influence area of the district of Braga. Finally, caters to the time of justice, both the duration of the different stages of this process and as a whole, discussing the meaning assume that for society.

vi

 

Índice Agradecimentos.................................................................................................................................. iii Resumo ............................................................................................................................................... v Abstract...............................................................................................................................................vi Índice ................................................................................................................................................. vii Lista de Gráficos .................................................................................................................................. x Lista de Quadros ................................................................................................................................ xii Lista de Figuras ................................................................................................................................. xiii Lista de Mapas .................................................................................................................................. xiv Introdução ......................................................................................................................................... 15 Apresentação .................................................................................................................................... 20 Capítulo I: As leis e a questão da justiça no Estado Novo .................................................................... 25

A criminalidade e o desenvolvimento da codificação penal - finais do século XIX e meados do século XX .......................................................................................................................................................... 25 A questão legislativa-penal no sistema judicial do Estado Novo ....................................................... 30 Capítulo II: Arquivos e documentação judicial ..................................................................................... 42

O arquivo judicial e a História ........................................................................................................ 42 A gestão e a organização dos arquivos judiciais.............................................................................. 44 A comarca de Braga ...................................................................................................................... 51 O Tribunal e a Cadeia: percursos e itinerâncias .......................................................................... 51

O fundo documental do tribunal da cidade: do Arquivo Distrital de Braga ao Arquivo do Tribunal .... 56 O espólio em estudo: processos - crime de 1940 a 1959 ........................................................... 58

As estatísticas oficiais .................................................................................................................... 62 Características das estatísticas judiciárias em meados do século XX ........................................... 62 O acervo do INE: As estatísticas da justiça sobre o distrito de Braga de 1940 a 1959 ................. 68

Um exemplo comparativo: Braga e outras comarcas do Minho em 1958 ......................................... 77 vii

Capítulo III: Dos crimes às sentenças ................................................................................................. 82

Dos crimes .................................................................................................................................... 82 Dos processos ............................................................................................................................... 98 Denúncias e julgamentos ........................................................................................................... 98 As defesas de réus e vítimas .................................................................................................... 103 Os testemunhos ...................................................................................................................... 107 Sentenças e atos judiciais ........................................................................................................ 114 As indemnizações .................................................................................................................... 129

Das gentes: os réus e as vítimas .................................................................................................. 130 Os réus ................................................................................................................................... 130 As vítimas ................................................................................................................................ 141

Dos tempos da justiça ................................................................................................................. 153 Conclusão ....................................................................................................................................... 162 Documentação e Bibliografia............................................................................................................ 166

Fundos manuscritos .................................................................................................................... 166 Fundos da estatística judiciária .................................................................................................... 166 Legislação ................................................................................................................................... 168 Bibliografia .................................................................................................................................. 169 Anexos ............................................................................................................................................ 177

Anexo 1. Portaria nº 1003/99, de 10 de novembro, Ministérios da Justiça e da Cultura, Diário da República nº 262, págs. 7904 a 7911, (excerto) ................................................................................... 178 Anexo 2. Estatísticas da Justiça – Justiça penal, Boletim Processo Crime, ................................... 183 Anexo 3. Dados das estatísticas judiciárias relativas ao distrito de Braga ...................................... 184 Anexo 4. Quadros de Categorização dos dados da Base ............................................................... 185 a) Profissões ............................................................................................................................ 185 b) Crime .................................................................................................................................. 185

Anexo 5. Distribuição dos processos pelo tipo de crime. ............................................................... 186 viii

Anexo 6. Distribuição dos réus por freguesias do concelho de Braga tendo em conta a morada e o local do crime. ...................................................................................................................................... 187 Anexo 7. Distribuição dos réus por freguesias do concelho de Braga tendo em conta a sua naturalidade. ........................................................................................................................................ 188 Anexo 8. Crimes de que foram vítimas Instituições ....................................................................... 189 Anexo 9. Distribuição das vítimas por freguesias do concelho de Braga tendo em conta sua naturalidade. ........................................................................................................................................ 190 Anexo 10. Distribuição das vítimas por freguesias do concelho de Braga tendo em conta a sua morada................................................................................................................................................. 191 Anexo 11. Do crime à denúncia. (em dias) ................................................................................... 192 Anexo 12. Distribuição dos crimes pelas categorias de tempo- Do crime a denúncia. .................... 193 Anexo 13. Da denúncia ao Corpo de Delito. (em dias) .................................................................. 194 Anexo 14. Duração do Corpo de Delito por tipo de processo. (em dias) ........................................ 195

ix

 

Lista de Gráficos

Gráfico 1. Número de condenados e de tipos de crimes- 1924 a 1948. .............................................. 64 Gráfico 2. Movimento processual da Comarca e círculo de Braga – Vara Crime. ................................. 69 Gráfico 3. Movimento Processual do distrito de Braga (1940-1959) .................................................... 71 Gráfico 4. Número de Corpos de Delito desencadeados no Distrito de Braga. ..................................... 73 Gráfico 5. Distribuição das condenações por sexos e por grandes categorias criminais de 1940 a 1959 no distrito de Braga..................................................................................................................................... 74 Gráfico 6. Evolução no número total de condenações no distrito de Braga. ......................................... 77 Gráfico 7. Volume de procedimentos processuais comparado entre tribunais do distritos de Braga- ano judicial de 1958. ......................................................................................................................................... 79 Gráfico 8. Distribuição do número total de Processos, por categorias e por tribunais- Braga, Guimarães, Famalicão e Barcelos no ano de 1958. ....................................................................................................... 80 Gráfico 9. Distribuição dos 180 processos por grandes categorias do Código Penal ........................... 83 Gráfico 10. Os crimes e o cumprimento das penas pelos réus. ........................................................... 85 Gráfico 11. Relação entre os intervenientes e o local do crime. ........................................................... 94 Gráfico 12. Relação do crime com o local onde este é praticado. ........................................................ 96 Gráfico 13. Autoridade recetora da denúncia. ..................................................................................... 98 Gráfico 14. Desfecho do processo .................................................................................................... 101 Gráfico 15. Distribuição das condenações, absolvições e amnistias, por desfecho de processo ......... 102 Gráfico 16. Defesa dos réus. ............................................................................................................ 105 Gráfico 17. Defesa das vítimas......................................................................................................... 106 Gráfico 18. Distribuição do número de testemunhas pelos 180 processos ........................................ 111 Gráfico 19. Testemunhas arroladas pela Defesa distribuídas por tipos processuais ........................... 112 Gráfico 20. Testemunhas arroladas pela Acusação ........................................................................... 113 Gráfico 21. Testemunhas arroladas pela Acusação distribuídas por tipos processuais ....................... 113 Gráfico 22. Medida das penas agrupadas por tipos processuais- 213 réus condenados. ................... 115 Gráfico 23. Cumprimento das penas sentenciadas agrupadas por medida das sanções. ................... 118 Gráfico 24. Situação dos réus no início do processo. ........................................................................ 132 Gráfico 25. Situação dos réus face à justiça. .................................................................................... 132 Gráfico 26. Maioridade dos réus ao início de processo. .................................................................... 133 Gráfico 27. Distribuição dos réus por categorias de idades. .............................................................. 134 Gráfico 28. Distribuição dos réus por sexos. ..................................................................................... 135 x

Gráfico 29. Estado Civil dos réus...................................................................................................... 136 Gráfico 30. Nível de instrução dos réus. ........................................................................................... 136 Gráfico 31. Distribuição dos réus por categorias profissionais. .......................................................... 137 Gráfico 32. Naturalidade dos réus por concelho do distrito de Braga ................................................ 138 Gráfico 33. Morada dos réus por concelho do distrito de Braga. ....................................................... 140 Gráfico 34. Natureza das vítimas. .................................................................................................... 142 Gráfico 35. Maioridade das vítimas ao início de processo. ................................................................ 144 Gráfico 36. Distribuição das vítimas por categorias de idades. .......................................................... 144 Gráfico 37. Distribuição das vítimas por sexos. ................................................................................. 145 Gráfico 38. Estado Civil das vítimas. ................................................................................................ 146 Gráfico 39. Nível de instrução das vítimas ........................................................................................ 147 Gráfico 40. Distribuição das vítimas por categorias profissionais. ...................................................... 147 Gráfico 41. Naturalidade das vítimas por concelho do distrito de Braga. ........................................... 149 Gráfico 42. Morada das vítimas por concelhos do distrito de Braga. ................................................ 150

xi

Lista de Quadros

Quadro 1. Braga - fundo existente e eliminado do tribunal - vara crime – 1940 -1959 ......................... 59 Quadro 2. Comparação entre número de processos comunicados pelo tribunal e as existências (reais e eliminadas). ................................................................................................................................................ 60 Quadro 3.Existência de agressão. ...................................................................................................... 87 Quadro 4. Tipo de Agressão ............................................................................................................... 88 Quadro 5. Distribuição do tipo de agressão por sexo (réus) ................................................................ 89 Quadro 6. Utilização de Arma ............................................................................................................ 89 Quadro 7.Cruzamento entre a distribuição do local do crime por meio urbano ou rural com o crime. .. 90 Quadro 8.Apresentação da denúncia de crime às autoridades. ......................................................... 100 Quadro 9. Defesa dos réus por categoria profissional. ...................................................................... 105 Quadro 10. Distribuição socioeconómica das vítimas e sua defesa durante o processo. .................... 107 Quadro 11. Valor das custas judiciais pagas pelos arguidos e por tipo de processo. .......................... 121 Quadro 12. Modalidades de pagamento das custas judiciais por valor das mesmas. ......................... 123 Quadro 13. Valor das multas aplicadas por tipo de processo. ........................................................... 125 Quadro 14. Modalidades de pagamento das multas por valor das mesmas. ..................................... 127 Quadro 15. Réu único nos processos crime ..................................................................................... 130 Quadro 16. Distribuição do réu único pelas categorias de crimes. .................................................... 130 Quadro 17. Distribuição da coautoria pelo local do crime. ................................................................ 131 Quadro 18. Identificação das instituições arroladas como vítimas. .................................................... 142 Quadro 19. Do crime à denúncia ..................................................................................................... 154 Quadro 20. Da denúncia ao Corpo de Delito .................................................................................... 155 Quadro 21. Duração do corpo de delito, por tipo processual. ............................................................ 157 Quadro 22. Do crime ao início de processo. ..................................................................................... 159 Quadro 23. Duração do processo..................................................................................................... 160

xii

 

Lista de Figuras

Figura 1. Largo do Paço - Braga ......................................................................................................... 51 Figura 2. Casa Vilhena Coutinho - Braga ............................................................................................ 52 Figura 3. Atuais instalações do Tribunal de Braga - Santa Tecla .......................................................... 53 Figura 4. “O Castelo de Braga”, O Século em 27 de Novembro de 1905 ............................................ 54 Figura 5. Postal Ilustrado- Castelo de Braga ....................................................................................... 54 Figura 6. Cadeia de Braga ................................................................................................................. 55 Figura 7. Excerto do Relatório da Comissão........................................................................................ 67 Figura 8. Relação constante no relatório camarário de pretensão de subida do tribunal de Famalicão à categoria de primeira classe. ....................................................................................................................... 79

xiii

 

Lista de Mapas

Mapa 1. Composição do concelho de Braga e posição relativa face a outros concelhos e a outros distritos. ..................................................................................................................................................... 78 Mapa 2. Mapa de distribuição dos réus pelo concelho de Braga, tendo em conta a sua morada. ........ 92 Mapa 3. Mapa de distribuição dos réus por freguesias tendo em conta a sua naturalidade. .............. 139 Mapa 4. Distribuição das vítimas por freguesias tendo em conta a sua naturalidade. ........................ 150 Mapa 5. Distribuição das vítimas por freguesias tendo em conta a sua morada. ............................... 152

xiv

 

Introdução Um maço de folhas, um atado e um nome, pontos de partida para um olhar lançado sobre as gentes “criminosas” da cidade de Braga. O presente trabalho versou sobre o estudo da aplicação da justiça como instrumento de controlo da criminalidade no espaço do Concelho de Braga nas décadas de quarenta e cinquenta do século XX. Este tema interessou-nos, na medida em que os pressupostos de justiça e injustiça invadem hoje, como julgamos terem invadido no passado, a vida dos cidadãos. Ainda mais quando o período do passado em questão é ainda alvo de inúmeras interrogações pelas suas caraterísticas ditatoriais que perduram para além das balizas cronológicas deste estudo. Perceber as imbricações do sistema judicial com o sistema político subjacente ao Estado Novo e as suas consequências, ao nível da regulação da criminalidade e dos conflitos comunicados à justiça, apresenta-se um desafio. A justiça é para todas as sociedades a salvaguarda dos seus mais primordiais princípios, o garante, senão da erradicação da violência, da sua penalização. O sistema que confere segurança aos cidadãos, os quais reconhecem no judicial a permanência bastante para salvaguardar os seus bens, a sua integridade, os seus direitos, não obstante as mudanças políticas, económica e sociais. O aparelho judicial congrega em si todo um conjunto de valores, aqueles considerados como fundamentais e que necessariamente remetem para a liberdade e igualdade, para a segurança individual e coletiva, a responsabilidade e responsabilização dos atores sociais1. Pelo seu caráter permanente, o sistema judicial no seu todo parece cristalizar alguns aspetos da sociedade. O seu estudo, o estudo do enorme corpo documental produzido por este sector da sociedade, permite lançar um olhar perscrutador aos movimentos sociais, à conceção de violência que a sociedade compartilha, às ideologias que enformam o sistema judicial, aos indivíduos, aos atores da justiça, os quais são muitos e diferenciados nos seus papéis. Ministério Público, juízes, advogados, oficiais de justiça e, aqueles que são o mote, os arguidos e as vítimas. O olhar sobre o passado do fenómeno judicial tem sido objeto de múltiplas abordagens, circunscritas no tempo e no espaço, mas ainda assim com uma importância comum e crucial, pois

1

Nuno Coelho “Memória e quotidiano judiciário”. Sub-Judice, Justiça e Sociedade, (nº25, Abril/Junho 2003), 37. 15

permitem um estudo cada vez mais abrangente e sustentado do fenómeno judicial. A História e Justiça2, ao analisarem e julgarem o passado recente dos indivíduos e dos grupos sociais, extrapolam daí conclusões que levam, uns a aprofundarem a compreensão de um quadro ideológico-mental, outros ao restabelecimento das normas sociais de convivência e a atuação3. Os tribunais, as polícias, com todo o seu manancial documental, são terreno já explorado, mas com muitas potencialidades ainda no que concerne ao conhecimento das imbricações entre o social, o judicial e o político, permitindo muitos e variados olhares. “A história da violência surge deste modo intrinsecamente ligada a uma nova história do poder (Foucault), ou dos poderes, assumindo-se, de forma incontornável, o seu objecto de estudo como um “facto social total (Mauss)” . 4

Como defendeu Gatrell, citado por Vaz (2008)5, ”Os historiadores ganhariam em lembrar a si próprios que a história do crime é um assunto sério não porque se trata de crime, mas porque se trata de poder.”6 O estudo dos fenómenos criminosos comunicados à justiça, a criminalidade oficial, sancionada pelos mecanismos judiciais, é uma realidade relativamente estável, porque estáveis são os pressupostos legislativos em que assenta, tão estáveis quanto tradicionalmente firme é a convicção dos atores judiciais de resistir à mudança, tanto quanto o fenómeno judicial parece permeável a outros interesses e motivação que não só o controlo do ato ilícito na sociedade. A ideia de violência, tal como todos os fenómenos sociais, está intrinsecamente ligada ao devir socio psicológico dos grupos humanos7. Por isso, partir para o estudo da criminalidade pressupõe assim a clara perceção do que, não só o corpo jurídico, mas sobretudo, e primeiramente, o corpo social entende e penaliza, pois a criminalidade oficial não é mais que a aplicação do conceito de violência e do pressuposto de (in)justiça entendida pelo senso comum. O “primeiro julgamento”, a primeira avaliação feita sobre um

2

Nuno Coelho “Memória e quotidiano judiciário…35. “Se existe alguma realidade em que o “passado” pesa sobremaneira e quase explode em implicâncias

várias, num complexo de símbolos, de referências e de valores essenciais, essa será com certeza a judicial, sabendo-se que o carácter sincrético do quotidiano judiciário, em sintonia com a vida humana e social, tem necessidade de ser compreendido num crivo temporal a definir por antecipação.” 3

Frédéric Chauvaud, “Introduction”. Justice et déviance à l’époque contemporaine : l’imaginaire, l’enquête et le scandale. Rennes, PUR, 2007, 14. « Les

historiens de la période contemporaine, après avoir dénombré les infractions sanctionnées, se sont attachés à scruter les prisions, puis à lire les dossiers de procédure, produisant sur la justice pénale d’importants gains de connaissance, (…) C’est donc bien à l’histoire des perceptions de la justice pénale et de ses transformations… » 4

Margarida Sobral Neto, “A Violência em Portugal na Idade Moderna: olhares Historiográficos e perspectivas de análise ”. Revista Portuguesa de História, vol.

XXXVII, Coimbra, 2005, 14. 5

Maria João Vaz, Crime e Sociedade. Portugal na segunda metade do século XIX, (Oeiras, Celta, 1998), 13.

6

Vaz, Crime e Sociedade…,10.

7

Bruno Lemesle et al. “Introduction” em Violence et le judiciaire, discours, perceptions, pratiques, dir. Antoine Follain, (Presses universitaires de Rennes,

collection Histoire, Rennes- França, 2008),9. 16

ato, que leva aos suspeitos do crime às autoridades, é feito pelas vítimas, pelas testemunhas, que o categorizam como incumprimento das normas estabelecidas e ratificadas pela sociedade, isto é, da Lei, numa interpretação claramente empírica. O estudo do fenómeno criminal pela História da Justiça tem interessado desde há muito um grupo alargado de investigadores e que têm levado a cabo estudos substanciais sobre os criminosos, os crimes, as práticas delituosas, as vítimas e os agressores, convergem para a caracterização da sociedade8. As visões têm aparecido parcelares, segmentadas por áreas de estudo e áreas geográficas9, estudos de caso que vão, paulatinamente, formando um corpo de saber acerca do aparelho judicial português. O estudo das fontes judiciais tem sido apontado como uma necessidade urgente e premente de salvaguardar uma parte importante da memória coletiva, como apontado por Martin (2003)10 e Coelho (2003)11, o que convergiria, no entender do último, numa possibilidade de reverter o estado de desconstrução e destruição da memória judiciária nacional. Atendendo a estes pressupostos iniciais, pois o estudo haveria de mostrar outros, a definição da investigação tendeu a centrar-se num tribunal em concreto, pelo que, avaliadas as hipóteses investigativas nesta área se centrou a atenção na cidade de Braga, na sua comarca e nos casos por aqui passados relativos à vara criminal. No entendimento exposto anteriormente, de que os meios judiciais em larga medida cristalizam as características da sociedade por ele visados, procuram-se nos processos judiciais os ecos desse percurso. O crescimento das cidades, que se verificava já desde meados do século XIX, muito embora não tenha tornado Braga uma grande metrópole, fazia com que a cidade fosse importante no quadro no Baixo Minho e, como tal, com representatividade em termos económicos, sociais e consequentemente criminais.

8

Jean Clément Martin, “As diligências históricas face à verdade judicial. Juízes e Historiadores.” Sub-Judice, Justiça e Sociedade, nº25 (Abril/Junho2003),19.

“ Neste âmbito, e relativamente a um parte da sua ação, a História e a Justiça põem em jogo procedimentos hermenêuticos, marcados pelas fases de explicação, interpretação e, finalmente aplicação, propondo verdades limitadas ao seu campo de legitimação, mas no objetivo proclamado de construir uma sociedade cujas regras são explicitas, despojadas de a priori e que se confrontam com todos os pontos de vista. Uma história que não respeita essas simples prescrições, não passaria de propaganda. A diferença entre a atividade do historiador e a do juiz residiria então nos laços estabelecidos com outros domínios nos quais possuem ambas implicações prioritárias (a memória, a construção de identidades, para uma, a paz social para outra) e na sua intemporalidade social, esta última agindo com urgência, enquanto a primeira se dá tempo e recua. Na construção do vínculo social, juntos, historiador e juiz são confrontados com a necessidade de proclamar regaras que se devem organizar na compreensão da abundância do real.” 9

Vale a pena citar alguns, que se constituem no panorama da historiografia portuguesa como pioneiros no estudo da criminalidade na contemporaneidade,

Irene Vaquinhas com “Violência, Justiça e Sociedade rural. Os campos de Coimbra, Montemor-o-Velho e Penacova de 1858 a 1918”, de 1990, Maria João Vaz com “Crime e Sociedade – Portugal na segunda metade do século XIX” de 1998 e Maria José Moutinho dos Santos com “A sombra e a luz : as prisões do

Liberalismo” de 1999. 10

Martin ,“As diligências históricas…” 21.

11

Nuno Coelho, “Memória e quotidiano judiciário.”,42. 17

No entender de Vaz (2006, 89)12, ao crescimento da malha urbana a nível nacional, correspondeu por um lado o crescimento do controlo judicial, mas também o crescimento da insegurança. Às cidades, com povoamento mais denso, associam-se descrições de lugares inseguros e perigosos, com uma população oscilante, vinda de vários pontos, que se carateriza grosso modo por “más condições de vida e de trabalho”. A escolha do período foi ditada em larga medida pela documentação. Por um lado, pareceu-nos que a investigação poderia constituir uma mais-valia ao centrar-se num período particular da história portuguesa, que foi sem qualquer sombra de dúvida o período de vigência do “Estado Novo”, por outro, foi necessário ter em conta o fundo documental disponível. A procura das fontes que serviriam de suporte levou-nos a contatar o Arquivo Distrital de Braga, o qual, pela lei13 que rege os arquivos judiciais, deve ser fiel depositário dos processos judiciais prescritos, ou já arquivados, de conservação permanente. Esta revelou-se uma diligência gorada, na medida em que o Arquivo Distrital de Braga não contempla a totalidade dos processos judiciais da comarca por questões logísticas. Ainda assim, nesta instituição encontramos um fundo considerável, chegado ao arquivo há muito, de forma pouco controlada e documentada, mas que carece de tratamento adequado e urgente. Uma avaliação preliminar mostrou que a partir da documentação ali existente não haveria material bastante para reconstituir séries documentais que sustentassem a investigação, dada a distribuição cronológica do material depositado. As balizas cronológicas para os processos da vara crime situam-se, no que ao nosso estudo importava dos finais do século XIX e à década de vinte do século XX, portanto não permitindo o nosso estudo. A diligência seguinte foi contatar o Tribunal de Braga, onde, por autorização de instâncias superiores dessa instituição, tivemos acesso ao Arquivo14. Grande parte do espólio estava a sofrer intervenção por parte da oficial arquivista, a Dra. Elisabete Rodrigues, e cuja ajuda foi ajuda na orientação pelo emaranhado de corredores, prateleiras, caixas e maços por onde a documentação estava dispersa. Aí procedeu-se ao levantamento dos processos existentes no sentido de determinar se a investigação seria ou não possível. Apurou-se do espólio disponível, das condições de preservação15, o que permitiu concluir que os anos iniciais do Estado Novo não tinham grande sustentação em termos documentais, o que já seria

12

Maria João Vaz, “Gatunos, vadios e desordeiros. Aspetos da criminalidade em Lisboa no final do século XIC e início do século XX”, em Lei e ordem: justiça

penal, criminalidade e polícia: (séculos XIX-XX), coord. Pedro Tavares de Almeida e Tiago Pires Marques (Lisboa, Livros Horizonte, 2006), 89. 13

Portaria nº 1003/99, de 10 de Novembro, Ministérios da Justiça e da Cultura, Diário da República nº 262, págs. 7904 a 7911 ( Anexo1).

14

Nuno Coelho, “Memória e quotidiano judiciário.”, 42.

15

Ver Quadro 1, página 65. 18

possível para as décadas de quarenta e cinquenta. A seriação das fontes, conjugada com um estudo mais acurado da legislação penal, demonstrou que as mais importantes reformas na codificação judicial, levadas a cabo já dentro do período do Estado Novo, ocorreram no pós 1936. As sucessivas iniciativas legislativas pensadas e implementadas, à luz dos princípios enformadores do regime16, tiveram o seu impacto maior já na década de quarenta, passado o período de adaptação de todo o aparelho judiciário à mudança. Neste sentido, ao longo do período em estudo, a realidade política fez-se claramente presente no sistema judiciário, na medida em que o corpo legislativo, a forma de organização das estruturas e mecanismos judiciais deixam transparecer um determinado código político, instrumental e simbólico. Estava deste modo definido o âmbito do estudo – o impacto do aparelho judicial no controlo da criminalidade registada na comarca de Braga nas décadas de quarenta e cinquenta do século XX. Braga, enquanto aglomerado populacional de média dimensão17, cuja complementaridade entre urbano e rural se punha com premência, foi terreno escolhido para esta investigação. Concordando com Salvado (2003)18, a movimentação de pessoas e bens dentro de um núcleo urbano, quer se verifique a sua permanência ou não, desencadeia toda uma série de dificuldades na quais radica a criminalidade. A falta de emprego, as dificuldades de adaptação, a dissolução dos mecanismos familiares, a pobreza, os esquemas da economia paralela são fatores que aparecem concentrados nas cidades. Relativamente a este assunto, também concordamos com Fatela (1989)19, que ao estudar os comportamentos violentos em Portugal de 1926 a 1946, concluiu que os distritos mais urbanos concentravam taxas mais elevadas de criminalidade, embora este autor tenha estudo sobretudo a criminalidade violenta e, dentro desta, a prática do homicídio. Para além desta circunstância, assumiu-se também como hipótese de trabalho o facto de a cidade ser sede de comarca, o que concomitantemente com uma maior vigilância por parte dos agentes policiais, permitir uma maior comunicação do ato ilícito às autoridades.

16

17

Nuno Coelho, “Memória e quotidiano judiciário.”, 37. Miguel Sopas de Melo Bandeira, ”Introdução”, O espaço urbano de Braga: obras públicas, urbanismo e planeamento (1790-1974). 3 vols. Braga,

Universidade do Minho, 2001. (Tese de doutoramento não publicada) 18

Maria de Fátima Salvado. Criminalidade e insegurança no distrito de Castelo Branco: criminalidade segurança e a sua evolução em concelhos rurais -

Belmonte e Fundão - e urbanos - Covilhã e Castelo Branco - do distrito de Castelo Branco /; orient. João Dias das Neves. Tese de Mestrado, Universidade da Beira Interior, [Texto policopiado], Covilhã, 2003, 2. 19

João Fatela, O Sangue e a Rua. Elementos para uma antropologia da violência Portugal (1926- 1946), Lisboa, Dom Quixote, 1989.

19

 

Apresentação Definidos os pressupostos iniciais do nosso estudo, iniciamos a procura pelo suporte documental em que havia de se alicerçar o nosso estudo. Num segundo momento, foram avaliadas as condicionantes documentais que o levantamento dos processos trouxe à luz do dia, nomeadamente a inexistência da totalidade dos processos, facto comprovado pelo cruzamento do espólio processual com os dados de alguns dos livros de porta encontrados, após longas diligências. Por outro lado, o enorme trabalho preservação, feito de boa vontade ao longo dos anos na gestão do Arquivo do Tribunal, foi marginal relativamente aos normativos legais, tendo-se baseado muito em critérios de bom senso. Porém, tal não impediu que esta secção do Tribunal fosse deixada à mercê das circunstâncias, não sendo considerados importantes aqueles documentos cuja utilidade legal aparentemente tinha já terminado. Muito embora, a conservação de uma fatia não negligenciável de documentação produzida seja considerada de conservação permanente, por força das limitações de espaço e pelas movimentações físicas do Tribunal de Braga, em grande medida pelas dificuldades impostas pelos espaços que ocupou, muito perdeu-se no tempo e na memória, estando registados incêndios, inundações, mudanças de ”casa” que fizeram perigar o espólio documental. O número mínimo de processos encontrados para cada ano foi determinante na construção da amostra da investigação, o qual foi de três exemplares, tendo-se mantido durante largo tempo, até aos resultados preliminares, a expectativa se seriam suficiente para validar os dados daí obtidos, como depois se veio a verificar pela consistência dos resultados finais. Seguiu-se então o estudo da estrutura de um processo, estudo esse que passou pela análise de um número infindável de conjuntos processuais, de tipologias várias, no sentido de perceber qual a sua organização real, e não aquela determinada pela vasta legislação, e quais as hipóteses de levantamento de informação, que depois pudesse ser tratada. Lidos alguns manuais de Direito, estudados os mecanismos de estatística interna do Ministério de Justiça e do INE, chegou-se a uma listagem de parâmetros que julgámos permitir caraterizar a amostra. Estes levaram à construção de uma base de dados que possibilitasse a investigação, todavia a aplicação revestiu-se de alguma complexidade, na medida em que alguns deles não nos foram sugeridos pelos estudos preparatórios que fizemos, mas antes pela exaustiva leitura dos próprios processos, o que levou a sucessivas reformulações e retrocessos na exploração de documentos, que o próprio senso comum confirma que são enormes e de compreensão difícil, uma vez que maioritariamente de documentos

20

manuscritos se trata, redigidos por várias pessoas20. O método seguido nesta investigação é análogo ao adotado por outros, que socorrendo-se das estatísticas judiciais, ou de dados de processos judiciais, noutros contextos geográficos e noutros arcos temporais, tais como Fatela (1989), Vaquinhas (1990), Vaz (1998), Santos (1999) e mais recentemente Esteves (2010). Estabilizada a base de dados, escolheu-se um software, IBM SPSS Statistics versão 17.0 e versões posteriores, de tratamento estatístico adaptado às ciências sociais, que se revelou uma ferramenta de enorme utilidade dadas as possibilidades de análise que permitiu. O conjunto das variáveis construídas pode ser dividido em três grandes grupos- processo, réus e vítimas. Cada um deles subdividido segundo as categorias que a seguir se enunciam: Do processo 

Tipologia de processo



Tribunal (vara, Juízo)



Duração do processo



Desfecho do processo



Amnistias



Apresentação da denúncia



Autor da ação



Tipo de Crime (indicado no processo e depois categorizado em grupos segundo Código penal)

20



Existência de agressão física e/ou verbal)



Tipo agressão



Arma utilizada



Local do crime



Parentesco do réu com a vítima



Relação do Crime com o local



Possibilidade de a Vítima também ser réu



Defesa do réu (parâmetro multiplicado pelo número de réus)



Defesa da vítima (parâmetro multiplicado pelo número de réus)



Réu único

O nosso estudo insere-se na tendência que Neto (2005, 14) descreve desta forma “o estudo dos comportamentos violentos alicerçou-se na exploração

sistemática dos arquivos judiciais, sendo os dados “extraídos” dessas fontes tratados com base numa metodologia serial, na chamada “história quantitativa de terceiro nível”. 21



Existência de penas diferenciadas (na hipótese de número de réus ser maior que um)



Sentença aplicada ao réu (parâmetro multiplicado pelo número de réus)



Pena aplicada ao réu



Cumprimento da pena pelo réu



Pagamento das custas judiciais pelo réu



Pagamento da multa pelo réu



Valor da multa pelo réu



Identificação do fiador (categorias profissionais)



Existência de indemnização



Número de testemunhas apresentadas de defesa



Número de testemunhas de acusação

Do réu (parâmetros multiplicados pelo número de réus existentes no processo) 

Situação do réu face à justiça



Situação de liberdade ou não do réu



Idade



Maioridade



Sexo



Estado civil



Situação profissional



Profissão - foi realizado um levantamento exaustivo das profissões, que depois foram agrupadas por sectores económicos e por grandes grupos profissionais conforme definição do INE



Filiação – Pai e mãe com relação conhecida com o réu



Instrução do réu - dados limitados ao domínio ou não da leitura e da escrita



Naturalidade – distrito de Braga, concelho e freguesia



Morada – distrito de Braga, concelho e freguesia

Da vítima (parâmetros multiplicados pelo número de vítimas existentes no processo) 

número de vítimas



vitima identificação – particular, instituição…



identificação da instituição



vitima (idade) - não obstante o fato de esta informação ser muitas vezes omissa



Vítima (maioridade)



Sexo



Estado civil 22



Situação profissional



Profissão - foi realizado um levantamento exaustivo das profissões que depois foram agrupadas por sectores económicos e por grandes grupos profissionais conforme definição do INE



Instrução da vítima – dados limitados ao domínio ou não da leitura e da escrita



Naturalidade – distrito de Braga ou não, concelho e freguesia



Morada – distrito de Braga, concelho e freguesia

A informação recolhida foi maioritariamente quantitativa, porém retiveram-se alguns dados qualitativos, sobretudo no que concerne à situação socioeconómica dos réus, tida em forte consideração pelos juízes ao proferir a sentença, bem como alguns dados dos testemunhos e das sentenças. Concomitantemente a este conjunto documental foram consultados os documentos da secretaria do tribunal de Braga, onde, para além de livros de sentenças21 e de porta22, veio à nossa atenção uma pequena série de relatório anuais dos serviços dos anos de 1952, 1953,1958 e 1959, bem como mapas de processos distribuídos por juízos dos anos de 1946, 1949, 1950, 1952 (cível e crime). No Arquivo do Ministério da Justiça, foram levadas a cabo diligências que permitiram a consulta de documentação variada sobre a avaliação ministerial de 1958 das Estatísticas Oficiais23 e documentação sobre movimento processual de tribunais minhotos24. Para além destes foram ainda consultados os Relatórios de Inspeção ao Tribunal de Braga do Conselho Superior Judiciário dos anos de 1951, 1955 e de 1959. O presente trabalho apresenta-se dividido em três partes: - primeira parte dedicada ao estudo da representação do crime e da criminalidade e ao enquadramento jurídico-penal vigente. A questão da gestão e organização do arquivo judicial, pela

21

Livro de controlo de atos processuais, no caso das sentenças, onde estas são registadas, identificando-se também aí o(s) réu(s), o tipo de processo e a data

de início e de fim do processo. Não obstante a riqueza da informação contida, não nos foi possível reconstituir uma série, existindo apenas uns quantos exemplares de anos dispersos, mais cíveis (7) do que crime (2). 22

Livro de registo onde são anotados os processos que entram no tribunal. Segundo nos foi possível apurar pelas existências, e pelos relatórios de inspeção,

havia vários, adstritos a cada um dos tipos processuais, incluindo-se os corpos de delitos (processos de instrução criminal). Relativamente a este registo, dele constavam a data de entrada no tribunal, a identificação do réu e vítima, bem como o crime de que vinha acusado e, em alguns casos, a sentença proferida (porém este campo foi muitas vezes deixado por preencher, muito provavelmente pelo ato já se encontrar nos livros de sentença- ver nota anterior). Quanto ao número de exemplares, a circunstância é em tudo semelhante aos livros de sentenças, no que ao nosso arco temporal diz respeito, apena um de 1948, pelo que a sua utilização foi bastante diminuta. 23

Arquivo do Ministério da Justiça, Secção 10-Planenamento e Controlo de Atividade; subsecção 10.01/04- caixa 1), Capítulo 1º Movimento Judiciário Relatório

da Comissão – Despacho 3 de Março de 1961. 24

Arquivo do Ministério da Justiça, Secção 10-Planenamento e Controlo de Atividade; subsecção 10.03.01/- caixa 1, Estatísticas sobre o movimento do

Supremo Tribunal de Justiça, Relações, Procuradoria Geral e Conselho Superior Judiciário. 1943 a 51).Relatório da Câmara Municipal de Famalicão, 1959. 23

importância de que se revestiu neste estudo, estará também contida nesta parte. - segunda parte, em que se discutem as estatísticas judiciais e se apresentam os dados relativos à comarca de Braga. - terceira parte é constituída por uma breve resenha sobre o Tribunal de Braga, enquanto espaço físico e enquanto “guardião” de uma grande parte do seu espólio documental. A apresentação dos resultados da investigação desenvolver-se-á em torno de 5 grandes subdivisões – dos crimes, do processo, dos réus e das vítimas e dos tempos da justiça.

24

 

Capítulo I: As leis e a questão da justiça no Estado Novo A criminalidade e o desenvolvimento da codificação penal - finais do século XIX e meados do século XX A criminalidade enquanto fenómeno que ameaça a sociedade no seu todo e os indivíduos em particular afigura-se como preocupação de Governos, de instituições que existem para o seu controlo, como as polícias e os tribunais, para não citar muitas outras. Indubitavelmente o cidadão comum que, pelo medo que a violência associada à criminalidade ou pela revolta da destruição dos seus bens, tem claras preocupações pelo seu presente e futuro. A questão da criminalidade suscita atenção, pois, tal como todos os conceitos, também este não é definitivo, não é imutável, sofrendo variações ao longo do tempo e no espaço, isto é, cada sociedade, muito embora penalizando social ou judicialmente um comportamento, fá-lo imbuída dos seus pressupostos ideológicos, morais, políticos e até religiosos. Por outro lado, falar em crime é ter como realidade subjacente a justiça penal, porquanto que, no imaginário coletivo, a justiça penal serve a controlar os casos de desvio à norma, tudo aquilo que foge ao socialmente aceitável e aceitado. Como refere Chavaud25, o sistema penal presta-se ao controlo da criminalidade, entendida como uma verdadeira praga penal para a sociedade contemporânea. Paradoxalmente, o mundo da justiça penal não representa a maioria dos factos sociais violentos, uma vez que as cifras da criminalidade real não são rigorosamente coincidentes com as da criminalidade comunicadas às autoridades policiais e judiciárias. Contudo, é esta criminalidade comunicada, visada pelos mecanismos de controlo que é mediatizada, comentada e divulgada, minimizando de alguma forma a angústia social, sentida pela vítima e pela própria sociedade, servindo um propósito ancestral de vingança, que se torna racional e civilizado, e que o Estado acaba por personificar. Sutherland, citado por Figueiredo Dias26, afirmou que uma das caraterísticas essenciais do crime é este ser um comportamento proibido pelo Estado por se afigurar como um dano contra ele próprio, ao qual o Estado reage ou pode reagir com a aplicação de uma pena. Conhecer o fenómeno criminal, segundo Chevalier, citado por Chauvaud (2007,13)27, permite combater, prevenir e encontrar respostas para um dos fatores que maior medo provoca dentro da sociedade, que mais desafia as bases do Estado.

25

Chauvaud, “Introduction”…9.

26

Jorge Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade, Criminologia. O Homem Delinquente e a Sociedade Criminógena. Coimbra: Coimbra Editora, 1984, 81.

27

Chavaud, “Introduction”…13. 25

Contudo, no entender de Figueiredo Dias28 “… o crime em sentido criminológico será todo o comportamento, mas só aquele, que a lei criminal tipifica enquanto tal…”, pelo que importa entender a forma como os mecanismos legislativos respondem às aspirações sociais, científicas e sobretudo políticas na definição/modelação dos comportamentos sociais. Os congressos sobre a criminalidade, a partir da segunda metade do século XIX e ao longo do século XX, demonstram bem essa preocupação num momento de discussão, em que as sociedades ocidentais consideravam essencial um estudo do fenómeno da criminalidade que tivesse claras implicações nos novos códigos penais então em discussão e elaboração. No caso português, as individualidades envolvidas nessas questões, oriundas de quadrantes bem diferenciados, médicos, juristas, teólogos, pedagogos, pensadores do fenómeno social, políticos, deram voz nessas reuniões magnas e trouxeram para o panorama nacional muitas das decisões então tomadas, não seguindo apenas as soluções aventadas por outros, mas também propondo soluções que serviam a outros29. Esta questão do controlo da criminalidade torna-se ainda de maior vulto no período entre duas guerras mundiais. A crise despoletada por estes dois grandes conflitos à escala europeia e mundial, crise que se fez sentir em todos os setores, do político ao económico, do social ao criminal. A redefinição dos valores económicos, mas sobretudo morais, num movimento de reestruturação que grassou por toda a Europa, lançou as bases, num plano político, para a emergência e consolidação, nas primeiras décadas do século XX, de regimes autoritários e totalitários. Neste sentido, a questão moral, então na ordem do dia, ajuda a enquadrar e a compreender a enfatização dos estudos, de todos os Congressos, reuniões magnas acerca da criminalidade, bem como do reforço da legislação produzida. As reformas penais assumiram-se como prioridade para os primeiros governos republicanos portugueses, sobretudo no âmbito infanto-juvenil30. A legislação de 1911 patenteia e dá corpo em termos científicos e médicos a uma orientação modernizante, colocando médicos e juízes em clara oposição. De forma breve, as revisões do ordenamento legislativo, logo em 1915, seguidas no pós 1919, evidenciam o reforço da orientação repressiva e denotam a recetividade aos desenvolvimentos legislativos italianos. As reformas em estudo em 1925 tiveram continuidade no âmbito da Ditadura Militar através do Ministro da Justiça Tutelar- Manuel Rodrigues Júnior. Neste sentido, as reformas levadas a cabo a partir de 1936 – 28

Figueiredo Dias et al Criminologia…, 88.

29

Tiago Pires Marques, “Eugenismo criminal em Portugal? Saberes médico-legais, catolicismo e controlo social (c. 1910- c. 1940)”. Em Justiça na Res Publica

(Sécs. XIX-XX). Vol. 2. Ordem, direitos individuais e defesa da sociedade. Coord. Fátima Moura Ferreira, Francisco Azevedo Mendes, José Viriato Capela, 51-66. Braga: CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória», outubro de 2011. 30

Maria de Fátima da Cunha Moura Ferreira, “Representações sobre a delinquência dos Menores e o Universo da criança a proteger na 1ª República: Entre os

campos da justiça e da assistência”. Em Pobreza e assistência no espaço ibérico: Séculos XVI-XX. Coord. Maria Marta Lobo de Araújo, Fátima Moura Ferreira e Alexandra Esteves, 49-68. Braga: CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória», janeiro de 2010.

26

que correspondem aos primórdios de cristalização do novo regime- devem ser lidas nessa orientação delineada a seguir ao desfecho do primeiro conflito mundial, o que se compreende. A atenção do legislador, foi, sem dúvida, dar resposta ao incremento da conflitualidade social que os finais dos anos 20 e inícios de 30 espelham, em particular na capital. Para os estados autoritários, então em constituição ou em fase de consolidação de medidas, a identificação dos fenómenos criminais e dos seus autores, o estudo de medidas tendentes ao controle de grupos identificados ou de sanção dos prevaricadores estavam na ordem do dia31. Conforme o realçou Marques (2010)32, nos circuitos científicos internacionais, tanto a Antropologia Criminal, como a Psicologia Criminal aventavam hipóteses que ganhavam cada vez mais expressão. Defendiam entre outras teorias, a existência de uma predisposição genética para o crime, alimentada por circunstâncias familiares. Ao mesmo tempo, defendem a existência de traços fisionómicos que traçariam o futuro criminal do indivíduo. A Antropologia Criminal conceptualizou o criminoso como o “outro”, aquele que não tem enquadramento na sociedade, e do qual a sociedade de tem que defender. Marques (2007)33, citando o pensamento de Enrico Ferri, postula que o mundo da criminalidade se apresenta como o mundo da anormalidade, cuja a sua existência desafia as normas que garantem a própria sociedade. A antropologia criminal contribuiu para o sistema judicial ao codificar duas figuras essenciais que ganharam corpo nos códigos penais do século XX, a do delinquente habitual e do delinquente por tendência. Periculosidade e maldade tornaram-se realidades que emergem do contrato social para a legislação penal, nomeadamente para a legislação penal produzida pelos estados autoritários europeus, nas quais se enquadra a de Portugal dos anos 40. O modelo italiano do código penal foi precursor na Europa dos regimes autoritários, na codificação do Estado enquanto sujeito jurídico. O direito penitenciário italiano correspondeu à necessidade sentida pelas classes governantes de abandonar a utopia liberal da igualdade formal e da necessidade de codificação da desigualdade na codificação jurídica, o que se consubstanciou na codificação do “perigoso”. Pende, um dos criminologistas italianos conceituados e reconhecidos no regime fascista, citado por Marques (2007)34, afirmava que relativamente “à liberdade, essa é sempre para o individuo, que vive no

31

Sobre os compassos internacionais veja-se Tiago Pires Marques “Mussolini´s Nose. A Transnational History of the Penal Code of Fascism”. Luís Bigotte

Chorão, “A crise da República e a Ditadura Militar”, Marie- Sylvie Dopunt-Bouchat “”Le mouvement international em faveur de la protection de l’enfance (18801914)”, 32

Tiago Pires Marques “Mussolini´s Nose. ...”.

33

Marques “Mussolini’s…”, 421.

34

Pende, citado por Marques “Mussolini´s Nose…”, 423. 27

agregado social, […], mas, que progrediu civicamente, numa liberdade condicionada, isto é, reduzida e regulada pelas exigências da coletividade e do organismo estatal à vida unitária da qual o individuo faz parte (…).” (tradução nossa) A própria sociedade estava em jogo, na sua subsistência e continuidade, pelo que este autor advogava a ingerência do estado em todas as esferas da vida dos indivíduos, tendo em conta um fim último, a sustentabilidade do próprio estado. Neste sentido, todos aqueles que não se integrassem nos objetivos defendido pelo estado, todos aqueles que não se integrassem no corpo social do estado eram potencialmente perigosos, pondo em risco toda a organização social. Paralelamente às sanções preconizadas no código penal havia que manter sob custódia apertada e orientada, aqueles indivíduos cuja existência era desviante da norma. Aplicando sanções diretamente, investidos de um poder forte, o do Estado, vigiavam os indivíduos inúteis, perigosos portanto para o Estado corporativo, organizado. A reorganização dos mecanismos de vigilância e de punição vai acompanhar o processo de elaboração de diplomas legais que sustentassem as opções, em termos de controlo da criminalidade e de aplicação da justiça. Na esteira de Marques (2007)35, na construção do estado organicista, o indivíduo prevaricador foi entendido como um vírus que atacava, que infetava o corpo social. Foram criados mecanismos que permitissem debelar essas fragilidades. Mais que punir, interessava impedir a propagação dos comportamentos desviantes, daí o reforço das sanções, não só no que toca às penas, mas ao alargamento das responsabilidades dos agentes responsáveis pela segurança do Estado e dos cidadãos. O sistema judicial italiano conservava os valores essenciais da sociedade, no sentido em que defendia a primazia da tradição sobre a inovação, propondo um retrocesso no tempo na procura dos verdadeiros princípios morais do Estado. Considerava-se ainda durante a construção do Estado autoritário Italiano que a primeira guerra mundial tinha sido o momento maior da degradação dos estados e que o estado saído dessa realidade devia desviar-se frontalmente da situação de caos gerada por essa circunstância procurando-se a restauração da ordem existente antes da desordem. Das múltiplas facetas do Estado teorizados neste período, importa para este estudo aquela que concerne à justiça e ao controlo da criminalidade, pois claramente a justiça foi entendida pelos estados autoritários na forma como a imagem do estado se construía em torno da ideia de autoridade e força. O sistema policial e judicial servia este propósito mais lato. No mesmo enquadramento legitima-se o uso da força, mais ou menos repressiva, mais ou menos regeneradora. O sistema judicial defendido por Rocco e implementado pelo estado autoritário italiano, mantém a dicotomia liberal, num propósito que já apresentamos de continuidade, defendendo a responsabilidade do 35

Marques “Mussolini’s Nose…”, 421. 28

indivíduo pelos atos cometidos e como tal julgáveis e puníveis, alia-se a conceção da deformação psicológica do criminoso. O reconhecimento da tendência para a criminalidade e das recidivas dos comportamentos desviantes são assumido pelo sistema penal italiano e assumida como modelo para outros estado, como o caso português, em que a figura do criminoso habitual ganha lugar e corpo. As colónias de trabalho para os criminosos, as medidas de segurança sob as quais eram colocados inúmeros homens e mulheres são algumas das estratégias seguidas pelo sistema judicial, numa ação concertada de tribunais, polícias e o próprio estado de defender a sociedade, responsabilidade nobre e intocável dos governos, do português, do italiano que lhe serviu em muito de inspiração36. A justiça serve um propósito determinado pela máquina política do Estado, que definiu os seus princípios e aos quais o aparelho judicial responde e se adequa. A codificação criminal serviu os regimes fascistas nesse momento importante de controlo político da sociedade, quer no que toca a mecanismos, como a formas sancionatórias da criminalidade. Neste sentido, e concordando com Figueiredo Dias37, pode reconhecer-se uma interligação estreita entre a lei e as normas sociais, podendo defender-se uma enorme complementaridade entre ambos. Se a lei condiciona os comportamentos, também é certo que as normas do grupo tornam prementes as alterações à lei. No quadro da construção e reforço do Estado Novo português, tendo presente o que atrás foi dito, a construção do paradigma judicial pareceria responder a uma necessidade social a que o Estado responderia, colocando na sua esfera de controlo, a vida de todos e de cada um dos cidadãos. A moralidade do Estado, e por conseguinte, dos cidadãos, estava em jogo e o estado autoritário assumia como sua responsabilidade construir um Portugal novo. A influência do processo italiano, como veremos adiante, foi um contributo tido em especial conta pelos sucessivos tutelares da pasta da Justiça. Nesta estratégia de recuperação da sociedade, as polícias desempenharam um papel importante, encarnando o espírito da lei no espaço social. Torna-se relevante considerar a intervenção das policias quer no controlo da criminalidade real, pelo policiamento dos espaços públicos e acorrendo a solicitações dos privados, quer em todo o processo de apuramento das responsabilidades dos indivíduos, coadjuvando

36

Marques “0 eugenismo…”,2. “Após as leis de deportação de incorrigíveis e vadios acima referidas, o princípio da perigosidade conheceu uma nova extensão

através da legislação sobre menores, em particular no sistema das tutorias da infância da I República , e na criação de cadeias de alta segurança e de colónias 36

agrícolas, destinadas a delinquentes perigosos (a Cadeia de Monsanto, em 1914; e a Colónia Penal Agrícola de Sintra, em 1915); e, no início do Estado Novo, a Polícia de Segurança Pública, em ligação com a qual funcionaram as colónias para vadios e incorrigíveis (nomeadamente a Mitra e colónia de Pisão). A codificação jurídica da perigosidade surgiu em 1936 na organização prisional de Beleza dos Santos, que constituiu o primeiro articulado de direito penitenciário em Portugal. As normas de administração prisional adquiriam, assim, uma dignidade jurídica superior aos regulamentos administrativos das prisões. Neste contexto, foram implantadas em Portugal, com a designação de «penas de segurança», as medidas penais relativas à perigosidade dos delinquentes recomendadas pelos congressos penais e penitenciários internacionais, e codificadas juridicamente pelo governo de Mussolini e por criminólogos que lhe eram próximos.” 37

Figueiredo Dias et al Criminologia…, 90. 29

na investigação da criminalidade registada nos tribunais38.

A questão legislativa-penal no sistema judicial do Estado Novo O estudo de um fenómeno como o da criminalidade não pode desligar-se do seu enquadramento legislativo. A aplicação da lei com vista a um fim maior, o do controlo de um fenómeno cujo falhanço põe em risco a própria sustentabilidade social, afirma-se pois como essencial a qualquer estudo que procure lançar luz sobre as dinâmicas do aparelho da justiça, seja no plano local, como é o objetivo deste estudo, seja num plano mais alargado, a nível nacional ou até inserido num movimento mais lato a nível europeu. Ainda mais, quando essas dinâmicas, assumidamente convergem para a consolidação do próprio Estado, moldado segundo uma ideologia autoritária. As raízes do sistema judicial português contemporâneo radicam nas grandes mudanças sociais, económica e políticas do século XIX. Emergia como necessidade fundamental à construção de um novo modelo de Estado, para ajustamento a uma sociedade que se queria “nova”, a criação de um normativo penal capaz de ser aplicado com rigor, isenção e justiça a todos e que respondesse à enorme vontade por ordem que a sociedade exigia. No quadro da instauração do “Estado Novo” português, a lei criminal revestiu-se de particular relevo. O caminho, iniciado nos anos vinte pelos governos da I República, anteriores à instauração da ditadura militar, foram tendentes a lançar as bases de implementação de medidas de controlo sobre o poder judicial em particular, e da sociedade em geral. Lopes39, documenta para este período, medidas tomadas no âmbito da magistratura que demonstram a preocupação dos governos, ainda republicanos, em controlar a magistratura, quer levando a cabo depurações, quer implementando medidas, no âmbito da reestruturação do Conselho Superior Judiciário, como as inspeções regulares aos tribunais, quer controlando individualmente os magistrados. Estas sanções faziam sentir-se de múltiplas e variadas formas, resultando em diplomas legais40, que não obstante não terem provocado o afastamento de

38

A este propósito veja-se Cândido Gonçalo Rocha Gonçalves, “A construção de uma política urbana (Lisboa, 1890-1940): institucionalização, organização e

práticas”. Tese de doutoramento orientada pelo Prof. Doutor Luís Madureira, Lisboa: ISCTE, 2008. Disponível em http://hdl.handle.net/10071/632. 39

Nuno José Mendes Lopes. “Disciplina e controlo da magistratura judicial entre a República e o Estado Novo (1910-1945)”. Tese de doutoramento, História

(especialidade de História Contemporânea), Braga, Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, 2010, (tese não publicada). Capítulo1. 40

Nuno Lopes, “Disciplina e controlo da magistratura judicial …”.Capítulo II: ”Os anos vinte, até ao 28 de Maio, não foram particularmente pródigos em

reformas judiciárias. Lendo a legislação e enquadrando-a na sucessão dos vários ministérios torna-se mesmo impossível definir uma linha programática definida, tratando-se o mais das vezes de medidas avulsas. À parte as reestruturações do Conselho Superior Judiciário e a criação do Tribunal de Defesa Social, contam-se apenas, além de algumas disposições de menor alcance no que toca à magistratura , duas outras: a promulgação da Organização Disciplinar 40

Judiciária, em Novembro de 1924, e o decreto nº 10:734, de 2 de Maio de 1925, sobre infrações disciplinares. […] Este último decreto reavivava o de 5 de Maio de 1919, de saneamento da República após as incursões monárquicas. Na verdade, ele determinava que a ação disciplinar sobre magistrados, 30

qualquer magistrado, como refere Lopes (2011), consolidam o aumento de poder do poder executivo sobre o judicial. Enquadrado historicamente num momento de crescimento de regimes totalitários e autoritários a nível europeu, a influência do fascismo italiano foi determinante41 na consolidação das bases doutrinárias do regime português. A atenção dada ao contexto judicial foi um dos marcos da doutrina, pelo que Marques (2007) aponta que o código penal assumiu, no fascismo italiano, a realização extraordinária da vontade popular42, cujo sinal de encontra também no desenvolvimento das bases do “Estado Novo”. O rumo dos acontecimentos em Portugal havia de trazer a questão judicial e política para o quadro das medidas levadas a cabo pelo governo de Ditadura Militar saído do 28 de maio de 1926. Bigotte Chorão, ilustrando o estado de justiça nos dias que precederam a este acontecimento, transcreve as palavras do ministro Catanho de Menezes, pouco tempo antes do golpe militar: “Na pasta da Justiça há tanto para fazer, tanto que formar, que eu bem posso dizer, sem menosprezo para as instituições nem para os meus antecessores, que tudo está por fazer.”43 O responsável pela pasta da Justiça que se lhe seguiu havia de tentar responder a estas palavras e esse foi Manuel Rodrigues Júnior44, ministro da Justiça e dos Cultos de 1926 a 1928 e depois de 1932 a 1940, cujas medidas legislativas foram tendentes a legitimar na “nova” ordem política e reorganizar o sistema judicial português à luz de princípios maiores, como já vimos, a afirmação da supremacia do Estado. O exemplo fascista italiano, que considerava, pela voz do seu teorizador e ministro Alfredo Rocco, a emergência de construção de um corpo legislativo forte para sustentar e legitimar o Estado, foi estudado por Marques (2007) e Bigotte Chorão (2011), e considerado como paralelo no rumo da reorganização do poder judicial levada a cabo em Portugal, assinalando o último, “a coincidência que se verifica entre alguns objetivos da Política de Direito definidos em Itália e aqueles que foram concretizados em Portugal, funcionários e empregados civis e militares, por apreciação ou julgamento de infrações de carácter político, caberia exclusivamente ao poder executivo ” .

41

Nuno Lopes, “Disciplina e controlo da magistratura judicial …”.Capítulo II: “Neste sentido, o fascismo italiano evidenciou-se mais moderado, sendo que, no

entanto, o princípio da vontade do Duce como fonte de direito manteve-se, alicerçado num direito positivo que lhe servia. O caso italiano demostrou-se ainda influenciador do português (se bem que as referências explícitas em autores como Manuel Rodrigues sejam muito vagas e raras), sobretudo no que respeita ao modelo processualista inquisitório (por exemplo, de Chiovenda). Como provou Orazio Abbamonte , o ventennio fascista teve o forte apoio das magistraturas 41

judiciais superiores, que foram progressivamente mantidas sobre o apertado controlo do aparelho judiciário. Segundo Antonella Meniconi, este processo terminou com o «ordinamento Grandi», em 1941, onde se podia verificar reforma «completamente fascista» da magistratura, com poderes quase plenos do ministro da justiça . Tiago Marques, em estudo recente, demonstra pelo seu lado como a construção do processo penal italiano, até à promulgação do Código 41

de 1930 (1925-1930), obedeceu aos princípios do novo regime . 41

42

Pende citado por Marques “Mussolini’s…”,10. ““ (l)a promulgazione di um Codice Penale è una delle manifestazione più fondamentale della volontà statale,

perchè disciplina le forme anormale, immorale, antigiuridiche della umana attivittà ed è poi espressione quotidiana e formidabile di potenza politica nello Stato, che promulga e fa apllicare la legge penale.”. 43

Luís Bigotte Chorão. Crise Política e Política do Direito – O Caso da Ditadura Militar. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2007.

44

A propósito da obra e da ação de Manuel Rodrigues Júnior veja-se Luís Bigotte Chorão, Crise Política e Política do Direito – O Caso da Ditadura Militar. Parte

Segunda: a nova ordem das coisas no Direito e na Justiça, 429- 839. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2007. 31

aqui até nalguns casos com antecipação”45. Á semelhança destes, também Lopes (2011) refere que a primazia do Estado, a sua superioridade face ao individual, coloca o Estado Novo português próximo sociologicamente do fascismo Italiano, consubstanciando-se em matizes diferentes, mas adjacentes. No quadro da ditadura Militar, e pelas mãos do Ministro da Justiça e dos Cultos, Manuel rodrigues júnior, como defendem Bigotte Chorão e Lopes, importante teorizador do Estado Novo e obreiro de surgem dois documentos basilares- o Estatuto Judiciário de 1927 e o Estatuto Judiciário de 1928 - que reformaram profundamente o sistema judicial, à luz dos princípios do Estado Novo. Reforça-se o poder dos juízes, limita-se o papel dos advogados, reorganizam-se as comarcas e os tribunais, centralizavam as estruturas judiciais numa base hierárquica, de subordinação. Mais do que legislação específica para a área cível ou crime, importava acabar com a desordem e o caos que a doutrina do Estado reconhecia à instituição judiciária, e é esse o desígnio a que responderam os dois referidos diplomas, sendo que o segundo apresenta-se grosso modo como uma atualização do primeiro. Lopes (2011) avalia do impacto destas medidas na valorização dos tribunais e na definição de papéis dos seus intervenientes: “Esta reformulação do espaço do tribunal e dos seus atores, repousava numa dimensão que substituía o conflito e o litígio pela noção de verdade e de defesa do bem comum. Cada um dos seus membros deveria deixar o seu interesse privado às portas do tribunal, encarando a sua missão como sacerdócio, como fazendo parte de uma família judicial, interessada em velar pela verdade e pela sua descoberta. O juiz forte representava o Estado forte e autoritário, que conduzia todo o processo, por nele ser interessado. A ideia de que toda a relação jurídica deveria ter presente o bem comum, como afirmava Manuel Rodrigues, via-se assim representada na figura dos magistrados, tendo estes um papel activo de condução dos processos. Os advogados deveriam auxiliar o juiz, prestando pela sua intervenção um esclarecimento sobre a lei a aplicar, conhecimento esse que as partes não dispunham – e apenas isso justificava a existência da advocacia. Por sua vez, as próprias partes, deveriam estar interessadas em que a justiça fosse realizada em favor do bem comum, da verdade, abdicando do seu interesse particular quando fosse ele injusto.”

46

A supremacia do poder político sobre o judicial, na justa medida em que os tribunais encarnavam a vontade e o desígnio do próprio estado, fez com que fosse redefinido o papel dos diferentes intervenientes no processo judicial. A ação das diferentes partes no processo-crime, o qual importa ao presente estudo, como os advogados, mas também os ofensores e os ofendidos, esbatem-se perante aqueles que eram os

45

Bigotte Chorão, “ A crise na república…”, 511. Referia-se o autor à antecipação do Código Processual Civil português, mas na mesma linha do que mais

tarde viria a ser proposto por Rocco em Itália. 46

Nuno Lopes, “Disciplina e controlo da magistratura judicial …”.Capítulo II. 32

objetivos maiores da justiça- os da defesa e afirmação do próprio estado47. Para além disto, colocam-se os tribunais como importantes peças de poder, concordando-se com o que refere Boaventura Sousa Santos48 numa análise sociológica do papel dos tribunais: “Como referimos, a independência segundo a matriz liberal, dominante no primeiro período, é atribuída aos tribunais na exata medida em que estes são politicamente neutralizados por uma rede de dependências de que destacamos três: princípio da legalidade (…); o carácter reativo dos tribunais que os torna dependentes da procura dos cidadãos; e a dependência orçamental e administrativa em relação ao poder executivo e legislativo. […] É por esta razão que os regimes ditatoriais não tiveram grandes problemas em salvaguardar a independência dos tribunais. Desde que fosse assegurada a sua neutralização política, a independência dos tribunais podia servir os desígnios da ditadura.” Santos (1996, 36) . 49

A penalização do crime, durante o período em estudo- 1940 a 1959- entronca num documento fundamental, o Código Penal de 1886, o sucessor do de 1852, que se manteve, com alterações pontuais, para além das fronteiras cronológicas deste estudo, mais precisamente até 1982, vigorando até esta data como documento principal da penalização criminal. A codificação dos crimes, a tipologia processual, a normatividade dos processos, a gestão de todo o movimento processual mantiveram-se ancoradas a este documento base até meados da década de 20 do século XX por falta de códigos específicos cumprissem o seu fim50. Albuquerque (2003) e Oliveira (2011), reconhecem que a falta de uma teorização dos crimes, um novo código penal à luz do que era entendido como tal no início do século XX, ditou a manutenção do Código Penal conforme enunciado em finais do século XIX. Contudo, convém esclarecer que, não obstante a inexistência de uma alteração profunda como aquela que veio a verificar-se nos anos 80 do século XX, a tipificação dos crimes sofreu alterações pontuais. Estas foram feitas sucessivamente, conforme o ditava o rumo dos acontecimentos, desde o fim da Monarquia à instauração da República, da Ditadura Militar ou do Estado Novo. A profunda reforma levada a cabo, quer no quadro da Ditadura Militar recuperando alguns pressupostos, como vimos da I república do pós I Guerra mundial, quer no quadro Estado Novo, diminuiu a falta de tal documento com uma obra legislativa que paulatinamente o “atualizou” à luz da ideologia autoritária vigente. O Código Penal de 1886 definia o que era considerado crime, quais os comportamentos entendidos como criminosos ou desviantes, em clara sintonia com o enquadramento europeu. Regulava ainda o tipo de processos a instaurar, a diferenciação entre crimes e as normas de processo penal. Este documento

47

Conforme se verá no Capítulo III deste trabalho, quando se tratar do papel de advogados, de réus e de vítimas nos processos da Comarca de Braga de 1940

a 1959. 48

49

50

Boaventura de Sousa Santos, et al, Os tribunais nas sociedades contemporâneas: o caso português. (Porto: Afrontamento/ CES/ CEJ, 1996), 36. Santos, Os tribunais nas sociedades contemporâneas…36. Paulo Pinto Albuquerque, A reforma da justiça criminal em Portugal e na Europa. Livraria Almedina. Coimbra. 2003 33

estipulava grandes categoriais criminais51 que importa reter, uma vez que vão ser fulcrais no estudo que levamos a cabo. Estas tipologias, enunciadas durante o período liberal, perduraram no tempo não obstante as mudanças políticas e ideológicas. Afirmaram-se, sobretudo, como as áreas em que o Estado vai penalizar os incumprimentos. Num contínuo, vão manter-se tipologias criminais, aprofundando-se a sua penalização, enquanto resposta que o Estado fixa, como garante da segurança dos cidadãos. Numa breve análise a estas categorias denota-se um complexo espartilho aos comportamentos antissociais, estando relativamente previstas, grosso modo, as atividades humanas que poderiam fazer perigar a sociedade. Apoiando-se num documento sufragado pelo regime liberal, mantido no período republicano, o Estado autoritário português reconheceu neste um importante documento para a execução do seu projeto. No plano judicial, a promulgação do primeiro Código de Processo Penal, em 1929, revestiu-se de uma “enorme”52 importância, até porque, não obstante as sucessivas reformas, este documento se manteve até 1987. Se no plano de uma análise estrita à luz do Direito, o Código de Processo Penal parece não ter cumprido o que dele se esperava, como afirma Oliveira (ver nota anterior), Bigotte Chorão e Lopes, salientam a importância dos momentos legislativas anteriores - o dos estatutos judiciários de 1927 e de 1928, como momentos de reforma profunda de um sistema, que só posteriormente poderia aplicar as regras, no caso, as do Penal, criando-se os espaços e reforçando-se o papel dos juízes, enquadrando-se os restantes atores judiciais num sistema então em mutação. Muito embora Manuel Rodrigues Júnior já tivesse abandonado pela primeira vez o Governo quando o Código foi aprovado, coube-lhe a sua iniciativa, influenciado pelo código penal alemão, mas sobretudo pelo italiano. Bigotte Chorão discorda, por isso, da visão secundária que é dada ao Código de Processo penal, quando dele se diz que não passou de mera compilação, afirmando: “[…] o Código não correspondeu a uma «mera compilação e sistematização do direito anterior» (…) afirmando, antes, diretrizes de largo alcance, inclusivamente com reflexos no domínio do Processo Civil: acentuação da descoberta da verdade material como fim do processo penal; o consequente alargamento dos poderes de cognição do juiz; a oposição terminante a práticas processuais abusivas e a dilações voluntárias da marcha da justiça; como nota Figueiredo Dias, a intenção reformadora foi ao ponto de proceder ao ponto de proceder a uma substituição da anterior conceção de base acusatória, por outra inquisitória «em que competia ao juiz, para além de julgar, realizar a investigação fundamentadora da

51

Crimes contra a segurança do estado; crimes contra a ordem e tranquilidade pública; Crimes contra as pessoas; Crimes contra a propriedade.

52

Se por um lado reconhecidamente, a promulgação do Código de Processo Penal significou uma conquista há muito desejada pelos juristas, por outro, e no

entender de Oliveira (2011)”É que, visto tratar-se de um Código proveniente de um tempo de Ditadura, seria de pensar que tivesse sido construído sobre uma intenção de actualizar o programa de política criminal do regime. Se assim tivesse sido, o CPP/29 [Código de Processo Penal de 1929] teria tido importância para o processo penal semelhante à que, para a instituição do Estado Novo, teve a ConstPol/33. Assim, segundo cremos, o CPP/29 tratou-se (primordialmente) mais uma compilação de legislação – uma tentativa de emprestar alguma ordem sufocante ao chaos destrutivo em que se encontrava a legislação processual penal produzida desde a Novíssima Reforma Judiciária (NRJ) até à Ditadura Militar, do que o lançamento de uma política criminal ex

novo”, 70. 34

acusação (na terminologia do Código, o «corpo de delito» […])”

53

O Código de Processo Penal regulamentou, entre outras áreas, o âmbito das formas processuais, com base na tipologia processual em vigor, determinando-se que: 

ao processo de querela corresponderiam crimes puníveis com penas maiores ou com pena de

demissão- Art. 63º; 

ao processo correcional caberiam crimes puníveis com pena de prisão correcional superior a seis

meses e pena de multa superior a 5.0000$00 – Art. 64º; 

ao processo de polícia correcional corresponderiam crimes com prisão até seis meses e multas

até 5.0000$00 – Art. 65º; 

o processo de transgressão limitava-se ao sancionamento de transgressões de posturas, adotando-

se a regras formais do polícia correcional – Art. 66º; 

o processo sumário limitava-se ao julgamento de infrações cuja detenção fosse feita em flagrante

de delito e cuja pena, multa ou desterro não fosse superior a seis meses – Art. 67º; 

a instrução na fase de corpo de delito era encaminhada por um juiz de direito – Art. 171º e

seguintes; 

definia-se a duração da prisão preventiva – Art. 273º;



o direito do réu requerer instrução contraditória em sede de processo de polícia correcional – Art.

326º; 

era garantido o direito de recurso, limitado aos processos de querela - Art. 645. As formas processuais existentes em 1940 espelham preocupações que não eram novidades do

Estado português, mas que estão em sintonia com um movimento europeu que defendia a recuperação do individuo que prevaricava, o seu controlo e vigilância, porquanto o sucesso desta operação era igualmente garante da continuidade do estado e que haviam sido consignados na Constituição política de 193354. Concordando com Lopes, que enriquece a sua perspetiva com referências55 aos trabalhos de António Araújo e de Marcelo Caetano, quando salienta a força que a lei penal, promulgada pelo Estado, tem sobre todas as atividades humanas, assumindo-se este como garantia da ordem e da estabilidade, ao

53

Bigotte Chorão, “ A crise na república…”, 823.

54

Oliveira, Estado novo e Processo…, “A ConstPol [Constituição Política de 1933] apresentava um catálogo não taxativo no seu artigo 8.º, ou seja, a existência

de direitos fora do catálogo. O Texto Fundamental reconhecia, a título de exemplo, a liberdade de expressão do pensamento sob qualquer forma (n.º4), a

inviolabilidade do domicílio e o sigilo da correspondência, nos termos que a lei determinar (n.º6), o direito a não ser privado da liberdade pessoal, nem preso preventivamente salvo nos casos e termos previstos nos §§3 e 4 (n.º8), a haver instrução contraditória, dando-se aos arguidos, antes e depois da formação da culpa e para a aplicação de medidas de segurança, a necessárias garantias de defesa (n.º10).”, 75. 55

António Araújo, A lei de Salazar (Coimbra: Tenacitas, 2007); J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional (Coimbra: Almedina, 1993), Marcello Caetano, A

Constituição de 1933 – estudo de direito político (Coimbra: Coimbra Editora, 1956). 35

mesmo tempo em que faz transparecer uma imagem forte do aparelho do estatal e o projeto que este tem para a sociedade. Nesta linha de pensamento, a racionalidade jurídica é definida com base em valores extrajudiciais (sobretudo políticos, mas também económicos, sociais e religiosos). A total subordinação de toda a existência do Estado ao poder executivo ficou fortemente patenteada neste documento, remetendo as grandes questões de enquadramento judicial para o Estatuto Judiciário de 1928, que se apresentou sumariamente atrás. Salienta-se a proibição de criação dos tribunais especiais, consignada no art. 116º, para evitar uma justiça arbitrária, permitindo-os nos crimes contra o Estado, o que é paradigmático tendo em conta o papel que tiveram no decurso do Estado Novo. Marcelo caetano, citado por Lopes explicava deste modo o texto do referido artigo da Constituição de 1933: “Diz o artigo 116º da Constituição que é proibida a criação de tribunais especiais com competência exclusiva para julgamento de determinada ou determinadas categorias de crimes, excepto sendo estes fiscais, sociais ou contra a segurança do Estado. A Constituição não implicou, portanto, a abolição dos tribunais especiais existentes na ordem judicial e por isso não se põe o problema de saber se os tribunais militares devem ou não ser considerados como tribunais especiais para julgamento de determinadas categorias de crimes: apenas se proíbe a criação de novos tribunais especiais.”

A ambiguidade serviu para que o Estado criasse estes tribunais à medida que era necessário conter e penalizar todos aqueles que discordassem ou fossem acusados de ter discordado56. A codificação penal serviu, deste modo, um projeto mais lato do Estado, na medida em que a Reforma do Sistema Prisional de 1936 preconizava soluções duras para as ocorrências criminais, com base na distinção entre o lícito e o ilícito. Recuperaram-se as colónias Penais Agrícolas, iniciativa nascida no seio da I república, a que Manuel Rodrigues Júnior tinha já dado atenção anteriormente em 1926. Reforça-se, neste sentido, o papel do Estado (o NOVO) como modelador de comportamentos, controlador e garante da ordem, recuperando outras figuras sancionatórias como o degredo para as colónias, no caso Angola, sanções estas já existentes e aplicadas aos criminosos considerados delinquentes habituais, e que se estendem a criminosos políticos e condenados por atentados, instigadores de crimes, fabrico de armas ilegais57. Paralelamente, previam-se na lei mecanismos correcionais, de recuperação de criminosos fortuitos, cuja permanência nas prisões era “uma escola de criminosos” e não uma oportunidade de

56

Veja-se sobre este assunto as obras de Irene Pimentel, Fernando Rosas e Maria da Conceição Ribeiro sobre a ação dos tribunais extraordinários e da PIDE.

57

Esta medida já era prevista em 1896 aos condenados de anarquismo, que ficavam à mercê dos Estado após cumprirem pena correcional. Com a República

a pena de degredo manteve-se, fixada em 2 a 3 anos numa condenação inicial, podendo estender-se de 3 a 5 anos em condenações subsequentes. Durante o Estado Novo estas penas são aumentadas para um prazo a determinar em julgamento, inicialmente até dez anos e estendida ilimitadamente após reforma do sistema prisional em 1936, medida que encontra raízes nas decisões tomadas na restante Europa (Noruega - 1929; Itália – 1930; Polónia - 1932 e Alemanha 1933). Partia-se do pressuposto de uma recuperação possível do criminoso, ou, caso esta não fosse possível, numa prevenção do crime pelo afastamento do meliante do seu local de origem. 36

regeneração. A realidade, porém, é a de crescimento da população prisional58. Em 1944, a promulgação de um novo estatuto judiciário, significou o culminar de um processo de consolidação dos posicionamentos judiciais oficiais do Estado Novo, numa clara estratégia de centralização do poder judicial, caraterizando-se, conforme aponta Lopes (2011) por um esvaziamento da consciência do juiz, isto é, a afirmação de um magistrado executor das leis firmes, duras e rígidas emanadas pelo poder executivo59. Queria-se um juiz executor, cumpridor estrito das normas e pouco permeável às circunstâncias políticas, económicas e sociais do momento. Neste mesmo enquadramento a extinção definitiva da presença do júri em julgamento60, figura que tinha já sido arredada dos processos mais simples61, reservada, por isso, a processos maiores, e ainda assim por nomeação do juiz presidente, conforme predisposto no Código de Processo Penal de 1929, Art.º 474º a Art.º 523º, artigos estes que deixam de fazer qualquer sentido a partir desta data. A criação da Policia Judiciária (PJ), em 1945, substituindo a Policia de Investigação Criminal, criada em 1902, vai corresponder a uma estratégia de controlo, na medida em que, o reforço do papel das polícias, em geral, e da PJ em particular, as aproximava cada vez mais, quer do poder político, quer das populações, no enquadramento do DL nº 35.007, de 13 de Outubro de 194562. Ao colocá-la sob a alçada do Ministério da Justiça e concomitantemente do Ministério Público, esta polícia vai assumir-se como uma entidade dotada de forte autonomia. Citando Oliveira (2001)63: “ […] como é o exemplo do DL nº 35.007, de 13 de outubro e outros, que reorganizaram as policias, dando-lhe competências especiais de jurisdição, autorizam-nos a referir, não só que a marca fundamental do processo penal do Estado Novo eram dois acantonamentos policiais [refere-se o autor à Polícia Judiciária e à

58

Veja-se adiante o sub-capítulo respeitante às cifras das estatísticas oficiais e o capítulo III respeitante à comarca de Braga entre 1940 e 1959.

59

Nuno Lopes, “Disciplina e controlo da magistratura judicial …”.Capítulo II: “A fundamentação do relatório, como se vê, era baseada nas fontes do direito e na

obrigação do seu cumprimento por parte dos magistrados. Mesmo quando a lei era obscura ou pouco clara, deveria procurar-se o seu sentido na analogia, começando pela hierarquia das próprias fontes do direito. Acima da consciência, o dever de cumprir a lei – outra solução seria um «produto do arbítrio judicial».” 60

Albuquerque, A Reforma da Justiça Criminal…, 303. A propósito da presença do júri nos tribunais, e ainda no enquadramento da Monarquia Constituicional,

Paulo Pinto de Albuquerque cita o médico Júlio de Matos, defensor da Antropologia Criminal, que já em 1908 argumentava: “[…] comprehende-se que o juízo a fazer sobre a temibilidade dos delinquentes, repousando todo no conhecimento das cathegorias em que a antropologia criminal os divide, pressupõe longos e especialisados estudos, que no jury não podem admittir-se. Não são, decerto, quatro merceeiros, cinco industriaes, dois professores de dança e um folhetenista, que a sorte pode aggregar n’um julgamento, quem saberá dizer se um réu pertence á classe dos delinquentes natos ou dos fortuitos. Como tantas outras instituições sociaes, a do jury não passa de um mal-entendido democrativo a corrigir: acceitavel e conveniente quando se trate de delictos chamados de opinião, ela constitue um perigo em todos os outros casos, porque a caracterisa, em regra, uma completa ignorância dos problemas que é chamada a resolver.” 61

No quadro do Estatuto Judiciário de 1927.

62

Gonçalves, “A construção de uma política urbana…”, 69-78.

63

Oliveira, Subsídios…, 82. 37

PIDE], mas também, em consequência disso mesmo, que se estava perante um processo de natureza autoritária.”

Visava este Decreto-Lei garantir a isenção do poder da PJ face às outras polícias, bem como implementar medidas que garantissem a isenção dos juízes, contudo estava num caminho em crescendo a ação do Estado sobre estes, quer no que toca ao cumprimento dos prazos, como ao respeito integral e submisso às disposições do regime, conforme o comprovam os relatórios das inspeções judiciárias64. Para além destes poderes, o Estado incumbia a PJ de vigiar todos aqueles- vadios, mendigos prostitutas e outros subversivos65- que pudessem pôr em causa a segurança interna e externa do Estado, bem como o alargamento da prisão preventiva sem culpa formada, por justificação de imperativos da investigação, o que constituiu uma arbitrariedade relativamente ao corpo legislativo e sobretudo aos direitos dos cidadãos. Esta predisposição de vigilância vai estar na base da criação da PIDE, considerada, no dizer de Oliveira (2011), quase um órgão privativo da PJ, cuja alçada passa para o Ministério do Interior e cuja ação se estendeu para além dos poderes da PJ (contudo não deixando nunca de ter uma implicação judiciária, na medida em que poderia decretar prisão sem culpa formada até 6 meses) e muito para além do âmbito deste estudo. O crescente poder do Ministério Público (MP), que se torna único responsável pelo processo na sua fase instrutória, constituiu, no dizer de Oliveira (2011)66, o reforço de um regime paralelo, com autoridade e jurisdição alargada, que ultrapassava o âmbito até do próprio tribunal. Lopes (2011) ao estudar o alcance dos diferentes Estatutos Judiciários, detém-se sobre a orgânica e as incumbências do MP, esclarecendo que, a acordo com o Estatuto Judiciário de 1927: “Quanto ao Ministério Público, “é o representante do Estado e da sociedade, e o fiscal do

64

Os relatórios da inspeção judiciária constituem uma importante fonte de informação e que se revelam como condensadores de uma informação múltipla e

variada. Aliás, o seu contributo para a História da justiça e das suas instituições é enorme e reconhecido por vários autores, tal como Santos (1996,100), no seu estudo sobre os tribunais contemporâneos, afirmou: “A informação contida nestes relatórios revelou-se muito rica e com base nela foi possível criar uma outra base de dados que cruzamos com as demais utilizadas, dando assim uma maior robustez ao lastro empírico das nossas análises. Os relatórios constituíram uma fonte de informação preciosa a dois níveis diferentes. Por um lado contêm, em geral, informação estatística detalhada sobre o desempenho do tribunal inspecionado. (…) Por outro lado, os relatórios de inspeção contêm análises qualitativas, avaliações e comentários, sobre o funcionamento dos tribunais que nos permitem captar uma visão “por dentro” dos tribunais a que raramente têm acesso os que não trabalham neles. Tais análises qualitativas são por vezes complementadas com a junção de documentação igualmente preciosa”. 65

Relativamente ao assunto do tratamento dos grupos considerados marginais pelo Estado Novo, este foi abordado por Evelyne Monteiro no artigo “La politique

criminelle sous Salazar: approche comparative du modele État autoritaire”, Archives de politique criminelle, n°20, 1998, pp.141-160, p.152. O caráter antissocial reconhecido aos vadios, mendigos, prostitutas, entre outros, reservava-lhes por parte do sistema judicial um tratamento semelhante aos dos opositores ao regime, na medida em que não se enquadravam nos princípios orientadores di Estado Novo, e como tal, punham em causa a sua coerência interna. No sistema judicial, estes processos, quase sumários, eram denominados processos de segurança e consubstanciavam-se em vigilância permanente dos réus, que quase arbitrariamente podiam ser encarcerados e mantidos aí, ou em internamento por um período indeterminado, porque extremamente subjetivos eram os critérios que levavam à prorrogação da medida de segurança. 66

Oliveira, Subsídios…, 83. 38

cumprimento da lei, e compete-lhe: 1º Representar o Poder Executivo perante os tribunais e repartições públicas; 2º Promover a ação da justiça, a aplicação da lei, e fiscalizar o seu cumprimento; 3º Intervir em todos os processos e atos em que seja interessado o Estado, ou alguma das pessoas a quem ele deve proteção, e velar pelos direitos delas; 4º Dar o seu parecer fundamentado sobre a interpretação ou aplicação das leis, sempre que o Governo lho requisite; 5º Cumprir as demais atribuições que estiverem designadas na lei.”

A evolução deste organismo resultou num aumento do seu poder sobre todas as fases processos e até como órgão de vigilância do próprio sistema judicial. Com o Estatuto judiciário de 1944, o Ministério Público assumiu-se de forma inequívoca como parte nos processos, liderando o período de investigação e acusação formal dos réus, período que passa a denominar-se período acusatório. A substituição da denominação processual de período inquisitório, por período acusatório, acentua o claro condicionamento de uma justiça imparcial67, na medida em que o pressuposto de inocência devido aos réus estava linguística e formalmente arredado das premissas iniciais do processo. As implicações desta circunstância, no que concerne às diligências judiciais, eram muitas, e muitas delas enraizaram-se, sendo tomadas como decorrências normais, embora a lei, formalmente nada previsse nesse sentido. Um dos casos flagrantes deste pressuposto foi a assistência dos arguidos, na fase de inquérito, por outros que não os magistrados do MP, procedimento que Salgado Zenha, citado por Oliveira (2001), caraterizava do seguinte modo: “Raros são aqueles Agentes do MP, por exemplo, que aceitam a assistência do advogado nos arguidos … e, embora violem a lei se procedem assim é porque, presumivelmente, tal prática é do agrado dos seus superiores hierárquicos” . 68

Num crescendo de centralização, da construção do aparelho judicial do Estado Novo, resultou uma figura de juiz com menos autonomia, ainda que mantivesse a supremacia do processo, na medida em que lhe caberia a determinação da liberdade ou prisão do arguido durante o período instrutório, a condução de todo o procedimento tendente ao julgamento. Na prática, a letra da lei tornou-se ambígua, na medida em que se reforçam poderes de outros atores judicias, conforme vimos atrás, institucionalizando-se a prática do MP ter sob sua alçada a instrução e a acusação, alargados que foram os seus poderes nos sucessivos diplomas legislativos. A reforma de 1954, consignada pelo Decreto-Lei n. 39.688 de 5 de Junho, correspondeu a um reforço das instâncias de controlo, nomeadamente as Polícia Judiciária e da PIDE, à luz dos princípios políticos em vigor. A vigilância de vadios, bem como de indivíduos subversivos, ficam em grande medida

67

Esta questão foi posta por inúmeros juristas, entre os quais Salgado Zenha, citado por Oliveira (2011), p.86.

68

Oliveira, Subsídios…, 86. 39

adstritos a esta última. Paralelamente foram fixados novos prazos para as penas, nomeadamente as de internamento e de degredo, reduzidas para cerca de metade na sua duração, máximo de três anos. Manteve-se o internamento ilimitado para os delinquentes perigosos, abrindo-se lugar a uma avaliação por parte do juiz para a qual confluía uma avaliação do percurso do criminoso, antes e depois do crime. A par destas alterações introduzia-se também uma mudança na contagem do tempo de prisão efetiva, a qual passava a incluir o tempo de prisão preventiva. Como aponta Oliveira (2011), a novidade desta reforma consistiu sobretudo, e na linha do que foi dito, na “possibilidade de aplicação de medidas de segurança para aqueles que tivessem praticado crimes contra a segurança do Estado”. Acentua-se desta forma o caráter repressivo do Estado69, com a resposta dada pelos tribunais extraordinários e pela PIDE. Num crescendo, a natureza autoritária do regime português fazia com que as diferenças entre o direito escrito e o direito real, aplicado aos cidadãos, fossem substanciais, pelo que se claramente o legislador se identificava com o Governo, reforçando-se o poder dos mecanismos de controlo de segurança do Estado, instituindo-se, novamente, o tratamento em internamento ilimitado dos indivíduos considerados subversivos, ampliando-se esta medida como sanção possível em todos os processos de segurança. A falta de meios descentralizados na comarcas que permitissem dar resposta rápida às situações aí vividas, as falhas no diagnóstico dos criminosos e no acompanhamento das medidas prescritas aos condenados, eram recorrências a que o sistema não conseguia dar resposta cabalmente. Concomitantemente, os tribunais reproduziam procedimentos “antigos”, apesar das inspeções 70 de que eram alvo os serviços, muito por falta de meios humanos, mas também por um tradicionalismo que caracterizava não só o sistema judicial, mas toda a sociedade portuguesa. Perante as crescentes pressões sobre o poder judicial, o executivo intenta medidas que respondessem tanto aos desígnios do regime, como também às dificuldades sentidas por todo o aparelho judiciário. Conforme aponta Albuquerque (2003): “… se previsse para breve a aprovação de um novo código penal e se fizesse depender deste a elaboração de uma nova lei processual, o legislador decidiu intervir em face da urgência da correção do ‘formalismo exagerado na tramitação de certas formas de processo, especialmente do correcional” . 71

Pelo Decreto-Lei n. 40.033 de 15 de Janeiro de 1955, referente à reformas dos processos

69

Ver nota 55.

70

Inspeção aos serviços judiciais da comarca de Braga - 1º Tribunal - Considerações gerais de 15 de Maio de 1951, Conselho Superior Judiciário, Relação do

Porto. Autos de inspeção aos serviços do Tribunal de Braga de 27 de Julho de 1955, Conselho Superior Judiciário, Relação do Porto. Autos de inspeção aos serviços do Tribunal judicial de Braga (1º e 2º juízos) de 5 de Junho de 1959, Conselho Superior Judiciário, Relação do Porto. 71

Albuquerque, A reforma da justiça… 636. 40

correcionais, fixava-se como âmbito dos polícia correcionais os crimes puníveis com pena de prisão, desterro ou multa até um ano ou até 40.000$00, medida que convergiu para acelerar os processos que então se encontravam pendentes nos tribunais, até porque muito da aparência de eficiência e eficácia ganhava o regime no seu todo. Ao longo do período em estudo, 1940 a 1959, documenta-se a consolidação do aparelho ideológico do Estado Novo, em que a realidade judicial ocupa um papel importante. A estreita relação entre poder, política e direito foi determinante nesta construção. Como afirmou Bigotte Chorão, o estudo paralelo destas realidades ”…permitirá, afinal, compreender os termos em que se operou a relação da Política com o Direito e o fenómeno da instrumentalização do direito pela Política72.” A permeabilidade do poder judicial face ao poder político, a existência de instituições – MP e PJ cuja atuação colidia, e subtraía ao poder judicial algumas das suas mais importantes funções a caraterísticas, como a imparcialidade, a correção, a transparência foram constantes.

72

Bigotte Chorão, “A crise da República…”, 21. 41

 

Capítulo II: Arquivos e documentação judicial

O arquivo judicial e a História A História enquanto ciência prima pela enorme facilidade que têm em questionar processos e dinâmicas das sociedades em geral, dos indivíduos em particular. Das instituições, à obra legislativa até à descrição de percursos individuais e de grupo, muitos têm sido os olhares lançados pelos historiadores a assuntos relacionados com a Justiça e com a sua aplicação, de que advieram múltiplas solicitações aos arquivos judiciais. Independentemente do período a que se reporta, a documentação judicial permite um olhar atento sobre os indivíduos num momento particular da sua existência, momento em que por razões mais ou menos tumultuosas se veem sob a laçada da instituição judicial. Sejam processos correcionais, sejam processos maiores, o volume de informação acerca de comportamentos, práticas sociais e conceções de ordem social e moral é imenso. Irene Vaquinhas73, referindo-se à sua experiência com este tipo de documentação, salienta a qualidade da mesma, uma vez que permite, pela sua continuidade e homogeneidade, caracterizar indivíduos e sociedades. Aliás Vaz74 defende que: “os arquivos judiciais podem ser mesmo considerados como uma espécie de observatório social para tratar, na ótica da história social, os grupos populares, a marginalidade, a criminalidade e a sua repressão e, desta forma, permitem e permitiram a afirmação de novos objetos de estudo para a História. Possibilitam a observação das relações populares e das práticas sociais, os percursos pessoais de vida, os comportamentos populares, os fenómenos de sociabilidade (agressivos ou solidários), aspetos de submissão ou da resistência às normas impostas pelo poder, entre outros.”

Há, contudo algumas questões que se põem, por um lado a necessidade de manter o anonimato dos indivíduos e por outro a dificuldade no tratamento de quilómetros e quilómetros de documentação, de difícil triagem, tal é a multiplicidade de documentos preservados num mesmo processo e num mesmo maço, sem que seja fácil saber à partida qual poderá ser aquela que responde às questões que lhes coloca o historiador, impondo-se porém o distanciamento necessário exigido pela pesquisa histórica.

73

Irene Vaquinhas “A experiência fascinante de um regresso ao passado” em Olhares cruzados entre arquivistas e historiadores. Mesas redondas na Torre do

Tombo, Maria de Lurdes Henriques, (coord) (Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo, 2004), 65 a 69. 74

Mª João Vaz, “Documentação judicial e a criminalidade oitocentista» em Olhares cruzados entre arquivistas e historiadores. Mesas redondas na Torre do

Tombo (Lisboa, IAN/TT, 2004), 71-76. 42

Mas há mais questões que se podem alvitrar ao tratamento desta documentação e, que têm a ver, ainda segundo Vaquinhas75, aos grupos sociais visados quando relativamente aos processos correcionais afirma que: “(…) se limitam a revelar os costumes ou práticas que transgrediam as regras normativas criadas pela sociedade civil para manter a ordem e a estabilidade […] olhar desigualmente atento e diverso conforme as conjunturas políticas e sociais.”

Isto equivale a dizer, que dependendo do período a que atentamos, há que considerar outros fatores condicionantes do tratamento dado à criminalidade como a importância que a sociedade atribuía à aplicação das normas, ao controlo policial sobre os comportamentos para lermos corretamente as consequências da Justiça. Para além destes, é facto consensual entre todos aqueles que percorreram páginas e páginas, maços e maços de processos, que a informação aí contida não é informação espontânea, excetuando-se aquela contida em queixas escritas apresentadas às autoridades. Toda a outra informação, por muito interessante que possa parecer, é moldada pelas autoridades, num registo mais ou menos formal, e vai sendo depurada, em termos de linguagem, mas também em termos de pormenor, por aqueles que a recolhem, desde regedores, a policiais ou autoridades judiciais. De igual forma, também é determinante o meio geográfico onde esta é produzida, uma vez que a maior ou menor ruralidade, o nível de instrução dos intervenientes vai condicionar de forma indubitável o conteúdo dos depoimentos prestados. Esta documentação tem características que partilha com outras de diferente conteúdo mas igual origem, como são por exemplo os documentos produzidos pelo aparelho administrativo, na medida em que são elaborados por autoridades de acordo com normativos emanados pelo poder à luz de uma lei geral, comum a um grupo mais alargado do que aquele que a produz, e que valoriza um conceção da razão, da justiça uniformizada, e que não atende a especificidades regionais e, ou, locais. Vaz76 vai mesmo mais longe, afirmando que: “são documentos produzidos pelo poder, por quem define a norma e reprime a sua violação e que, desta forma, eles dão a ver a norma e a multiplicidade de interpretações ou de resistências que ela motivou, […] mostram-nos (…) um vasto conjunto de formas de ajustamento que foram existindo entre os indivíduos, o grupo social e o poder.”

Por outro lado, nesta documentação organizada, estruturada conforme vimos segundo critérios que serviam, obviamente ao funcionamento da justiça, convive uma panóplia imensa de indivíduos, desde mendigos, prostitutas, ladrões, polícias, trabalhadores, num momento particular da sua existência, sejam

75

Mª João Vaz, “Documentação judicial …”, 72.

76

Mª João Vaz, “Documentação judicial …”, 74 43

réus, sejam vítimas, que se cruzam com autoridades policiais e judiciais, com especialistas da área médica e forense, cujas ações motivam da parte do historiador múltiplos olhares e abordagens. A leitura de um processo penal, não obstante a sua linguagem hermética, deixa antever pelos depoimentos e pelas sentenças conceções sociais, ideologias morais, aumentando ainda mais o seu interesse no quadro da investigação histórica, pois os dados aí constantes não permitem só uma abordagem quantitativa, mas também uma rica incursão qualitativa. Como afirma Anica (2005, 71)77: “Mas, apesar do processo obedecer a uma linguagem altamente codificada, há brechas, transcrições surpreendentemente fiéis aos depoimentos prestados, por vezes enriquecidas com as transcrições dos comentários feitos pelo juiz, quando este interpreta as palavras do depoente.”

No que toca à natureza dos documentos que compõem o processo, estes são de natureza diversa, embora se tenha assistido ao longo do século XX a uma enorme tarefa de normalização de formulários e procedimentos, que muitas vezes o modus operandi instituído teimava em não adotar, a par de alterações legislativas em matéria penal que introduziam modificações no decurso do processo. O trabalho com esta documentação reveste-se pois de particular complexidade, uma vez que o investigador tem que manter-se atento e sensível às alterações, evitando enviesamentos nos dados recolhidos e ponderando a relevância dos mesmos. Anica (2005, 87)78 ao referir-se ao tratamento quantitativo que pode ser dado à informação constante nos processos judiciais, aponta que a sua redução a uma mera contabilidade não engloba uma variedade enorme de fatores que estão subjacentes aos mesmos, e que uma coordenação entre este método e o qualitativo tem aportes importantes, na medida em que ao inscrever-se na linha da antropologia e da história social e cultural: ”interpreta as práticas e os discursos produzidos pelos atores sociais, ligando-os às relações que estes mantêm entre si, para entender os múltiplos significados atribuídos aos factos e os diversos modos de intervenção face à diversidade de códigos normativos.”

A gestão e a organização dos arquivos judiciais A exploração de um objeto de estudo, como o que agora se desenvolve, exige a mobilização de uma documentação múltipla e variada: a documentação preservada nos arquivos dos tribunais ou então aquela já incorporada nos Arquivos distritais, mais ou menos inventariada. Para aceder a essa documentação há

77

Anica, As mulheres, a violência e a justiça…, 71.

78

Anica, As mulheres, a violência e a justiça…, 87. 44

que atender às suas especificidades, ao seu período de vigência, mas também conhecer as dinâmicas instituídas nas diferentes entidades que tutelam essa documentação. Os tribunais assumem-se como primeiros guardiães, enquanto produtores de grande parte da mesma, para a qual convergem, por força da natureza das funções aí realizadas múltiplos requerimentos, relatórios, pareceres e pedidos que se avolumam. É criado um corpo documental que vai interessar aos cidadãos, particulares ou não, a juízes, a magistrados, a advogados, a solicitadores, a oficiais de justiça, e por último, mas não em último a investigadores das mais diversas áreas desde a História, à Sociologia, à Antropologia, à Psicologia, entre muitas outras, cuja enunciação seria difícil tão vastos que são os caminhos que a documentação pode abrir79. As atenções centram-se, então, primeiramente sobre esta instituição, sendo já antiga a questão que envolve a gestão dos arquivos nos tribunais, reconhecido que é o valor da documentação ali produzida. Tal como referem Sampaio et al (2003)80: ”O valor da documentação produzida nos tribunais – seja enquanto suporte da atividade judicial, seja enquanto garantia dos direitos e deveres constituídos, seja, ainda, enquanto recurso informativo para a investigação científica – associado à sua extensão e às dificuldades que deste facto decorrem no que se refere ao seu armazenamento, conservação, recuperação, motivaram nos últimos anos, a concessão de alguma atenção aos arquivos judiciais.”

Recuando no tempo encontra-se vária legislação tendente a resolver esta questão nomeadamente um dos mais antigos diplomas legislativos que focam esta temática da preservação documental dos tribunais, o Decreto de 29 de Dezembro de 1887 que determina no seu artigo 5º o encaminhamento para Torre do Tombo de todos os documentos “dos tribunaes, repartições e estabelecimentos do estado actualmente extinctos e dos que não forem necessários ao serviço e expediente d’aquelles em cuja posse estejam.”

Devem referir-se também o Decreto-Lei nº 22.779/33, de 29 de Junho, o Decreto-Lei nº 44.278, de 14 de Abril de 1962, o Decreto-Lei nº 29/72, de 24 de Fevereiro, a Portaria nº 660/84, de 31 de Agosto, a Portaria nº 330/91, de 11 de Abril até à que presentemente se encontra em vigor a Portaria nº 1003/99, de 10 de Novembro, lista que seria mais extensa se fossem incluídos todos os diplomas tendentes a regulamentar as instituições com responsabilidades na custódia da documentação judicial, os que estipulam o regime geral de Arquivos a património Arquivístico, a regulamentação do pessoal nas

79

Parafraseando Aurízia Anica, As mulheres, a violência e a justiça no Algarve de Oitocentos, (Ed. Colibri, Lisboa, 2005) quando esta se referia aos resultados

de um encontro decorrido na Torre do Tombo em 2002, “(…) se reconheceu a relevância dos documentos produzidos pela instituição judicial para a história das mulheres, da vida quotidiana, das mentalidades, da violência, da sexualidade, das classes populares urbanas e do mundo rural…e para a história da própria justiça. Relativamente à época contemporânea, identificaram-se algumas características dos processos-crime e de outras fontes judiciais…”, 69. 80

Francisco Sampaio e Cláudia Ferreira, “Arquivos judiciais: o estado da questão”, Revista Sub Júdice – Justiça e Sociedade, nº 25, coord. António de Araújo e

Luís Eloy Azevedo, DocJuris, Coimbra, 2003. 55 a 66. 45

secretarias judicial e um sem número mais de diplomas várias, cujas repercussões levaram ao atual estado dos arquivos judiciais portugueses. Numa tentativa de estabelecer um ponto de situação para a documentação por nós trabalhada, procurou traçar-se o caminho percorrido pela mesma, desde a sua produção até ao seu arquivamento definitivo. A avaliação da documentação, com base na Teoria das três Idades81, permite, tendo como base critérios que dizem respeito a prazos, definidos de acordo com interesse administrativo, fiscal, legal e informativo, determinar da manutenção da documentação sob alçada do tribunal (nas secções ou no arquivo) ou da sua passagem para o arquivo inativo, ou arquivo histórico, podendo este assumir-se no próprio tribunal, ou preferencialmente, no arquivo distrital. Esta teoria ganha corpo legislativo no diploma já referido, a portaria 1003/9982, por iniciativa conjunta dos Ministérios da Justiça e da Cultura, estabelecendo-se então o fim a dar aos múltiplos espécimes documentais Existentes num tribunal. A análise desta portaria é fundamental para se perceber e localizar a documentação judicial classificada, pela já referida, teoria das três idades. Genericamente está sob tutela do tribunal todo o arquivo ativo e semi-ativo, isto é, toda a documentação necessária ao expediente, ao encaminhamento de processos até à conclusão destes em que se encontra nas secções, ou no arquivo do tribunal propriamente dito. Num plano mais alargado, a tutela da documentação do arquivo inativo, ou arquivo histórico pertence ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo, que delega funções nos Arquivos distritais. Porém, esta situação não é simples, uma vez que os arquivos judiciais e os distritais nem sempre cooperam da melhor forma, por contingências que têm a ver com meios materiais e humanos, lutando, uns e outros, sobretudo por falta de espaços e meios humanos bastantes para tratar toda a informação produzida. Tantas que são as solicitações das diferentes entidades, é relativamente consensual reconhecer que nos últimos anos tem havido um esforço concertado por parte da Direcção-Geral de Administração da Justiça (DGAJ) em atribuir aos tribunais meios humanos e materiais que permitam a gestão deste importante corpo documental, que é o da documentação judicial. Contudo, os anos em que nada foi feito, relativamente a este manancial documental, fazem com que, nos tribunais, ainda se aglomerem maços e maços de documentação por tratar, numa clara confusão acumulada daquilo que constituí o arquivo ativo, semi-ativo e inativo dos tribunais.

81

Esta teoria defende que um documento segue um percurso que pode ser escalonado em idades ou fases: faae ativa, fase semi-ativo e inativa. No primeiro

momento o documento é considerado indispensável à instituição, sendo frequentemente utilizado. Na fase semi-ativa é requerido esporadicamente, enquanto na fase inativa não tem utilidade previsível para a entidade que o criou ou recebeu. Veja-se Jean-Yves Rousseau, Carol Couture, et al. Les Fondements de la

discipline archivistique. 95-111. 82

Portaria nº 1003/99, de 10 de Novembro, Ministérios da Justiça e da Cultura, Diário da República nº 262, págs. 7904 a 7911 (em anexo). 46

A nível nacional, os arquivos distritais, a DGAJ, os tribunais e os próprios investigadores que se socorrem da documentação judicial têm feito um enorme esforço para mantê-la, havendo vários ecos e sobretudo, resultados dessa imensa tarefa, como dado conta no Colóquio sobre as Fontes de História Contemporânea sobre os Arquivos83, e no caso, sobre os Arquivos judiciais, num dos seus painéis. Ao longo desta investigação, foram intentadas várias ações para perceber o estado da questão, desde visitas ao Arquivo Distrital de Braga, ao Tribunal de Braga e inclusive contactos com a DGAJ, tendose percebido que a maior parte dos arquivos distritais recebe com dificuldade o arquivo dos diferentes tribunais Existentes, quer na comarca, quer no distrito, e que estes documentos se vão aglomerando nas instituições judiciais, com alguma inventariação, o que não invalida que muito se percam por força de variadas circunstâncias que escapam ao controlo das instituições. O cumprimento da legislação existente parece pois ter ficado muito aquém dos seus objetivos pelos condicionalismos aqui expostos. Quanto à documentação, algumas regras têm sido observadas nas últimas décadas e serviram, tacitamente, para preservar a documentação produzida. Para o tribunal constitui documentação prioritária, sobretudo, a produzida nas varas cíveis, como por exemplo os inventários orfanológicos, uma vez que têm um valor probatório perpétuo que garante direitos dos cidadãos. Por outro lado, a documentação produzida pela vara crime, salvo algumas tipologias que constituem jurisprudência, findo o processo, deixam de servir ao tribunal. Esta é umas das razões que justifica a maior existência de documentos cíveis nos Arquivos judiciais, e consequentemente nos distritais, o que não invalida porém a preservação de documentos da vara crime, até porque muitos constituem jurisprudência. Por outro lado, da teoria das três idades, quando aplicada aos arquivos judiciais, emerge a ideia de que também que caberia ao arquivista, no caso ao judicial, fazer a triagem dos documentos dos arquivos intermédio, selecionando aqueles que pelo seu valor na preservação da memória futura fossem importantes, Sampaio (2003, op. cit.) aponta mesmo, de acordo com a legislação que analisou que a avaliação documental levada a cabo permitiria: “(…) procurando ponderar os diferentes interesses e perspetivas em presença (…) da entidade promotora, intimamente relacionados com o valor probatório e/ou informativo dos documentos para fins administrativos, e da comunidade científica, intimamente relacionados com o valor dos documentos para fins de investigação em diferentes áreas do saber […] e a consequente seleção e eliminação de documentos, permitem reduzir a massa documental produzida nas diferentes instituições a uma dimensão tratável. Deste facto resultam benefícios para as instituições detentoras dos acervos […] e para a investigação em geral (…).”

Rosseau e Couture84 (2003), ao referirem-se ao ciclo de vida dos arquivos delongam-se em três

83

Henriques, Maria de Lurdes (coord), Olhares cruzados entre arquivistas e historiadores. Mesas redondas na Torre do Tombo, Instituto dos Arquivos

Nacionais / Torre do Tombo, 2004. 84

Jean-Yves Rosseau e Carol Couture, Les Fondements de la discipline archivistique, Press de l’Université du Québec, Canadá, 2003, 95-111. 47

pontos que segundo eles, poderiam servir de critérios para o tratamento do arquivo inativo, sendo que o mais importante é o valor do testemunho, são também importantes a valor que o documento pode ter enquanto documento administrativo, embora já não de necessidade explícita, e a importância enquanto elemento de reconstituição. Atentando um pouco a estes critérios, estes autores salientam a importância dos documentos para fins culturais, patrimoniais e de pesquisa, como testemunhos diretos de um determinado momento da organização ou do meio no qual foram produzidos, como memória de práticas, decisões, entre outras. Por outro lado, muito embora a falta de utilidade imediata para as organizações dos documentos do arquivo inativo, estes podem constituir um manancial importante para responder a solicitações do presente com soluções do passado. Mais uma vez, está aqui em causa o valor primário e secundário da documentação. Por último, é destacada a função de reconstituição possível de acontecimentos, de organismos, de instituições a partir dos documentos preservados no arquivo inativo, promovendo-se uma parceria interdisciplinar para que os critérios de seleção se determinem tendo em conta a natureza da documentação produzida. Estes pressupostos fundamentam a preservação, mas certamente não resolvem as questões de falta de espaço dos organismos. Abrem-se, contudo, portas para um trabalho mais estreito entre os arquivistas e aqueles que poderão ser os destinatários da documentação conservada. Nesta visão das práticas ideais, não ficariam os investigadores privados das suas fontes. Contudo, a realidade está bem distante desta visão, pelos motivos já explanados, mas não só. Sousa (2002)85 lança um olhar crítico, na medida em que aponta dificuldades ao processo: “A informação relevante não se restringe ao objeto de cada processo, às suas partes ou intervenientes, à pertinência do seu conteúdo relativamente à situação política, social, económica ou moral das pessoas e do país. No entanto, não é possível aos arquivistas pegar em cada processo de conservação permanente e elencar os pontos de interesse para as diversas áreas do saber (é pertinente não nos atermos apenas à História Social porque todo o trabalho (de descrição) que o arquivista faz não pode ser direcionado apenas para uma área cientifica (...) e esta problemática – o acesso aos documentos e à informação que detêm -- é a mesma para as diversas áreas do saber).”

Concordante com esta visão, é também aquela expressa por Pereira86 no prefácio da obra citada, quando afirma que as dificuldades são enormes: “É o arquivista isolado no seu dificílimo e paciente trabalho de identificação de documentação, de

85

António Sousa, “O tratamento dos arquivos judiciais” em Olhares cruzados entre arquivistas e historiadores. Mesas redondas na Torre do Tombo, Maria de

Lurdes Henriques (coord), (Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo, 2004). 86

Maria José da Silva Leal e Miriam Halpern Pereira, (coord) , Arquivo e Historiografia, Colóquio sobre as Fontes de História Contemporânea Portuguesa,

Temas Portugueses, Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa, 1988. 48

núcleos, cuja classificação genérica, o historiador poderia e deveria auxiliar a elaborar. É o historiador diante de um trabalho árduo e de luta persistente pela localização de documentação dispersa em arquivos mal organizados.”

O grande desafio parece centrar-se na definição do valor secundário (ou valor informativo, histórico) de cada documento produzido nos arquivos judiciais, uma vez que o seu valor primário é aquele que responde ao fim para o qual foi criado, e que, como já vimos, se pode esgotar num período mais ou menos curto de tempo. A clara determinação do valor secundário de um documento permitiria a sua seleção e consequente preservação no arquivo inativo (também designado como arquivo histórico). A falta de pessoal técnico habilitado a fazer esta tarefa e a sua enorme complexidade, a triagem feita estritamente segundo a Portaria 1003/9987, que não contempla as necessidades investigativas, mas só as necessidades de logística dos espaços dos Arquivos Judiciais, não permite aos investigadores traçar um fiel retrato da realidade a partir unicamente destas fontes, uma vez que muitos são os espécimes que são de eliminação total e que contêm informação valiosa, sendo o caso, por exemplo, dos processos tutelares crime e cível, cuja maioridade dos intervenientes dita a sua eliminação. Concordante com estas afirmações, o mesmo autor conclui: “Ao contrário, ficaremos sempre, à luz do definido na portaria 1003/99, com muitos processos de conservação permanente que o são por tratarem de meras dívidas, mais vultuosas que as das “elimináveis” ações sumaríssimas ou as executáveis por apenso a estas (provavelmente, mais de metade dos processos de execução ordinária (de CP) referem-se a “meras” dívidas tuteladas por letras). Aparentemente existe uma certa “inconsistência” ao separar a tipologia do processamento referente a dívidas face ao seu valor, resultando que se conservam os processos referentes a dívidas a partir de determinado montante, eliminando-se as de pouca importância. A portaria 1003/99 considera de conservação permanente a maior parte das tipologias processuais da área cível, sendo até de espantar que se eliminem os Procedimentos cautelares autónomos (92*) (tão poucos, já agora podiam guardar-se!). Em contrapartida, na área do crime, são de conservação permanente apenas as Querelas (44) e o Processos Comuns de júri e coletivos (39) (que substituíram as querelas e são basicamente o mesmo tipo de processo) e os processos por Infrações Cometidas por Magistrados (50). Fica, assim, pouco material para os investigadores, na área da Justiça (o crime) que mais reflete a condição humana!”

Se por um lado, a aplicação estrita da portaria determinaria a perda de alguma documentação, também está bem explicito do documento a possibilidade de microfilmagem das séries a serem eliminadas. Contudo na impossibilidade deste procedimento, a portaria também consagra, no seu Art.9º, alínea b), que a eliminação possa ser efetuada, independentemente da filmagem, se decorrido o prazo

87

Ver nota 81. 49

legal. Perante esta janela de oportunidade que o normativo legal abre para a preservação documental, mais uma vez se esbarram com as contingências dos recursos humanos e técnicos disponíveis para levar a cabo tamanha empresa, para além de que os próprios microfilmes poderem ser sujeitos a eliminação, findo o seu prazo legal. Se muitas são as dificuldades que se põem aos funcionários judiciais, sejam eles o arquivista judicial ou outros, aos que laboram no arquivo distrital, muitas são, também, aquelas com que se deparam os historiadores e a todos aqueles investigadores das ciências sociais que recorrem a estas fontes para a sua investigação. Atentando às séries das secretarias (tabela I) e dos tribunais criminais (tabela II) constantes no anexo I do referido documento, uma vez que sobre estas incide a presente investigação, conclui-se o seguinte: no que toca aos documentos de controlo de entrada e saída de processos, os chamados “livros de porta”, os registos das diferentes tipologias de processos criminais e das sentenças da querelas e os processo de comuns (coletivos ou de júri), estes todos são considerados de conservação permanente após 25 anos de conservação administrativa obrigatória. Os “Livros de porta” são livros de registo de procedimento processual e dos quais constam o nome do réu, o crime de que é acusado, a identificação dos ofendidos, o ano de início de processo, datas dos procedimentos processuais mas não penas, nem muitos mais dados. Estes documentos podem ser importantes para investigação, caso seja possível reconstituir séries contínuas de secção/ juízo e, obviamente, tempo. Porém, outras espécies, como a correspondência, seja confidencial, recebida ou expedida, pode ser eliminada após 5 anos de conservação, o que em muitos casos significa eliminar, por exemplo, correspondência trocada entre juízes e os seus superiores, Conselho Superior Judiciário, Conselho Superior da Magistratura, entre outros, que são importantes na caracterização da atividade do tribunal. No que toca às espécies dos tribunais criminais, constante na “tabela II” do referido anexo88, também estas seriam eliminadas após serem retirados cinco exemplares por ano, passados os 25 anos de conservação administrativa (5 anos para transgressões e sumaríssimos e um ano para inquéritos), retendo-se, para conservação permanente, apenas as querelas, os comuns (coletivos e de júri) e os processos desencadeados por infrações cometidas por magistrados. Deveriam então ser eliminados todos os processos correcionais, as instruções (ou corpo de delito), os polícias correcionais, os sumários e os processos abreviados. A compreensão das tipologias existentes na documentação produzida nos tribunais criminais levou a que se procurasse estabelecer uma correspondência entre as denominações do presente e aquelas que existiram no período em estudo, correspondência essa importante para perceber diferenças substanciais

88

Ver nota 81. 50

entre tipos processuais e seu desenrolar. Assim, das tipologias enunciadas na Portaria nº1003/99, já não existem na atualidade as querelas, os correcionais e os autos de polícia correcionais, os quais foram substituídos, na reforma penal de 1987 por duas tipologias: comuns simples e comuns mistos. Os corpos de delito (processos de investigação desencadeados pelo Ministério Público em que não foram arrolados indícios bastantes para se seguir para julgamento) foram substituídos por processos de instrução preparatória nos anos 50 e deixaram de ter existência autónoma, passando a ser incluídos nos processos.

A comarca de Braga O Tribunal e a Cadeia: percursos e itinerâncias O Tribunal da comarca de Braga aparece na história da cidade, enquanto espaço físico, como adstrito às instalações governativas da cidade, primeiro do Arcebispado e mais tarde da Câmara Municipal, enquanto esta se localizou no edifício do Largo do Paço, presente Biblioteca Pública e Reitoria da Universidade do Minho, desde meados do século XVI até meados do século XIX. O edifício do lado interior deste conjunto

Figura 1. Largo do Paço - Braga

arquitetónico, deve-se ao Arcebispo D. Manuel de Sousa (1544-1549) e nele funcionou o Tribunal da Relação. Funcionou ali também, durante muitos anos, até meados da década de cinquenta do século XIX, o Tribunal de Primeira Instância Civil. Segundo fontes para a história da cidade, esta ala teria sido destinada aos vários cartórios eclesiásticos e arquivos. Curiosa é a inscrição em latim, existente sobre a porta de entrada por baixo do brasão dos Sousas, que se traduz por "Para ilustrar a cidade, e haver um tribunal permanente, onde se administre a justiça e não instável como dantes, D. Manuel de Sousa, pai e senhor da cidade e grande sacerdote da Justiça mandou construir este célebre edifício". O panorama da instituição judicial da Braga projetar-se-ia diferente, no século XVIII, por força de legislação promulgada pela rainha D. Maria I – a lei de extinção das donatarias de que resultaria a dissolução do senhorio eclesiástico de Braga89 e consequente passagem da responsabilidade de

89

Bandeira. O espaço urbano de Braga: obras públicas…366. 51

administração da justiça da Igreja para as entidades civis. A passagem de Braga a comarca de primeira classe ocorre em 1856, iniciando-se um longo percurso para esta instituição, desde então definitivamente em mãos civis. Contudo, a esta passagem não correspondeu a uma imediata transferência de instalações do tribunal de primeira instância para espaço próprio, situação que vai manter-se por longo tempo. Evidência desta situação é o ofício enviado à Câmara Municipal de Braga pelo Ministério do Reino, em 1869, em que se ordena que se tomem providências imediatas para dotar o tribunal da Cidade de casa própria. Alegava-se, ainda, que a entidade eclesiástica, reclamava por espaços que são seus de direito e que as atividades do tribunal transtornavam os serviços do episcopado. Segundo o estudo de Bandeira90 (2001) foram vários, os projetos a partir de 1864, que previam a transferência para os “novos” Paços do Concelho no Largo das Carvalheiras, onde chegou a funcionar provisoriamente, até o edifício se “encontrar em mau

estado e indecente aspeto”. Em 1873, a Câmara enceta negociações para expropriação amigável de um

Figura 2. Casa Vilhena Coutinho - Braga

prédio situado no Campo D. Luís, pertencente a D. Doroteia de Noronha de Menezes Portugal, esposa e herdeira de António Luís da Costa Pereira de Vilhena Coutinho. O palácio da Justiça permaneceu esta casa, a partir do biénio de 1874/75, por mais de uma centena de anos até finais do século XX. Contudo, as condições nem sempre foram as melhores, e os projetos para a sua melhoria também não, uma vez que documentos camarários, estudados por Bandeira91 (2001), revelam que, em 1916, se projetava a mudança para o edifício dos Congregados, no Campo de Sant’ana, mais uma vez, o estado das instalações, ocupadas então, ser considerado vergonhoso. Este e outros projetos, inclusive a remodelação e ampliação das então atuais instalações, manter-se-iam até 1922, em que se iniciam obras de remodelação e ampliação no Palácio instalado na Casa dos Vilhena Coutinho, mantendo-se apenas a fachada. As obras documentadas neste edifício são inúmeras ao longo das décadas de vinte e trinta, como comprova a publicitação da inauguração das “novas” instalações projetadas e dirigidas pelo arquiteto Moura Coutinho no Diário do Minho de 1 de Julho de 1930. Esta visão é comprovada pelas fontes coevas, porquanto num relatório de Inspeção do CSJ92 é dito,

90

Bandeira. O espaço urbano de Braga: obras públicas…365.

91

Bandeira. O espaço urbano de Braga: obras públicas…365.

92

Inspeção aos serviços judiciais da comarca de Braga - 1º Tribunal - Considerações gerais de 15 de Maio de 1951, Conselho Superior Judiciário, Relação do 52

em 1951, relativamente aos espaços: “O tribunal está instalado num velho prédio solarengo num ponto bastante central. Adaptado esse palácio para instalação do Tribunal, quando da extinção do juízo criminal a parte do rez do chão passou s ser ocupada pelas Conservatórias do Registo Predial e Registo Civil, que não foram devolvidas […], sendo hoje evidente a falta que taes dependências fazem. […]neste andar está também instalada a Delegação da ordem dos advogados, num compartimento bastante grande, que bastante falta faz ao tribunal…”

Lutava o tribunal com falta de espaços, não obstante voltar a ser dito num relatório de serviço de 1952, o Sr. Juiz responsável pelo 1º juízo descrever que “O tribunal funciona em edifício pertencente à Câmara Municipal. Está bem instalado com dependências bem mobiliadas, atendendo a Câmara aos pedidos de melhoria das instalações quando solicitada.”

93

A situação de conservação do edifício do tribunal havia de piorar, de tal forma que no relatório de Inspeção do CSJ de 1955, pode ler-se o seguinte: ”Todas as secções estão bastante mal instaladas e a Central em risco de ver ruir o soalho por, para instalação da ordem dos Advogados terem deitado abaixo uma parede em que se firmava aquele soalho. […]o arquivo continua a não estar instalado, não comportando grande parte dos processos, nem sendo possível uma arrumação aceitável..”

94

A precariedade havia de manter-se até à transferência para um “moderno” palácio de Justiça, construído de raiz em Santa Tecla, em 1992, resolvendo-se apenas temporariamente alguns dos problemas que se põem ao funcionamento deste organismo, nomeadamente a falta de espaço. Figura 3. Atuais instalações do Tribunal de Braga - Santa Tecla

A Cadeia

A abordagem do périplo do Tribunal suscita um breve apontamento sobre um outro equipamento de Justiça, a cadeia. A Cadeia de Braga funcionou durante muito tempo nas instalações do Castelo da Cidade até que este foi demolido em 1906. As fontes camarárias, os periódicos e as opiniões de letrados e especialistas documentam as polémicas envolvidas no assunto. Elucidativa é a análise de que a Comissão

Porto.

93

Arquivo do Tribunal de Braga- Secretaria, “Relatório anual dos serviços judiciais do 1º Juízo do Tribunal da Comarca de Braga relativo a 1952”.

94

Autos de inspeção aos serviços do Tribunal Judicial de Braga (1º e 2º juízos) de 5 de Junho de 1959, Conselho Superior Judiciário, Relação do Porto. 53

Executiva dos Monumentos Nacionaes fez do assunto, e incluída num artigo sobre o Castelo de Braga da autoria de José Leite de Vasconcellos publicado no jornal, também divulgada no “Archeologo Português”95 em defesa do castelo, mas não ignorando a situação calamitosa do calabouço da cidade:

Figura 4. “O Castelo de Braga”, O

Século em 27 de Novembro de 1905

Este parecer não havia de ser suficiente para evitar a demolição, não só da cadeia, mas do próprio Castelo, pois outros relatos de destruição, de falta de dignidade que classificavam a cadeia como: “um pardieiro imundo que a todos envergonha a seus olhos e aos olhos dos seus visitantes” , onde os presos interpelavam os 96

passantes quando “do alto das grades agita[v]am uma pequenas bolsas suspensas de um cordel ped[indo] esmola queixosamente (a

Figura 5. Postal Ilustrado- Castelo de Braga

quem passava na rua), enquanto a sentinela (se) passeava diante dessas bolsas…

97

A calamidade havia de ser resolvida com a construção de um equipamento de raiz numa zona fora do centro histórico, o monte Castro, tendo a Câmara recebido autorização e financiamento de sete contos. As obras iniciar-se-iam em 1908 e continuariam até 1936, com a construção das muralhas da cadeia comarcã, conjuntamente com mais obras de beneficiação. Ainda no entender de Bandeira98 (2001), na escolha do local foram determinantes as preocupações humanistas e higiénicas, enquadradas num plano de expansão da cidade para um dos arrabaldes, o do

95

José Leite de Vasconcellos, O archeologo português: collecção illustrada de materiais e notícias / Museu Ethnographico Português. Red. J. Leite de

Vasconcellos Lisboa, Imprensa Nacional, 1905, vols. 1-13, págs. 375-379. 96

Jerónimo Cunha Pimentel, citado por Bandeira. O espaço urbano de Braga: obras públicas…372.

97

Miguel Unamuno, “Por terras de Portugal e de Espanha” citado por Bandeira. O espaço urbano de Braga: obras públicas…373.

98

Bandeira. O espaço urbano de Braga: obras públicas…373. 54

Monte Castro, tendo sido aberta uma larga Avenida, a Artur Soares. Para além da necessidade de expansão do núcleo urbano, procurava-se responder a outra necessidade, o desmembramento de um dos piores bairros da cidade, identificado na cidade como um dos mais problemáticos, o do Bairro das Palhotas.

Figura 6. Cadeia de Braga

A cadeia havia de ser considerado mais tarde um importante equipamento, não só pelas instalações físicas, como pelo trabalho aí desenvolvido, como patenteado na seguinte passagem constante no relatório de Inspeção do CSJ de 195199: “A cadeia é do tipo moderno, com desoito celas para homens e cinco para mulheres- insuficientes para a população prisional normal […] É notável a forma porque o carcereiro tem montados os serviços estatísticos, registo, identificação, etc, tendo sido recentemente louvado pela Administração Geral das Prisões. […] Nenhum prezo apresentou qualquer reclamação e bem ao contrário todos se mostraram satisfeitos pela forma porque eram tratados.”

No dizer do Juiz Desembargador Sousa Pinto, a cadeia de Braga era digna de louvor e distinção no panorama nacional. Aliás esta situação vai repetir-se nas inspeções de 1955100 e de 1959101, não obstante a mudança de Juiz Desembargador no último relatório.

99

Inspeção aos serviços judiciais da comarca de Braga - 1º Tribunal - Considerações gerais de 15 de Maio de 1951, Conselho Superior Judiciário, Relação do

Porto. 100

Autos de inspeção aos serviços do Tribunal de Braga de 27 de Julho de 1955, Conselho Superior Judiciário, Relação do Porto.

101

Autos de inspeção aos serviços do Tribunal judicial de Braga (1º e 2º juízos) de 5 de Junho de 1959, Conselho Superior Judiciário, Relação do Porto. 55

O fundo documental do tribunal da cidade: do Arquivo Distrital de Braga ao Arquivo do Tribunal A definição do objeto de estudo levou a que tivessem sido feitas incursões a diferentes instituições, no sentido determinar a localização de uma parte importante da documentação que sustenta a presente investigação, os processos criminais preservados para o período de 1940 a 1959 que nos permitissem caracterizar o crime e a criminalidade no concelho de Braga. Após contactos com o Arquivo Distrital, vimos não ser ali que se encontrava a parte da documentação que nos interessava, até porque a documentação criminal ali preservada é composta por processos anteriores a 1925, e como viemos a apurar, não a totalidade dos mesmos, e que cuja incorporação no Arquivo teria sido acidental/ocasional, não oficial, e decorrente da mudança de instalações do tribunal em meados da década de 20 do século XX, sendo o espaço ocupado então pelo Arquivo distrital e pela Biblioteca Pública. Foi também apurado que não houve incorporações oficiais recentes originárias do tribunal de Braga da vara crime, o que já não se aplicou à vara cível, conforme documentado nos relatórios de serviço do tribunal, quando se refere que houve incorporações dos processos mais antigos102. Pôr-se-á a hipótese de, nessa transferência, terem ido os processos crime que se encontram no Arquivo Distrital. Aliás, o relatório de 1955 aponta a quase inexistência de um arquivo, tamanha que era a acumulação de processos, de forma desordenada e caótica. O Juiz Desembargador Sousa Pinto diz, na continuação do relatório, que um desentendimento entre um juiz que teria passado pela comarca e o diretor do Arquivo teriam feito cair por terra a transferência para o arquivo Distrital dos processos e o seu consequente tratamento. Pedia por isso intervenção superior junto da Direção do Arquivo Distrital para desbloquear o assunto, algo que nunca veio de facto a acontecer, estando documentadas, conforme patente na página WEB do Arquivo Distrital de Braga, incorporações dos juízos de paz e orfanológico, mas todo o restante espólio - cível e crime - continuou a acumular-se até ao presente. Perante uma aparente dispersão da documentação, intentou-se uma incursão ao Tribunal de Braga, onde, depois de explicados os objetivos do nosso estudo, fomos encaminhados, pela então Arquivista, para o Sr. Secretário Judicial, que, sem nunca nos pôr entraves, levou o nosso pedido formal à Exa. Sra. Juíza Presidente, a qual acedeu a autorizar o nosso acesso à documentação. Autorizado o acesso, foi feita uma recolha de informação, tendo sido enormíssimo o contributo da oficial de Justiça que exercia à data funções no Arquivo. Segundo esta importante fonte, à sua chegada

102

Arquivo do Tribunal de Braga- Secretaria, “Relatório anual dos serviços judiciais do 1º Juízo do Tribunal da Comarca de Braga relativo a 1952”. 56

em 2002, o arquivo não tinha grande parte da documentação tratada, e uma das prioridades, que esta profissional e as estruturas de chefia definiram, foi fazê-lo, começando dos processos mais recentes para os mais antigos. Independente da nossa investigação, a arquivista tinha já definido os seus objetivos, que entretanto não vieram a cumprir-se integralmente por força da sua transferência para outro tribunal, e que passavam não só pelo expediente corrente, mas também por continuar o tratamento dos mais de 500 metros de documentação antiga ainda por tratar existente no tribunal. Na procura de mais documentação, foi referido por diversas fontes no tribunal que, aquando da mudança para o atual edifício, em 1992, uma parte importante do espólio teria sido armazenada não só na garagem do edifício principal do tribunal, mas noutras, alugadas nas imediações, como solução temporária até que tudo estivesse em ordem. Contudo, inundações nas instalações exteriores viria a ditar uma, maciça e não documentada, eliminação de documentos. Muitos foram ainda resgatados (os que na altura foram considerados recuperáveis, mas que a humidade então acumulada ditou uma mais lenta deterioração), tendo sido possível por nós testemunhar o grau de destruição dos mesmos. Para além destas perdas, há a reportar outras cujos meandros não conseguimos apurar, mas que se comprovam pela descoberta de alguns livros de porta do tribunal de Braga em alfarrabistas da cidade, sobretudo de livros mais antigos (finais do século XIX). No processo de tratamento encetado pela arquivista, tinham já sido feitas duas eliminações oficiais, em 2002 e em 2005, de processos de várias tipologias crime e cível, de acordo com a portaria 1003/99103, e que constavam de um relatório de eliminação a que tivemos acesso. Foram preservados para arquivo histórico cinco processos de cada espécie e de cada ano. Quanto ao critério utilizado para a escolha, este terá sido definido pela arquivista, que procurou deixar processos de vários juízos e secções, numa tentativa de retratar diferentes situações. Iniciou-se então um levantamento do espólio existente, ao qual tivemos acesso muito por ajuda, mas também por iniciativa nossa em contar processos, percorrer arrecadações, perguntar aos mais antigos, levantar caixas e sobretudo muita poeira e muitas vontades. Conseguiu-se uma primeira contagem, que nos permitiu ter uma noção do que poderíamos ter como documentação processual que sustentasse a nossa investigação, tendo sido iniciado o seu tratamento. Concomitantemente continuou-se a busca, embora já não determinante para a escolha de amostra, assumida que esta seria a metodologia, até porque, no arquivo, tivemos acesso a alguns espécimes de livros de Porta das diferentes tipologias, cível e crime, a uns poucos livros de articulados de sentenças. As indagações levaram-nos a encontrar ainda mais espólio processual e documental, estando em curso uma inventariação feita por nós e o estabelecimento de um protocolo entre o Tribunal, o Arquivo Distrital e a

103

Portaria nº 1003/99… (em anexo1). 57

Universidade do Minho, no âmbito do projeto do CITCEM, para preservação conjunta de documentação com inegável interesse histórico, não só para a História da Justiça, mas para a História das instituições e da própria cidade.

O espólio em estudo: processos - crime de 1940 a 1959 Inicialmente procedeu-se, como já explanado, ao levantamento dos quantitativos processuais, reunindo tanto os preservados no arquivo histórico pela arquivista, como um grande volume de documentação - querelas e polícias - correcionais - ainda por tratar e que foi por nós inventariada, para o período em estudo. Elaborou-se um quadro de controlo que revelou uma enorme disparidade entre as existências (incluídos aqui os reais e os eliminados oficialmente) e as estatísticas oficiais, com prejuízo óbvio do espólio do tribunal, o qual se apresenta seguidamente.

58

Quadro 1. Braga - fundo existente e eliminado do tribunal - vara crime – 1940 -1959 Querelas

Correcionais

Polícia Correcional

1926-1970 1185 a)

1855-1969 Total

4749 a) Exist. Não tratados

2ºeliminação

Existências

Exist.

2ºeliminação

1940

5

5

10

15

5

32

1941

4

5

15

20

5

1942

3

5

40

45

1943

1

3

10

1944

9

5

1945

5

1946 1947

Total

Corpos de Delito

Transgressões

Sumários

1930-1952

1853-1967

1934-1968

1559 a)

Total

Exist.

2ºeliminação

37

5

75

71

76

5

5

34

39

13

4

67

29

34

5

6

21

27

10

5

20

5

5

21

1948

4

5

1949

18

1950

1559 a) Exist.

2ºeliminação

80

5

38

76

81

5

5

108

113

71

5

115

62

67

5

5

82

87

25

5

57

26

5

85

25

30

5

5

42

47

14

5

62

1951

7

5

1952

4

1953

8

1954

Total

61 a)

t Total

Total Total antes crime eliminação

Exist.

2ºeliminação

43

0

0

0

180

25

55

60

0

0

0

241

24

5

42

47

5

0

5

252

28

120

5

14

19

4

0

4

228

22

159

164

5

44

49

0

0

0

323

29

5

79

84

5

22

27

0

1

1

231

26

62

5

85

90

5

25

30

5

1

6

223

35

90

5

77

82

5

21

26

4

0

4

233

29

121

126

5

24

29

5

27

32

5

0

5

226

29

4

89

93

5

44

49

5

24

29

5

0

5

241

42

67

9

117

126

5

40

45

5

98

103

0

0

0

355

38

12

17

5

113

118

5

31

36

5

154

159

1

0

1

338

28

5

13

18

5

40

45

5

38

43

5

169

174

5

0

5

289

29

5

41

46

5

99

104

0

0

0

5

89

94

5

0

5

257

28

5

5

3

8

5

18

23

0

0

0

5

131

136

10

0

10

182

30

1955

15

5

10

15

0

130

130

0

0

0

5

119

124

5

0

5

289

30

1956

10

5

10

15

0

122

122

0

0

0

5

77

82

5

21

26

255

25

1957

13

5

19

24

3

93

96

0

0

0

5

153

158

5

0

5

296

31

1958

6

5

10

15

10

159

169

0

0

0

5

145

150

5

0

5

345

31

1959

4

5

22

27

4

87

91

0

0

0

5

186

191

5

0

5

318

23

Totais

Exist.

150 99 435 534 94 1678 1772 65 951 1016 100 1633 1733 74 23 97 5302 582 Fontes: Arquivo do Tribunal de Braga e relatórios de eliminação oficial de 2002. a)Os números indicam o número total de processos eliminados de cada categoria e dentro das balizas cronológicas apontadas.

59

A contagem de processos existentes e eliminados dá conta de um total de 5302, um número bastante diminuto face aquele que foi o movimento processual do tribunal e que se encontra registado nas estatísticas judiciais, nos relatórios de serviço e nos relatórios de Inspeção do Conselho Superior Judiciário. Não obstante as ressalvas que se possam fazer aos valores apontados pelas estatísticas oficiais, eles demonstram um claro défice do espólio do tribunal, diferença essa que radica na frequente degradação dos espaços ocupados pelo Tribunal, na gestão conturbada do Arquivo, lutando entre a falta de espaço e a dificuldade em encaminhar os processos para o Arquivo Distrital. A realidade é porém mais diminuta, existindo efetivamente 582 processos no arquivo referentes à. Efetivamente, preservados no arquivo histórico, existem 582 processos na vara crime no tribunal de Braga, das seguintes tipologias: querelas, correcionais, polícia -correcionais, transgressões, sumários e corpos de delito para as balizas cronológicas de 1940 a 1959. Preservados no arquivo da Secretaria Central estão também alguns mapas de processos distribuídos, a saber, o de 1946, o de 1949 e o de 1950. Comparando-os com o espólio que está preservado, ou documentado, no Arquivo próprio do tribunal, obtém-se a seguinte distribuição: Quadro 2. Comparação entre número de processos comunicados pelo tribunal e as existências (reais e eliminadas). Anos

1946 Mapas

Processos

Arquivo+eliminação

1949 Mapas

documentada (total)

Arquivo+eliminação

1950 Mapas

documentada (total)

Arquivo+eliminação documentada (total)

Polícias Correcionais

147

62

148

93

176

126

Correcionais

30

25

34

47

72

62

Querelas

10

10

17

17

14

14

Fontes: Arquivo da Secretaria e Secção de Arquivo do Tribunal de Braga

Da comparação resulta que, nestes três anos de que dispomos dos mapas, e, em relação ao espólio comunicado do Arquivo, ressalta que as querelas existem na sua totalidade, o que já não se verifica, nem nos correcionais, nem nos polícia-correcionais, duas categorias para as quais, conforme já tivemos oportunidade de esclarecer, só é obrigatória a preservação de cinco espécimes por ano. Ainda assim, há um diferencial considerável de processos cujo momento de eliminação não é conhecido, nem está documentado. Se assim é para estes três anos, escolhidos aleatoriamente, podemos facilmente assumir como verdadeira a conclusão para uma grande parte do espólio. Acresce que, muito embora destes anos existam a totalidade das querelas, o número bastante diminuto noutros anos, leva-nos a crer que também aí faltem processos, conforme conseguimos apurar pela comparação de números constantes nos 60

relatórios de Inspeção do CSJ, onde, e a título de exemplo, é referida a existência para o ano de 1951 104 de 34 querelas, quando apenas existem no fisicamente no Arquivo 7 exemplares. A mesma discrepância de números pode verificar-se nos relatórios de Inspeção do CSJ de 1955 e de 1959, em relação a todos os tipos processuais. Face a esta constatação carecia encontrar mais mapas, sobretudo dos anos em que temos também acesso aos relatórios do CSJ e ver se havia concordância entre números de ambos, dada a diferença e a constatação de que, quando comparado com documentos internos do tribunal, há concordância com o espólio e noutra circunstância não. Uma busca pelos documentos disponíveis não permitiu mais nenhuma confrontação de números, ficando esta questão apenas levantada. Analisados que foram as definições jurídicas de cada um dos processos, coadjuvadas com a caracterização dos processos sumários e das transgressões, como processos de menor gravidade, por envolverem na sua maioria delitos menores, como transgressão a posturas e regulamentos, levou a que no nosso estudo fossem incluídos apenas os de maior relevo penal - as querelas, os correcionais e os polícia - correcionais. Paralelamente a estas considerações foi tida em linha de conta a falta de processos sumários que pudessem ser consultados. A partir deste critério, apuraram-se as existências que foram cruciais para a determinação daquela que viria a ser a amostra utilizada no nosso estudo. Dos 582 processos, apenas 343 entravam na categoria dos processos selecionados, e destes escolheram-se, de forma quase aleatória, os 180 casos que constituem a amostra. Devem ser feitas algumas chamadas de atenção, quer quanto ao universo, quer quanto à amostra escolhida. Relativamente ao universo, as inúmeras contingências que ditaram a preservação da documentação, não permitem, com rigor, ponderar a reincidência no crime, uma vez que este dado nem sempre é referido no processo e quando o é, não o podemos confirmar na maior parte dos casos. Quanto à amostra, deve referir-se que, na escolha dos casos, houve um cuidado pela nossa parte em garantir uma maior diversidade possível em termos de juízos e secções, o que permitiu colher dados de oficiais de justiça, de magistrados do Ministério Público e de juízes, o mais variado que nos foi permitido.

104

Inspeção aos serviços judiciais da comarca de Braga - 1º Tribunal - Considerações gerais de 15 de Maio de 1951, Conselho Superior Judiciário, Relação do

Porto. 61

As estatísticas oficiais Características das estatísticas judiciárias em meados do século XX As estatísticas criminais são definidas por Figueiredo Dias105 (1984,130) como os registos oficiais relativos à atividade das instâncias formais de controlo social, nos limites de uma dada circunscrição e publicada com carácter regular, versando sobre a atividade da polícia, do Ministério Público ou da Administração Penitenciária. Como descritoras de fenómenos criminais, as estatísticas de Policia assumem particular relevo, embora as judiciárias, pelo seu carácter de regularidade, bienais no caso português, possam ser entendidas como ferramentas interessantes para a avaliação de características sociais da criminalidade, do funcionamento das instituições judiciais. Contudo, este criminologista aponta críticas que devem ser tidas em conta quando se analisam os dados fornecidos por este instrumento, e que são obviamente condicionantes das conclusões que dele se podem retirar. Os critérios que subjazem à elaboração das estatísticas não são aqueles que presidem a todo e qualquer trabalho científico, não congregando elementos suficientes para retratar a criminalidade real, atendendo em grande medida apenas a momentos da investigação e/ou julgamento de uma infração, não sendo possível através delas calcular custos morais ou materiais do crime, nem são suficientemente descritivas que permitam coadjuvar, comprovar ou reforçar teorias científicas. A criminalidade descrita por estes instrumentos deve também ser ponderada, uma vez que diz fundamentalmente respeito à criminalidade registada pelas instâncias de controlo social e não à criminalidade real, pois permitem traçar um retrato da criminalidade portuguesa, contudo estas não contemplam nem a totalidade da criminalidade, nem a totalidade da violência, pois delas fazem parte apenas os processos judiciais julgados, comunicados aos serviços de notação. “A criminalidade de um país (e menos ainda a sua violência) não pode confundir-se com a imagem que dela apresenta a estatística judiciária”, Fatela (1989)106. Este é o pressuposto com que o referido autor mergulha na análise da criminalidade ao aludir à dificuldades de uma análise deste instrumento tão valioso que são as estatísticas judiciais como única fonte caracterizadora da criminalidade portuguesa. Na verdade, outros autores já por nós citados, Santos (1993), Figueiredo Dias (1996), Vaz (1998), são concordantes quando referentes que estes instrumentos não só sofreram alterações ao longo do tempo, valorizando mais uns aspetos em detrimento de outros, como não têm em conta toda a criminalidade existente, todos os crimes ou atos violentos, pois nem todos eram comunicados. Quantos, 105

Figueiredo Dias et al Criminologia…,130.

106

Fatela, O sangue e a Rua…, 25. 62

apesar de reais, não terão ficado pela fase de inquérito por falta de provas omitidas, não descobertas e que nem por isso deixam de ser atos violentos. Ao analisar as estatísticas judiciais há que ter em conta estas, e muitas outras, condicionantes, mantendo sempre uma posição crítica face à informação que delas se pode recolher. Estas ressalvas não invalidam, no entanto, importantes conclusões que, seguindo a mesma linha de pensamento, se podem retirar do seu estudo. “A estatística judiciária é o produto de múltiplos fatores (representações, valores, interesses, sensibilidades, etc) que condicionam o modo como uma sociedade encara o crime e as estratégias de poder com que tenta preveni-lo e reprimi-lo. As flutuações do crime (…) dependem tanto das medidas policiais e jurídicas destinadas a combate-lo, como das circunstâncias de ordem social, cultural, económica e politica que lhes estão direta ou indiretamente ligadas e explicam a intensidade com que um delito é ressentido pela opinião pública.” Fatela (1989, 26) 107

Por outro lado, outra questão a ter em conta, tem a ver com os sentidos do crime incorporados na lei, que devem ser entendidos num processo dinâmico, dependendo do momento, a maior ou menor tolerância das instâncias de controlo, no caso das judiciárias, os tribunais, relativamente a determinado crime. Figueiredo Dias (1984)108 refere mesmo que as diferenças entre crime real e crime estatístico se justificam por “uma ação erosiva e transformadora de múltiplas vicissitudes”. No entender de sociólogos criminais, juristas, entidades policiais e outros investigadores sociais, quando se aborda a criminalidade no seu todo, ou a sua contabilização pelas estatísticas judiciais, há que assumir a existência de “cifras negras”, isto é, toda a criminalidade, que existindo, acaba por não ser comunicada e que se assume empiricamente ser a grande maioria, e que tem a ver com o perfil do criminoso, a visibilidade do crime, o receio da vítima de retaliações por parte do criminoso e da própria sociedade, uma tolerância relativa a determinado crime e ainda a um crescendo de recurso a formas privadas de resposta ao crime. Quanto ao panorama estatístico português, só a partir de 1936 é que encontramos estatística judiciária autónoma, uma vez que até então constituía uma rubrica do Anuário Estatístico Português, referindo-se essencialmente a pessoas condenadas (ou julgadas) por crimes nos tribunais ordinários de primeira instância, isto para épocas anteriores ao quadro contemporâneo. Corroborando da importância deste instrumento, mas salientando o seu próprio processo evolutivo, Boaventura Sousa Santos, afirma: “As estatísticas da justiça não permanecem, naturalmente, uniformes ao longo do tempo. Quer por alterações de natureza jurídica na organização e classificação dos processos, quer por oscilações no grau de pormenor ou agregação dos dados, foram frequentes as situações em que se tornou imprescindível a

107

Fatela, O sangue e a Rua… 26

108

Figueiredo Dias et al, Criminologia…, 133. 63

compatibilização dos dados por forma a garantir a coerência da séries temporais (…) por outro lado importa salientar o facto de apenas recentemente a publicação dos dados se ter tornado anual. Genericamente, as estatísticas publicadas entre 1942 e 1970 obedecem a uma periodicidade bianual, com exceção do período entre 1950/54 (publicação anual) e para o ano de 1946 em que não houve publicação de dados.” Santos, (1996, 97)

109

Fatela110, ao analisar a criminalidade portuguesa de 1926 a 1949, recolheu na estatística judiciária números que, com as devidas ressalvas, permitem apontar algumas tendências. Relativamente à maior prevalência de determinadas categorias criminais, reproduzem-se, aqui em gráfico, os dados recolhidos por este autor para o período de 1924 e 1948, reportando-se ao número total de condenados nas três categorias maioritárias de crimes. Gráfico 1. Número de condenados e de tipos de crimes- 1924 a 1948.

Fonte: Fatela, “O sangue e a Rua…”, 29, elaborado com base na Estatística Judiciária de 1936.

No que concerne estritamente aos dados, há a reportar um aumento considerável no número de condenações no pós 1936 após a entrada em vigor dos normativos legais já explorados. Digno de relevo é o aumento dos números de condenações por crimes contra as pessoas e contra a tranquilidade pública, fruto de uma observância mais estrita daqueles que eram os valores defendidos pelo Estado Novo e que transpareciam no sistema penal português, a qual ditou mudanças com superioridade de crimes de ofensas corporais, furto e desobediência. Podemos aventar ainda outras considerações, e que têm a ver com a autonomização das Estatísticas Judiciárias a partir de 1936 e as reformas legislativas, então levadas a cabo, fruto de uma

109

Santos, Os tribunais nas sociedades contemporâneas… 67.

110

Fatela, O sangue e a Rua… 64

adequação da legislação penal à Constituição de 1933 a que já se aludiu anteriormente. Paralelamente assiste-se a uma maior valorização de crimes contra as pessoas, quer pela aplicação do corpo jurídico anteriormente referido, quer pelo fim do tribunal de júri. A. A. Fernandes de Castro, citado por Fatela (1989)111, criticando este instrumento jurídico afirmava que: ”Era um tribunal formado por indivíduos sem cultura que lhes permitisse formar uma opinião isenta das influências do meio ambiente, por conseguinte nada mais natural que se comportasse com um espírito de benevolência maior nos crimes contra as pessoas, do que nos crimes que constituem um atentado contra os bens. E nada mais natural também que os tribunais coletivos, constituídos por magistrados cientes, por um lado, da gravidade dos crimes contra pessoas que atentam contra a vida e a honra, pela ausência de sentimentos morais e de humanidade que denotam no delinquente, e por outro lado libertos das sugestões de piedade que se exerciam sobre o júri criminal, se hajam comportado de forma completamente oposta.”

112

Daí resultava, segundo este autor, uma maior penalização por parte dos tribunais coletivos. Esta tendência de criminalização, que pode assumir-se pela análise das estatísticas, é contrária à do resto da Europa, e poderá ter como fundamento o facto da criminalidade patrimonial ser anónima, enquanto a criminalidade contra pessoas tem rostos de agressor e vítima, apontáveis e facilmente sancionáveis pelo aparelho judicial. Outro dado importante a que Almeida (1967)113 faz referência é que os autores destes crimes são por norma indivíduos sem passado criminal114, o que poderá indiciar uma maior atenção por parte dos mecanismos de controlo social a esta criminalidade, e a que corresponderá uma maior contabilização estatística dos mesmos. Da análise dos dados das Estatísticas Judiciárias de 1942 e de 1948, os crimes de ofensas corporais, de furto e desobediência são os delitos mais praticados em cada uma das três categorias anteriormente descritas, embora em 1948 os delitos antieconómicos sejam dignos de registo. Estes dados são comprovados por Santos (1996, 310) quando analisa a litigação penal de 1942 a 1993, contabiliza que no ano de 1942 os crimes contra pessoas ocupavam 54,9% do sistema judicial penal, os crimes contra a propriedade e o património 39,4%, os crimes sexuais 2,8% e os crimes de desobediência 2%, representando os dois primeiros crimes 94,3%, dominando a criminalidade arguida. No decurso na nossa investigação procuramos informação que nos permitisse reconhecer quais as fontes estatísticas que permitissem servir de barómetro aos nossos dados. O nosso périplo levou-nos quer à Base de dados online do Instituto Nacional de Estatística (INE), como ao Ministério da Justiça (MJ), onde 111

Fatela, O sangue e a Rua…

112

A.A. Fernandes de Castro, “Estudos do instituto de criminologia de Coimbra, I homicídio”, Coimbra, 1935, citado por João Fatela, O sangue e a Rua…, 31

113

Mª Rosa Almeida, “Notas estatísticas sobre os condenados: 1962, 1964 e 1966”, Boletim da administração penitenciária e dos institutos de criminologia nº

21, 2º semestre de 1967, p.33. 114

Mª Rosa Almeida, “Notas estatísticas …” 65

após algumas diligências tivemos acesso ao Arquivo. Nessa instituição, após muita leitura de catálogos, tivemos acesso a um conjunto de documentação que mais do que dar conta de informação acerca da comarca de Braga durante o período em estudo, ajudou a transportar do passado para o presente, algumas que eram preocupações relativas à validade das Estatísticas do INE relativamente aos dados enviados pelos tribunais de comarca ao MJ, procedimento obrigatório segundo os normativos legais em vigor, tanto no passado como no presente. Essa documentação consta de um extenso relatório115 elaborado por Maria de Lourdes Órfão de Matos Correia e Vale, Maria Susana d’Almeida e Sousa e Luís Jorge Torgal Mendes Ferreira, mandatados por despacho ministerial do MJ de 3 de março de 1961 para “estudo das divergências de critério Existentes entre os serviços dependentes do Ministério e o INE na recolha dos elementos estatísticos que se referem ao movimento judiciário, aos serviços prisionais e aos serviços jurisdicionais de menores, tendo-lhe sido dados poderes para propor todas as medidas tendentes a evitar a falta de uniformidade.” Este estudo deteve-se mais aprofundadamente sobre o ano de 1958, ano em que houve publicação de estatística judicial por parte do INE, e para o qual havia possibilidade de se cruzarem os dados, até porque estes eram, à época, dados recentes, os quais foram analisados relativamente aos parâmetros referidos no parágrafo anterior. Foram também tidos em conta dados dos anos subsequentes à publicação das estatísticas, isto é 1959 e 1960. Estes técnicos, que durante dois meses compararam os quantitativos comunicados ao MJ e depois transferidos para o INE, concluíram que havia divergências consideráveis entre os resultados apontados pelos dados recolhidos nas comarcas e aqueles que eram veiculados pelas estatísticas judiciárias. Na raiz dessas divergências estaria uma diferença de critérios e inexatidões no preenchimento dos instrumentos de notação estatística que traduziam em números a informação advinda dos tribunais, salvaguardando-se porém que não teria sido possível comprovar a certeza dos mapas de notação enviados pelas diferentes comarcas, pelo que não se apurou de responsabilidades, mas antes da mobilização de vontade em apurar a fiabilidade das estatísticas por parte dos organismos nelas intervenientes. Um exemplo da disparidade de critérios tem a ver com a consideração de um processo findo, e que conforme o exemplo, com a seguir se ilustra, eram diferentes modos de atender ao processo não só entre MJ e INE, mas também de diferente prática dependendo do tribunal.

115

“Relatório da Comissão – Despacho 3 de Março de 1961,” (Arquivo do Ministério da Justiça, Secção 10-Planenamento e Controlo de Atividade; subsecção

10.01/04- caixa 1). 66

Figura 7. Excerto do Relatório da Comissão

116

As diferenças de notação levavam, no entender desta Comissão, a deturpar o próprio trabalho dos juízes, não dando verdadeiramente conta do trabalho desenvolvido nos tribunais de comarca, dizendo relativamente ainda aos processos findos, tomados como exemplo, que “Pretende-se desta forma evitar que se incluam como pendentes processos já julgados mas que esperam outros actos ou diligências para se considerarem findos e assim se apresenta um movimento mais saliente e verdadeiro da comarca com manifestação mais clara da actividade dos juízes.”

117

Numa clara tentativa de centralização estatal, especialistas coevos acabavam por pôr a nu as dificuldades sentidas pela máquina burocrática em se fazer sentir em todos os locais da mesma maneira e que nos levam a olhar para os números com cautela. Muito embora aqui se inclua apenas um exemplo para ilustrar um dos principais males que de padeceria a estatística judiciária em Portugal, são muitas as situações verificadas, o que levou a que a Comissão propusesse uma séria de medidas que passavam pela centralização do registo estatístico, pela simplificação dos registos de notação, pela uniformização dos procedimentos e dos documentos entre MJ e INE, pela formação e informação atempada dos e aos serviços de notação, para além destas a fiscalização de cumprimento das disposições legais e de serviço118. Este relatório, muito embora considerando que todos os números estão corretos, reconhece que varia o propósito de cada uma das instituições que tratam e apresentam números, provocando enviesamentos de resultados.

116

“Relatório da Comissão – Despacho 3 de Março de 1961”, (Arquivo do Ministério da Justiça, Secção 10-Planenamento e Controlo de Atividade; subsecção

10.01/04- caixa 1), Capítulo 1º Movimento Judiciário, 20. 117

“Relatório da Comissão – Despacho 3 de Março de 1961”, (Arquivo do Ministério da Justiça, Secção 10-Planenamento e Controlo de Atividade; subsecção

10.01/04- caixa 1), Capítulo 1º Movimento Judiciário, 25. 118

“Relatório da Comissão – Despacho 3 de Março de 1961”, (Arquivo do Ministério da Justiça, Secção 10-Planenamento e Controlo de Atividade; subsecção

10.01/04- caixa 1), Capítulo 1º Movimento Judiciário, 79 – 82. 67

O acervo do INE: As estatísticas da justiça sobre o distrito de Braga de 1940 a 1959 A base de dados online do INE permitiu-nos recolher os dados da estatística judiciária do período em estudo- de 1940 e 1959 relativamente à comarca de Braga. O processo de recolha foi relativamente fácil, na medida em que, segundo nos foi assegurado pelos serviços, está disponível para consulta livre todo o espólio. Estão disponíveis, para consulta, as estatísticas judiciárias, dentro das balizas cronológicas: 

de 1940 e de 1941, com dados totais por distritos;



de 1942 e de 1944, sendo possível obter os dados individualizados da comarca de braga e do círculo judicial e segundo a reforma da Estatística judiciária119;



a periodicidade nos anos quarenta do século XX foi determinada pelas contingências materiais decorrentes da crise inerente ao conflito armado que grassava então na Europa;



de 1948, 1950, 1951, 1952, 1953, 1954, 1956 e 1958, onde os dados contemplam o movimento processual por distrito e por tipo de processo. De salientar que no decurso de reforma dos instrumentos de Estatística Judiciária de 1954 definiu-se a periodicidade bienal destes levantamentos.

O estudo dos quantitativos numéricos relativos à comarca de Braga, revestiu-se de alguma dificuldade, na medida em que as variações relativas à disponibilização dos dados por comarca ou por distrito, não deixavam antever como fácil, a reconstituição de um retrato do movimento processual para o período em estudo. Até porque, olhando para o distrito de Braga, este abrange uma área consideravelmente alargada e díspar no que toca ao movimento judicial. Contudo, para a obtenção de uma série de dados estável foi necessário um enorme esforço de exploração e de análise, na medida em que ao longo do período em estudo, 1940 a 1959, o procedimento estatístico sofreu duas alterações de vulto e para o qual as notas introdutórias de cada anuário alertam. Relativamente aos dados de 1940, publicados em setembro de 1941, são apresentados por distrito e comarca e por permilagem relativa à aos dados prováveis do recenseamento populacional de 1940120.

119

O ano de 1942 marca a reforma da estatística judiciária com instrumentos de notação detalhados, conforme o prescrito no Decreto-Lei 31.869 de 26 de

janeiro desse ano, e que determinava que toda a atividade judiciária, e não só a dos tribunais, fosse incluída nas estatísticas, segundo é esclarecido na Nota introdutória. 120

Estatística Judiciária, Ano de 1940, Instituto Nacional de Estatística - Portugal, Imprensa Nacional de Lisboa, 1941, páginas 1-7, 22 a 24. Nota

introdutória.”Para tanto organizam-se os quadros comparativos que figuram nesta nota introdutória e que se apresentam, expressos em permilagem e relacionados com a população, os aspectos mais importantes a considerar. […] As condições particulares da notação actual impõem determinadas reservas quanto à primeira parte e a falta de observação anterior aconselha essa atitude quanto á segunda. As conclusões deixam-se assim ao critério do leitor.”,4. 68

Esta circunstância verifica-se também em 1941. Os dados de 1942 e de 1944 são bastantes mais detalhados. Em primeiro lugar porque são facultados os valores brutos nos quadros constantes na estatística oficial. Em segundo porque os dados são facultados por comarca e círculo, de acordo com o levantamento por nós realizado e patenteado no gráfico que se segue. Gráfico 2. Movimento processual da Comarca e círculo de Braga – Vara Crime.

Fonte: Estatísticas Judiciárias de 1942 e de 1944, INE.

Analisados estes dois anos específicos, 1942 e 1944, deparámo-nos, porém com uma dificuldade que não nos aparece nos outros anos, a aglutinação dos dados relativos às categorias de processos-crime, muito embora, sejam apresentados os dados relativos à comarca e ao círculo. O gráfico evidencia um claro predomínio da categoria Corpo de Delito121, categoria que não constituiu verdadeiramente um processo, embora constitua o início destes. Nestes anos de 1942 e de 1944 consta dos dados, conjuntamente com os restantes processos judiciais. Para os anos posteriores, optou-se por fazer a análise em separado, sustentando-se tal decisão na natureza desta categoria. Tidas em linha de conta estas considerações, o aumento bastante elevado do número de corpos de delito retratado pela estatística de 1944 em relação á de 1942, sobretudo no que ao círculo de Braga diz respeito, poderá encontrar raízes no reforço do policiamento das comarcas que compunham o círculo de Braga e por outro num agravamento das condições de vida das populações em geral, potenciadora de situações de rivalidade e de conflitualidade entre os pares.

121

Conforme explanado atrás, “Corpo de Delito” é definido como sendo um processo em investigação e, cuja ida a julgamento passa obviamente pelas partes,

que podem, ou não, retirar a queixa ou por decisão do magistrado, após concluir que não existe matéria para ação penal. No que concerne ás estatísticas judiciárias, diz respeito unicamente aos processos que não chegaram a julgamento, sendo arquivados em fase de inquérito. Tomaram, a partir de 1954, o nome de instrução preparatória. 69

Relativamente à variável “outros”122, esta constitui-se como uma categoria nas estatísticas destes dois anos, o que se vai perder a partir de 1948123, na medida em que, paulatinamente, passaram para outras esferas decisórias como a PJ ou a PIDE. Como atrás de desenvolveu, o controlo dos indivíduos subversivos, incorrigíveis, vadios, e outros, considerados como atentatórios à segurança interna do Estado, ficou sob o controlo das duas instituições atrás referidas, dotadas que eram de autonomia para aplicarem sanções diretamente, sem o aval do sistema judicial. No que aos processos-crime, nas estatísticas em análise, descritos como “processos crime classificados”, há uma tendência gradual de subida, tanto na comarca, como no círculo$ este aumento da criminalidade comunicada às autoridades tem, encontra raízes na crise vivida durante os anos quarenta, no quadro da II Guerra Mundial. Relativamente às transgressões, que dizem respeito ao incumprimento de posturas camarárias, estas mantém-se no que toca à comarca, mas aumentam ligeiramente no círculo. Numa tentativa de reconstruir a série, foram assumidos os dados por distrito, para todos os anos com estatísticas disponíveis, os quais apenas nos poderão dar uma visão generalizada da realidade. Quando se procuram analisar outros parâmetros, como aqueles que definimos para a nossa base de dados124, encontramos a mesma circunstância, a dos dados agrupados por distrito, em que a realidade concreta se dilui. Os quadros socioeconómicos, bem como a caraterização dos crimes e dos processos, da comarca de Braga surgem nas estatísticas, aglutinados com os de outras que compõem o distrito, cuja natureza socioeconómica é distinta, a saber Vila verde, Amares, Cabeceiras de Basto, Vieira do Minho fortemente rurais, outras mais dinâmicas em termos industriais e comerciais como Guimarães, ou em ascensão como Barcelos e Famalicão125. Examinados todos os conjuntos de informação disponíveis126, procedeu-se a um levantamento

122

Podiam ser incluídos nesta categoria, os processos de vigilância/segurança de menores, mendigos, prostitutas, vadios e indigentes, num critério altamente

subjetivo, porque em primeiro lugar não podemos atestar e porque fontes coevas, estudadas por Oliveira (2011), não obstante considerarem esse tipo de processos importantes, assume-os dependentes de outros fatores alheios à justiça, portanto extremamente oscilantes, e relacionados com quem os desencadeava. Para além destes processos de vigilância pode esta categoria conter os processo especiais, conforme comprovado pelo Relatório de Inspeção ao tribunal de Braga de 1955, folha 8, “Não tem havido um critério inteiramente certo quanto à classificação ou melhor quanto ao registo dos processos especiais, umas vezes registam-se no livro de processos especiais os processos por injúrias e difamação, que noutros casos são registados como polícias correcionais. Parece-me que o livro ”processos especiais” (…) em atenção unicamente os processos por delitos económicos e os de abuso de liberdade de imprensa.” 123

Estatística judiciária, Ano de 1948, Instituto Nacional de Estatística - Portugal, Bertrand - Irmãos, Lisboa, Novembro de 1949, páginas 3, 8, 9 28 a 31.

(Disponível em http://inenetw02.ine.pt:8080/biblioteca/search.do, acedido pela última vez em Julho de 2012). Elaborada com base nas alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 35.007 de 13 de outubro de 1945, 48-49. 124

Vejam-se páginas 21 a 25.

125

Para enquadramento geográfico do distrito de Braga, veja-se adiante, na página 84, o Mapa de composição do concelho de Braga e posição relativa no

distrito e no quadro nacional. 126

Numa tentativa de averiguar da existência de mais informação, contactamos os serviços de apoio do INE que nos asseguraram estar disponível online toda a

estatística judiciária produzida por aquele organismo, não só para o período em estudo, inclusive os dados acerca da realidade judicial enquanto parcela do anuário estatístico português, anterior a 1936. 70

exaustivo127 dos quantitativos processuais, de cujos resultados se apresentam, para uma melhor análise no gráfico que se segue128. Gráfico 3. Movimento Processual do distrito de Braga (1940-1959)

Fontes: Estatísticas Judiciárias do INE, anos de 1940, 1941, 1942, 1944, 1948, 1950, 1951, 1952, 1953, 1954, 1956, 1958.

Os dados relativos a 1942 e 1944 devem ser relativizados, pelas razões anteriormente esgrimidas, tendo sido por nós decidido congregá-los na categoria tendencialmente dominante- a categoria dos políciacorrecionais, o que poderá enviesar ligeiramente a leitura no que concerne às querelas (por ausência de dados), mas que se enquadra perfeitamente na tendência geral da série. A análise do movimento processual no distrito de Braga, no período em estudo, evidencia um claro predomínio dos processos de polícia correcional e das transgressões. Relativamente aos processos de polícia-correcional, no distrito de Braga, há uma tendência crescente do número de crimes julgados dentro da moldura penal desta categoria. Razões poderão ter a ver com as dificuldades vividas pelo país durante o conflito mundial, e nos anos imediatamente seguintes, conforme apontam, entre outros Rosas (1994)129. Aliás, esta tendência não é exclusiva deste território, mas antes constitui um fenómeno que é nacional,

127

128

Anexo 3. Nos gráficos, relativos à Estatística Judiciária, foram tidos em conta apenas os totais de todos os processos findos e de todos os que transitaram, pois

consideramos que estes seriam de facto as existências no final do ano de 1958, em cada um dos quatro tribunais. Igual critério, mas relativamente às existências iniciais, poderia ter sido aplicado, contudo a escolha foi totalmente aleatória. 129

Rosas, Fernando, História de Portugal, 7º vol.: O Estado Novo (1926-1974), dir. Matoso, José, Círculo de Leitores, 1ª Edição, Lisboa, 1994. 71

segundo Fatela (1996). O número de ocorrências de processos polícias correcionais decresce entre 1951 e 1953, para depois segundo, os dados das estatísticas, voltar a subir em 1954 e anos posteriores. Como referimos anteriormente, a orientação do legislador consistiu em alargar o âmbito dos processos correcionais e de excluir dos tribunais os processos de transgressão, os quais ficam sob a esfera de outros decisores que não os tribunais - as polícias e as câmaras municipais, no decurso das reformas da legislação penal de 1954130., estas medidas sustentam sobretudo os dados a partir de 1956. O número de processos correcionais e de querelas aumenta até 1950, decresce em 1951, sobe novamente até 1954 para depois decair até 1958. Não obstante a diferença entre os dois tipos de processos, e também as proporções, mais correcionais do que querelas, estes traçam quadros similares, de número bem inferior comparativamente a outras categorias, o que consubstancia a predominância de crimes menos graves, dados em consonância com os apontados para o panorama nacional por Fatela (1989). Quanto às transgressões, estas ficaram arredadas do nosso estudo, pelo tipo de comportamentos que penalizaram, conforme explicado anteriormente, e em consonância com o que aconteceu também relativamente à legislação penal e estatística judiciária. Não deixando ficar em branco os dados expostos no gráfico relativamente a este tipo processual, há uma tendência generalizada de subida das transgressões, devido, em grande medidas ás difíceis condições económicas, que motivavam o incumprimento sobre das posturas relativas aos bens alimentares, com exceção de 1942, em que há uma descida, motivada pela despenalização de alguns atos, até então considerados ilícitos. Contudo desde aí até 1950, pelas mesmas razões já aventadas para os polícia-correcionais, mas também pelo reforço da vigilância das polícias e dos organismos camarários e estatais encarregues das fiscalizações de bens e consumo. Desce em 1951, mais uma vez, em larga medida por força da alteração das disposições legais, para voltar assumir a sua propensão de crescimento até 1954. Do grupo dos procedimentos criminais recenseados pela estatística judiciária, falta apenas analisar os corpos de delito, que por nossa opção, conforme já dito, ficam estudados autonomamente, em seguida131.

130

No enquadramento legislativo relativo à periodicidade da estatística judicial promulgado em 1954, determinou-se a publicação bianual da mesma.

131

Ver nota 118. 72

Gráfico 4. Número de Corpos de Delito desencadeados no Distrito de Braga.

Fontes: Estatísticas Judiciárias do INE, anos de 1940, 1941, 1942, 1944, 1948, 1950, 1951, 1952, 1953, 1954, 1956, 1958.

O gráfico 4 espelha a curva desenhada pela distribuição dos corpos de delito entre 1940 e 1950, de acordo com a opção de investigação por nós escolhida132. Patenteia uma notória tendência de crescimento ao longo dos anos 40, com valores de cerca de 2 080 (1940), que ascendem a perto de 11 000 em 1949. Segue-se uma quebra súbita, representada no intervalo de 1951-1952, em que apresenta valores em todo o caso elevados, cifrando-se em 6 000 corpos de delito. A tendência de crescimento é retomada nos anos 50 até 1954, momento de queda significativa de corpos de delito, a qual se mantém até 1956, atingindo-se valores de 1940. Relembrando a natureza inquisitória do corpo de delito, podem avançar-se algumas hipóteses explicativas do quadro traçado pelos dados constantes nas estatísticas, e por nós postos em gráfico. O aumento de corpos de delito desencadeados ao longo dos anos 40 tem raízes não só na cada vez maior e mais rigorosa penalização dos comportamentos, numa tendência claramente reformista de acordo com os princípios norteadores do Estado Novo. Por outro, o quadro de crise económica e social vivida no enquadramento da segunda Guerra Mundial poderá justificar também o aumento da criminalidade real e das denúncias de presumíveis ilícitos, sendo isto que consubstanciam os corpos de delito, denúncias. A descida no início dos anos 50 corresponde a um período de estabilização económica e, concomitantemente, a uma descida do número de denúncias feitas às autoridades judiciais. O agravamento, mais uma vez, das condições de vida das populações, poderá estar na origem do aumento de corpos de delito até 1954. Após esta data, as alterações legislativas no quadro das transgressões, conforme por nós visto, redefiniu o seu âmbito, o que fez com que muitos procedimentos, até então julgados pelos tribunais passassem para a alçada das polícias e das câmaras, deixando por isso de se

132

Ver nota 125. 73

fazer notar no número de corpos de delito. O gráfico 5 apresenta a distribuição das condenações de homens e mulheres nas três grandes categorias de crime- Crime contra a tranquilidade pública, crimes contra as pessoas e crimes contra a propriedade, visualizada em gráfico133, tendo em conta a faixa temporal definida para o nosso estudo, obtemos uma distribuição como a seguir se apresenta. Gráfico 5. Distribuição das condenações por sexos e por grandes categorias criminais de 1940 a 1959 no distrito de Braga.

134

Fontes: Estatísticas Judiciárias do INE, anos de 1940, 1941, 1942, 1944, 1948, 1950, 1951, 1952, 1953, 1954, 1956, 1958.

Analisando o gráfico, é manifestamente notório o predomínio masculino nas três categorias criminais em estudo. Prevalente o número de condenações por crimes contra as pessoas, conclusões que

133

134

Ver Gráfico 1. A recolha dos dados nas estatísticas revestiu-se de alguma complexidade, na medida em que, como já por nós refeerido, ter havido alterações no que

concerne á notação. Assim, os dados até 1954 conseguem-se de forma direta, o que já não aconteceu nos de 1956 e de 1958, onde as categorias distribuição por crime e por sexo relativas ao distrito aparecem em quadros diferenciados o que levou a procedimentos matemátciso acessórios para obter os números necessários.

74

estão em linha com os dados obtidos por Fatela (1989), que para o período de 1924 a 1946 constatou a mesma tendência geral. A série temporal inicia-se com uma descida do número de condenações em 1941 e 1942, relativamente a 1940, para depois se assumir um padrão de crescimento do ato ilícito nas três categorias, de forma mais ou menos sustentada, em processos movidos contra indivíduos de ambos os sexos. Olhando para cada tipificação criminal isoladamente, no que diz respeito aos processos que prefiguravam crime contra a ordem pública, assiste-se a um crescimento das condenações, maioritariamente, de indivíduos do sexo masculino, as quais atingem picos em 1948, com cerca de 150 condenações no distrito de Braga. Entre 1952 e 1953, o número de condenações desce, para estabilizar em valores que se cifram em cerca de cento e vinte condenações, valor que se mantém em 1956. No que diz respeito aos dados para os réus femininos, estes só surgem em 1948, estando até aí ausentes. A partir de 1948 mantêm quantitativos baixos, não voltando a ser inexistentes durante os restantes anos da série. O aumento e estabilização, em níveis elevados, de ocorrências podem encontrar justificativa nas dificuldades de manter a ordem por parte do regime, que nesse período é pressionado, nacional e internacionalmente, a seguir o caminho de abertura, acontecendo eleições que se conclui terem sido manipuladas. Por outro lado, e interligado com este facto, procedeu-se a sucessivas reformas do enquadramento penal, as quais foram tendentes a tornar mais pesadas as penas, nas situações consideradas ilícitos, no que diz respeito à ordem pública. e que, têm como um sinal, que é mais do que mera estética, da mudança do nome da categoria penal de “Crime contra a ordem pública” para “Crime contra a ordem pública- religião, segurança do estado e ordem e tranquilidade públicas.”135 Analisando-se a categoria dos crimes contra as pessoas, o maior número de condenações em indivíduos do sexo masculino é por demais evidente. No ano de 1940 registam-se 450 condenações de homens por crimes contra pessoas, valores que descem para cerca de 380 em 1942. De 1944 a 1950 há uma tendência de crescimento, contabilizando-se cerca de 750 condenações nesse ano. Nos anos seguintes, descem para valores de cerca de 550 condenações no distrito de Braga, valor que se mantém em 1953, para ascender em 1954 a 820 condenações, atingindo o valor mais elevado em 1956, cerca de 980 condenações. Na última estatística disponível para o nosso estudo, a de 1958, o número de condenados do sexo masculino por crimes contra pessoas cifrava-se em cerca de 550 condenações, isto é, à semelhança do que foi por nós verificado para os corpos de delito, um decréscimo para números muito próximos aos do início da série. 135

Estatística judiciária, Ano de 1956, Instituto Nacional de Estatística - Portugal, Bertrand - Irmãos, Lisboa Julho de 1957. (Disponível em

http://inenetw02.ine.pt:8080/biblioteca/search.do, acedido pela última vez em Julho de 2012). 75

No que aos crimes contra a propriedade diz respeito, mais uma vez as condenações de indivíduos do sexo masculino são prevalentes. O número de condenações de mulheres mantém-se por todo o período em estudo em valores que apenas atingem os cem casos em 1948, apresentando-se inferiores a 40 casos nos primeiros quatro anos da série- 1940, 1941, 1942 e 1944, e oscilando entre 65 e 80 nos restantes, com a exceção referida de 1948. O número de condenações de homens por crimes contra a propriedade é de cerca de 250 em 1940, mantendo-se abaixo de 300 até 1948. Em 1950 sobem para 380, para depois voltar a descer para níveis de 1940 em 1952. Voltam a subir para 310 e 350 condenações em 1953 e 1954 respetivamente, após o qual descem para 260 em 1956 e 1958. As alterações legislativas, conferindo maior ou menor relevo a este tipo de crimes, podem estar, conjuntamente com os outros fatores por nós avançados, na origem da estabilização dos valores de condenações em valores relativamente discretos. Razões para as variações quanto ao número de condenações, por nós apontadas, podem prendemse com tudo o que atrás foi dito acerca dos momentos de crise e de agravamento da penalização de comportamentos. Acresce a forte masculinização da sociedade, com a figura do pai de família, cultivada pelo regime, julgamos estar patenteada na análise que pode fazer-se dos dados. Paralelamente, não se pode negligenciar, o surto emigratório que atinge fortemente o distrito a partir de 1958, para se intensificar por toda a década de sessenta, como apontado por Rosas (1994) 136. Esta circunstância poderá ter influenciado decisivamente quer o grau de gravidade dos ilícitos e pelo seu número, como pelo decréscimo populacional. Esta tendência, em termos judiciais, não pode ser confirmada, por se ultrapassar o âmbito no presente estudo exploratório. Acresce que relativamente ao tribunal de Braga, a consulta de documentação própria137, datada de 29 de março de 1954, aponta como razão para um menor número de julgamentos, e como tal menor número de condenações, que em 1953 “o primeiro juízo deste tribunal estar sem Juiz proprietário desde abril, situação em que ainda se encontra com grave prejuízo para o serviço”. Esta situação deverá ter sido resolvida ainda nesse ano de 1954, pois nas estatísticas a ele referentes há um aumento substancial do número de condenações no distrito, tendo certamente para tal contribuído a solução do problema na comarca de Braga.

136

Rosas, História de Portugal, 7º vol…

137

Arquivo do Tribunal de Braga- Secretaria, “Relatório da actividade do círculo judicial de Braga durante o ano de 1953 dirigido ao Excelentissimo Conselho

Superior Judiciário”. 76

Gráfico 6. Evolução no número total de condenações no distrito de Braga.

Fontes: Estatísticas Judiciárias do INE, anos de 1940, 1941, 1942, 1944, 1948, 1950, 1951, 1952, 1953, 1954, 1956, 1958.

Analisada a questão das condenações, isoladamente, obtém-se um retrato mais limpo e claro, podendo dizer-se que partindo de número de condenações de 1940, com cerca de 900 ocorrências, se denota uma ligeira tendência de subida em 1941 e 1942. A partir de 1944 os valores sobem fortemente, atingindo em 1948 cerca de 1450, subindo até 1500 em 1950. Daí até 1952, descem para cerca de 1100, altura em que voltam a crescer em quantitativos até 1956, chegando muito perto das 1800 condenações, para no final da série temporal em estudo, 1958, descerem para cerca de 1200. Razões que expliquem estas variações, estão, como se disse, quando se analisaram as condenações por categorial criminal e por sexo, conjugadas com vicissitudes da História nacional e local, bem como com o devir do sistema judicial português. Podem ainda aventar-se outras, que poderão ter a ver com circunstâncias de governação e de imposição da ordem a nível local, ou até com o perfil das autoridades.

Um exemplo comparativo: Braga e outras comarcas do Minho em 1958 Um acaso trouxe ao nosso conhecimento, durante a estada no Arquivo do MJ, um conjunto de documentos, relativos à pretensão de subida a tribunal de 1ªclasse do Tribunal de Famalicão em 15 de maio de 1959138, onde, pela mão do seu Presidente de Câmara, e de acordo com dados e opiniões expressas no relatório da Inspeção de 1958, se apresentam dados comparativos a quatro tribunais do distrito de Braga, o de Braga propriamente dito, o de Guimarães, o de Barcelos e o de Famalicão, que nos

138

Arquivo do Ministério da Justiça, Secção 10 - Planeamento e Controlo de Atividade; subsecção 10.03.01/- caixa 1, Estatísticas sobre o movimento do

Supremo Tribunal de Justiça, Relações, Procuradoria Geral e Conselho Superior Judiciário. 1943 a 1951).Relatório da Câmara Municipal de Famalicão, 1959.

77

permitem apurar da existência de diferenças entre a realidade e as estatísticas judiciais, pelo caráter mais generalizado destas últimas. Importa salientar, neste ponto do nosso estudo, o enquadramento geográfico do concelho, tanto no que à localização das suas freguesias diz respeito, quanto aos concelhos e aos distritos limítrofes, para que as referências que a seguir faremos possam ser entendidas. Mapa 1. Composição do concelho de Braga e posição relativa face a outros concelhos e a outros distritos.

O relatório acima indicado foca é, justamente, o movimento processual - vara crime, cujos dados se apresentam em registo do quadro seguinte. Este contempla os tipos de processos e de procedimentos criminais: as categorias processuais, propriamente ditas, a saber, os processos de querela, os correcionais, os polícias correcionais, as transgressões e os sumários, e a categoria “outros” 139 e também as deprecadas140 recebidas e emitidas.

139

Ver nota 119.

140

Pedidos de juízes a outros tribunais. 78

Figura 8. Relação constante no relatório camarário de pretensão de subida do tribunal de Famalicão à categoria de primeira classe.

141

Os dados apresentados neste relatório camarário são fidedignos, na medida em que tais foram comunicados aos serviços do Ministério da Justiça, que à época terão tido a possibilidade de atestar da sua veracidade e traçam um retrato que coloca o tribunal de Braga numa posição intermédia no panorama regional. Gráfico 7. Volume de procedimentos processuais comparado entre tribunais do distritos de Braga- ano judicial de 1958.

Fonte: Arquivo do Ministério da Justiça, Relatório da Câmara Municipal de Famalicão, 1959.

A análise da distribuição do volume de processos e procedimentos no ano judicial de 1958, evidencia que o tribunal de Braga não figuraria numa relação equitativa com os demais tribunais. Apesar de ser capital de distrito, regista um movimento ligeiramente inferior ao do tribunal de Guimarães, respetivamente 3000 contra 3700. Não muito distantes e, relativamente equiparados entre si, estão os tribunais de Famalicão e de Barcelos, com cerca de 2200 e 2300 respetivamente. Contudo, há um facto evidente, e que tem a ver com os processos e procedimentos judiciais deixados pendentes para o ano

141

Relatório da Câmara Municipal de Famalicão, (Arquivo do Ministério da Justiça, Secção 10-Planenamento e Controlo de Atividade; subsecção 10.03.01/-

caixa 1, Estatísticas sobre o movimento do supremo tribunal de Justiça, Relações, Procuradoria Geral e Conselho Superior Judiciário. 1943 a 51). 79

seguinte, e que em Braga ascendem a cerca de 500, o que não se verifica nas outras instituições judiciais analisadas nesta documentação. Porventura a diferença detetada entre o movimento de Braga e de Guimarães esteja no número elevado de processos transitados para o ano de 1959, portanto não concluídos no primeiro. Aliás, relativamente aos processos findos, as comarcas de Barcelos e de Famalicão apresentam valores muito próximos aos da comarca de Braga. Pela análise de cada categoria, deixam-se antever outras conclusões, nomeadamente o facto de ser no tribunal de Braga que mais processos transitam do ano anterior e que ficam pendentes para o ano seguinte- o que é também referido no relatório de inspeção ao tribunal, em que se critica o facto de serem uso, e costume, neste tribunal os sucessivos adiamentos142: “O que é chocante é o número de adiamentos de julgamentos. Tomei nota, e não tenho vaidade de afirmar que não tenham escapado bastantes, 871 – sendo 555 no 1º juízo e 315 no segundo; há processos com 4, 5 e 6 adiamentos (…) o número de adiamentos no 1º juízo foi superior ao do 2º, o que se explica pelo facto da frequentíssima intervenção de substitutos durante os períodos de ausência do Senhor Juiz F.”

Outro facto tem a ver com os processos de categoria “outros” já anteriormente referidos, e cujo encaminhamento em Braga é deficitário, muito embora o seu número esteja em linha com os dos outros concelhos comparados. Relativamente à distribuição das categorias processuais nos quatro tribunais obtemos o seguinte gráfico. Gráfico 8. Distribuição do número total de Processos, por categorias e por tribunais- Braga, Guimarães, Famalicão e Barcelos no ano de 1958.

Fonte: Arquivo do Ministério da Justiça, Relatório da Câmara Municipal de Famalicão, 1959.

Vejamos mais detalhadamente a informação a partir da análise comparativa que os dados nos permitem, relativamente ao número dos diferentes tipos de processos-crime, os quais confirmam algumas

142

Autos de inspeção aos serviços do Tribunal de Braga de 27 de Julho de 1955, Conselho Superior Judiciário. 80

das conclusões por nós apontadas, como seja a superioridade do tribunal de Guimarães face aos demais. No que às querelas diz respeito, Braga e Guimarães têm o mesmo número de processos desta categoria, cerca de 40, igualdade que os outros dois tribunais, Barcelos e Famalicão, também partilham entre si, com 25 processos. No que diz respeito aos correcionais e aos polícia-correcionais, os quantitativos distribuem-se pela seguinte ordem, Guimarães – 110, Braga - 80, Barcelos - 60 e Famalicão - 28, enquanto os sumários assumem o mesmo padrão da distribuição das querelas, Braga – 25, Guimarães, 20 e os outros dois tribunais cerca de 4 cada um. Um aspeto interessante prende-se com a distribuição dos processos “outros”, cujo quantitativo é próximo nos tribunais de Braga, Barcelos e Famalicão, com 490 processos, respetivamente para Braga e Famalicão e 500 no tribunal de Barcelos, contrastando com o diminuto número comunicado por Guimarães, cerca de 110 processos. A enorme proximidade de quantitativos destes processos nos tribunais de Barcelos e Famalicão também é realidade que seria merecedora de maior atenção, uma vez que estes tribunais têm, nestes processos, uma das suas maiores ocorrências, a qual não está em linha com o padrão de serviço de nenhum dos dois tribunais. Por falta de fontes que permitam um estudo sistemático e aprofundado, pelo menos relativamente a Braga, este aspeto foi por nós constatado, mas não esclarecido. Cruzando o conteúdo desta documentação com os dados da Estatística Judiciária, demonstra-se que a aglutinação de realidades diferentes, numa única categoria, esbatem as diferenças regionais e não permitem por si sós caraterizarem-nas com detalhe. Descrever uma qualquer comarca, recorrendo unicamente a este instrumento, é abrir mão da especificidade, cuja riqueza se perde em termos descritivos e de análise. Esta assunção reforça as cautelas necessárias à utilização das estatísticas judiciais como fontes de estudo e caraterização da criminalidade oficial, independentemente do local geográfico em estudo, e que foram também mencionadas por vários, Fatela (1989) ou Vaz (1998), entre outros.

81

Capítulo III: Dos crimes às sentenças Quando iniciamos o levantamento de informação com base na exploração do conteúdo dos processos judiciais, deparámo-nos com uma imensidão de páginas: umas manuscritas, outras não; umas de mero preenchimento de formulários normalizados, outras de cariz profundamente pessoal, onde a sensibilidade do seu autor, a subjetividade, se manifestava num mundo “judiciário” caraterizado pela crescente normatização de atos e procedimentos administrativos. É disso exemplo um boletim de registo criminal, onde os campos: nome, morada, naturalidade, filiação, idade estão determinados à partida, num formulário que tem base nacional. Em contraponto, e que constitui um momento maior de todo o processo judicial, seja ele da vara crime ou da vara cível, a sentença, manuscrita pelo juiz no corpo do processo, seguindo uma organização determinada quer pelo Código de Processo, quer pelo uso comum do direito, mas que depende do cunho pessoal de cada juiz. Organizados os dados, nas categorias apresentadas143, a sua análise sugeriu-nos uma divisão que julgamos permitir uma visão mais atenta sobre alguns aspetos. Desta forma, apresentar-se-ão as conclusões de acordo com os títulos abaixo discriminados. 

Dos crimes;



Dos processos;



Dos tempos da Justiça;



Das gentes: dos réus e das vítimas.

Dos crimes Iniciar esta análise, significa olhar afinal para o ilícito, à luz da lei, que dá origem, que enforma todo o sistema judicial e judiciário, representando a razão de ser das leis e ao mesmo tempo das estruturas – policias, tribunais, prisões, só para citar três grandes. Relativamente ao universo dos crimes e a sua designação nos processos, houve um trabalho a fazer da nossa parte que foi uniformizar as designações, uma vez que, de forma recorrente, o crime identificado na capa do processo não correspondia de facto ao que havia sido tido em consideração. Procurando-se as raízes desta situação junto das fontes do tribunal, oficiais da secretaria e do arquivo, foi-nos dito que

143

Ver páginas 27 a 29. 82

muitas vezes se mantinha a classificação feita da polícia, outras vezes eram os funcionários que, perante a leitura da denúncia, “davam um nome ao processo”, isto é, identificavam o crime, o que nem sempre correspondia fielmente ao constante no despacho de acusação. Assim, o nosso procedimento foi, em primeiro lugar, e perante o Código Penal, fazer uma primeira leitura transversal da acusação e seguidamente classificar o processo segundo o crime pronunciado pelo juiz de instrução. Analisados os cento e oitenta processos que constituem a amostra, conseguimos uma categorização dos crimes, pelo seu enunciado inicial e que é a seguinte: furto e falsas declarações; ofensas morais; ultrajes à moral; resistência à autoridade; atropelamento e transgressões; dano; ameaças e ultrajes à moral; ameaças; estupro; falsas declarações; exercício ilegal de enfermagem; introdução em casa alheia; caça e pesca proibida; jogo de azar; homicídio frustrado; roubo; infanticídio; furto e falsificação; furto; falsificação; desobediência; burla; homicídio involuntário; embate; aborto; especulação e falsas declarações; especulação; matança clandestina; tentativa de estupro; abuso de confiança; ofensas corporais e morais e ofensas corporais. Partindo desta classificação, categorizámo-los pelos grandes grupos definidos pelo Código Penal144. A distribuição dos 180 processos, que constituem a amostra, traça o seguinte gráfico, em percentagens. Gráfico 9. Distribuição dos 180 processos por grandes categorias do Código Penal (dados em percentagem)

A análise da classificação dos processos permite constatar que 40,6 % dos crimes foram praticados contra a segurança das pessoas, consubstanciando-se em ofensas corporais, homicídios, entre outros. Em 144

Ver Anexo 4b) 83

segundo lugar nesta escala aparecem os furtos, roubos e usurpações da coisa móvel com 26,1% das ocorrências, seguidos dos crimes contra a honestidade, ou seja crimes como estupro ou tentativa de estupro com 9,4%, dos crimes económicos- “das quebras, burlas e outras defraudações” com 8,3% e dos “crimes contra a honra, difamação, calúnia e injúria” com 5,6%. Relativamente às duas maiores categorias, estes resultados estão em linha com os apontados por vários estudos, Fatela145 (1989) e Vaz (1998) para o período contemporâneo, num enquadramento já por nós feito anteriormente. A valorização do ilícito contra o indivíduo, como ilícito contra o próprio Estado, contra a sua coesão interna e o respetivo sancionamento pelo aparelho judicial, reflete-se num número elevado de crimes dentro desta grande categoria dos crimes contra a segurança das pessoas. Contudo este elevado número de ocorrências não se reflete em elevado número de crimes graves, sendo na sua maioria ofensas corporais. Como todas as generalizações, também a que fizemos pode ser enviesadora dos resultados apresentados pelo que se inclui em anexo um quadro146 com as frequências dos crimes, fora das categorias. Neste está expressa uma realidade, que outras fontes comprovam, a de que os pequenos delitos são maioritários. Se numa mesma categoria cabem crimes tão diferenciados como as ofensas corporais ou os homicídios, torna-se necessária uma análise mais detalhada relativamente ao assunto. Olhando para os dados absolutos da amostra, 60 casos de ofensas corporais a que acrescem 3 casos de ofensas corporais e morais, que totalizam 35% da amostra para corroboram a tese avançada por autores anteriormente referidos, mas também a visão veiculada num dos relatórios de inspeção ao tribunal147: “… os crimes graves teem pequeníssima frequência…” e quando o Sr. Juiz Desembargador Sousa Pinto se referia aos processos polícias correcionais continuava, “… os crimes mais acusados foram os de ofensas corporaes simples”.

Quanto aos crimes mais graves, os homicídios, estes totalizam uma frequência muito baixa, 4 em toda a amostra. Relativamente à outra grande categoria, “Do furto do roubo e da usurpação da coisa móvel”, também o referido relatório reconhece a sua enorme prevalência na comarca de Braga, avançando até com uma explicação: “ A miséria, a falta de emprego e sempre o vinho são os factores determinantes desta frequência de crimes de furto…”

Referia-se o juiz às graves condições socioeconómicas em que viviam as populações da comarca de

145

146

147

Fatela, O Sangue… Ver anexo 5. Inspeção aos serviços judiciais da comarca de Braga - 1º Tribunal - Considerações gerais de 15 de Maio de 1951, Conselho Superior Judiciário, Relação do

Porto. 84

Braga, num período de grave crise económica no enquadramento do pós II Guerra Mundial, a que a região obviamente não escapou, e que está em grande medida na base, porventura não só destes crimes de furto, mas também nos crimes contra as pessoas, nos crimes económicos. Aliás encontram-se inúmeros ecos dessa longa crise e dos seus reflexos num aumento do crime de furto numa base que se pode até considerar nacional. Fatela148 (1989) ao analisar a criminalidade usando a Estatística Judiciária, não pôde deixar de salientar a “subida brutal de crimes de furto” num período que mediou 1926 e 1946, não ignorando as enormes diferenças politicas e económicas nele contidas. O autor cita Daniel Barbosa, um dos ministros de Salazar, que em 1949 admitia que “os salários de muitas das nossas indústrias não atingem níveis suficientes para garantir a alimentação diária de uma família operária…” Apurar estas considerações através dos dados da nossa amostra é possível quanto cruzarmos a variável crime, categorizada segundo com a variável cumprimento da pena permite-se um olhar mais aprofundado sobre algumas temáticas. Gráfico 10. Os crimes e o cumprimento das penas pelos réus.

148

Fatela, O Sangue… Página 160 e seguintes. 85

O gráfico aponta nas duas categorias com maiores quantitativos, “crimes contra pessoas” e “furto” o cumprimento da pena determinada foi, como já se analisou, a solução preferida pelo juiz ou pelo coletivo de juízes, havia uma mensagem a passar para a sociedade no seu todo. Uma mensagem forte e resoluta no sancionamento dos comportamentos que a própria sociedade vivenciava, e cuja impunidade, ameaçava o todo, não só o individuo, mas a comunidade onde este se insere. Porém, a justiça não se afigurava cega, prevendo-se inúmeras situações de exceção de que o sistema judicial se servia para de alguma forma salvaguardar as questões individuais de cada réu, não obstante a condenação do crime, que parecia já ser uma punição, à qual se junta as de prisão, as multas e as custas. Socialmente, a simples condenação, o facto de alguém ter estado envolvido com a justiça, era sobretudo nos meios sociais mais pequenos, e concordando com Esteves149, por si só encarado como uma forma de sancionamento por parte da comunidade. Nesta linha de pensamento, a suspensão de penas, funcionou muitas vezes como dissuasor de comportamentos desviantes futuros. Contudo, há diferenças que importa salientar com base nos dados do gráfico relativamente, ainda às duas grandes categorias. Se, no que toca aos crimes contra a segurança das pessoas, muito embora a supremacia do cumprimento efetivo da pena de prisão decretada, há uma elevada prevalência de penas substituídas por multas, bem como de penas suspensas, com a pena suspensa por dois anos à cabeça. Isto demonstra, por um lado, a baixa gravidade das ofensas referida nas fontes e por outro uma consideração, quase de cariz sociológico, feita pela Justiça, considerando tantas vezes essas ofensas resultado da ignorância, da falta de formação e até da miséria em que viviam as populações. Esta miséria, se bem que material, era, no dizer de alguns acórdãos de sentença, moral e social. Aliás, o governador civil de Braga demonstrava preocupação, quando em relatório de 1944 afirmava que “a miséria do distrito é grande (…) e a cidade de Braga é uma coisa impressionante. […]a amplitude numérica da mendicidade ultrapassa todas as fantasias”.

Este relato continua, de forma quase dramática, quando a mesma autoridade descreve que na cidade “há ruas quase inteiramente constituídas por habitações coletivas, no que respeita a famílias, a andares e até, a divisões (…). O mísero colchão e o mesmo cobertor abrigam uma família inteira.” 150

Muito embora estas considerações, já no que ao furto e roubo diz respeito, a substituição da pena

149

Esteves, Alexandra Patrícia Lopes. Entre o crime e a cadeia: violência e marginalidade no Alto Minho (1732 – 1870), Vol. I e Vol. II, Braga, Universidade do

Minho, 2010, pp. 858 – 859, dissertação de doutoramento, História (ramo de conhecimento em Idade Contemporânea), Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, 2010. 150

Rosas, Fernando, Portugal entre a paz e a guerra 1939-1945, ed. Estampa, Imp. Univ., nº 83, Lisboa, 1990, pág. 345, citado por Bandeira (2001). 86

por multa ou a sua suspensão têm percentuais muito baixos, sendo que o cumprimento da pena consubstancia a grande maioria das situações. Aquando da leitura exaustiva dos processos, deparámo-nos com uma realidade, cuja dimensão desconhecíamos, mas que nos afigurou de recolha, pela importância que poderia assumir na caracterização da criminalidade na comarca de Braga, o facto do queixoso inicial, ser, no decurso do processo, arrolado como réu, acusando o Estado dois réus, condenando-os por vezes a ambos, ficando o processo “sem” uma das suas figuras mais importantes – a vítima. Concluída a leitura, e analisados os dados, verificamos que esta realidade não assumiu um caráter relevante em termos quantitativos, uma vez que nos 180 processos explorados, apenas se consubstanciou em dezanove deles, que representam 10,6% do total, porém o cruzamento com outra variável, a do crime, permite algumas conclusões interessantes. Das dezanove ocorrências, dezassete caem na categoria do crime de ofensas corporais e mais um de ofensas corporais e morais. Os restantes dois dizem respeito a abuso de confiança e embate (acidente de trânsito) respetivamente. Mais uma vez, salta à vista a predominância das ofensas corporais, em que as partes se envolvem em agressões mútuas, de tal forma gravosas que, vistas pela minúcia do aparelho judicial, se conclui não haver lugar à existência de vítimas, não obstante os ferimentos infligidos. Ainda que não maioritário, este resultado pode ser importante numa perspetiva de análise da conflitualidade na sua génese, pois nem sempre esta é unilateral, mas antes é o resultado de um ciclo que se torna difícil de conhecer, uma vez que à justiça chega apenas o epílogo de uma história. Tantas vezes resvalava a diferença de opinião para a violência física, violência verbal, questionandonos até se todo o comportamento criminoso não se funda, afinal, numa violência, na medida em que interfere na liberdade, no espaço, na vida do “outro”. Na análise foi tida em conta, nos “nossos” processos, a existência ou não de violência explícita e de qual o seu teor. Apresentamos, em primeiro lugar, os resultados relativos à existência de agressão explícita, incluindo-se também os casos, onde, pela natureza do crime, não se aplicava. Quadro 3.Existência de agressão. Existência de agressão Frequência

Percentagens

Sim

98

54,4

Não

23

12,8

Total

121

67,2

Não Aplicável

59

32,8

Total

180

100,0

87

Num olhar inicial aos dados, no que a este parâmetro diz respeito, é de referir um aspeto importante, em 98 dos 180 casos, correspondendo a 54,4% dos processos analisados, o que facilmente se depreende tendo em conta a clara supremacia dos crimes contra a segurança das pessoas, assim como dos crimes contra a honestidade e até dos furtos (frequentemente com violência envolvida). Outro facto de relevar, e que o cruzamento dos dados qualitativos com os quantitativos permite, tem a ver com os já referidos crimes contra a honestidade, nomeadamente os estupros. Nestes casos, a família eram quem normalmente apresentava queixa quando descobria a desfloração de uma jovem (menor ou não), mas pelo processo, e não obstante a condenação do réu, claramente se percebia que não tinha havido agressão, violência envolvida, mas antes um ato de sedução, daí que muitas vezes o casamento era agendado ou consumado durante o processo, num dos casos no dia da leitura da sentença! Feitas estas considerações, é oportuno esclarecer do tipo de agressão, sendo que o caráter intempestivo das gentes da região, reconhecido inclusive pelos próprios atores judiciais151, levava a diferentes níveis de violência, depois comprovada pelos depoimentos e até pela ordem de prisão das testemunhas durante o julgamento, conforme visto atrás. Quadro 4. Tipo de Agressão Tipo de Agressão ocorrida

Frequência

Percentagens

Física

51

28,3

Verbal

13

7,2

Moral

1

0,6

Verbal e física

33

18,3

Total

98

54,4

Não Aplicável

8

45,5

Total

180

100,0

Pela análise do tipo de agressão, a física assume-se como maioritária, seguida da verbal e física, conjuntamente. Muitas vezes, no articulado da queixa, os relatos de insultos e impropérios aparecem, mas não são depois valorizados, como constituindo ato ilícito, pelo que o MP acaba por valorizar unicamente a agressão física. Noutros, ao invés, pela gravidade que estes constituíram para o ofendido, e muitas vezes pela veemência com que confirmados pelas testemunhas, figuram no processo como agravantes da agressão física, o que se verificou em 18,3% dos casos estudados. A agressão figura em 54,4%, dos quais

151

Autos de inspeção aos serviços do Tribunal de Braga de 27 de Julho de 1955, Conselho Superior Judiciário, Relação do Porto. Inspeção aos serviços

judiciais da comarca de Braga - 1º Tribunal - Considerações gerais de 15 de Maio de 1951, Conselho Superior Judiciário, Relação do Porto. 88

a agressão física constituiu mais de metade dos mesmos. Esteves152 (2010) e Garnel153 (2007), remetendo-se a primeira para o Alto Minho no século XIX e a segunda para Lisboa durante a Primeira República, portanto início do seculo XX, analisam a agressão ao estudar o fenómeno da violência. Muito embora as diferenças temporais e geográficas entre ambos os estudos e com o presente, os resultados são bastantes similares, na medida em que claramente o ilícito criminal envolve muitas vezes a violência nas suas mais variadas formas. Seguindo o exemplo dos estudos referidos, cruzando a agressão com o sexo dos réus, na comarca de Braga, de 1940 a 1959, o panorama foi o seguinte. Quadro 5. Distribuição do tipo de agressão por sexo (réus) Sexo dos réus Masculino

Tipo de Agressão ocorrida

Total

Feminino

Física

83

16

99

Verbal

11

4

15

Moral

3

0

3

36

25

61

133

45

178

Verbal e física Total

À semelhança do verificado noutros enquadramentos espaciais e temporais154, claramente os homens surgem na nossa amostra como os autores de um maior número de agressões. Aliás aproximamse os dois sexos, quando são tidas em conta, cumulativamente agressões verbais e físicas em simultâneo, com trinta e seis réus do sexo masculino, contra vinte e cinco do sexo feminino. Relativamente às outras categorias, a supremacia do sexo masculino é clara. Nas razões estão implicações da fisiologia masculina, sobretudo no que à violência física diz respeito, mas também outras que mais adiante de explorarão. Quadro 6. Utilização de Arma Utilização de Arma

Frequência

Percentagens

Navalha / canivete

16

8,9

Arma de Fogo

1

,6

Outro

61

33,9

Total

78

43,3

Não Aplicável

102

56,7

Total

180

100,0

152

Esteves, Entre o crime e a cadeia… Página 107 e seguintes.

153

Garnel, Vítimas… Página 395 e seguintes.

154

Ver nota 9, à qual acrescentamos João Fatela, O Sangue a Rua (1989), Maria Rita Garnel, Vítimas e violência na I República (2007), Alexandra Esteves,

Entre o crime e a cadeia: violência e marginalidade no Alto Minho (1732 – 1870) (2010). 89

No que toca às armas utilizadas aparece como maioritária a categoria “Outros” de que fazem parte desde pedras, a paus, varapaus, bancos, instrumentos de trabalho agrícola, bacios, entre outros. Só uma vez foi utilizada arma de fogo e em 8,9% dos casos navalhas, canivetes ou até facas, também incluídas nesta categoria. A maior parte dos criminosos parecia pois socorrer-se daquilo que com relativa facilidade encontrava, objetos de uso comum que num momento de desacordo se transformavam em armas para agredir o outro, revelando não premeditação do crime, por um lado, e por outro, pouca inclinação criminosa. Garnel155 (2007), ao examinar a sua amostra sob este ponto de vista, afirma: “Ao examinar os instrumentos utlizados, percebe-se que um número substancial de casos comprova esta falta de premeditação: os objectos de uso doméstico […] ou os relacionados com o quotidiano do trabalhador […] são instrumentos imediatamente utilizados por estarem ali à mão, no decurso da disputa. […] as pedras, como instrumento de agressão, seguras na mão ou arremessadas de longe, são também muito frequentes e eficazes…”

Num breve apontamento, os dados na nossa amostra são concordantes com Garnel, como expusemos acima, mas também com Esteves156 que aponta nos seus dois trabalhos, instrumentos semelhantes. A distância cronológica e física da nossa população com a estudada pelas duas referidas autoras não parece ter sido determinante na escolha das “armas” utilizadas, sendo que no calor do acontecimento, quer num passado mais recuado, quer num passado recente, qualquer instrumento, arma propriamente dita ou não, serviu para atentar contra os outros. Relativamente ao local onde ocorre o crime, foi tida em consideração a dicotomia rural e urbano. A este propósito, atente mais adiante ao mapa, quando tratamos a questão da morada dos réus, cruzada com o local do crime. O quadro seguinte mostra a distribuição dos dados da amostra pelo local do crime, respeitando a dicotomia acima apresentada: Quadro 7.Cruzamento entre a distribuição do local do crime por meio urbano ou rural com o crime. Local do crime Crimes categorizados pelo Código Penal

Meio Urbano

Meio Rural

Total

Injúrias e violências contra as autoridades públicas, resistência e desobediência

2

1

3

Das falsidades

3

1

4

Das armas, caças e pescarias defesas

0

1

1

0

1

1

Dos jogos, lotarias, convenções ilícitas sobre fundos públicos e abusos em casas de empréstimos sobre penhores

Continua da página seguinte.

155

Garnel, Vítimas… página 398.

156

Esteves, Entre o crime e a cadeia: …, mas também Esteves “ Duas palavras, três porrdas…” 90

Do monopólio e do contrabando

4

0

4

Dos crimes contra a segurança das pessoas

24

50

74

Dos crimes contra a honestidade

12

4

16

Dos crimes contra a honra, difamação, calúnia e injúria

7

3

10

Do furto, do roubo e da usurpação de coisa móvel

22

25

47

Das quebras, burlas e outras defraudações

13

2

15

Do incêndio e danos

3

0

3

2

0

2

92

88

180

Da violação das leis sobre inumações e da violação dos túmulos e dos crimes contra a saúde pública Total

Os dados recolhidos através dos processos colocam quase em igualdade de circunstâncias o meio rural e o meio urbano como palcos do crime, com oitenta e oito e noventa e duas ocorrências respetivamente. A distribuição quase equitativa desta variável, não permite inferir da influência da maior ou menor ocorrência de ilícitos fora ou dentro da malha citadina de Braga. Quando se colocam os crimes no espaço em que aconteceram, claramente o meio rural, periférico à cidade, surge-nos, de alguma forma inesperadamente, mais “criminoso” do que o meio urbano, pelo menos nas duas categorias que neste, e noutros estudo, são predominantes, a dos crimes “contra a segurança das pessoas” e “do furto e roubo”. “Das armas, caças e pescarias defesas” e “Dos jogos, lotarias, convenções ilícitas sobre fundos públicos e abusos em casas de empréstimos sobre penhores” também surgem na amostra como crimes do espaço rural mas cuja frequência é demasiado baixa, para que possa ser representativa de alguma caraterística. Pela mesma razão mas aplicada ao espaço urbano, devem ser pouco valorizados os dados relativos ao crime “Do incêndio e danos”. Relativamente aos crimes “Do monopólio e do contrabando” e “Da violação das leis sobre inumações e da violação dos túmulos e dos crimes contra a saúde pública”( o crime era de matança clandestina), a cidade enquanto espaço de comércio, por excelência poderia eventualmente ser favorecedor deste tipo de ilícitos criminais, porém a baixa frequência observada na amostra não permite aferir se, de facto, assim foi, ficando esta hipótese em aberto. A localização geográfica do crime e dos seus intervenientes é importante, na medida em que as pessoas, e os seus atos, não são independentes da sua envolvente. Julgamos, pois, oportuno incluir o mapa que se segue onde se definem quais as freguesias que compõem o concelho de braga e dentre elas aquelas que se configuram o meio urbano. Por meio urbano foram assumidas as localizações de crime dentro daquilo que hoje, e segundo as fontes, também no passado se admitia ser a área primordialmente urbana da Cidade, constituída pelas freguesias da Sé, da Cividade, de S. Vítor, de São João do Souto, de 91

Maximinos, de S. José de Lázaro e de S. Vicente. Contudo é referido, em diversa bibliografia, que a malha citadina se foi estendendo, pelo que se admite que algumas freguesias como Maximinos, S. Vicente, S. Vítor, muito embora consideradas urbanas, mantivessem caraterísticas predominantemente rurais. Da mesma forma que Dume, Palmeira, Sequeira, Ferreiros, Fraião, Nogueira, estando fora da “zona urbana”, pela sua enorme proximidade assumem caraterísticas urbanas, em termos de comportamentos criminógenos das suas populações. Ora, aferindo esta variável do urbano e do rural com a morada dos réus temos a seguinte imagem. No mapa circunscrevem-se a azul as freguesias que constituem o núcleo urbano. Mapa 2. Mapa de distribuição dos réus pelo concelho de Braga, tendo em conta a sua morada.

A imensidão dos dados leva-nos a remeter para anexo157as frequências da amostra. Analisando as freguesias de maiores quantitativos, e fazendo a distinção entre urbano e rural, numa tentativa de esclarecer as diferenças entre ambos. Em primeiro lugar os excluídos, a quatro dos 318 réus não se conhecia morada e 36 eram oriundos de fora do concelho de Braga, incluem-se nesta categoria os originários ou dos concelhos limítrofes ou de outros distritos158.

157

Ver Anexo 6.

158

Ver Mapa 1, página 84. 92

As freguesias com maiores quantitativos de implicados em crimes são a da Sé, com trinta e quatro réus; a de S. José de S. Lázaro com trinta, a de S. Vítor com vinte, a de Dume com catorze, a de S. Vicente com treze, Real com onze e Palmeira com dez. De entre este conjunto, Dume, Real e Palmeira, não fazendo parte do núcleo urbano do concelho de Braga, estão na periferia, muito próximos e numa relação de forte complementariedade económica e social.de igual forma, com quantitativos bem menores, porque contíguas a freguesias do núcleo urbano ainda em expansão, as freguesias de Ferreiros e de Semelhe (contíguas a Maximinos), a de Lomar (contígua a Maximinos e S. Vítor). Esta situação não invalida, obviamente, que se agisse fora da área de residência, tal é caso de um réu oriundo de Sobreposta, uma freguesia distante do núcleo urbano, ou então réus de Tadim accusados de crimes dentro do núcleo urbano. De forma inversa, réus oriundos do núcleo urbano são fossem acusados de crimes ocorridos fora, como no caso de réus oriundos da freguesia de S. joão do Souto. Relativamente aos números apresentados para os residentes na freguesia da Sé, os mais elevados, estes representam gentes que viviam num enquadramento particular, o do núcleo mais antigo da cidade. por outro lado S. Lázaro e S. Vítor viviam outro tipo de circunstâncias, não menos complexas e que um breve apontamento sobre a estrutura habitacional da cidade que pode sustentar algumas considerações. Relativamente às zonas habitacionais do núcleo urbano da cidade, estas vão ser caracterizadas pela degradação, sem grande investimento quer por parte dos proprietários, quer por parte dos seus habitantes. Estes núcleos, que se estendem pelas zonas mais antigas na cidade, correspondem a espaços compostos por ruas estreitas, de casas elevadas, cujas características dos edifícios e a “…intensidade de ocupação determinaram uma total ausência de intimidade habitacional.” A tipologia destas ruas é ainda hoje facilmente reconhecível quando percorremos algumas artérias das freguesias da Sé, do alto de Maximinos, de S. João do Souto e sobretudo da Cividade. Ao longo do final do século XIX e início do século XX assiste-se à construção de “bairros” relativamente acessíveis, para onde pudessem ser descolados, para condições condignas, aqueles que poucos recursos tinham. O primeiro foi aberto em 1876, na rua de Poente, na freguesia de S. Lázaro, o primeiro Bairro Democrático, pela Companhia Edificadora e Industrial Bracarense, com propósitos filantrópicos, à semelhança de iguais iniciativas no Porto e em Lisboa, estrutura habitacional que congregava também uma zona rural no seu interior. Esta estrutura ampliou-se crescendo para o largo das Latinhas, próximo do rio Este, tendo inclusive sido mudado o seu nome para Bairro Araújo Carandá. Na década de 40 do século XX, as 62 habitações que o compunham estavam já degradadas e associavam-se os seus habitantes à mendicidade e criminalidade. O bairro acabaria por ser demolido e os seus habitantes “espalhados” por outros bairros sociais da cidade. A iniciativa de construção de bairros sociais vai manter-se no enquadramento da República e depois 93

do Estado Novo, assistindo-se ciclicamente ao deslocar, ao desenraizar de populações, tentando-se resolver problemas sociais, que se tornavam gravosos para a cidade em termos se ordem e segurança. A construção de bairros sociais vai ser constante ao longo da história da cidade: no Areal, no Monte dos Pucarinhos o Bairro Económico ou Eng. Duarte Pacheco e o bairro operário de Santa Tecla, ambos na freguesia de S. Vítor, no monte Castro (imediações da Cadeia) e o Bairro da Misericórdia (financiado inclusive pelo Fundo Desemprego e pela Federação das Caixas de Previdência), na freguesia de S. Vicente. Na periferia apenas um, o Bairro de Ruães, da iniciativa da Companhia Fabril do Cávado vai documentar esta preocupação com a habitação para as camadas operárias. O crescimento de estruturas deste género, não invalidou que se mantivessem os problemas no centro histórico, alojamento sobrelotado e cada vez mais degradado, como por exemplo a zona de Santo António das Travessas ou da Rua da Boavista, ambas na freguesia da Sé, o arruamento das Palhotas na freguesia de S. Vicente, que funcionavam como autênticas “ilhas”, com todos os problemas que estes complexos habitacionais têm inerentes pela sobrelotação e falta de condições que os caracterizam. Assim fez para nós todo o sentido recolher a informação acerca do local específico onde ocorreu o presumível ilícito. Gráfico 11. Relação entre os intervenientes e o local do crime.

O local onde ocorre o ilícito criminal pareceu-nos importante, uma vez que, da análise desta variável, se podem inferir motivações, padrões de atuação. Aquando da análise dos dados a Rua citadina, o espaço rural (caminhos, campos, bouças, etc.), por nós entendido como Locais de Passagem por onde se movimentam réus e vítimas, afirmou-se aos nossos olhos como a categoria que aparece com maior visibilidade. Em seguida, a residência da vítima onde se localizam 20,6% dos casos e o trabalho da vítima com 12,8. Como local de lazer entendemos as tabernas, mas também os arraiais, as festividades religiosas, onde ocorrem 11,7% dos crimes. 94

Em primeiro lugar, as zonas públicas. A rua enquanto lugar de passagem, de trânsito de pessoas e bens, mas também de ocupação de tempo para uma população, como já vimos, castigada pelo desemprego e pelas más condições de vida. Conforme apontavam as fontes coevas, em Braga, a indústria era quase inexistente e a comarca considerada pobre, sendo que nem a agricultura se apresentava como alternativa, uma vez que de baixo rendimento de tratava,constituindo-se apenas como de subsistência. A rua, o pátio assumem-se como locais de convívio, de trocas, de sociabilidade, por um lado devido à tipologia das habitações dos mais pobres, “ilhas”, ruas estreitas e espaços sobrelotados, por outro lado o crescimento populacional da cidade, à qual acorriam habitantes das zonas limítrofes, ou não, à procura de melhores condições de vida, de empregos, procura essa à qual as estruturas económicas não conseguiam responder. Nesse sentido, e tendo em conta as caracteristicas acima descritas do povoamento na zona urbana e a pobreza que caraterizava toda a comarca, não é dificil de contextualizar, a prevalência de crimes ocorridos na residência das vítimas, local onde se guardam os bens, onde se gerem as relações humanas. Concordando com (2010), Anica (2005) e Garnel (2007), claramente, o espaço privado assume-se como dominante. Se somarmos todas as residências como locais de crime, incluindo-se a residência do próprio réu, também referenciada pela nossa amostra,com isolada quer conjuntamente com a vítima, constatamos que 30,6% dos crimes acontecem em lares. Porém, relativamente a estes, há a referir novamente que não se encontrou nenhum caso reportado de violência doméstica. Relativamente aos locais de lazer, inequivocamente, as tabernas e a feira eram espaços abertos a todos, assumindo-se os primeiros como espaços de verdadeiro convívio, com uma função mais social até do que económica, preenchendo, como aponta Fontes159, “… uma necessidade social (convívio, lazer, passatempo)…”, sobretudo para o sexo masculino, embora as mulheres, sobretudo as vendedeiras do mercado ou as ambulantes também os frequentem. Encontravam-se nesses espaços, camadas menos jovens da população, que a eles acorriam, no final de uma jornada de trabalho, ou para passar os dias vazios, sem empregos ou depois de passada a idade ativa, mas com um denominador que se pode considerar comum, os baixos rendimentos. A bebida e comida, mas sobretudo a conversa e o jogo, nem sempre legal, eram chamarizes para as tabernas, onde se cruzavam vidas, venturas e desventuras e tantas vezes conflitos, sobretudo ao início da manhã, para o “mata-bicho”, e ainda mais ao final da tarde. À mistura com todos estes ingredientes, o vinho, propiciador de conversas e de ligações sociais mais ou menos amistosas e muitas vezes conflituosas, que se estendem inevitavelmente para as ruas e para as gentes. As tabernas, ou tascas, afirmam-se, em quase todas as cidades, como espaços de

159

Luís Fernando de Oliveira Fontes, “As Tabernas de Braga”. Revista "Mínia", ASPA, Braga, 2ª série, Ano VIII, nº8, 1986, pp. 111- 130. 95

sociabilidade das classes populares mais baixas, sendo pelas autoridades associadas à embriaguez e à desordem. Aliás, o Sr. Juiz Desembargador Sousa Pinto refere o enorme número de tabernas que há pela Comarca de Braga no relatório de Inspeção de 1951160, ao tratar a enorme quantidade de ofensas corporais: “Trata-se no geral de ofensas muito leves e grande número delas tiveram por local as tabernas. Por toda a parte – mesmo na própria Cidade – se veem numerosas tabernas sempre cheias de ociosos. Os Senhores Juízes constantemente chamam à atenção das instâncias competentes para o facto, mas sem qualquer satisfação obterem. Portugal é paiz vinhateiro, quem bebe vinho é um benemérito, e quanto mais bebe mais benemérito é!”

No caso de Braga, centro urbano, estas localizam-se sobretudo na parte Norte da cidade, nas zonas que mediam entre o Campo da Vinha e a atual Praça no Município, antiga zona do Mercado Municipal, instalado na praça fronteiriça à Câmara Municipal, Antiga Praça de Touros (construído em 1915 e onde se manteve até 1956, data do seu desmantelamento), na freguesia da Sé, sendo rodeado por espaços habitacionais e de pequeno comércio, caracterizados por um denominador comum, a degradação a que estavam votados pelas autoridades públicas e pelos donos privados. Outra questão se levanta quando se analisa esta questão dos espaços, a dos crimes associados a cada um. Os resultados da amostra, relacionando tipo de crime e local onde este é praticado demonstram o seguinte. Gráfico 12. Relação do crime com o local onde este é praticado.

160

Autos de inspeção aos serviços do Tribunal de Braga de 27 de Julho de 1955, Conselho Superior Judiciário, Relação do Porto. 96

Do cruzamento da categoria “Dos crimes contra a segurança das pessoas” com a relação dos intervenientes com o local do crime ressalta que estes foram maioritariamente cometidos em local de passagem, pelo que a rua genericamente assumida foi o local de 18,5% da amostra, em 7,3% dos casos em locais de lazer, 6,3% na residência das vítimas e 3,4% na residência do arguido. Ponderados estes valores, verifica-se que o espaço público, aquele em que todos se cruzam, independentemente das relações que estabelecem entre si, foi o local onde mais vezes se atentou contra a integridade física das vítimas. Ainda assim, residência trabalho do arguido assumem valores baixos, mas referenciáveis. As circunstâncias são variadas, mas concordamos com Fatela (1989) quando descreve o homem português como impulsivo e tendente a procurar a justiça por mãos próprias, a vingança para justificar tais situações, em que não é o agressor que procura a vítima, mas antes o contrário. No que diz respeito aos crimes furto, mais uma vez a residência das vítima e o trabalho das mesmas, assume-se como o cenário. Relativamente aos crimes contra a honestidade, os locais de passagem e de lazer acumulam maiores percentagens de ocorrências, pois fora da alçada de pais e vigilância que encontravam as raparigas, que forçadas ou seduzidas, sucumbiam aos agressores. De referir ainda, as percentagens de ocorrência destes crimes na residência do arguido e no trabalho da vítima, as quais merecem relevo, na medida em que têm a ver com a sedução pelos patrões das “criadas de servir” normalmente muito jovens. As dinâmicas da vida privada de meados do seculo XX, fortemente pautadas pelo sentido (e não prática) de moralidade e bons costumes, tantas vezes evitavam a denúncia, de tal forma que nestes casos chegados à barra dos tribunais, a denúncia é frequentemente apresentada pelos pais das jovens, pais e não mães. Como já vimos também o espaço público, sobretudo os locais de passagem são lugares de todo o tipo de crime, desde os violentos aos económicos. Os locais de trabalho estão presentes em todas as categorias de crimes, o que comprova que, mesmo os assalariados viviam com poucos recursos económicos, sustentando as declarações do ministro de Salazar, Daniel Barbosa, acima transcritas. Diz a sabedoria popular que “a ocasião faz o ladrão”, arriscando nós a dizer que a “necessidade fez o criminoso” em muitas das circunstâncias por nós estudadas.

97

Dos processos Denúncias e julgamentos O estudo da amostra permite como já se disse um olhar diferenciado que nos permita conhecer, paulatinamente, o “todo”. No caso da amostra dos processos-crime já descritos, a multiplicidade de informação neles contida, leva-nos a fragmentar a análise dos momentos processuais começando pelas denúncias, seguindo-se a tipificação criminal, os trâmites processuais, as sentenças, os testemunhos, numa perspetiva quantitativa, com uma ligeira inflexão ao qualitativo. A existência de um processo implica desde logo um caminho seguido desde o apuramento das circunstâncias sobre o alegado crime ao seu julgamento, onde serão, ou não, encontrados e posteriormente punidos os culpados, ou então absolvendo-se todos das acusações que sobre eles pendiam. Logo à cabeça a comunicação do ilícito às autoridades – a denúncia. Este é, sem dúvida, o primeiro ato que dá origem a todo o processo e a partir do qual se desenrolarão todas as diligências. Perante os dados da nossa amostra, obtemos a seguinte distribuição.

Gráfico 13. Autoridade recetora da denúncia.

Os resultados da amostra, relativamente à autoridade recetora da denúncia, demonstram que a Polícia de Segurança Pública foi a entidade que recebeu 51% das denúncias de ilícitos criminais, isto é, mais de metade dos crimes foram comunicados a esta força policial. Conforme apontado por Fatela161 (1989), mas discutido com maior detalhe por Gonçalves162 (2008), a Polícia de Segurança Pública (PSP)

161

Fatela, O sangue…

162

Gonçalves, “A construção de uma política urbana…”. 27 a 30. 98

exercia sobre os cidadãos da cidade uma ação de proximidade. “A primeira característica refere-se à organização espacial da polícia urbana. Esta não resulta apenas de uma simples divisão territorial mas de uma ocupação ativa do espaço através de escalas de proximidade. A proximidade surge como elemento definidor da instituição e da prática policial. A singularidade da polícia de segurança pública reside no nível mínimo que estas escalas atingem. De forma resumida, a instituição tem jurisdição sobre a totalidade do território urbano – a cidade – dividindo-se em áreas mais pequenas – as esquadras – alcançando a escala micro quando chega à rua através do principal serviço de policiamento – a patrulha.”

A presença dos agentes nas ruas queria-se permanente e dissuasora dos comportamentos desviantes, não necessariamente criminosos, moralizadora e de alguma forma, demonstrando que os braços do Estado se afirmavam, se mostravam presentes no quotidiano. Esta ação, vai, como atrás se discutiu, servir de base enformadora ao reforço do poder e incumbências das várias “polícias”, não só a de segurança Pública. Aliás, Garnel (2007) ao referir-se ao papel das polícias, destaca a sua enorme importância na “manutenção de uma certa paz”, como braço legitimador do Estado, como já se viu garante da ordem163. A nossa ideia inicial era que o facto de Braga ser sede de comarca, e constituir um núcleo urbano de alguma dimensão164, poderia condicionar a receção das denúncias. Isto é, o facto de existir um tribunal dentro do espaço urbano, pudesse propiciar aos cidadãos oportunidade de apresentar queixa diretamente ao Ministério Público, fazendo com que este assumisse maior predominância. Não sendo a autoridade que mais denúncias recebeu, o percentual da amostra também não é de descurar, uma vez que em 36% dos casos, os queixosos dirigiram-se diretamente ao MP, e se a estes acrescentarmos a polícia judiciária, com 5% das ocorrências enquanto recetora das denúncias, obtemos uma distribuição que poderá ser importante, que, embora não confirmando a nossa presunção inicial, de alguma forma sustenta a importância das instituições diretamente relacionadas com o aparelho judiciário na vida das populações da cidade de Braga. Por um lado a proximidade, por outro a confiança num processo que fosse por um lado célere e por outro capaz de repor, de forma cabal, a ordem correta das coisas, sob o ponto de vista das vítimas, mas também da própria comunidade. Ainda que o concelho de Braga apresentasse uma estrutura económica marcadamente rural, a Guarda Nacional Republicana, enquanto uma das autoridades responsáveis165 pela vigilância da ordem no espaço não urbano apresenta-se, na amostra, como recetora de 8% das denúncias. Esta distribuição pode 163

Maria Rita Lino Garnel, Vítimas e violências na Lisboa da I República, Coimbra: Imprensa da Universidade, 2007: “A presença intimidante dos polícias,

patrulhando as ruas, vigiando e reprimindo os comportamentos das populações, assegura de forma visível a ordem imposta”, 66. 164

Bandeira, O espaço urbano de Braga…

165

Ver página seguinte sobre o papel dos regedores. 99

evidenciar que mesmo os crimes ocorridos no espaço rural tenham sido denunciados à autoridade policial, demonstrando uma complementaridade entre o rural e o urbano. No que diz respeito a quem comunica o crime às autoridades, os dados mostram o seguinte. Quadro 8.Apresentação da denúncia de crime às autoridades. Ocorrências

Percentagens

MP

1

0,6

Vítima

113

62,8

Polícia

17

9,4

Outro

35

19,4

Regedor

14

7,8

Total

180

100,0

Se verdade é, perante os dados que, presumido o ilícito, tal era apurado maioritariamente em julgamento, também confirmam os dados que em 62,8% dos casos a denúncia era feita pela própria vítima. Identificadas como “outros”, testemunhas do ato criminoso ou familiares das vítimas, apresentaram queixa que desencadeou corpo de delito 19,4 % dos casos. Nesta linha de pensamento, se somarmos estas duas categorias, tal perfazem 82,2%, o que significa mais de quatro quintos da amostra, isto é, uma maioria. As autoridades policiais, cumulativamente GNR e PSP, desencadearam 9,4% dos casos enquanto a autoridade local, no caso o regedor166 foi responsável pela comunicação de 7,8 % das ocorrências. Catroga167 (2008), ao discutir o papel dos regedores no enquadramento do Estado Liberal, traça um quadro evolutivo desta figura no seio das comunidades, enquanto autoridade também com funções policiais. Não obstante as mudanças nas suas funções, são reconhecidas a esta figura, no enquadramento do Estado Novo, competências de magistrado, mantendo sempre as suas funções como coadjuvante do 166

Segundo o Código Administrativo de 1936, o regedor de cada freguesia tinha incumbências policiais, conforme o disposto no artigo 224º: «4º Dar parte às

autoridades policiais do concelho dos crimes de que tiver notícia e das provas que obtiver para a descoberta dos criminosos.5ºcoadjuvar as autoridades judiciais e policiais em todos os actos de investigação criminal para que o seu concurso seja requerido.6º tomar providências para assegurara a ordem, segurança e tranquilidade pública, segundo instruções recebidas das autoridades policiais do concelho, ou por sua iniciativa, nos casos urgentes.» Para o exercício das suas funções, o regedor poderia ser coadjuvado por Cabos de Polícia, de acordo com o artigo 227º, estabelecendo uma relação de vigilância, próxima às populações. 167

Fernando Catroga, “O poder paroquial como polícia no século XIX português”, em Lei e ordem: justiça penal, criminalidade e polícia: (séculos XIX-XX), coord.

Pedro Tavares de Almeida e Tiago Pires Marques (Lisboa, Livros Horizonte,2006), 109: “ A consolidação do novo Estado [o liberal] - que de facto, teve o Governador Civil no seu cume, o Administrador do Concelho no seu meio e, na base, o Regedor e os seus cabos de polícia- almejava implantar, no terreno, a omnipresença da soberania sobre o território e principalmente sobre a população.[…] É que a ascendência funcional e de vigilância que (…) foram essencialmente de “natureza policial”, atinentes a manter a ordem pública, reprimir a criminalidade, transmitir informações e executar ordens superiores, coadjuvado pelos Cabos de Polícia.” 100

braço da justiça junto das populações. Relativamente à iniciativa do MP, só num caso foi o próprio a iniciar processo e fruto de averiguações doutro ilícito. Não obstante estes dados, a realidade das denúncias pode revestir-se de outros matizes. Tal deve-se ao facto de muitos corpos de delito não passarem da denúncia, em razão da fase instrutória não permitir continuar a matéria de julgado. Contudo, e uma vez que não passaram de procedimentos instrutórios, a relevância, enquanto documento a ser preservado, extinguiu-se no encerramento dos mesmos, ditando a sua destruição maciça. Muito embora esvaziados do seu valor judicial, ao que à História diz respeito, afiguravam-se estes como matéria de estudo interessante que poderiam lançar luzes sobre os processos políticos, económicos e sociais, até pelo seu avultado número, a julgar pelos dados fornecidos pelos relatórios de Inspeção ao Tribunal de Braga de 1951 e de 1955168. Em 1951 dizia-se que: “Muitos processos foram mandados arquivar – 100 – ou aguardar melhor prova – 106. O exame desses processos levou-me à convicção de [que] bem tinham andado sempre os Magistrados instrutores ao tomarem qualquer daquelas soluções. Trazem-se para o foro criminal muitas questões que lhe são alheias (…) em muitíssimos processos a prova produzida é manifestamente insuficiente para basear uma acusação com possibilidade de vingar, e em muitos casos é absolutamente nula […]”.

Em 1955, continuavam os autos de Inspeção a pontar que: “Tem a comarca [de Braga] um movimento bastante grande de corpos de delicto. […]No triénio [1952 a 1955] foram registados 1756 participações crime, o que dá uma média anual de 585.”

As estatísticas oficiais169 apontam também no mesmo sentido, a falta de documentação judicial impossibilita tal abordagem. Quanto ao desfecho do processo,

analisado

em

percentagem, a distribuição é a que se segue.

Gráfico 14. Desfecho do processo

168

Inspeção aos serviços judiciais da comarca de Braga - 1º Tribunal - Considerações gerais de 15 de Maio de 1951, Conselho Superior Judiciário, Relação do

Porto. Auto de inspeção aos serviços do Tribunal de Braga de 27 de Julho de 1955, Conselho Superior Judiciário, Relação do Porto. 169

Ver página 64 e seguintes. 101

Os elementos sobre o desfecho do processo mostram que dominantemente estes resultam em julgamento.170 A tendência seguida no tribunal de Braga foi a de levar os casos a julgamento com uma percentagem relevante de 95,5% dos cento e oitenta processos em análise, o que contrasta com outras opções previstas, as quais apresentam percentuais muito baixos, 1,7% para o acordo entre as partes. Do total, apenas 2,3% gozaram de amnistia já em período de cumprimento de sentença e uma pequeníssima percentagem, de 0,6%, para a aceitação de uma proposta direta do Ministério Público. A presunção de que um crime era mais do que uma situação particular, era ofensa contra o próprio Estado exigia, como vimos, uma reação forte e dissuasora de comportamentos futuros. A penalização, quanto mais não fosse de ordem moral, levando as partes à presença oficial do juiz teve, como vimos, um propósito claro. Impunha-se que a justiça atuasse de forma forte e decidida, transpondo para a sociedade civil uma mensagem clara de sancionamento dos comportamentos desviantes por parte do sistema judicial. Para além disto, a ação determinante do Ministério Público em levar os casos a julgamento, mostrava o posicionamento consistente e duro do Estado face aos criminosos, face aos desvios que atentavam contra a sua “segurança interna”. Quando cruzamos esta variável com a condenação, ou não do, dos 318 réus que compõem a amostra, resulta-nos o seguinte gráfico. Gráfico 15. Distribuição das condenações, absolvições e amnistias, por desfecho de processo

170

Em três dos processos estudados não nos foi possível descortinar qual o desfecho do processo, uma vez que se encontrou menção informando da

passagem do mesmo para o Tribunal da Relação, integrando outro processo em que o réu estaria envolvido. A impossibilidade por nós sentida, e explanada no capítulo anterior, em conseguir ter acesso à totalidade da documentação limitou a nossa investigação quando as dúvidas surgiam e a falta de outras fontes, com que cruzar a informação, impediram a fiel transcrição do acontecimento. Ainda assim, por uso de instrumentos como os livros de Porta ou até as fichas nominais de réus, foi possível completar a informação que estava omissa em alguns processos. 102

A distribuição dos réus pelo desfecho do processo em que estiveram envolvidos mostra que quando houve acordo entre as partes, 7 em 8 casos redundaram em absolvição dos arguidos. Por outro lado, quando foi o Ministério Público, de forma unilateral a propor uma pena, o juiz, ou o coletivo de juízes, decidiu-se pela condenação. Para os casos efetivamente julgados, o diferencial entre condenações e absolvições é esclarecedor, numa proporção de 207 condenações para 94 absolvições.

As defesas de réus e vítimas A realidade da defesa do réu apareceu-nos nos processos com caraterísticas que nos merecem particular relevo, na medida em que se enquadram num panorama de crescimento de importância do MP e da Polícia Judiciária, e o assumir de forma direta, pelo Estado, como parte no processo. A questão da defesa de réus e vítimas, como facto de crucial importância no âmbito deste estudo, foi analisada em duas vertentes. Por um lado, a defesa por parte de uma advogado no que toca ao reú e a representação da vítima em tribunal. Por outro lado, foi analisado o panorama das testemunhas, intervenientes importantes para o desenrolar do processo, uma vez que constituiam os “olhos” pela qual os acontecimentos se reconstituiam e assumiam relevo na produção de prova, ou não, durante o julagamento. A defesa do réu por parte de advogado foi uma das variáveis que tomou corpo não só na recolha dos dados, mas sobretudo na fase de análise dos mesmos. Na esteira do que Salgado Zenha, citado por Oliveira (2011)171, constituiu-se como um dos braços do Estado no controlo da aplicação da Justiça, a nomeação frequente de advogados oficiosos para representação dos réus, bem como o papel preponderante do MP e das polícias em todo o processo, conforme apontado também pelos relatórios de Inspeção ao Tribunal, de forma que no relatório de 1951172, o Sr. Juiz Desembargador Sousa Pinto apontava: “Os senhores Delegados [MP] delegaram com frequência na Polícia a organização dos corpos de delicto, mas com muita frequência, recebidos os processos organizados por aquela corporação, tiveram de proceder a instrução, porque a além feita vinha muito incompleta.”

O mesmo inspetor continua na folha 6, relativo à fase instrutória do processo, aponta igual circunstância: “A instrução é quase toda feita pela Polícia, sendo, por vezes completada na delegação.”

171

Oliveira, Subsídios…

172

Arquivo do Conselho Superior Judiciário, relatório de 1951, folhas 4 e 6. 103

Relativamente à predominância do MP durante o processo, o juiz desembargador Sousa Pinto apontava, com preocupação, “É que o Senhor Ajudante do Procurador da República e os Senhores delegados, estes por ordem de aquele, quando deduzem acusação dão ordens para que o processo seja imediatamente distribuído na classe da respectiva acusação e que, seguidamente vão aos Senhores Juízes para receberem a acusação. […] Sucede que os Senhores juízes não concordam com a incriminação e recebem a acusação por um crime diferente do da acusação (…) mostrei a minha discordância com o ponto de vista do Ministério Público. Entendo que é ao Juiz e não ao MP que compete mandar distribuir o processo, acto que já entra, manifestamente, na jurisdicionalidade.”

Esta questão preocupou também juristas coevos. Mourisca (1931)173, dava conta do crescente poder do MP, quando, comentando o artigo 5º, reconhecia a independência da magistratura do MP face à magistratura judicial, e assinalava que: “Até aqui o magistrado do MP era apenas o promotor público. Agora é público e particular. O Código [1929] alargou-lhe extraordinariamente as atribuições. Não tinha interferência alguma nos chamados crimes particulares […] agora até nesses tem intervenção, podendo recorrer de todas as decisões, acusar conjuntamente com a parte particular e podendo requerer quaisquer diligências para o descobrimento da verdade.”

Evidências desta circunstância na documentação consultada são muitas. Raramente dispunha o réu de defesa, ou representação, por advogado na fase de instrução, sendo muitas vezes o carcereiro ou um escrivão considerados as pessoas idóneas de defesa do réu, circunstância aliás prevista no Código de Processo Penal174, mas que na Comarca de Braga se tornou de uso comum. Esta realidade tomou corpo aos nossos olhos numa fase posterior à recolha, aquando da análise dos primeiros resultados. Se inicialmente assumimos que era o juridicamente definido, claramente constatamos que era um uso, sancionado pela prática quotidiana, mas que a letra da lei, embora prevendo, não prescrevia como primeira solução, o que aliás se verificava em muitas situações e práticas quotidanas do corpo policial e judicial. Na mesma linha, a prática de recurso ao advogado oficioso durante as fases subsequentes do processo era usual e foi confirmada pelos dados. Em 80 % dos casos, a defesa dos réus esteve a cargo de advogados oficiosos, nomeados pelo tribunal, sendo que apenas 20% se viu representado por advogados legalmente constituídos e a quem, o réu ou a sua família, pagavam os respetivos honorários.

173

José Mourisca, Código de Processo Penal: anotado. Vila Nova de Famalicão, Minerva, 1931-1934, Vol. I.

174

O Código de Processo Penal de 1929 predispõe no seu capítulo I, Secção III, artigo 22º que: “1º Quando a lei determinar que o réu seja assistido por

advogado, o juiz lho nomeará, se ele não o tiver. Neste caso, o advogado nomeado ficará a representá-lo nos actos posteriores do processo. 2º na falta de advogado, o juiz nomeará pessoa idónea.” 104

Gráfico 16. Defesa dos réus.

A questão não se situava no réu enquanto indivíduo, mas no crime que este tinha praticado alegadamente praticado contra a segurança do corpo social maior, o Estado. Por outro lado, há que ter em conta as circunstâncias socioecónomicas da comarca. No relatório de inspeção judiciária de 1955, o Juiz Desembargador Sousa Pinto ao referir-se a este aspeto referia: “A região é, no geral, pobre sendo apenas fértil a terra na margem do Cávado; a região do Sul, bastante montanhosa, e mesmo muito pobre. As principaes culturas são o milho e o vinho. Indústria quase nula, estando encerradas quasi todas as poucas fábricas…”

Se a prática judicial tomava a representação do MP como usual, as circunstâncias económicas da comarca e dos seus habitantes também não terão permitido outra alternativa para uma grande parte dos réus. Se a variável representação dos réus for cruzada com a caracterização socioeconómica dos réus, obtém-se a seguinte distribuição. Quadro 9. Defesa dos réus por categoria profissional. Advogado

Advogado oficioso

Constituído

Total

Sem profissão

1

6

7

Agricultores – patrões

3

7

10

serviçais (caseiros/jornaleiros)

11

51

62

Industrias

14

66

80

Artesãos

5

35

40

Ind. Alimentar

0

3

3

Comércio

11

22

33

Serviços

14

59

73

Liberais

4

6

10

63

255

318

Total

105

Perante esta distribuição, não se antevê grande relação entre a condição socioeconómica com o patrocínio jurídico, na medida em que a condição económica dos réus não parece ter sido determinante na escolha do defensor constituído ou do oficioso. Antes, parece que o uso/recurso ao defensor oficioso estivesse instalado como prática comum, tamanha é a distância entre os dois valores absolutos dos advogados e a sua distribuição por todas as categorias socioeconómicas. No que diz respeito às vítimas, esta realidade é ainda mais evidente, porquanto, claramente, o ilícito criminal era praticado contra a segurança interna do Estado e, nesse sentido, o MP assumia a dianteira da representação das vítimas. No enquadramento do forte poder do MP tal facto não é alheio, porquanto no dia-a-dia do aparelho judicial português se fazia sentir com premência a presença e poder deste organismo. Lopes (2012), ao deter-se sobre a evolução do sistema judicial português durante o Estado Novo, assinalou justamente o forte desígnio do MP enquanto representante do poder Executivo na estrutura judicial175. Ao analisar os dados no que à defesa das vítimas diz respeito, é clara a realidade vivida.

Gráfico 17. Defesa das vítimas

A assistência à vítima pelo MP durante o julgamento apresenta uma percentagem de 93,81%. Apenas 0,6% das vítimas solicitou advogado oficioso, constando no processo que “queria tornar-se assistente”, isto é ver-se representada individualmente, com o patrocínio de um advogado facultado pelo Estado, a par do MP. De igual forma, em 5% dos casos fez-se representar em julgamento por um advogado constituído individualmente, a expensas próprias. Fazendo um cruzamento de dados com as categorias profissionais das vítimas, à semelhança do que feito foi com os réus, obtemos a seguinte distribuição.

175

Lopes, “Disciplina e controlo da magistratura judicial …” No Capítulo II, salientou que a natureza do crime durante o Estado Novo se consubstanciava num

crime ao próprio estado, e não contra um indivíduo em particular, pelo que, se tal se afigurava verdade para as vítimas, também, e porventura, mais se aplicava às vítimas, pelas quais o MP assumia o pleito. 106

Quadro 10. Distribuição socioeconómica das vítimas e sua defesa durante o processo. Defesa da Vitima Advogado Constituído

Total

Advogado oficioso

Categorias profissionais

Sem advogado constituído

Sem Informação

1

0

19

20

Sem profissão

0

0

11

11

Agricultores – patrões

1

0

12

13

Serviçais (caseiros/jornaleiros)

1

0

27

28

Industriais

1

0

14

15

Artesãos

1

0

13

14

Ind. Alimentar

0

0

2

2

Comércio

2

1

28

31

Serviços

6

0

44

50

Liberais

0

0

9

9

13

1

179

193

Total

No que diz respeito aos diferentes tipos de assistência jurídica à vítima, a distribuição nem se afigura de grande representatividade em que a maioria das vítimas não “desejou tornar-se assistente” no processo, delegando no Estado - MP a defesa dos seus interesses individuais.

Os testemunhos Analisar todos os fatores que envolvem os testemunhos, é algo que se afigura muito mais complexo, do que a realidade descrita pelos números dos processos. A qualidade e validade dos testemunhos, o contingente de testemunhas definido pelo Código de Processo Penal176 são algumas das questões que envolvem esse elemento de crucial importância para o julgamento, na medida em que constituem o olhar do aparelho judicial sobre o acontecimento visado pelo julgamento. Ouvindo as fontes coevas, o relatório de serviço produzido pelo Sr. Juiz Presidente, nomeadamente o de 1953177, dava conta da qualidade das testemunhas: “Verifico com grande satisfação, que o espírito de chicana, antigamente acentuado nesta região, tende a diminuir, mas isso não tanto quanto como seria de desejar. O que impede que ele não diminua mais é o facto de muitos litigantes contarem com a desonestidade das testemunhas, pois o desrespeito pela verdade, adentro dos Tribunais, é cada vez maior.[…] torna-se por vezes muito difícil apanhar a verdade e assim fazer verdadeira

176

Código de Processo Penal: aprovado por Decreto-Lei nº 16 489 de 15 de fevereiro de 1929, Lisboa: Rev. de Legislação e de Jurisprudência, 1929.

177

Inspeção aos serviços judiciais da comarca de Braga - 1º Tribunal - Considerações gerais de 15 de Maio de 1951, Conselho Superior Judiciário, Relação do

Porto. 107

justiça. Há a necessidade de procurar atenuar o flagelo do testemunho falso, dada a impossibilidade de distingui-lo.”

Com efeito, encontramos numerosos casos, onde no decurso do julgamento, a prisão das testemunhas era decretada com recurso frequente ao motivo “desrespeito ao Tribunal”; “uso de linguagem imprópria”, sendo punidas com penas e multas. A linguagem imprópria resultou também no agravamento de penas aos réus, e até às vítimas, que viam ser-lhes aplicadas multas e até dias de prisão. Para além destas questões de respeito e conduta, está a questão do falso testemunho a que o referido relatório também faz menção, enquanto elemento de capital importância, na medida em que era considerado impeditivo do esclarecimento dos factos, da recuperação de uma verdade essencial para a justiça, porquanto determinante para a aplicação ou não de uma pena. A questão dos testemunhos ultrapassará o âmbito deste estudo, contudo ficam aqui alguns aportes que poderão ser importantes. Halpérin (2003)178, ao discutir o papel dos testemunhos durante o processo penal, chamou à atenção para as exigências contraditórias que envolvem os testemunhos. A ambivalência destes fatores confere ao testemunho caraterísticas próprias no espaço do processo penal e indubitavelmente torna-se permeável quer as condicionantes pessoais próprias dos seus autores, do enquadramento institucional e histórico em que é produzido, na medida em que são determinantes para o esclarecimento da verdade e da aplicação de uma sanção justa e imparcial, tanto no caso de condenação como no caso de absolvição do réu. No que toca à amostra estudada, a maior parte dos testemunhos constantes dos processos foram recolhidos durante a fase instrutória, sendo depois confirmados durante o julgamento, constituindo em grande medida a sustentação da condenação. Paradigmático, se voltarmos atrás no discurso, recuperando-se a ideia de que a grande parte destes testemunhos terá sido colhida durante a fase de averiguações do processo, em que a assistência era como se disse, em representação. Por outro lado, o discurso encontra-se normalizado, em primeiro lugar pelos formulários que eram preenchidos, nem sempre de forma clara e completa, como pudemos verificar pela leitura dos interrogatórios. Por outro pela linguagem também ela normalizada, como a título de exemplo quando a testemunha era questionada sobre antecedentes, a resposta registada comummente era ”aos costumes disse nada”. Da mesma forma, as questões colocadas ficavam omissas, registando-se apenas as respostas. Se tal circunstância era verdadeira para as testemunhas, também se verifica na audição dos réus e vítimas. Da mesma forma poder-se-á questionar a imparcialidade de quem tomava o depoimento, do escrivão, a quem simultaneamente estava tantas vezes confiada a representação do réu, que estava inserido no meio,

178

Jean Louis Halpérin, ‘’l’instrumentalisation de la preuve testimoniale par la procedure pénale’’,Les témoins devant la justice, 23. 108

conhecendo quiçá os intervenientes no processo. As concordâncias de relatos, a utilização de um discurso indireto (e extramente fechado) são condicionantes notórias dos depoimentos prestados, e contidos nos processos por nós estudados, e que se encontram em linha com o que Walle (2003)179 e Quérniart (2003)180 concluem, ao discutir as implicações sociológicas e psicológicas na prestação e registo dos testemunhos, que a qualidade do testemunho está intrinsecamente ligada a fatores que são incontroláveis pelo aparelho judicial e que se prendem com múltiplas condicionantes que se relacionam com região geográfica, valores morais, sociais e culturais da comunidade onde é praticado o crime, com a identidade de réu e vítima, e mais um sem número de outro fatores. Colhidos os depoimentos, raramente estes eram alterados, pelo que a atas de julgamento apenas mencionam que as partes confirmam o que foi dito aos autos anteriormente. Contudo, e não obstante a dificuldade, claramente o testemunho é a forma primordial de construir a prova que leva ou réu à condenação ou absolvição e nenhuma destas condicionantes retira à prova testemunhal a sua supremacia na procura da verdade durante o procedimento penal, conforme o defendeu Chauvaud 181, quando afirmou que este é o meio pelo qual a realidade se redesenha, se reconstrói (ou tantas vezes se constrói) perante os olhos daqueles que a viveram e se dá a conhecer aos atores judiciais. A título de ilustração transcrevem-se aqui dois excertos de testemunhos de um processo de furto, de 1952, um prestado na Polícia de Segurança Pública e outro no tribunal pelo mesmo indivíduo. Primeiramente o da polícia, chamado “Auto de Declarações”. Depois de preenchido o formulário de identificação, onde consta a data, a identificação dos policiais – condutor do interrogatório, “Adjunto do Comando”, escrivão e duas testemunhas, segue a versão do interrogado, a sublinhado a parte normalizada do depoimento, no qual se pode ler: “… acerca da sua identidades, respondeu chamar-se G de vinte e quatro anos de idade, solteiro, de profissão metalúrgico, ser filho de A e de M, natural da freguesia de S. Vitor, do concelho de Braga e residente na Rua de S. Domingos…Disse mais que respondeu criminalmente duas vezes, pelo crime de furto e foi condenado por ambas em penas que cumpriu. Interrogado á matéria dos autos respondeu: - Que de facto em dia que não se recorda, do mês de fevereiro do ano findo, por volta das vinte e uma horas, ele respondente e seus companheiros J “O Borrachas” e A, “O Rana”, como antes tivessem combinado, foram à casa da queixosa M, por meio de chave falsa arranjada pelo Rana e ali furtaram fio com medalha esmaltada contendo as fotografias da queixosa e do seu filho [segue-se descrição dos restantes bens furtados] os quais o respondente acompanhado do Borrachas, passados uns dias foram ter com o M “O

179

Sophie Walle, “De la déclaration orale du témoin à sa restitution écrite par le comissaire et son clerc à Paris au XVIII siècle’’, Les témoins devant la justice…

cap. 29. 180

Jean Quéniart, “Sexe et temoignage. Sociabilités et solidarités féminines et masculines’’, Les témoins devant la justice… cap. 21.

181

Chávaud, La épreuve testimonial…159 109

Hípico”, a sua casa, onde o convidaram, depois de lhe contarem a sua proveniência, para arranjar comprador e o mesmo acedeu a tal pedido, tendo dito que aparecessem às quinze horas, próximo da Capela de Santo Adrião, porque ia falar com o ourives M, com ourivesaria no Largo de S. Lázaro desta cidade e efetivamente apareceram todos neste local combinado onde fizeram o negócio de todos os objetos pela quantia de trezentos e sessenta e dois escudos, cabendo cem escudos ao respondente, ao Borrachas, ao Rana e ao Hípico cinquenta escudos, ‘gastante’ a restante importância em comer e beber entre todos à excepção do M [continua com a descrição de mais furto à mesma queixosa]. Que ele o respondente tomou conhecimento com o Hípico, quando ambos presos na Cadeia desta Comarca. Que ele respondente é evadido da Colónia Penal de Sintra, onde se encontrava aguardando julgamento. E mais não disse. Lido o seu depoimento o achou conforme e vai assinar.”

Nas declarações prestadas em Tribunal, tomam o nome de “Auto de Perguntas” e, no seguimento da transcrição anterior, o mesmo disse: “Respondeu chamar-se G, solteiro, de vinte e quatro anos, filho de A e de M, ele falecido, natural da freguesia de S. Vítor, e residente na Rua de S. Domingos… desta cidade, lê e escreve, que respondeu duas vezes por furto, sendo a última vez em mil novecentos e quarenta e nove, sendo condenado a penas que cumpriu, tendo em fevereiro passado fugido da Colónia Penal de Sintra, onde se encontrava em prisão preventiva, supondo que num processo pelo mesmo crime corre seus termos nesta comarca em secção que ignora. Perguntado à matéria dos autos, respondeu: O mesmo que consta das declarações das folhas onze e do auto de perguntas de folhas dezassete a que foi submetido na Polícia de Segurança Pública desta cidade […]. Instado respondeu ter dito toda a verdade. E nada mais respondeu. Lidas as respostas dadas as ratificou e vai assinar.”

Apenas um pequeno comentário, que ambos os interrogatórios as questões postas ao réu nunca aparecem, surgindo as apenas as respostas. Não nos parece crível que o “respondente” fosse esclarecendo calmamente os agentes policiais, sem tentar escapar, o que poderia estar implícito na declaração prestada de não saber porque estava detido em Sintra. O “instado” surge frequentemente nos testemunhos. A questão dos crimes e a sua valorização social, o cruzamento deste com os outros testemunhos e a sua análise, feita à luz dos mecanismos judiciais – pareceres do Ministério Público e dos juízes são algumas hipóteses que nos surgem desta brevíssima consideração, mas que se deixam para outros âmbitos. No enquadramento deste estudo, e não obstante o que anteriormente se disse, não se entrará em mais delongas, deixando registado que esta é uma área ainda por explorar, sobretudo quando cruzado com outras fontes do direito, da psicologia, da antropologia. Relativamente à natureza e número de testemunhas, apresentadas por réus e vítimas para sua

110

defesa e/ou esclarecimento cabal do factos, estes são determinados pelo Código de Processo Penal182. Assim de acordo com o artigo 214º do Código de Processo Penal em vigor à data do nosso estudo, conforme já esclarecemos, “… serão ouvidas como testemunhas as pessoas que forem indicadas pelo Ministério Público, pelo participante, ofendido ou parte acusadora, as referidas por estas e ainda quaisquer outras que o juiz entenda poderem contribuir para a descoberta da verdade.”

Se a definição de quem poderia se arrolada como testemunha pode indiciar um número elevado de intervenientes, no Artigo 222º define que: “No corpo de delito o número de testemunhas é ilimitado. Quando o juiz, depois de terem deposto cinco testemunhas nas infrações a que corresponda processo de polícia correcional, oito naquelas a que corresponda processo correcional e vinte naquelas a que corresponda processo de querela ou especial, julgue suficiente a prova produzida, poderá indeferir o requerimento ou promoção para se inquirirem novas testemunhas.”

Mais adiante, quando o referido código se detém sobre outras fases processuais, postula sobre a qualidade e quantidades de testemunhas. Porém, a prática mostrada pela análise dos dados contrasta com aquilo que é prescrito pela lei, quer em números, quer em procedimentos, sendo frequente a não alteração das testemunhas arroladas em corpo de delito, quer por excesso, quer por defeito. Os quantitativos das testemunhas podem ser analisados em duas vertentes, as apresentadas em defesa do reu e as arroladas pela acusação. Pelo estudo da nossa amostra, a distribuição das testemunhas que os réus nomearam em sua defesa, é a seguinte. Gráfico 18. Distribuição do número de testemunhas pelos 180 processos

Ao olharmos para a realidade das testemunhas de defesa do réu, é, por demais evidente, que na

182

Código de Processo Penal: aprovado por Decreto-Lei nº 16 489 de 15 de fevereiro de 1929, Lisboa: Rev. de Legislação e de Jurisprudência, 1929. 111

grande maioria dos casos, 106 em 180 foram arroladas entre 2 e 4 testemunhas muito abaixo das definidas pelo artigo 222º do Código de processo penal para o processo de menor moldura penal, o de Polícia Correcional. Ao cruzar esta variável com a tipologia de processo, a distribuição obtida é a seguinte: Gráfico 19. Testemunhas arroladas pela Defesa distribuídas por tipos processuais

Se aquando da recolha dos dados nos surgiu a hipótese que o número de testemunhas tenderia a ser maior o número quando estão envolvidas penas maiores, tal não se verificou quando se analisou a totalidade dos dados obtidos. Nos processos de maior moldura penal – as querelas – casos houve sem testemunhas arroladas, 3 processos, ou até com uma testemunha, 1 caso. Porém também é verdade que os processos com onze ou mais testemunhas pertencem a querelas, com seis casos, embora também exista um processo correcional com onze testemunhas ouvidas. Nos processos em que não foram arroladas quaisquer testemunhas, os polícias correcionais detêm o número mais elevado de casos, com onze ocorrências, embora também existam das outras duas tipologias, 3 querelas e 4 correcionais. Nos três tipos processuais, a distribuição, pela categoria de 2 a 4 testemunhas, é quase equitativa, com ligeira prevalência dos processos correcionais, com 31 casos para as querelas, e 37 e 38 respetivamente para os policias correcionais e para os correcionais. Na categoria de 5 a 7 testemunhas, as querelas são o processo com maior número de casos, 18 no total, seguidas pelos correcionais com 10 e 7 nos polícias correcionais. Paradigmaticamente, na categoria de 8 a 10 testemunhas, as querelas são residuais, apenas um caso. As outras duas categorias são detentoras de iguais quantitativos, cifradas nos cinco processos, cada uma. A análise desta variável vem confirmar aquilo que por este estudo já se viu, e antecipando que se 112

continuará a ver, que a letra de Lei, muito embora destinada a ser cumprida fielmente, era claramente ultrapassada pelos usos comuns da máquina judiciária, não obstante todas as determinações tendentes a alterar o uso comum dos atores judiciais. Olhar para os dados das testemunhas de acusação, permite que se tirem conclusões análogas. Veja-se o gráfico que se segue. Gráfico 20. Testemunhas arroladas pela Acusação.

O número de testemunhas de defesa também apresenta uma clara predominância de casos no intervalo entre 2 e 4 testemunhas, com 97 casos em 180, o que representa mais de metade nas ocorrências totais nesta categoria. Relativamente ao intervalo de 5 a 7, é aquele que apresenta seguidamente maior número de casos, o intervalo de 8 a 10 testemunhas com 16 casos, em 4 foram apresentadas 11 ou mais testemunhas, enquanto em 9 casos não foi apresentada qualquer testemunha. Em procedimento igual, distribuídos estes dados pelos tipos processuais, obtém-se a seguinte distribuição. Gráfico 21. Testemunhas arroladas pela Acusação distribuídas por tipos processuais.

113

A predominância da categoria de 2 a 4 testemunhas nos três tipos processuais relativamente às testemunhas arroladas pela acusação está em linha com os dados obtidos das testemunhas arroladas pela defesa. Também nesta distribuição polícia correcionais, correcionais e querelas, por esta ordem apresentam quantitativos maiores na categoria atrás enunciada. Quanto aos processos sem testemunhas as querelas e os correcionais apresentam respetivamente 4 processos cada um, polícias 1 e na categoria “uma testemunha” 1 caso nas querelas e dois em cada uma dos restantes. No que diz respeito aos casos em que foram arroladas 5 a 7 indivíduos como testemunhas de acusação, nas querelas verificam-se os maiores números, seguidos pelos correcionais e pelos polícias correcionais, distribuição com números inferiores, mas de igual ordem hierárquica na categoria de 8 a 10 testemunhas. Na categoria de 11 ou mais testemunhas não existe nenhum processo polícia correcional e os restantes tem ambos menos de cinco processo cada um, três as querelas e um dos correcionais. Não obstante a natureza oposta destas testemunhas, a sua distribuição pelos diferentes tipos de processos segue o padrão traçado pelos números relativos às testemunhas de defesa. Uma vez que as tendências são análogas poder-se-á afirmar, com relativa segurança, que se tratou de uma tendência, senão do sistema, pelo menos na vara crime da comarca de Braga. As fontes oficiais por nós exploradas permanecem omissas face a esta circunstância, em particular referimo-nos aos relatórios de serviço e aos relatórios de Inspeção.

Sentenças e atos judiciais Todo o ato processual pressupõe, como já vimos, uma denúncia que inicia todo o procedimento e uma sentença que o conclui. Contudo, este último ato encerra em si toda uma série de diligências processuais e fases que importa analisar, pois a sua enorme complexidade permite como tem sido explanado uma análise aos meandros históricos e sociais a ele subjacentes. Decorrido o julgamento, a leitura da sentença determina não só a determinação de absolvição ou da condenação, mas também, e sobretudo, a medida das penas, o pagamento das multas e de impostos, cuja aplicação não é simples e linear, mas antes condicionada por vários fatores e agentes. A amostra que fundamenta o presente estudo mostra, conforme já esgrimido anteriormente, que o rácio entre absolvições e condenações pende claramente para as condenações. Importa, no quadro destas, explorar alguns aspetos que nos permitam caracterizar a criminalidade oficial da comarca de Braga. Primeiramente, e de acordo com o sentido do próprio processo, a pena a que o réu foi sentenciado e de seguida as multas, os impostos de justiça aplicados e as indemnizações também determinadas. A criminalidade na comarca de Braga, descrita pelas fontes da época, como de pequena monta 114

determinou que as penas maiores fossem em número reduzido, avultando sanções de cariz correcional. De igual forma, os casos em que houve recurso, ao Supremo Tribunal de Justiça, são também em número reduzido, situação também referida nos relatórios de inspeção judiciária, mas que a falta de espólio documental não permite efetivamente comprovar. Deparámo-nos, na amostra, com reincidência de criminosos, cujas sentenças ficaram pendentes, em parte ou na totalidade, porque seria feito cúmulo jurídico das mesmas. Contudo, não conseguimos encontrar os processos em questão pelo que, na nossa base de dados, tais situações figuram como “sem informação”. Olhar para as penas sentenciadas, sob o ponto de vista dos tipos processuais, para os 213 réus condenados permite a seguinte distribuição. Gráfico 22. Medida das penas agrupadas por tipos processuais- 213 réus condenados.

115

Iniciando a apresentação dos resultados pelas querelas, os processos em que se presumia delito de maior gravidade, se por um lado se verifica que nessa categoria foram sentenciadas as penas maiores, de sete a nove anos, com 1 réu condenados, e de cinco a sete anos, com sete réus condenados. Por outro lado, verifica-se a maior concentração de condenações deste tipo processual nas penas de prisão de dois a três anos, com 14 réus condenados. Paralelamente, pela análise dos dados da amostra pode dizer-se que em processos de querela também foram aplicadas penas menores. Aliás, a grande concentração das penas sentenciadas neste tipo de processo situa-se num intervalo que engloba no seu limite inferior a categoria de 31 a 90 dias e a categoria de 12 até 18 meses, com 10 réus condenados cada uma. Na categoria de dois até três anos, o número de réus condenados ascende a 14 réus condenados com esta pena. Esta distribuição está de acordo com a “voz” do Sr. Juiz Desembargador Sousa Pinto, responsável por várias inspeções ao tribunal de Braga, em relatórios já por nós referidos, que afirmava que o “crime em Braga é de pequena monta e de pequeno vulto”183, como de facto, de pequena monta e de pequeno vulto são as sentenças determinadas pelo coletivo de juízes responsáveis pelas querelas. Antes de analisar as sentenças dos outros tipos processuais convém relembrar que num crescendo de gravidade presumida do crime se encontram os crimes julgáveis em Polícia Correcional e depois os crimes julgados pelos Correcionais184. Pode concluir-se que os primeiros foram maioritariamente resolvidos com a aplicação de sentenças de prisão de quinze a trinta dias, com 21 réus condenados, optando o juiz seguidamente mais vezes pelas penas de prisão entre oito e catorze dias, com 15 réus condenados. Em terceiro lugar, neste escalonamento de penas sentenciadas nos polícia-correcionais surge a aplicação de coimas, com 7 réus condenados. Nas restantes categorias, os resultados são discretos, sendo que nunca as sentenças deste tipo de processos ultrapassaram a categoria de pena de prisão entre 9 e 12 meses. No que concerne aos processos julgados na categoria de Correcional, as sentenças demonstram que por um lado existe um número não negligenciável de réus envolvidos noutros processos e cujo desfecho de processo, conforme já esclarecemos, não nos foi possível apurar185. A maior incidência das sentenças situa-se no intervalo de trinta e um a noventa dias de prisão, as categorias de quinze a trinta dias são as que lhe seguem, sucedendo-se a de noventa e um a cento e oitenta dias de prisão. Os dados relativos às sentenças dos processos correcionais estão bastante dispersos pelas categorias por nós

183

Inspeção aos serviços judiciais da comarca de Braga - 1º Tribunal - considerações gerais de 15 de Maio de 1951, Conselho Superior Judiciário, Relação do

Porto. 184

Ver página 37.

185

Ver nota 164. 116

construídas, isto é, não obstante a maior concentração nos intervalos anteriormente referidos, observamse casos de correcionais julgados ao nível de polícia correcional, bem como ao nível de querela, tendo sido por nós estudado um processo correcional sancionado em sentença com uma pena que se inere na categoria de cinco a sete anos de prisão, portanto cuja prova apurada em julgamento, deu como provado um crime grave, integrável na categoria de querela, mas que na verdade não o foi. Esta circunstância de enviesamentos no encaminhamento e julgamento de processos, fora da sua “verdadeira” categoria, tinha-nos chegado empiricamente por várias fontes no tribunal aquando de uma primeira abordagem exploratória das fontes escritas. Fontes coevas186 confirmam esta situação, como sendo recorrente, e não única do tribunal de Braga, pois frequentemente a acusação arrolada durante o processo inquisitório se mostrava insuficiente num primeiro momento para fazer a correta classificação do processo. Críticas são também apontadas, por estas fontes à não correção do procedimento. Contudo, não se pôs nunca a tónica, em nenhum dos relatórios por nós explorados, nem aos comentadores do Direito por nós consultados, no resultado, mas antes na forma processual, pelo que os relatórios de Inspeção consideram que, mesmo nesses casos, houve uma correta aplicação de justiça, atribuindo-se responsabilidade pelo facto ao aprofundamento dos testemunhos, ou a maiores diligências da fase de inquérito.

186

Salgado Zenha, citado por Oliveira (2011) - ver página 111. 117

Gráfico 23. Cumprimento das penas sentenciadas agrupadas por medida das sanções.

Consumada a fase da sentença, o juiz ou o coletivo responsável pelo julgamento decretava a forma como se cumpriria a pena. A opção pelo cumprimento efetivo da pena de prisão decidida em sentença aparece-nos como prevalente em todos os intervalos de penas de prisão, sendo mesmo a única solução em algumas das categorias. Analisados mais de perto dos dados da amostra, pode dizer-se que para os prazos mais curtos de prisão, considerando-se mais curto, os intervalos de “até sete dias de prisão” até ao intervalo de “noventa e um a cento e oitenta dias”, incluindo-se aqui também a penalização com coima, houve, nos diferentes processos, circunstâncias que permitiram ao juiz, ou coletivo de juízes, decidir que a pena fosse cumprida noutras modalidades, que não a da prisão efetiva. Esta decisão torna-se quase inexistente nas categorias superiores, em que a determinação de prisão efetiva foi a solução única. De ressalvar aqui a existência de processos “sem informação” nestas categorias, o que em nada contaria o que dissemos, até porque conforme já tivemos oportunidade de explicar, a falta de elementos 118

pressupõe na grande maioria dos casos reincidência dos réus, cúmulos com outros processos e como tal, pode até considerar-se, na prática, um acréscimo ao quantitativo de decisão de cumprimento efetivo da pena der prisão e não uma subtração. Esta situação verifica-se nos intervalos de “doze meses e um dia até dezoito meses”, “três anos e um dia até cinco anos” e “cinco anos e um dia até sete anos”. Em consonância com o que dito foi anteriormente, e voltando as categorias de penas aplicadas inferiores, nestas, os juízes também optaram pela substituição de pena por multa, e quando tal aconteceu fizeram-no sobretudo nos intervalos de quinze a trinta” e de “trinta e um a noventa dias de prisão” e em menor número no intervalo de “oito a catorze dias” e no de “noventa e um a cento e oitenta dias de prisão”. Para além destas modalidades de cumprimento de pena também se decidiu pela suspensão das penas por prazos e dois, três e cinco anos. Nestas opções, a suspensão de pena por dois anos verificou-se em maior número os intervalos de “oito a catorze” e de “quinze a trinta dias de prisão”, seguindo-se o intervalo de ”trinta e um a noventa dias” como aquele que apresenta uma frequência maior depois dos dois referidos primeiramente. No intervalo de “quinze a trinta dias de prisão” verifica-se a aplicação de pena suspensa por três anos. No que diz respeito às penas menores a frequência da pena de suspensão por quatro anos foi aplicada em número reduzido, mas relativamente equivalente, contudo deve salientar-se um pico na frequência de aplicação desta medida suspensiva da pena por quatro anos no intervalo de “dois anos e um dia até anos”. Razões para diferentes decisões no que concerne ao cumprimento da pena, prendem-se com outros fatores que estes dados por si sós não deixam antever. Se, por um lado, a decisão do cumprimento efetivo da pena encontra efetivamente raízes com o propósito maior da Justiça, e do aparelho judicial, enquanto modeladores dos comportamentos sociais e também enquanto servidores da ideologia que lhes estava subjacente, conforme já muito discutido ao longo desta nossa investigação, por outro lado, a questão da suspensão ou substituição da pena de prisão, até pelo valor das ocorrências nos diferentes parâmetros deixar antever um aparelho judicial bem mais permeável ao “mundo exterior” do que o legislador tinha pensado. Esta circunstância já foi por nós salienta atrás, quando refletimos tanto sobre a natureza dos crimes, e voltará a sê-lo ao versarmos sobre as gentes neles envolvidos. Um outro assunto, importante nos processos, e que não nos pareceu negligenciável, até pelo rumo que dava ao próprio processo, tem a ver com o pagamento de impostos de justiça, de multas e de indemnizações às vítimas. Esclarecendo a importância destes itens vem logo à cabeça a sustentabilidade do próprio aparelho judicial, uma vez que são múltiplos os atores envolvidos num processo, não sendo necessário ser conhecedor do Direito e dos seus meandros para entender quantos especialistas, por 119

quantas mãos de funcionários judiciais transita um processo desde o seu início ao culminar, e que, obviamente teriam que ser pagos pelos seus serviços. É no final do processo que se apuram as contas e custas de todo o processo judicial e estas são de teor múltiplo, para além das já referidas incluem o pagamento dos honorários dos defensores oficiosos, as diligências levadas a cabo pelas forças de segurança, o pagamento de certidões e entrega de documentos, as compensações a testemunhas, as retribuições devidas a quem interveio acidentalmente no processo, incluindo-se aqui todos aqueles chamados a dar pareceres técnicos, fossem médicos (nos pareceres e avaliações em nome do Instituto de Medicina Legal), ourives ou sapateiros, as receitas próprias do Tribunal- Ordem dos Advogados e secretaria. O arco cronológico do nosso estudo - de 1940 a 1959 – exigiu da nossa parte particular atenção relativamente às alterações dos normativos, já por nós justificada anteriormente, e que também se manteve neste aspeto particular. Assim tivemos em conta o enquadramento das custas judiciais nos anos 40187 e o que se praticou na década seguinte em virtude da atualização dos pressupostos legais188. Analisadas as duas versões, e apenas no que toca à parte criminal, e que ao nosso estudo interessa, houve uma alteração no que toca ao rácio de conversão do imposto de justiça em prisão, Lido o acórdão de sentença iniciavam-se os procedimentos tendentes ao pagamento das custas e do imposto de justiça, bem como da indemnização às vítimas nos termos do Código das Custas Judiciais189. No que à amostra deste estudo diz respeito foram criadas várias categorias- o valor das custas (incluindo-se aqui o imposto de justiça e todos os outros encargos decorrentes do processo; o valor das multas; as condições de pagamento de custas e de multas (de acordo com o disposto no código de Custas

187

João António Reboredo, Código das Custas Judiciais, Lisboa, 1944, II Parte Criminal, páginas 75 a 86.

188

Eduardo Cruz, Código das Custas Judiciais, atualizado e anotado, Lisboa, outubro de 1951, Título II ”Das Multas”, págs. 73 a 81.

189

Cruz, Código das Custas Judiciais, …“Art. 150º o réu, em caso de condenação em 1ª instância e no caso de decair, mesmo em parte, em qualquer recurso

(…) pagará ao Estado um imposto de justiça, que o tribunal arbitrará na decisão final, tendo em atenção a situação material do infrator e os limites estabelecidos para o processo correspondente à infração mais grave de que foi acusado. […] Art. 153º a suspensão da pena em caso algum abrangerá o imposto.” Relativamente aos limites do Imposto de Justiça dispunha o Código no seu “Art. 157º O imposto de justiça a aplicar na decisão final poderá variar nos seguintes limites:1º em processo de querela ou de classificação de falência de 1000$00 a 50.000$00; 2º em processo correcional ou abuso de liberdade de imprensa de 500$00 a 10.000$00; 3º em processo de polícia correcional de 200$00 a 500$00; 4º em quaisquer outros processos de 50$00 a 3.000$00”. No que concerne aos emolumentos e indemnizações, prescrevia este normativo no seu Art. 161º que seriam regulados pelo disposto na parte cível do Código das custas Judiciais, que consultado determinava que a polícia correcionais fossem aplicadas taxas entre 50$00 e 200$00, a correcionais de 150$00 a 2.000$00 e a querelas de 400$00 a 4.000$00. Quanto à liquidação, ao pagamento e conversão determinava-se, no Art. 166º que a decisão fosse tomada nas 48 horas subsequentes ao julgamento e que de acordo com o 168º, o imposto não poderia ser pago sem que fossem pagos também as outras parcelas. Caso tal não acontecesse, predispunha o Art. 169º “[…] a secretaria informará no processo, ou no prazo de dez dias, se o devedor possui bens que possam ser executados.1.Se por esta ou por qualquer outra forma, for conhecida a existência de bens (…);2. Se o réu não possuir bens (…) converter-se-á o imposto em prisão, à razão de 20$00 por dia [5$00 por dia até 1951, segundo o Código de 1944];3.Se, porém, em face das informações da secretaria, da responsabilidade do MP e de quaisquer outras diligências que parecerem convenientes, o juiz se convencer de que o réu não tem qualquer possibilidade de pagar as quantias em dívida não efetuará a conversão em prisão.” 120

Judiciais); a existência ou não de indemnização e o seu valor. No que aos dados da amostra diz respeito, foram categorizados os valores pagos e feito o cruzamento com os diferentes tipos processuais. Antes de avançar para a efetiva análise dos resultados, neste procedimento foram consideradas apenas as custas aplicadas a 210 arguidos, uma vez que, conforme anteriormente esclarecido, há processos cuja informação não existe, por ser considerada noutro procedimento judicial. No quadro que se segue, apresentam-se os valores da frequência e os respetivos percentuais, por categoria e totais. Quadro 11. Valor das custas judiciais pagas pelos arguidos e por tipo de processo. Tipo de Processo Valor das custas judiciais Até 400$00

De 401$00 a 800$00

De 801$00 a 1200$00

De 1201$00 a 1600$00

De 1601$00 a 2000$00

De 2001$00 a 2400$00

De 2401$00 a 2800$00

De 2801$00 a 3200$00

De 3201$00 a 3600$00

De 3601$00 a 4000$00

De 4001$00 a 4400$00

De 4401$00 a 4800$00

De 5201$00 a 5600$00

Querelas

Correcionais

Totais

Polícia Correcional

0

16

27

43

0%

7,6%

12,9%

20,5%

7

28

24

59

3,3%

13,3%

11,4%

28,1%

4

16

7

27

1,9%

7,6%

3,3%

12,9%

26

3

2

31

12,4%

1,4%

1%

14,8%

15

5

0

20

7,1%

2,4%

0%

9,5%

4

0

0

4

1,9%

0%

0%

1,9%

4

1

0

5

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0,5%

,0%

2,4%

0

0

1

1

0%

0%

0,5%

0,5%

1

0

0

1

0,5%

0%

0%

0,5%

5

0

0

5

2,4%

0%

0%

2,4%

2

0

0

2

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0%

0%

1%

0

2

0

2

0%

1%

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1%

1

0

0

1

0,5%

0%

0%

0,5%

Continua na página seguinte. 121

De 6001$00 a 6400$00

De 6401$00 a 6800$00

De 6801$00 a 7200$00

De 7601$00 a 8000$00

Mais de 8000$00

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1

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0

1

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0,5%

1

1

0

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0,5%

0%

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1

1

0

2

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0%

1%

0

1

0

1

0%

0,5%

0%

0,5%

1

2

0

3

0,5%

1%

0%

1,5%

73

76

61

210

34,8%

36,2%

29%

100%

Ponderando os resultados apresentados, a categoria com maior frequência, e subsequentemente com maior percentagem, é a de “401$00 a 800$00”, com 28,1% do valor de custas aplicado em processos de todos os tipos estudados, em que aos Correcionais correspondem a 13,3% e os polícia correcionais a 11,4%, o que pode explicar-se, em larga medida pelas características específicas deste tipo de processos, não obstante aí existirem também querelas com um percentual diminuto, 3,3%, mas não negligenciável. Razões têm a ver, com a situação por nós já vista, da classificação do delito em fase de inquérito. Seguidamente, a categoria com percentual maior é de “até 400$00”, em que os resultados de dividem entre correcionais e polícia correcionais, numa proporção de 7,6% e 12,9%, respetivamente, num total de 20,5% das ocorrências. Excluem-se as querelas, na medida em que o código de custas judiciais impunha os 400$00 como valor mínimo de custas a aplicar no caso das querelas. A categoria de “1201$00 a 1600$00” acumula um percentual de 14,8% dos valores pagos, sendo que destes 12,4% são respetivos a querelas, com os polícias correcionais com apenas 1% e os correcionais com 1,4%. Com 12,9% dos valores pagos na categoria de “801$00 a 1200$00”, 7,6% são correcionais, 3,3% são polícias correcionais e 1,9% querelas. As restantes categorias apresentam percentuais muito baixos, que se vão tornando maioritariamente querelas à medida que se atingem valores mais elevados, o que não invalida a existência de correcionais, de acordo com o que atrás foi dito. À semelhança do verificado com medida das penas de prisão determinadas para as querelas e para os correcionais, também as custas refletem tal miscelânea. Outra conclusão a retirar destes dados é que os valores mais altos raramente foram aplicados, mesmo no que diz respeito às querelas, e que muito terá a ver certamente com a caraterização das possibilidades de pagamento dos réus julgados na comarca de Braga, aplicando-se mais uma vez o disposto no Código de 122

Custas Judiciais190. Cruzado o parâmetro da modalidade de pagamento das custas judiciais com o valor das mesmas, obtém-se a seguinte tabela. Quadro 12. Modalidades de pagamento das custas judiciais por valor das mesmas. Modalidade de pagamento das custas judiciais

Valor Até 400$00

De 401$00 a 800$00 De 801$00 a 1200$00 De 1201$00 a 1600$00 De 1601$00 a 2000$00 De 2001$00 a 2400$00 De 2401$00 a 2800$00 De 2801$00 a 3200$00 De 3201$00 a 3600$00 De 3601$00 a 4000$00 De 4001$00 a 4400$00 De 4401$00 a 4800$00 De 5201$00 a 5600$00 De 6001$00 a 6400$00 De 6401$00 a 6800$00 De 6801$00 a 7200$00

Pago em dinheiro

Pago em dinheiro fora do

Pago em dinheiro fora do

Não pago e convertido em

Não pago e não convertido

dentro do prazo

prazo e com juros

prazo sem juros

dias de prisão

em dias de prisão

Total

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0

1

3

35

43

1,9%

0%

0,5%

1,4%

16,3%

20,1%

6

0

1

2

50

59

2,9%

0%

0,5%

1%

23,9%

28,2%

1

0

0

1

25

27

0,5%

0%

0%

0,5%

12,0%

12,9%

1

1

0

6

23

31

0,5%

0,5%

0%

2,9%

11,0%

14,8%

2

0

0

0

18

20

1%

0%

0%

0%

8,6%

9,6%

0

0

0

0

4

4

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0%

0%

0%

1,9%

1,9%

0

0

0

0

5

5

0%

0%

0%

0%

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2,4%

1

0

0

0

0

1

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0%

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0

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1

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0,5%

0,5%

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0

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0

5

5

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2,4%

0

0

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0

2

2

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0

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1

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Continua na página seguinte.

190

Ver nota 189. 123

De 7601$00 a 8000$00 Mais de 8000$00

Total

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0

0

0

0

1

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0%

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0

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3

3

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1,4%

18

1

2

13

175

210

8,6%

0,5%

1%

6,2%

83,7%

100,0%

Examinados estes dados, para as conclusões, mais do que ter em conta quer as frequências, quer os percentuais por categoria de custas judiciais, importam os totais por modalidade de pagamento, uma vez que são mais do que evidenciadores da realidade, em termos de pagamentos, da comarca de Braga. Em 83,7% dos casos não foram pagas as custas judiciais, nem estas se converteram em dias de prisão. Tal situação está em linha com o disposto no Código das Custas Judiciais, no seu Art. 169º,n.º3191, o que evidencia a falta de poder económico dos réus condenados na comarca de Braga, comprovada pelas autoridades judiciárias, face a diligências levadas a cabo. Segundo nos foi possível observar nos processos, eram pedidas aos párocos e aos regedores, declarações a comprovar a insuficiência económica do réu, isentando-o através desse meio do pagamento das custas judiciais. Este aspeto é também referido no já muito por nós explorado relatório de inspeção de 1955 192, onde se dizia, reportando-se à receita da comarca que: “tem a comarca um rendimento pequeno, como não podia deixar de ser.[…] no crime poucos são os processos em que os réus condenados pagam as multas e os impostos de justiça. […] Numerosas execuções por custas, quasi todas arquivadas por falta de bens penhoráveis. Tudo conjugado concorre para que o rendimento da comarca, com dois juízos seja inferior ao de outras comarcas de menor categoria.”

Relativamente às categorias de valores, o não pagamento e não conversão, surge em todas as categorias, maioritariamente nas que já se viram como de maior percentual. A modalidade “Pago em dinheiro dentro do prazo” foi uma situação que pode ser admitida como pouco frequente e que aparece distribuída pelas duas categorias inferiores, “até 400$00” e de “401$00 a 800$00”, com dez casos dos dezoito, apresentando-se nos restantes com frequência de um caso distribuído pelas outras categorias, sendo inexistente em várias, conforme se pode verificar na tabela. Em 6,3% dos casos, o “Não pago e convertido em dias de prisão” apresenta uma distribuição em tudo semelhante à caracterizada anteriormente, prevalente nas quatro primeiras categorias, de valor mais reduzido, em doze dos treze casos observados. Outro componente determinado, não obrigatório, mas frequentemente nos acórdãos de sentença

191

192

Ver nota 189. Autos de inspeção aos serviços do Tribunal de Braga de 27 de Julho de 1955, Conselho Superior Judiciário, Relação do Porto. 124

são as multas. Predispunha a lei que estas seriam determinadas com base numa taxa diária, dependendo do arbítrio do juiz, num rácio que se alterou nos anos 50 de 5$00 por dia para 20$00 por dia. Tendo presente esta situação, verificamos se essa situação de alguma forma alterava as conclusões que se pudessem retirar dos dados observados. Para tal tivemos em conta, tanto o conteúdo do articulado do acórdão de sentença, como o valor total da multa, bem como fizemos uma comparação entre os resultados obtidos, tendo em conta os valores totais para a década de quarente e para a década de cinquenta. Em ambas as situações os resultados obtidos foram análogos aos totais das duas décadas, pelo que assumimos, aqueles que apresentamos, como fiáveis sob o ponto de vista da representatividade, não obstante a alteração do normativo legal. O critério de determinação desta componente da pena surgiu-nos de diversas formas nos acórdãos. Na maior parte dos casos o juiz, ou o coletivo no caso das querelas, definia o espaço temporal de aplicação da multa- de um dia a múltiplos à razão da taxa, outras vezes ficava no articulado da sentença já o resultado em numérico (em escudos). Quanto à medida da multa, esta ficava condicionada, conforme o deixa antever o Código das Custas Judiciais193, pela avaliação das posses do réu em pagá-la, podendo ou não também ser convertida em dias de prisão, conforme veremos mais adiante quando a analisarmos dependente das modalidades de pagamento. Seguindo o procedimento adotado na análise das custas judiciais, tem-se o seguinte panorama quando cruzado com o tipo de processo. Quadro 13. Valor das multas aplicadas por tipo de processo. Tipo de processo Valor da Multa Menos de 50$00

de 51$00 até 150$00

de 151$00 até 250$00

de 251$00 até 350$00

de 351$00 até 450$00

de 451$00 até 550$00

Querelas

Correcionais

Total Polícia Correcional

2

17

27

46

1,3%

10,8%

17,1%

29,1%

5

14

13

32

3,2%

8,9%

8,2%

20,3%

4

4

5

13

2,5%

2,5%

3,2%

8,2%

3

8

2

13

1,9%

5,1%

1,3%

8,2%

4

3

1

8

2,5%

1,9%

0,6%

5,1%

3

2

1

6

1,9%

1,3%

0,6%

3,8%

Continua na página seguinte.

193

Ver nota 189. 125

de 551$00 até 650$00

de 651$00 até 750$00

0

0

2

2

0%

0%

1,3%

1,3%

2

1

1

4

1,3%

0,6%

0,6%

2,5%

0

0

2

2

0%

0%

1,3%

1,3%

4

2

0

6

2,5%

1,3%

0%

3,8%

1

0

0

1

0,6%

0%

0%

0,6%

17

7

1

25

10,8%

4,4%

0,6%

15,8%

Totais

45

58

55

158

Totais percentuais

28,5%

36,7%

34,8%

100,0%

de 751$00 até 850$00

de 851$00 até 950$00

de 951$00 até 1050$00

Mais de 1051$00

Os dados colhidos da amostra diminuem-na sob o ponto de vista dos quantitativos, uma vez que dos 213 réus condenados apenas 158 viram ser-lhes aplicada multa (coima), cumulativamente ou não, como se viu aquando da análise das penas. Relativamente a estas 158 multas aplicadas, 36,7% dizem respeito a processos correcionais, 34,8% a polícias correcionais e 28,5% a querelas. Continuando a abordagem sob o ponto de vista dos tipos de processos, quando se olha a distribuição pelas categorias, em termos de quantitativos de dinheiro, no que concerne às querelas 17 das 45, ou seja em 10,8% dos casos foram aplicadas multas de 1051$00 ou mais, o que se afigura uma soma avultada, sobretudo quando tendo em conta de que se trata das décadas de 40 e 50, em que o rendimento diário que a justiça definia era, como vimos, de 5$00 e 20$00 respetivamente. Somas desta categoria surgem também nos outros dois tipos de processos, contudo com um percentual bem mais baixo, 4,4% nos processo correcionais e 0,6% nos Polícia correcionais, mas que terá muito a ver com a classificação do processo, gravidade dos ilícitos apurados e reincidência no crime. Aliás, estas duas formas processuais apresentam distribuições muito semelhantes no que respeito diz aos valores pecuniários das multas: 10,8% de correcionais e 17,1% de policia correcionais na categoria de “menos de 50$00), 8,5% e 8,2% respetivamente na categoria de “51$00 a 150$00”. Na categoria seguinte “151$00 a 250$00” a distribuição é quase equitativa entre os três tipos, 2,5% para ambas querelas e correcionais e 3,2% para os polícias correcionais. Na categoria de “251$00 até 350$00” 1,9% corresponde às querelas, 5,1% aos correcionais e 1,3% aos polícias correcionais, num total de 8,2% da amostra. Aliás as quatro categorias vistas até este momento acumulam mais de 60% dos casos. Nas restantes categorias, à exceção da mais elevada, e por onde começamos a nossa análise, apresentam totais acumulados dos três processos inferiores com representatividade inferior a 5%. Não obstante a determinação de uma multa, isso não significava que esta fosse efetivamente paga, à semelhança do 126

verificado com as custas judiciais. Verificada esta situação obtém-se o seguinte ordenamento de resultados. Quadro 14. Modalidades de pagamento das multas por valor das mesmas. Modalidades de pagamento Não pago e não Valor da Multa Menos de 50$00

Pago fora do Prazo

Pago em dinheiro

Não pago e convertido

convertido em dias de

com juros de mora

dentro do prazo

em dias de prisão

prisão

Total

3

19

14

10

46

1,9%

12,0%

8,9%

6,3%

29,1%

1

20

7

4

32

0,6%

12,7%

4,4%

2,5%

20,3%

0

7

4

2

13

0%

4,4%

2,5%

1,3%

8,2%

0

9

2

2

13

0%

5,7%

1,3%

1,3%

8,2%

1

3

3

1

8

0,6%

1,9%

1,9%

0,6%

5,1%

0 0%

3 1,9%

3 1,9%

0 0%

6 3,8%

1

1

0

0

2

0,6%

0,6%

0%

0%

1,3%

2

2

0

0

4

1,3%

1,3%

0%

0%

2,5%

0

0

2

0

2

850$00

0%

0%

1,3%

0%

1,3%

de 851$00 até

0 0%

1 0,6%

4 2,5%

1 0,6%

6 3,8%

0

0

1

0

1

0%

0%

0,6%

0%

0,6%

1

6

15

3

25

0,6%

3,8%

9,5%

1,9%

15,8%

Totais

9

71

55

23

158

Totais percentuais

5,7%

44,9%

34,8%

14,6%

100,0%

de 51$00 até 150$00 de 151$00 até 250$00 de 251$00 até 350$00 de 351$00 até 450$00 de 451$00 até 550$00 de 551$00 até 650$00 de 651$00 até 750$00 de 751$00 até

950$00 de 951$00 até 1050$00 Mais de 1051$00

No que às modalidades de pagamento, ou não, da multa determinada, e começando a análise, mais uma vez pelos totais e cada modalidade de pagamento, a situação descrita pelos resultados é totalmente diferente das custas judiciais. Em 44,9% dos casos, a multa foi paga pelos réus dentro dos prazos fixados, em 34,8% dos casos não foi paga e converteu-se em dias de prisão. Não foi paga, nem se converteu em 14,6% dos casos e em 5,7% da amostra foi paga fora do prazo, sendo aplicados juros de mora. 127

Relativamente às multas, prescreve o Código de Processo Penal e o Códigos de Custas Judiciais que as multas sejam pagas num prazo de quarenta e oito horas, e mais, que o pagamento destas é determinante para a isenção do pagamento das custas, que como já se viu era a circunstância mais frequente. Numa análise mais qualitativa, foi observado na amostra que muitas vezes um “ator” externo ao processo aparecia a pagar a multa em nome do réu, ou o réu declarava não ter mais bens senão os bastantes para pagar a multa, requerendo posteriormente a isenção do pagamento das custas judiciais. As circunstâncias são múltiplas, aparece-nos a multa a ser paga sobretudo quando a pena a ela se resumia, evitando-se assim a conversão numa pena de prisão que o juiz não tinha decretado, incluindo-se certamente nesta situação muitos dos casos em que foi paga dentro, mas também fora do prazo. Por outro lado poderia também implicar um agravamento da pena e até uma reabertura do processo. Estes casos são residuais e sobre eles não temos dados quantitativos, contudo, e apenas por mera curiosidade para citar um exemplo, o não pagamento de uma multa por um réu reincidente levou à reabertura do processo e a sua pena foi agravada, sendo substituída a pena de prisão por condução a uma colónia de trabalho. Olhando para estes números sob o ponto de vista das categorias em dinheiro, das multas aplicadas nas categorias de “menos de 50$00” e de “51$00 até 150$00”, que correspondem a 49,4% a distribuição, sempre a favor daqueles que pagaram, quer dentro quer fora do prazo, mostra que a percentagem daqueles que se escaparam a qualquer multa é maior na categoria menor. O que é exatamente o inverso daquilo que acontece na categoria maior “mais de 1051$00” onde em 15 dos 25 casos, ou seja, em 9,5% dos 15,8% que constituem a amostra para a categoria, os réus viram a pena de prisão acrescida das conversão da multa em dias adicionais. Parece-nos, mais uma vez que o fator económico, mas também o tipo de criminalidade está na base das conclusões acima apontadas. A questão das multas foi por diversas vezes referida nos relatórios de inspeção194, em particular no de 1955, onde se apontam diferentes critérios de aplicação das multas: “É sabido que depois das últimas alterações ao Código Penal tem reinado a maior confusão quanto ao que às multas e adicionais diz respeito, adotando-se critérios diferentes, absolutamente díspares, de comarca para comarca, o que não é nada prestigiante. Mas a situação mais chocante se torna quando, como acontece em Braga, há dois tribunaes, cada um deles com o seu critério.”

194

Inspeção aos serviços judiciais da comarca de Braga - 1º Tribunal - considerações gerais de 15 de Maio de 1951, Conselho Superior Judiciário, Relação do

Porto; Autos de inspeção aos serviços do Tribunal de Braga de 27 de Julho de 1955, Conselho Superior Judiciário, Relação do Porto.

128

Outra questão, que tentaremos aprofundar quando analisarmos o perfil socioeconómico de réus e vítimas, tem a ver com as solidariedades não só familiares, mas comunitárias que se geram em torno daquele que se encontra na posição de réu. Recorrendo aos dados qualitativos recolhidos, nas sentenças, não obstante a reincidência no crime, o réu é descrito como pobre, mas trabalhador, apesar da sua “leve” tendência para a delinquência.

As indemnizações Terminando esta abordagem às rubricas da sentença, as indemnizações, também elas de pagamento obrigatório, segundo o Código de Processo Penal. No caso da nossa amostra, a justiça determinou em 101 casos o pagamento, que oscilou entre os 15$00 e os 49.000$00. O valor da vida e da moral social, mas sobretudo humana, é sempre subjetiva e difícil de quantificar, mas inevitavelmente está em jogo no mundo do ilícito, no mundo dos tribunais. As ofensas corporais concentram 47 das ocorrências e foram ressarcidas tanto com valores baixos, 20$00 como com somas que ascenderam aos 8.000$00, dependendo do dano causado à vítima e dos dias que esta esteve impedida de trabalhar. 23 ocorrências, com mínimos de 15$00 e máximos de 5.000$00, que foram determinadas como compensações por furto e para cuja determinação foi essencial o apuramento do valor da ”coisa” furtada. O valor máximo de indemnização, como já referido, é de 49.000$00 e é um caso de burla- desfalque nos Sindicatos da hotelaria e dos motoristas. Relativamente a outros crimes contra a segurança das pessoas, de forte impacto social e comunitário, como os homicídios, os abortos e os estupros, as frequências são bastante baixas. As indemnizações mostram que aos homicídios involuntários, dois durante o período em estudo, foi-lhes atribuído, a cada um, individualmente, 10.000$00, enquanto o único homicídio frustrado da amostra recebeu 2.000$00 de compensação. Um único crime de aborto foi provado, tendo a abortadeira sido condenada no valor de 5.000$00 à família da jovem. Indemnizações por estupro foram sete, com valores de 3.000 a 30.000, e estes entendidos como salvaguarda para as jovens, como dano moral para a família e como Dote, pois muitas vezes durante o processo acontecia o casamento entre a vítima e o agressor. Em duas circunstâncias o coletivo determinou inclusive pena suspensa durante 4 anos, salvaguardando a posição da mulher em caso de violência doméstica, tipo de crime cujo registo nunca encontramos.

129

Das gentes: os réus e as vítimas

Os réus Conhecer as gentes e os espaços onde se movimentam permite obter uma série de explicações para os seus comportamentos, e no que a este estudo diz respeito aos comportamentos criminosos. Se verdade é que por força da análise já muito foi dito, importa ainda focar alguns aspetos mais particulares de réus e vítimas. Os réus eram descritos como “não sociais”, desafiando a ordem e opoder estabelecidos, originando o caos e a desordem, como anteriormente exposto aquando do enfoque da Criminologia para o nosso estudo. Estes ocupam na nossa amostra um total de trezentos e dezoito indivíduos, dos quais duzentos e treze foram condenados. A prática do crime, conforme mostra o quadro abaixo, em 58,3% dos casos que compõem a amostra, os réus agiram por mote próprio, contra 41,7% daqueles em que foi levada a cabo por vários réus. Quadro 15. Réu único nos processos crime Frequência

Percentagem

Não

76

41,7

Sim

104

58,3

Total

180

100,0

A variável do réu único ganha mais relevo quando relacionada com os crimes cometidos. Quadro 16. Distribuição do réu único pelas categorias de crimes. Réu único

Categorias de crimes

Não

Total Sim

Injúrias e violências contra as autoridades públicas, resistência e desobediência

1

2

3

Das falsidades

0

4

4

Das armas, caças e pescarias defesas

1

0

1

1

0

1

1

3

4

39

35

74

Dos jogos, lotarias, convenções ilícitas sobre fundos públicos e abusos em casas de empréstimos sobre penhores Do monopólio e do contrabando Dos crimes contra a segurança das pessoas

Continua na página seguinte. 130

Dos crimes contra a honestidade

1

15

16

Dos crimes contra a honra, difamação, calúnia e injúria

1

9

10

23

24

47

Das quebras, burlas e outras defraudações

4

11

15

Do incêndio e danos

2

1

3

2

0

2

76

104

180

Do furto, do roubo e da usurpação de coisa móvel

Da violação das leis sobre inumações e da violação dos túmulos e dos crimes contra a saúde pública Total

Quando cruzada a variável “réu único” com o tipo de crime praticado, as duas maiores categorias já anteriormente referidas, “crimes contra a segurança” e os “furtos” aparecem com uma frequência bastante equitativa, o que não parece indiciar posição qualquer relação entre as duas variáveis. Já relativamente a outras variáveis, sobretudo pela natureza do crime, observa-se que maioritariamente que os réus agiram por mote próprio, sem qualquer apoio de outrem na prática presumivelmente criminosa, porque, nesta distribuição estão todos aqueles que foram condenados e aqueles que se viram ilibados de qualquer culpa. Ao cruzar a coautoria dos crimes com o local, a distribuição é a seguinte: Quadro 17. Distribuição da coautoria pelo local do crime. Local do crime

Coautoria Total

Não Sim

Meio Urbano 35 57 92

Meio Rural 41 47 88

Total 76 104 180

Se no que diz respeito ao meio rural, a coautoria aparece ligeiramente superior à iniciativa individual, com 47 casos, contra 41, já em meio urbano a distribuição é diferente. Remetendo-se para o que foi dito relativamente aos espaços da cidade como local de crime, e chamado à atenção o que dirá mais adiante quando se analisar a questão das origens de réus e vítimas, de acordo com a nossa amostra, em 57 dos 92 casos ocorridos em meio urbano, houve interveniência de mais do que um réu, contra 35 casos em que o indivíduo agiu por seu mote próprio. A aglomeração de indivíduos e de bens no meio urbano propiciou a prática conjunta de crime, o que é concordante com Fatela (1989) e Vaz (1998), quando descrevem o meio urbano como propiciador à prática criminosa, por aí afluírem e se concentrarem os bens, mas também as gentes com índole criminosa, mas, como também já foi referido, com necessidades básicas por suprir.

131

Aquando da recolha dos dados, vimos que a prisão preventiva era uma situação frequente em que se encontravam os réus, até porque como já vimos, as questões que envolvem esta medida preventiva são várias e que vão desde os motivos aos prazos de aplicação. Na nossa amostra da comarca de Braga, o panorama é o seguinte: Gráfico 24. Situação dos réus no início do processo.

A percentagem de réus em prisão preventiva representa 32,4% dos casos, a que podemos juntar a percentagem de réus já condenados e a cumprir penas por crimes anteriores, que é de 0,9%, o que dá um somatório de 33,5%. Contudo esta não foi a situação em que estava o maior quantitativo de réus ao início do processo, pois 66,7% dos mesmos estava em liberdade. Tal situação pode em grande medida justificarse com o tipo de criminosos chamados aos dois juízos do tribunal da comarca de Braga. Analisada a situação incial dos réus face à justiça, a distribuição é a seguinte: Gráfico 25. Situação dos réus face à justiça.

132

A diferença entre os maiores quantitativos do gráfico anterior e do presente é bastante curta. Se no anterior 66,7% estavam em liberdade, para 63,2% dos réus esta foi a primeira vez em que se encontravam acusados de algum crime. 21,1% eram reincidentes com pena cumprida, 12,6 também reincidentes, mas sem pena cumprida e uma percentagem menor, 3,1% reincidentes com pena suspensa. Também Vaz (1998)195 aponta este facto no seu estudo, ao apontar que também para a sua amostra se tratava de réus primários, sem condenações anteriores, o que é concordante, também, com os dados já por nós apresentados, no que diz respeito à medida das penas. O propósito do sistema judicial era punir, mas também recuperar os indíviduos, ideologia patentada na obra legislativa do Estado Novo, em particular na Reforma dos Serviços prisionais de 1936, em que se preconizava o reforço das colónias de trabalho, como aletrnativa às prisões, respondendo aos contributos dados pela criminologia e pelas influências internacionais, de acordo com o explanado no capítulo II deste estudo. Destes acusados, a distribuição entre maiores e menores é a demonstrada no gráfico.

Gráfico 26. Maioridade dos réus ao início de processo.

Da análise do gráfico constata-se que 94,3% dos réus eram maiores à data de início do julgamento, contra 4,7% que eram menores, sendo estes menores com idades de 16 e 17 anos. A existência de legislação específica desde a I República196, e reforçada no quadro da Ditadura Militar por Manuel Rodrigues Júnior197,e continuamente merecedora de atenção por parte do regime político, encaminhava os

195

196

Vaz (1998), O crime e a Sociedade… Veja-se o artigo de Maria de Fátima da Cunha Moura Ferreira, “Representações sobre a delinquência dos Menores e o Universo da criança a proteger na 1ª

República: Entre os campos da justiça e da assistência”. Em Pobreza e assistência no espaço ibérico: Séculos XVI-XX. Coord. Maria Marta Lobo de Araújo, Fátima Moura Ferreira e Alexandra Esteves, 49-68. Braga: CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória», janeiro de 2010. 197

Veja-se Luís Bigotte Chorão, Crise Política e Política do Direito – O Caso da Ditadura Militar. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra,

2007, 833 - 838. 133

menores de dezasseis anos para as Tutorias de Infância, existindo ainda alternativas como reformatórios para ambos os sexos, colónias correcionais. Este assunto ultrapassa o âmbito do nosso estudo, pelo que se remete maior aprofundamento para outras fontes. Quando vista à lupa a distribuição por idade: Gráfico 27. Distribuição dos réus por categorias de idades.

A distribuição por idades, mostra, relativamente aos menores que todos têm menos 17 anos e numa percentagem, de 4,7%, até porque aos menores era dada outro tipo de resposta, cuja análise ultrapassa em muito o âmbito deste estudo. Acrescentamos nós, conhecedores das frequências absolutas, que entre dezasseis e dezassete. 25,5% dos réus tem entre 18 e 23 anos e 27,7%, de 24 a 29 anos. Esta distribuição mostra que mais de 50% da amostra tem menos que 29 anos. Se alargarmos a fasquia, incluindo a categoria seguinte “ de 30 a 34 anos”, cujo percentual é de 14, 2%, e contabilizando os menores, temos que 72,1% dos indiciados por crimes na comarca de Braga de 1940 a 1959 têm menos que 30 anos. Portanto estamos perante uma população jovem e como vimos, com a informação constante no gráfico 28, em grande parte, sem história criminal.

134

Gráfico 28. Distribuição dos réus por sexos.

No que concerne ao sexo dos réus, e concordando com outros estudos sobre criminalidade por nós referidos198, estamos perante um grupo em que o sexo masculino assume a supremacia dos números numa percentagem de 79% contra os 21% do sexo feminino. A supremacia do sexo masculino está bem documentada em vários estudos sobre violência e criminalidade, e os dados da nossa amostra são concordantes com o levantamento que Fatela (1989) e Vaz (2008) fizeram a partir da Estatística Judiciária. Contudo achamos, tendo presentes os dados qualitativos da nossa amostra, que as caraterísticas sociais, dos papéis atribuíveis a cada sexo, os parâmetros de aceitação e reprovação social devem ser tidos em conta. O homem- o mais forte e reconhecido, pela lei e pelas gentes,- o “chefe de família” assumia os delitos, protegendo o elemento mais vulnerável, pelo menos social e moralmente, a mulher. De apontar dois casos, só para ilustrar de um processo de matança clandestina, em que a dona do Talho compra uma vitela ilegalmente, quando tudo apontava para que fosse provada a sua culpabilidade, o marido, no dia do julgamento, vem desdizê-la, desdizem as testemunhas e, é ele que vai passar 8 meses na prisão. Outro caso estava relacionado com desavenças entre dois cunhados, de sexos diferentes, sendo a mulher a agressora com uma sachola. Mais uma vez também neste, desdizem as testemunhas e a própria vítima e quem fica com pena suspensa é o marido da agressora. Aliás para este facto, a mudança de testemunhos e testemunhas, como impeditivo da busca da verdade, foi já por nós referido.

198

Ver nota 154. 135

A distribuição do estado civil dos réus é a que o seguinte gráfico patenteia. Gráfico 29. Estado Civil dos réus

Relativamente ao estado civil, os indiciados por crimes que constituem a nossa amostra são solteiros em 51% dos casos, ou seja mais de metade, o que se poderá justificar pelo baixo nível etário dos implicados. 46,2% são casados, 2,2% viúvos e 0,3% separados e na mesma percentagem os indivíduos divorciados. Quanto ao nível de instrução, a distribuição é a que se segue. Gráfico 30. Nível de instrução dos réus.

No que ao nível de instrução diz respeito, os formulários e o uso comum das autoridades, exigiam apenas que fosse declarado pelos réus se sabiam ler e escrever. Pela análise qualitativa dos dados, grande parte dos réus sabia apenas escrever o seu nome, conforme o demonstram as declarações 136

prestadas aos autos e a análise das assinaturas, bastante irregulares e reveladoras de pouco treino na escrita. Porém, estes foram assumidos pela própria justiça como sabendo ler e escrever, pelo que assim figuram nos documentos oficiais e na base de dados, pelo que 56,6% dos réus foram indicados como sabendo ler e escrever, contrapondo-se aos 42,1% de analfabetos declarados e aos 1,3% dos quais não existe, por falha do escrivão, certamente, qualquer informação. A taxa de analfabetismo nacional para este período é bastante elevada, pelo que duvidamos, pelos motivos atrás expostos, desta superioridade de percentagem de indivíduos considerados alfabetizados. No que às profissões desempenhadas diz respeito, os dados são apresentados também categorizados199, e a distribuição está patente no gráfico 31. Gráfico 31. Distribuição dos réus por categorias profissionais.

O gráfico traça o retrato não só da população maioria da população urbana, como da rural, sendo claro a evidente diferença de distribuição das populações pelas categorias profissionais, mais ligadas à agricultura, menos como proprietários, com 3,1% da amostra e mais como jornaleiros e serviçais nas zonas rurais, com 19,5% da amostra. A distribuição pelas atividades oficinais e industriais, que surgem como indústria, é representativa, mas com algumas ressalvas. Não obstante o que foi dito acerca da quase inexistência de indústria, o que é confirmado por várias fontes, a categorização inclui uma multiplicidade enorme de profissões que vão desde os donos das oficinas e fábricas aos seus operários, bem como foram aglutinados, serralheiros, vulcanizadores, mecânicos, remetendo-nos mais uma vez para o anexo 5a). Assim, esse grupo, que desempenha funções maioritariamente no espaço urbano da comarca, acumula 25,2% dos casos.

199

Ver Anexo 5a) 137

Também representativas, e de alguma forma ligadas ao cariz urbano, são as percentagens de indivíduos que têm como ocupação os serviços, com uma distribuição de 23%, 12,6% são artesãos e 10,4% dedicamse ao comércio. A origem dos réus é determinante para o processo, porque permite e identificação inequívoca do réu, para o nosso estudo por permitir perceber a distribuição geográfica dos mesmos. No estudo que faremos doravante deste tipo de variáveis geográficas, trataremos por concelho e não comarca, porque nem todos os concelhos que compõem o distrito foram sedes de comarca durante todo o tempo em estudo, contudo foram sedes concelhias. A título de ilustração inclui-se neste estudo um mapa, onde se assinalam os concelhos do distrito de Braga e os distritos limítrofes ao mesmo, para que mais facilmente se possa criar uma imagem da naturalidade e morada, de réus e vítimas. A naturalidade dos 316 réus que compõem a nossa amostra foi analisada por concelho e freguesia. Analisa-se primeiramente a naturalidade no gráfico que se segue. Gráfico 32. Naturalidade dos réus por concelho do distrito de Braga

Relativamente à naturalidade dos criminosos, tendo em conta a sua distribuição por concelhos do distrito de Braga, há uma superioridade de indivíduos naturais da própria sede de distrito, com 70,4% dos casos, 11,9% não são do distrito de Braga. Vila Verde e Amares detêm 3,5% cada um, da mesma forma os 2,8% tanto para Guimarães como para Barcelos e 2,2% para Famalicão. Sendo todos concelhos limítrofes, as diferenças podem ser explicadas pelo cariz mais rural dos dois primeiros, pelo maior dinamismo 138

económico dos seguintes, bem como pela proximidade geográfica a outros distritos também fortes, como o Porto, para Guimarães e Famalicão e Viana do Castelo para Barcelos. A distância geográfica poderá ser explicação para a baixa representatividade na amostra dos restantes concelhos, todos com menos 1,6%. Quanto às freguesias, estas dizem respeito apenas ao concelho de Braga, e o mapa que se segue mostra a distribuição de réus em termos de Naturalidade e, em frequência200.

Mapa 3. Mapa de distribuição dos réus por freguesias tendo em conta a sua naturalidade.

Quanto à naturalidade, e tendo em conta que 29,6% dos réus, ou seja 94, são de naturalidade externa ao concelho, e como vimos, até ao distrito, a distribuição é bastante baixa por freguesia o que demonstra de alguma forma a dispersão em termos de povoamento, e o pouco recurso ao Hospital no que aos nascimentos diz respeito. Nascer em casa era ainda prática corrente na região, como fica comprovado pela análise dos resultados de S. João do Souto, freguesia onde se localizava o Hospital de S. Marcos que serviu durante longos séculos as populações da comarca, com 11 indivíduos, e que representa apenas 3,5% da amostra, As freguesias urbanas de S. José de S. Lázaro e S. Victor, apresentam resultados de 24, o primeiro,

200

Veja-se o anexo 7, onde se apresentam um quadro com os dados brutos e em percentagens.

139

e de 15 o segundo, a que correspondem percentagens de 7,5% e de 4,7% respetivamente, o que está em linha com a existência de bairros sociais201, bastante populosos, que resultaram das movimentações de populações das freguesias mais antigas, nomeadamente a Sé, Cividade, S. João do Souto, o que poderá também justificar os baixos resultados destas. A Sé tem um resultado de 9 indivíduos, correspondentes a 2,8% e a Cividade, com 2, cabe-lhe apenas 0,6%, o que se poderá justificar pelo envelhecimento dos habitantes dessas freguesias, bem como pela já apontada degradação dos espaços habitacionais. Dume com 4,4% e Real com 3,1% são as freguesias de onde são oriundos mais indivíduos, catorze e dez respetivamente. As restantes freguesias do concelho, à exceção de Arentim com 2,2%, apresentam resultados inferiores a 2%, o que representa de 1 a 6 casos. Se a naturalidade é importante para referenciar as origens, a morada mostra onde se facto estavam os indivíduos à data do crime. À semelhança do que se fez para a naturalidade, também este parâmetro será analisado por distrito e por freguesia do concelho de Braga. Gráfico 33. Morada dos réus por concelho do distrito de Braga.

Tendo em conta o concelho de morada dos réus dentro do distrito de Braga, e em linha com a naturalidade, 88,7% dos réus acusados de cometerem crimes residiam no próprio concelho, sede de distrito, 4,7% deslocaram-se à comarca de Braga para presumivelmente cometerem um ilícito criminal. Todos os restantes concelhos que compõem o distrito de Braga apresentam percentagens muito reduzidas, 2,2% Guimarães, 1,3% a cada um dos seguintes Vila Verde, Barcelos, Famalicão. Estas

201

Assunto tratado nas páginas 93 e 151. 140

percentagens não chegam a ser significativas, mas remetem para a enorme circulação de pessoas e bens, circunstância referida nos relatórios de Inspeção de 1951 e de 1955 ao tribunal de Braga, em que se descrevia a cidade de Braga como sendo um importante local de passagem de pessoas e bens e que pode, conjuntamente com as caraterísticas intrínsecas da cidade e dos seus habitantes poderia propiciar a atividade criminosa. Em relação à morada dos réus dentro do concelho de Braga, estes dados constam já, enquanto mapa na página 100 e enquanto quadro no anexo 6, pela necessidade de se fazer um cruzamento com outra variável, pelo que, aqui, se incluirá só um comentário aos mesmos. Dos dados resulta que 11,3% dos réus habitavam regularmente fora do concelho de Braga. As freguesias com maiores quantitativos em termos de locais de residência dos réus são a Sé, com 10,7%, S. José de S. Lázaro com 9,4%, 6,3% em S. Victor, Dume com 4,4%, S. Vicente com 4,1%, 3,5% para Real e 3,1% para Palmeira. As restantes apresentam quantitativos baixos. Se olharmos para estes percentuais e para os da naturalidade, e apenas numa base estatística, pode dizer-se que a há uma movimentação das populações entre as freguesias, até porque a diferença entre os não naturais e não residentes é bastante próxima. Neste sentido, a Sé e S. Vicente ganham residentes, passando de 2.8% para 10,7% e de 0,9% para 4,1% respetivamente, o aumento de habitantes de Palmeira é mais discreto de 2.5% para 3,1%. S. José de S. Lázaro, Real e S. Victor perdem-nos.

As vítimas A vítima é uma figura ausente, como apontou Garnel (2007)202, salvaguardando as diferenças temporais, entre seu estudo e o que é aqui apresentado, ausente do Código, “quase ausente” no aparelho judicial, “quase ausente” nas sentenças, na medida em que a partir do momento em que uma denúncia é feita, o Estado personificava o delito, assumindo-o como contra si. De salientar que o Código Penal em vigor era, no estudo de Rita Garnel e no nosso, o mesmo, com ajustes e adendas, no nosso caso, com todas as especificidades que já vimos, por força do nosso estudo se enquadrar em pleno Estado Novo. Mais, quando durante o Estado Novo, o Estado em si próprio, pelas suas características centralistas, condensa em si a ofensa, embora a vítima pudesse considera-se assistente, o que raramente aconteceu,

202

Garnel, Vítimas e Violências…pág. 26: ”O pensamento penal oitocentista, exemplarmente expresso no Código de Penal de 1852 e nas suas reformas (1884,

1886), […] subsumiu o papel do ofendido e, em seu lugar, colocou o Estado, verdadeiro corpo encarnador da Nação, agora considerado como a principal vítima dos delitos. Este foi um processo moroso que, sucessivamente, centrou a atenção no crime, depois no criminoso e na sua punição, mas nunca considerando a vítima uma preocupação prioritária.” 141

conforme apresentado neste estudo no subcapítulo acerca dos procedimentos processuais. Se os dados apontados pela nossa investigação são concordantes com os apontados por Garnel (2007)203 ao estudar as vítimas presentes no Instituto de Medicina Legal de Lisboa no quadro da Primeira República, já não podemos filiar as nossas conclusões nas que esta autora aponta, quer pelo tempo, mas sobretudo pelo espaço que esta estuda. As vítimas somam um total de 218 entidades institucionais e privadas, e no que a elas diz respeito, para além desta distinção entre pessoas e instituições, foram seguidos os mesmos parâmetros relativos aos réus, até para que algum paralelo possa ser estabelecido.

Gráfico 34. Natureza das vítimas.

Distinguindo-se as vítimas entre indivíduos particulares e instituições, os primeiros foram alvo de mais práticas alegadamente criminosas do que as instituições, numa percentagem de 88,1%, contra 11,9%, porque assumidamente em maior número. Explorando mais em detalhe, a natureza das instituições obtemos o seguinte quadro. Quadro 18. Identificação das instituições arroladas como vítimas. Respostas Instituição

Frequência

Percentagens

Asilo Vieira da Silva

1

3,8%

Cadeia de Braga

1

3,8%

Comissão Zeladora da Capela do Sr. do Rio- Palmeira

1

3,8%

CTT

1

3,8%

Direção Geral dos Serviços Hidráulicos

1

3,8%

Empresa privada

2

7,7%

Continua na pagina seguinte.

203

Garnel, Vítimas e violências… II parte, Capítulo 1. 142

Estado

1

3,8%

GNR

3

11,5%

Instituto mineiro industrial do Porto

1

3,8%

Intendência Geral dos Abastecimentos

6

23,1%

Membro do governo

1

3,8%

Misericórdia de Braga /Hospital de S. Marcos

1

3,8%

PSP

3

11,5%

Sindicato Nacional dos Motoristas

1

3,8%

Sindicato Nacional dos Profissionais de Enfermagem- Braga

2

7,7%

26

100,0%

Total

Far-se-á aqui uma análise dos percentuais do presente quadro, relacionando-os com os crimes cujo quadro se encontra no Anexo 8. A “Intendência Geral dos Abastecimentos” congrega 23,5% das ocorrências, sendo que se tratou de matanças clandestinas, vendas de bens deteriorados e contrabando. A gravosa situação económica em que viviam as populações, com baixos ou nenhuns rendimentos, criava as condições para que aqueles, dados a atos ilícitos, tivessem ali o ambiente propício à prática criminosa. Em iguais circunstâncias, em termos de percentuais das ocorrências, surgem as autoridades, PSP e GNR, com 11,5% cada uma, sendo que as injúrias, a desobediência, a difamação, mas também o desfalque dos cofres da GNR, por um agente, foram os crimes cometidos. As empresas privadas surgem com um percentual de 7,8%, cuja frequência é de dois casos, e os crimes têm a ver com desfalques. Com igual percentual surge o Sindicato da Enfermagem, com dois casos radicalmente diferentes, um desfalque e uma prática ilegal da atividade. As falsidades, as burlas, o contrabando, o furto, crimes de cariz mais material, económico, contrabalançam-se com as injúrias e difamações, isto no que diz respeito aos crimes cometidos contra instituições. Quanto às vítimas particulares, individuais, apresentam-se em seguida informações, seguindo a mesma metodologia que foi adotada para os réus. Há, porém, algumas considerações a fazer antes de avançar para a análise dos dados obtidos. O papel secundário que a vítima assume no processo, não obstante o facto de ter sido sobre si que recaiu o prejuízo do crime, levou a que o cuidado no registo dos elemntos identificativos fosse bem menor, pelo que a informação que temos é bem menor e de menor qualidade, pois bem, se no início do processo a vítima era analfabeta, noutros elementos já sabia ler e escrever, se nuns tinha nascido, por exemplo em Pousada, noutros era natural de Real. Houve por isso da nossa parte um cuidado particular na leitura dos processos, aferindo das omissões, mas sobretudo da falta de clareza da informação e tentando perceber qual a mais fiável, 143

registando-a na base de dados. Ainda assim os dados em falta mantiveram-se, conseguindo-se, apesar de tudo, uma amostra consistente. No que à situação face à maioridade diz respeito, os dados permitem traçar o seguinte gráfico.

Gráfico 35. Maioridade das vítimas ao início de processo.

No início do processo, 85,5% das vítimas era maior de idade contra 14,5% de menores, sendo que a vítima mais jovem tinha apenas 10 anos quando foi vítima de estupro consumado. Aliás no caso dos menores, são maioritariamente jovens, vítimas de estupro ou de tentativa de estupro, mas cujas condicionantes já atrás foram explicitadas, tendo frequentemente os casos sidos resolvidos com casamentos e penas suspensas. As idades das vítimas distribuem-se da seguinte forma: Gráfico 36. Distribuição das vítimas por categorias de idades.

A categoria “sem informação”, não sendo a de maior percentual, é porém de vulto, com 11,6%, percentgem que representa mais uma vez falha nos dados dos processos, e que comprova, também mais uma vez, a desvalorização da vítima enquanto pessoa. Independentemente da idade do ofendido, o 144

processo seguia o seu rumo, culminando, quando condenado o réu, quanto muito numa indemnização à vítima, o que nem sempre foi aplicado. Deve acrescentar-se que esta categoria, dúbia quanto ao seu conteúdo, se aproxima bastante dos valores máximos conseguidos por duas categorias, suplantando as restantes. Dos dados disponíveis, 14,5% têm até 17 anos, concordando com o gráfico anterior, 14,5% é também a percentagem de indivíduos cujas idades entram na categoria de “35 a 39 anos”, 11% de 24 a 29 anos, 9,8% de “40 a 44 anos” e 8,7% ”de 45 a 49 anos”. Não esquecendo nunca o percentual não negligenciável de vítimas de que desconhecemos a idade, podemos, com relativa segurança, concluir que o grupo das vítimas é tendencialmente mais velho que o grupo dos réus, sobre os quais dissemos que mais de metade da amostra teria menos de 29 anos. Comparativamente, e com os devidos cuidados, somadas as percentagens de todas as categorias de vítimas com mais de 30, temos que estas se cifram em 56,2%.

Gráfico 37. Distribuição das vítimas por sexos.

Se os réus eram maioritariamente masculinos, o mesmo se passa com as vítimas, sendo que 61,3% são homens contra 38,7% de mulheres. A sociedade fortemente masculinizada, em termos de funções e de direitos, faziam com o que o homem encarnasse a própria família. A enorme prevalência dos crime contra a segurança das pessoas revela em grande medida este posicionamento, porquanto que se os homens encarnam as ofensas que são feitas, não a si próprios, mas a elementos do seu agregado, por quem segundo a lei e a moral da época, numa lógica de vingança sobre os seus iguais. A tendência para a vingança com base na terra, nos bens e nas mulheres, aparece nesta abordagem aos processo do tribunal de Braga, como que transferida para as mãos do Tribunal, a quem cabe, pela denúncia do ofendido, repor a “honra”. Não há, na nossa amostra, melhor exemplo desta prática do que o do pai que se apresenta, não como responsável pela menor, mas como a própria vítima numa grande maioria dos casos de estupro. Contudo esta prática, para além de uma interpretação 145

sociológica tem reflexo na codificação penal, uma vez que o Código de processo Penal, no seu Art.º 408 impede que assistam ao julgamento menores de 18 anos, o que às mulheres se estendia até aos 21. A este propósito, pode ler-se no relatório de serviço de 1953, feito pelo Juiz Presidente do Círculo Judicial, o seguinte: “ O crime de estupro devida ser banido da nossa legislação e deviam ser punidas com prisão correcional todas as relações sexuais com menores de 21 anos. Isto poderá impressionar, mas parece-me só á primeira vista. […] se a própria não reconhece de modo geral capacidade para reger a sua pessoa e administrar os seus bens antes dos 21 anos, não se compreende que a lei não proteja as mulheres menores nos atos mais graves da sua vida pelas consequências morais e materiais pois que desse ato resultam para ela os encargos da procriação. É assim ela que deve ser protegida pela lei, e não o homem. Se a mulher fosse protegida sexualmente durante a sua menoridade é natural que chegada á maioridade tivesse a sua personalidade com melhor formação moral e não se visse tanta desgraça como se vê.”

Fazia o juiz considerações sobre os direitos das mulheres, tanto vítimas como rés, num quadro da análise do crime de estupro, mas referindo-se implicitamente à prostituição, ao infanticídio, entre outros204. Quanto ao estado civil das vítimas a distribuição é a seguinte:

Gráfico 38. Estado Civil das vítimas.

As vítimas apresentam-se em grande medida casadas, numa percentagem de 52%, os solteiros ocupam uma percentagem de 31,8%, viúvos 7,5%, divorciados 1,2%. Neste parâmetro a amostra revelouse deficitária, pelo que em 7,5% das vítimas não foi possível recolher dados sobre o estado civil. No que grau de alfabetização diz respeito, as vítimas caraterizam-se da forma que o gráfico expõe:

204

Enquadre-se esta passagem com o foi dito sobre a natureza dos crimes. 146

Gráfico 39. Nível de instrução das vítimas

Com as mesmas ressalvas feitas para os réus, de que a informação relativamente à instrução se limitava a saber assinar o próprio nome e nada mais, 60,7% das vítimas declararam saber ler e escrever contra 28,9% daqueles que se declararam analfabetos. A percentagem de falta de informação é aqui maior de 10,4%, não sabemos se por falta de cuidado na recolha da informação por parte das autoridades policiais e judiciais, ou se, por omissão voluntária, podendo significar maior vulnerabilidade e convergir para a desculpabilização do réu, pelo menos em parte. Não sendo possível aferir da viabilidade desta hipótese, permanecerá como tal. No que às categoria profissionais das vítimas diz respeito, a distribuição é a que a seguir o gráfico mostra. Gráfico 40. Distribuição das vítimas por categorias profissionais.

147

Relativamente à distribuição das vítimas por categorias profissionais, e antes de comentar as categorias profissionais de forma particular, um olhar para as duas categorias sem informação. Por um lado, a categoria “sem informação” propriamente dita, relacionada com a questão anteriormente discutida, e que assume nesta variável uma percentagem de 10,3%. Por outro, a menção “sem profissão” na categoria das vítimas, que tem neste caso a ver com o facto de existirem menores do sexo feminino, as quais na identificação nos apareceram “sem informação” ou então como domésticas- categoria “Serviços”, o que justifica a diferença de percentagens do gráfico 36, onde surgem com 14,5% e aqui, e partindo desta consideração, assumem 5,7%. A categoria dominante é a dos “Serviços”, cujas atividades incluídas são as presentes no Anexo 5a), salientando-se o que dito foi acerca das jovens menores no parágrafo anterior. Trabalhadores dos serviços que tantas vezes, pela sua condição de inferioridade, sobretudo social, se encontram mais vulneráveis e sujeitas a agressão, seja ela de que tipo for. Seguidamente aparece o grupo que se dedica ao “Comércio” com 16%, que lidando com bens e dinheiro ficavam vulneráveis, sobretudo quando uma enorme população de desocupados, com as necessidades mais básicas da vida por satisfazer e com tendência criminosa vagueavam pelas ruas. Os “serviçais e jornaleiros” com 14,4% envolvidos em atividades agrícolas, onde pelo muito que se diz e que faz, pelo que se tem eram facilmente envolvidos el lutas e rixas, ludibriados e explorados. As categorias “industriais” e “artesãos” detêm 7.7% das ocorrências, cada uma, e as razões que se podem encontrar para estas percentagens prendem-se com o que atrás foi dito relativamente às condições socioeconómicas daqueles que frequentavam as lojas e oficinas da cidade. A categoria de “agricultores/patrões” com 6.7% aparece também como vítima de burlas e de furtos e roubos, detentores de bens, que eram conhecidos, tornavam presas fáceis para a cobiça e daí para os atos ilícitos ia um pequeníssimo passo. Com 4,6% os profissionais liberais que também nos aparecem como vítimas, sobretudo por ostentarem riqueza num meio em que aqueles que nada tinham, mas que almejavam ter eram a maioria.

148

No que diz respeito à naturalidade das vítimas por concelhos do distrito de Braga, a distribuição é a seguinte. Gráfico 41. Naturalidade das vítimas por concelho do distrito de Braga.

No que à naturalidade pouco mais há a dizer sobre os 13,6% da categoria “Sem informação” que não tivesse sido ainda dito nos comentários anteriores. De forma que saber da naturalidade das vítimas não eram importante, pois uma identificação mínima era quanto bastava para o processo, não obstante os formulários terem lugar para que esta informação fosse recolhida o que não aconteceu sempre. 63,65 das vítimas declarou ser natural do concelho de Braga, 7,4% de fora do distrito, enquanto 6,2% eram originários de Vila Verde mais que os réus, mas menos vindos de Amares que surge nesta recolha com 1,1% dos dados, igual à Póvoa de Lanhoso. Com percentuais semelhantes aos dos réus Barcelos e Guimarães com 2,8% das vítimas naturais destes concelhos. As freguesias de naturalidade limitam-se, como para os réus, ao concelho de Braga. À semelhança do que foi feito anteriormente, inclui-se no anexo 9 o quadro com as frequências e as percentagens.

149

Mapa 4. Distribuição das vítimas por freguesias tendo em conta a sua naturalidade.

Neste parâmetro, a categoria “Sem informação” atinge um valor bastante elevado, 20,5%, pouco mais de um quinto da amostra, pelas razões atrás expostas. Comprova-se, pelas frequências e percentagens, o que dito foi relativamente aos exteriores ao concelho que totalizam 22,6%. A freguesia do concelho de onde eram originárias mais vítimas apurou-se ser Dume com 12 indivíduos o que corresponde a 6,3%. Lomar apresenta-se com 7 vítimas, daí naturais, e S. João do Souto, S. Lázaro e Nogueira com 5 vítimas, cada uma, sendo que as restantes apresentam percentuais muito baixos. No que diz respeito à categoria “morada das vítimas” o retrato traçado é o seguinte. Gráfico 42. Morada das vítimas por concelhos do distrito de Braga.

150

Se a naturalidade e outros parâmetros vistos anteriores pareciam ser marginais para o processo, no que diz respeito à morada assim não foi, pelo que se conseguiram recolher a totalidade dos dados referentes ao concelho. 88,9% das vítimas residia, à data do crime, no concelho de Braga, 4% fora do distrito. Vila Verde, de entre os concelhos limítrofes, é aquele que apresenta uma percentagem maior de vítimas aí residente com 2,5% da amostra, o que equivale a uma frequência de 2. Todos os outros são marginais, com 0,5% e 1%. A violência aparece aqui associada aos pares, uma vez que também no que diz respeito aos réus, Braga apresentava o maior percentual, sendo os restantes muito baixos. Os dados sobre a população dos censos, e estudados por Bandeira205, dão conta de um aumento da população do concelho de Braga nos anos 40, crescimento esse que vai manter-se até aos anos 60. Acrescendo a este facto a já retratada crise, que quase podemos classificar de falta de subsistência, vemos criadas as condições para o aumento da conflitualidade, do qual a criminalidade comunicada ao tribunal representará apenas uma pequena fatia, como estamos em crer. A sociabilidade existente quer no espaço urbano, graças ao tipo de estrutura habitacional, quer nas zonas rurais, é de forte vizinhança, estabelecendo-se quer num espaço, quer noutro, o desenvolvimento de comunidades fechadas, com espírito de solidariedade muito fortes, que facilmente oscilam entre a paz e o conflito generalizado. Para além disso, Braga enquanto local de passagem de bens e de pessoas, era terreno fértil para que “a necessidade aguçasse o engenho”, dizemos nós aguçasse o tecer de expedientes para obter o maior proveito com o menor esforço. Ao analisar as freguesias de morada das vítimas, cujos dados se encontram no anexo 10, temos o seguinte:

205

Bandeira, O espaço urbano de Braga… 151

Mapa 5. Distribuição das vítimas por freguesias tendo em conta a sua morada.

Tendo em conta os dados no quadro anterior, denota-se em primeiro lugar, e novamente, a desvalorização deste parâmetro na identificação da vítima, uma vez que a categoria “sem informação” acumula 8,8% dos dados relativos à amostra, aliás igual percentagem de vítimas que residem fora do concelho. Todas as freguesias apresentam percentuais baixos, de entre elas a mais elevada é S. Vicente com 13 vítimas residentes, equivalentes 6,7% do número total de vítimas, seguida de S. José de S. Lázaro com 12 e 6,2% de percentagem. Relembrar-se que em ambas as freguesias existem bairros sociais. Maximinos, Sé e Nogueira surgem com 8 vítimas, isto é, 4,1%, cada uma. Com 7 vítimas, equivalentes a 3,6%, as freguesias de Dume, Real. Todas as restantes, conforme se pode ver, apresentam frequências e percentagens abaixo destes valores, consequentemente, com baixa representatividade. À semelhança do que feito foi, também o cruzamento entre naturalidade e morada mostra as populações a movimentarem-se dentro da cidade. Como barómetro temos S. João do Souto que mantém os seus naturais como residentes. Dume perde habitantes de 6.3% de naturais para apenas 3,6% de residentes, Lomar igualmente de 3,7% para 3,1%. Ganham habitantes as seguintes freguesias Maximinos de 2,1% para 4,1%; Real de 2,1% para 3,1%; S. José de S. Lázaro de 2,6% para 6,2%; S. Vicente de 1,6% para 6,2%; S. Victor de 1,6% para 6,2% e a Sé de 1,6% para 4,1%. Os bairros sociais, o custo das habitações, o gosto pela urbanidade enquanto propiciadora de uma vida menos dura poderão estar na origem destas movimentações. 152

Dos tempos da justiça As dinâmicas da justiça são próprias, determinadas por regras, que tantas vezes escapam aqueles que as tentam executar. Da mesma forma, só quem nunca esteve com um processo judicial poderá dele falar com leveza, tamanha é a complexidade de cada um deles, mesmo que se trate de um volume pequeno, tantos são os pareceres, as mãos pelas quais passa. Todos esses procedimentos, uns mais necessários que outros, mas todos com o seu papel importante no mecanismo judiciário, fazem estender o processo judicial pelo tempo. A justiça não é um processo que possa ser imediato, o que poria em causa a sua justa aplicação. As condicionantes do crime, o peso dos fatores psicológicos, os julgamentos populares perpassariam para a esfera do judiciário, enviesando o resultado final. Assumindo como verdadeira a premissa do senso comum de que é necessário que “os ânimos se acalmem”, a aplicação da justiça manteve este caráter ambivalente, por um lado urgente e por outro com o seu tempo próprio. A questão dos prazos, que frequentemente se ultrapassam, é tida como verdadeira no presente, como o foi também no passado. Estes estavam definidos no Código Penal206 e no Código de Processo Penal207, por etapas de processo, e por diligência. Na análise dos dados, e sempre que estes o permitam, far-se-á a ponte a estes documentos. Num processo judicial todos os procedimentos são rigorosamente datados, segundo nos foi permitido perceber, pelo que se procedeu à recolha das datas dos momentos fundamentais de cada processo, a saber: 

Data do crime



Data da denúncia



Data do corpo de delito (ou processo de instrução preparatória)



Data de início de processo (querela, correcional ou polícia correcional)



Data da sentença

O primeiro ato processual, e no qual se baseia todo o processo é, como vimos, a denúncia. O Código Penal previa no seu Art.º 125º, ponto 4, parágrafo 3º: “Se, para haver procedimento criminal, for indispensável a queixa do ofendido ou de seus parentes, prescreverá o direito da queixa passados dois anos, se ao crime corresponder pena maior, e, passado um

206

Código

Penal

Português.

Nova

Publicação

Oficial

ordenada

por

Decreto

de

16

de

setembro

de

1886 ,

disponível

http://www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1866.pdf. 207

Código de Processo Penal: aprovado por Decreto-Lei nº 16 489 de 15 de fevereiro de 1929, Lisboa: Rev. de Legislação e de Jurisprudência, 1929. 153

em

ano, se a pena correspondente ao crime for pena correcional”.

Este prazo será reduzido para seis meses, no enquadramento das reformas levadas a cabo em 1954208. O primeiro quadro que apresentamos, nesta linha de pensamento mede o tempo entre a presumível prática de crime e a sua denúncia às autoridades. Quadro 19. Do crime à denúncia (intervalos de tempo) no mesmo dia mais 1 a 15 dias de 16 a 30 dias de 1 mês e 1 dia a 3 meses de 3 meses e 1 dia a 6 meses de 6 meses e 1 dia a 9 meses de 9 meses e 1 dia a 12 meses de 1 ano e 1 dia a 2 anos de 3 anos e 1 dia a 4 anos Total

Frequência 30 107 9 14 5 6 4 4 1 180

Percentagens 16,7 59,4 5,0 7,8 2,8 3,3 2,2 2,2 0,6 100,0

Pelos dados da amostra, as vítimas ou outrem em seu nome, como anteriormente explanado, apresentavam a denúncia do dia seguinte ao acontecimento e num prazo de quinze dias numa frequência de 107 casos, o que equivale a uma percentagem de 59,4%. Apenas 7,8% o fez no prazo “de 1 mês e um dia a 3 meses”, 5% de “16 a 30 dias” e apenas 1 na categoria de “3 anos e um dia a 4 anos”. Nas categorias intermédios as frequências estão entre 6 e 4 casos, conforme se pode verificar. A maior parte das vítimas na comarca de Braga denunciou o crime no próprio dia ou nos quinze seguintes, com uma percentagem acumulada de 76,1%, o que revela por um lado um fácil acesso aos agentes policiais e judiciais, por outro um reconhecimento de que a justiça poderia restabelecer a verdadeira ordem. As frequências diminuem conforme se avança no tempo, “3 meses e um dia até 6 meses” com 5 casos, “6 meses e um dia até 9 meses” 6 casos, a que correspondem percentuais de 2,8% e 3,3% respetivamente. Os restantes prazos, mais alargados, surgem com frequências ainda mais baixas, contabilizando totais, apenas em 9 casos a denúncia foi dada a mais de um ano da data do crime. Estes dados permitem ainda outras considerações, sobretudo no que diz respeito às frequências elevadas das primeiras categorias temporais. Para uma análise mais detalhada incluíram-se os dados 208

Correia, António Simões. Nova Reforma Penal, Decreto-lei nº 39.688, Dicionário de Legislação e Jurisprudência. Lisboa: Livraria Ferin, 1954.

154

totais, sem qualquer categorização em anexo209. A categoria com maior percentagem é a que congrega os crimes denunciados “mais de um dia até 15 dias”, quando desagrupados em dias os 107 casos, a que correspondem 59,7% da amostra, temos que 37 denúncias foram feitas no dia imediatamente após o crime, o que corresponde a 20,6%, 19 foram denunciados dois dias depois, o que equivale a 10,6%. Numa distância de 3 dias após o crime foram denunciados 13 crime, numa percentagem de 7,2%, 9 crimes denunciados 4 e 5 dias após o crime, respetivamente a 5% cada. Nas distâncias de 6 e 7 dias do crime, foram denunciados 5, valendo 2,8% na amostra cada. 8 dias após, 4 crimes, 2,2% e 9 dias após, 2 crimes, 1,1%. Os restantes dias até 15, uma denúncia em cada e 0,6%. O cruzamento com o crime cometido, cujo quadro se encontra em anexo210, permite perceber que os crimes que mais foram denunciados às autoridades no próprio dia em que aconteceram foram as ofensas corporais, com 10 denúncias, seguidas dos furtos com 5 denúncias. No dia seguinte ao crime e até quinze dias após, mais uma vez as ofensas corporais com 46 denúncias e os furto com 30. Em ambas as circunstâncias de categorias temporais e de tipo de crime estava obviamente em jogo a perda de prova, uma vez que as mazelas físicas ou os bens furtados dificilmente seriam atestados quanto maior fosse a distância temporal entre o ilícito e a sua denúncia. O tempo medido entre a denúncia e o início do processo de instrução no tribunal pode assumir já procedimentos policiais anteriores, conforme por nós apontado anteriormente com base nos relatórios de Inspeção do tribunal de Braga211, que poderiam ser ou não considerados suficientes. A distribuição é a seguinte, mantendo-se as mesmas categorias temporais definidas anteriormente. Quadro 20. Da denúncia ao Corpo de Delito (intervalos) no mesmo dia de 1 a 15 dias de 16 a 30 dias de 1 mês e 1 dia a 3 meses de 3 meses e 1 dia a 6 meses de 6 meses e 1 dia a 9 meses de 9 meses e 1 dia a 12 meses de 1 ano e 1 dia a 2 anos mais de 4 anos Total

209

Ver Anexo 11.

210

Ver Anexo 12.

211

Ver página 109.

Frequência Percentagens 63 35,0 85 47,2 10 5,6 9 5,0 2 1,1 4 2,2 1 0,6 3 1,7 3 1,7 180 100,0

155

A análise a fazer-se deste quadro é análoga ao anterior, uma vez que as categorias mais curtas de tempo, “no mesmo dia” e “de 1 a 15 dias” congregam respetivamente 35% e 47,2% da amostra. O procedimento decorreu de “16 a 30 dias” em 5,6% dos casos e “de um mês e um dia a 3 meses” em 5% das situações. Prescreve o Código de Processo Penal, no seu Art.º 167º que: “Os autos de notícia […] serão remetidos para juízo no prazo de cinco dias. […] § único. Se for indispensável proceder a diligências prévias ordenadas na lei, o prazo de cinco dias a que se refere este artigo começará a contar-se depois de findas essas diligências.”

Para que se possa mais facilmente apurar do cumprimento dos prazos estipulados pela lei, juntamos as frequências relativas e estes dados, e respetivas percentagens em anexo (ver Anexo 14). Do confronto dos dados com a letra da lei, pode afirmar-se que uma elevada percentagem de casos correu dentro do prazo dos cinco dias, num total de 129 processos que correspondem a 71,7%. Os restantes 28,3%, não obstante a duração do procedimento, como se pode ver no quadro acima, ter atingido prazos alargados de mais de quatro anos estavam a coberta da lei, que deixava espaço para as diligências mais dilatadas no tempo. A celeridade dos procedimentos poderá justificar-se pela exigência da própria legislação penal, mas também por outros fatores que se prendem com o carater urbano da comarca, com a existência de boas vias de comunicação em termos de estradas propriamente ditas e de bons procedimentos que facilitavam a comunicação entre as autoridades. A presença e ação célere dos diferentes contingentes policiais poderá ter também contribuído para levar a cabo rapidamente as diligências necessárias à elaboração do processo de averiguações anterior ao procedimento judicial. Conforme vimos anteriormente212, os processos chegavam frequentemente a Tribunal providos de investigação feitas pelas autoridades polícias. Acresce dizer que o tipo de criminalidade menor, que carateriza a comarca de Braga, como já patenteado neste estudo, poderia constituir-se como um elemento facilitador das investigações. Mais, quando vimos na análise das moradas dos intervenientes que os locais problemáticos, bem como os indivíduos, estavam bem identificados, conforme pudemos constatar pela existência de um ficheiro nos arquivos do Tribunal, elaborado ao longo dos anos, com os indivíduos implicados em crime, fossem condenados ou não. Será de crer que nas polícias tal também existisse.

212

Ver página 109. 156

Outra das medidas de tempo estipuladas pelo Código de Processo Penal 213 é a da duração do Corpo de Delito. Segundo o predisposto neste normativo, no seu Art.º 337º: “A instrução do processo deverá ultimar-se no prazo de três meses a contar do conhecimento da infração em juízo, se lhe corresponder processo de querela; no prazo de dois meses, se lhe corresponder processo correcional; e no de um mês, se for o de polícia correcional ou o de transgressão. § 1º Este prazo poderá ser prorrogado por igual espaço de tempo por despacho fundamentado. § 2º Quando se tiver procedido a instrução contraditória, aos prazos estabelecidos neste artigo acrescerão os prescritos no artigo 334º. § 3º Quando a instrução não se puder concluir nos prazos prescritos neste artigo e seus §§ 1º e 2º, o juiz fará constar dos autos os motivos da demora, para o que o escrivão lhe fará o processo imediatamente concluso.”

Predispunha ainda o Art.º 334º, respeitante à instrução contraditória que o prazo podia ser alargado em dois meses para a querela, um mês para o processo correcional e vinte dias para o polícia correcional, se este procedimento fosse necessário. A distribuição dos processos, que a seguir se apresenta, mede a duração do corpo de delito e a distribuição destes por tipo de processual. Quadro 21. Duração do corpo de delito, por tipo processual. (intervalos)

Tipo de Processo

Total

Querelas

Polícia Correcional

Correcionais

no mesmo dia

0

0

1

1

de 1 a 15 dias

4

5

7

16

de 16 a 30 dias

11

7

7

25

de 1 mês e 1 dia a 3 meses

13

35

23

71

de 3 meses e 1 dia a 6 meses

18

8

14

40

de 6 meses e 1 dia a 9 meses

8

4

5

17

de 9 meses e 1 dia a 12 meses

2

0

2

4

de 1 ano e 1 dia a 2 anos

2

1

1

4

de 3 anos e 1 dia a 4 anos

1

0

0

1

mais de 4 anos

1

0

0

1

60

60

60

180

Seguindo o ordenamento previsto na legislação penal, far-se-á a análise por tipos processuais. Relativamente às querelas, vinte e oito das sessenta que compõem a amostra decorreram dentro do prazo legal estabelecido, o que equivale a quase metade. Aquando da recolha dos dados, não fizemos o

213

Código de Processo Penal: aprovado por Decreto-Lei nº 16 489 de 15 de fevereiro de 1929, Lisboa: Rev. de Legislação e de Jurisprudência, 1929. 157

registo daquelas que tiveram instrução contraditória, por não nos parecer tão determinante quanto agora. Porém, aventando a forte hipótese de tal se ter verificado, e juntamos em anexo mais uma vez as frequências214. Continuando a análise nesta linha de pensamento, se juntarmos o prazo estabelecido no Art. 334º, que dilatava o prazo por mais dois meses, acrescem mais 12 querelas, o que poderá perfazer 40 processos de querela cujo corpo de delito correu dentro do determinado. Vinte querelas correram fora de prazo. No que concerne aos correcionais, a que a lei dava, como vimos 2 meses, ou seja sessenta dias, 25215 correram dentro dos prazos legais, aos quais acrescem, no quadro da assumida eventualidade da aplicação do Art. 334º, prorrogação de mais 30 dias, isto é 3 meses, perfazem como o quadro mostra 35 dos 60 processos analisados deste tipo. Disto resultam 25 processos que não correram dentro do prazo que a lei determinava. Já no que toca aos processos polícias correcionais, apenas 12 foram concluídos nos 30 dias consignados na lei, juntando-lhe os previstos no Art. 334º216, totalizam 23, sendo que os restantes correram fora de todos os prazos legais estabelecidos, o que ascender a 47 aqueles ultrapassaram os limites temporais. Razões que podem apontar-se prendem-se com o efetivo apuramento dos factos, com a audição de testemunhas, com a fuga dos resumíveis réus, de que resultava a impossibilidade até de recolher um depoimento inicial (o que acontecia muitas vezes também durante o processo). Aliás, esta circunstância dos prazos legais que se ultrapassavam no decurso dos corpos de delitos foi apontada pelo Inspetor ao tribunal de Braga, que em relatório de 1995 afirmou “… muitos dos preparatórios crimes não foram concluídos nos prazos legais, mas está sobejamente demonstrado que tal prazo não é suficiente na generalidade dos casos.”

217

O que poderá inclusive demonstrar que esta não era uma realidade apenas do tribunal de Braga, mas de âmbito mais alargado. A rapidez da aplicação da Justiça é entendida em grande medida pelo tempo que demora entre o crime e o momento em que o presumível culpado é presente a tribunal. Julgamos então ser relevante medir esta distância temporal, muito embora ela não fosse prevista. Quando se mede esta distância, uma vez que esta medida de tempo engloba a denúncia, o processo de averiguações das autoridades policiais, 214

Ver Anexo 13.

215

Ver Anexo 14.

216

Ver Anexo 14.

217

Autos de inspeção aos serviços do Tribunal de Braga de 27 de Julho de 1955, Conselho Superior Judiciário. 158

que muitas vezes era aceite pelo juiz de instrução, o também não era muito frequente acontecer, sendo necessárias outras ações desencadeadas pelo juiz de instrução que depois faria o processo transitar em julgado, distribuindo-se por querelas, policia correcionais e correcionais. O quadro abaixo mostra o tempo entre o crime e o início de processo. Quadro 22. Do crime ao início de processo. Frequência

(intervalos)

Percentagens

de 1 a 15 dias

5

2,8

de 16 a 30 dias

19

10,6

de 1 mês e 1 dia a 3 meses

63

35,0

de 3 meses e 1 dia a 6 meses

43

23,9

de 6 meses e 1 dia a 9 meses

22

12,2

de 9 meses e 1 dia a 12 meses

8

4,4

de 1 ano e 1 dia a 2 anos

15

8,3

de 2 anos e 1 dia a 3 anos

2

1,1

de 3 anos e 1 dia a 4 anos

1

0,6

mais de 4 anos

2

1,1

180

100,0

Total

Ora, tendo isto presente, apenas em 2,8% dos casos tal pode ser feito num prazo de 15 dias, 10,6% correu entre “16 a 30 dias”, a maior percentagem, 35%, transitou num prazo máximo de três meses e 23,9% de 3 a 6 meses. “De 6 meses e um dia a 9 meses demoraram 12,2% dos processos e 8,3% de “1 ano e um dia a dois anos”. De “2 anos e um dia a 3 anos” com 1,1%, a mesma percentagem para “mais de quatro anos” e “de 3 anos e um dia a 4 anos” com 0,6%. De chamar à atenção que alguns processos têm logo à partida prazos de denúncia muito alargados após o crime e que condicionam, de forma inequívoca a distribuição pelas categorias temporais. Assim, 13,4% dos processos teve o seu início até um mês após a ocorrência do crime, mas de alargarmos esta medida até 6 meses, acumulam-se 72,3%, independentemente do tipo de processo, ou da gravidade presumida do crime.

159

Quanto ao procedimento processual, o Código de Processo Penal218 não define um limite temporal genérico, mas subdivide-os em múltiplas fases, prevendo, para cada uma delas, exceções. As distâncias temporais do processo são as seguintes: Quadro 23. Duração do processo (intervalos)

Frequência Percentagens

de 1 a 15 dias

6

3,3

de 16 a 30 dias

12

6,7

de 1 mês e 1 dia a 3 meses

61

33,9

de 3 meses e 1 dia a 6 meses

56

31,1

de 6 meses e 1 dia a 9 meses

20

11,1

de 9 meses e 1 dia a 12 meses

11

6,1

de 1 ano e 1 dia a 2 anos

12

6,7

de 2 anos e 1 dia a 3 anos

1

0,6

de 3 anos e 1 dia a 4 anos

1

0,6

180

100,0

Total

A maior percentagem, 33,9% está na categoria de “1 mês e um dia a 3 meses” em que correram todos os procedimentos, atrás descritos, bem como o julgamento e leitura de sentença. Com 31,1% de “3 meses e um dia a 6 meses”, o que somado com o anterior perfaz 65% da amostra, daí que segundo o relatório de serviço de 1959219, concordante com o 1958220, o Tribunal tem os processos em dia, o que não é exatamente concordante com a Estatística, que aponta que muitos são os processos que transitam de uns anos para outros e se prolongam no tribunal de Braga. Muito provavelmente, a estatística vê aqueles encontrados na nossa amostra, que se arrastaram “de 9 meses a um ano” numa percentagem de 6,7% ou os de “1 ano e um dia a 2 anos” também com 6.7% da amostra, e ainda as duas outras categorias que ascendem a 4 anos, mas com frequência baixa. Como estes processos selecionados, outros existiriam, não se podendo contudo comprovar nem uma, nem outra versão, até porque já se viu que se regiam por critérios diferentes, conforme foi discutido na parte relativa à estatística oficial. Relativamente a este facto, duas considerações. A primeira delas tem a ver com os processos que transitam para o ano seguinte, e que podem ser de facto processos cujas diligências se prolongam no tempo, mas também processos entrados nos últimos meses do ano, e cujo prazo legal dos procedimentos estava ainda válido. A outra consideração prende-se com a premissa de que a Justiça, e no caso, os

218

Código de Processo Penal: aprovado por Decreto-Lei nº 16 489 de 15 de fevereiro de 1929, Lisboa: Rev. de Legislação e de Jurisprudência, 1929.

219

Arquivo do Tribunal de Braga - Secretaria, “Relatório relativo a 1959”.

220

Arquivo do Tribunal de Braga - Secretaria, “Relatório relativo a 1958”. 160

processos judiciais funcionam num contínuo, não se extinguindo no final de cada ano civil. Assim os pendentes para o ano seguinte podem demonstrar outra realidade, que não a do atraso, mas de movimento intenso dos dois juízos da vara crime da comarca de Braga. Para além destas, os “frequentes” adiamentos221, apontados nos relatórios de Inspeção a que fomos fazendo inúmeras referências, e que a lei limitava, mas que assumiam uma realidade constante e frequente, recorrendo-se aos expedientes previstos na lei para o fazer, desde atestados de doença dos réus e dos ofendidos, alteração do rol de testemunhas, uma vez que só pela sua ausência não era permitido222 qualquer adiamento por este motivo. Não obstante todos os números de quantitativos de processos por prazos, em 1958223, conforme já tinha sido feito em 1952224, o relatório de serviço feito pelo Juiz que presidia ao tribunal da Comarca de Braga apontava: “Nos meus anteriores relatórios, pus sempre a dúvida de ser possível obter a rápida normalização do serviço (…) Hoje, porém, - e com bem compreensível prazer o faço, não pelo que representa para mim, senão pelo que de útil e benéfico se terá assim carregado para o prestígio dos Tribunais e para o bem das partes – é-me lícito informar Vossa Excelência de que o serviço deste círculo Judicial pode considerar-se normalizado.”

221

222

225

Ver página 80. Código de Processo Penal: aprovado por Decreto-Lei nº 16 489 de 15 de fevereiro de 1929, Lisboa: Rev. de Legislação e de Jurisprudência, 1929, Art.º

418º, Art.º 419º, Art.º420. 223

Arquivo do Tribunal de Braga - Secretaria, “Relatório relativo a 1958”.

224

Arquivo do Tribunal de Braga - Secretaria, “Relatório anual dos serviços judiciais do 1º Juízo do Tribunal da Comarca de Braga relativo a 1952”.

225

Referia-se o juiz não só à Comarca de Braga, mas a todo o Círculo judicial também sobre a sua alçada e de que fazem parte os tribunais de Braga, Amares,

Póvoa de Lanhoso, Vieira do Minho, Vila Verde e Terras do Bouro. 161

Conclusão … Voltar a fechar, atar o nó e pensar na “estória” e na História do processo. Foi esse caminho que se procurou percorrer neste estudo, reconhecendo num processo judicial todas as dinâmicas nele envolvidas, das leis e dos homens, dos pensamentos e dos atos. De um pedaço da história de uma vida num momento particular da História de Portugal, em pleno Estado Novo. O meio judicial apresenta-se como um somatório de várias realidades, respondendo idealisticamente às aspirações da sociedade, mas congregando visões antropológicas, sociológicas, mas sobretudo políticas. Num plano mais alargado podem entender-se as medidas tomadas no plano judicial, como medidas que visavam um fim maior, finalidade mais clara no quadro da Ditadura Militar e do Estado – Novo, a da constituição de um novo modelo social, a afirmação de uma sociedade, que não conseguindo evitar o crime, o punia de forma exemplar, como que a servir de exemplo para os demais como forma dissuasora. Por outro lado, a justiça aparece “encenada” em formulários e procedimentos que, controlados pelo Estado, sustentam uma unidade nacional. Segundo o afirmou o Ministro da Justiça, Manuel Rodrigues Júnior226, responsável não só por reformas na área da Justiça, mas também pela construção do próprio ideário do Estado Novo, em 1933: “Portugal é um Estado Novo, estado progressivo, consciente dos seus próprios destinos, convicto do seu ressurgimento; a justiça que o serve é hoje digna de o servir, pela independência, estudo e dignidade dos seus juízes, e pelo sentido que conduz e anima aqueles que nos serviços da justiça colaboram – é uma Justiça Nova.”

É no âmbito da aplicação dessa nova justiça, como vimos no presente estudo num contínuo de desenvolvimento, de consolidação de medidas e de maior controlo por parte do Estado sobre os atores judiciais e sobre a população que se inscreveu o estudo de nível local levado a cabo na comarca de Braga para o período de 1940 a 1959. Esta investigação tentou demonstrar o quadro criminal da comarca, partindo não só da documentação judicial preservada, processos - crime de vários tipos – querelas, correcionais e polícias correcionais - mas também das estatísticas judiciais oficiais disponíveis, dos relatórios do Conselho Superior Judiciário e de documentação interna do Tribunal. O cruzamento das fontes revelou-se de mais-

226

Manuel Rodrigues Júnior, A justiça no Estado Novo, Introdução, V – IX, Lisboa: Empreza Juridica Editora, 1933. 162

valia, ao longo de toda a investigação, permitindo aqui e ali fazer contrapontos, assumir concordâncias e distanciamentos entre as visões dadas pelos diferentes conjuntos documentais, com vista a um fim último, a caraterização do crime e da criminalidade em Braga. Concordamos, por isso, com Vaz (1998)227 quando diz, a propósito do valor histórico das estatísticas judiciárias, “É por isso sempre previdente que o historiador não baseie as suas conclusões numa única fonte, sobretudo quando se trata da estatística de algo tao difícil de apreender como o crime. Elas não nos dão a exacta medida do nível do crime, pois são o produto da convergência de duas variáveis: a delinquência efectiva e a capacidade de controlo por parte do Estado, sempre mais direcionada para as ações que a sociedade elege como as mais perigosas.”

A consolidação do quadro legislativo-penal do Estado Novo consubstanciou-se num extenso conjunto de leis, a observar pelos agentes judiciários, prevendo-se, escrupulosamente, procedimentos e etapas a serem observadas. Queria-se um juiz executor de leis feitas para os cidadãos, peças de um jogo em que o Estado era a encarnação da ordem, mas que incorporava também o dano provocado pelo ilícito criminal. Neste sentido insere-se o reforço do Ministério Público e das polícias junto das populações e dos tribunais, e da forte vigilância feita aos serviços, conforme o comprovam os Relatórios de Serviço à Relação e os Relatórios de Inspeção ao Tribunal. Num plano mais formal, o dos procedimentos judiciais assiste-se a uma normalização dos mesmos, evidenciada pela aplicação de leis e pela utilização de formulários comuns a todo o sistema judicial, numa prática que se queria cada vez mais uniforme, limitando-se também a ambiguidade por detrás das decisões judiciais, embora esta existisse, sobretudo quando se leem as sentenças, onde proliferam as considerações de ordem social e até humanitária na consideração da gravidade do ilícito criminal. Numa apreciação aos resultados, estes permitiram lançar um olhar mais incisivo sobre a criminalidade, deixando-se antever, com as devidas diferenças sobretudo no que toca à escala, uma concordância com dados que podem ser considerados tendências nacionais, sendo prevalentes os crimes contra a integridade das pessoas, destacando-se as ofensas corporais simples seguidos dos crimes contra a propriedade, mais concretamente os furtos e roubos. No que às gentes diz respeito, são maioritários os réus do sexo masculino, jovens, com menos de trinta anos, oriundos de classes socioeconómicas mais baixas, ligados primordialmente a atividades oficinais, com pouca, ou nenhuma, formação escolar, sabendo pouco mais do que assinar o nome. Não obstante o quadro geográfico e temporal que distancia este estudo de outros, como vimos atrás, Vaquinhas (1990), Vaz (1998), Garnel (2007), Esteves (2011), a caraterização dos intervenientes feita por estas, mantém-se, grosso modo, também na nossa amostra, o que patenteia o conservadorismo

227

Vaz, Crime e Sociedade… 117. 163

presente na sociedade portuguesa de então. Num quadro geográfico caraterizado pela enorme ruralidade da envolvente, a cidade de Braga é, nos anos 40 e 50 do século XX, uma cidade ocupada por gentes que a ela acorrem como local de passagem, mas sobretudo como oportunidade de melhoria das condições de vida, isto numa conjuntura de forte crise económica motivada pela II Guerra Mundial, mas também pelas enormes dificuldades económicas internas, e que a nossa amostra deixa antever, não só pela caraterização dos indivíduos, réus e vítimas, mas também pela manifesta incapacidade em pagar os custos da justiça – impostos, multas- e até indemnizações. Os crimes refletem também esta realidade, sendo que tantas vezes o produto de um furto servia para minorar a miséria, para suprir as necessidades básicas dos indivíduos e das suas famílias. Da mesma forma, a luta surge quer pela proximidade dos indivíduos, quer por bens materiais, ou melhor pela míngua destes. As respostas encontradas a nível superior para uma população, em crescendo de número e de miséria, traduzem-se pelo crescimento dos bairros sociais um pouco por toda a cidade, não resolvendo, porém, nem os focos de degradação, nem os da criminalidade identificados. Os resultados da nossa amostra comprovaram a existência de facto de zonas potencialmente criminosas, bem como se tornou, de alguma forma visível, a movimentação de pessoas dentro do espaço urbano para esses locais, a saber, as freguesias da Sé, de S, Vítor, com o bairro Social de Araújo Caranda, o de S. Vicente com o do Areal, entre outros. Uma atenção particular sobre as vítimas de crimes, assunto que apenas vimos tratado por Garnel (2007). Os dados recolhidos permitem traçar um quadro socioecónomico em tudo semelhante aos dos réus, sendo que a distribuição por sexos é mais equitativa, em grande medida por a mulher ocupar um papel, tradicionalmente de maior fragilidade, até porque são vítimas de crimes sexuais. As fontes coevas, nomeadamente um dos relatórios de serviço do Tribunal dirigidos ao Conselho Superior Judiciário por nós consultados, põem a nu, não só a condição da mulher perante a justiça, e perante a sociedade, mas indicia também um quadro de relativa promiscuidade, de “falta de moral”, de miséria humana e cuja passagem transcrevemos228. Um outro aspeto, a que já fizemos referência, mas cuja relevância determina que voltemos e ele, é o facto de o crime, tido como violência ser exercido sobre os pares, isto é, vítimas e réus são frequentemente moradores nas mesmas freguesias da comarca, sendo que os primeiros se tornam mais vulneráveis, na medida em que os agressores conhecem as suas rotinas e também as suas fragilidades, sejam de ordem moral, física ou material. A natureza das vítimas foi também tida em consideração, tornando-se visível que as instituições

228

Ver subcapítulo “Dos crimes”. 164

surgem também como alvo do ilícito criminal, sobretudo aquelas relacionadas com bens, como a Intendência Geral dos Abastecimentos. O assunto do tempo na justiça foi também por nós tratado. A Justiça, assumida empiricamente como lenta, desenhou-se a partir da nossa amostra, em contraponto com os normativos legais, nomeadamente o Código de Processo Penal de 1929, um sucessivo de prazos e de excepções aos mesmos, que justifica muitas das delongas que se puderam constatar. Ainda assim, e por força de todos os condicionalismos que pendiam sobre os tribunais em geral, e os juízes em particular, os processos que compõem a nossa amostra correram dentro de um tempo que mediou, entre o crime o seu julgamento, no máximo 9 meses, o que ao nosso olhar, do presente para o passado nos parece aceitável. As fontes da época, relatórios de inspeção e de serviço por nós referenciados, dão conta de um atraso imputado aos juízes e ao tribunal de Braga, colmatado nuns anos, agravado noutros, mas sempre justificado pela complexidade processual. Também no que concerne a esta temática a nossa abordagem é apenas ilustrativa e nunca comparativa, uma vez que as estatísticas judiciárias são mudas sobre tal, assim como não conseguimos encontrar nenhuma obra historiográfica onde este tema figure. Neste ponto destas últimas considerações, uma palavra mais sobre o muito que a documentação estudada ainda permitiria. Num registo mais qualitativo dos dados presentes nos processos, os testemunhos – das vítimas, dos réus e das testemunhas de ambas as partes - merecem-nos particular destaque pela enorme riqueza que contêm em termos do conhecimento das dinâmicas sociais, mas também enquanto reflexo de um quadro politico fortemente condicionador de todas as facetas da sociedade, e que neste estudo foi incluído enquanto ligeiro apontamento. Outro elemento também só aflorado foi o das sentenças do juiz e pareceres do Ministério Público, e porque não incluir também os registos da ação das autoridades policiais, e que contêm informação importante, mas cujo estudo integral ultrapassava em muito o âmbito deste estudo, tendo servido apenas para sustentar os dados da amostra, não constituindo variável em estudo autónomo. Para encerrar, por agora, este estudo, resta dizer que o campo da Justiça nas suas múltiplas facetas tem ainda muito por fazer e por aprofundar, tanto a nível local, como num enquadramento mais lato.

165

Documentação e Bibliografia

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Vol. 2. Ordem, direitos individuais e defesa da sociedade. Coord. Fátima Moura Ferreira, Francisco Azevedo Mendes, José Viriato Capela, 109-124. Braga: CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória», outubro de 2011. Vasconcellos, José Leite de. O archeologo português: collecção illustrada de materiais e noticias/

Museu Ethnographico Português. Red. J. Leite de Vasconcellos, 375-379, vols. 1-13. Lisboa: Imprensa Nacional, 1905. Vaz, Maria João. Crime e Sociedade – Portugal na segunda metade do século XIX. Oeiras: Celta Editora, 1998. Vaz, Maria João. “Documentação judicial e a criminalidade oitocentista”. Em Olhares cruzados entre

arquivistas e historiadores. Mesas redondas na Torre do Tombo. 71-76. Lisboa: IAN/TT, 2004. Vaz, Maria João. “Gatunos, vadios e desordeiros. Aspetos da criminalidade em Lisboa no final do século XIC e início do século XX”. Em Lei e ordem: justiça penal, criminalidade e polícia: (séculos XIX-XX). Coord. Pedro Tavares de Almeida e Tiago Pires Marques, 89- 103. Lisboa: Livros Horizonte, 2006. Vaz, Maria João. “Criminalidade em Lisboa da Monarquia Constitucional à República: continuidades e rupturas” em Justiça na Res Publica (Sécs. XIX-XX). Vol. 2. Ordem, direitos individuais e defesa da

sociedade. Coord. Fátima Moura Ferreira, Francisco Azevedo Mendes, José Viriato Capela, 203-220. Braga: CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória», outubro de 2011.

176

 

Anexos

177

Anexo 1. Portaria nº 1003/99, de 10 de novembro, Ministérios da Justiça e da Cultura, Diário da República nº 262, págs. 7904 a 7911, acedido pela última vez em setembro de 1012, disponível em http://www.dgaj.mj.pt/DGAJ/sections/files/legislacao/leg-arquivos-tribunais/02port10031999 /downloadFile/file/02PORT10031999.pdf?nocache=1177095035.67 (excerto)

178

179

180

181

182

Anexo 2. Estatísticas da Justiça – Justiça penal, Boletim Processo Crime, mod. 303/GPLPMJ/DSEJ (2003.05).

183

Anexo 3. Dados das estatísticas judiciárias relativas ao distrito de Braga Distrito de Braga 1940 1941 Querelas pendentes a 1 de Janeiro iniciados Findos pendentes para o ano seguinte total 76 86 Correcionais pendentes a 1 de Janeiro iniciados Findos pendentes para o ano seguinte total 221 287 Polícia correcionais pendentes a 1 de Janeiro iniciados Findos pendentes para o ano seguinte total 865 840 Sumários pendentes a 1 de Janeiro iniciados Findos pendentes para o ano seguinte total 0 0 Transgressões pendentes a 1 de Janeiro iniciados Findos pendentes para o ano seguinte total 710 1189 Corpos de Delito pendentes a 1 de Janeiro iniciados Findos pendentes para o ano seguinte total 1 2440 2372 Total processos 4312 4774

1942 1944

1948

1950

1951

1952

1953

120 99 97

126 142 150

118 102 145

130 125 131

124 101 99

126 142 128

84 138 118

115 120 133

131 228

118 268

135 280

124 255

126 225

140 268

101 219

103 236

330 380 311

384 471 510

345 398 302

345 348 389

304 409 349

364 382 419

164 242 197

264 221 253

0

369 680

345 855

351 653

304 693

364 713

327 746

209 406

232 485

347 740 1320 1434 1141 1318

859 1593 1456

1173 1586 1740

838 1371 1438

750 1283 1438

595 1408 1187

816 774 1002 1591 1979 1362 1465 1902 1414

526 856 1667 2174

996 2452

1019 2759

751 2189

595 2033

316 1503

942 851 950 2407 2753 2364

9 62 67

2 26 26

2 31 32

1 21 21

1 30 28

3 90 87

12 99 100

16 73 65

2 28

1 33

1 22

3 31

6 93

11 111

24 89

0

0

0

1954 1956 1958

0

0

4 71

127 609 466

280 574 499

401 906 990

561 1411 1503

465 1378 1281

554 1577 1551

780 1663 1373

1070 1860 1546

0 0 0

0 0 0

270 736

356 855

320 1310

469 1972

562 1843

780 2331

1070 2443

1384 2930

0 0

0 0

677 2107 2565 3018 1957 2386

4420 6646 8479

3024 8008 8014

2903 7282 7998

2104 3739 3709

2224 3498 7939

2783 1572 1068 9131 4007 3685 9107 2307 1865

1285 2739 2587 3018 2187 2134 2783 2807 1529 1309 3242 5125 11066 11032 10185 5843 10722 11914 3836 3174 5645 8154 15807 16914 15183 11177 15637 18358 7325 6348

184

Anexo 4. Quadros de Categorização dos dados da Base a) Profissões Categoria

Profissões

Sem profissão declarada; Desempregado; estudante

Sem profissão

Comerciante; Empregado Comercial; vendedor ambulante; Empregado de escritório; farrapeira; sucateira; negociante; ajudante de farmácia; cabreiro; regateira.

Comércio

Alfaiate; Doméstica; Costureira; meretriz - prostituta; carrejão; engraxador; quinquilheiro; varredor; motorista; magarefe; Cauteleiro; mecânico; barbeiro; lavadeira; contabilista; carteiro; empregado de mesa; guarda-soleiro; corretor;

Serviços

maleira; ferroviário; funcionário público; Fiscal dos Impostos da Câmara Municipal. Lavrador

Agricultores

Jornaleiro; Lavrador-caseiro; serviçal

Serviçais

Engenheiro; proprietário; médico; enfermeiro

Liberais

Entalhador; sapateiro; chapeleiro; marceneiro/ carpinteiro; ferreiro; estofador; tecedeira; cesteiro; ourives.

Artesãos

Industrial; serralheiro; caiador; metalúrgico; vulcanizador; tipógrafo; estucador; operário fabril; pedreiro; carvoeiro; capataz de minas; serrinha; taxinha; litógrafo; chapeiro; mineiro; polidor; trolha. Padeiro; peixeira; cortador de carnes verdes/talhante.

Industriais Indústria alimentar

b) Crime Crimes

Categoria do Código Penal Injúrias e violências contra as autoridades públicas, resistência

Desobediência; resistência à autoridade.

e desobediência

Falsas declarações; falsificação; exercício ilegal de enfermagem

Das falsidades

Caça e pesca proibidas

Das armas, caças e pescarias defesas Dos jogos, lotarias, convenções ilícitas sobre fundos públicos e

Jogos de Azar

abusos em casas de empréstimos sobre penhores

Especulação

Do monopólio e do contrabando

Ofensas corporais, ofensas corporais e morais; homicídio voluntário, homicídio involuntário, homicídio frustrado, infanticídio, ameaças, embate,

Dos crimes contra a segurança das pessoas

atropelamento, aborto, introdução em casa alheia. Estupro, tentativa de estupro

Dos crimes contra a honestidade

Ultrajes à moral, ameaças, ofensas morais.

Dos crimes contra a honra, difamação, calúnia e injúria

Furto, roubo

Do furto, do roubo e da usurpação de coisa móvel

Burlas, abuso de confiança.

Das quebras, burlas e outras defraudações

Dano

Do incêndio e danos Da violação das leis sobre inumações e da violação dos

Matança Clandestina

túmulos e dos crimes contra a saúde pública

185

Anexo 5. Distribuição dos processos pelo tipo de crime. Crimes Aborto Abuso de confiança Ameaças Ameaças e ultrajes à moral Atropelamento e transgressões Burla Caça e pesca proibida Dano Desobediência Embate Especulação Especulação e falsas declarações Estupro Exercício ilegal de enfermagem Falsas declarações Falsificação Furto Furto e falsas declarações Furto e falsificação Homicídio frustrado Homicídio Involuntário Infanticídio Introdução em casa alheia Jogo de Azar Matança clandestina Ofensas morais Ofensas corporais Ofensas corporais e morais Resistência à autoridade Roubo Tentativa de Estupro Ultrajes à moral Total

Frequência Percentagens 1 0,6 9 5,0 1 0,6 1 0,6 1 0,6 6 3,3 1 0,6 3 1,7 2 1,1 2 1,1 3 1,7 1 0,6 15 8,3 1 0,6 1 0,6 2 1,1 44 24,4 1 0,6 1 0,6 1 0,6 3 1,7 1 0,6 1 0,6 1 0,6 2 1,1 3 1,7 60 33,3 3 1,7 1 0,6 1 0,6 1 0,6 6 3,3 180 100,0

186

Anexo 6. Distribuição dos réus por freguesias do concelho de Braga tendo em conta a morada e o local do crime. Freguesia de morada dos réus Sem informação fora do concelho Adaúfe Arcos Arentim Aveleda Cabreiros Celeirós Cividade Crespos Dume Espinho Esporões Ferreiros Figueiredo Fraião Frossos Gondizalves Gualtar Lamaçães Lamas Lomar Maximinos Mire de Tibães Morreira Navarra Nogueira Padim da Graça Palmeira Panoias Pedralva Penso (Santo Estevão) Priscos Real Ruílhe S. João do Souto S. José de S. Lázaro S. Mamede Este S. Paio de Merelim S. Pedro de Merelim S. Pedro de Oliveira S. Pedro d'Este S. Vicente S. Victor Sé Semelhe Sequeira Sobreposta Sta Lucrécia de Algeriz Tadim Tebosa Tenões Vilaça Vimieiro Total

Local do crime Meio Urbano Meio Rural 4 0 23 13 0 6 2 0 0 9 0 1 1 0 0 5 7 0 0 7 3 11 0 1 0 2 4 2 0 4 2 1 0 7 0 1 0 2 0 1 0 2 1 2 8 0 0 3 1 0 1 1 0 5 0 2 0 10 0 5 0 2 0 1 0 2 8 3 0 7 3 2 29 1 0 3 0 6 0 1 0 1 0 2 12 1 17 3 29 5 3 1 0 5 1 0 0 1 2 1 0 1 0 2 0 1 0 2 161 157 187

Total 4 36 6 2 9 1 1 5 7 7 14 1 2 6 4 3 7 1 2 1 2 3 8 3 1 2 5 2 10 5 2 1 2 11 7 5 30 3 6 1 1 2 13 20 34 4 5 1 1 3 1 2 1 2 318

Percentagens 1,3% 11,3% 1,9% 0,6% 2,8% 0,3% 0,3% 1,6% 2,2% 2,2% 4,4% 0,3% 0,6% 1,9% 1,3% 0,9% 2,2% 0,3% 0,6% 0,3% 0,6% 0,9% 2,5% 0,9% 0,3% 0,6% 1,6% 0,6% 3,1% 1,6% 0,6% 0,3% 0,6% 3,5% 2,2% 1,6% 9,4% 0,9% 1,9% 0,3% 0,3% 0,6% 4,1% 6,3% 10,7% 1,3% 1,6% 0,3% 0,3% 0,9% 0,3% 0,6% 0,3% 0,6% 100%

Anexo 7. Distribuição dos réus por freguesias do concelho de Braga tendo em conta a sua naturalidade. Naturalidade dos réus (Freguesias)

Frequências

Fora do concelho Adaúfe Arentim Aveleda Cabreiros Celeirós Cividade Crespos Cunha Dume Esporões Ferreiros Figueiredo Fraião Frossos Gondizalves Gualtar Lamas Lomar Maximinos Mire de Tibães Morreira Navarra Nogueira Nogueiró Padim da Graça Palmeira Panoias Parada de Tibães Pedralva Penso (S. Vicente) Priscos Real Ruílhe S. João do Souto S. José de S. Lázaro S. Julião de Passos S. Mamede Este S. Paio de Merelim S. Pedro de Merelim S. Pedro de Oliveira S. Pedro d'Este S. Vicente S. Victor Sé Semelhe Sequeira Sobreposta Sta Lucrécia de Algeriz Tadim Tebosa Tenões Vilaça

Percentagens 94 8 7 1 1 6 2 6 2 14 4 4 3 1 6 3 4 3 2 6 2 1 2 4 1 2 8 6 3 1 1 2 10 5 11 24 1 3 1 2 1 3 3 15 9 3 4 2 1 3 4 2 1 318

Total

188

29,6% 2,5% 2,2% 0,3% 0,3% 1,9% 0,6% 1,9% 0,6% 4,4% 1,3% 1,3% 0,9% 0,3% 1,9% 0,9% 1,3% 0,9% 0,6% 1,9% 0,6% 0,3% 0,6% 1,3% 0,3% 0,6% 2,5% 1,9% 0,9% 0,3% 0,3% 0,6% 3,1% 1,6% 3,5% 7,5% 0,3% 0,9% 0,3% 0,6% 0,3% 0,9% 0,9% 4,7% 2,8% 0,9% 1,3% 0,6% 0,3% 0,9% 1,3% 0,6% 0,3% 100,0%

Anexo 8. Crimes de que foram vítimas Instituições

Categorização do Crime pelo Cadeia de Código penal Braga Injúrias e violências contra as autoridades públicas, resistência e desobediência 0 Das falsidades 0 Das armas, caças e pescarias defesas 0 Dos jogos, lotarias, convenções ilícitas sobre fundos públicos e abusos em casas de empréstimos sobre penhores 0 Do monopólio e do contrabando 0 Dos crimes contra a segurança das pessoas 0 Dos crimes contra a honra, difamação, calúnia e injúria 0 Do furto, do roubo e da usurpação de coisa móvel 0 Das quebras, burlas e outras defraudações 0 Do incêndio e danos 1 Da violação das leis sobre inumações e da violação dos túmulos e dos crimes contra a saúde pública 0 Total 1

Intendência Asilo Vieira Geral dos da Silva Abastecimentos GNR

Sindicato Nacional Misericórdia de dos profissionais Braga /Hospital de de EnfermagemS. Marcos Braga

PSP

Comissão Zeladora da Sindicato Capela Nacional do Sr. do dos RioCTT Motoristas Palmeira

Direção Geral dos Serviços Hidráulicos

Instituto mineiro Membro industrial Empresa do do Porto privada governo Estado Total

0 0

0 0

2 0

0 0

0 0

0 1

0 0

0 0

0 0

0 0

0 0

0 0

0 1

0 0

2 2

0

0

0

0

0

0

1

0

0

0

0

0

0

0

1

0 0

0 4

1 0

0 0

0 0

0 0

0 0

0 0

0 0

0 0

0 0

0 0

0 0

0 0

1 4

0

0

0

1

0

0

0

0

0

0

0

0

0

1

2

0

0

0

1

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

1

1

0

0

1

0

0

0

1

0

1

1

1

0

0

6

0 0

0 0

0 0

0 0

1 0

1 0

0 0

0 0

1 0

0 0

0 0

1 0

0 0

0 0

3 1

0 1

2 6

0 3

0 3

0 1

0 2

0 1

0 1

0 1

0 1

0 1

0 2

0 1

0 1

2 25

189

Anexo 9. Distribuição das vítimas por freguesias do concelho de Braga tendo em conta sua naturalidade. Freguesias de Naturalidade das Vítimas Sem informação fora do concelho Adaúfe Arcos Arentim Aveleda Cabreiros Celeirós Cividade Crespos Dume Escudeiros Esporões Ferreiros Fraião Frossos Gondizalves Gualtar Lamas Lomar Maximinos Mire de Tibães Morreira Navarra Nogueira Padim da Graça Palmeira Panoias Pedralva Penso (Santo Estevão) Priscos Real Ruílhe S. João do Souto S. José de S. Lázaro S. Pedro de Oliveira S. Vicente S. Victor Sé Sequeira Sobreposta Sta Lucrécia de Algeriz Tebosa Vilaça Total

190

Frequências 39 43 4 1 1 1 3 1 1 2 12 2 1 2 2 1 2 3 1 7 4 1 1 2 5 2 3 2 1 2 4 4 3 5 5 1 3 3 3 1 1 1 2 2 190

Percentagens 20,5% 22,6% 2,1% 0,5% 0,5% 0,5% 1,6% 0,5% 0,5% 1,1% 6,3% 1,1% 0,5% 1,1% 1,1% 0,5% 1,1% 1,6% 0,5% 3,7% 2,1% 0,5% 0,5% 1,1% 2,6% 1,1% 1,6% 1,1% 0,5% 1,1% 2,1% 2,1% 1,6% 2,6% 2,6% 0,5% 1,6% 1,6% 1,6% 0,5% 0,5% 0,5% 1,1% 1,1% 100,0%

Anexo 10. Distribuição das vítimas por freguesias do concelho de Braga tendo em conta a sua morada. Freguesias de Morada das Vítimas Sem informação fora do concelho Adaúfe Arentim Aveleda Cabreiros Cividade Crespos Dume Escudeiros Esporões Ferreiros Frossos Gualtar Lamas Lomar Maximinos Mire de Tibães Navarra Nogueira Padim da Graça Palmeira Panoias Pedralva Penso (S. Vicente) Priscos Real Ruílhe S. João do Souto S. José de S. Lázaro S. Paio de Merelim S. Pedro d'Este S. Vicente S. Victor Sé Semelhe Sequeira Sobreposta Sta Lucrécia de Algeriz Tadim Tenões Vimieiro

Frequências 17 17 3 1 4 2 3 1 7 2 2 6 1 2 1 6 8 3 2 8 1 6 2 2 2 5 7 3 5 12 1 1 13 12 8 1 5 3 4 1 3 1 194

191

Percentagens 8,8% 8,8% 1,5% 0,5% 2,1% 1,0% 1,5% 0,5% 3,6% 1,0% 1,0% 3,1% 0,5% 1,0% 0,5% 3,1% 4,1% 1,5% 1,0% 4,1% 0,5% 3,1% 1,0% 1,0% 1,0% 2,6% 3,6% 1,5% 2,6% 6,2% 0,5% 0,5% 6,7% 6,2% 4,1% 0,5% 2,6% 1,5% 2,1% 0,5% 1,5% 0,5% 100,0%

Anexo 11. Do crime à denúncia. (em dias) Número de dias

Frequência 30 37 19 13 9 9 5 5 4 2 1 1 1 1 1 2 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 2 1 1 1 1 1 1 1 1 2 1 1 1 1 1 1

Percentagens 16,7 20,6 10,6 7,2 5 5 2,8 2,8 2,2 1,1 0,6 0,6 0,6 0,6 0,6 1,1 1,1 0,6 0,6 0,6 0,6 0,6 0,6 0,6 0,6 0,6 0,6 0,6 0,6 0,6 0,6 0,6 0,6 0,6 0,6 0,6 0,6 1,1 0,6 0,6 0,6 0,6 0,6 0,6 0,6 0,6 1,1 0,6 0,6 0,6 0,6 0,6 0,6

180

100

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 11 12 14 15 16 18 20 21 23 24 30 34 35 39 40 44 45 52 53 56 58 63 66 72 76 96 106 114 153 188 190 204 229 232 253 282 284 334 370 395 537 539 1096 Total

192

Anexo 12. Distribuição dos crimes pelas categorias de tempo- Do crime a denúncia. Crime Categorizado pelo Código Penal Aborto Abuso de confiança Ameaças Ameaças e ultrajes à moral

de 16 a 30 dias

de 1 mês e 1 dia de 3 meses e 1 dia a a 3 meses 6 meses 1 0 3 0 0 0 0 0

de 6 meses e 1 dia a 9 de 9 meses e 1 dia de 1 ano e 1 dia de 3 anos e 1 dia a meses a 12 meses a 2 anos 4 anos 0 0 0 0 2 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0

0 1 0 0

de 1 a 15 dias 0 2 1 0

Atropelamento e transgressões Burla Caça e pesca proibida Dano Desobediência

1

0

0

0

0

0

0

0

0

1

0 0 2 0

3 0 1 1

0 1 0 1

1 0 0 0

1 0 0 0

0 0 0 0

0 0 0 0

1 0 0 0

0 0 0 0

6 1 3 2

Embate

1

1

0

0

0

0

0

0

0

2

Especulação Especulação e falsas declarações Estupro Exercício ilegal de enfermagem Falsas declarações Falsificação Furto Furto e falsas declarações

3 1

0 0

0 0

0 0

0 0

0 0

0 0

0 0

0 0

3 1

1 0

3 0

2 0

2 0

2 0

3 1

2 0

0 0

0 0

15 1

0 1 5 0

1 0 30 0

0 0 2 0

0 1 4 0

0 0 0 0

0 0 0 0

0 0 1 0

0 0 1 1

0 0 1 0

1 2 44 1

Furto e falsificação Homicídio frustrado

0 1

0 0

0 0

0 0

1 0

0 0

0 0

0 0

0 0

1 1

Homicídio Involuntário Infanticídio Introdução em casa alheia Jogo de Azar Matança clandestina

1 0 0 0 0

2 1 1 1 1

0 0 0 0 0

0 0 0 0 0

0 0 0 0 0

0 0 0 0 0

0 0 0 0 1

0 0 0 0 0

0 0 0 0 0

3 1 1 1 2

Ofensas morais

0

3

0

0

0

0

0

0

0

3

Ofensas corporais Ofensas corporais e morais Resistência à autoridade

10 0 0

46 3 1

2 0 0

2 0 0

0 0 0

0 0 0

0 0 0

0 0 0

0 0 0

60 3 1

Roubo Tentativa de Estupro Ultrajes à moral

1 0 1 30

0 1 4 107

0 0 0 9

0 0 0 14

0 0 1 5

0 0 0 6

0 0 0 4

0 0 0 4

0 0 0 1

1 1 6 180

Totais

no mesmo dia

0 0 0 1

193

Total 1 9 1 1

Anexo 13. Da denúncia ao Corpo de Delito. (em dias) Número de Dias

Frequências

Percentagens

0

63

35,0

1

28

150,6

2

12

6,7

3

10

50,6

4

9

5,0

5

7

3,9

6

3

1,7

7

3

1,7

8

2

1,1

9

2

1,1

10

4

2,2

11

1

0,6

12

3

1,7

13

1

0,6

21

1

0,6

22

4

2,2

27

1

0,6

29

3

1,7

30

1

0,6

34

1

0,6

35

1

0,6

39

1

0,6

54

1

0,6

55

1

0,6

56

1

0,6

64

1

0,6

79

1

0,6

85

1

0,6

99

1

0,6

130

1

0,6

202

1

0,6

227

1

0,6

234

1

0,6

266

1

0,6

365

1

0,6

366

1

0,6

378

1

0,6

443

1

0,6

1827

1

0,6

2574

1

0,6

23010

1

0,6

180

100,0

Total

194

Anexo 14. Duração do Corpo de Delito por tipo de processo. (em dias) Tipo de Processo Número de Dias 0 2 4 7 8 9 10 12 14 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 32 34 36 39 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 55 56 58 59 63 64 65 66 69 70 71 72 73 75 77 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 92 95

Querelas

Total

Polícia Correcional 0 0 0 0 3 1 0 0 0 1 1 1 0 0 2 1 0 1 1 2 1 0 0 0 0 1 0 0 1 1 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 0 2 0 0 0 0 1 0 1 1 0 0 1 0 0 0 0 0 0 1 0 1 0 0

Correcionais 0 1 1 0 0 1 1 0 1 1 1 0 1 1 1 0 1 0 0 1 0 0 2 2 1 0 1 0 0 1 2 1 0 0 1 1 2 2 1 0 2 1 1 0 3 2 0 1 1 0 1 1 0 0 0 2 0 1 0 0 1 1 1 0

195

1 1 0 1 0 1 1 1 2 5 0 2 1 2 2 2 1 2 1 3 0 2 0 1 0 1 2 3 1 4 0 1 1 2 1 2 1 2 0 3 0 1 1 1 1 3 0 2 1 2 1 2 0 1 1 1 0 1 0 2 1 3 0 1 1 1 1 1 0 1 1 2 0 3 0 2 0 1 1 2 0 2 1 4 0 1 1 1 0 3 0 2 0 1 0 1 1 3 0 1 1 2 1 2 0 1 1 1 1 1 1 3 1 1 0 1 1 1 2 3 1 2 0 2 0 1 1 1 Continua na página seguinte.

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1 1 0 1 1 0 1 1 0 1 0 0 1 1 1 0 0 0 0 1 1 0 0 0 1 1 0 0 1 0 0 0 1 1 1 0 0 1 0 1 0 1 1 1 0 1 1 0 1 0 2 0 0 0 1 0 1 1 1 60

0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 0 1 0 0 1 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 1 1 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 60

196

1 0 1 0 0 1 0 0 1 0 1 1 0 0 1 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 0 1 1 1 0 0 0 1 0 0 1 0 0 0 0 1 0 0 0 1 0 1 0 1 1 0 0 1 0 0 0 60

2 1 1 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 2 1 2 1 1 1 1 1 1 2 1 1 1 1 1 1 1 1 180

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