O Homem Que Comprava Vidas

  • November 2019
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  • Words: 5,255
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O Homem Que Comprava Vidas.

Sinopse.

J. Carlos é dono de uma Editora um tanto quanto estranha. Ele compra e publica histórias para o que ele chama de: Outro Mundo. William acaba de concluir seu sexto romance. Desanimado e desencantado com a carreira de escritor, envia mais uma vez uma série de Originais para as Editoras. Tudo o que espera é os eventuais avisos de não-aceitação. Mas na manhã de Primeiro de Março recebe um telefonema animado, mas intrigante: J. Carlos gostaria de comprar a sua História.

Prefácio.

Só quem escreve pode descrever bem como é o processo de criação literária. É algo que vem de dentro de você. Confesso que às vezes sinto que há alguém sussurrando em meus pensamentos. Pode até parecer estranho isso, mas sinto que há histórias que precisam ser contadas. E nós somos os instrumentos de tal missão. Quando eu tinha 6 ou 7 anos, lembro que entrei no quarto de minha mãe, dizendo que tinha encontrado um amigo secreto e que ele se chamava Brother. Ainda não sabia o que significava tal palavra e depois vim a descobrir que era Irmão. Meu irmão mais velho faleceu logo após o parto. Quem sabe não seja ele o verdadeiro Raphael Michael.

Capítulo 1.

Desencantado. Era tudo o que resumia William. Seu Pseudônimo, usado durante todos aqueles desacelerados dias, não conseguira publica sequer um único livro. Não tinha recursos, tampouco motivação e confiança, para bancar uma Edição própria. Morava no Subúrbio de uma grande cidade e trabalhava em uma pequena empresa de retratos. Precisaria, quem sabe, de dez encarnações idênticas para lançar um número considerável de livros. Ele fez o que sempre fazia. Enfiou uma dúzia de originais em um envelope pardo e remeteu às Editoras. No armário guardava todas as recusas. Esperava um dia mostrar sentir satisfação ao saber que o esforço valera à pena. De todas as Editoras, havia remetido a uma nova. Achara seu nome em um jornal local e sentiu certo interesse. - Quem sabe desta vez vai. – brincou com o mesmo rapaz que postava seus livros ao longo dos anos. Na verdade, o rapaz já se tornara um homem, mas William não tivera ânimo para reparar. Pagou a quantia devida, agradeceu com um olhar triste e partiu rumo ao que chamava de: Medíocre rotina. Pensava no dia de seu Chefe vê-lo estampado na Capa de importantes revistas e jornais. Um sonho que se tornava cada vez mais distante.

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Capítulo 2.

A resposta veio antes de uma semana o que o causou estranheza. O telefone tocou antes mesmo de ele acordar e ao outro lado da linha uma voz rouca e forte chamara por seu nome. - Quem deseja? – perguntou ainda procurando dormir. - William, foi você quem nos enviou o Original de “Apesar de Tudo”? William teve tempo de pensar. Poderia ter escolhido um título melhor? Apesar de Tudo retratava a história de um triste homem o qual perdera a esposa de câncer e agora se via prostrado na cama implorando a Deus que o levasse ao conforto de sua amada. Um tema melancólico e não muito diferente dos demais. Mas a cada recusa, sua inspiração também parecia se recusar a sair, como uma forma tácita de dizê-lo que desistir nem sempre era o fim da linha para uma vida. Voltando à realidade, e ao telefone, ele logo respondeu em afirmativo. - Nós gostamos muito do livro. Gostaríamos de encontrá-lo. William logo pulou da cama. Sentiu seu coração saltar do peito e uma ponta de esperança surgiu em seu ânimo. - Estou à disposição. - Você tem o endereço? Ele tinha o mesmo que enviara a correspondência, mas não se lembrava de onde o havia colocado. Mesmo assim arriscou com a sorte: Claro que tenho. - Hoje, daqui à uma hora. Há possibilidades? Hoje? Uma hora? Eram 6 da manhã. Quem pensaria marcar um encontro às 7 da manhã com uma hora de antecedência? Mesmo assim consentiu. Pegava no trabalho às 9, o que sobraria tempo para a conversa. - Podemos tomar um café juntos. – disse J. Carlos. - Ótimo. - Com açúcar ou adoçante? Pergunta estranha. Mas irrelevante, pensou. - Tanto faz. – respondeu dando de ombros. - Fechado então. Até daqui a pouco.

Capítulo 3.

O lugar era indescritível. Primeiro, que nem de perto se parecia com uma Editora. Em segundo, que a casa, de tão mal conservada lutava para manter-se de pé. Acima um letreiro bem apagado indicava que estava no lugar certo. Pensou no mesmo instante em voltar para casa. Mesmo assim ponderou. Já havia gasto o dinheiro da passagem e não lhe custaria nada tomar um café. Com adoçante ou sem. William abriu uma enferrujada porta de metal e passou por um estreito corredor. Ao final uma porta bege de madeira indicava o primeiro cômodo da casa. Vazio. - Olá. – disse tentando chamar a atenção. - Pode entrar. – gritou uma voz vinda de um dos cômodos.

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Ele passou por três ou quatro salas vazias até chegar à sala de J. Carlos. Não havia visto um livro sequer e não era surpresa o fato de sua sala conter apenas uma mesa de madeira e um armário vazio. J. Carlos apontou para uma cadeira. Sobre sua mesa o original enviado por William. - Incrível sua história. – disse J. Carlos levando a mão a sua barba grisalha. – Incrível. – repetiu com mais ênfase. – Adorei a forma como você maltrata o personagem principal. Maltrata? A história havia terminado. O tempo do verbo seria “maltratou”. Irrelevante, julgou mais uma vez. - Fiz o café que combinamos. Veja se está bom. – disse J. Carlos enchendo uma xícara e entregando-o. William mantinha-se calado, confuso com tal situação inusitada. - Qual o nome do senhor? – perguntou enquanto segurava a xícara. - J. Carlos. – disse estendendo a mão para um aperto. - O senhor gostou mesmo do Original? – perguntou dando um gole em um café amargo. - Amei. – falou batendo com a mão na mesa. – Adorei. Amei. Espetacular. Não vejo a hora de fecharmos um contrato. - Mas, qual a forma de distribuição? Publicidade? J. Carlos soltou uma leve risada seca. - Você não percebeu? - O quê? – perguntou largando o copo em cima da mesa. - Tudo ao seu redor. Era óbvio que havia reparado. - Nós não distribuímos. Não da forma usual. Tampouco publicamos. William dobrou sua cabeça para o lado contraindo os lábios com gosto de café. - Então acho que estou no lugar errado. – falou fazendo menção de que se levantaria da cadeira. - Espere. – disse calmamente J. Carlos estendendo sua mão. – Você nem mesmo escutou a minha proposta. William manteve-se em silêncio. - Eu quero comprar este Original de você. – disse calmamente. - Os direitos? - A História! - Você já tem a História. Não precisa comprá-la. - Não, meu caro William. Não é assim que as coisas funcionam. Não conosco. O mesmo silêncio contrafeito. - Você é o dono da história. Você é o criador. Eu quero comprá-la de você e depois torná-la real. - Real? – disse imaginando estar-se diante de um louco. - Isto! Eu vendo livros para o Outro Mundo. - Que outro mundo? - O que você não consegue enxergar. Seria incapaz de explicá-lo. - Besteira. – falou ficando-se de pé. - Duzentos mil reais. O que acha? William tornou a sentar. - É uma brincadeira? - Duzentos mil em dinheiro. Eu o pago, a porta se abre e o negócio se encerra. Mas saiba que seus direitos sobre a história se encerram por aqui.

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- Você é louco? – perguntou o que tanto queria. - Eu compro histórias. Pareço louco? Quer ou não fazer negócio? - Onde está o dinheiro? J. Carlos tirou da gaveta duzentos mil reais em notas de cem e os colocou na mesa. Os olhos de William brilharam. Nunca havia visto tanto dinheiro. - Negócio fechado? – disse estendendo a mão para o último aperto. - Você é maluco. Mas se está me oferecendo dinheiro espero que seja lícito. Por mim o negócio está concretizado. - Mas fui claro ao que disse? Seu papel se encerra AQUI. A história é sua. Sempre será. Mas você não tem o direito de alterá-la. NUNCA. William colocou os duzentos mil no bolso, apertou a mão de J. Carlos e sem nada dizer deixou a casa. Havia vendido seus originais por duzentos mil reais. O que estava acontecendo? Nunca ganharia tanto dinheiro nem com boas vendas em uma grande Editora. Mas era melhor deixar tudo para trás. Esconderia o dinheiro em sua casa e caso fosse procurado negaria qualquer contato com J. Carlos.

Capítulo 4.

Os meses se passaram e nada aconteceu. Sua vida voltou à rotina normal. Mas agora podia circular com um carro mais novo e reformar sua casa. Os anúncios de J. Carlos continuavam a aparecer no jornal. Que tipo de homem era ele? Um vendedor de contos para o Além? Um milionário excêntrico? Um ano se passou e o dinheiro acabou. William nunca pensara que fosse capaz de gastar tão rápido duzentos mil reais. Sua vida voltou a ficar complicada e num lance de devaneio teve a idéia de escrever outro Romance. Virou noites a fio. Escreveu uma história triste. Bem mais do que a outra. Ao final não se preocupou em enviar às Editoras. Movido por um sentimento de ganância tornou a procurar J. Carlos. - O bom filho a casa torna! – brincou. – Adorei ainda mais seu último livro. Você está se tornando cada vez melhor. - Quanto? – perguntou secamente. - Cinqüenta mil. - Cinqüenta? Você disse que o livro está melhor? - O mercado não anda lá essas coisas. – explicou-se. William meneou a cabeça em afirmativo. Antes o que era oferecido do que nada ter além de dívidas. O título de seu livro era “Sonhos perdidos” e contava a história de um jovem paralítico. Do ponto de vista literário a obra realmente tinha mais valor. Ele colocou mais uma vez a quantia no bolso e desapareceu da casa. Como da outra vez: o dinheiro logo acabou. *** William então se tornou um quase sócio freqüentador da casa de mistérios de J. Carlos. Chegava a vender um livro por mês com histórias cada vez mais dramáticas. Em um ano conseguiu juntar quase um milhão de reais. Em poucos anos abandonou o emprego e dedicou-se apenas à literatura. Seja lá onde fosse o tal Outro Mundo ele deveria ser bem famoso.

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Por vezes tentara arrancar de J. Carlos mais informações, mas tudo o que recebia era dinheiro. Deveria ter desconfiado, mas ao contrário, mudou-se para uma casa no bairro nobre, comprou um carro do ano e viveu uma vida serena, conflitando-se apenas com seus personagens noturnos.

Capítulo 5.

Casou-se, teve duas lindas filhas e manteve seu negócio informal. Certo dia, de tanto ganhar decidiu parar de escrever. Não mais encontrava ânimo para passar uma noite em claro ou o dia imaginando qual seria a próxima história. J. Carlos não demonstrou descontentamento algum. Apenas apertou sua mão, tomou um café, como faziam há anos, e pagou-lhe pela última vez. - Um dia terei a oportunidade de conhecer este tal de Mundo que tanto fala? – foi sua última pergunta. J. Carlos riu sem parar. - Que Mundo? – perguntou. - Para onde minhas histórias vão. - Ah, sim. O Outro Mundo. Infelizmente creio que não. E felizmente espero que não. - Por que espera que não? - Acho que muitas pessoas lá não gostam de você. Não acha? - O que eu as fiz? - Escreveu sobre suas vidas. Ditou seu destino. As criou. - Você continua o mesmo louco. – disse dando um sorriso irônico. - E você o mesmo ganancioso. *** Encerrados os negócios William notou uma pequena diferença. Os anúncios haviam desaparecido do jornal. J. Carlos poderia ter se aposentado ou se mudado para outra região. Quem sabe a graça teria acaba. Eram tantas as indagações que melhor seria manter-se distante de tais pensamentos. Agora tinha tudo o que sonhara.

Capítulo 6.

A campainha tocou. Sua pequena filha correu para atender e logo chamou pelo nome do pai. William caminhou em passos lentos à porta até deparar-se com um rapaz, de poucos cabelos e com um profundo olhar de tristeza recheado pelas olheiras que cobriam seu rosto. - William? – perguntou com uma voz serena. - O que deseja? - Podemos conversar por um minuto? - Sobre? - Podemos?

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- Claro. – disse saindo de casa e fechando a porta logo atrás. Eles caminharam por um belo pasto verde até uma vista que dava para toda a cidade. O homem respirava o ar frio e não demorou a explicar sua visita. - Gostaria de ter minha esposa de volta. Tal frase causou um calafrio em William. Esposa de volta? - Não estou entendendo. – disse levantando uma de suas sobrancelhas. - Tenho certeza que está. Você a matou. Penso que pode trazê-la de volta. - Quem é você? - Você me criou. Por que fez isto? Por que foi tão cruel comigo? O que eu fiz? - Meu amigo, eu acho que você está falando com a pessoa errada. O homem segurou seu braço com força e fitou-o com um tom ameaçador. – Você ama sua família? Eu não tenho nada a perder. - Você não é do Outro Mundo? - Eu paguei. – respondeu. - Pagou? Como assim? - Paguei por esta história. - A quem? - A J. Carlos. A cabeça de William estava tão confusa que mal conseguia manter-se de pé. - Mas como? Ele é deste Mundo. – disse sentindo-se um louco por proferir tais palavras. Ele nunca havia acredito em tal Mundo e nem pretendia acreditar. - Ele é um Editor. Ele tem passe livre para caminhar pelas Dimensões. - Não me venha com besteiras! - Isto não é besteira, doutor William! Como o senhor acha que as vidas se desenvolvem? Todos precisam de um escritor! De um criador! - Então você está dizendo que não é dono do próprio destino? Que fui eu quem escreveu toda a sua vida? - Não toda. Mas foi você quem ditou as regras. Por que você fica doente, doutor William? - Eu não sou doutor. - Todos os escritores são doutores. Em nosso mundo. Responda-me. Por que você morreria de câncer de pulmão se nunca fumou? Por que teria uma filha de três anos atropelada e morta por um bêbado? - São fatalidades. - Escritas pelo senhor. Eu apenas quero minha esposa de volta e sei que posso consegui-la. - E então você retornará para o seu Mundo? - Não doutor William. Então eu me suicidarei. Tenho apenas 17 anos. Esperei 17 anos para encontrá-lo. Hoje completo 18. - Eu não posso alterar a história. Eu a vendi. - Pois a compre de volta! - J. Carlos sumiu. A quem pagarei? Espere, espere! Que loucura! - Por favor, doutor William. - Vou ver o que posso fazer por você. - Prometa me ajudar? William virou as costas e caminhou de volta para sua casa. Atordoado não acreditava em tal encontro. Parecia sonhar e queria acordar a qualquer minuto.

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Capítulo 7.

Em casa trancou-se em seu escritório e procurou a história daquele homem. Ele havia guardado uma cópia de todas. Logo a achou. Com as folhas amarelas fora escrita exatamente há alguns anos. Sua primeira história. Nela a mulher morria de câncer. Um câncer inexplicável. Mas ele não mudaria tal história. Por mais louco que parecesse não queria correr risco algum. De seu bolso tirou um isqueiro e nele queimou todo o original. Queimou-o e jogou no lixo. Livrar-se de vez daquele personagem sem alterar em nada a história. Não havia rompido nenhuma barreira contratual. No dia seguinte comprou uma arma no Centro e carregou-a consigo dia e noite. Mas o pobre homem nunca tornou a aparecer. Não ele. *** William tornou a procurar a tal casa, que continuava abandonada. Adentrando-a nada encontrou além dos mesmos móveis vazios. Perguntou a alguns vizinhos por J. Carlos, mas eles garantiam que não o viam há anos. Cansado retornou ao seu lar, onde passou a noite com toda a sua família.

Capítulo 8.

Não se passou um mês sequer e William foi novamente procurado. Desta vez, descansava à beira de um lago quando foi abordado por outro rapaz. - Doutor William? Ele logo viu que teria problemas. - Não. – respondeu sem olhar o rapaz que se sentou ao seu lado. - Você poderia me fazer voltar a andar? Não demorou a William lembrar-se do que se tratava. De um jovem que se tornara paraplégico em um acidente de carro. - Você não está andando? – perguntou. Não adianta disfarçar sua identidade. - O senhor entendeu. Poderia me ajudar? - O que você quer? - Apenas andar. - Tudo bem. – respondeu com um sorriso ao rosto. No mesmo dia a noite entrou em seu escritório, trancou a porta e queimou toda a história. Com ela queimou todas as outras fazendo uma fogueira no jardim. - O que você está fazendo amor? – perguntou sua esposa. - Estou queimando alguns papéis. – disse sentindo-se aliviado por se livrar de todos os seus personagens. – Já vou para casa. - Tudo bem. É que acabou de ligar um rapaz querendo falar com o Doutor William. Achei estranho te chamarem por tal nome. Ele deixou um número para retornar. Desesperado William tentou se lembrar se havia se esquecido de algum romance. Todos tinham sido queimados. Ele tinha certeza. Mesmo assim: quem tornava a procurar o Doutor William?

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Capítulo 9.

Ao telefone ele marcou um encontro com o rapaz em um lugar bem movimentado. Às dez horas em ponto os dois haviam chegado. William esperava ansioso pelo que ele tinha a dizer. - O que você quer de mim? Algum parente de volta? Voltar a andar? Enxergar? O que? - Quero meu irmão de volta. - Ele está em qual livro? - Não está em nenhum livro. Não seu. Você o matou, Doutor William. Há muitas pessoas furiosas. Sua segurança corre perigo. - Bobagem. - É muito difícil encontrarmos quem escreveu a nossa história. Mas infelizmente você fez um acordo com J. Carlos. Ele joga para os dois lados. Não é confiável. - Que maluquice! – gritou levantando-se. – Em qual história está o seu irmão? Irei escrevê-la novamente. Torná-lo milionário e o dar mais de 100 anos de vida e saúde. - Você faria isto por mim? - Com uma condição. - Qual? - Quero que você me diga como vou para este tal de Outro Mundo. Quero me encontrar com J. Carlos. - Não sei e mesmo que soubesse não poderia. - Então seu irmão continuará morto. - Sei que o senhor irá mudar de idéia. - Vá para o inferno. *** Atordoado William trancou-se mais uma vez em seu quarto, onde tornou a escrever a história do rapaz. Fez tudo o que prometer, mesmo sem vontade. Escreveu de qualquer forma não se preocupando com a forma. No dia seguinte entregou-a por inteira ao jovem que o agradeceu com um caloroso abraço. Esperava que agora tivesse dado fim ao filme de terror que se instalara em sua vida.

Capítulo 10.

Dirigindo de volta à sua casa, notou um acidente de carro. Passou direto por ele sem dar muita atenção, mas logo freou o veículo bruscamente. Desesperado viu a cena. O carro de sua esposa todo amassado e suas filhas presas às ferragens. No hospital recebeu a notícia que esperava: uma delas havia falecido.

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Prostrado, no banco do hospital, sentia na pele tudo que havia feito seus personagens sentirem. Chorando perguntou-se se fora mesmo o acaso ou alguém estava se vingando dele. E este alguém só poderia ser o escritor. Mas o escritor de sua vida? *** Sua esposa e outra filha ficaram internadas no hospital com um quadro estável. Segundo o policial um bêbado avançara o sinal e colidira com o veículo. A vontade que tinha era de matá-lo, mas antes mesmo de pensar em mais nada, encontrou à porta de sua casa quem não vinha há muitos anos. J. Carlos demonstrava ter a mesma idade de antes e, sentado em um banco de madeira, logo apagou seu cigarro indo à sua direção. William não pensou duas vezes em avançar para cima dele. - Seu desgraçado! – gritou segurando seu pescoço. - Você alterou a história, William! Você alterou a história! Teve o que mereceu! - Eu quero a minha filha de volta! - Como todos queriam algo de você? Eu não tenho o poder de trazer sua filha de volta. - Mas sabe quem é meu escritor. - Ah. – disse rindo. – Agora você acredita? - Quero a minha filha! - 1 milhão. – cobrou sem delongas. - 1 milhão? - É pouco pela vida da sua filha? - Então é assim que você joga? E se eu o matasse agora? - Estaria perdido. – disse ironicamente. - Um milhão, amanhã. – disse - Em dinheiro. – impôs. - E a minha filha ao acordar. *** J. Carlos prometeu o que havia cumprido e William pagou o preço. Agora se tornara um milhão mais pobre e não sabia o que vinha pela frente. Livrara-se de seus personagens, mas não tinha idéia do que fazer. Mas algo estranho chamou a sua atenção. Ao escrever novamente aquela história ele não precisou de nada alem de entregá-la ao jovem. William teve uma idéia e a poria em prática na próxima visita de algum jovem.

Capítulo 11.

Dois meses se passaram e o mesmo aconteceu. Um jovem o procurou e fez o pedido. William alterou a história, mas escreveu algo sem que ele percebesse. Na história J. Carlos era assassinado de forma brutal. Escrevera com tanta raiva que sentia seu sangue jorrar e escutava seus gritos de desespero. O jovem o agradeceu e sumiu como eles sempre faziam. Pensou então estar livre de tudo e de todos. Não mais achariam J. Carlos que não mais o denunciaria. Poderia agora viver em paz.

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Mas, passados quase um ano o pior voltou a acontecer. Sua esposa foi acometida de um mal súbito. Câncer. Na verdade, poderia ou não, ser obra de J. Carlos. Improvável, porém possível. O médico havia diagnosticado sua esposa com poucos meses de vida e não havia mais tratamento. - Me desculpe. – foi tudo que disse. Agora ele teria que achar quem escrevera a sua história. Se é que tudo era verdade. Mas como? Como os jovens chegaram a J. Carlos? Quem escrevia tais histórias? Nos jornais do País, ele começou a pesquisar todas as pequenas editoras. Intercalava o tempo que cuidava de sua esposa com sua procura. Finalmente depois de quase um mês encontrou um anúncio similar. Foi então que escreveu sua melhor história. Filho de um rico empresário com seu nome e suas características. Ele se auto descreveu. Tinha a segurança de que era aquela a forma de passar para o Outro Mundo. Seu único problema era esperar 17 anos para finalmente poder fazer o que estava destinado. Não entendia o porquê de 17, mas sentia que como se fosse uma idade da iluminação que a consciência aflorasse em sua mente ou que fosse procurado por um desconhecido, atribuindo-o uma missão. *** Ele levou o livro até o Editor que a comprou da mesma forma que J. Carlos. Em seguida trancou-se em um quarto de hotel, onde disparou um tiro na cabeça. Pronto. Estava acabado.

Capítulo 12.

Seu nome era Eugênio. Não se lembrava de nada alem do que viveram em sua nova vida. Alcançou os 17 anos em grande glória. Pai milionário, boa vida e tudo o que havia escrito. Pensou ser a melhor forma de retratar seu próprio personagem, mas esqueceu-se que a vida que ele lhe dera poderia ser boa demais para querer voltar a ser o William. Por outro lado, mesmo que sem se lembrar, tinha uma esposa com câncer próxima a falecer. Eram 9 horas da manhã e ele se encontrava bastante apreensivo. Enquanto fazia compras em um movimentado Shopping local sentiu ser puxado bruscamente para o lado. A sua frente um senhor de estatura mediana logo falou: William, você precisa correr. - Correr? – perguntou sorrindo. - Você tem até meia-noite. - Para a carruagem virar abóbora? - Estou falando sério. Você não está entendendo. - Então me diga Cinderela. – disse com o ar irônico que havia escrito para si. - Você precisa achar seu escritor. Se quiser salvar a vida da sua esposa. Eu sei que isto é muito difícil de entender. Mas foi você quem escreveu esta história. - Que história? - A da sua vida. - Você está maluco?

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- Você sabia o quanto seria difícil de acreditar. Você me criou. Eu encontrei o escritor para você. Ele não mora longe daqui. Tudo o que precisa é ir ao seu encontro e pedir que mude sua história. - O senhor poderia me dar licença? - Me escute! Você pensa toda a noite em uma mulher chamada Camilla. Você sonha com ela. Você pensa toda a noite em duas crianças. Pensa em uma casa no campo. - Como você sabe disso? - Eu lhe falei. Você precisa vir comigo. - Hoje é. - Seu aniversário. Isto lhe custará apenas uma hora. - Onde fica o lugar? - Perto. - Muito obrigado pela atenção, mas eu hoje estou muito ocupado. - William! – disse segurando-a pelo braço - Eugênio – respondeu empurrando com força seu braço e saindo de perto do senhor. - Pegue, este é o endereço. Minha missão se encera por aqui. – disse o senhor despedindo-se. Com desdém ele guardou o papel no bolso. E feliz, foi à sua festa.

Capítulo 13.

William havia pensado muito em sua vida e se esquecido em como convenceria a si mesmo. Sua festa ocorreu perfeitamente bem e ele completou 18 anos. Acordou com a cabeça levemente dolorida no dia seguinte. A festa havia sido ótima e sua namorada dormia ao seu lado. No banheiro, ao tirar a calça, viu o papel que o velho deixara. O que era aquilo? Tomou um banho bem gelado e seguiu a sua rotina. Dias se passaram, mas ele não conseguia se desfazer do papel. Apesar de achar tudo uma loucura, sentia-se atraído por tal história. E foi numa manhã qualquer, que mesmo achando-se tomado por um devaneio, dirigiu-se até o tal endereço. *** A casa ficava distante da cidade. O velho havia mentido. Eugênio demorou quase uma hora para chegar à residência. Tocou a campainha uma dezena de vezes até ser atendido por um homem de meia idade que usava um espesso óculo de grau. - Posso ajudá-lo? – perguntou tranquilamente. - Na verdade não sei. - Quer entrar? – ofereceu apontando para dentro. Ele sentou-se em uma sala cheia de cristais e com um aroma de incenso. - Você compra histórias? – perguntou a Eugênio. - Que tipo de histórias? - Vejo que não. – disse sorrindo.

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- Não faço a menor idéia do que estou fazendo aqui. Um velho parou-me no Shopping e disse que eu precisava encontrá-lo. - Para que? - Não sei. Não sei de nada! Lembro-me apenas que ele me chamou de William! - William? – disse o homem espantado. – É você? - Quem é William? - William foi o personagem de um de meus livros. O predileto. Ele tinha poderes, sabe? Ele era como eu. Sempre quis conhecê-lo. - Mas o que eu tenho a ver com isto tudo? - Pode soar estranho, mas você deve ser o William. O jovem riu com descaso. - Quantos anos você tem? – perguntou o homem. - Dezoito. Fiz ontem. - Não acredito! – disse quase dando um salto. - O que está acontecendo? - Eu só poderia mudar a história caso você me procurasse antes dos 18. Não é minha culpa. É a regra Universal. - Você é maluco? - Mas há uma saída. – disse levantando e andando em círculos. – Eu sei por que você me procura. Sua esposa teve câncer. Estágio terminal. Mas você não sabia que ela iria se curar e vocês se tornariam grandes ativistas. William se tornaria Presidente. Mas eu não entendo. Por que você se matou? Eu não escrevi isto! - O que você está dizendo? - Escute. Você já escreveu algum livro? - Não gosto de ler. - Lhe darei um livro. Você o lerá e em seguida escreverá a sua história. Você tem o dom. Você nunca mais voltará a ser William, mesmo assim, poderá voltar à sua família. Cure os traumas e a doenças de sua esposa. Talvez você seja a cura milagrosa, não sei! Não sei o que está acontecendo. Os personagens têm ganhado vida própria e fugido da história. Nem sempre ela dá certo. Desacreditado o jovem leu lentamente a história e em seguida, com um pedaço de papel, escreveu com descaso o um personagem para ele. - Estou ficando maluco. Acabei! – gritou. O escritor então entrou na sala e, sem pensar, atirou na cabeça do jovem.

Capítulo 14.

Um homem era levado por uma maca desesperadamente pelo hospital. Na sala de cirurgia o médico tentava remover a bala de sua cabeça. O diagnóstico não era favorável e a morte não era difícil de ser presumida. Um milagre: foi tudo que resumiu a equipe médica. O homem estava a salvo. Ele ficou semanas a se recuperar e passado elas pode ver alguém entrar pela porta. Era J. Carlos. Ele não havia morrido. Como o escritor havia dito: os personagens começaram a ganhar vida própria. - Você deu sorte. – disse sentando ao seu lado. - Eu não entendo. Minha esposa foi curada pelo câncer, está grávida de um menino, mas eu não fui Eugênio. Como?

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- Você não é um Editor. Esqueceu-se? Você é apenas um escritor. Você tem um dom, William. O dom de criar histórias e vidas. - É tudo tão confuso. - Se você parar por um segundo, e pensar, seria mais fácil do que acreditar em Deus, não? - Por que você não morreu? - Porque apesar de também ter sido criado nós temos nosso livre arbítrio. Não somos guiados apenas pelos instintos e destinos. Você, em algum momento de sua vida, já sentiu a estranha sensação de não tomar certo caminho ou fazer certa coisa? - Todos nós temos. - É quando deixamos de ser a história para criarmos nossos próprios personagens, Veja ao redor. Quantas e quantas pessoas não seguem a mesma rotina a vida inteira? Suas histórias já estão escritas. Mas, quanto deles conseguiram realmente mudar o Mundo? Primeiro você precisa liberta-se de si mesmo, para então, ser você. - Escrevi tantas histórias tristes e você me deixou publicá-las. - Você apenas os criou, William. Não escreveu cada suspiro, cada olhar, cada momento, cada gesto. Eles podiam mudar o destino, porém continuaram presos às histórias. - Quem foi o primeiro de todos os Editores? - A solidão. A solidão criou personagens para acompanhá-la. Chamaram a solidão de Deus. Mas, ao longo do tempo, esqueceram-se de que nós fazemos parte de Deus. Eu, você, todos nós. - E se eu morresse? - Você alguma vez já morreu? - Claro que não. - Então porque acreditas tanto na morte? Só porque vê o outro partir? FIM. * Todos os direitos autorais reservados ao Autor. Esta obra se encontra registrada na Biblioteca Nacional.

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